Biologia da
Polinização
André Rodrigo Rech
Kayna Agostini
Paulo Eugênio Oliveira
Isabel Cristina Machado
(Organizadores)
Biologia da
Polinização
André Rodr igo Rech
Kayna Agostini
Paulo Eugênio Oliveira
Isabel Cr istina Machado
(Organizadores)
Ilustração: Raoni Rebouças
Biologia da
Polinização
1ª edição
Rio de Janeiro
2014
BIOLOGIA DA POLINIZAÇÃO
1ª edição
Copyright © 2014 dos Organizadores
A reprodução desta obra é livre e irrestrita, desde que citadas as fontes.
Fotos da Capa
Ivan e Marlies Sazima
Organizadores
André Rodrigo Rech
(andrerodrigorech@gmail.com)
Kayna Agostini
(kaynaagostini@gmail.com)
Paulo Eugênio Oliveira
(poliveiragm@gmail.com)
Isabel Cristina Machado
(icsmachado@yahoo.com)
Revisores
Ceres Belchior
Comitê Editorial do Ministério do Meio Ambiente
Comitê Editorial de Revisão (nominados ao final do livro)
Serviços Editoriais
Editora Projeto Cultural
(contato@editoraprojetocultural.com.br)
DADOS INTERNACIONAIS PAR A CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Lioara Mandoju CRB-7 5331
Nota dos Organizadores
Os organizadores desta obra envidaram os seus melhores esforços para referenciar todas as fontes
bibliográficas e virtuais consultadas, bem como creditar todas as fotografias e ilustrações utilizadas e,
colocam-se a disposição para corrigir quaisquer eventualidades em uma próxima edição.
Sumário
Seção de Abertura
Prefácio .......................................................................................................................................................................................................... 9
Palavra dos organizadores ..................................................................................................................................................................... 11
Mensagens laudatórias ........................................................................................................................................................................... 13
Seção 1. Fundamentos
Capítulo 1. Biologia da polinização: uma síntese histórica ............................................................................................................ 27
André Rodrigo Rech e Christian Westerkamp
Capítulo 2. A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos ............................................................................................................ 45
Simone de Pádua Teixeira, Cristina Ribeiro Marinho e Juliana Villela Paulino
Capítulo 3. Sistemas reprodutivos ....................................................................................................................................................... 71
Paulo Eugênio Oliveira e Pietro Kiyoshi Maruyama
Capítulo 4. Reprodução assexuada ...................................................................................................................................................... 93
Ana Paula de Souza Caetano e Priscila Andressa Cortez
Capítulo 5. Flores no tempo: a floração como uma fase da fenologia reprodutiva ................................................................ 113
Mauricio Fernández Otárola e Márcia Alexandra Rocca
Seção 2. Recursos e Atrativos
Capítulo 6. Recursos florais ................................................................................................................................................................. 129
Kayna Agostini, Ariadna Valentina Lopes e Isabel Cristina Machado
Capítulo 7. Atrativos .............................................................................................................................................................................. 151
Isabela Galarda Varassin e Láercio Peixoto do Amaral-Neto
Seção 3. Polinizadores
Introdução. Síndromes de polinização: especialização e generalização .................................................................................. 171
André Rodrigo Rech, Rubem Samuel de Avila Jr. e Clemens Schlindwein
Capítulo 8. Polinização abiótica ......................................................................................................................................................... 183
André Rodrigo Rech, Pedro Joaquim Bergamo e Rodolfo Antônio de Figueiredo
Capítulo 9. Polinização por abelhas .................................................................................................................................................. 205
Mardiore Pinheiro, Maria Cristina Gaglianone, Carlos Eduardo Pereira Nunes, Maria Rosângela Sigrist e
Isabel Alves dos Santos
Capítulo 10. Polinização por lepidopteros ....................................................................................................................................... 235
Reisla Oliveira, José Araújo Duarte Junior, André Rodrigo Rech e Rubem Samuel de Avila Jr.
Capítulo 11. Polinização por besouros ............................................................................................................................................. 259
Hipólito Ferreira Paulino-Neto
Sumário
Capítulo 12. Polinização por dípteros ............................................................................................................................................... 277
Tarcila de Lima Nadia e Isabel Cristina Machado
Capítulo 13. Polinização por vespas .................................................................................................................................................. 291
Rodrigo Augusto Santinelo Pereira
Capítulo 14. Polinização por vertebrados ........................................................................................................................................ 311
Erich Fischer, Andréa Cardoso de Araujo e Fernando Gonçalves
Capítulo 15. Polinização por engodo ................................................................................................................................................ 327
Fábio Pinheiro
Seção 4. Perspectivas
Introdução. Fronteiras do conhecimento em ecologia da polinização: novas ferramentas e perspectivas de
abordagens integradoras ...................................................................................................................................................................... 345
Rogério Gribel
Capítulo 16. Seleção fenotípica mediada por polinizadores ....................................................................................................... 349
Santiago Benitez-Vieyra, Marcela Moré e Felipe W. Amorim
Capítulo 17. Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades .................................................................... 373
Leandro Freitas, Jeferson Vizentin-Bugoni, Marina Wolowski, Jana Magaly Tesserolli de Souza e
Isabela Galarda Varassin
Capítulo 18. Interações entre plantas e polinizadores sob uma perspectiva filogenética .................................................. 399
André Rodrigo Rech, Aline Cristina Martins e Fernanda Barão Leite
Capítulo 19. Ecologia cognitiva da polinização .............................................................................................................................. 417
Vinícius Brito, Francismeire Telles e Klaus Lunau
Capítulo 20. Genética nos estudos com polinização ..................................................................................................................... 439
Jaqueliny Zocca Canuto, Alessandro Alves-Pereira e Marina Corrêa Côrtes
Capítulo 21. Economia e polinização: custos, ameaças e alternativas ...................................................................................... 461
Márcia Motta Maués
Capítulo 22. Polinização e demografia de espécies vegetais ...................................................................................................... 483
Silvana Buzato
Capítulo 23. Conservação dos polinizadores .................................................................................................................................. 493
Isabel Alves dos Santos, Marcelo Aizen e Cláudia Inês da Silva
Corpo editorial de revisão .......................................................................................................................................................................... 527
Seç ão DE
ABERTUR A
Foto: Thomas Lewinsohn
Prefácio
A
polinização é considerada um serviço ecossistêmico básico e que suporta os outros serviços ecossistêmicos
disponibilizados pela natureza, como aumento da produção agrícola, do controle biológico e da erosão
do solo, ciclagem de nutrientes, conservação da vida selvagem etc. Nos últimos anos, as alterações antrópicas,
ou seja, os impactos causados pelo homem na sua utilização dos recursos naturais, levaram ao decréscimo de
populações de alguns polinizadores fundamentais para a produção de alimento no mundo. Como consequência,
um alerta geral sobre a importância do tema surgiu nos cenários científico e econômico. O valor da polinização
na agricultura mundial foi estabelecido em aproximadamente 10% do valor econômico dos produtos agrícolas.
O assunto passou a ser abordado em muitos setores e foram feitas projeções econômicas de acordo com as
externalidades de mercado e as ambientais.
O valor da polinização biótica, entretanto, que compreende a polinização pelos animais (insetos como
abelhas, mariposas, besouros, borboletas; pequenos vertebrados, destacando-se algumas aves e os morcegos),
foi estabelecido para as poucas espécies que compõem a maior parte da alimentação humana comercializada.
Mas a estimativa mais recente é de que a polinização por animais favorece cerca de 87,5% das espécies
botânicas conhecidas (308.000 espécies aproximadamente), portanto o seu valor para a manutenção da
biodiversidade é incalculável. Neste momento da vida do planeta, as interações entre plantas e polinizadores
e o impacto na biodiversidade são de vital importância e focalizados, nesta década da biodiversidade, como
prioridade.
No Brasil, os pesquisadores Marlies Sazima e Ivan Sazima estabeleceram um grupo de estudos de polinização
de nossas plantas nativas, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na década de 1980. Foi um
trabalho pioneiro, bem estruturado, de alta qualidade e que trouxe frutos importantes, entre eles a formação
de uma geração bem preparada de biólogos da polinização, que continuam multiplicando este conhecimento.
A atividade acadêmica da Dra. Marlies Sazima, que é alvo desta homenagem ao completar seus 70 anos, se
reflete na produção científica e na formação de excelentes pesquisadores, que ocupam posições de destaque
em universidades e centros de pesquisa de todo o país e no exterior.
Este livro, cuidadosamente preparado para esta ocasião, é o mais importante e atual sobre Biologia da
Polinização publicado no Brasil, em português, e está entre os melhores da literatura internacional. Destacase a abordagem evolutiva, precisa e ao mesmo tempo simples. Os capítulos foram bem elaborados, utilizaram
ampla literatura e nos trazem um panorama muito completo sobre o que é conhecido atualmente sobre a
Prefácio
polinização. A leitura é muito agradável e permeada de dados históricos para a construção dos conceitos. As
figuras apresentadas são de muita qualidade e ilustram muito bem o texto. Será certamente um clássico da
literatura científica brasileira.
Um livro com a síntese do conhecimento está entre as mais preciosas homenagens que alunos e colaboradores
podem prestar a uma cientista. Ele reflete de maneira clara e objetiva a enorme contribuição acadêmica da Dra.
Sazima, um exemplo a ser seguido. Sem dúvida, a sua utilização trará um grande avanço para o desenvolvimento
da área no Brasil. Conheci Marlies e Ivan quando ainda éramos alunos do curso de Ciências Biológicas, no
Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). Os estudos sobre polinização e os lindos slides
apresentados por eles, além da precisão da informação, nos encantavam. Eu trabalhava com as abelhas e eles,
com os sistemas de polinização. Comportamento animal era o nosso interesse comum. Mais tarde, a polinização
e, mais diretamente, focalizar as abelhas como os polinizadores muito importantes para a biodiversidade
brasileira fizeram parte da minha rotina de estudos e trabalho. Durante essa longa trajetória, foi sempre um
prazer ler os trabalhos publicados, acompanhar a produção dos alunos e compreender a teia da construção do
conhecimento, com flores, abelhas e outros animais.
Este livro terá um lugar de destaque na nossa biblioteca e no dia a dia de pesquisadora e professora. Fiquei
muito sensibilizada com essa importante contribuição e com a possibilidade de externar aqui o meu respeito
e a minha consideração por todos os autores e, especialmente, por Marlies Sazima.
Vera Lucia Imperatriz-Fonseca
(Universidade de São Paulo)
Palavra dos organizadores
O
projeto que culminou com a redação desse livro nasceu da preocupação coletiva de dispormos de um
material de relevância acadêmica na área de biologia da polinização acessível aos estudantes de todo
o Brasil. Iniciamos os trabalhos com conversas isoladas entre estudantes na sala de uma república de Barão
Geraldo, em Campinas. Após algumas discussões já era fato que integrávamos um projeto muito maior, sonhado
muitas vezes por muitos dos autores. À medida que as ideias foram tomando corpo, muitas pessoas começaram
a acreditar nessa proposta e, com o passar dos meses e muitos e-mails, logo tínhamos uma equipe de excelência
e entusiasmada agregando a empolgação que nunca tivéramos imaginado. Com o apoio de todos ficou claro
que estávamos em busca de uma obra que primasse pela qualidade técnica e que tivesse também coerência
conceitual e síntese científica. Ao longo de três anos de trabalho intenso buscamos chegar o mais próximo
possível do almejado.
Planejamos escrever um livro dividido em capítulos que constituísse ao mesmo tempo uma síntese do
que já se sabe sobre os diversos tópicos no Brasil em consonância com as discussões internacionais dos temas.
Primamos por uma abordagem na perspectiva ecológico-evolutiva em detrimento de estudos de caso específicos.
Ao longo de 23 capítulos oferecemos uma abordagem introdutória sincronizada com a identificação de lacunas
e caminhos para cobri-las.
Após muitas tentativas de organizar os capítulos de forma lógica e conectada resolvemos apresentar o livro
em quatro seções. Na primeira são tratados a história, os aspectos morfoanatômicos das estruturas florais, os
sistemas sexuais e reprodutivos e a fenologia. Na segunda seção são abordados os temas recursos e atrativos.
A terceira parte consta de uma introdução específica das principais ideias sobre evolução de sistemas de
polinização, e os capítulos seguintes se prestam a apresentar e discutir os grandes grupos de polinizadores
conhecidos atualmente. A Seção 4 também inicia com uma introdução geral sobre o que consideramos novas
abordagens em biologia da polinização, ao que se seguem os capítulos tratando especificamente de cada um
desses campos de estudo na área.
Esperamos que este livro-texto possa ser um estímulo às pesquisas em biologia da polinização no Brasil.
Entendemos que, apesar dos muitos esforços de cada autor e revisores, restará o que ser melhorado em versões
futuras, no entanto entendemos também que a publicação desta obra não significa apenas um avanço teórico
para leitores da língua portuguesa, mas concretiza igualmente a integração de um grande grupo de pesquisadores
interessados no avanço do ensino e da pesquisa no Brasil. Por fim, fazemos deste livro uma singela homenagem
P a l a v r a d o s o r g a n iz a d o r e s
à carreira de ensino e pesquisa dos Professores Marlies e Ivan Sazima, mestres e referências, que fundaram o
campo de pesquisas no Brasil e desde o início primaram pela qualidade e relevância de suas investigações. Mais
do que isso, é na figura integradora e sempre disposta a acolher da Professora Marlies que esperamos orientar
o futuro da biologia da polinização no Brasil.
André Rodrigo Rech
(Professor Adjunto na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri)
Kayna Agostini
(Professora adjunta na Universidade Federal de São Carlos)
Paulo Eugênio Oliveira
(Professor associado na Universidade Federal de Uberlândia)
Isabel Cristina Sobreira Machado
(Professora titular na Universidade Federal do Pernambuco)
Mensagens laudatória s
O
s professores Marlies e Ivan Sazima fundaram, no Brasil, a escola de Biologia da Polinização, razão pela
qual lhes homenageamos com este livro na ocasião do aniversário de 70 anos da Professora Marlies.
Embora o casal represente com propriedade a ciência brasileira de qualidade, seu reconhecimento vai muito
além de nossas fronteiras. Nas páginas a seguir apresentamos os comentários de líderes mundiais no campo
da Biologia da Polinização acerca do trabalho de Marlies e Ivan Sazima e sobre este livro que lhes é dedicado.
À esquerda, o casal Marlies e
Ivan retornando de uma das
excursões mensais ao campo
em Picinguaba, litoral de São
Paulo, e, à direita, com os
sorrisos que eles deixam na
memória de todos aqueles
que com eles convivem. Fotos
de Lorena Coutinho Neri da
Fonseca.
Stefan Vogel, Divisão de Botânica Estrutural e Funcional, Universidade de Viena – Austria
(Tradução por Gleiton Matheus Bonfante)
(Versão original em alemão)
Como um colega, que nutre já há quase trinta anos
Als einem Kollegen, der Marlies und Ivan Sazima
uma relação acadêmica e de amizade com Marlies
seit beinahe dreißig Jahren in wissenschaftlicher
e Ivan Sazima, é uma grande alegria e uma honra
und freundschaftlicher Verbindung steht, ist es für
poder contribuir com uma pequena introdução para
mich eine Freude und Ehre, diesem ausgewogenen
este coerente compêndio. O volume traz uma visão
Kompendium das Geleit geben zu dürfen. Der Band
sintética e contemporânea dos aspectos atuais de
gibt auf hohen Niveau einen zeitgemäßen Überblick
nossa ciência, os quais também são de significativa
über alle aktuellen Aspekte unserer Wissenschaft,
relevância econômica. Vários colegas e um conjunto de
die auch von erheblicher wirtschaftlicher Bedeutung
não menos que cinquenta pesquisadores prepararam
sind. Kollegen und ein Ensemble von nicht weniger
Mensagens laudatórias
esta obra como uma homenagem pela ocasião de sua
als fünfzig Schülern haben Marlies Sazima dieses
aposentadoria depois de tantos anos devotados à
Werk als Hommage aus Anlass ihrer Emeritierung
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – um
an der Universität von Campinas gewidmet - ein
empreendimento redacional impressionante. O livro
beeindruckendes redaktionelles Unternehmen.
é um atestado da estima por Marlies Sazima como
Allein dies zeugt von der Wertschätzung von
professora e pesquisadora.
Marlis Sazima als Professorin und Forscherin.
Há duas décadas realizando pesquisa de campo
engajada na região Sudeste do Brasil, compreendendo
a Serra do Cipó, a Serra do Japi e até o Pantanal, ela
difundiu, tanto no Brasil como no exterior, mais de
trinta publicações sobre o fenômeno da polinização.
Sie hat seit zwei Jahrzehnten, von Jugend auf
spontan engagiert, im engeren und weiteren
Umkreis des südlichen Brasiliens, ausgedehnt auf
die Serra do Cipó, Serra do Japi, und das Pantanal,
Feldforschung betrieben und mehr als dreißig,
im In- und Ausland erschienenen Publikationen
A ssim, ela conseguiu reconhecimento e
zum Bestäubungsgeschehen herausgegeben.
admiração em todo o mundo graças à qualidade de
Dadurch hat sie Anerkennung und Verehrung
suas análises e ao seu engajamento sem descanso na
in aller Welt dank der Qualität ihrer Analysen
empresa científica. Devido a suas contribuições claras
und ihres rastlosen Engagements in unserer
e objetivas, ela vigora como pioneira em seu campo e
Wissenschaft verdient. Sie kann mit ihren klaren
como fundadora de uma escola exemplar em seu país.
und objektiven Beiträgen als Pionierin in diesem
Feld und als Begründerin einer vorbildlichen
São dignas de destaque as muitas e complicadas
Schule in ihrem Land gelten. Allein die vielen,
expedições noturnas para o estudo e esclarecimento
nicht unproblematischen nächtlichen Expeditionen
das flores polinizadas por morcegos, as quais, para sua
zur Aufklärung der Fledermausblumen, die sie
execução, contaram com a colaboração de estudantes
zum Teil unter Mitwirkung ihres Mannes, des
e de seu marido, o zoólogo Ivan Sazima. O mesmo
Zoologen Ivan Sazima, und einigen Studenten
sucesso obtido como pesquisadora pode ser visto no
durchgeführt hat, sind hervorzuheben, und das
seu comprometimento com a família e com o ensino.
bei aller Beanspruchung durch Familie und Lehre.
Ela também colaborou intensivamente com
Sie trug auch intensiv zur Kenntnis
a produção do conhecimento acerca de plantas
ornithophiler Pflanzen und Insektenbestäubung
ornitófilas e da polinização por insetos no Sudeste
in Süd-Brasilien bei; mit Berücksichtigung von
do Brasil, levando em consideração aspectos
Aspekten der Bestäuberkonkurrenz, Kompatibilität,
da competição entre agentes polinizadores,
bi o cö n o t is ch e B ez i ehun g en u . a . Si e ha lf,
compatibilidade e relações bióticas. Ela ajudou na
Erkenntnisse zu erzielen, die auch zur klaren
coleção de conhecimentos que servem à classificação
Bestimmung und Definition der ökologischen
e à definição das peculiaridades ecológicas dos seres
Eigenschaften der Lebewesen dienen, die in
vivos e que em grande medida são relevantes também
steigendem Maße in die Diagnosen der Taxonomie
à taxonomia.
Eingang finden.
Marlies Sazima não vai cessar sua produção
Marlis Sazima wird nicht aufhören, ihr fruchtbares
frutífera. De fato, o inventário científico da flora
Wirken fortzusetzen. Unerschöpflich bleibt ja der
Mensagens laudatórias
brasileira continua inesgotável. O livro em mãos alcança
wissenschaftliche Fundus der brasilianischen Flora.
seu objetivo de levantar informações relevantes para
Der Leitfaden möge sein Ziel erreichen, Information
a área e incita o entusiasmo e a criatividade no amplo
zu liefern und zur Begeisterung und Kreativität im
campo da biologia da polinização.
weiten Feld der Blütenbiologie anzuregen.
João Semir, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas – Brasil
Sou colega e amigo de Marlies e Ivan Sazima
de preparação de aulas e ensino. Aprendemos
desde os idos tempos de mestrado. Como ela
muito juntos enquanto nos organizávamos para
fui estagiário e depois orientado do Professor
dar nossas aulas. Além disso, também fomos
Ailton Joly trabalhando com algas. Passamos
juntos quase todos os meses por um longo tempo
muitos momentos de ótima convivência coletando
para o campo na Serra do Cipó. Foram muitas
nossos materiais em Ubatuba e escrevendo nossos
caminhadas, muitas conversas, muitas alegrias...
mestrados. Depois o Dr. Joly convidou-nos para
Minha admiração pela Marlies vai muito além da
contribuir com a fundação do então Departamento
qualidade incrível que é a marca registrada de seus
de Botânica da Unicamp que naquele tempo estava
trabalhos. A Marlies tem além da competência, o
sendo estruturada. Então viemos eu, Marlies e
empenho na qualificação de cada um dos seus
Ivan ser professores do Instituto de Biologia da
alunos, o que os leva a terem um carinho visível
Unicamp. Aqui na Unicamp contribuímos para a
por ela. Enfim, falar da Marlies, é falar de uma
formar e ensinar taxonomia, ecologia e polinização
Amiga, Professora e Orientadora por quem tenho
no Brasil. Marlies foi uma excelente companheira
profunda admiração e respeito.
Regine ClaSSen-Bockhoff, Institut für Spezielle Botanik, Johannes Gutenberg-Universität Mainz – Alemanha
(Tradução)
(Versão original em inglês)
Os cientistas possuem amigos em todo o mundo
Scientists have friends all over the world. Even
e, mesmo morando longe, sabem que há alguém que
if they live far away, they know there is somebody
compartilha o mesmo interesse e entusiasmo sobre
who shares the same interest and enthusiasm
um tema específico. O campo de interesse neste caso
on a specific subject. Your field of interest is the
é a interação das plantas e polinizadores, e o trabalho
interaction of plants and pollinators and your
desses pesquisadores agora é homenageado com um
scientific work is now honored with a wonderful
livro maravilhoso sobre a ecologia da polinização no
book on pollination ecology in Brazil. Without your
Brasil. Sem os seus esforços de longos anos em pesquisa
longtime efforts in research and teaching such a
e ensino, este livro seria impensável. Ele interessará aos
book would be unthinkable. It will affect students,
alunos, estimulará projetos de pesquisa e proporcionará
stimulate research projects and provide knowledge
Mensagens laudatórias
o conhecimento dos processos evolutivos para os
from evolutionary processes to nature conservation
programas de conservação da natureza. Estou muito
programs. I am very happy to congratulate you
feliz por poder parabenizá-los pela dedicação e
on the dedication and I am looking forward to a
ansiosa por um contato amigavelmente contínuo e
continuing friendly contact and inspiring exchange
uma inspiradora troca de conhecimentos.
of knowledge.
Pedro Jordano, Estación Biológica de Doñana – Espanha
(Tradução)
(Versão original em inglês)
O estudo da biologia da polinização fornece
The study of pollination biology provides the
os exemplos mais fascinantes de como detalhes da
most fascinating examples of how natural history
história natural são fundamentais para entender a
details are central to understand the evolution
evolução da biodiversidade e sua manutenção. Biologia
of biodiversity and its maintenance. Biologia da
da Polinização é uma revisão abrangente que une estes
Polinização is a comprehensive review that bridges
detalhes com atraentes interpretações. O volume
these details with insightful interpretations. The
representa uma homenagem aos Profs. Marlies e Ivan
volume represents an homage to Prof. Marlies and
Sazima, um casal entre os mais influentes biólogos
Ivan Sazima, a couple among the most influential
especialistas em polinização tropical e naturalistas
tropical pollination biologists and two keen
perspicazes. Seus estudos detalhados sobre as plantas
naturalists. Their detailed studies with Brazilian
e os polinizadores brasileiros servem como modelo,
plants and pollinators are a model, inspiration and
inspiração e guia para muitos pesquisadores em todo o
guide for many researchers worldwide. And this
mundo. Este livro é uma iniciativa que oportunamente,
textbook is a timely initiative that somehow extends
de alguma forma, estende sua herança para as novas
their heritage to new generations of pollination
gerações de ecologistas de polinização.
ecologists.
Luis Navarro, Universidade de Vigo – Espanha
(Tradução)
(Versão original em inglês)
Muitos biólogos especialistas em polinização
Many pollination biologists were waiting
estavam esperando esta excelente e necessária
this excellent and necessary update of the work
atualização do trabalho reunido neste manual por
gathered in this manual by a school of effervescent
uma escola efervescente de ecólogos(as) neotropicais.
Neotropical ecologists. But this work must also be
Mas este trabalho também deve ser considerado uma
considered as a part of the rich legacy that Marlies
Mensagens laudatórias
parte do rico legado que Marlies e Ivan Sazima nos
and Ivan Sazima bring to us. The different chapters
trazem. Os diferentes capítulos deste livro resgatam
of this book recover the essence of curiosity of
a essência da curiosidade sobre o conhecimento
knowing that both have transmitted to several
que ambos têm transmitido a inúmeras gerações
generations of researchers. Mainly, Brazilians, but
de pesquisadores, principalmente os brasileiros.
also elsewhere, we have felt strongly attracted
Sentimo-nos fortemente atraídos por suas descrições
by their descriptions of the spectacular beauty
da beleza espetacular deste mundo de interações
of this world of interactions between plants and
entre plantas e polinizadores que nos legaram com
pollinators that have bequeathed with their great
a sua grande vocação naturalista. Quando comecei a
naturalist vocation. When I started to explore the
explorar o universo de interações, a descoberta de
universe of interactions, the discovery of their work,
seus trabalhos se tornou diretamente ligada à escolha
had much to do with my choice of my professional
da minha carreira profissional, a qual eu adoro.
career which I adore.
Klaus Lunau, Heinrich-Heine Universität Düsseldorf – Alemanha
(Tradução)
(Versão original em inglês)
Marlies e Ivan Sazima são certamente dois dos
Marlies and Ivan Sazima are certainly two of
poucos ecologistas de polinização completos. O mais
the few complete pollination ecologists. Most
emocionante de interagir com Marlies é que não só
exciting to interact with Marlies is that you do
o seu enorme conhecimento sobre a polinização é
not only share her enormous knowledge about
partilhado, mas também o seu entusiasmo com o
pollination but also her enthusiasm for the study
estudo da biologia da polinização. O livro Biologia
of pollination biology. Biologia da Polinização is
da Polinização é apenas uma consequência disso.
but one consequence.
John N. Thompson, Department of Ecology and Evolutionary Biology, University of California – Estados Unidos
(Tradução)
(Versão original em inglês)
Os estudos inovadores dos professores Sazima
Profs. Sazima’s innovative studies over many
ao longo de muitos anos ajudaram a todos nós, que
years have helped all of us who study species
estudamos interações entre espécies, a perceber
interactions to see that the ways in which plants
que as formas como as plantas coevoluem com
coevolve w ith pollinators, and manipulate
polinizadores e os manipulam são ainda mais
pollinators, are even more diverse than we
diversificadas do que suspeitávamos.
suspected.
Mensagens laudatórias
Leonardo Galetto, Universidad Nacional de Córdoba – Argentina
(Tradução)
(Versão original em espanhol)
O livro Biologia da Polinização, organizado por
El libro Biologia da Polinização organizado por
André Rodrigo Rech, Kayna Agostini, Paulo Eugênio
André Rodrigo Rech, Kayna Agostini, Isabel Cristina
Oliveira e Isabel Cristina Machado, representa
Machado y Paulo Eugênio Oliveira representa un
uma homenagem à trajetória dos Profs. Marlies
homenaje a la trayectoria de los Profs. Marlies e
e Ivan Sazima, já que a maioria dos autores se
Ivan Sazima, ya que la mayoría de los autores se
formou com eles. Marlies seguramente sentir-se-á
ha formado con ellos. Marlies seguramente sentirá
feliz vendo como tantos orientados prepararam
felicidad viendo como tantos orientados pueden
esta síntese sobre polinização de 528 páginas,
construir esta síntesis sobre polinización de 528
abrangendo, entre t antos outros , aspec tos
páginas, cubriendo aspectos ecológicos, evolutivos,
ecológicos e evolutivos sobre a conser vação
dos polinizadores. Sua grande dedicação à boa
ciência, sua generosidade permanente e a infinita
paciência para escutar, conversar e suger ir
sutilmente os possíveis caminhos acadêmicos e
na vida que cada um de seus orientados escolheu
e seguiu também estão implícitas na dedicação
com que cada autor estampou seu conhecimento
em cada capítulo do livro. Trata-se de um livro
valioso, principalmente para aqueles que estão
iniciando no fascinante mundo da polinização e
ainda não têm conhecimento suficiente em língua
inglesa para apreciar as sutilezas dos conceitos e
a amplitude temática deste belo campo de estudo.
Quando evoco Marlies em minha memória,
sobre la conservación de los polinizadores, entre
tantos otros. Su gran dedicación a la buena ciencia,
su generosidad permanente e infinita paciencia
para escuchar, conversar y sugerir sutilmente los
posibles caminos en lo académico y en la vida en
que cada uno de sus orientados fue eligiendo y
recorriendo, también subyacen en la dedicación
con que cada autor plasmó su conocimiento
en cada capítulo del libro. Es un libro valioso,
principalmente para todos aquellos alumnos que
se inician en el fascinante mundo de la polinización
y aun no tienen el suficiente nivel en lengua inglesa
para apreciar las sutilezas de los conceptos y la
amplitud temática de este hermoso campo de
estudio.
Cuando evoco a Marlies en mi memoria,
a primeira imagem que aparece é o seu lindo
lo primero que aparece es su imagen con una
sorriso, que transmite sua profunda percepção
hermosa sonrisa, la cual transmite su profunda
e grande inteligência. Marlies é um exemplo
percepción y gran inteligencia. Marlies es un
de vida desenvolvido em um equilíbrio entre
ejemplo de vida, desarrollada en un equilibrio
suas extraordinárias dedicação e paixão para
entre su extraordinaria dedicación y pasión para
desenvolver conhecimento científico de excelência
desarrollar conocimiento científico de excelencia,
e a possibilidade de cultivar encantadoras relações
y la posibilidad de cultivar encantadoras relaciones
humanas com sua família, colegas, orientados e
humanas con su familia, colegas, orientados y
alunos. Sinto-me muito privilegiado de fazer parte
alumnos. Me siento muy privilegiado de formar
da “grande família” de Marlies.
parte de la “gran familia” de Marlies.
Mensagens laudatórias
Jeff Ollerton, University of Northampton – Inglaterra
(Tradução)
(Versão original em inglês)
A biologia de plantas da América do Sul e seus
The biology of South American plants and
polinizadores tem provado ser mais rica e mais
their pollinators has proven to be richer and more
complexa do que poderíamos ter previsto e os
complex than we could ever have predicted, and
cientistas brasileiros, assim como os de outros países,
Brazilian scientists, as well as those from other
continuam a fazer novas descobertas que destacam
countries, continue to make new discoveries that
a importância internacional dessas regiões. Neste
highlight the international importance of these
contexto, a contribuição de Marlies e Ivan Sazima para
regions. Against this backdrop, the contribution of
a ciência brasileira não pode ser subestimada, tanto
Marlies and Ivan Sazima to Brazilian science cannot
pela qualidade do trabalho quanto pela inspiração
be underestimated, both for the quality of their work
que forneceram para os colegas mais jovens. É um
and for the inspiration they have provided to younger
legado que demonstra o melhor da pesquisa ecológica
colleagues. It is a legacy that demonstrates the best
brasileira.
of Brazilian ecological research.
Peter e Mary Endress, Institut für Systematische Botanik, Universität Zürich – Suíça
(Tradução)
(Versão original em inglês)
Marlies e Ivan Sazima têm sido um modelo e uma
Marlies and Ivan Sazima have been a role model
inspiração para muitos alunos e colegas pelo excelente
and an inspiration for many students and colleagues
trabalho no campo da biologia da polinização.
by their outstanding work in the field of pollination
Desejamo-lhes muitos anos bem-sucedidos em seus
biology. We wish them many more successful years
empreendimentos científicos.
in their scientific endeavours.
Scott Armbruster, University of Portsmouth – Reino Unido, e University of Alaska – Estados Unidos
(Tradução)
(Versão original em inglês)
Marlies Sazima é provavelmente a pessoa que mais
Marlies Sazima has probably contributed more
contribuiu individualmente para a nossa compreensão
to our understanding of neotropical pollination
da polinização neotropical, e ela tem sido uma inspiração
than any other single person, and she has been an
para os estudantes de história natural no Brasil e em outros
inspiration for students of natural history both in
países. Em seu trabalho, os Sazima misturaram observação
Brazil and further afield. In their work, The Sazimas
detalhada com compreensão ecológica aguçada para
have blended detailed observation with keen
Mensagens laudatórias
desvendar algumas das histórias de polinização mais
ecological understanding to unravel some of the
emocionantes que conhecemos. É, portanto, extremamente
most exciting pollination stories we know of. It is
apropriado que este importante livro sobre polinização
thus tremendously fitting that this important book
em ecossistemas (principalmente) do Brasil seja dedicado
on pollination in (mostly) Brazilian ecosystems be
a Marlies e Ivan Sazima. Espero que esta obra inspire a
dedicated to Marlies and Ivan Sazima. I hope this
próxima geração de biólogos especialistas em polinização
book will inspire the next generation of pollination
tropical tanto quanto os Drs. Sazima têm inspirado a
biologist as much as Drs. Sazimas have inspired the
geração anterior. Este trabalho de alta qualidade sobre
previous. Such high-quality work on pollination in
a polinização no Brasil será cada vez mais importante no
Brazil will be increasingly important in the near
futuro próximo, visto que enfrentamos crescentes ameaças
future as we face increasing threats of landscape
de transformação da paisagem, perda de biodiversidade
transformation and loss of biodiversity and
e “serviços” ecossistêmicos.
ecosystem “services”.
Peter Gibbs, Plant Science Laboratories, University of St. Andrews – Escócia
(Tradução)
(Versão original em inglês)
Em 1976, pouco depois de me tornar chefe do
In 1976, shortly after I had taken over as Head
departamento de Biologia Vegetal da Universidade
of the department of Plant Biology at Unicamp
Estadual de Campinas (UNICAMP) (naquele tempo
(at that time the ineptly named “Departmento
chamado de “Departamento de Morfologia e Sistemática
de Morfologia e Sistemática Vegetais”) I was
Vegetais”), fui abordado por Marlies e Ivan Sazima, que
approached by Marlies and Ivan Sazima who
perguntaram se eu poderia ler um trabalho que tinham
asked if I would read through a paper they had just
acabado de finalizar. Eu antecipei que poderia ser uma
completed. I anticipated that this might be a bit of a
tarefa árdua, porém mais tarde, naquele mesmo dia, eu
chore, but later that day I found myself reading with
encontrei-me lendo com crescente interesse um relato
growing interest a very competently constructed
competentemente produzido reportando de forma
paper reporting meticulously carried out field
meticulosa observações de campo na polinização de
observations on bat-pollination in Passiflora
morcegos em Passiflora mucronata. Em contraste com
mucronata. In contrast to the brush or bell-shaped
flores com formato de pincel ou de sino dos estudos
flowers of classic bat-pollination studies, here
clássicos de polinização com morcegos, existe a espécie
was Passiflora species with only slightly modified
Passiflora, com flores apenas ligeiramente modificadas e
flowers and just five stamens, but which opened
cinco estames, mas que abriu à noite e atraiu morcegos.
at night and attracted bats. Little did I realize at
Eu mal percebi, no momento, que esse trabalho seria a
the time that this paper would be my introduction
minha introdução para uma série mais ou menos contínua
to a more or less continuous series of carefully
de estudos cuidadosamente pesquisados sobre biologia
researched studies in pollination biology that
da polinização que Marlies, Ivan e seus colaboradores
Marlies, Ivan and their collaborators would produce
produziriam durante quase quatro décadas.
over almost four decades.
Mensagens laudatórias
E que série! A gama de vetores por si só é
And what a series! The range of vectors
impressionante – moscas sirfídeas, besouros, abelhas,
alone is impressive, from syrphid flies, beetles,
pássaros, mariposas falcão, gambás, morcegos
bees, humming and passerine birds, hawk moths,
e lagartos – embora, eu tenha detectado certa
opossums, bats and lizards – although I detect
predileção por Trochilidae. Este trabalho abrange
a certain predilection for the Trochilidae. And
estudos focados em espécies de cerca de 37 famílias
equally amazing, these papers encompass studies
de angiospermas.
focused on species of some 37 ang iosperm
Marlies e seus colaboradores também foram
families.
pioneiros em várias vertentes: eles logo perceberam
Marlies et al. were also pioneers in various
que estudos one off de uma espécie de planta e
ways: they soon perceived that “one off” studies
seus polinizadores têm suas limitações, por isso
of a flowering plant species and its pollinators
iniciaram estudos sobre as comunidades florestais,
have their limitations, and they initiated studies on
efeitos de zonação altitudinal, fenologia de floração,
forest communities, effects of altitudinal zonation,
redes de polinizadores, eficácia do visitante
flowering phenology, pollinator networks, floral
floral e sistemas de reprodução abrangentes
visitor effectiveness, and embraced breeding
(autoincompatibilidade, distilia, dioicia). Em pouco
systems (self-incompatibility, distyly, dioecy).
tempo os estudos foram publicados em revistas
And very soon the studies were published in
internacionais, e alguns adotaram a moda universal
international journals, and some adopted the
americana com títulos peculiares: “Néctar de dia e
then American but soon to be universal fashion
de noite...”, “Pica-pau desfruta refrigerantes...” e
for quirky titles: “Nectar by day and by night...”
“Pequenos dragões preferem flores a donzelas...”
and “Woody woodpecker enjoys soft drinks...” and
são os meus favoritos.
“Little dragons prefer flowers to maidens...” are
A alta qualidade dos estudos dos Sazima
my favourites.
incentivou a colaboração internacional de diversos
The high qualit y of the Sazimas studies
pesquisadores ao longo dos anos – Stefan Vogel,
encouraged international collaboration over the
Leonardo Galetto, Andrea Coccuci e Jeff Ollerton
years with diverse researchers – Stefan Vogel,
são apenas alguns exemplos que me vêm à mente.
Leonardo Galetto, Andrea Coccuci, Jeff Ollerton
Entretanto o mais importante, o cerne da missão
are just a few that come to mind. But perhaps most
acadêmica, talvez seja a abordagem de Marlies aos
importantly, because it lies at the heart of the
estudos de biologia de polinização, o que atraiu um
academic quest, Marlies’ approach to pollination
grande fluxo de ótimos pós-graduandos, imbuídos da
biology studies attracted a stream of first class
importância de um trabalho de campo de qualidade e
post-graduate students who were in turn imbued
da necessidade de lucidez em documentos escritos,
with the importance of good quality fieldwork,
e que posteriormente construíram suas próprias
and need for lucidity in written papers, and who
carreiras em diversas universidades brasileiras.
subsequently forged their own careers in diverse
Tenho tido a sorte de contar com alguns desses
Brazilian Universities. I have been fortunate to
produtos da escola dos Sazima e tê-los como meus
count some of these products of the Sazima and
amigos.
Ivan school as friends.
Mensagens laudatórias
Alguns acadêmicos se aposentaram e deixaram
Some academics retire and leave the University
o mundo acadêmico para fazer outras coisas. Outros
world for other things. Others “retire” but continue
se “aposentaram”, mas continuam a fazer pesquisas.
to do research. We must hope that Marlies Sazima
Esperamos que Marlies Sazima escolha a segunda opção.
will take the latter option.
Biologia da
Polinização
Ilustrações: Raoni Rebouças
Seç ão 1
Fundamentos
Foto: Leonardo Ré Jorge
Ilustração: Raoni Rebouças
*
Capítulo 1
*
Biologia da polinização: uma síntese histórica
André Rodrigo Rech1 e Christian Westerkamp2
1
Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Rua Monteiro Lobato, 255 – CEP: 13083-970 – CampinasSP – Brasil – Caixa postal 6190. e-mail: andrerodrigorech@gmail.com
2
Agronomia, Universidade Federal do Cariri – Rua Vereador Sebastião Maciel Lopes, s/n – Bairro São José – CEP: 63133-610 –
Crato-CE – Brasil.
“Não sei ver nada do que vejo; vejo bem apenas o que relembro
e tenho inteligência apenas nas minhas lembranças.”
(Les Confessions – Jean Jacques Rousseau)
N
esse capítulo é tratada a evolução do conhecimento em biologia da polinização. Destacamos a relação
da humanidade com as flores desde a constituição de grupos tribais até a contemporaneidade. Quanto
ao aspecto científico apresentamos a história da biologia da polinização desde os primeiros registros formais
até seu desenvolvimento ao longo do século XX. Apresentamos o cenário europeu com as primeiras investigações e debates teóricos, bem como a expansão das pesquisas em biologia da polinização para além dessas
fronteiras. No Brasil chamamos a atenção para a figura de Fritz Müller, um investigador simples e dedicado,
que produziu uma vasta gama de dados e conceitos, utilizados inclusive no suporte à teoria da evolução de
Charles Darwin. No âmbito mais recente percebe-se um avanço contínuo tanto na quantidade quanto na
qualidade das pesquisas com a temática que vem sendo desenvolvida no país. Acreditamos que a história da
biologia da polinização, permeada por muitas relações de amizade e informações debatidas entre pares com
entusiasmo, servirá de exemplo orientador do futuro dessas pesquisas no Brasil.
28 ⁞ Biologia da polinização: uma síntese histórica
Pinturas nas paredes de cavernas sugerem que as flores
encantam os seres humanos desde os tempos pré-históricos (Goody 1993). Entre os índios brasileiros, flores
são parte das explicações acerca do surgimento dos
seres humanos na Terra, revelando sua importância
estética e representativa (Fig. 1.1; Pereira 1985). Mais
do que fascinantes, as flores possuem uma função que
vai muito além do deleite que podem proporcionar aos
seres humanos. É no mecanismo de polinização, uma
interação ecológica que conecta mais de um milhão
de espécies de organismos, garante a perpetuação
das angiospermas e fornece boa parte dos itens da
dieta humana, que reside a “invisível” importância
das flores (Waser & Ollerton 2006). Nesse capítulo,
apresentaremos parte da história de como as flores
passaram a ser entendidas como a unidade reprodutiva
e dos processos que permeiam a polinização.
De maneira geral, a ecologia da polinização contribuiu e continua a contribuir de forma significativa para o entendimento do mecanismo evolutivo
e do cenário natural no qual os organismos estão
inseridos (Allan 1977, Willmer 2011). Estudos com
cruzamentos de plantas estiveram na base de grandes
revoluções científicas e econômicas, como a teoria
evolutiva e a “revolução” verde. Pensadores como
Aristóteles, Darwin, Mendel e tantos outros dedicaram boa parte do seu tempo ao entendimento do
processo reprodutivo em plantas e suas descobertas
tiveram implicações em inúmeras outras áreas do
conhecimento.
Como registro histórico, os babilônios foram
os primeiros a dar importância a pequenos animais
que possivelmente auxiliassem na produção de figos
(Goody 1993). No entanto Heródotus, quando viajou
ao Oriente, provavelmente foi o primeiro a trazer o
reporte de um evento de polinização em palmeiras.
Entre os assírios ele descreveu ter presenciado uma
cerimônia religiosa relacionada com o que mais tarde
se chamou polinização. Nessa cerimônia, um homem
subia em uma palmeira (provavelmente tamareira) com flores masculinas e trazia as flores para um
sacerdote que as colocava em contato com flores
femininas e assim abençoava as colheitas da estação
com a indução da frutificação (Maheshwari 1950).
Atualmente no Oriente Médio, especialmente no
Iraque e nos Emirados Árabes Unidos, a polinização das tamareiras é feita quase que exclusivamente
de forma artificial. Nesses locais é possível cultivar
apenas indivíduos femininos e adquirir o suplemento
de pólen necessário para polinização diretamente de
mercados locais (Iddison 2011).
Em um contexto investigativo, provavelmente
Aristóteles foi o primeiro a mencionar o mecanismo
reprodutivo das plantas. No entanto, ao fazê-lo, ele
não reconheceu a presença de “sexos” diferentes em
plantas (Maheshwari 1950). A maioria dos escritos da
biblioteca de Aristóteles foi repassada ao seu discípulo
Theophrastus, que foi o primeiro a mencionar detalhadamente as flores. Em seu livro Investigações sobre
plantas (tradução livre) ele enfocou especialmente a
fenologia e alguns aspectos morfológicos das plantas
que ocorriam na Grécia daquele tempo (Capps et al.
1916). Theophrastus abordou também a produção de
odores em diversas partes das plantas, especialmente
nas flores, bem como a diversidade de cores entre
flores de ervas e de árvores. Ao descrever a interação
entre abelhas melíferas e o manjericão, ele recomenda
a erva para a produção de mel (Capps et al. 1916).
Essa foi, provavelmente, a primeira recomendação
prática decorrente de um estudo de interações entre
plantas e polinizadores.
Embora Theophrastus, Heródotus e Plínio
tenham mencionado a possível existência de sexo
em plantas, após seus escritos o tema permaneceu
adormecido por muito tempo. Durante os séculos XV e XVI a questão de “sexo” em plantas foi
André Rodrigo Rech
♦
Christian Westerkamp ⁞
29
Figura 1.1 Breve resumo do mito sobre
a origem da humanidade na cosmovisão Irántxe-Manoki (retirado de Pereira
1985). No início, todos os humanos viviam dentro de uma rocha. Um dia um
índio resolveu ver o que havia fora da
pedra, então transformou-se em uma
ave (Urubuzinho) e saiu voando por
uma abertura no alto da rocha. Lá fora
ele viu animais, mata, campos e o que
mais lhe chamou a atenção: as flores.
Para demonstrar aos demais a beleza
do mundo exterior ele coletou a flor que
mais lhe impressionou, a flor da carobinha ( Jacaranda decurrens). Quando
retornou para dentro da pedra ele escondeu o ramo florido embaixo da perna
e, embora explodindo de felicidade por
dentro, manifestou um rosto triste, pois
estava novamente vendo a realidade de
dentro da rocha. Explicou então a todos como lá fora era lindo e cheio de
possibilidades e como dentro era um
mundo sem graça. Para dar mostras do
que falava, ofereceu aos irmãos a flor
que trouxera. Todos ficaram empolgados
querendo também sair dali. Um velho
enrugado lhes advertiu que ali dentro
havia paz, saúde e não se corriam riscos,
enquanto lá fora tudo era incerto e havia
muita guerra. Os animais que de fora
ouviram o desejo dos índios de sair da
pedra, resolveram ajudar. A paca, a cutia
e a lavadeira tentaram roer a pedra, mas
não conseguiram. Veio então o pica-paude-cabeça-vermelha e com seu bico forte
abriu uma fenda na pedra. Começaram
então a sair os povos indígenas e não indígenas, cada um abrigando-se embaixo
de uma árvore específica. Ilustração de
Raoni Rebouças.
30 ⁞ Biologia da polinização: uma síntese histórica
novamente negada e até considerada um assunto
obsceno (Maheshwari 1950). Nesse período, estames
foram considerados órgãos secretores. Foi apenas após
o invento do microscópio que Grew (1682), no livro
Anatomia de plantas, retomou a descrição de estames
como órgãos masculinos das flores. Porém, apesar do
avanço quanto ao estame, o grão de pólen continuava
sendo considerado portador do eflúvio vivificador,
que, ao repousar sobre o estigma, induzia o ovário a
converter-se em fruto (Maheshwari 1950).
A primeira abordagem experimental da polinização veio com Rudolph Jakob Camerarius, quando ele
se tornou diretor do Jardim Botânico de Tübingen,
em 1687 (Maheshwari 1950). Camerarius observou
que amoreiras (Morus) femininas, quando cresciam
afastadas de indivíduos com flores masculinas, formavam apenas frutos com sementes abortivas. Com
base nessa observação, ele cultivou alguns indivíduos
de flores pistiladas de Mercurialis annua, outra espécie dioica, em potes completamente isolados de
indivíduos de flores estaminadas, obtendo apenas
frutos estéreis. Os mesmos resultados foram obtidos
então com plantas hermafroditas de Ricinus communis
(mamona) e de Zea mays (milho). Como conclusão ele
afirmou: “No reino vegetal, a produção de sementes,
que são o mais perfeito presente da natureza e o meio
geral de manter as espécies, não acontece a menos
que as anteras preparem, previamente, a planta jovem
contida no ovário”. Essas observações estão contidas
na epístola: De sexu plantarum (Camerarius 1694),
que configura o primeiro tratado experimental na
história da ecologia da polinização.
Embora Camerarius tenha apresentado dados
consistentes, suas conclusões não foram unanimemente aceitas. Johann Jakob Dillenius, ao descrever a
cleistogamia (polinização no interior de flores que não
se abrem) em 1732, utilizou-a como um argumento a
favor da inexistência de sexo em plantas. Os estudos
reafirmando as conclusões de Camerarius continuaram sessenta e cinco anos depois, com Joseph Gottlieb
Kölreuter. O cenário em que viveu Kölreuter foi o
do século XVIII, no qual destacou-se a taxonomia
alavancada por Linnaeus. Além de demonstrar a existência de sexos em plantas, Kölreuter buscou provar a
epigênese (desenvolvimento de estruturas morfológicas
apenas após a fecundação) em seus primeiros trabalhos (Mayr 1986). Depois de seis anos trabalhando
em São Petersburgo, na Rússia, Kölreuter retornou
à Alemanha, onde foi diretor do Jardim Botânico de
Baden. Na posição de diretor ele enfrentou conflitos
com o chefe dos jardineiros; sem acesso ao jardim
botânico, ele transferiu os experimentos para o jardim
de sua casa, o que se encerrou após casar-se e mudar-se
para uma casa sem jardim (Mayr 1986).
Uma das marcas da obra de Kölreuter foi a falta
de hierarquização da importância de suas descobertas,
o que tornou sua obra prolixa. Prova de sua minuciosidade pode ser vista no teste da hipótese acerca da
necessidade de fermentação do néctar para a formação de mel. Para isso ele coletou néctar de milhares
de flores de laranjeira e as colocou para desidratar,
verificando que não era necessária a fermentação. No
entanto, para ampliar o poder da conclusão, testou o
mesmo experimento para outras 10 espécies (Mayr
1986). Testando a polinização de uma espécie de
Hibiscus, ele descobriu que algo como cinquenta a
sessenta grãos de pólen eram suficientes para polinização. Mais do que sessenta não aumentava o
número de sementes, porém menos de cinquenta o
diminuía progressivamente. Como uma flor produz
muito mais grãos de pólen do que óvulos, nascia aí
a ideia de competição sexual em plantas, a qual foi
formalizada apenas no século XX.
Kölreuter também se interessou pela hibridação,
processo que igualmente despertou a atenção de
Linnaeus. No entanto, muito do que foi classificado
André Rodrigo Rech
como “híbrido” mostrou-se mais tarde ser espécie.
Linnaeus ficou tão convencido da importância da
hibridação na diversificação das angiospermas, que
reformulou sua hipótese sobre a criação das espécies,
tentando torna-lá “mais natural”, mais conectada
ao que ele via acontecer na natureza. Para ele, Deus
teria, agora na nova versão, criado apenas a categoria taxonômica classe, e todas as infracategorias
teriam surgido por hibridação. Kölreuter discordou
de Linnaeus por razões filosóficas e religiosas. Como
essencialista, Kölreuter acreditava que o grão de
pólen continha a essência masculina e a superfície
do estigma, o fluido feminino. Para testar isso, ele
removeu a umidade do estigma de uma espécie e
transferiu o líquido de outra espécie. Em seguida
ele polinizou o tal estigma e constatou que, provavelmente, o líquido retirado era inócuo. Embora sua
hipótese não tenha sido corroborada, ele permaneceu
com ela e deixou o mecanismo “aguardando” por
novos resultados (Mayr 1986).
Uma teoria anteriormente proposta por
Theophrastus e Caesalpino afirmava que, na fecundação, a mãe provê a medula e o pai, o córtex.
Kölreuter, cruzando híbridos nos dois sentidos (ambos
sendo pais e mães), revelou que ambos contribuem
da mesma forma; para ele isso era uma evidência
de que as essências se misturavam completamente
(Mayr 1986). Com os resultados ele concluiu que
era possível transformar uma espécie em outra, o
que consonava com as ideias da alquimia de transformação de metais em ouro, um forte paradigma da
época. O trabalho de Kölreuter influenciou também
os botânicos Michel Adanson, Gärtner (pai e filho)
e, especialmente, Darwin com a teoria evolutiva.
No livro The variation of animals and plants under
domestication, Darwin citou Kölreuter 32 vezes.
Talvez o maior mérito da obra de Kölreuter
tenha sido sua influência nas pesquisas de seu
♦
Christian Westerkamp ⁞
31
contemporâneo Christian Konrad Sprengel. Na obra
chamada Das entdeckte Geheimniss der Natur im Bau
und der Befruchtung der Blumen, que literalmente significa: O mistério descoberto da natureza na construção
e polinização das flores, Sprengel fez alusão à forma
como Kölreuter se referia à polinização por insetos,
revelando a conexão teórica entre ambos. Na obra
de Sprengel, percebe-se a extrema modernidade com
que lidou com polinização há mais de duzentos anos.
Guias e contêineres de néctar, dicogamia (também
tratada por Kölreuter), hercogamia, polinização por
vibração, flores que enganam e cognição em insetos
polinizadores foram temas que perpassaram a sua
obra e o evidenciaram como um cientista à frente
de sua época (Vogel 1996).
No início, a obra de Sprengel também foi teleológica, marca do paradigma vigente na época e
da sua formação familiar religiosa (Zepernick &
Meretz 2001). Uma de suas primeiras indagações
no primeiro capítulo de seu livro diz: “Continuo
sem entender por que a natureza sempre tem apenas
suas principais propostas em mente... deixando cada
flor existir meramente pelo tempo necessário para a
fertilização... tão logo o carpelo é fertilizado todos os
ornamentos florais são lançados fora... porque agora
eles não terão mais serventia” (Sprengel 1793).
Não é possível ler a obra de Sprengel sem situá-la
na sua história de vida. Sprengel estudou teologia e
filosofia e apenas interessou-se por botânica após seu
médico, reconhecendo que ele era hipocondríaco,
recomendar-lhe como tratamento que evitasse ambientes fechados (Zepernick & Meretz 2001, Vogel
1996). Sprengel acabou dedicando mais tempo à
botânica do que à sala de aula, o que lhe trouxe
problemas com pais e diretores do colégio onde trabalhava. Para Wichler (1936), Sprengel jamais teria
feito o trabalho que fez se tivesse estudado botânica
na academia alemã da época. Como autodidata e
32 ⁞ Biologia da polinização: uma síntese histórica
com alto nível educacional, estava em uma posição
na qual podia pensar livre e intuitivamente. Como
seu trabalho foi feito com nada mais do que uma lupa
de bolso em ambientes naturais, ele nunca dependeu
de financiamentos para suas pesquisas. Pesquisas ao
ar livre eram algo inovador para a época e Sprengel
disse que “tentava capturar a natureza em ação” (Vogel
1996). Essas marcas do trabalho de Sprengel fazem
um alerta no contexto atual de pesquisas, no qual,
dadas as pressões intitucionais, muitos pesquisadores
têm preferido a produtividade em detrimento da
criatividade, ousadia e profundidade dos trabalhos.
No fim de sua vida, devido à sua baixíssima
aceitação no contexto científico, Sprengel voltou-se
novamente para a filosofia, que era a sua formação,
e abandonou completamente a botânica. A principal razão de sua baixa repercussão na época era o
paradigma de que as plantas não devessem evitar a
autopolinização. Uma de suas frases – “a natureza
parece não permitir que flor alguma seja fertilizada
pelo seu próprio pólen” (tradução livre de Sprengel
1793, p. 34) – soava extremamente inadequada. Uma
vez que flores, assim como toda a natureza, teriam
sido criadas em perfeita harmonia, interpretá-las com
uma visão materialista com finalidade em si mesmas
era realmente ousado. Sprengel ainda menciona “insetos tolos” sendo enganados, pilhagem de recursos
e ideias que sugeriam certa desordem no sistema, o
que era amplamente controverso para a época.
Sprengel definiu a si mesmo como um filósofo
botânico, sendo o primeiro a pensar em ecologia funcional na polinização (Vogel 1996). No entanto ele
nunca conseguiu se desvencilhar completamente de
suas convicções religiosas. Percebe-se, na descrição das
estruturas e dos ajustes morfológicos com polinizadores, a ênfase na expediência. Na perspectiva filosófica
de Tomás de Aquino e Spinoza, a expediência era a
demonstração clara da existência de um deus criador.
A controversa influência do pensamento criacionista
o impediram, por exemplo, de entender flores que
não produzem néctar mas oferecem apenas pólen
como recurso; nesse caso ele não conseguia entender
a coexistência da criação perfeita e o fato de uma
mesma estrutura (pólen) servir para duas funções
distintas (Vogel 1996).
À medida que os trabalhos de Sprengel e
Kölreuter evidenciaram a importância do grão de
pólen, começou-se a perguntar qual era exatamente sua relação com o óvulo. Aparece aí a figura do
matemático e astrônomo Giovanni Battista Amici,
que, observando a superfície estigmática de Portulaca
oleracea, acidentalmente viu um grão de pólen iniciando a germinação. Ao observar uma estrutura em
crescimento, ele permaneceu três horas ininterruptas
ao microscópio para descrever o que estava acontecendo. Foi assim que ele viu também o deslocamento
de “grânulos” (núcleos celulares), então se distraiu e
perdeu as estruturas de vista. Na sequência ele iniciou
uma série de estudos com tubos polínicos que lhe
renderam a admissão na Academia de Ciências de
Paris. Embora tenha feito estudos promissores, Amici
encontrou forte oposição às suas ideias no grupo liderado por Matthias Jakob Schleiden, que retomou
o debate acerca da inexistência de sexos em plantas
com base também em estudos com tubo polínico
(Maheshwari 1950).
Em uma reunião na Itália, Amici tentou provar
que o embrião não vinha do grão de pólen, mas
do óvulo. Essa discussão seguiu com os debatedores de ânimos exaltados até que, em 1847, Amici
produziu evidências mais convincentes estudando
Orchis. A proposta de Amici foi apoiada por Wilhelm
Hofmeister (1849) a partir de observações em outras
38 espécies, mostrando que a célula que dá origem ao
embrião é materna. Embora houvesse evidências contrárias, o grupo de pesquisa de Schleiden continuou
André Rodrigo Rech
insistindo nas suas ideias sobre fecundação, recebendo
inclusive um prêmio da Universidade de Amsterdã
(The Imperial Institute of the Netherlands). Para
finalizar o debate, Radlkofer (1856) escreveu uma
monografia apoiando Hofmeister e, a partir daí,
Schleiden, entendendo a situação como uma derrota, mudou-se para Dresden, abandonou a pesquisa
e passou a ensinar história e filosofia (Maheshwari
1950). Percebe-se desse capítulo da história que o
progresso científico é bastante destoante de uma
perspectiva linear e neutra, como acreditam alguns
pesquisadores ingênuos. Boa parte dos paradigmas
somente são superados com a substituição daqueles
que os pensaram.
A embriologia vegetal de maneira geral avançou
muito na segunda metade do século XIX. Strasburger
(1877) confirmou a presença de dois núcleos no grão
de pólen de angiospermas. Em 1875, o zoólogo Oscar
Hertwig definiu pela primeira vez a fertilização (união
dos núcleos das células masculina e feminina). Após
quase vinte anos, a dupla fecundação em plantas
foi descrita por Nawaschin (1898) e por Guignard
(1899). Antes disso, Mottier (1897) já tinha observado o segundo núcleo masculino próximo aos dois
núcleos polares do óvulo, no entanto interpretou
como acidente o que poderia ter sido a descrição
da fusão tripla. Mais interessante ainda foi quando
Finn (1940), reanalisando lâminas do pesquisador
W. Arnoldi preparadas muito antes de 1898, identificou claramente a fusão tripla, o que, no entanto,
passou despercebido para Arnoldi (Maheshwari 1950).
Esse último fenômeno demonstra que descobertas não
carecem apenas de serem observadas, mas também de
conhecimentos prévios e de um arcabouço teórico que
permita sua interpretação. Nas palavras da professora
de ciências Anne Martins, que despertou cedo na
vida do primeiro autor desse texto o interesse pelo
estudo da vida, “não basta ver, é preciso enxergar...”.
♦
Christian Westerkamp ⁞
33
No campo da ecologia da polinização propriamente dita, após os trabalhos de Kölreuter e Sprengel,
o conhecimento avançou lentamente, revelando a
não linearidade do progresso científico. Apenas setenta anos mais tarde seus trabalhos foram redescobertos e amplamente promovidos por Charles
Darwin. Além de Darwin, nessa fase destacaramse também os nomes de Hermann Müller, Severin
Axell e Friedrich Hildebrandt, na Europa, Asa Gray
e Charles Robertson, na América do Norte, e Fritz
Müller no Brasil.
Das 7.700 páginas publicadas por Darwin, 1.100
trataram de biologia floral (Schneckenburger 2009).
O livro sobre orquídeas (Darwin 1862) foi o primeiro
do autor a tratar de flores e desencadeou uma avalanche de trabalhos nesta área quando se avalia a lista de
referências contidas na tradução do livro de Hermann
Müller (1883; ver tabela em Schneckenburger 2009).
Um caso muito divulgado deste livro é o da flor
de Angraecum, cujo polinizador foi sugerido por
Darwin, embasado no comprimento do esporão floral,
e descoberto apenas 21 anos depois (e fotografado
visitando a flor muito mais tarde, Wasserthal 1997).
No entanto, mesmo antes da descoberta e do registro
fotográfico do polinizador de Angraecum, Fritz Müller
já havia encontrado uma mariposa sul-americana
com língua tão longa que demonstrava a existência
de bichos semelhantes àquele previsto por Darwin
(Müller 1873a, b).
O livro The different forms of flowers on plants of
the same species foi o primeiro de Darwin a abordar
os polimorfismos e a evolução da dioicia em plantas
(Darwin C. 1877). Foi em 1842, devido a problemas
de saúde, que Darwin e a família se mudaram para
Down, em Kent (hoje um subúrbio de Londres). Com
mais espaço e mais áreas abertas, Darwin começou
então a estudar plantas. Os estudos com plantas
assumiram tamanhas proporções que, mais tarde,
34 ⁞ Biologia da polinização: uma síntese histórica
ele despendia mais tempo às plantas do que a outros
organismos (Allan 1977). Embora usando plantas
para responder a numerosas perguntas, Darwin nunca
se considerou um botânico.
No livro citado anteriormente, Darwin escreveu: “infinita diversidade de estruturas... para atingir
exatamente o mesmo fim, a saber, a fertilização de
uma flor pelo pólen de outra planta” (Darwin 1877,
p. 284). Esse trabalho marca o início do seu interesse em cruzamento de flores. Seguindo o texto, ele
propõe o gérmen do que veio depois a ser a hipótese
de segurança reprodutiva, explicando a evolução da
autocompatibilidade em Ophrys apifera dentro de um
grupo de espécies autoincompatíveis. Darwin usou
redes para excluir os visitantes florais em cinquenta
e sete espécies de cinquenta e dois gêneros e depois
considerou o desempenho da progênie, concluindo que
a autopolinização produzia uma prole de menor vigor.
No entanto ele mesmo reconheceu um viés em
seus experimentos: “foi um grande lapso do meu trabalho o fato de não ter experimentado naquelas flores
em que era difícil fazê-lo” (Darwin 1876, p. 387).
Como estava interessado em polinização cruzada, ele
excluiu o grupo que lhe daria a melhor resposta, que
seriam as plantas completamente autocompatíveis.
Entre os fatores que pesaram na escolha das plantas
“erradas” estava o fato de terem corolas grandes e
fáceis de manipular, um problema que, segundo
Barrett (2010), perdura pelas gerações de pesquisadores subsequentes. Como demonstração da atenção
que dedicou às plantas, a seguinte frase de Darwin
parece bastante conclusiva: “Eu não acredito que
algo em minha vida científica tenha me dado mais
satisfação do que entender o significado das estruturas
das flores heterostílicas” (Barlow 1958, p. 134).
Um problema que deixou Darwin intrigado por
muito tempo foi a heteranteria (diferentes tipos de
anteras em uma mesma flor). Esse fenômeno ocorre
em mais de 20 famílias e Darwin o estudou por
mais de 20 anos. Em uma carta para Asa Gray ele
escreveu: “Eu estou agora tentando um experimento
com Melastomataceae; eu suspeito muito de que os
dois conjuntos de anteras possuem diferentes funções” (Darwin 1887). No mesmo ano, dessa vez para
Hooker, ele escreveu: “com relação aos dois tipos
de anteras... Estou muito decepcionado, gastei um
tempo e um trabalho enorme com elas e não consigo vislumbrar o significado dessas partes” (Darwin
1887). Foram os irmãos Fritz e Hermann Müller que
esclareceram o assunto (Müller 1881a, 1881b, 1882,
Müller 1883). Baseando-se em muitas observações
no Brasil, feitas por Fritz, eles falaram em anteras de
alimentação e de polinização como uma “divisão de
trabalho” na flor. Vallejo-Marin et al. (2009) usaram
um experimento simples, colando os poros dos dois
tipos de anteras, e confirmaram a hipótese dos irmãos Müller. Esse exemplo mostra como problemas
antigos muitas vezes carecem apenas de criatividade
para serem solucionados.
À medida que a teoria evolutiva de Darwin começou a ser divulgada e aceita, outros pesquisadores começaram a considerar sua utilização na interpretação
de seus resultados. Um deles foi Frederico Delpino,
que, embora se autodenominando evolucionista,
integrou suas explicações com a participação da “inteligência psicovitalística”. Ao mesmo tempo em
que tentava usar os princípios da teoria de Darwin,
Delpino permanecia com uma teleologia equivalente
à de Sprengel (Aliotta & Alliota 2004). Delpino
refinou a classificação ecológica de Sprengel e criou
termos como ornitofilia, melitofilia e assim por diante.
Delpino e Hermann Müller trabalharam basicamente
com o mesmo objeto de estudo, mas divergiram na
abordagem, o primeiro mais interessado em padrões
e o segundo mais interessado em autoecologia. Essa
André Rodrigo Rech
divergência suscitou boa parte das críticas de Müller
às conclusões de Delpino (ver introdução da Seção
3 deste livro).
Delpino dividiu com Sprengel também o fato
de ser professor e a recomendação de trabalhar em
ambientes abertos como o jardim em decorrência de
problemas de saúde (Mancuso 2010). Ele planejou
uma viagem de estudos ao redor do mundo, mas por
falta de recursos financeiros a viagem foi interrompida
antes do final planejado; no entanto ele esteve no
Brasil e realizou coletas no Rio de Janeiro. Em seus
estudos com asclépias e orquídeas, apoiou Thomas
Andrew Knight e Charles Darwin, reafirmando que
nenhuma espécie deveria ser autopolinizada indefinidamente. A esse princípio Darwin chamou Lei de
Knight (Faegri & Pijl 1979). Além disso, ele também
mostrou claramente que o hermafroditismo não implicava necessariamente autopolinização (Aliotta &
Aliotta 2004).
Em sua primeira classificação das plantas conforme o modo reprodutivo, Delpino as separou em
anemófilas e zoófilas. Mais tarde refinou a segunda categoria em subcategorias, como: entomófilas,
ornitófilas e malacófilas, entre outras. Além disso,
também ofereceu explicação para a existência de cores
em flores e as classificou em: ordinárias, brilhantes,
metálicas e pretas (Aliotta & Aliotta 2004). Propôs
ainda uma hierarquia de percepção das cores baseando-se no contraste com um plano de fundo verde na
seguinte ordem: branco, amarelo, vermelho, vermelho
vibrante, púrpura e azul, bem como inferiu que a
mudança de cores de acordo com a idade das flores
teria importância na sinalização aos polinizadores
(Aliotta & Aliotta 2004).
Com relação aos odores, Delpino classificou 45
tipos e abordou inclusive uma possível função repelente, o que o contextualiza em uma discussão
♦
Christian Westerkamp ⁞
35
extremamente atual sobre a função de odores florais
(Junker & Blüthgen 2010). Para os atrativos criou
onze categorias, destacando néctar e pólen, os quais,
neste livro, são tratados como recursos (Capítulo 6).
Além disso, propôs a criação das áreas de pesquisa de
biologia vegetal, dedicada a estudar a questão funcional e a biologia floral, que seria dedicada apenas às
flores. Ele defendia que a morfologia nunca deveria
ser estudada sem uma abordagem funcional. Nas suas
palavras: “sem o suporte da biologia, o que é a morfologia senão a mera e estéril contemplação de formas
e metamorfoses...” (Delpino apud Mancuso 2010).
Contemporânea a Delpino e Darwin, por uma
feliz coincidência no Brasil, se fez a trajetória de Fritz
Müller, que estudou um grande leque de interações
entre organismos (Westerkamp 2013, Westerkamp et
al. 2013). Em comparação com o seu irmão, ele fez
uma contribuição modesta na área de ecologia da polinização, no entanto estimulou muitas pesquisas com
as suas primeiras observações do uso, por exemplo,
da coleta de néctar em membracídeos por abelhas;
de abelhas que pilham colônias de outras espécies em
vez de visitarem flores; de abelhas que usam carne
em decomposição em vez de pólen; de abelhas que
coletam óleos gordurosos e de abelhas cujos machos
coletam perfumes (detalhes em Westerkamp 2013).
Um trabalho que se destacou – e ainda é citado,
até mesmo literalmente (Weiss 1991) – foi o da mudança de cores durante a antese em Lantana (Müller
1877a, 1877b), especialmente nesse trecho: “apenas
as flores jovens de cor amarela são férteis, possuem
néctar e valem visitas. As flores mais velhas (vermelhas) permanecem na inflorescência e, pelo contraste,
deixam as poucas flores férteis mais vistosas” (tradução
dos autores). Em feijoa (Acca sellowiana, Myrtaceae),
ele descobriu a polinização por grandes pássaros frugívoros. As aves devoram as “bagas brancas” (pétalas
suculentas) que circundam o androceu vermelho com
36 ⁞ Biologia da polinização: uma síntese histórica
o qual contrastam fortemente (detalhes em Sazima
& Sazima 2007). Na verdade, o primeiro a observar os polinizadores (aves do gênero Thamnophilus
popularmente conhecidas como chocas) foi seu neto
Hans Lorenz, então com quase cinco anos, colocado
pelo avô ao lado da planta para esperar os visitantes
(Müller 1886). Assim, podemos dizer, hoje, que o
mais jovem ecólogo da polinização do mundo nasceu
no Brasil.
Fugitivo da Alemanha porque viveu seguindo
rigorosamente as suas convicções ideológicas e por
isso não conseguiu emprego, Fritz recomeçou a vida
em plena Mata Atlântica no Brasil. Como colono bem
formado viveu de olhos atentos na mata, conectado
à floresta, observando-a continuamente. Estudou
a natureza, sempre com questões inovadoras que
nasciam da observação atenta, do raciocínio criativo e da enorme capacidade de síntese. Fritz Müller
demonstrou, na prática, como chegar ao conhecimento sem aparelho algum. Um bom exemplo é o
estudo da descarga explosiva de pólen em Posoqueria
(Rubiaceae), no qual ele até conseguiu determinar o
ângulo e a velocidade do disparo, utilizando apenas
ferramentas caseiras simples (Müller 1866).
Com um bom conhecimento em matemática,
ele sempre acumulou grande número de repetições,
às vezes milhares, antes de descrever um novo caso
(Westerkamp 2013). Foi o primeiro a usar uma
argumentação matemática na biologia de populações quando estudou um novo tipo de mimetismo
(Müller 1879), posteriormente chamado de mimetismo mülleriano. O modelo matemático criado por
ele é tão simples, que Zillig (2011) ousou republicar
os números originais na sua coluna em um jornal
diário no sul do Brasil.
Já Hermann Müller foi, provavelmente, o maior
observador das interações entre flores e insetos
(Proctor et al. 1996). Depois do doutorado, ele se
destacou como coletor de musgos e coleópteros
(Schmidt-Loske et al. 2013). Em 1873, ele publicou o primeiro de dois livros importantes, além
de inúmeros artigos científicos (Höxtermann &
Schneckenburger 2010). Em um dos seus artigos,
discute as ideias sobre a visão em cores das abelhas
melíferas (Müller 1882). O primeiro livro: A fertilização das flores por insetos e as adaptações mútuas
de ambos; uma contribuição para o conhecimento da
relação causal na natureza orgânica (tradução livre),
traz, pela primeira vez, o que ele descobriu sobre as
adaptações de insetos às flores e vice-versa – tudo isso
na perspectiva de um morador da Europa Central,
já que Hermann nunca viajou para além desta área.
Insetos e flores foram tratados equivalentemente
pela primeira vez – por isso seu trabalho representa
o primeiro livro sobre ecologia floral. No livro ele
trata intensamente a coadaptação ou coevolução
de flores e insetos – sem ainda usar estes termos
(Schneckenburger 2010). Darwin o achou tão importante, que mandou traduzi-lo para o inglês (Müller
1883). A obra em inglês não representa uma simples
tradução, sendo na verdade uma revisão crítica que
contém muitos novos resultados, os quais podem
ter sido, inclusive, introduzidos sem conhecimento
do autor.
Darwin e os irmãos Müller formaram uma rede
mais íntima de troca de informações, o “triângulo
Down-Blumenau-Lippstadt”, no qual os três influenciaram-se mutuamente (Schneckenburger 2013). Fritz
Müller foi um dos mais importantes informantes de
Darwin, atrás apenas de Hooker (Darwin 1899). No
caso de Hermann Müller, foi o irmão Fritz que o
dirigiu para a ecologia floral. Sabendo dos seus interesses em entomologia e em botânica, ele o estimulou
a estudar as interações entre insetos e flores com a
frase: “Lá, com certeza, ainda há uma imensidão
André Rodrigo Rech
de novidades para se descobrir” (carta de FM para
HM, 1/7/1866). Essa frase com toda certeza pode
ser repetida aos ecólogos da polinização brasileiros,
pois aqui tudo isso continua válido mesmo cento e
cinquenta anos depois de a frase ter sido dita. Quando
Fritz soube que o irmão continuava titubeando, ele
lhe escreveu na próxima carta sugerindo um projeto vitalício de pesquisa, o qual utilizava o livro de
Sprengel como ponto de partida (carta de FM para
HM, 29/10/1866) – a dica do livro veio do próprio
Darwin, que já o conhecia desde 1841, por indicação
de Robert Brown (Darwin 1887, p. 258). O triângulo
“Down-Blumenau-Lippstadt” chama atenção para a
importância da discussão amigável entre pares para
o avanço do conhecimento.
Um antecessor importante de Hermann Müller,
também correspondente de Darwin e Fritz Müller, foi
Friedrich Hildebrand (Schneckenburger 2010). Ele
aproveitou as sugestões de Darwin sobre a sexualidade
das flores (Junker 2011) e estudou “a distribuição dos
sexos nas plantas e a lei da autofertilização evitada e
desvantajosa” (Hildebrand 1867), tema que tornouse título do seu primeiro livro. Ele também foi o
primeiro a ter uma ideia sobre a física da retirada de
pólen por vibração (Hildebrand 1865): no seu texto,
ele imitou, onomatopaicamente (e convincentemente),
as diferentes frequências do zumbido de Bombus em
voo e coletando pólen.
No desenvolvimento das pesquisas com ecologia
da polinização, a virada para o século XX foi marcada
no âmbito europeu pela obra monumental de Paul
Knuth: Handbuch der Blütenbiologie (Knuth 1898a,
1898b, 1898c), continuada após sua morte por Otto
Appel e Ernst Loew (Knuth et al. 1904a, 1904b). Ao
longo das 2.972 páginas dessa obra, os autores sintetizaram o que se sabia até então acerca da ecologia
da polinização para plantas. O período histórico que
se sucedeu à morte de Paul Knuth foi politicamente
♦
Christian Westerkamp ⁞
37
agitado na Europa, especialmente na Alemanha, em
tempos de Primeira e Segunda Guerras Mundiais.
Nesse contexto, os principais avanços científicos se
deram nas áreas de física, química e fisiologia, no
entanto a ecologia, então nascendo como ciência,
incorporou ferramentas e ideias das áreas em franco
desenvolvimento e aos poucos consolidou-se como
uma fonte de importantes conhecimentos.
Carl von Hess, em 1912, usando conhecimentos da fisiologia humana, fez um trabalho no qual
defendia que as abelhas não enxergavam cores. Essa
hipótese era revolucionária, uma vez que falseava as
ideias de Sprengel, Delpino e Darwin acerca das cores
como atrativos sujeitos a seleção natural. Dessa forma,
suas ideias foram a motivação para o surgimento
da linha de pesquisa de cognição em polinizadores
(Capítulo 19). Nessa linha de pesquisa destacou-se
Karl von Frisch, que fez inúmeras descobertas, entre
elas provou que as ideias de Hess eram equivocadas
(Meeuse 1961).
Estudando a visão em abelhas melíferas, Frisch
propôs que elas enxergam quatro categorias de cores,
o que serviu de motivação para que ele buscasse na
natureza as combinações que fossem mais facilmente
detectáveis por elas. Após estudar flores de noventa
e quatro espécies, encontrou as combinações que ele
havia pressuposto como mais contrastantes na maioria
delas. Esse achado corroborou as ideias de Hermann
Müller de que os padrões de cores na natureza não
eram coincidências. Igualmente para o paladar, Frisch
demonstrou que abelhas podem diferenciar quatro
categorias. Ele descobriu ainda que, quando em inanição, abelhas são capazes de detectar quantidades
pequenas de açúcar diluído em água, embora nem
mesmo assim se comparem às borboletas, que seriam
ainda mais sensíveis a quantidades muito diluídas
(Meeuse 1961).
38 ⁞ Biologia da polinização: uma síntese histórica
A abordagem experimental em laboratório foi
a marca clara dos trabalhos de Frisch. Em experimentos de treinamento com abelhas melíferas, teve
sucesso com quase todos os odores testados, embora
nunca tenha conseguido atrair e treinar abelhas para
substâncias com cheiro de carne em decomposição
ou peixe. Teria sido uma surpresa para Frisch ver
os estudos de Fritz Müller, descrevendo espécies de
abelhas-sem-ferrão que utilizam carne como fonte
proteica no lugar de pólen. Para entender a distinção
na percepção de cores e odores, ele desenvolveu os
experimentos com amputação de antenas, os quais
revelaram que as abelhas não percebem apenas os
odores, mas também a forma das estruturas que
cheiram (Meeuse 1961). O achado mais famoso na
carreira de Frisch foi a descrição da dança utilizada
pelas abelhas europeias (Apis mellifera – e hoje se sabe
também por algumas espécies de Meliponini) para
informar outras forrageiras dentro da colmeia acerca
da localização de fontes de alimento (Frisch 1927). Na
época da publicação o trabalho não foi levado muito
a sério, mas terminou por render à Frisch, juntamente
com Nikolaas Tinbergen e Konrad Lorenz, o prêmio
Nobel de Fisiologia em 1973.
Em paralelo ao desenvolvimento dos trabalhos
de Frisch, Fritz Knoll iniciou uma série de estudos
denominada “Insetos e flores”, investigando cognição
em moscas e borboletas. Usando câmaras de vidro,
ele identificou o papel de cor e odor na atração de
Bombylius fuliginosus (Diptera). Em parceria com
Dora Ilse descobriu que Macroglossa stellatarum enxerga cores no espectro do vermelho, além de possuir
preferências inatas (Capítulo 19). Knoll também
investigou a funcionalidade de guias de néctar utilizando um experimento muito criativo. Para testar a capacidade de mariposas detectarem guias de
néctar e as utilizarem na localização do recurso, ele
utilizou duas chapas de vidro e prensou flores entre
elas, mudando a posição das flores e das partes florais isoladamente. No momento em que a mariposa
tocava a placa de vidro, a probóscide deixava uma
marca nela, a qual era depois corada para interpretação. Os resultados sugeriam a função claramente
indicativa do néctar pelas guias. Posteriormente,
Aubrey Manning demonstrou que as guias de néctar
eram detectadas apenas em distâncias muito curtas,
eliminando assim a possibilidade de que elas funcionassem como atrativos florais em geral (Meeuse 1961).
Contemporaneamente a Frisch e Fritz Knoll na
Alemanha, Frederic E. Clements e Frances L. Long,
nos Estados Unidos, formalizaram o que pode ser
entendido como o primeiro tratado metodológico
da ecologia da polinização, preocupados especialmente com o desenho experimental para coleta e
análise de dados na área. O livro Polinização experimental: uma visão geral da ecologia de flores e insetos
(Experimental pollination: an outline of the ecology of
flowers and insects) consiste em estudos de casos com
espécies alpinas e ênfase clara na tomada de dados
e no suporte experimental das afirmações de cunho
ecológico. Com relação ao uso indiscriminado de
listas de espécies para interpretações de interações
ecológicas os autores afirmam: “é impossível indicar
a importância de insetos para uma flor usando listas
de espécies, porque o esforço para aumentar a lista
incorre no exagero da importância de espécies raras
e casos excepcionais” (Clements & Long 1923, p. 6,
tradução livre). Ao longo do século XX vários outros
livros foram dedicados a orientações metodológicas
em ecologia da polinização (e.g., Faegri & Iversen
1989, Dafni 1992, Kearns & Inouye 1993, Dafni
et al. 2005).
Voltando-se para o cenário dos trópicos, um dos
temas que praticamente surgiu e foi desenvolvido ao
longo do século XX foi a polinização por vertebrados
(Capítulo 14). Antes desse período, apenas alguns
André Rodrigo Rech
comentários isolados são encontrados na literatura.
Georg Eberhard Rumpf (também latinizado como
Georgius Everhardus Rumphius) e Mark Catesby
já haviam reportado aves em visitas a flores antes
da segunda metade do século XVIII, mas não fizeram associação alguma com polinização. A primeira
descrição nesse sentido foi feita por Thomas Belt,
que relatou a polinização por aves em Marcgravia
nepenthoides no livro O naturalista na Nicarágua
(Belt 1874). Em detrimento dos comentários feitos
previamente acerca da polinização por vertebrados, Otto Porsch e Stefan Vogel figuram entre os
principais nomes no estudo desses polinizadores,
especialmente morcegos e aves, ao longo do século
XX nas regiões tropicais.
Outras contribuições importantes no entendimento da ecologia da polinização de espécies tropicais
foram feitas por Herbert G. Baker. Os destaques
vão para estudos com polinização por morcegos na
África, mimetismo e polinização por engano em
flores de uma mesma espécie, sistemas reprodutivos e
fenologia de espécies tropicais (Koptur 2006). Baker
atuou também no entendimento da produção, composição e ecologia de néctar e nectários, tema que
Stefan Vogel também estudou brilhantemente (Vogel
1997). A regra de Baker, nomeada em alusão às suas
ideias (Stebbins 1957), postula que espécies hábeis a
colonizar ambientes insulares devem ser autocompatíveis (Baker 1955). Essa regra foi posteriormente
adaptada para explicar colonização de novas áreas,
não apenas ilhas, englobando também generalização
da polinização, e não apenas flexibilização do sistema
reprodutivo (Faegri & Pijl 1979).
Na segunda metade do século XX, pode-se dizer
que o conhecimento em biologia da polinização avançou em duas frentes, uma focada em padrões e outra,
em processos. Na frente baseada em processos houve
um esforço de reaproximação dos conceitos genéticos,
♦
Christian Westerkamp ⁞
39
com os quais a ecologia da polinização dialogou muito
pouco na primeira metade do século, quando as ideias
de Mendel foram redescobertas. Nesse cenário destacaram-se os nomes de Eric Charnov, David Lloyd,
Debora e Brian Charlesworth, entre outros. Entre os
principais temas estudados estiveram a heterostilia, a
seleção sexual em plantas, a biogeografia baseada em
dados moleculares e as bases genéticas do mecanismo
de seleção natural.
A frente baseada em padrões obviamente não
ignorou os processos, mas os deduziu a partir dos
padrões encontrados. Nessa perspectiva estiveram
Leendert van der Pijl, Knut Faegri, Stefan Vogel,
Otto Porsch, entre muitos outros. Nesse programa
de pesquisa está provavelmente um dos assuntos
mais discutidos na biologia da polinização nos últimos vinte anos: as síndromes de polinização e seus
mecanismos evolutivos (ver a Introdução da Seção
3 desse livro).
Enquanto os livros didáticos de Meeuse (1961),
Kugler (1970), Faegri & Pijl (1979), Barth (1982,
1991) e Willmer (2011) foram construídos a partir de
compilações, os trabalhos de Vogel se destacam pela
originalidade e pela formulação de novos conceitos.
Ele começou a estudar as interações entre flores e os
seus polinizadores no subcontinente sul-africano com
a meta de descobrir as conexões entre sistemática e
radiação adaptativa (1954, 2012). Posteriormente,
dedicou-se mais e mais a exemplos europeus e ao
Neotrópico (sem desconsiderar o Paleotrópico), às
vezes seguindo informações iniciais dos trabalhos de
Fritz Müller. Seu interesse pelos sistemas de polinização neotropicais o levou a ser orientador e conselheiro
de muitos colegas brasileiros. Foi ele quem definiu detalhadamente a quiropterofilia no Neotrópico (Vogel
1958, 1968, 1969a, 1969b), descobriu osmóforos e
as suas interações com polinizadores (Vogel 1966,
1990), acrescentou óleos gordurosos aos recursos das
40 ⁞ Biologia da polinização: uma síntese histórica
flores (Vogel 1974, 1986, 1990) e também descobriu e
caracterizou a polinização por Mycetophilidae (Vogel
1978), entre tantos outros pontos.
Como uma feliz coincidência na história da polinização no Brasil, Fritz Müller nasceu no mesmo
ano em que o país nascia com sua independência:
1822 (Westerkamp 2012). Provavelmente foi ele o
primeiro a dedicar-se à ecologia funcional da polinização no país, hoje uma área com muitos pesquisadores dedicados a ela. Deu um bom exemplo para os
estudantes atuais da ecologia floral: demonstrou que
para começar não são necessários aparelhos caros ou
experimentos complexos. Basta que se abram todos
(!) os sentidos e se iniciem as observações, avançando
com ideias e perguntas criativas, experimentos bem
desenhados e muitas discussões entre pares. A história
da polinização no Brasil só começou. Quem dará
futuro a este assunto somos nós – hoje.
Dedicatória
Dedicamos esse capítulo ao Dr. Stefan Vogel, em
homenagem ao brilhantismo de sua carreira e à
quantidade de novas informações que descobriu.
Além disso, homenageamos também sua humildade
e entusiasmo com a pesquisa em biologia da polinização, características com as quais cativou seus pares
e sedimentou seu lugar de respeito entre os grandes
pesquisadores do século XX no mundo.
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G e bi e t e n g e m a c ht e n b lü t e n bi o l o g i s c h e n
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Christian Westerkamp ⁞
41
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André Rodrigo Rech
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Foto: André Rodrigo Rech
*
Capítulo 2
*
A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
Simone de Pádua Teixeira1, Cristina Ribeiro Marinho1 e Juliana Villela Paulino2
1
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) – Av. do Café, s/n – CEP: 14040903 – Ribeirão Preto-SP – Brasil. e-mail: spadua@fcfrp.usp.br
2
Centro de Ciências da Saúde (UFRJ), Cidade Universitária – CEP: 21941-902 – Rio de Janeiro-RJ.
N
este capítulo apresentamos o conceito de f lor com suas controvérsias, bem como sua origem
evolutiva, a morfologia associada à função e as etapas do desenvolvimento dos diferentes conjuntos de órgãos florais. O número, o arranjo e a forma dos órgãos florais são ressaltados, em especial
a filotaxia e suas consequências para a sinorganização e simetria florais. Pontos altos nas apresentações
dos verticilos florais são o cálice atuando também na atração de polinizadores e a corola na proteção
do botão floral, o que indica que a delimitação das funções biológicas dos verticilos, como encontrada
na literatura, é bastante simplista. O desenvolvimento floral é tratado no contexto da polinização, já
que a origem das especializações florais precisa ser compreendida. Ênfase é dada ao modo e à etapa de
desenvolvimento em que ocorrem a conexão de órgãos de mesma natureza ou de naturezas diferentes, e
as alterações no número de verticilos e de órgãos por verticilo, que podem resultar em flores aclamídeas,
monoclamídeas, estaminadas ou pistiladas. Ainda, são tratadas a morfologia e a localização de estruturas secretoras, responsáveis pela produção, armazenamento e/ou liberação de substâncias utilizadas
na atração de visitantes, na defesa da flor ou exercendo ambas as funções, tema pouco investigado na
literatura. Fotografias e desenhos esquemáticos de flores provenientes de espécies da flora brasileira
são apresentados para exemplificar os aspectos tratados. Enfoques inéditos ou de publicação recente
são ressaltados em cada tópico.
46 ⁞ A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
Estruturas semelhantes a flores aparecem no registro
fóssil há 140 milhões de anos, no Jurássico, marcando o provável aparecimento das angiospermas
no planeta. O fóssil mais antigo conhecido de angiosperma, denominado Archaefructus liaoningensis,
foi encontrado no nordeste da China, possivelmente
habitando ambientes aquáticos rasos. Seus ramos férteis seriam de natureza foliar, os estames numerosos
e os carpelos conduplicados (dobrados dorsiventralmente) e dispostos em espiral, localizados acima da
superfície da água, contendo óvulos numerosos; não
havia pétalas ou sépalas (Sun et al. 1998). Embora a
hipótese de A. liaoningensis como o grupo de plantas mais primitivo entre as angiospermas não seja
amplamente aceita (Friis et al. 2003), a importância
deste achado fóssil se deve ao fornecimento de novos
dados sobre as angiospermas basais e à mudança
no pensamento vigente de que flores grandes, chamativas, espiraladas como as da magnólia, seriam
mais primitivas (Friis et al. 2003).
Nos últimos anos, novos achados fósseis, de cerca
de 100 milhões de anos, têm fornecido novas pistas
sobre como seriam as primeiras flores, hipoteticamente semelhantes às de Amborella trichopoda Baill.,
considerada a linhagem mais basal das angiospermas
existentes. A. trichopoda é a única espécie da família
Amborellaceae, naturalmente encontrada na Nova
Caledônia (conjunto de ilhas na Oceania), e tem sido
alvo de inúmeros estudos morfológicos e de biologia
reprodutiva (Endress & Igersheim 2000b; Tobe et al.
2000; Endress 2001; Thien et al. 2003; Buzgo et al.
2004). A caracterização da flor de A. trichopoda e de
sua biologia por estes autores auxiliou na formação de
um novo modelo para as primeiras flores, que seriam
pequenas, unissexuais, de coloração inconspícua,
órgãos dispostos em espiral, meria variável, estames
sésseis e carpelo selado por secreção contendo óvulo
único (Friis et al. 2003; Soltis et al. 2009).
A seguir apresentamos a estrutura das flores
mais comumente encontradas, com considerações
sobre a evolução de cada verticilo floral. A relação
flor-polinizador será abordada nos capítulos subsequentes, ressaltando a importância da polinização
por insetos na diversificação floral, que teve início
há 70 milhões de anos, quando as angiospermas se
espalharam pela Terra (Soltis & Soltis 2004).
Flor: conceito e estrutura
A flor tem sido conceituada como um ápice caulinar especializado ou como um ramo lateral com
entrenós encurtados e apêndices hipoteticamente
homólogos às folhas, modificados para funções
reprodutivas – sépalas, pétalas, estames e carpelos
(Eyde 1975; Fahn 1990; Endress 1994; Lersten
2004). Para aspectos detalhados da Teoria Foliar,
ver Eyde (1975).
As funções reprodutivas atribuídas à flor devem ser bem compreendidas, já que, juntamente
com o corpo vegetativo da planta, ela é parte do
esporófito, ou seja, a geração assexuada no ciclo
das angiospermas. A geração sexuada compreende
os gametófitos masculino (grão de pólen ou tubo
polínico) e feminino (saco embrionário), que se
desenvolvem no interior dos órgãos florais ditos
reprodutivos (Cocucci & Mariath 1995; 2004; Zinkl
2002). Assim, grão de pólen e saco embrionário não
são partes da flor e não serão tratados neste capítulo.
Além de ser o local de produção e abrigo dos
gametófitos, a flor está diretamente envolvida em
várias etapas do processo reprodutivo, como a recepção do grão de pólen pelo estigma e o direcionamento do tubo polínico através do estilete até
o óvulo, e daí ao saco embrionário (Fahn 1990;
Lersten 2004). Além disso, nas plantas zoófilas, a
Simone de Pádua Teixeira
flor tem função importante na atração, olfativa ou
visual, de animais polinizadores (Capítulos 6 e 7).
Entre a grande diversidade de tipos florais nas
angiospermas, o mais comumente encontrado é a
flor pedunculada com quatro conjuntos de órgãos, os
verticilos florais – cálice, corola, androceu e gineceu,
constituídos, respectivamente, por sépalas, pétalas,
estames e carpelos (Fig. 2.1). As flores podem se apresentar solitárias ou agrupadas em inflorescências, que
são classificadas de acordo com vários critérios, como
ontogenia, forma e tamanho do eixo da inflorescência,
presença e tamanho do pedúnculo etc. Verdadeiros
tratados sobre inflorescências são encontrados na
literatura, entre os quais destacamos Rickett (1944),
Weberling (1965; 1988; 1992), Bell (1991), Greyson
(1994), Weberling & Troll (1998), Tucker & Grimes
(1999), Singer et al. (1999), Prenner et al. (2009),
Endress (2010). Apesar da dedicação de vários autores
ao tema, ainda há muitas controvérsias em relação à
tipificação das inflorescências.
O pedúnculo floral é um eixo com a região distal
dilatada, formando o receptáculo, onde os órgãos
florais estão conectados e arranjados segundo padrões
(filotaxia; Fig. 2.2): verticilado (Figs. 2.2 A-C), espiralado (Figs. 2.2 D,E), ou mesmo de forma caótica
ou irregular (Fig. 2.2 F) (Endress 1990; 1994; Fahn
1990; Endress & Doyle 2007). O padrão espiralado
é frequentemente encontrado nas linhagens mais basais de angiospermas, mas também são encontradas
variações entre espiral e verticilado, do que se conclui
que a filotaxia é bastante plástica nas angiospermas
(Endress & Doyle 2007; Endress 2011).
Na filotaxia verticilada (Figs. 2.2 A-C), os órgãos
são iniciados em ciclos, ordenados em círculos no
ápice floral, formando verticilos regulares, cada verticilo sendo constituído por órgãos florais da mesma
natureza (sépalas, pétalas, estames etc.). Os órgãos dos
♦
Cristina Ribeiro Marinho
♦
Juliana Villela Paulino ⁞
47
verticilos subsequentes são geralmente alternos aos
anteriormente formados, isto porque os primórdios
surgirão com mais facilidade nas regiões do meristema
floral com mais espaço livre disponível. Os órgãos
surgem em pulsos, com plastocronos (intervalos de
tempo entre a iniciação de dois órgãos sucessivos)
desiguais e ângulos de divergências formados entre
os órgãos adjacentes também desiguais. Os órgãos
de um mesmo verticilo possuem plastocronos muito
curtos ou mesmo inexistentes, porque a iniciação de
órgãos costuma ser simultânea ou em uma sequência rápida em cada verticilo, embora o plastocrono
entre dois verticilos geralmente seja longo. Não há
um padrão de ângulos de divergências entre órgãos
dentro de um mesmo verticilo ou entre verticilos
diferentes (Endress 1990; Endress 1994; Endress &
Doyle 2007).
Na filotaxia espiral (Figs. 2.2 D,E), os órgãos
florais formam uma espiral ontogenética no ápice floral, surgindo em plastocronos mais ou menos
iguais e formando ângulos de divergência mais ou
menos regulares entre órgãos adjacentes (Endress
1990; Endress & Doyle 2007). Esta é a filotaxia
geometricamente mais simples, apesar de ser, muitas
vezes, mais difícil de ser observada (Endress 1994).
Filotaxia irregular ou caótica (Fig. 2.2 F), mais
raramente encontrada e exemplificada em Victoria
cruziana Orb. (Nymphaeaceae; Endress 2001), é,
provavelmente, resultado de uma mudança no desenvolvimento do padrão verticilado, que acontece como
consequência do aparecimento de órgãos colaterais,
ou seja, dois órgãos surgem onde apenas um seria
esperado. Portanto, filotaxia irregular tende a ocorrer
quando os órgãos florais são numerosos e pequenos
(Endress & Doyle 2007).
Um critério geométrico interessante utilizado
para distinguir os padrões espiral e verticilado é a
48 ⁞ A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
A
B
C
E
D
G
F
H
I
Simone de Pádua Teixeira
♦
Cristina Ribeiro Marinho
♦
Juliana Villela Paulino ⁞
49
Figura 2.1 Morfologia floral de espécies de Leguminosae (A, B, D-G), Lauraceae (C) e Malpighiaceae (H-I). (A) Flor de Crotalaria
pallida Aiton mostrando a corola zigomorfa (p = pétala, s = sépala). (B) Flor de Bauhinia variegata L. sem a corola evidenciando
o cálice gamossépalo e o ovário súpero sustentado pelo ginóforo (a = antera, e = estilete, f = filete, gi = ginóforo, o = ovário). (C)
Flor de Persea americana Mill. mostrando o perianto constituído de tépalas e os estaminódios produtores de néctar próximos ao
carpelo (c = carpelo, es = estames, et = estaminódios, t = tépalas). (D) Corte transversal da sépala de Hymenaea courbaril L. evidenciando o mesofilo com espaços intercelulares, com células fenólicas coradas de verde e com cavidades secretoras voltadas para
a superfície abaxial (coloração: azul de toluidina) (ca = cavidades secretoras, fv = feixe vascular). (E) Corte transversal da pétala
de Caesalpinia pulcherrima (L.) Sw. mostrando o osmóforo constituído de células epidérmicas papilosas na superfície adaxial e
mesofilo com espaços intercelulares e idioblasto secretor (coloração: PAS) (i = idioblasto). (F) Corte longitudinal da antera de
Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville com glândula conectada ao conectivo e grãos de pólen agrupados em políades nos
sacos polínicos (coloração: azul de toluidina) (g = glândula, po = políades, sp = sacos polínicos). (G) Corte longitudinal da flor
de Indigofera jamaicensis Spreng. mostrando os nectários (asteriscos) no receptáculo entre o tubo estaminal e o ovário (coloração:
azul de toluidina) (te = tubo estaminal). (H) Flor de Pterandra pyroidea A. Juss. evidenciando os elaióforos aos pares abaixo das
sépalas (el = elaióforos, créditos de imagem: T. C. Barros). (I) Corte transversal do elaióforo de P. pyroidea mostrando a epiderme
secretora constituída de células em paliçada.
A
B
C
D
E
F
Figura 2.2 Padrões de filotaxia floral. (A-C) Filotaxia verticilada. (A) Note os parastíquios formados em sentido horário. (B)
Note os parastíquios formados em sentido anti-horário. (C) Note os ortostíquios formados. (D-E) Filotaxia espiral. (D) Note os
parastíquios formados em sentido horário. (E) Note os parastíquios formados em sentido anti-horário. (F) Ausência de ortostíquios. Esquema modificado de Endress & Doyle (2007).
50 ⁞ A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
análise da formação de parastíquios e ortostíquios
em estádios iniciais do desenvolvimento floral.
Parastíquios e ortostíquios são as linhas espirais e
radiais, respectivamente, formadas por primórdios de
órgãos florais adjacentes. Parastíquios e ortostíquios
são visualizados durante a iniciação dos primórdios
de órgãos florais no padrão verticilado (Figs. 2.2
A-C), enquanto no padrão espiral formam-se apenas
parastíquios (Figs. 2.2 D,E) (Endress & Doyle 2007).
Diferente do que se acreditou por bastante tempo,
a filotaxia provê estados de caráter bastante plásticos
nas angiospermas basais. Não é possível afirmar qual
o estado ancestral para as angiospermas, embora a
filotaxia espiral predomine entre as Magnoliideae
e as Laurales. Já nas eudicotiledôneas predomina a
filotaxia verticilada (Endress & Doyle 2007).
A filotaxia verticilada possibilitou a sinorganização (conexão de peças florais), que culmina em
uma unidade funcional, e as radiações adaptativas,
encontradas em grupos mais derivados (Endress &
Doyle 2007). A sinorganização floral, por sua vez,
resulta em uma arquitetura floral complexa que pode
interferir nos mecanismos de polinização das plantas.
Em espécies de Papilionoideae (Leguminosae), por
exemplo, a união de pétalas na corola e de filetes
no androceu, resultando na flor papilionácea (Fig.
2.1 A), está intimamente associada à apresentação do
pólen e ao suprimento de recurso para o polinizador
(Westerkamp & Weber 1999). Nestas flores, a união
das duas pétalas abaxiais (quilhas) confere proteção
aos órgãos do androceu e gineceu; além disso, a união
dos filetes de estames forma um tubo que delimita o
disco nectarífero na base do carpelo. A fenestra na
base do tubo, resultado da união parcial dos filetes
(caso do androceu diadelfo e pseudomonadelfo), pode
direcionar o animal polinizador ao disco nectarífero,
facilitando a entrada da probóscide do inseto para a
coleta de néctar (Tucker 2003a).
A filotaxia também tem sido associada aos padrões de simetria floral, sendo a verticilada geralmente
associada à zigomorfia (simetria bilateral; Fig. 2.1 A)
e a espiral, à actinomorfia (simetria radial, Fig. 2.1
C) (comparar as Figs. 2.2 A-C a 2.2 D,E), embora
haja exceções (Jabbour et al. 2009). Estudos apontam
para uma preferência dos insetos por flores zigomorfas (Gómez et al. 2006; Glover 2007), sendo esta,
portanto, uma inovação chave importante para a
atração de polinizadores e, consequentemente, para
a diversificação em angiospermas (Sargent 2004).
O número, o arranjo e a forma dos órgãos florais
definem o aspecto geral da flor, o que apresenta grande
importância sistemática e ecológica, principalmente
com relação aos processos de polinização (Endress
1994). Tais órgãos serão descritos a seguir.
A função de proteção do botão floral geralmente é
atribuída às sépalas, órgãos geralmente verdes, robustos e pouco atrativos (Figs. 2.1 B,D). Especializações
apresentadas pelas sépalas, relacionadas à proteção
(Endress 1994), são a grande espessura, células fenólicas como barreira química (Fig. 2.1 D), indumento
esclerificado voltado para a superfície abaxial, esclerênquima e ráfides no mesofilo como barreiras físicas
(Uhl & Moore 1977; Marinho 2013). Semelhante às
folhas, as sépalas verdes podem apresentar estômatos
e mesofilo em paliçada repleto de cloroplastos, o que
está relacionado à sua capacidade de realizar fotossíntese (Endress 1994). Também podem ser atrativas,
principalmente quando apresentam glândulas de odor
(ver tópico “Estruturas secretoras”, neste capítulo)
ou quando são coloridas ou semelhantes às pétalas
(p. ex., tépalas de Liliaceae) (Endress 1994; Ibanez
et al. 2010; Marinho et al. 2014). Sépalas pouco
vascularizadas e carnosas, como as observadas na flor
de espécies de Bactris (Arecaceae), exercem função de
corpo de alimentação atraindo polinizadores (Uhl
& Moore 1977).
Simone de Pádua Teixeira
A atração visual de animais polinizadores à flor
é atribuída principalmente às pétalas, caracterizadas
por exibirem diferentes formas e cores e serem muito
atrativas (Fahn 1990; Endress 1994) (Capítulo 7).
Podem assumir a função de proteção, principalmente
quando não há sépalas ou quando essas são diminutas. No último caso, enquanto o cálice protege o
botão em início de desenvolvimento, a corola atua
na proteção do botão em estádios mais avançados do
desenvolvimento floral (Endress 1994; Paulino 2012).
Nas flores polinizadas por animais, a anatomia das
pétalas pode ser associada à função de atração, que
pode ser alcançada pelo olfato (presença de glândulas de odor – ver tópico “Estruturas secretoras” e
Capítulos 6 e 9) e pela visão, relacionada à forma, à
cor e ao brilho da corola (Faegri & van der Pijl 1979;
Endress 1994; Effmert et al. 2006; Marinho et al.
2014). As pétalas exibem células epidérmicas papilosas
(Fig. 2.1 E), frequentemente associadas ao aumento
da superfície de emissão das fragrâncias florais e da
absorção e reflexão de luz, interferindo em sua cor
e seu brilho (Fahn 1990; Endress 1994). Quanto
mais papilosa for a epiderme, menos luz é refletida
pela superfície, tornando a coloração da pétala mais
saturada, uma característica bastante atraente para
as abelhas, por exemplo (Kay et al. 1981; Lunau
1990; Endress 1994). Além disso, em alguns grupos
como Orchidaceae, as células papilosas presentes
nas pétalas são importantes no direcionamento dos
polinizadores na flor (Kevan & Lane 1985; Davies
& Turner 2004; Ascensão et al. 2005; Whitney et
al. 2009). No entanto, o principal fator responsável
pela coloração do perianto é a presença de pigmentos (p. ex., carotenoides, antocianinas e flavonoides
absorvedores de luz ultravioleta), principalmente no
interior das células da epiderme (Kay et al. 1981;
Fahn 1990; Endress 1994). Já as flores polinizadas por
agentes abióticos, como a água e o vento, geralmente
não apresentam dispositivos relacionados à atração.
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Cristina Ribeiro Marinho
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Juliana Villela Paulino ⁞
51
Dessa forma, frequentemente não apresentam cálice
e corola e estes, quando presentes, são reduzidos
e semelhantes, contribuindo para a exposição dos
estames e carpelos (Endress 1994).
No geral, sépalas e pétalas apresentam células
epidérmicas com paredes finas, cuticularizadas, mesofilo constituído de aerênquima e um sistema vascular pouco robusto, sem esclerênquima (Figs. 2.1
D,E) (Fahn 1990). A espessura da cutícula varia de
fina a espessa e ornamentada (Marinho et al. 2014).
A presença constante do aerênquima está relacionada
ao brilho e à leveza destes órgãos (Endress 1994).
No entanto, generalizações na anatomia são difíceis,
pois sépalas e pétalas podem apresentar diferenças
contrastantes relacionadas ao seu papel biológico.
Nas linhagens mais antigas o perianto, quando
presente, não é constituído de pétalas e sépalas distintas; já nas linhagens mais derivadas, o perianto é
presente e geralmente ocorre união entre órgãos no
mesmo verticilo (sépalas-sépalas, pétalas-pétalas) ou
mesmo entre verticilos diferentes (Endress 2011).
O estame é geralmente subdividido em filete e
antera (Fig. 2.1 B). A antera aloja os sacos polínicos
(geralmente quatro, dois em cada teca), onde estão
as células precursoras dos grãos de pólen (Fig. 2.1
F) (Fahn 1990; Endress 1994; Mariath et al. 2003).
Pode apresentar diferentes tamanhos, número de
tecas (uma a quatro), tipo de deiscência (longitudinal, valvar ou poricida) etc. A grande diversidade
morfológica da antera pode estar associada à forma
de dispersão dos grãos de pólen. Anteras longas com
deiscência poricida, por exemplo, são comuns em espécies polinizadas por abelhas, que utilizam a vibração
para a coleta de pólen (ex. Cassia, Miconia, Solanum)
(Endress 1994). Os estames também podem assumir
funções de produção de odor e néctar (Fig. 2.1 C).
Em alguns casos, os grãos de pólen produzidos são
52 ⁞ A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
utilizados como alimento pelos visitantes florais e
polinizadores, pois são ricos em nutrientes como
aminoácidos, polissacarídeos, lipídios e vitaminas,
sendo considerados uma importante recompensa
floral, principalmente para besouros, moscas e abelhas. Pode haver uma distinção topográfica e/ou
morfológica entre os estames nos quais o pólen produzido é utilizado como recurso (alimento) ou para
a fertilização. Os estames de alimentação costumam
ser menores, porém mais visíveis aos polinizadores,
enquanto os estames de fertilização são maiores e
camuflados (Endress 1994; Bernhardt 2009). Uma
exceção é observada em Lecythidaceae (ex. Couroupita
guianensis Aubl.), cujos estames nos quais o pólen
produzido é utilizado como alimento são maiores
e localizados em um capuz, recobrindo os estames
envolvidos na fertilização (Ormond et al. 1981; Yarsick
et al. 1986). O conectivo (parte da antera que a liga
ao filete) é constituído por tecido que pode se expandir e formar apêndices (Fig. 2.1 F) com funções
biológicas distintas, entre elas: recompensa para os
visitantes florais na forma de corpos de alimentação
ou nectários (p. ex., Melastomataceae; ver tópico
“Estruturas secretoras”), proteção de anteras e ovários,
liberação de odor para atração de polinizadores (p. ex.,
espécies de Solanaceae) e produção de substâncias
pegajosas que aderem o pólen ao corpo do visitante
floral (Chaudhry & Vijayaraghavan 1992; Sazima et
al. 1993; Endress 1994; Luckow & Grimes 1997).
A evolução dos estames tem resultado em menores variações em sua estrutura e função. Flores
de linhagens ancestrais exibem estames que podem
não conter filete, ser carnosos, coloridos, odoríferos,
atuando na atração de polinizadores, por exemplo.
Nas linhagens mais derivadas, os estames são diferenciados em filete e antera e os filetes são delgados.
Pode ocorrer união entre filetes (p. ex., em espécies de Leguminosae, subfamília Papilionoideae),
entre anteras (nos representantes de Asteraceae) e
mesmo entre filetes e pétalas (nos representantes
de Bignoniaceae e Lamiaceae). A interpretação de
características como anteras extrorsas (presentes nas
magnolídeas e monocotiledônas basais) e com deiscência valvar (presentes nas magnolídeas e em fósseis
do Cretáceo) como plesiomorfias ainda é controversa
e carece de estudos, pois espécies de linhagens basais
também exibem anteras introrsas com deiscência
longitudinal (Endress & Doyle 2009; Endress 2011).
O carpelo (Figs. 2.1 B,C) está geralmente estruturado em ovário, estilete e estigma, todos com
variação morfológica considerável. O ovário pode
conter um ou mais lóculos, onde estão localizados
um ou vários óvulos, presos à superfície interna do
ovário pela placenta. A localização diversa da placenta
no ovário proporcionou vários tipos de classificações
(p. ex., placentação basal, central livre, parietal etc.)
(Endress 1994; Lersten 2004). O estilete é a parte do
carpelo que conecta o ovário ao estigma e pode ser
classificado como oco (presença de um canal estilar
central) ou compacto. No centro do estilete ocorre o
tecido transmissor, constituído de células secretoras
que atuam no direcionamento do tubo polínico até
o óvulo (Fahn 1990; Endress 1994). O estigma (Fig.
2.3 L) é a região geralmente apical do carpelo, que
apresenta uma grande variedade de formas e exerce
um papel fundamental na adesão, no reconhecimento e na germinação do grão de pólen. Em estado receptivo, a superfície estigmática pode ser seca,
sem secreção fluida livre (estigma seco), ou úmida,
com secreção fluida livre (estigma úmido) (HeslopHarrison & Shivanna 1977; Fahn 1990; Lersten
2004). Há espécies de Papilionoideae (Leguminosae),
por exemplo, com estigmas semisseco, que exibem
características intermediárias entre o seco e o úmido,
em que o exsudato fica retido por uma cutícula na
fase receptiva (Costa et al. 2014). Os estigmas secos
Simone de Pádua Teixeira
e ramificados predominam nas espécies polinizadas
pelo vento, mas, assim como os estigmas úmidos,
também podem ocorrer em grupos com diferentes
tipos de polinizador (Heslop-Harrison & Shivanna
1977; Endress 1994). As espécies que apresentam
estigmas semissecos são coincidentemente polinizadas
por animais que, ao tocarem a superfície estigmática,
rompem a cutícula, expondo o exsudato (Hiscock et
al. 2002; Basso-Alves et al. 2011; Costa et al. 2014).
A posição do gineceu em relação ao receptáculo
floral e demais órgãos é utilizada para a classificação
da flor em três tipos: hipógina – apresenta ovário
súpero (os carpelos estão na extremidade do eixo
floral) (Figs. 2.1 B,C); perígina – apresenta ovário
semi-ínfero (o perianto e os estames estão na extremidade de uma expansão do receptáculo e se localizam
acima dos carpelos); e epígina – apresenta ovário
ínfero (o receptáculo engloba os carpelos). Ocorrem
variações na disposição do gineceu, sendo que, em
alguns casos, parte do receptáculo pode se alongar e
elevar os órgãos reprodutivos muito acima do ponto
de inserção dos outros órgãos florais, como o ginóforo das Leguminosae (Fig. 2.1 B) e o androginóforo
presente em Passiflora (Fahn 1990; Endress 1994;
Lersten 2004). Entretanto, em ambos os casos, o
ovário é súpero e a flor continua sendo classificada
como hipógina.
O surgimento do carpelo é considerado uma
das inovações mais proeminentes na evolução das
angiospermas, pois permitiu a ocorrência de processos importantes de proteção aos gametas e aos
óvulos na reprodução sexual, sendo possivelmente
um dos principais fatores de sucesso evolutivo do
grupo (Richards 1997). O carpelo nas primeiras
flores era pouco modificado, sem diferenciação de
estigma, por exemplo, embora a polinização fosse
sempre indireta (sem contato direto entre pólen e
óvulo). A angiospermia (fechamento do carpelo)
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Cristina Ribeiro Marinho
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nas linhagens basais de angiospermas (a maioria dos
representantes do grado ANITA, de Chloranthaceae e
Ceratophyllaceae) ocorre superficialmente, por secreção, sem que haja união entre células. A evolução do
carpelo tem resultado em sincarpia, diferenciação em
ovário, estilete e estigma, menor número de óvulos e
angiospermia completa (união completa, sem secreção), como observado nas eudicotiledôneas (Endress
& Igersheim 2000a, Endress 2011).
Estruturas secretoras florais
Estruturas secretoras são células ou tecidos que produzem, armazenam e/ou liberam metabólitos especiais,
responsáveis pela interação da planta com outros seres
vivos (Fahn 1979; 2002). Na flor, são pouco estudadas, embora estejam presentes em todos os órgãos,
assumindo dois papéis biológicos fundamentais: atração e/ou defesa (Marinho 2013). Estruturas secretoras
envolvidas apenas na defesa do botão floral podem ser
exemplificadas pelos tricomas secretores encontrados
nas sépalas de Bauhinia curvula Benth. e B. rufa
(Bong.) Steud. (Leguminosae); outros exemplos são
osmóforos e o nectário encontrados nestas espécies,
envolvidos na atração de polinizadores (Marinho et
al. 2014; Marinho 2013). É possível que os osmóforos
também assumam ambas as funções, dependendo
dos compostos produzidos, atraindo um grupo de
animais polinizadores ao mesmo tempo em que repelem alguns fitófagos ou polinizadores secundários
(Marinho 2013) (Capítulo 7). As estruturas secretoras
de atração podem ser subdivididas em duas categorias:
atração pelo olfato (glândulas de odor ou osmóforos)
e atração por recurso (nectários florais, elaióforos e
estruturas secretoras de resina) (Endress 1994).
As glândulas de odor ou osmóforos são responsáveis pela síntese e liberação de substâncias voláteis
durante a antese. Ocorrem principalmente nas pétalas
54 ⁞ A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
(Fig. 2.1 E), mas também podem ser encontradas
em sépalas (p. ex., Bauhinia rufa [Bong.] Steud. e
Tipuana tipu [Benth.] Kuntze, Leguminosae), estames, estaminódios (p. ex., Jacaranda oxyphylla
Cham., Bignoniaceae), anteras (Cyphomandra sp.,
Solanaceae) e no receptáculo (p. ex., Nelumbo nucifera
Gaertn., Nelumbonaceae) (Sazima et al. 1993; Vogel
& Hadacek 2004; Guimarães et al. 2008; Marinho
et al. 2014). Tais glândulas são classificadas em dois
tipos: os osmóforos típicos, constituídos por tecidos
secretores especializados, restritos a certas regiões
(Fig. 2.1 E), e os osmóforos difusos, compostos de
células epidérmicas e/ou parenquimáticas comuns
distribuídas de forma difusa no(s) órgão(s) floral(is).
Os osmóforos típicos são caracterizados por células
epidérmicas papilosas com núcleos proporcionalmente
grandes, citoplasma denso, cutícula reduzida e vascularização rica (Vogel 1990; Endress 1994; Effmert
et al. 2006; Marinho et al. 2014). São comumente
descritos nas pétalas de espécies de Orchidaceae,
mas também ocorrem em espécies de outras famílias (p. ex., Apocynaceae, Araceae, Aristolochiaceae,
Nelumbonaceae e Passifloraceae) (Pridgeon & Stern
1983; 1985; Vogel 1990; Curry et al. 1991; Skubatz
et al. 1996; Stpiczyńska 2001; Teixeira et al. 2004;
Vogel & Hadacek 2004; Ascensão et al. 2005; García
et al. 2007; Pansarin et al. 2009; Wiemer et al. 2009;
Melo et al. 2010; Płachno et al. 2010). Já os osmóforos
difusos, apesar de serem mais comuns, são muito
pouco estudados, pois geralmente não apresentam
características morfológicas que os distingam das
demais células, sendo de difícil localização (Marinho
et al. 2014). Apesar de serem frequentemente relacionados à atração de polinizadores pelo olfato, os
osmóforos também podem atuar como glândulas de
recompensa, como, por exemplo, em orquídeas que
são polinizadas por machos de abelhas Euglossina
(Capítulo 9) (Nilsson 1992; Teichert et al. 2009).
Devido à grande produção de odor, os osmóforos
dessas flores apresentam grandes superfícies que, como
em Stanhopea (Orchidaceae), podem ser repletas de
cristas e reentrâncias, além de apresentar grandes
quantidades de amido que desaparecem somente
no fim da antese, garantindo o aporte energético às
células desta estrutura secretora (Stern et al. 1987).
Nectários são estruturas secretoras de néctar
(Fahn 1979; 1990). Podem ocorrer em qualquer órgão
aéreo da planta, e, dependendo de sua localização,
são classificados em nectários florais (ocorrem na flor)
e extraflorais (ocorrem no corpo vegetativo) (sensu
Caspary 1848 apud Schmidt 1988). Nectários florais
são relatados em todos os órgãos da flor, como no perianto (p. ex., Swietenia macrophylla King, Meliaceae),
no receptáculo (p. ex., Indigofera, Leguminosae; Fig.
2.1 G), nos estames (p. ex., base dos estames de muitas
Mimosoideae, Leguminosae e no conectivo de espécies de Melastomataceae), nos estaminódios (p. ex.,
Persea americana Mill., Lauraceae; Fig. 2.1 C), nas
paredes do ovário (p. ex., septo do ovário em várias
monocotiledôneas) e na base do estilete (p. ex., algumas Asteraceae) (Smets 1986; Fahn 1979; 1990;
Varassin et al. 2008; Paiva 2011). Com relação à função (sensu Delpino 1868-1874 apud Schmidt 1988), os
nectários são classificados em nupciais (relacionados
à polinização, mas não necessariamente florais – ver
trabalho sobre Acacia terminalis (Salisb.) J.F.Macbr.
– Knox et al. 1985) e extranupciais (não relacionados à polinização, mas que podem ocorrer na flor).
A maioria dos nectários florais é também nupcial,
ou seja, está diretamente envolvida nos processos de
polinização. No entanto, em alguns casos, os nectários
florais podem assumir o papel de defesa, como os
nectários calicinais de Ipomoea (Convolvulaceae), que
atraem formigas agressivas, responsáveis pela proteção
da planta contra herbívoros (Keeller & Kaul 1984;
Endress 1994), e, portanto, devem ser classificados
como nectários extranupciais. Independente dessas
Simone de Pádua Teixeira
classificações, nectários são constituídos de um tecido nectarífero, geralmente composto de epiderme,
parênquima especializado e sistema vascular.
Morfologicamente, os nectários são classificados em duas categorias: estruturados (apresentam
morfologia externa e/ou interna distinta; Fig. 2.1
G) e não estruturados (apresentam morfologia externa e/ou interna semelhante aos tecidos adjacentes).
Os nectários estruturados exibem parênquima nectarífero composto de células pequenas com paredes
finas, núcleo volumoso, citoplasma denso, pequenos
vacúolos e vascularização rica, com elevada proporção de elementos do floema. A secreção de néctar,
caracterizada pela liberação de solução açucarada do
simplasto para o apoplasto, ocorre através de células secretoras que ocupam todo ou parte do tecido
nectarífero. Quando estas células são estritamente
parenquimáticas, o néctar é liberado para os espaços
intercelulares e, então, para o ambiente via estômatos
geralmente modificados (o que é comum nos nectários
não estruturados). Quando a epiderme participa do
processo de secreção, a liberação do néctar é afetada pela presença da cutícula que pode se romper,
apresentar poros ou ser permeável ao néctar (Fahn
1979; 1990; Nicolson et al. 2007). Nos nectários estruturados, as células epidérmicas, quando secretoras,
podem apresentar uma grande variedade de formas,
como papilas, tricomas uni ou pluricelulares e células
cúbicas ou em paliçada (Fahn 1979).
Em vez de néctar e pólen, algumas flores oferecem
óleos, que são produzidos e liberados em glândulas denominadas elaióforos. Os elaióforos são constituídos
por epiderme secretora, cujas células são papilosas ou
em paliçada (Fig. 2.1 I) e que podem conter anexos
como tricomas uni ou pluricelulares (Simpson &
Neff 1981; Endress 1994; Machado 2004; Pansarin
et al. 2009). Ocorrem frequentemente em pares e se
dispõem na lateral da flor (Fig. 2.1 H), características
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relacionadas ao método de coleta do óleo pela abelha,
que é feito pelas pernas dianteiras ou medianas. Os
óleos florais, compostos principalmente de ácidos
graxos, são utilizados na nutrição das larvas e na
construção do ninho (Capítulo 6).
Muitos insetos coletam resinas para a construção do ninho. Embora as resinas sejam coletadas de
ferimentos de várias plantas, cinco gêneros (Clusia,
Chrysochlamys e Tovomitopsis – Clusiaceae, Clusiella
– Calophyllaceae e Dalechampia – Euphorbiaceae)
exibem flores ou inflorescências com glândulas especializadas na síntese e secreção de tal composto
(Simpson & Neff 1981; Armbruster 1984, Gustafsson
& Bittrich 2002). Em Clusia valerioi Standl., por
exemplo, as resinas são produzidas em canais secretores presentes nos filetes das flores estaminadas e
nos estaminódios das flores pistiladas (Hochwallner
& Weber 2006).
Enquanto a presença de elaióforos e de estruturas secretoras de resinas na flor tem relação com um
determinado grupo de polinizador, como as abelhas,
osmóforos e nectários ocorrem de forma generalizada nas flores polinizadas por diferentes grupos de
animais (Endress 1994; Marinho et al. 2014). No
entanto, a posição e a estrutura dos nectários florais
podem ser relacionadas aos agentes polinizadores,
visto que nectários mais robustos são comuns nas
flores que produzem grande quantidade de néctar,
como as polinizadas por morcegos e aves (Wallace
1977; Endress 1994; Marinho 2013). Já as flores
polinizadas por agentes abióticos não apresentam
estruturas secretoras relacionadas à atração, com exceção dos nectários relictuais observados em flores de
espécies anemófilas que ocorrem em ilhas oceânicas
(Endress 1994; Nicolson et al. 2007).
Com exceção dos nectários, as glândulas de atração estão predominantemente restritas aos órgãos
56 ⁞ A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
florais. Entretanto, as estruturas secretoras relacionadas à defesa geralmente estão distribuídas de forma
generalizada em todo o corpo da planta, como tricomas, emergências, coléteres, canais, cavidades (Fig.
2.1 D), idioblastos (Fig. 2.1 E) e laticíferos (Demarco
et al. 2006; Martins et al. 2010; Souza et al. 2013;
Marinho 2013).
Flor: desenvolvimento
O início do desenvolvimento da flor é marcado pela
transição do meristema vegetativo para o meristema
reprodutivo, o que é considerado uma das mudanças
mais drásticas do desenvolvimento da planta (Araki
2001). A indução da transição da fase vegetativa
para a fase reprodutiva é regulada por uma rede gênica complexa, bem estudada em espécies-modelo,
como Arabdopsis thaliana (L.) Heynh. (Rodrigues &
Kerbauy 2009), rede esta que controla a regulação
hormonal, atrelada a condições ambientais como luz
e temperatura (Araki 2001).
Embora o meristema vegetativo seja considerado
homólogo ao reprodutivo (Arber 1946), há diferenças
morfológicas e funcionais entre eles. Uma das principais diferenças está relacionada ao fato de o meristema
vegetativo apresentar crescimento indeterminado,
enquanto o reprodutivo apresenta crescimento determinado, com poucas exceções, como Nymphaea
prolifera Wiersema (Grob et al. 2006). Há ainda um
aumento pronunciado na quantidade de plasmodesmos na transição do meristema vegetativo para o
reprodutivo, o que gera um aumento na comunicação
entre as células nesta região (Ormenese et al. 2000;
Milyaeva 2007; Kwiatkowska 2008). Outra diferença
notável ocorre no padrão de zonação, relacionada ao
tamanho das células das zonas central e periférica
do meristema. No meristema vegetativo, as células
da zona central são, frequentemente, maiores que
as da zona periférica, enquanto no reprodutivo as
células da zona periférica aumentam em tamanho,
não sendo mais possível distingui-las das demais
células (Kwiatkowska 2008).
Os estádios que resultam na formação dos órgãos
florais são divididos didaticamente em: iniciais ou
organogenéticos (Figs. 2.3 A-D,I) – determinação da
localização de órgãos, do número de órgãos de cada
tipo e da coordenação de sua iniciação; intermediários ou de formação (Figs. 2.3 F-H) – diferenciação
de formas, ou seja, expressão da forma dos órgãos
florais; e finais ou de diferenciação (Figs. 2.3 J-L) –
diferenciação de células e especializações (Foster &
Gifford 1974).
Em geral, a ordem de iniciação dos verticilos em
sucessão vertical (eixo centrodistal) no ápice floral é
acrópeta (Figs. 2.3 A-E): cálice, corola, androceu e
gineceu. Entretanto pode ocorrer sobreposição no
tempo de iniciação, ou seja, a iniciação dos órgãos em
um verticilo pode ocorrer concomitantemente à dos
órgãos no verticilo anterior, fenômeno comumente
encontrado em espécies de Leguminosae (Moço &
Mariah 2009; Paulino et al. 2011; Leite et al. 2014)
e Linaceae (Schewe et al. 2011).
Apesar de muito raro, pode ocorrer iniciação
basípeta (centrífuga) dos verticilos florais, com interrupção de um ou alguns verticilos no tempo de
iniciação. Nestes casos há um desenvolvimento centrífugo de órgãos de diferentes zonas ou verticilos
(Rudall 2010). Ilustram este caso Platycrater arguta Siebold & Zucc. (Hydrangeaceae), na qual os
carpelos são iniciados antes dos estames (Ge et al.
2007), e Lythrum salicaria L. (Lythraceae), em que
as pétalas são os últimos órgãos a surgir (Cheung
& Sattler 1967; Rudall 2010). Em Leguminosae a
interrupção de verticilos no tempo de iniciação é
relativamente comum devido à iniciação precoce do
Simone de Pádua Teixeira
carpelo, resultando em uma iniciação acrópeta mista
(Tucker 1987; Mansano et al. 2002; Paulino et al.
2011; Leite et al. 2014).
A ordem de iniciação dos órgãos florais dentro de
um mesmo verticilo é analisada em um eixo abaxial
-adaxial no ápice floral, ou seja, ordem de iniciação
em sucessão transversal. Os primórdios de órgãos
florais iniciam-se simultaneamente, isto é, todos ao
mesmo tempo, ou sucessivamente. A Fig. 2.4 ilustra
as diferenças encontradas na ordem de iniciação dos
órgãos florais em sucessão transversal. A ordem de
iniciação dos órgãos em um verticilo, juntamente
com a disposição e o tempo de alongamento dos
primórdios, pode definir a simetria floral (Tucker
1996; Tucker 2003a). Iniciação unidirecional no
perianto, por exemplo, resulta em flores com simetria
fortemente zigomorfa, exemplificado em algumas
espécies de Leguminosae (Tucker 1984; Paulino et al.
2011), Lamiaceae e Scrophulariaceae (Tucker 1999).
Nestes casos, as pétalas se especializam na proteção
dos estames e carpelos, restringindo a atividade do
polinizador (Tucker 1999; Rudall & Bateman 2002;
Tucker 2003a).
As sépalas, em geral, são os primeiros órgãos do
perianto a surgir no meristema floral, muitas vezes em
ordem helicoidal (Figs. 2.3 C e 2.4 B) (Endress 1994),
ou, mais raramente, em ordem unidirecional reversa
(Fig. 2.4 G) (Paulino 2012), ordem unidirecional
modificada (Figs. 2.3 B e 2.4 F) (Leite et al. 2014),
ordem unidirecional (Fig. 2.4 E) (Paulino et al. 2011;
Paulino 2012), ordem sequencial modificada (Leite et
al. 2014) e em um meristema em anel (Figs. 2.3 D e
2.4 H). Seu alongamento é, geralmente, rápido, já nos
estádios iniciais do desenvolvimento floral, assumindo
o papel de proteção dos órgãos mais internos ainda
em iniciação, embora exceções possam ocorrer, como
em Lupinus (observação pessoal). Em algumas espécies há também a formação de bractéolas (estruturas
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Cristina Ribeiro Marinho
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Juliana Villela Paulino ⁞
57
foliares pareadas), sendo os primeiros produtos do
ápice floral (Tucker 1987), localizadas externamente
às sépalas (Fig. 2.3 A). Apesar de surgirem no ápice
floral, as bractéolas não são consideradas órgãos da
flor, pois, geralmente, não se encontram integradas
à arquitetura floral, sendo frequentemente muito
pequenas e caducas. Exercem funções importantes,
em especial nos estádios iniciais do desenvolvimento
floral. Como são os dois primeiros órgãos iniciados
no ápice floral em posição lateral, elas medeiam e
protegem os primórdios de sépalas que estão se iniciando (Endress 1994; Prenner 2004a).
As pétalas, ao contrário das sépalas, são iniciadas, usualmente, em ordem simultânea (Figs.
2.3 B e 2.4 D) (Endress 1994). Entretanto, outros
padrões também podem ser encontrados na sua
ordem de iniciação, sendo eles o unidirecional (Figs.
2.3 E e 2.4 E) (Teixeira et al. 2009; Paulino et al.
2011), o helicoidal (Fig. 2.4 B) (Tucker 1989) e até
mesmo o errático (Fig. 2.4 A) (p. ex., Inga grandis
T.D. Penn., Leguminosae) (Paulino 2012). É comum ocorrer um atraso da iniciação das pétalas
em relação às sépalas, havendo, muitas vezes, sobreposição com os primórdios de estames (Paulino
et al. 2011). O alongamento das pétalas é tardio no
desenvolvimento floral, de forma que elas podem ser
inconspícuas até próximo à antese (Endress 1994).
No entanto, em alguns casos, como o de espécies de
Acacia e Inga (Leguminosae) (Paulino 2012), apesar
do alongamento tardio, as pétalas se alongam mais
que as sépalas, assumindo o papel de verticilo de
proteção dos primórdios mais internos na flor em
desenvolvimento (Fig. 2.3 F).
Os estames surgem no ápice floral em posição
geralmente alterna à das pétalas (Fig. 2.3 E). Seu
número, sua posição e ordem de iniciação são muito
variáveis entre as angiospermas. A ordem de iniciação no androceu pode apresentar variações em
58 ⁞ A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
L
Simone de Pádua Teixeira
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Cristina Ribeiro Marinho
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Juliana Villela Paulino ⁞
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Figura 2.3 Aspectos do desenvolvimento floral em espécies de Leguminosae (A-H, J-L) e Melastomataceae (I). (A) Par de bractéolas em posição lateral, externo às sépalas, no início do desenvolvimento floral de Cassia fistula L. (B) Sobreposição de iniciação
de verticilos florais em Dypteryx alata Vogel. Note a iniciação unidirecional modificada dos primórdios de sépalas. Iniciação
simultânea dos primórdios de pétalas e o primórdio de carpelo surgindo concomitantemente ao primeiro primórdio de estame
antessépalo, ou seja, antes dos demais estames antessépalos e do verticilo de estames antepétalos, o que caracteriza uma ordem
de iniciação em sucessão vertical acrópeta mista (créditos de imagem: V. G. Leite). (C) Observe a ordem de iniciação helicoidal
no verticilo de sépalas de Cassia fistula L. (D) Verticilo de sépalas iniciando-se em um meristema em anel em Acacia celastrifolia
Benth. (E) Desenvolvimento de todos os órgãos florais em Indigofera lespedezioides Kunth., mostrando que, no padrão verticilado,
os mesmos se desenvolvem alternos aos órgãos do verticilo adjacente. Note a iniciação unidirecional dos estames antessépalos e
antepétalos; a seta indica onde surgirá o último primórdio de estame antepétalo, em posição adaxial. (F) Botão floral de Acacia
celastrifolia evidenciando as pétalas que se alongam mais que as sépalas, assumindo o papel de proteção dos primórdios mais
internos. Note o cálice aberto, fundido na base. (G) Botão floral de Inga bela M. Sousa evidenciando o androceu poliândrico,
formado em ordem centrípeta (seta) e os carpelos livres no centro do meristema floral. Note que três carpelos assumem a forma
plicada, e um dos carpelos, a forma intermediária (cabeça de seta), com uma zona plicada e uma pequena zona ascidiada, durante
o desenvolvimento. (H) Swartzia dipetala Willd. ex Vogel. Dois carpelos livres que se iniciam em posição abaxial, alternos aos
estames maiores, deslocados do centro do meristema floral. (I) Rhynchanthera grandiflora (Aubl.) DC. Três carpelos iniciados no
centro do meristema floral, fundidos, formando o gineceu sincárpico (créditos de imagem: J. P. Basso-Alves). (J) Note a adnação
de pétalas e tubo estaminal (círculos), formando um tubo fundido apenas na base, circundando os carpelos em Inga congesta T.D.
Penn. (K) Tubo estaminal diadelfo (nove estames unidos e um livre), que circunda o carpelo e o nectário, situado na base do
carpelo em Indigofera lespedezioides. Note o cálice unido na base. (L) Estigma e porção distal do estilete de Crotalaria lanceolata
E. Mey. Note tricomas simples (não secretores) na margem do estigma. Símbolos: a = androceu, br = bráctea, brl = bractéola, c
= carpelo, ema = estame maior, eme = estame menor, ep = estame antepétalo, es = estame antessépalo, ma = meristema em anel,
p = pétala, s = sépala, stg = estigma, stl = estilete, te = tubo estaminal, ted = tubo estaminal diadelfo. Escala: A = 20 µm, B = 50
µm, C-D, H-I, L = 100 µm, E = 10 µm, F = 500 µm, G = 250 µm, J-K = 200 µm.
uma mesma família e até em um mesmo gênero
(Tucker 1987; 1992; Prenner 2004b; Pedersoli et al.
2010; Paulino et al. 2011; Leite et al. 2014). Podem
ser iniciados em um único verticilo (Apocynaceae,
Endress 1994), em dois verticilos (Fig. 2.3 E)
(Leguminosae, Tucker 2003a), ou múltiplos, o
que caracteriza poliandria (Fig. 2.3 G). Androceu
poliândrico é originado por vias ontogenéticas distintas, seja pela atuação de um meristema em anel
(Tucker 2003b; Paulino et al. 2014) ou por fascículos derivados de um único primórdio (Prenner
et al. 2008; Rudall 2008; Sajo et al. 2010). A poliandria pode ser observada mesmo em famílias
que, usualmente, apresentam número definido de
estames, como Leguminosae (Tucker 1987), cujo
androceu é formado por dez estames, iniciados em
dois verticilos.
Os carpelos iniciam-se, geralmente, no centro do meristema floral, rodeado pelos órgãos dos
demais verticilos florais (Figs. 2.3 B,E), porém há
espécies, como Swartzia dipetala Willd. ex Vogel
(Leguminosae), cujos carpelos são deslocados do
centro do meristema floral (Fig. 2.3 H) (Paulino et
al. 2013). Há flores com apenas um carpelo (Figs.
2.3 B,E) e outras em que há mais de um carpelo,
que podem ser livres (gineceu apocárpico) (Figs. 2.3
G,H), ou unidos (gineceu sincárpico) (Fig. 2.3 I). As
vias que originam estes tipos de gineceu podem ser
distintas, tanto entre famílias, como em uma mesma família e gênero. Os carpelos que compõem o
gineceu apocárpico iniciam-se como protuberâncias
individualizadas ou, mais raramente, como protuberância única, que posteriormente se subdivide,
originando vários carpelos que permanecem livres
60 ⁞ A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
B
A
Errático
C
Helicoidal
D
Sequencial
E
Simultâneo ou Verticilado
F
Unidirecional
G
Unidirecional modificado
H
Unidirecional reverso
Meristema em anel
Figura 2.4 Padrões de iniciação dos
órgãos florais em sucessão transversal. (A) Errático. Não há um padrão
definido para a iniciação dos órgãos
florais no meristema. (B) Helicoidal.
Os primórdios de órgãos florais são
iniciados em uma sequência, em que
o primórdio seguinte é iniciado sempre em posição oposta ao anterior. (C)
Sequencial. Surge primeiro o primórdio abaxial; em seguida, o primeiro
lateral, o segundo lateral, o primeiro adaxial e o segundo adaxial. (D)
Simultâneo ou verticilado. Todos os
primórdios de órgãos florais surgem
ao mesmo tempo. (E) Unidirecional.
Os primórdios de órgãos florais iniciam-se do lado abaxial para o lado
adaxial. (F) Unidirecional modificado. Os primórdios iniciam-se do lado
abaxial para o lado adaxial, entretanto
há uma interrupção na iniciação dos
primórdios adaxiais, que não surgem
concomitantemente. (G) Unidirecional
reverso. Os primórdios de órgãos florais iniciam-se do lado adaxial para o
lado abaxial. (H) Meristema em anel.
Primórdios de órgãos florais iniciamse em um meristema expandido em
forma de anel.
Simone de Pádua Teixeira
(Paulino et al. 2013). No caso da sincarpia, os carpelos
podem surgir como protuberâncias individualizadas,
que em seguida se unem (Fig. 2.3 I) (Rhynchanthera
grandiflora (Aubl.) DC. – Melastomataceae, BassoAlves com. pessoal), ou como um grande primórdio
(Polygalaceae, Prenner 2004c), ou, ainda, em um
meristema em anel (Rhizophoraceae, Juncosa 1988).
Durante o desenvolvimento, o carpelo pode assumir
formas diferentes, como a ascidiada (a partir de uma
fenda no ápice do primórdio carpelar, sendo que as
margens adjacentes se alongam dando ao carpelo
uma forma tubular) e a plicada (a partir de uma fenda
longitudinal, na região ventral, da base ao topo, dando
ao carpelo o formato “de folha dobrada” – maioria
das eudicotiledôneas, Endress & Doyle 2009). Entre
essas duas formas básicas, encontramos uma gama
de formas intermediárias, em que a parte inferior
do órgão é unida congenitamente e a parte superior
é unida pós-genitamente, apresentando uma zona
plicada e uma pequena zona ascidiada (Fig. 2.3 G)
(Leguminosae, Paulino 2012).
Muitas especializações florais se desenvolvem nos
estádios intermediários e finais do desenvolvimento.
Uma das mais importantes é a conexão de órgãos
(sinorganização) de mesma natureza (conação) (Fig.
2.3 F) ou de naturezas diferentes (adnação) (Fig.
2.3 J), formando um aparato funcional (Endress
1994) associado diretamente aos mecanismos de
polinização. Adnação é observada com maior frequência entre estames e pétalas, que podem ser unidos
apenas na base, formando uma estrutura tubular
curta que circunda os carpelos (Fig. 2.3 J) (Inga –
Leguminosae, Paulino 2012). Adnação entre outros
tipos de órgãos também ocorre, como entre estames
e carpelos em Asclepiadoideae (Apocynaceae), que
originam o ginostégio com os polinários, tornando a apresentação do pólen altamente especializada
(Endress 1994; Endress 2011). A conação é mais
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Cristina Ribeiro Marinho
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Juliana Villela Paulino ⁞
61
frequentemente observada nos verticilos de sépalas
(Figs. 2.3 F,K), pétalas e de carpelos (Fig. 2.3 I),
sendo relacionada com a formação da corola tubular e
com o gineceu sincárpico (Verbeke 1992; Soltis et al.
2009). Proliferação (Fig. 2.3 G), união (Fig. 2.3 K)
e coloração conspícua de estames podem restringir e
controlar o comportamento de polinizadores (Endress
1994; Tucker 2003a).
A sinorganização pode ocorrer pela união de
órgãos que se iniciaram separadamente, seja de margem a margem, seja por crescimento intercalar. No
primeiro caso, a união pode ser temporária ou permanente. Exemplos são as margens de sépalas que
formam o cálice gamossépalo com os lobos livres e
a união da fenda carpelar, que, apesar de ser permanente durante todo o desenvolvimento do carpelo
e, posteriormente, do fruto, em algumas espécies
pode haver mecanismos de separação dessa sutura
no fruto. No segundo caso, os primórdios surgem
individualizados e se unem ao longo do desenvolvimento por crescimento intercalar, como o cálice
tetrâmero de algumas espécies de Leguminosae,
originado da união de cinco primórdios de sépalas
(Tucker 2003a).
Outras especializações envolvidas na interação
planta-polinizador, encontradas em qualquer dos
órgãos florais, são as aurículas, esculturas, projeções
e osmóforos, a maioria iniciada em estádios intermediários ou finais do desenvolvimento floral (Luckow
& Grimes 1997; Tucker 2003a; Teixeira et al. 2004;
Mansano & Teixeira 2008; Nunes 2011; Paulino et
al. 2011). Tricomas secretores e não secretores, com
função de proteção ou atração, podem surgir principalmente nos estádios finais do desenvolvimento
floral (Paulino et al. 2011; Paulino 2012).
A redução no número de órgãos florais por
verticilo ou até mesmo a ausência total de um dos
62 ⁞ A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
verticilos na flor pode resultar em diclinia (flores estaminadas ou pistiladas), e ocorre por meio de duas
vias ontogenéticas distintas: a iniciação do órgão
com interrupção do seu alongamento no decorrer do
desenvolvimento floral e a ausência completa do órgão
(não há iniciação) (Tucker 1987; 1988a; Mitchell &
Diggle 2005). Órgãos iniciados, mas abortados ao
longo do desenvolvimento floral, podem permanecer
imperceptíveis a olho nu. Um exemplo é Copaifera
langsdorffii Desf. (Leguminosae), em que o perianto é formado apenas pelo verticilo de sépalas, com
supressão do verticilo de pétalas, que permanece
rudimentar na flor (Pedersoli et al. 2010).
A ausência completa do órgão (sem que haja
iniciação) na flor é considerada uma condição homoplástica (Mitchell & Diggle 2005) encontrada com
mais frequência entre as espécies mais basais, com
um menor nível de sinorganização (Endress & Doyle
2009). Já o aborto de órgãos na flor é comumente encontrado (Tucker 1988a; Mitchell & Diggle 2005),
sendo considerado a principal via responsável pela
diclinia. Exemplos de flores díclinas, com supressão
de um dos verticilos reprodutivos, são Ficus hispida
L. (Moraceae, Basso-Alves et al. 2014), Piliostigma
malabaricum (Roxb.) Benth. (Bauhinia malabarica
Roxb.), Bauhinia divaricata L. (Leguminosae, Tucker
1988b), Zea mays L. (Poaceae, Cheng et al. 1983),
Stryphnodendron adstringens (Mart.) Coville e Parkia
multijuga Benth. (Leguminosae, Pedersoli 2013).
Desenvolvimento floral: perspectiva
histórica
A flor desperta grande interesse dos pesquisadores
principalmente por suas funções ecológicas. Dessa
forma, o estudo do desenvolvimento floral é de suma
importância e tem merecido a atenção de morfologistas, geneticistas e biólogos do desenvolvimento por
décadas. Payer, já em 1857, publicou um verdadeiro
tratado sobre o desenvolvimento floral. A investigação
do desenvolvimento dos órgãos florais, desvendando estruturas e arquiteturas florais complexas, tem
sido extensiva, principalmente após o advento da
microscopia eletrônica de varredura. O primeiro
microscópio comercial foi construído em 1965 pela
Cambridge Scientific Instruments (Bogner et al.
2007), embora o microscópio eletrônico de varredura
tenha surgido em 1935, com o trabalho de M. Knoll
(1935), ampliando assim a nossa compreensão sobre
o tema.
A partir do trabalho de Bowman et al. (1991),
surgiu o proeminente modelo ABC, determinando
o controle genético da identidade de órgãos florais.
O modelo ABC vem sendo amplamente estudado,
principalmente em plantas modelos, como Arabdopsis
e Antirrhinum (Schwarz-Sommer et al. 1992; Soltis et
al. 2009; Theissen & Melzer 2007; Wollmann et al.
2010), e, embora muitos avanços tenham sido feitos,
o conhecimento é ainda incipiente num contexto
evolutivo (Soltis et al. 2009). O ABC é um modelo
combinatório de atividades gênicas que atuam em
áreas de sobreposição. A atividade de genes de função A originam sépalas, a de genes de funções A e
B juntas origina as pétalas, a de genes de funções
B e C origina os estames e a de genes de função C
origina os carpelos. Em Arabdopsis thaliana os genes
APETALA1 (AP1) e APETALA2 (AP2) controlam
a função A, APETALA3 (AP3) e PISTILLATA (PI)
controlam a função B e AGAMOUS (AG) controla
a função C (Bowman et al. 1991; Soltis et al. 2009).
Posteriormente descobriu-se que uma nova classe de
genes, SEPALLATA1/2/3 (SEP1/2/3), é fundamental para a identidade dos órgãos pétalas, estames e
carpelos, pois a falta de atividade dos três SEP, que
foi denominada de genes de função E, resulta na
produção de flores nas quais todos os órgãos são
Simone de Pádua Teixeira
sépalas. O reconhecimento da função dos genes
SEPALLATA levou à ampliação do modelo ABC
para ABCE (Pelaz et al. 2000; Theissen 2001) (Fig.
2.5).
No que concerne ao estudo das bases genéticas
do desenvolvimento floral, o modelo ABC é ainda
amplamente utilizado como ferramenta e, embora tenha surgido como um modelo relativamente
simples, aumentou em complexidade nos últimos
25 anos de pesquisa (Bowman et al. 2012). Os genes do modelo ABC são aplicáveis exclusivamente
para desvendar identidade de órgãos florais, sendo
adequados para testar hipóteses de homologias de
órgãos ou ancestralidade (Soltis et al. 2009). Como
pequenas mudanças no tempo ou localização da
expressão gênica podem levar a grandes mudanças
no fenótipo floral (Soltis et al. 2009), a compreensão
de outros genes reguladores é ainda necessária para
que se possa explicar melhor a grande diversidade de
morfologias florais nas angiospermas.
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Cristina Ribeiro Marinho
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Juliana Villela Paulino ⁞
63
Conclusões
A predominância de espécies de angiospermas na
Terra deve-se ao sucesso do surgimento da flor, que
possibilitou vias mais eficazes na reprodução cruzada.
Este fato está intimamente relacionado aos agentes
polinizadores, os quais, junto com as flores, diversificaram-se, tornando-se algumas vezes especializados
na polinização de uma única espécie vegetal.
Assim, a flor é uma estrutura complexa tanto
do ponto de vista morfológico quanto funcional.
Apesar de, via de regra, atribuir-se na literatura
funções específicas para cada órgão floral (sépala,
proteção; pétala, atração; androceu, local de produção de células precursoras do grão de pólen e de
sua liberação; gineceu, local de recepção dos grãos
de pólen, crescimento do tubo polínico e de produção de células precursoras do saco embrionário),
variações relacionadas às funções de proteção e atração são frequentes. Osmóforos são encontrados no
ginóforo de Nelumbo, nectários estão presentes no
conectivo de Melastomataceae e em Papilionoideae
Figura 2.5 Esquema do modelo clássico ABCE
de identidade de órgãos florais, ilustrando as atividades gênicas combinatórias que atuam em áreas
de sobreposição. A identidade dos órgãos florais
(sépalas, pétalas, estames e carpelos) é determinada
pelas funções homeóticas A, B, C e E.
64 ⁞ A Flor: aspectos morfofuncionais e evolutivos
(Leguminosae) o tubo estaminal compõe o verticilo
protetor. Assim, é bastante simplista a delimitação
das funções biológicas dos verticilos, como frequentemente é encontrada na literatura.
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Foto: Paulo Eugenio Oliveira
*
Capítulo 3
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Sistemas reprodutivos
Paulo Eugênio Oliveira1 e Pietro Kiyoshi Maruyama2
1
Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, (UFU) – CEP: 38900-402 – Uberlândia-MG – Brasil – Caixa Postal 593.
e-mail: poliveiragm@gmail.com
2
Departamento de Biologia Vegetal, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – CEP: 13083-862 –
Campinas-SP – Brasil – Caixa postal 6109.
A
s plantas podem se reproduzir de maneira sexuada e/ou assexuada e este capítulo se concentrará
na forma sexuada de reprodução das plantas. Será feita uma apresentação dos mecanismos que
as plantas possuem para promover o que pode ser chamado de “polinização ótima”. As plantas, sendo
organismos sésseis, necessitam de agentes transportadores de gametas para que a reprodução sexuada
ocorra via polinização. Independente das estratégias adotadas pelas plantas para promover a polinização
ótima, elas devem arcar com os custos associados a cada uma dessas estratégias. A ideia de um custo na
polinização se torna crítica quando considerados os polinizadores bióticos. Isto acontece porque a relação entre as plantas e esses polinizadores é conflituosa, sendo que cada participante tenta minimizar os
esforços em relação aos benefícios obtidos. Embora às vezes passem a ideia de passividade na interação,
as plantas podem influenciar como os polinizadores atuam. Entre as angiospermas (plantas com flores)
existem mecanismos que selecionam os gametas presentes no grão de pólen, o que é denominado seleção
gametofítica. Por fim, podem existir ainda mecanismos pós-zigóticos que selecionam a progênie, os quais
envolvem o aborto seletivo e a alocação diferencial de recursos. Assim, esse capítulo abordará as estratégias apresentadas pelas plantas em busca da polinização ótima, as definições, os exemplos e as teorias
envolvidas em cada uma delas.
72 ⁞ Sistemas reprodutivos
Sistema reprodutivo em plantas
As plantas não apresentam mobilidade e dependem
de vetores bióticos ou abióticos para promover a
polinização, ou seja, o transporte de pólen até a superfície estigmática, evento fundamental para que
o processo de fertilização e a reprodução sexuada se
realizem. É sempre necessário enfatizar que, apesar da
heterosporia e a produção de pólen e óvulos permitir a
analogia do processo de polinização com a reprodução
sexuada de outros grupos de organismos, a reprodução
sexuada nas plantas envolve mais especificamente
os processos de formação dos gametas que ocorrem
nos óvulos e no tubo polínico e que culminam com
o acoplamento e a fertilização. Como não podem
escolher diretamente os parceiros reprodutivos, o
resultado da reprodução sexuada nas plantas depende da qualidade do pólen que chega ao estigma.
Nesse sentido, as plantas podem influenciar de várias
maneiras o processo de transporte de pólen. Além
disso, o fechamento dos óvulos na câmera carpelar
permitiu às angiospermas (plantas com flores) interferir ativamente no crescimento dos tubos polínicos e
no processo de fertilização, selecionando gametas de
melhor qualidade. Finalmente, o controle na alocação
de recursos após a fertilização para o desenvolvimento
do endosperma e do embrião permite às angiospermas
ainda a seleção pós-zigótica da progênie resultante do
processo reprodutivo. Estas distintas instâncias que
permitem às plantas certo controle sobre o processo
reprodutivo podem ser vistas, de uma maneira geral,
como o sistema de reprodução das plantas, mas algumas distinções e esclarecimentos da terminologia
vão ser feitos ao longo do capítulo para evitar confusões e tentar padronizar o uso dos termos (Neal
& Anderson 2005). Alguns autores veem o sistema
de reprodução como todas as formas das plantas de
alguma maneira controlarem o processo reprodutivo. Neste sentido, os sistemas de reprodução seriam
estratégias evolutivamente estáveis, resultantes de
seleção natural e importantes para a sobrevivência
dos indivíduos (Crawley 1997). Nossa visão aqui
é que o estudo dos sistemas de reprodução é parte
dos estudos de biologia floral, que envolveria ainda
desenvolvimento da estrutura floral e a polinização.
Sistemas de reprodução incluiriam os sistemas sexuais
e de incompatibilidade, além de outros mecanismos
morfofisiológicos que controlam o fluxo de pólen e,
consequentemente, a reprodução.
Polinização, sexo e reprodução
sexuada
O processo de polinização envolve a otimização do
fluxo de pólen entre as flores. Quase três séculos de
estudos e grande parte deste livro são dedicados a
explicar os ajustes e os mecanismos que afetam o
transporte de pólen. Dois componentes fundamentais
na polinização são a quantidade e a qualidade do
pólen. A qualidade do pólen que chega ao estigma
tem sido associada à necessidade de alogamia, mas
é evidente que na escolha de parceiros não basta
garantir a presença de pólen exógeno. O que é então
uma polinização ótima para as plantas? Para entender
o que é polinização ótima é necessário compreender
as bases da reprodução sexuada.
Qual é a vantagem do sexo? Existe uma ampla
base teórica na literatura sobre a evolução da reprodução sexuada e sua importância (Meynard-Smith
1978, Crawley 1997). A reprodução sexuada (1) aumenta a recombinação gênica e a possibilidade de
uma progênie competitivamente superior, com maior
habilidade de resistir à predação, maior capacidade
de colonização, entre outros fatores; (2) evita a homozigoze e a expressão de genes recessivos deletérios
(carga genética); e (3) permite a divisão na alocação de
recursos entre os indivíduos envolvidos no processo
Paulo Eugênio Oliveira
reprodutivo. Por outro lado, o sexo pode envolver problemas: (1) a mesma variabilidade gênica que permite
o surgimento de indivíduos mais aptos gera também
indivíduos menos aptos que os parentais, implicando
perdas nos recursos alocados na reprodução; (2) nas
plantas, a reprodução sexuada implica a dependência
de vetores externos e gastos estruturais e fisiológicos
para otimizar este processo, além de riscos análogos
àqueles aos que parceiros sexuais estão expostos entre
os animais (Doenças Sexualmente Transmissíveis,
interações assimétricas, entre outros); (3) a reprodução
sexual nas plantas envolve alternância de gerações e
é um processo complexo e lento, muito mais lento
do que alternativas de reprodução assexuada, como
gemação e outras formas de multiplicação vegetativa;
e (4) na reprodução sexuada, apenas metade dos genes
de cada parceiro será transmitida para a progênie.
As desvantagens do sexo implicam que os benefícios devem sempre superar os custos para que
tais mecanismos sejam fixados por seleção natural.
Sir Ronald Fischer (1930) definiu isto de maneira
clara: a reprodução sexuada e alogamia (X) somente
seriam vantajosas se os ganhos (aptidão) resultantes
de tal processo fossem maiores do que duas vezes
os ganhos obtidos por multiplicação vegetativa ou
autogamia (A), isto é, X > 2A.
Mas existiriam alternativas à reprodução sexuada? As plantas apresentam várias formas de reprodução assexuada, sendo que a apomixia (Capítulo
4) é a mais elaborada e que permite conservar as
vantagens da dispersão da progênie por sementes.
Alguns estudos sugerem que estas alternativas de
reprodução assexuada permitem até mesmo prover
algum grau de variabilidade genética por meio de
eventos de recombinação (crossing-over) ou mudanças
somáticas (Horandl & Paun 2007). Entretanto a
preponderância da reprodução sexuada entre os organismos vivos, de uma maneira geral, e nas plantas,
♦
Pietro Kiyoshi Maruyama ⁞
73
em particular, indica que as vantagens são reais e, se
a natureza não repudia a autogamia, como sugeria
Darwin, ela certamente prefere o sexo.
Origem e evolução da reprodução
sexuada
A reprodução sexuada nos eucariontes envolve formas
de divisões celulares complexas, que terminam na manutenção de ploidia estável (Niklas 1997, Grosberg &
Strathmann 2007). A meiose e a fecundação marcam
o ciclo de vida e definem a alternância de gerações
presente na maioria das Viridiplantae (algas verdes
e as plantas terrestres) (Cavalier-Smith 2004), que
são diplobiontes (Niklas & Kutschera 2010). Nestas
plantas, os esporos, que são produzidos pela meiose, parecem ter sido particularmente importantes
para a invasão do ambiente terrestre (Niklas 1997,
Steemans et al. 2009). Por outro lado, os gametas
também sofreram especialização e a maioria das
Viridiplantae é oogâmica, com gametas grandes e
imóveis, as oosferas, e outros gametas pequenos e
comumente flagelados, os anterozoides. Mesmo nas
gimnospermas e angiospermas, as células espermáticas, que correspondem aos anterozoides das outras
plantas, apesar de não mais apresentarem flagelos,
apresentam a base de microtúbulos associada àquelas
estruturas e confirmam a homologia entre as células
espermáticas e os anterozoides nas plantas terrestres
(Southworth & Cresti 1997).
Outro processo de diferenciação ocorreu nas
plantas terrestres. Embora todos os musgos e muitas
pteridófitas sejam homosporados, alguns grupos de
pteridófitas, as gimnospermas e as angiospermas apresentam heterosporia, com esporos que dão origem a
gametófitos femininos, os megásporos, e esporos que
originam gametófitos masculinos, os micrósporos.
A menor dispersabilidade dos megásporos é utilizada
74 ⁞ Sistemas reprodutivos
para explicar o surgimento de plantas em que todo
o desenvolvimento do gametófito feminino ocorria
dentro de estruturas do próprio esporófito, denominadas óvulos (Niklas 1997). Estes óvulos formados
por folhas ou ramos modificados deram origem às
sementes e caracterizam os ciclos de vida das plantas
superiores. Por outro lado, o desenvolvimento de
anterozoides ocorria dentro de estruturas simples,
sendo formados a partir de algumas poucas divisões
dos micrósporos originais. Gametas se desenvolvendo
dentro de estruturas, que num certo sentido replicavam as diferenças associadas à oogamia, levaram
à analogia entre estas estruturas do esporófito e os
gametas de outros grupos de organismos.
A maioria das flores das angiospermas vai apresentar estruturas que produzem pólen e outras que
produzem óvulos. As ideias básicas de Goethe destas
estruturas como folhas modificadas têm sido corroboradas pela descoberta de genes homeóticos que
controlam o processo de organização da flor e que
são comuns a todas as angiospermas (Dornelas &
Dornelas 2005). Nestas flores os óvulos estão fechados em câmeras carpelares e os grãos de pólen são
depositados no estigma, formando tubos polínicos
que vão transportar as células espermáticas até os
óvulos. Os óvulos das angiospermas têm, no saco
embrionário, um aparato oosférico formado por duas
sinérgides, a oosfera e comumente está associado ao
núcleo resultante da fusão dos núcleos polares. O tubo
polínico que chega ao óvulo comumente penetra a
micrópila e descarrega as células espermáticas dentro
de uma das sinérgides (Fig. 3.1). Uma destas células
eventualmente vai se fundir com a oosfera, dando
origem ao zigoto diploide, e a outra, com o núcleo
de fusão, dando origem a uma célula triploide que
vai formar o endosperma (Willense & Went 1984).
A sifonogamia completa, o acoplamento e a dupla
fertilização descritos anteriormente são comuns à
maioria das angiospermas e, até certo ponto, caracteres diagnósticos do grupo (Williams 2008).
Desde Lineu, óvulos e grãos de pólen são vistos
como parte da expressão sexual nas plantas. Apesar
das tentativas de adequar a terminologia e evitar
possíveis erros decorrentes de tal analogia (Mariath et
al. 2006), a literatura internacional tem consagrado
o uso de termos associados à expressão sexual para
as estruturas dos esporófitos das plantas. Como estas
estruturas estão vinculadas diretamente à produção
dos gametas, até mesmo os modelos que descrevem a
seleção natural e a evolução da expressão sexual têm
sido aplicados aos esporófitos das plantas (Ainsworth
2000).
Para alguns grupos de plantas nas gimnospermas
e angiospermas, a expressão sexual é diferente entre
indivíduos e análoga à que ocorre nos animais; assim
a analogia funciona sem problemas. Para estes grupos
de plantas dioicas, mesmo a genética da determinação sexual pode ser semelhante, com cromossomos
sexuais e até mesmo as assimetrias associadas ao
modelo XY de muitos grupos de animais (Ainsworth
2000, Charlesworth 2002, Ming et al. 2011). Mas
a maior parte das angiospermas é hermafrodita, o
que implica mais de 90% das espécies do grupo
apresentar flores com carpelos e estames funcionais,
expressando funções sexuais diferentes (Ainsworth
2000). Mais que isso, como a produção de gametas
masculinos e femininos está integrada numa mesma
estrutura floral, a expressão sexual nestas plantas vai
exigir uma série de compromissos e gerar conflitos
potenciais (Janzen 1977) (Fig. 3.2).
Potencias conflitos surgem se pensarmos nos
“custos” e “interesses” distintos associados às duas
funções sexuais. Os gametas femininos, as oosferas,
e as estruturas associadas a estes gametas vão acumular recursos necessários para o desenvolvimento das
Paulo Eugênio Oliveira
♦
Pietro Kiyoshi Maruyama ⁞
75
A
B
C
Figura 3.1 Polinização e fertilização nas angiospermas. (A)
Polinização por animais leva à
deposição de pólen no estigma
das flores. (B) Tubos polínicos
crescem até os óvulos fechados
nas câmeras carpelares e levam
duas células espermáticas que vão
realizar dois processos de fertilização. (C) O acoplamento é a
entrada dos tubos polínicos no
óvulo (ii), descarregando as células espermáticas no interior de
uma das sinérgides (iii), sendo que
uma delas termina fertilizando a
oosfera e a outra se funde com os
núcleos polares (comumente já
unidos num núcleo de fusão). Esta
dupla fertilização (iv) dá origem
ao embrião e ao núcleo primário
do endosperma triploide.
76 ⁞ Sistemas reprodutivos
Tamanho da progênie
Figura 3.2 Conflito entre funções sexuais
(redesenhado de Janzen 1979). O investimento na produção de flores não tem o
mesmo efeito sobre a progênie obtida via
função masculina ou feminina. A função
feminina é limitada pela disponibilidade
de recursos.
investimento
sementes e frutos. Estas estruturas reprodutivas são,
de uma maneira geral, dispendiosas e sua produção
é limitada pela fisiologia da planta-mãe, ou seja, o
esporófito. Os recursos para a produção de óvulos,
sementes e frutos são mais ou menos fixos. Desta
maneira, a melhor forma de utilizar estes recursos é
garantir que a fertilização ocorrerá utilizando gametas com grande aptidão genética e, dependendo do
ambiente, com uma variabilidade genética ampla o
suficiente para lidar com a variabilidade ambiental.
Como a formação de sementes e frutos é um processo
dispendioso, a função feminina também pode adotar
mecanismos ativos de aborto que permitem descartar
óvulos não fertilizados ou fertilizados por gametas
de baixa aptidão, otimizando o uso dos recursos
fisiológicos limitados para a formação de progênies
mais aptas (Janzen 1977, Lloyd 1979, 1980). Por outro
lado, o pólen e os gametas masculinos são relativamente menos custosos e podem ser produzidos em
maior quantidade. E o sucesso reprodutivo via função
masculina não tem as mesmas limitações fisiológicas,
na medida em que grãos de pólen podem fertilizar
óvulos de muitas plantas diferentes. Desta maneira,
quanto mais grãos de pólen forem produzidos ou
quanto maiores forem as estruturas atrativas para
que os polinizadores busquem esses grãos de pólen,
maior será a possibilidade de que seja transportado
pólen até outras flores (outros indivíduos) e maior
poderá ser a progênie formada (Fig. 3.2).
Nesse sentido, não existe vantagem para a função
feminina em produzir um número maior de flores
do que aquelas que efetivamente darão origem a
frutos. Em contrapartida, caso as flores sejam módulos iguais, quanto mais flores produzidas, maior
a quantidade de pólen e maior a possibilidade de
reprodução via função masculina. A tendência, em
indivíduos hermafroditas, é a de produzir um número
maior de flores do que aquelas que efetivamente darão
origem a frutos. Assim, a eficácia da transformação
de flores em frutos não é só resultante da eficiência
do processo de polinização. A incapacidade da planta
Paulo Eugênio Oliveira
em transformar todos os pistilos em frutos dá margem aos processos de aborto seletivo que poderiam
otimizar a reprodução via função feminina. Toda
esta discussão tem importância para o entendimento
da evolução dos sistemas sexuais e dos sistemas de
incompatibilidade a serem discutidos mais à frente.
O conflito entre as funções sexuais sobre o número ótimo de flores a serem produzidas pode ser
contornado pela separação das funções em flores
diferentes. Na maior parte dos casos estudados, a
separação das funções sexuais em flores se dá pela
supressão de uma das funções. Esta via de origem
de flores unissexuais como um caráter secundário
nas angiospermas, ou seja, a partir de flores hermafroditas, tem sido confirmada inclusive por estudos
moleculares, mas é possível que em alguns grupos
basais as flores unissexuais não tenham tido origem
a partir de flores hermafroditas (Froelich & Chase
2007). De qualquer forma, o surgimento de flores
unissexuais permite uma alocação de recursos mais
refinada em cada função sexual e o surgimento de
uma grande variedade de sistemas sexuais.
Sistemas sexuais
Sistemas sexuais remetem à variação na expressão
sexual nas plantas. Muitas plantas com flores morfologicamente hermafroditas podem apresentar gineceu
ou androceu não funcionais. Esta perda da funcionalidade pode ser resultado de mutações pontuais ou
até mesmo de disponibilidade fisiológica. Em espécies
de bananeira (Musa spp.), as flores localizadas nas
porções apicais das inflorescências são funcionalmente
masculinas, ou seja, estaminadas, provavelmente em
função da diminuição da disponibilidade de recursos alocados para a formação das flores femininas,
localizadas nas porções basais (Simmonds 1962,
Turner et al. 2007). A produção de algumas flores
♦
Pietro Kiyoshi Maruyama ⁞
77
com gineceu reduzido e funcionalmente masculinas
num indivíduo hermafrodita caracteriza a andromonoicia (Fig. 3.3 A), que é um dos sistemas sexuais
mais comuns entre as angiospermas. Este sistema
permite aumentar a quantidade de pólen e otimizar
a função masculina sem os custos da produção de
pistilos. A andromonoicia é particularmente comum
em plantas que têm frutos grandes e custosos, em
que a transformação de flores em frutos seria de qualquer maneira limitada em termos fisiológicos (Lloyd
1980). A situação oposta, que é a ocorrência de flores
funcionalmente femininas em plantas hermafroditas
(Fig. 3.3 B), é mais rara e comumente associada à
esterilidade polínica, às mutações ou a alguns grupos
e situações específicos, como em espécies apomíticas
de Asteraceae (Richards 1986).
O surgimento de flores com sexos separados
num mesmo indivíduo envolve duas mudanças.
Intuitivamente, poderíamos pensar que o surgimento
duplo de flores masculinas e femininas a partir de
flores hermafroditas deveria ser mais raro do que o
único surgimento de flores de um sexo. Mas a verdade é que a monoicia (Fig. 3.3 C) é comum entre
as plantas terrestres, de uma maneira geral, e mesmo entre as angiospermas. A ocorrência de flores de
sexos separados num mesmo indivíduo permite um
ajuste específico da alocação de recursos para cada
função sexual (de Jong et al. 2008) e a monoicia está
particularmente associada com a polinização pelo
vento e a separação temporal e, às vezes, espacial das
funções sexuais. Assim, mesmo que as flores dos dois
sexos coexistam na planta, a autopolinização é pouco
frequente (Crawley 1997). Modelos teóricos sugerem
que a monoicia evolui a partir do hermafroditismo
quando a alocação sexual é muito enviesada para a
função feminina, considerando o custo da produção
de frutos, o que favorece a andromonoicia e a posterior evolução da monoicia (de Jong et al. 2008).
78 ⁞ Sistemas reprodutivos
A
C
B
D
Figura 3.3 (A) Andromonoicia. Flor masculina e hermafrodita de Solanum lycocarpum (Solanaceae). (B) Ginomonoicia. Capítulo
de Mutisia coccinia (Asteraceae) com flores do disco hermafroditas e flores liguladas morfologicamente femininas. (C) Monoicia.
Flores femininas receptivas e masculinas ainda fechadas de Maprounea guianensis (Euphorbiaceae). (D) Dioicia. Flores masculinas
e femininas de Triplaris sp. (Polygonaceae).
O caminho distinto, passando pela ginomonoicia, é
A ocorrência de indivíduos com flores de um
improvável, já que requer uma produção de sementes
único sexo, ou dioicia (Fig. 3.3 D), poderia ser vista
drasticamente maior em flores femininas para com-
como uma consequência da monoicia, mas a dioicia
pensar o alto custo da função feminina em relação a
parece ter evoluído de maneira independente nas
flores hermafroditas (de Jong et al. 2008). Entretanto
plantas mais de cem vezes e nem sempre parece ter
a evolução dos sistemas sexuais na maior família de
envolvido a monoicia (Charlesworth 2002). Duas
angiospermas, Asteraceae, parece mostrar justamente
rotas principais parecem ter sido tomadas na evolução
que a monoicia evolui nessa família passando pela
deste sistema reprodutivo: o surgimento por mutação
ginomonoicia, que é muito comum na família, fato
de esterilidade masculina ou feminina, resultando
que pode estar ligado a uma particularidade na dis-
em androdioicia ou ginodioicia, respectivamente,
posição das flores em inflorescências do tipo capítulo
ou uma seleção disruptiva de uma variação existente
que competem pelos recursos disponíveis na formação
(distilia, heterodicogamia e monoicia), sendo a rota
de frutos (Torices et al. 2011).
pela ginodioicia particularmente comum (Ashman
Paulo Eugênio Oliveira
2006, Ming et al. 2011). De qualquer maneira, a
evolução das flores de sexos separados (monoicia,
dioicia e sistemas sexuais intermediários) parece estar
ligada a uma assimetria nos balanços das vantagens
que cada função sexual experimenta e que finalmente
culmina, ou não (Ashman 2006), num ponto estável,
com dois sexos separados.
Fluxo gênico e sistemas de reprodução
Até aqui mencionamos a reprodução sexuada num
contexto de cruzamento entre indivíduos distintos,
em que o fluxo gênico, via pólen entre plantas diferentes, aumenta a variabilidade genética. As flores
hermafroditas, ao concentrar duas funções sexuais
numa mesma flor, têm a vantagem ou a desvantagem
de permitir autopolinização, isto é, a transferência
do pólen para o estigma da própria flor ou entre
flores de uma mesma planta, processo chamado
de geitonogamia. Mesmo com flores unissexuais,
a presença dos dois tipos numa planta (monoicia)
poderia levar à predominância de autogamia. Em
muitos casos, esta autopolinização pode até mesmo
ser automática, caso os estames e o estigma estejam
localizados próximos uns dos outros na estrutura
da flor.
Levando isto em consideração, é possível pensar
em dois extremos reprodutivos no que diz respeito
ao fluxo gênico. Num extremo, flores hermafroditas
podem nunca abrir totalmente, sendo obrigatoriamente autopolinizadas. Estas flores são chamadas
cleistógamas e podem ser vistas como adaptações para
maximizar a autopolinização e diminuir as possibilidades de cruzamentos entre indivíduos. A endogamia
pode ser importante em situações em que a variabilidade genética for prejudicial. Um exemplo clássico é
o predomínio de endogamia em espécies adaptadas
a habitats extremos, como solos saturados de metais
♦
Pietro Kiyoshi Maruyama ⁞
79
pesados (Jain 1976). Nestes casos, qualquer variabilidade pode modificar o arranjo de características
genéticas que permite às plantas sobreviver naqueles
ambientes. Claro que mecanismos de reprodução
assexuada ou apomixia poderiam ser interessantes
nestas situações (Capítulo 4), mas a cleistogamia ou
mesmo mecanismos de endogamia menos estritos
podem proporcionar a segurança reprodutiva e, ao
mesmo tempo, manter algum grau de variabilidade
e flexibilidade reprodutiva.
Num outro extremo, podemos considerar as
espécies dioicas, entre as quais a endogamia é virtualmente impossível. Com os sexos separados em
plantas diferentes, toda a polinização resulta em
fluxo gênico entre indivíduos. Nesses casos, mesmo
polinizadores relativamente generalistas poderiam
efetuar polinizações entre indivíduos e esta possibilidade de utilizar vetores relativamente simples
seria um dos principais motores para a evolução da
dioicia (Baker 1955, Bawa 1980, Charlesworth 1993,
Pannell & Dorken 2006). Mas, se por um lado, este
sistema permite às plantas usarem vetores relativamente generalistas, por outro, o estabelecimento da
dioicia gera uma dependência total das plantas em
relação a estes polinizadores. É interessante notar
que, nas plantas dioicas, a única saída para garantir
a segurança reprodutiva na ausência de polinizadores seria a reprodução assexuada. Não por acaso, a
apomixia foi descrita pela primeira vez no século
XIX para uma espécie dioica, Alchornia ilicifolia,
Euphorbiaceae (Baker 1983).
Mesmo sem o extremo da dioicia, qualquer separação das funções sexuais nas plantas resulta em
maior fluxo gênico, mas a maioria das angiospermas é
hermafrodita. Será que elas seriam mais inclinadas à
autopolinização? Na verdade, não. Mesmo que à primeira vista o predomínio de hermafroditismo pareça
favorecer a autopolinização, este parece ter surgido
80 ⁞ Sistemas reprodutivos
paradoxalmente como uma forma de aumentar o fluxo de pólen entre as plantas das angiospermas (Allen
& Hiscock 2008). Mas como isto pode ser obtido?
A atração de polinizadores bióticos por si só parece
ter sido importante para promover os cruzamentos,
mas as adaptações estruturais, temporais e fisiológicas nas flores podem ser utilizadas para otimizar
a polinização e regular o fluxo gênico. Mesmo não
podendo sair por aí buscando um parceiro bonitão ou vigoroso, as plantas podem ter mecanismos
para controlar o fluxo gênico, influenciando seus
polinizadores e, consequentemente, a qualidade da
polinização.
Assimetrias morfológicas e
mecanismos para otimizar a
polinização
Descrevemos anteriormente como a proximidade
entre os estames, o estigma e os extremos da cleistogamia podem promover autopolinização e como
a separação espacial entre estames e estigma pode
ter o efeito oposto, evitando a autogamia. O tipo
mais comum de separação espacial é a hercogamia
de aproximação, com o estigma posicionado mais
à frente do que os estames na rota de chegada dos
visitantes florais (Fig. 3.4 A). Isto permite que o estigma receba uma carga de pólen de outras flores
antes que o corpo do polinizador seja contaminado
com o pólen da própria flor.
Outro tipo de modificação estrutural que pode
promover a polinização cruzada é a enantiostilia.
Este polimorfismo floral é promovido por assimetrias no desenvolvimento das partes florais de flores
zigomorfas, resultando no posicionamento diferente
de estames e estigma em flores de uma mesma planta
ou de plantas diferentes. Nas espécies melitófilas
de Qualea (Vochysiaceae), as árvores de pau-terra
comuns no Cerrado brasileiro, o desenvolvimento
da flor termina por posicionar o estigma oposto ao
único estame (Oliveira 1998a) (Fig. 3.4 B). Mas,
numa mesma planta, ocorrem flores com o estigma
para a direita e flores com o estigma para a esquerda,
caracterizando um tipo de enantiostilia monomórfica
(Jensson & Barrett 2003). A ocorrência de enantiostilia dimórfica, em que flores de cada tipo ocorrem
em indivíduos diferentes, é muito mais rara, mas
mesmo a enantiostilia monomórfica, distribuindo
pólen do lado direito ou do lado esquerdo do corpo
do polinizador, pode ampliar as possibilidades de
polinização cruzada ou pelo menos dificultar a autopolinização (Jensson & Barrett 2003).
Flores podem exibir mecanismos estruturais
mais complexos de separação das funções sexuais
para promover a polinização cruzada e o fluxo gênico
(Barrett 2010). A heterostilia envolve a ocorrência de
morfos florais com estruturas sexuais de tamanhos e
posições distintos. A distilia é a forma mais comum
de heterostilia, e o posicionamento recíproco entre
os estiletes e estames resulta em dois morfos florais
claramente definidos, denominados brevistilo e longistilo (Fig. 3.4 C). A tristilia tem distribuição mais
restrita, mas parece ter um controle genético semelhante e resulta em populações de indivíduos com três
morfos florais diferentes. Estes polimorfismos florais
são controlados geneticamente e geralmente estão
associados a mecanismos fisiológicos de autoincompatibilidade e incompatibilidade intramorfos, mas o
posicionamento recíproco de estruturas sexuais por
si só parece promover um fluxo direcional de pólen
entre indivíduos de morfos diferentes (Ganders 1979,
Ferrero et al. 2009).
Paulo Eugênio Oliveira
♦
Pietro Kiyoshi Maruyama ⁞
81
A
B
C
Figuras 3.4 (A) Hercogamia de aproximação em Vellozia squamata (Velloziaceae). Flor e corte da flor. Notem o estigma bem
acima dos estames. (B) Enantiostilia. Flores de Qualea multiflora (Vochysiaceae). Notem o estame para a esquerda na flor do lado
esquerdo e para direita na flor do lado direito. (C) Distilia. Flores brevistilas e longistilas de Palicourea rigida (Rubiaceae). Flores
inteiras e cortes das flores mostrando a posição de estames e estigmas.
Dicogamia e mecanismos
temporais para otimizar a
reprodução
na promoção de alogamia, separando espacialmente
Outras modificações estruturais mais específicas e
características de alguns grupos de angiospermas ou
determinados sistemas de polinização podem resultar
por assincronia entre a liberação do pólen e a recep-
as funções sexuais. Mas a separação destas funções e
a promoção da alogamia podem ser obtidas também
tividade estigmática. Dicogamia e modificações temporais das flores podem até mesmo impossibilitar a
82 ⁞ Sistemas reprodutivos
autopolinização, quando a liberação do pólen ocorre
num momento no qual o estigma não esteja receptivo. Em Tocoyena formosa (Rubiaceae), por exemplo,
as flores não apresentam hercogamia e, mais ainda,
o pólen é liberado pelas anteras na parte externa dos
lobos estigmáticos, parte esta que não é receptiva,
num tipo de apresentação secundária de pólen (Fig.
3.5 A). Quando os lobos estigmáticos começam a
se abrir na segunda noite da antese, a maior parte
do pólen já foi retirada pelos visitantes florais e a
polinização se realizará com pólen trazido de outras
flores. Este fenômeno é denominado protandria, isto
é, um caso de dicogamia temporal na qual o pólen
é liberado antes de a receptividade estigmática se
iniciar. O oposto também é comum nas plantas,
como nas espécies de Annona (Annonaceae), nas
quais o estigma está receptivo no início da antese e
os estames começam a liberar pólen somente mais
tarde, na mesma noite ou na noite seguinte, quando os polinizadores são “liberados” das flores (Fig.
3.5 B). Este tipo de protoginia é frequentemente
associado à polinização por besouros (Capítulo 11),
mas também ocorre em outros grupos de plantas.
As dicogamias podem ocorrer em flores do mesmo
indivíduo sem que haja uma sincronia, mas também
pode ser sincronizada de tal modo que gera uma
dioicia funcional. No abacate (Persea americana,
Lauraceae), por exemplo, alguns indivíduos produzem flores pela manhã e outros, no período da
tarde. Como as flores são protogínicas e a abertura
é sincrônica, algumas plantas são funcionalmente
femininas pela manhã e masculinas no período da
tarde, enquanto outras são masculinas à tarde e
femininas apenas na manhã seguinte (Kubitzki &
Kurz 1984, Sedgley 1985).
A dicogamia pode ocorrer entre estruturas de
uma mesma flor hermafrodita, mas pode acontecer
entre flores unissexuais de uma mesma planta. Em
algumas palmeiras, as flores de sexos separados têm
ritmos de abertura diferentes. No gênero Syagrus
(Arecaceae), a flores masculinas se abrem primeiro
e as femininas somente vão estar receptivas vários
dias depois, muitas vezes sem sobreposição entre
as fases (Silberbauer-Gottsberger 1990). Em contraste, no gênero Astrocaryum, as flores femininas
estão receptivas antes do início da abertura das flores
masculinas (Consiglio & Bourne 2001). A abertura
concomitante de várias inflorescências pode possibilitar a endogamia, mas comumente a dicogamia
resulta em dioicia funcional e promove a alogamia
quase obrigatória nestes grupos de plantas.
Adaptações morfológicas e temporais podem ser
combinadas em algumas plantas para promover a alogamia. Movimentos de estames, estiletes e estigmas,
bem como de outras partes florais, podem ajudar a
promover a polinização e direcionar o fluxo de pólen.
A protoandria em Ferdinandusa speciosa (Rubiaceae)
é associada ao crescimento do estilete, que gera a
hercogamia de aproximação quando se inicia a fase
feminina (Castro & Oliveira 2001). Movimentos
dos estiletes e até de todo o androginóforo podem
aumentar a possibilidade de polinização cruzada
em espécies de Passiflora (Scorza & Dornelas 2011,
mas veja Shivanna 2012 para um efeito exatamente
oposto). O fechamento dos lobos estigmáticos associados à hercogamia de aproximação pode evitar
autopolinizações em várias espécies de Bignoniaceae
(Milet-Pinheiro et al. 2009). Por outro lado, a curvatura dos lobos estigmáticos até sua contaminação
por pólen da própria flor, como ocorre em algumas
Asteraceae (Lloyd & Schoen 1992), ou o movimento
dos polinários até assegurarem a autopolinização
em algumas espécies de Orchidaceae (Johnson &
Edwards 2000), são mecanismos que restringem a
alogamia ou pelo menos asseguram a reprodução na
ausência de polinizações adequadas.
Paulo Eugênio Oliveira
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A
B
Figuras 3.5 (A) Protandria. Flores de Tocoyena formosa (Rubiaceae). Flor na fase masculina na primeira noite da antese, com
deposição secundária de pólen e estigma fechado. Flor na fase feminina na segunda noite de antese com os lobos do estigma
abertos e receptivos. (B) Protoginia em Annona crassiflora (Annonaceae). Flor no início da antese (pétalas externas afastadas para
mostrar gineceu e androceu) com estigma receptivo e anteras ainda sem liberação de pólen. For visitada por besouros que trazem
pólen de outras flores.
Mudanças de coloração, do horário de abertura,
de serem avaliados. Por exemplo, a quantidade de
do fechamento e da duração da flor podem interferir
recursos florais oferecida pode afetar o comportamen-
nos serviços de polinização selecionando os tipos de
to do polinizador e, consequentemente, a qualidade
polinizadores e influenciando o fluxo e a qualidade
do pólen depositado no estigma (Oliveira & Sazima
do pólen que chega a flor. Os mecanismos utilizados
1990, McDade & Weeks 2004a,b). Neste sentido,
pelas plantas para atrair seus polinizadores são inú-
até mesmo a interferência de ladrões de néctar (visi-
meros e serão discutidos nos vários capítulos deste
tantes que usam os recursos sem fazer polinização)
livro. Alguns destes mecanismos são sutis e difíceis
pode gerar interações com resultados imprevisíveis
84 ⁞ Sistemas reprodutivos
na polinização (Maloof & Inouye 2000). Em plantas
florindo massivamente, uma assincronia no horário
de oferta de néctar pode aumentar o deslocamento
de visitantes entre plantas e o potencial de polinização cruzada (Stephenson 1982). Por outro lado,
uma previsibilidade maior na oferta de recursos pode
levar a comportamento territorial dos polinizadores
e, consequentemente, reduzir as possibilidades de
alogamia (Justino et al. 2012).
Seleção gametofítica e
mecanismos de incompatibilidade
Todos estes mecanismos citados até aqui têm um
efeito limitado sobre a qualidade do pólen depositado
nas flores, e estimativas sobre o tipo de polinização
em árvores tropicais indicam que a maior parte das
polinizações em plantas hermafroditas, algo como
90%, é de autopolinizações, autogamias ou geitonogamias (Arroyo 1976). Caso as plantas tivessem
apenas mecanismos estruturais ou temporais para
selecionar o pólen, ou seja, seus parceiros sexuais, a
tendência seria uma predominância da endogamia,
com consequências ecológicas e evolutivas. Mas o
fechamento dos carpelos, além da proteção dos óvulos, permitiu às angiospermas mecanismos mais elaborados de seleção gametofítica. A própria evolução
das angiospermas parece estar associada à evolução
de mecanismos mais eficientes de crescimento dos
tubos polínicos. Plugs de calose e crescimento mais
rápido permitiram aos tubos polínicos competirem
desde a superfície estigmática até os óvulos pela prioridade de gerar novos indivíduos (Williams 2008).
Nas plantas, assim como nos animais, os óvulos têm
mecanismos para impedir o acoplamento e a fertilização por mais de um tubo polínico (Spielman &
Scott 2008). Ou seja, quem chegar primeiro fica com
a mocinha! Mas estas características permitem ainda
que a planta-mãe influencie este processo, selecionando ativamente os tubos polínicos com características
genéticas adequadas para o processo de fertilização.
Experimentos desde a década de 1970 confirmaram
a seleção gametofítica e mostraram uma relação clara
entre o vigor de crescimento de tubos polínicos e o
vigor da progênie resultante. Além disso, estimativas
sugerem que 60% dos genes da planta adulta seriam
expressos durante o crescimento dos tubos polínicos,
permitindo que a planta-mãe desenvolva mecanismos
de seleção de genes (Mulcahy & Mulcahy 1975,
Mulcahy et al. 1996).
Apesar de a seleção gametofítica ser inconteste, a
interferência da planta-mãe e de suas características genéticas sobre o processo de fertilização raramente pôde
ser quantificada. Além disso, os mecanismos de seleção envolvidos não são claramente conhecidos, a não
ser no caso dos processos de autoincompatibilidade.
Desde o século XVIII, a existência de autoesterilidade
tem sido discutida. Em um experimento pioneiro,
Koelreuter (1763) demonstrou que plantas autopolinizadas de Verbascum sp. (Scrophulariaceae) não
produziam frutos e sementes (Baker 1983). Darwin
(1876) ampliou significativamente este conhecimento
e sintetizou as informações sobre autoesterilidade.
O termo autoincompatibilidade foi cunhado apenas
no início do século XX (Stout 1917), num período
em que estes mecanismos foram estudados em detalhe à luz das ideias da genética mendeliana e das
pressões para o melhoramento de plantas cultivadas.
Em muitos casos, a consequência da autoesterilidade
em cultivos era a limitação na produção agrícola e a
dependência destes dos vetores de pólen. Uma série
de experimentos conduzidos durante a década de
1920 definiu as bases genéticas dos mecanismos de
autoesterilidade em vários grupos de plantas (Prell
1921, East & Mangelsdorf 1925, Lehmann 1926
e Filzer 1926). Nas décadas seguintes, as relações
Paulo Eugênio Oliveira
florísticas dos mecanismos de incompatibilidade
(East 1940) e os caracteres secundários associados
a cada tipo (Brewbaker 1957) foram estabelecidos,
apesar do baixo número (menos de três dezenas) de
espécies para as quais os mecanismos genéticos de
autoincompatibilidade tenham efetivamente sido
definidos.
De uma maneira geral, os mecanismos clássicos
de autoincompatibilidade podem ser divididos em
três grupos: a autoincompatibilidade gametofítica
(GSI) (Fig. 3.6 A) foi descrita inicialmente com base
em estudos em Nicotiana sp. (Solanaceae) e definida
por um único gene/lócus com vários alelos sem dominância. Este gene parece controlar a expressão de
substâncias tanto nos óvulos quanto nos tubos polínicos, de maneira que a presença de alelos iguais leva
a uma reação de incompatibilidade. Neste modelo, a
autoincompatibilidade seria completa, mas os modelos
resultantes dos experimentos controlados implicavam
que uma mesma planta poderia produzir gametas
com alelos diferentes e numa população existiriam
plantas incompatíveis, plantas compatíveis e plantas
semicompatíveis, sendo que a reação de incompatibilidade ocorreria em função da expressão independente
dos genótipos haploides de cada gameta, o que deu o
nome ao sistema (De Nettancourt 1977, Gibbs 1990).
Análises posteriores mostraram que este sistema era
amplamente distribuído nas angiospermas, estava
usualmente associado a plantas com estigma úmido
e que a reação de incompatibilidade parecia ocorrer
ao longo do estilete, com os tubos polínicos incompatíveis comumente se rompendo precocemente e
formando deposições irregulares de calose (Oliveira
& Gibbs 1994) (Fig. 3.7).
Estudos realizados na década de 1950 (Bateman
1952, 1954) mostraram que algumas plantas apresentavam mecanismos de incompatibilidade diferentes. Nestas plantas também o controle da
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incompatibilidade parecia envolver um único lócus,
com vários alelos diferentes, mas parecia ocorrer uma
relação de dominância entre os alelos e apenas os alelos
dominantes eram expressos. Isto implicava que, independente do genótipo haploide, o pólen apresentava
reações de incompatibilidade que eram determinadas
pelo genótipo do esporófito. Daí a definição como
autoincompatibilidade esporofítica (SSI) (Fig. 3.6
B). A dominância implicava que plantas compartilhando um alelo dominante não somente seriam
autoincompatíveis, como seriam interincompatíveis
em certos cruzamentos, não havendo semicompatibilidade na população. Estes sistemas esporofíticos
parecem ter uma distribuição menos ampla, praticamente restrito às Asteraceae, Brassicaceae, Betulaceae,
Caryophyllaceae, Convolvulaceae e Polemoniaceae
(Allen & Hiscock 2008). As plantas com este sistema
de incompatibilidade apresentam comumente estigma papiloso seco e a reação de incompatibilidade
ocorre na superfície estigmática. Nas Brassicaceae,
em que tais sistemas foram muito bem estudados,
os tubos polínicos penetram a parede das papilas
estigmáticas e isto somente acontece quando o pólen
é compatível. Muito comumente, plantas com tais
sistemas apresentam pólen tricelular e com exina
esculturada e complexa. Alguns estudos sugeriram
que as substâncias associadas à reação de incompatibilidade poderiam ser depositadas pelo tapete
da antera na exina dos grãos de pólen durante sua
formação, o que explicaria a interação entre alelos e a
exina esculturada (mas veja Gibbs & Ferguson 1987).
Apesar de este sistema genético (SSI) criar classes
de plantas incompatíveis nas populações, não existe
diferenças morfológicas associadas e este sistema é
comumente descrito como autoincompatibilidade
esporofítica homomórfica em oposição aos sistemas
aparentemente semelhantes que ocorrem em plantas
heterostílicas (Gibbs 1986, 1990).
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Figuras 3.6 Características fundamentais dos sistemas clássicos de autoincompatibilidade em plantas (adaptado de Gibbs 1990
e Richards 1986). (A) Sistema gametofítico (GSI): Esquema mostrando os cruzamentos possíveis entre indivíduos com genótipos
diferentes e o comportamento de crescimento de tubos polínicos nos pistilos. São indicados ainda os resultados em termos de
compatibilidade e, no quadro, as principais características do sistema. (B) Sistema esporofítico homomórfico (SSI): esquemas
semelhantes, mostrando os resultados dos cruzamentos possíveis, influenciados pelas relações de dominância entre alelos. São
mostrados os resultados em termos de compatibilidade e o quadro detalha as características do sistema. (C) Sistema esporofítico
heteromórfico (HetSI): Esquema de flores dos dois morfos mostrando as características morfológicas associadas ao mecanismo
de incompatibilidade. Estas características, inclusive o mecanismo de incompatibilidade, são controladas por genes em linkage
num agrupamento comumente denominado supergene.
A heterostilia já era bem conhecida desde o século
XVIII e resultava em populações com duas ou mais
classes de indivíduos morfologicamente diferentes
(Barrett 2010). Cruzamentos controlados mostraram
que estas classes eram também auto e intramorfoincompatíveis, isto é, mesmo quando eram forçadas
polinizações entre indivíduos de um mesmo morfo,
havia algum mecanismo de incompatibilidade que
impedia a formação de frutos e sementes. Estudos
com Primula spp. (Primulaceae) e outros grupos de
plantas heterostílicas mostraram que também nestes
casos parecia haver um sistema mendeliano relativamente simples, com um único gene que controlava a
morfologia floral e o mecanismo de incompatibilidade
(Richards 1986, Barrett & Shore 2008). Estudos
mais detalhados mostraram que, apesar da segregação mendeliana devida à ligação genética (linkage),
o controle de alguns aspectos da morfologia e do
mecanismo de incompatibilidade parecia ser exercido
por um conjunto de alelos em pelo menos três lóculos
diferentes. Recombinação dentro deste supergene
resultava em mudanças morfológicas e quebra do
mecanismo de incompatibilidade, originando indivíduos homomórficos e autocompatíveis. De qualquer
modo, a incompatibilidade em espécies de Primula e
em outros grupos heterostílicos parecia ser controlada
por um único gene com dois alelos, sendo um alelo
dominante que em muitos casos estava associado ao
fenótipo brevistilo e a papilas estigmáticas grandes.
Esta dominância levou à denominação deste sistema
como autoincompatibilidade esporofítica heteromórfica (HetSI) (Fig. 3.6 C), apesar de alguns autores
chamarem a atenção para o fato de que não existem
evidências claras de que constituam mecanismos
semelhantes àqueles descritos para SSI (Gibbs 1986,
Allen & Hiscock 2008).
Estudos mais recentes permitiram isolar genes
associados aos sistemas de incompatibilidade e tentar entender seu funcionamento em nível celular.
Inicialmente, um gene S isolado parecia indicar um
funcionamento semelhante dos sistemas clássicos
de incompatibilidade, mas estudos mais detalhados
mostraram um quadro bem mais complexo, com pelo
menos três mecanismos bem diferentes de reconhecimento e incompatibilidade (Takayama & Isogai
2005). A definição do controle genético dos mecanismos de incompatibilidade envolve estudos experimentais trabalhosos, e nas últimas duas décadas é
possível encontrar não mais que dois ou três estudos
neste sentido (Lipow & Wyatt 2000, Talavera et al.
2001). A maioria das inferências sobre mecanismos
de incompatibilidade é baseada nas tendências apontadas na década de 1950 para um número pequeno
de espécies (Brewbaker 1957), sendo a maior parte
plantas de regiões temperadas e de pequeno porte e ciclo reprodutivo rápido. O comportamento
do crescimento dos tubos polínicos e as diferenças
88 ⁞ Sistemas reprodutivos
A
B
Figura 3.7 Crescimentos de tubos polínicos em pistilo autopolinizado de Vochysia (Vochysiaceae). (A) Mosaico de fotos e desenho interpretativo mostrando que os tubos vão parando no segundo terço do estilete. (B) Detalhe de um tubo interrompido com
deposição de calose que caracteriza a reação de incompatibilidade nestas espécies (Oliveira & Gibbs 1994).
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observadas nos sítios da reação de incompatibilidade
foram utilizados comumente como indicadores de
sistemas gametofíticos ou esporofíticos, mas quando
estas inferências começaram a ser utilizadas para
espécies tropicais, elas começaram a perder o sentido.
No cacau (Theobroma sp., Malvaceae), cruzamentos
controlados pareciam evidenciar um sistema esporofítico, com indivíduos interincompatíveis e um
número reduzido de alelos (Cope 1962). Mas as
observações em microscopia de fluorescência mostraram que, independente do tipo de polinização e da
produção de frutos, os tubos polínicos cresciam até
os óvulos e aparentemente havia fertilização (Cope
1962, Ford & Wilkinson 2012). Eventualmente, foi
mostrado que a autoesterilidade parecia resultar da
incapacidade de fusão dos núcleos para a formação
da célula primária do endosperma. Mas mesmo os
dados quantitativos dos eventos de fusão indicavam
alguma semicompatibilidade e sugeriam um controle
gametofítico de tal mecanismo, sendo a esterilidade
mais estrita resultado de processos de aborto não
associados diretamente com a incompatibilidade.
genética. Associação com mecanismos de natureza
gametofítica foram definidos em detalhes apenas
para espécies de Asclepias – Apocynaceae (Lipow
& Wyatt 1999, 2000) e de Theobroma – Malvaceae
(Cope 1962, Ford & Wilkinson 2012). Mas existem poucos trabalhos experimentais confirmando
a natureza de tais fenômenos, que provavelmente
não têm uma natureza comum. É interessante notar
que estes fenômenos são particularmente comuns
em plantas com flores relativamente pequenas em
relação aos frutos (Oliveira 1998b), nas quais o
aborto pós-polinização pode constituir um mecanismo de seleção de baixo custo. Sistemas clássicos
de autoincompatibilidade, por outro lado, são comuns em espécies arbustivo-herbáceas e com flores
relativamente grandes e custosas, nas quais barreiras
de autoincompatibilidade podem aumentar a possibilidade de fertilização com pólen cruzado e reduzir
os custos associados à depressão endogâmica (Seavey
& Bawa 1986, Oliveira 1998b).
Estudos realizados com outras plantas arbóreas
em todo o mundo, mas especialmente em ambientes
tropicais, foram sintetizados na década de 1980
(Seavey & Bawa 1986) e indicavam que mecanismos
de autoincompatibilidade de ação tardia (LSI)
pareciam agir no ovário ou nos óvulos, aparentemente sem afetar o crescimento dos tubos polínicos.
A autoesterilidade foi vista alternativamente como
decorrente de depressão endogâmica. Uma longa
discussão se seguiu e persiste até os dias atuais,
questionando se estes fenômenos de ação tardia
realmente representam mecanismos de autoincompatibilidade geneticamente controlados. Existem
evidências de que a LSI, que envolve desde barreiras pré-zigóticas até aborto seletivo, não constitui
simples resultado de depressão endogâmica e carga
Considerações finais
A polinização é, sem dúvida, a forma mais efetiva
de otimizar o processo reprodutivo, mas as plantas
dispõem de um arsenal muito mais amplo para interferir neste processo. Os sistemas de reprodução
são constituídos por mecanismos variados, incluindo
adaptações estruturais, fenológicas e fisiológicas
que podem ser utilizados pelas plantas para controlar a reprodução sexuada e otimizar a escolha
de parceiros. Estes sistemas de reprodução podem
controlar o fluxo de pólen, o crescimento de tubos
polínicos e a alocação de recursos para a progênie,
ampliando ou reduzindo a variabilidade genética em
função das condições ambientais onde as plantas
estão crescendo.
90 ⁞ Sistemas reprodutivos
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Foto: Ana Paula Caetano
*
Capítulo 4
*
Reprodução assexuada
Ana Paula de Souza Caetano1 e Priscila Andressa Cortez2
1
Programa de Pós-graduação em Biologia Vegetal, Instituto de Biologia, Departamento de Biologia Vegetal, Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) – Rua Monteiro Lobato, 970 – CEP: 13083-970 – Campinas-SP – Brasil. e-mail: apscaetano@
yahoo.com.br
2
Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) – Rodovia Jorge Amado, km 16 – CEP:
45662-900 – Ilhéus-BA – Brasil.
E
ste capítulo trata da reprodução assexuada de plantas, na qual novos indivíduos são formados a
partir de mitoses de células somáticas do parental. A reprodução assexuada pode ocorrer vegetativamente, a partir de raízes, caules, folhas e inflorescências, ou por meio da apomixia, a partir de
sementes. A propagação vegetativa, além de comum em algumas espécies, é a base da multiplicação de
plantas agrícolas como a mandioca e a cana-de-açúcar. Na apomixia há formação de embriões a partir
de células do óvulo, levando ao desenvolvimento de sementes viáveis. A apomixia pode ser classificada,
de maneira simples, em esporofítica e gametofítica; facultativa e obrigatória; autônoma e pseudogâmica.
Frequentemente há relação entre apomixia gametofítica e alopoliploidia. As espécies apomíticas apresentam boa capacidade de colonização, sendo comumente espécies invasoras e de ampla distribuição.
Isso porque as apomíticas autônomas independem de polinizadores e são capazes de se reproduzir e
fundar populações a partir de um só indivíduo; e as pseudogâmicas autocompatíveis podem apresentar
autopolinização espontânea ou necessitar de polinizadores menos eficientes. Assim, a apomixia pode
ser considerada uma importante estratégia de segurança reprodutiva, além de interessante do ponto de
vista econômico já que podem garantir a reprodução de inúmeras espécies agrícolas.
94 ⁞ Reprodução assexuada
Reprodução em angiospermas:
reprodução sexuada vs.
reprodução assexuada
divisão da célula generativa que irá originar as duas
células espermáticas ocorre antes de o grão de pólen
ser liberado da antera.
As angiospermas se reproduzem de forma sexuada
e/ou assexuada. O processo de reprodução sexuada
envolve a formação de um indivíduo a partir da fusão
de células denominadas gametas (Mogie 1992), o que
permite a geração de variabilidade genética por meio
de recombinação, segregação e singamia (Richards
1997). Por outro lado, na reprodução assexuada,
indivíduos geneticamente idênticos ou com menor
variabilidade genética são formados por mitose de
células somáticas, em um processo que não inclui
meiose e singamia (Holsinger 2000; Karasawa et
al. 2009).
Já no interior do óvulo, comumente uma única
célula fértil diploide se diferencia, originando a
célula-mãe de megásporos. A megasporogênese é
marcada pela meiose da célula-mãe de megásporos que origina quatro megásporos haploides. Em
grande parte das angiospermas, apenas um dos
megásporos produzidos é funcional, e os outros
três se degeneram. Durante a megagametogênese, o
megásporo funcional passa por três ciclos mitóticos,
originando o megagametófito ou saco embrionário,
comumente constituído por sete células e oito núcleos: três antípodas, duas sinérgides e uma oosfera,
todas com um único núcleo haploide; e uma célula
central, com dois núcleos haploides denominados
núcleos polares.
Reprodução sexuada
A reprodução sexuada envolve eventos de meiose e
singamia. Em angiospermas, estes processos ocorrem no interior da antera e do óvulo, estruturas que
possuem um tecido fértil especializado denominado
tecido esporogênico.
Durante o processo de microsporogênese, várias células diploides e férteis da antera jovem se
diferenciam em células-mãe de micrósporos; cada
célula-mãe de micrósporos passa por meiose e origina quatro micrósporos haploides. Em seguida tem
início a microgametogênese, processo no qual cada
micrósporo haploide se divide por mitose e origina
o microgametófito, também chamado de grão de
pólen. Na maioria das espécies estudadas, o grão de
pólen é liberado da antera contendo duas células,
denominadas célula vegetativa e célula generativa;
nessas espécies, a divisão mitótica da célula generativa que origina as duas células espermáticas ocorre
apenas após a polinização. Nas demais espécies, a
Após a liberação ou retirada dos grãos de pólen das anteras maduras, seu transporte e deposição
na superfície estigmática do gineceu (polinização),
ocorrem a emissão e o crescimento do tubo polínico,
por meio do qual as duas células espermáticas são
transportadas até o óvulo e descarregadas em uma
das sinérgides. Neste momento ocorre o evento de
dupla fecundação: enquanto o núcleo de uma célula
espermática se funde ao núcleo da oosfera, originando
o zigoto, que posteriormente desenvolve-se em um
embrião, o núcleo da outra célula espermática se
funde aos núcleos polares, originando o endosperma
triploide, que será utilizado como fonte nutricional
para o embrião em desenvolvimento.
Os processos de esporogênese, gametogênese
e fecundação estão esquematizados na Fig. 4.1 e
os detalhes de cada etapa podem ser obtidos em
Maheshwari (1950), Johri (1984), Johri et al. (1992)
e Lersten (2004).
Ana Paula de Souza Caetano
♦
Priscila Andressa Cortez ⁞
95
Figura 4.1 Ciclo de vida de uma angiosperma hipotética mostrando a alternância entre os indivíduos produtores de esporos
(esporófito – diploide) e de gametas (gametófito – haploide).
Reprodução assexuada
A característica mais marcante na reprodução assexuada é a formação de indivíduos geneticamente
idênticos ou muito semelhantes à planta mãe, denominados clones, resultado da ausência de fusão entre
gametas femininos e masculinos. Populações com alta
ser importante em populações pequenas, nas quais
o sucesso reprodutivo pode ser comprometido; em
ambientes não nativos, onde a reprodução sexuada
exige a colonização a partir de múltiplos indivíduos;
e em locais onde a reprodução sexual está sujeita a
limitações fisiológicas (Silvertown 2008).
frequência de clones são menos hábeis a responder
Nas angiospermas, a reprodução assexuada ocorre
adaptativamente a mudanças ambientais via seleção
principalmente de duas formas, que não são mutua-
natural. Além disso, a assexualidade pode reduzir o
mente exclusivas: por propagação vegetativa ou por
tamanho efetivo de uma população, permitindo a
apomixia (Holsinger 2000; Silvertown 2008). Delas,
fixação de alelos deletérios que podem contribuir para
a apomixia é particularmente interessante em termos
a extinção de uma determinada espécie (Holsinger
ecológicos e evolutivos, sendo, por isso, abordada em
2000). Por outro lado, a reprodução assexuada pode
maiores detalhes neste capítulo.
96 ⁞ Reprodução assexuada
Propagação vegetativa
Na propagação vegetativa, novos indivíduos são produzidos por brotamento ou ramificação a partir de
raízes, caules, folhas e inflorescências (Silvertown
2008).
Algumas vantagens são frequentemente associadas a esse tipo de propagação. Os propágulos
clonais têm maior probabilidade de sobrevivência
em condições ambientais extremas quando comparados às plântulas, já que, nos estádios iniciais de
crescimento, eles estão ligados à planta parental por
meio do sistema vascular e, frequentemente, têm
maior biomassa quando comparados às plântulas
de idade similar (Abrahamson 1980; Harper 1985).
Além disso, a formação de clones pode compensar
eventuais falhas no recrutamento e sobrevivência de
plântulas (Seligman & Henkin 2000; Arizaga &
Ezcurra 2002). Outro benefício está relacionado à
capacidade que plantas com propagação vegetativa
têm de se “mover” a partir de rizomas ou estolões.
Essas estruturas permitem que os clones permaneçam
ligados à planta parental, explorem habitats diferentes
(Crawley 1997) e se beneficiem em ambientes onde
os recursos são escassos e/ou distribuídos ao longo
do tempo e espaço (Pitelka & Ashmun 1985; Alpert
& Mooney 1986). Assim, tais recursos podem ser
redistribuídos entre os clones a partir de locais de
aquisição para locais de escassez (Hutchings 1988;
Hutchings & Wijesinghe 1997).
No Brasil, dois exemplos podem ilustrar a importância da propagação vegetativa na manutenção das
populações de algumas espécies em determinados ambientes e condições. No cerrado, eventos de queimadas
são relativamente constantes (Coutinho 1990) e podem destruir botões, flores, frutos, sementes e plântulas, exercendo um efeito negativo sobre a reprodução
sexuada das espécies atingidas e favorecendo aquelas
capazes de se propagar vegetativamente (Hoffman
1998). Em numerosas espécies típicas deste ambiente,
a rebrota ocorre por meio de estruturas subterrâneas
como xilopódios, raízes gemíferas e rizomas, que
possuem suas gemas protegidas abaixo do nível do
solo, sendo, por isso, resistentes ao fogo (Rizzini 1965;
Appezzato-da-Glória 2003). Algumas espécies do
gênero Leiothrix (Eriocaulaceae) são endêmicas na
Cadeia do Espinhaço, nos estado de Minas Gerais
e Bahia, uma região de campos rupestres composta
por solos oligotróficos e ácidos e exposta a oscilações
de temperatura, vento e escassez hídrica (Giulietti et
al. 1997). Nestas espécies, os rizomas desempenham
um papel importante, acumulando recursos como
água, minerais e carboidratos (Coelho et al. 2006;
Coelho et al. 2007), fundamentais à sobrevivência
destas espécies na região.
Apomixia
Conceito
A apomixia pode ser definida como a formação assexuada de sementes, com o desenvolvimento de
um ou mais embriões a partir de tecidos do óvulo e
omissão da meiose e da dupla fecundação (Koltunow
& Grossniklaus 2003; Bicknell & Koltunow 2004).
Este processo é considerado derivado da reprodução
sexuada pela modificação ou omissão de etapas do
desenvolvimento sexual (Koltunow & Grossniklaus
2003; Grimanelli et al. 2003). Assim, a ocorrência de
desregulação, em tempo e espaço, leva a alterações no
destino de células e na eliminação de determinadas
etapas no processo sexual (Koltunow & Grossniklaus
2003; Carman 2007), culminando na ocorrência de
apomixia.
A apomixia é muito menos frequente do que a
propagação vegetativa (Holsinger 2000; Whitton
Ana Paula de Souza Caetano
et al. 2008), ocorrendo em cerca de 90 famílias de
angiospermas (Carman 2007), com um padrão de
distribuição que indica sua origem independente em
diferentes grupos (Asker & Jerling 1992; Tucker &
Koltunow 2009). O número de espécies apomíticas
é maior em determinadas famílias como Asteraceae,
Poaceae, Rosaceae, Rutaceae (Richards 1997;
Naumova 2008) e Melastomataceae (Goldenberg
& Shepherd 1998; Goldenberg & Varassin 2001),
refletindo uma possível predisposição destes grupos a
ocorrência e manutenção da apomixia (Grimanelli et
al. 2001), determinada por oportunidades genéticas
apropriadas (Whitton et al. 2008).
Histórico
A descoberta da apomixia nas angiospermas
ocorreu por volta de 1841, quando Smith (apud
Asker & Jerling 1992; Naumova 1992) observou
que indivíduos com flores pistiladas da espécie
dioica Alchornea ilicifolia (Js. Sm.) Müll. Arg.
(Euphorbiaceae), trazidos da Austrália e plantados
no Jardim Botânico Real de Kew, na Inglaterra,
formavam sementes viáveis mesmo na ausência de
indivíduos com flores estaminadas. Entretanto o
termo apomixia, que significa “sem mistura”, só
foi introduzido em 1908, por Winkler (apud Asker
& Jerling 1992), como sinônimo de reprodução
assexuada, sendo utilizado para nomear qualquer
processo de formação de um novo organismo sem
a ocorrência de fecundação, incluindo a propagação vegetativa. Décadas depois, Gustafsson (1946;
1947a, b apud Naumova 1992) também se referiu à
apomixia como sinônimo de reprodução assexuada,
dividindo o processo em propagação vegetativa e
agamospermia, ou seja, reprodução via sementes
sem ocorrência de dupla fecundação. No entanto,
a maior parte dos trabalhos tem utilizado o termo
♦
Priscila Andressa Cortez ⁞
97
apomixia como sinônimo de agamospermia, o
que também recomendamos (Nogler 1984; Asker
& Jerling 1992; Koltunow et al. 1995; Richards
1997; Koltunow & Grossniklaus 2003; Bicknell
& Koltunow 2004; Naumova 2008; Whitton et
al. 2008; Talent 2009, entre outros).
Classificações
De maneira geral, a apomixia pode ser classificada
de acordo com:
A origem do embrião: a partir de células do esporófito, em apomixia esporofítica ou, a partir de
um saco embrionário, em apomixia gametofítica
(Fig. 4.2);
A necessidade ou não de fecundação dos núcleos
polares para formação do endosperma, em pseudogâmica ou autônoma;
A possibilidade ou não de coocorrência com a
reprodução sexuada, em facultativa ou obrigatória.
Apomixia esporofítica ou embrionia
adventícia
Na apomixia esporofítica, também conhecida por
embrionia adventícia, o embrião origina-se a partir
de células do nucelo ou do tegumento do óvulo,
geralmente após a maturação do mesmo (Fig. 4.2)
(Koltunow 1993; Bicknell & Koltunow 2004).
A embrionia adventícia é descrita comumente
em plantas arbóreas ou arbustivas, frequentemente
de regiões tropicais, e que produzem frutos carnosos
e dispersos por animais (Richards 1997) ou frutos
secos com sementes dispersas pelo vento (Baker 1960;
Costa et al. 2004; Mendes-Rodrigues et al. 2005;
Bittencourt Júnior & Moraes 2010; Sampaio et al.
98 ⁞ Reprodução assexuada
Figura 4.2 Tipos básicos de apomixia em angiospermas. Baseado em Nogler (1984); Naumova (1992); Richards (1997); Koltunow
et al. (1995); Koltunow & Grossniklaus (2003).
2013a). É o tipo mais comum de apomixia, ocorrendo em 57 famílias de angiospermas (Naumova
2008), incluindo gêneros de importância econômica
como Citrus (Rutaceae), Mangifera (Anacardiaceae),
Ribes (Grossulariaceae), Beta (Amaranthaceae) e
Alnus (Betulaceae) (Carman 1997; Naumova 2008).
Entretanto este processo é particularmente comum
em Rutaceae, Orchidaceae e Celastraceae (Naumova
1992).
Muito frequentemente, a embrionia adventícia
ocorre associada à reprodução sexuada (Fig. 4.2)
(Asker & Jerling 1992; Richards 1997; Koltunow &
Grossniklaus 2003). Neste caso, a polinização seguida
pela dupla fecundação dá origem ao embrião e ao
endosperma, eventos comumente necessários para
estimular e/ou nutrir o desenvolvimento dos embriões adventícios (Asker & Jerling 1992; Koltunow
1993; Richards 1997; Koltunow & Grossniklaus
2003), como descrito em Handroanthus ochraceus
(Cham.) Mattos (Costa et al. 2004), Anemopaegma
acutifolium DC. (Sampaio et al. 2013b) (Bignoniaceae)
e Eriotheca pubescens (Mart. & Zucc.) Schott & Endl.
(Malvaceae) (Oliveira et al. 1992; Mendes-Rodrigues
et al. 2005), espécies comuns no Cerrado brasileiro, e
em Handroanthus chrysotrichus (Mart. ex DC.) Mattos
(Bignoniaceae) (Bittencourt Júnior & Moraes 2010),
espécie encontrada na Mata Atlântica.
Ana Paula de Souza Caetano
Em espécies apomíticas com embrionia adventícia é frequente a ocorrência de sementes poliembriônicas, ou seja, que apresentam, cada uma, dois ou
mais embriões (Asker & Jerling 1992; Naumova 1992;
Batygina & Vinogradova 2007). Nestas espécies, a
poliembrionia pode ocorrer devido ao desenvolvimento de múltiplos embriões adventícios em uma
única semente, ou, ainda, a partir do desenvolvimento paralelo de embriões adventícios e zigóticos
(Lakshmanan & Ambegaokar 1984; Asker & Jerling
1992; Costa et al. 2004; Batygina & Vinogradova
2007; Bittencourt Júnior & Moraes 2010; Sampaio
et al. 2013a). É importante ressaltar que a poliembrionia nem sempre está relacionada à apomixia,
podendo ocorrer devido à formação de múltiplos
sacos embrionários e múltiplas fecundações em um
único óvulo, originando mais de um embrião zigótico (Lakshmanan & Ambegaokar 1984; Batygina
& Vinogradova 2007), como observado nos gêneros
Callisthene e Qualea (Vochysiaceae) (Carmo-Oliveira
1998).
Em espécies que ocorrem no Brasil, a embrionia
adventícia associada à poliembrionia é relatada em
Eriotheca pubescens (Oliveira et al. 1992; MendesRodrigues et al. 2005), Handroanthus ochraceus (Costa
et al. 2004), H. chrysotrichus (Bittencourt Júnior &
Moraes 2010), Anemopaegma acutifolium, A. arvense
(Vell.) Stellfeld ex De Souza e Anemopaegma glaucum
Mart. ex DC. (Sampaio et al. 2013a). Além disso, a
ocorrência de poliembrionia em numerosas espécies,
particularmente do Cerrado e da Caatinga (Salomão
& Allem 2001; Mendes-Rodrigues 2010; MendesRodrigues et al. 2012a,b; Firetti-Leggieri et al. 2013;
Sampaio et al. 2013a), indica que a embrionia adventícia pode ser mais comum do que previamente
sugerido para estes biomas, já que a formação de
sementes poliembriônicas comumente está relacionada com este tipo de apomixia.
♦
Priscila Andressa Cortez ⁞
99
Apomixia gametofítica
Na apomixia gametofítica, modificações em etapas
específicas do processo sexual levam à ausência de
meiose reducional na formação do saco embrionário
(apomeiose), ao desenvolvimento autônomo do embrião (partenogênese) e a adaptações na formação e
desenvolvimento do endosperma (Asker & Jerling
1992; Koltunow & Grossniklaus 2003). O embrião
é formado a partir do desenvolvimento autônomo da
oosfera, localizada no interior de um saco embrionário
não reduzido, ou seja, um saco embrionário cujas células apresentam número cromossômico somático (Fig.
4.2) (Nogler 1984; Asker & Jerling 1992; Koltunow &
Grossniklaus 2003). Com base no tipo de célula que
origina o saco embrionário, a apomixia gametofítica
é subdividida em diplosporia e aposporia (Fig. 4.2).
Enquanto a embrionia adventícia parece ser mais
comum em plantas arbóreas ou arbustivas de regiões
tropicais ou subtropicais, a apomixia gametofítica é
descrita principalmente em plantas herbáceas e perenes de regiões temperadas (Asker & Jerling 1992).
Apesar disso, não existem estudos com dados atualizados que correlacionem o tipo de apomixia com
o hábito da planta e/ou sua distribuição geográfica
(Whitton et al. 2008).
Diplosporia
Na diplosporia, o saco embrionário não reduzido é
originado a partir da célula-mãe de megásporos por
supressão ou modificação da meiose (Asker & Jerling
1992; Koltunow & Grossniklaus 2003). Neste caso,
como a célula-mãe de megásporos está envolvida na
formação do saco embrionário não reduzido, há um
comprometimento da reprodução sexuada, por isso
indivíduos que apresentam diplosporia são mais suscetíveis a se reproduzirem apenas por apomixia (Whitton
100 ⁞ Reprodução assexuada
et al. 2008), neste caso considerados apomíticos obrigatórios. A diplosporia foi relatada principalmente em
representantes das famílias Asteraceae, Solanaceae,
Rosaceae, Poaceae e Brassicaceae (Naumova 2008). No
A
D
Brasil, particularmente na família Melastomataceae,
a diplosporia ocorre em espécies dos gêneros Miconia,
Leandra (Fig. 4.3) e Ossaea (Caetano et al. 2013a;
observação pessoal).
B
E
C
F
G
Figura 4.3 Desenvolvimento do embrião apomítico diplospórico em Leandra aurea (Melastomataceae). (A) Corte longitudinal de
uma semente em início de desenvolvimento. (B) Detalhe de (A), evidenciando o proembrião e o núcleo primário do endosperma (seta).
(C) Proembrião apomítico e núcleo primário do endosperma (seta). (D) Detalhe de um proembrião logo após divisão longitudinal
da célula apical. (E) Embrião apomítico em estádio torpedo inicial e núcleos do endosperma autônomo em evidência (setas). (F) e
(G) Sementes em sucessivos estádios de desenvolvimento: embrião apomítico com eixo hipocótilo-radicular e cotilédones visíveis. C:
cotilédone; CA: célula apical; CB: célula basal; MAC: meristema apical caulinar; MAR: meristema apical radicular; P: procâmbio.
Ana Paula de Souza Caetano
Aposporia
Na aposporia, o saco embrionário não reduzido é
originado a partir de uma célula somática do óvulo, geralmente do nucelo (Nogler 1984; Bicknell &
Koltunow 2004). Mais de uma célula nucelar pode
se diferenciar e dar origem a múltiplos sacos embrionários apospóricos em um único óvulo (Koltunow
& Grossniklaus 2003; Naumova 2008). Além disso, é possível que ocorra o desenvolvimento de um
saco embrionário reduzido, a partir do megásporo
funcional, ao lado de um ou mais sacos embrionários apospóricos, levando à coexistência dos processos apomítico e sexual, como observado na espécie
Brachiaria brizantha (A.Rich.) Stapf (Araujo et al.
2000). O desenvolvimento de embriões originados
de múltiplos sacos embrionários apospóricos ou de
embriões originados da ocorrência paralela dos eventos sexuado e apomítico em um mesmo óvulo pode
dar origem a sementes poliembriônicas (Koltunow
& Grossniklaus 2003).
A aposporia foi relatada em diferentes grupos de
angiospermas, sendo mais frequente em membros de
Poaceae e Rosaceae (Whitton et al. 2008). Em representantes da flora brasileira, há relatos de aposporia
em Miconia fallax DC. e Clidemia hirta (L.) D. Don
(Melastomataceae) (Caetano et al. 2013a; observação
pessoal). Duas gramíneas forrageiras amplamente
cultivadas na América do Sul, Brachiaria decumbens
Stapf e Brachiaria brizantha, também apresentam
aposporia (Dusi & Willemse 1999; Araujo et al.
2000).
É importante ressaltar a existência de mais de um
tipo de apomixia em algumas espécies. No gênero
Rubus (Rosaceae), aposporia e diplosporia podem ocorrer na mesma espécie (Nybon 1988). Adicionalmente,
em representantes de diversas famílias, aposporia e
embrionia adventícia ocorrem em conjunto, como em
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Priscila Andressa Cortez ⁞
101
Allium (Alliaceae), Citrus e Zanthoxylum (Rutaceae),
Hieracium (Asteraceae), Malus e Pyrus (Rosaceae),
Ochna (Ochnaceae) e em gramíneas (Naumova 1992;
Koltunow & Grossniklaus 2003; Naumova 2008).
Apomíticas autônomas vs. pseudogâmicas
Em espécies apomíticas autônomas o desenvolvimento
do endosperma é autônomo, ou seja, independente da
fecundação dos núcleos polares. Assim, o endosperma
tem origem apenas materna. Estas espécies toleram
bem o desequilíbrio na proporção de contribuição
materna e paterna na formação do endosperma, já
que, em espécies sexuadas, geralmente a contribuição
é 2:1 materna:paterna, produzindo, ainda assim,
sementes viáveis (Grimanelli et al. 1997; Koltunow
& Grossniklaus 2003).
Espécies apomíticas autônomas tendem a produzir menos grãos de pólen viáveis, podendo até
mesmo ser completamente estéreis (Meirmans et al.
2006; Thompson & Whitton 2006; Thompson et
al. 2008). Este padrão vem sendo também observado em espécies apomíticas de Melastomataceae,
que independem da polinização para formação de
sementes viáveis e apresentam, em geral, viabilidade
polínica baixa ou nula (Goldenberg & Shepherd
1998; Goldenberg & Varassin 2001; Cortez et al.
2012; Caetano et al. 2013b).
O desenvolvimento autônomo do endosperma
ocorre principalmente em espécies apomíticas de
Asteraceae (Ozias-Akins & van Dijk 2007), embora possa ocorrer esporadicamente em Rosaceae,
Burmanniaceae e Poaceae (Nogler 1984). Atualmente
tem sido observado também em espécies apomíticas
de Melastomataceae (Caetano et al. 2013a) (Fig. 4.3).
Em contrapartida, em espécies apomíticas pseudogâmicas, apesar do desenvolvimento
102 ⁞ Reprodução assexuada
partenogenético da oosfera, a formação do endosperma dependente da fecundação dos núcleos polares
(Asker & Jerling 1992; Koltunow 1993). Em algumas
espécies pseudogâmicas, a autopolinização pode permitir o desenvolvimento de sementes viáveis, garantindo a reprodução a partir de um único indivíduo,
ou reprodução uniparental (Hörandl et al. 2008).
Uma desvantagem da pseudogamia é que, para que
ocorra a reprodução uniparental, é necessária a quebra
do sistema de autoincompatibilidade, comumente
presente em espécies sexuadas de grupos apomíticos,
o que permite o crescimento do tubo polínico e a
fecundação com grãos de pólen da própria planta
(Hörandl et al. 2008). Outra desvantagem relacionada
à pseudogamia é que a má qualidade dos grãos de
pólen, característica comum em sistemas apomíticos
devido a alterações durante a meiose, pode reduzir a
formação de sementes viáveis (Hörandl 2008). Mas,
de modo geral, em espécies pseudogâmicas há uma
pressão seletiva para manutenção de alguma viabilidade polínica, já que a fecundação é necessária para
o desenvolvimento do endosperma e, portanto, para
a produção de sementes viáveis (Noirot et al. 1997;
Whitton et al. 2008).
Espécies com embrionia adventícia quase sempre
são pseudogâmicas. Entre as espécies que apresentam apomixia gametofítica, a pseudogamia ocorre
frequentemente entre as apospóricas, como em muitos representantes apomíticos das famílias Poaceae
e Rosaceae (Nogler 1984; Asker & Jerling 1992;
Savidan 2000).
Apomíticas obrigatórias vs. facultativas
Espécies apomíticas obrigatórias são aquelas em que
não há reprodução sexuada e todas as sementes produzidas têm o genótipo igual ou muito semelhante ao da
planta-mãe (Koltunow et al. 1995). Testes utilizando
ferramentas moleculares específicas têm demonstrado
que as espécies apomíticas obrigatórias são uma exceção, e não uma regra (Savidan 2007).
As espécies apomíticas facultativas são aquelas
que mantêm a capacidade de se reproduzir sexuadamente (Koltunow & Grossniklaus 2003), sendo as
mais comumente encontradas (Nogler 1984). Nestas
espécies, o equilíbrio entre apomixia e sexualidade
pode ser influenciado por fatores genéticos e condições ambientais, como mudanças de temperatura
e de regime de luz (Nogler 1984; Asker & Jerling
1992; Koltunow & Grossniklaus 2003). A natureza
facultativa da apomixia em determinadas espécies
pode ser fonte de diversidade genética por permitir a criação de novos genótipos apomíticos, como
observado em espécies do gênero Erigeron (Noyes
& Soltis 1996).
Apomixia e poliploidia
A embrionia adventícia já foi comumente relacionada a espécies diploides (Asker and Jerling 1992;
Koltunow 1993; Whitton et al. 2008), entretanto
estudos com plantas tropicais têm demonstrado a
ocorrência de poliploides com formação de embriões
adventícios, como em espécies de Anemopaegma
(Firettii-Leggieri et al. 2013; Sampaio et al. 2013a)
e Handroanthus (Piazzano 1998; Costa et al. 2004;
Sampaio 2010) (Bignoniaceae) e em Eriotheca
pubescens (Malvaceae) (Oliveira et al. 1992; MendesRodrigues et al. 2005).
Por outro lado, as espécies com apomixia gametofítica são reconhecidamente poliploides (Nogler 1984;
Koltunow et al. 1995; Grimanelli et al. 2001; Carman
2007). A ocorrência de apomíticos gametofíticos
diploides na natureza é rara, sendo relatada apenas
em espécies de Boechera, Arabis holboellii Hornem.
Ana Paula de Souza Caetano
(Brassicaceae) (Schranz et al. 2006) e em Potentilla
argentea L. (Rosaceae) (Nogler 1984), embora estudos
mais recentes apontem P. argentea como uma espécie
autocompatível e não apomítica (Holm et al. 1997) e
análises de sequenciamento genômico em Arabidopsis
thaliana revelem um evento antigo de poliploidia em
seu grupo (The Arabidopsis Initiative 2000).
Na natureza, os apomíticos gametofíticos ocorrem geralmente em grupos que são chamados “complexos apomíticos” ou “complexos agâmicos”. Esses
são grupos taxonômicos que incluem populações
constituídas por indivíduos sexuados e diploides e
populações com indivíduos apomíticos e poliploides
(Grant 1981), o que sugere que a poliploidia atua como
um gatilho para a expressão da apomixia (Grimanelli
et al. 2001).
Algumas hipóteses sugerem explicações para a
relação entre apomixia gametofítica e poliploidia.
Uma teoria propõe que a expressão da apomixia só é
possível em genomas poliploides (Quarin et al. 2001).
Aparentemente, a poliploidia por si só não assegura
a ocorrência da apomixia, mas aumenta a possibilidade de expressão deste processo em muitos sistemas
por meio de alterações que afetam a metilação e a
expressão de alelos (Lee & Chen 2001; Bicknell &
Koltunow 2004). Essa hipótese tem sido questionada
principalmente pelo fato de a poliploidia ter sido
induzida em um grande número de plantas, sendo
a apomixia raramente descrita em seus produtos
(Bicknell & Koltunow 2004).
Um modelo interessante e bem aceito sugere que
a apomixia gametofítica pode ser originada pela expressão assincrônica de genes duplicados, o que leva a
mudanças importantes em etapas do programa sexual:
iniciação precoce do saco embrionário e embriogênese
a partir de locais e momentos atípicos durante a reprodução (Carman 1997; 2007; Tucker & Koltunow
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Priscila Andressa Cortez ⁞
103
2009). De acordo com esta hipótese, a combinação
entre hibridação e poliploidia seria responsável por
estas alterações em processos importantes durante
estágios da megasporogênese, megagametogênese
e fecundação, levando à apomixia (Carman 1997;
2007; Bicknell & Koltunow 2004). De fato, muitos
apomíticos poliploides são formados após eventos de
hibridação (Darlington 1939; Nogler 1984). Além
disso, é conhecida a ocorrência de mudanças em
padrões de expressão de genes após eventos de cruzamento interespecífico seguido por poliploidização
(Chen 2010; Chen et al. 2008; Carvalho et al. 2010;
Gaeta et al. 2009).
Vantagens e desvantagens da apomixia
De acordo com Richards (1997), as vantagens da
apomixia são:
Permitir a reprodução mesmo na ausência de
polinizadores, o que é importante em ambientes ou
regiões com condições climáticas extremas. Isso não é
válido para as espécies pseudogâmicas, já que, nestas,
a fecundação dos núcleos polares é necessária para a
formação do endosperma, que vai nutrir o embrião
apomítico em desenvolvimento;
Permitir a reprodução clonal por meio de sementes, ou seja, produzir indivíduos geneticamente
iguais à planta parental, como ocorre na propagação
vegetativa, mas mantendo as vantagens associadas
às sementes, entre elas a proteção, a dispersão e a
dormência do embrião;
Evitar os custos associados à meiose, nos casos em
que ela é ausente. Sem meiose não há recombinação
e segregação cromossômica, e a energia materna não
é gasta no cuidado de zigotos inaptos, pois todos os
zigotos são aptos como a mãe;
104 ⁞ Reprodução assexuada
Evitar os custos associados à produção de grãos
de pólen, nos casos de plantas com porcentagens
baixas de grãos de pólen viáveis ou esterilidade masculina total;
Permitir a fixação e disseminação de genótipos
extremamente adaptados a um determinado ambiente, principalmente em espécies apomíticas originadas
de híbridos poliploides, consideradas altamente heterozigotas e muito vigorosas.
Também segundo Richards (1997), são consideradas desvantagens associadas à apomixia:
A incapacidade de escapar do acúmulo de mutações que são desvantajosas, mas não letais, já que
as espécies apomíticas não têm recombinação e
segregação;
A incapacidade de recombinar novas mutações
que poderiam ser vantajosas em situações de mudanças ambientais.
Importância econômica da apomixia
O conhecimento dos mecanismos envolvidos na apomixia é importante por permitir o desenvolvimento
de uma tecnologia com ótimo potencial de impacto
na pesquisa e agricultura, especialmente no melhoramento de culturas importantes economicamente, pois
permite a produção de grandes populações geneticamente uniformes constituídas por variedades de alto
rendimento e a perpetuação desse vigor híbrido em
gerações sucessivas por meio de sementes (Bicknell
& Koltunow 2004).
Entre as vantagens agronômicas que podem ser
apontadas estão as rápidas geração e multiplicação
de formas superiores por meio de sementes, redução
no custo e no tempo de produção, independência
de polinizadores e não transferência de vírus, que
é geralmente observada em plantas com propagação vegetativa (Koltunow et al. 1995; Bicknell &
Koltunow 2004). Na prática, para os agricultores,
o grande benefício da introdução da apomixia em
determinadas culturas seria a criação de variedades
de alto rendimento, mas as pesquisas ainda não obtiveram resultados práticos na geração de plantas
apomíticas com sementes agronomicamente aceitáveis e manipuláveis para uso nos sistemas agrícolas
(Savidan 2001; Bicknell & Koltunow 2004).
Exemplos clássicos da apomixia em alguns
grupos de angiospermas
Asteraceae
Dois tipos de apomixia ocorrem em Asteraceae: aposporia e diplosporia, sendo o último tipo muito mais
comum (Noyes 2007). A ocorrência destes dois tipos
de apomixia em um mesmo gênero é rara e parece
ocorrer somente em Hieracium (Noyes 2007). Nesta
família, os apomíticos são geralmente autônomos,
uma situação contrastante com o encontrado na
maioria das espécies apomíticas de outras famílias,
que comumente são pseudogâmicas (Noyes 2007).
Em Asteraceae a apomixia está presente em vinte e três gêneros da família (Carman 1997; Noyes
2007; Hörandl et al. 2008): Ageratina, Antennaria,
Arnica, Blumea, Brachyscome, Calea, Campovassouria,
Chondrilla, Chromolaena, Crepis, Erigeron,
Eupatorium, Gyptis, Hieracium, Ixeris, Leontopodium,
Minuria, Parthenium, Praxelis, Rudbeckia, Taraxacum
e Townsendia (Noyes 2007). Entre as Asteraceae que
ocorrem no Brasil, é descrita a ocorrência de apomixia em espécies dos gêneros Eupatorium (Coleman
& Coleman 1984, 1988; Coleman 1989; BertassoBorges & Coleman 1998a,b), Calea e Taraxacum
(Werpachowski et al. 2004).
Ana Paula de Souza Caetano
A distribuição filogenética indica que a apomixia
ocorre principalmente na subfamília Asteroideae
(Noyes 2007). Assim como em outros grupos, nesta
família a apomixia está quase sempre restrita a citótipos poliploides (Noyes 2007).
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Priscila Andressa Cortez ⁞
105
Mendes-Rodrigues et al. 2005). Sabe-se também
que, na família, a fecundação é necessária para estimular o desenvolvimento dos embriões adventícios
(pseudogamia) (Mendes-Rodrigues et al. 2005).
Melastomataceae
Bignoniaceae
Em Bignoniaceae é descrita a ocorrência de embrionia adventícia. Na família, a apomixia é associada à
poliembrionia e também à poliploidia (Costa et al.
2004; Bittencourt Júnior & Moraes 2010; Sampaio
2010; Firetti-Leggieri et al. 2013; Mendes-Rodrigues
et al. 2012; Sampaio et al. 2013a,b). As espécies investigadas são pseudogâmicas, e a fecundação dos
núcleos polares e formação do endosperma estimulam
a formação dos embriões adventícios (Bittencourt
Júnior & Moraes 2010; Sampaio et al. 2013b). Nos
estudos realizados até o momento foram utilizados
representantes do Brasil, pertencentes aos gêneros
Anemopaegma e Handroanthus (Costa et al. 2004;
Bittencourt Júnior & Moraes 2010; Firetti-Leggieri
et al. 2013; Sampaio 2010; Sampaio et al. 2013a,b).
Malvaceae
Em Malvaceae, particularmente na subfamília
Bombacoideae, também é reportada a ocorrência
de apomixia, sempre do tipo embrionia adventícia,
como descrito em: Bombacopsis glabra (Pasq.) Robyns
(Duncan 1970), Pachira oleaginea Decne (Baker 1960)
e Eriotheca pubescens (Mart. & Zucc.) Schott & Endl.
(Oliveira et al. 1992; Mendes-Rodrigues et al. 2005),
esta última, uma espécie comum em áreas de Cerrado
do Brasil.
A formação de sementes poliembriônicas é
relatada nas espécies apomíticas do grupo, assim
como a ocorrência de poliploidia (Baker 1960;
Em Melastomataceae, grande parte das espécies
apomíticas já descritas e estudadas ocorre no Brasil.
São reconhecidamente apomíticas autônomas e frequentemente ocorrem dentro da tribo Miconieae, em
gêneros como Miconia, Leandra, Ossaea e Clidemia
(Goldenberg & Shepherd 1998; Goldenberg &
Varassin 2001; Santos et al. 2012; Caetano et al.
2013a). Aparentemente, a apomixia na família está relacionada com a poliploidia (Goldenberg & Shepherd
1998; Caetano et al. 2013b). Entre as espécies apomíticas deste grupo é comum a elevada ou total inviabilidade polínica (Goldenberg & Shepherd 1998;
Goldenberg & Varassin 2001; Cortez et al. 2012;
Caetano et al. 2013b), o que torna menos provável
a ocorrência de reprodução sexuada nestas espécies.
As espécies apomíticas de Melastomataceae
muito comumente apresentam ampla distribuição
geográfica (Goldenberg & Shepherd 1998; Santos
et al. 2012) e formação de sementes poliembriônicas (Mendes-Rodrigues et al. 2012a), embora, em
grande parte dos casos, a origem dos embriões seja
ainda incerta.
Diferentes tipos de apomixia podem ocorrer em
espécies deste grupo. Há relatos de embrionia adventícia em Leandra australis (Cham.) Cogn. (Borges
1991), Melastoma malabathricum L. (Subramanyam
1948), Osbeckia hispidíssima Wight (Subramanyam
1942) e Sonerila wallichii Benn. (Subramanyam
1944). Apomixia do tipo diplosporia foi relatada
em L. australis (Borges 1991) e Miconia albicans (Sw.)
106 ⁞ Reprodução assexuada
Triana (Caetano et al. 2013a). Aposporia foi observada
em Clidemia hirta (L.) D. Don (observação pessoal)
e Miconia fallax DC. (Caetano 2010).
Poaceae
Em Poaceae a apomixia é frequentemente do tipo
apospórica (Carman 1997; Naumova 1997), entretanto a diplosporia foi observada em alguns poucos
gêneros (Carman 1997). Nesta família, a apomixia
também é comumente relacionada à poliploidia, sendo
particularmente comum em tetraploides (Naumova
1997). As espécies apomíticas são geralmente pseudogâmicas, embora existam exceções, como nos gêneros
Calamagrostis e Cortaderia, em que ocorre formação
autônoma do endosperma (Nogler 1984).
A apomixia foi descrita para trinta e seis gêneros,
que representam cerca de 5,7% dos gêneros da família
(Carman 1997; Hörandl et al. 2008). A ocorrência
de apomixia em Poaceae é relatada, por exemplo, nos
gêneros Brahiaria, Panicum, Paspalum, Pennisetum,
Poa e Tripsacum. No Brasil, duas espécies apomíticas da família, Brahiaria decumbens e Brahiaria
brizantha, apesar de não nativas, são amplamente
cultivadas como forrageiras, assim como Paspalum,
gênero com várias espécies nativas da América do Sul
e com diversos representantes apomíticos (Bonilla &
Quarin 1997).
Rosaceae
Em Rosaceae a apomixia é frequentemente do
tipo apospórica, embora existam alguns relatos da
ocorrência de diplosporia (Asker 1977; Gustafson
1946; Dickinson et al. 2007). Adicionalmente, há
relatos da ocorrência de diplosporia e aposporia em
uma mesma espécie (Koltunow & Grossniklaus
2003; Talent 2009). Na família, as espécies são
reconhecidamente pseudogâmicas, mas a formação
autônoma do endosperma é relatada em espécies de
Alchemilla (Rosaceae). Também em Rosaceae a apomixia está frequentemente relacionada à poliploidia
(Dickinson et al. 2007).
Nesta família a apomixia foi descrita para doze
gêneros, os quais representam 14,1% dos gêneros da
família (Dickinson et al. 2007; Hörandl et al. 2008):
Alchemilla, Amelanchier, Cotoneaster, Crataegus,
Malus, Photinia (Aronia), Potentilla, Pyrus, Rubus,
Sanguisorba, Sorbopyrus e Sorbus (Carman 1997;
Dickinson et al. 2007). Não há descrições, na literatura, de espécies apomíticas de Rosaceae nativas
do Brasil.
Rutaceae
Em Rutaceae é comum a ocorrência de embrionia
adventícia, quase sempre associada à poliembrionia
(Lakshmanan & Ambegaokar 1984). Nesta família o embrião tem origem em células nucelares e a
fusão da célula espermática do grão de pólen com
os núcleos polares do saco embrionário dá origem
ao endosperma, que nutre os embriões adventícios
em desenvolvimento (Lakshmanan & Ambegaokar
1984), caracterizando estas espécies como pseudogâmicas. No grupo, frequentemente há formação de
embriões adventícios e zigótico nas sementes, por
isso estas espécies são classificadas como apomíticas
facultativas, já que a apomixia e a reprodução sexuada
ocorrem concomitantemente (Naumova 1992).
A embrionia adventícia nesta família foi descrita em dez gêneros e trinta e cinco espécies, incluindo espécies de importância econômica, como,
por exemplo Aegle marmelos, Poncirus trifoliata,
Ruta patavina e várias espécies do gênero Citrus
(Naumova 1992; Lakshmanan & Ambegaokar
Ana Paula de Souza Caetano
1984). Entre os representantes nativos do Brasil, a
apomixia é descrita em Galipea jasminiflora (Piedade
& Ranga 1993).
Qual o significado ecológico da apomixia?
O processo apomítico é altamente dinâmico entre
as angiospermas. Cada tipo de apomixia está associado a diferentes probabilidades de ocorrência da
reprodução sexuada e distintas pressões seletivas para
manutenção da produção de grãos de pólen viáveis,
levando a distintos níveis de diversidade genética
dentro das populações apomíticas (Whitton et al.
2008). Entretanto, de forma geral, os apomíticos
apresentam populações com pouca diversidade genética entre os indivíduos.
Espécies apomíticas, particularmente as autônomas ou pseudogâmicas autocompatíveis, têm a
capacidade de reprodução uniparental, ou seja, a
partir de um único indivíduo, já que independem
da ação de polinizadores (Hörandl 2010). Isso permite fundar uma população a partir de uma única
semente, conferindo a estas espécies vantagens em
cenários de colonização (Baker 1955; 1967). Não
surpreendentemente, a ocorrência de apomíticos autônomos ou pseudogâmicos autocompatíveis é muito
comum entre plantas invasoras (Carino & Daehler
1999; Rambuda & Johnson 2004).
Os apomíticos são plantas comuns em habitats
perturbados, em regiões onde a estação de crescimento é curta, como no Ártico e em regiões alpinas,
e em casos nos quais barreiras inibem o sucesso da
autocompatibilidade (Asker & Jerling 1992; Bicknell
& Koltunow 2004). Além disso, espécies apomíticas
frequentemente possuem distribuição mais ampla
que seus relativos sexuados, fenômeno conhecido
como “partenogênese geográfica”, o que é explicado
♦
Priscila Andressa Cortez ⁞
107
pela melhor habilidade de colonização das espécies
apomíticas devido à possibilidade de reprodução uniparental (Baker 1967; Hörandl 2006; 2009; Hörandl
et al. 2008; Santos et al. 2012).
Assim, a apomixia é um modo de reprodução
assexuada que pode funcionar como uma alternativa
para assegurar a reprodução através de sementes em
situações em que a reprodução sexuada foi totalmente
ou parcialmente comprometida, podendo, ainda,
atuar em paralelo a este processo. Além disso, a apomixia pode estar relacionada a poliembrionia e poliploidia, que conferem às espécies apomíticas outras
implicações ecológicas, inerentes a estes processos.
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Foto: Mauricio Fernández Otárola
*
Capítulo 5
*
Flores no tempo: a floração
como uma fase da fenologia reprodutiva
Mauricio Fernández Otárola1 e Márcia Alexandra Rocca2
1
Escuela de Biología, Universidad de Costa Rica (UCR) – San Pedro de Montes de Oca, 11501-2060 – San José – Costa Rica.
e-mail: maufero@gmail.com
2
Laboratório de Ecologia Vegetal, Departamento de Ecologia, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de
Sergipe (UFS) – Av. Marechal Rondon, s/n – Jardim Rosa Elze – CEP: 49100-000 – São Cristóvão-SE – Brasil. e-mail: roccamarcia@
yahoo.com.br
“Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais (...)
É preciso amor pra poder pulsar, é preciso paz pra poder sorrir, é preciso a CHUVA para FLORIR.”
(Tocando em frente – Almir Sater e Renato Teixeira)
E
ste capítulo revisa a relação entre a fenofase de floração e a ecologia da polinização em plantas tropicais,
com ênfase no Brasil. A fenologia é geralmente estudada separadamente da biologia floral e da polinização, mas somente uma visão integrada desses enfoques metodológicos e teóricos da reprodução vegetal pode
permitir o entendimento de estratégias reprodutivas das plantas e de interações destas com seus polinizadores.
Pressões seletivas, produto de fatores ambientais e ecológicos, assim como relações filogenéticas e fatores intrínsecos, como são os sistemas sexuais das plantas, determinam os padrões de floração, as suas interações com
outros organismos (visitantes florais e dispersores) e o seu sucesso reprodutivo. Esse capítulo visa combinar
estes fatores e suas implicações ecológicas.
114 ⁞ Flores no tempo: a floração como uma fase da fenologia reprodutiva
Introdução
A fenologia é o estudo de como os eventos recorrentes (sazonais) acontecem no tempo (Forrest &
Miller-Rushing 2010). Embora o termo seja mais
amplamente usado para se referir aos fenômenos
relacionados a plantas, considera também animais,
seu aparecimento ou desaparecimento. Neste capítulo,
vamos considerar a fenologia vegetal, mas limitando
o assunto àqueles aspectos que têm relação com a
polinização, ou seja, dentro da fase de floração, de
modo que as fases vegetativas e de frutificação da
fenologia não serão consideradas. O tempo de floração
é um aspecto fundamental da reprodução vegetal.
O momento em que uma planta apresenta suas
estruturas reprodutivas pode determinar seu fracasso
ou seu sucesso reprodutivo e o fluxo gênico dentro
ou entre populações vegetais. Entretanto, a floração
é muito mais do que o aparecimento de flores e suas
características são de grande importância ecológica.
Os padrões de floração vegetal podem ser estudados
em vários níveis, dentro ou entre indivíduos, populações ou espécies. Podem ser estudados desde o ponto
de vista da sua relação com o ambiente físico ou outros
organismos, ou desde a perspectiva de como as características intrínsecas de uma planta influenciam o seu
processo de floração. Por exemplo, a grande variabilidade dos sistemas sexuais em plantas tem implicações
diretas em como os padrões fenológicos afetam suas
características reprodutivas e a sincronia da floração entre os indivíduos. Estes temas têm grandes implicações
em como o mecanismo de polinização acontece e nas
repercussões ecológicas posteriores (p. ex., frutificação
e dispersão). Este capítulo se aprofunda nesses tópicos
com o objetivo de contextualizar as implicações dos
padrões de floração com o processo de polinização,
os quais, embora sejam diretamente relacionados, são
geralmente considerados separadamente.
A fenofase de floração e os
distintos níveis de análise
Como a floração é distribuída ao longo do tempo
nos mais diversos lugares? A organização dessa etapa reprodutiva é muito importante para determinar o sucesso reprodutivo de indivíduos dentro de
uma população, estando sob forte pressão seletiva
(Munguía-Rosas et al. 2011). Somada à distribuição
temporal está a forma na qual a floração acontece,
tanto em um indivíduo quanto dentro de populações
e de ecossistemas.
A maioria dos estudos sobre a biologia reprodutiva de uma espécie de planta apresenta um grande
detalhamento sobre a biologia floral no nível do
indivíduo ou parte da população. O momento de
antese, liberação de pólen e receptividade estigmática
são geralmente reportados e descrevem a distribuição
dos processos reprodutivos no tempo. O termo fenologia é empregado para descrever eventos periódicos
(as fases) no ciclo de vida dos organismos (Elzinga
et al. 2007; Forrest & Miller-Rushing 2010) e não
leva em consideração as análises características de
sua biologia ou atividade floral. É considerado, em
estudos fenológicos, o período de floração, desde o
início da formação de botões florais até a senescência
das flores de um indivíduo, de uma população ou
no nível de comunidade. Muitos estudos fenológicos
consideram também a intensidade da floração, quantificando ou estimando a disponibilidade de flores
em antese durante o período de floração (Newstrom
et al. 1994a), sendo geralmente reportados os picos
de floração ou a falta destes. Tais observações são
importantes para a identificação de padrões fenológicos de floração.
Os fatores que influenciam a floração são os
mais variados. Tanto o tempo ecológico quanto o
evolutivo influenciam a fenologia através de pressões
Mauricio Fernández Otárola
ambientais, como interações com herbívoros nas
fenofases de flores ou de frutos, na disponibilidade
de polinizadores, no período de desenvolvimento
de sementes ou de dispersão das mesmas (Kudo
2006). Há ainda variações espaciais e temporais
que podem também influenciar a seleção sobre a
fenofase de floração. Sendo a fase reprodutiva um
momento importante na história de vida de qualquer organismo, as condições bióticas e abióticas
deste período influenciarão diretamente o sucesso
reprodutivo (Fig. 5.1).
Vários níveis hierárquicos de análise podem ser
considerados e cada um deles tem implicações importantes na forma como as plantas interagem com o
ambiente onde se encontram e com outros indivíduos,
interferindo diretamente no sucesso reprodutivo e no
fluxo gênico dentro de populações (Newstrom et al.
1994b) – os polinizadores são parte desse ambiente e
responsáveis por mediar as interações entre diferentes
indivíduos.
Flores e frutos são as unidades fundamentais da
fenologia reprodutiva. As flores podem ser solitárias
ou estar organizadas em inflorescências, havendo
♦
Márcia Alexandra Rocca ⁞
115
uma enorme diversidade de tamanhos e formas.
As estruturas florais reprodutivas podem apresentar
variações na forma em que suas diferentes partes são
funcionais no tempo e isso permite que a fenofase
reprodutiva possa ser estudada de forma hierárquica
iniciando com a formação das flores, a inflorescência, o indivíduo completo, a população, a espécie,
podendo-se chegar ao nível ecossistêmico e estudar
biomas inteiros (Ollerton & Dafni 2005).
Cada nível de análise responde a perguntas diferentes sobre o processo reprodutivo das plantas. Ao se
estudar uma comunidade, é possível analisar, ao longo
do tempo, como as espécies distribuem sua floração,
como os recursos florais são disponibilizados para a
fauna e quais fatores podem influenciar esses padrões
de floração (p. ex., pressões ecológicas ou relação
filogenética próxima entre as espécies). São exemplos
desse tipo de análise no nível de comunidade estudos
com plantas quiropterófilas (Sazima et al. 1999) e
com plantas ornitófilas (Buzato et al. 2000) na Mata
Atlântica. Por outro lado, um exemplo que considera
unicamente plantas relacionadas filogeneticamente
é o estudo que mostra que tanto fatores ecológicos
Figura 5.1 Fatores que afetam a fenologia em diferentes estágios das plantas. Influências abióticas e bióticas representadas acima e
abaixo de cada fase, respectivamente. Cada fenofase afeta o sucesso reprodutivo da planta e as pressões sobre uma delas afetam todas
as outras, não somente a imediatamente posterior. Diagrama modificado de Kudo (2006) com permissão de Oxford University Press.
116 ⁞ Flores no tempo: a floração como uma fase da fenologia reprodutiva
quanto filogenéticos podem influenciar a fenologia de
espécies simpátricas de mirtáceas na Ilha do Cardoso,
no litoral do estado de São Paulo (Staggemeier et
al. 2010). Ao se estudar um ecossistema, pode-se
investigar a influência de fatores ambientais, por
exemplo precipitação e temperatura, atuando como
catalisadores do processo reprodutivo. Exemplos são
os estudos dos padrões fenológicos de árvores da
Mata Atlântica e áreas de Cerrado no Brasil (Oliveira
& Gibbs 2000; Morellato et al. 2000; Batalha &
Martins 2004) ou relacionados à sazonalidade da
Mata Seca da Costa Rica (Reich & Borchert 1984)
ou do sul da Índia (Murali & Sukumar 1994).
Estratégias para a separação
física e temporal dos elementos
reprodutivos
A maioria das angiospermas apresenta flores perfeitas ou hermafroditas, com androceu e gineceu
funcionais em todas as suas flores (Barrett 2002).
Algumas espécies vegetais, porém, podem apresentar
os elementos reprodutivos feminino e masculino
em flores diferentes. Tais flores são chamadas de
imperfeitas, unissexuais ou díclinas, no entanto são
várias as combinações possíveis de flores femininas,
masculinas e hermafroditas em níveis individual e
populacional, caracterizando o sistema sexual da
espécie. Em algumas espécies existe a separação dos
sexos em flores diferentes dentro ou entre indivíduos,
respectivamente, apresentando sistemas sexuais monoicos (androceu e gineceu em flores diferentes, mas
no mesmo indivíduo) ou dioicos (indivíduos unissexuais). Pode ocorrer ainda uma grande variedade
de combinações possíveis de tipos florais dentro e
entre os indivíduos, originando outras possibilidades
de polimorfismos sexuais além da monoicia e da
dioicia, como a androdioicia e a ginodioicia (Barrett
2002). Nas plantas dioicas, a sincronia dos eventos
fenológicos é particularmente importante para garantir o sucesso reprodutivo, uma vez que não existe a
possibilidade de autopolinização e há necessidade da
movimentação dos grãos de pólen entre os indivíduos.
A separação dos elementos reprodutivos também
pode acontecer temporalmente, seja em diferentes momentos de antese das flores masculinas ou femininas,
seja pelo amadurecimento sequencial do androceu ou
do gineceu dentro da mesma flor, fenômenos chamados de dicogamia (Bertin & Newman 1993). Quando
os elementos masculinos amadurecem antes que os
femininos, ocorre a protandria, ou, mais raramente,
quando os elementos femininos amadurecem antes,
ocorre a protoginia, dentro da mesma flor ou entre
flores de um mesmo indivíduo. No açaí-da-mata
(Euterpe precatoria Mart., Arecaceae), que ocorre na
Amazônia, as flores encontram-se organizadas em
trios compostos por duas flores masculinas e uma
flor feminina. A antese de cada flor dura três dias e o
período de floração de cada inflorescência é de vinte
seis dias. Essa espécie apresenta protandria: as flores
masculinas encontram-se em antese pelos primeiros
dezessete dias. Essa fase é seguida por seis dias sem
flores e, finalmente, três dias nos quais somente flores
femininas estão em antese (Küchmeister et al. 1997).
Através desse padrão de abertura em diferentes dias,
há uma menor probabilidade de polinização entre
flores do mesmo indivíduo (alogamia) e a maior
possibilidade de polinização cruzada (xenogamia).
Em alguns casos, flores unissexuadas podem
variar nos recursos ofertados e ocorrer até mesmo
a polinização por engano, ou seja, quando flores de
um dos tipos não oferecem recursos, mas são atrativamente muito semelhantes às flores do tipo que os
oferece (geralmente as masculinas; p. ex., Renner &
Feil 1993). Casos de plantas monoicas comuns em florestas úmidas que apresentam esse tipo de polinização
Mauricio Fernández Otárola
são as espécies do gênero Begonia (Begoniaceae). Em
13 espécies de Begonia, cuja biologia reprodutiva foi
estudada na Mata Atlântica no estado de São Paulo,
as flores masculinas oferecem grãos de pólen como
recurso, enquanto as flores femininas não oferecem
tipo algum de recurso que seja utilizado pelos polinizadores, porém o estigma nas flores femininas é
semelhante aos estames nas masculinas (Wyatt &
Sazima 2011). Nessas espécies, as flores unissexuadas
encontram-se distribuídas dentro da mesma inflorescência ou em inflorescências diferentes dentro da
mesma planta e a maioria das espécies é protândrica.
As flores femininas são visitadas pela sua semelhança
com as flores masculinas e acabam sendo polinizadas,
mesmo sem oferecer recurso algum para os polinizadores. A presença de flores masculinas e femininas
no ambiente depende das diferentes fases fenológicas
dos indivíduos na população.
No caso de espécies dioicas, outros fatores podem
incrementar a complexidade dos padrões de floração,
uma vez que os sexos também podem apresentar diferentes características reprodutivas. Nos indivíduos
masculinos, o sucesso reprodutivo é relacionado à
quantidade de grãos de pólen dispersados e os recursos disponíveis para reprodução são usados totalmente
no momento da floração. Entretanto, nos indivíduos
femininos, somada ao investimento em floração está
a produção de frutos e o seu sucesso reprodutivo é
principalmente dependente da quantidade de sementes
produzidas e dispersas. Essa diferença no investimento dos recursos pode favorecer diferentes padrões ou
periodicidade de floração entre os sexos (Barrett &
Hough 2013), mas também a duração da floração pode
diferir entre eles. Por exemplo, em Jacaratia dolichaula
(Donn. Sm.) Woodson. (Caricaceae) na Costa Rica
e Virola bicuhyba (Schott) Warb. (Myristicaceae) no
Brasil, ambas espécies arbóreas e dioicas, o período
de floração dos indivíduos masculinos é vários meses
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Márcia Alexandra Rocca ⁞
117
maior do que o dos femininos (Bullock & Bawa 1981;
Fernández Otárola et al. 2013). Em outros casos, os
indivíduos masculinos iniciam e atingem o pico de
floração antes que os femininos, como observado em
Citharexylum myrianthum Cham. (Verbenaceae) na
Mata Atlântica (Rocca & Sazima 2006). Em termos
gerais, isso possibilita a imediata disponibilidade de
grãos de pólen e poderia acostumar os polinizadores
a visitarem essas plantas (Stanton 1994). Isto seria especialmente vantajoso no caso de espécies nas quais
as flores femininas não oferecem recursos aos polinizadores e são polinizadas por engano. Deste modo, o
início da floração masculina antes da feminina seria
potencialmente favorecido. De forma semelhante, o
tempo total de floração nos indivíduos masculinos
estaria relacionado diretamente à quantidade de grãos
de pólen dispersados, favorecendo seletivamente o seu
incremento no período de floração (Willson 1994)
devido à contribuição da função masculina ao valor
adaptativo.
A duração da antese ou a longevidade floral também pode variar nas espécies dioicas, apresentando
os indivíduos masculinos flores em antese por um
tempo menor do que as flores dos indivíduos femininos (Primack 1985). Desta forma, os indivíduos
masculinos apresentam flores com grãos de pólen
disponível praticamente a cada visita, ao passo que
as flores femininas, que são limitadas pela chegada
de grãos de pólen para produzir seus frutos, podem
ser mais longevas e receptivas por maior tempo, necessário para garantir a chegada dos grãos de pólen.
Sincronia e assincronia de floração
A atratividade de uma planta aos seus polinizadores é
determinada, em parte, pelo período de antese e pelo
número de flores disponíveis. Isso afeta tanto a atração de polinizadores quanto a eficiência dos mesmos,
118 ⁞ Flores no tempo: a floração como uma fase da fenologia reprodutiva
influenciando o seu comportamento, as taxas de geitonogamia (polinização dentro da mesma planta) e as
perdas de grãos de pólen por deposição em flores de
outras espécies. As plantas podem alterar sua atratividade através de diferentes taxas de abertura de flores,
influenciando o seu sucesso reprodutivo (Harder &
Johnson 2005). As condições abióticas podem impor a
sincronia de floração e sinais ambientais são utilizados
por muitas espécies para iniciar seu processo reprodutivo (Reich & Borchert 1982; 1984; Marques et al.
2004; Borchert et al. 2005). Isto ocorre especialmente
em ambientes cuja janela de condições favoráveis à reprodução seja breve, limitando não somente a floração
(Fig. 5.1), mas também outras fases fenológicas, como
a fase posterior de dispersão de diásporos.
A sincronia pode ser de grande importância e
florescer em conjunto com os coespecíficos eleva
a probabilidade de se reproduzir com sucesso. Isto
pode ocorrer por pressões seletivas sobre a disponibilidade de parceiros reprodutivos, o que é muito
forte em espécies com sistemas sexuais polimórficos,
dioicos ou em espécies autoincompatíveis (Rocca &
Sazima 2006). Especialmente em espécies dioicas,
indivíduos florescendo isoladamente podem ter seu
sucesso reprodutivo limitado pela obrigatoriedade
do cruzamento entre flores de indivíduos diferentes.
Por outro lado, no caso de plantas com flores hermafroditas e autocompatíveis, embora a polinização
cruzada muitas vezes seja favorável geneticamente, os
indivíduos podem ter a capacidade de se autopolinizar
e de se reproduzir mesmo se florescerem isoladamente
(Freitas & Sazima 2009).
A floração sincronizada facilita a atração de
polinizadores e dispersores durante a frutificação
e pode saciar os herbívoros ou predadores de flores
e sementes (Mickeliunas et al. 2006). Entretanto a
floração intensa e altamente sincrônica pode diminuir a probabilidade de visitação de uma flor, caso
os polinizadores sejam um recurso limitante (Kudo
2006; Fig. 5.2). Quantificar o nível de sincronia
do processo de floração dentro de uma população
tem uma grande importância pelas suas implicações
ecológicas. Vários índices têm sido propostos, sendo
o mais amplamente utilizado o índice de sincronia
de Augspurger (1983), mas outras opções também
existem (p. ex., Freitas & Bolmgren 2008). No caso
de sincronia de floração envolvendo espécies diferentes em uma comunidade ou em um ecossistema, a
presença de polinizadores generalistas seria favorável,
resultando em um aumento do sucesso reprodutivo
de todas as espécies envolvidas, porém, o sucesso
reprodutivo de cada espécie dependeria da resposta
comportamental do polinizador. Havendo fidelidade
ou constância do polinizador, ou seja, o quanto o
polinizador restringe sua visita a uma espécie durante
uma ronda de visitação (ou por algumas rondas),
haveria maior transferência de pólen coespecífico
(Geber & Moeller 2006; Kudo 2006) – o que seria
um exemplo de facilitação na escala da comunidade
(Fig. 5.2; p. ex., Sakai et al. 1999).
Paralelamente, tem sido sugerido que uma espécie que não apresenta recursos, mas cujos atrativos
florais convergem com os de outras espécies simpátricas com o mesmo período de floração, pode se
beneficiar dessa semelhança pela polinização por
engano. Este é um caso de mimetismo batesiano e
essa interação, um parasitismo do polinizador como
recurso (Dafni 1984; Kudo 2006) e ocorre em várias
espécies (Johnson et al. 2003; Pansarin et al. 2008).
Enquanto nesse mimetismo a razão entre o número
de modelos (que apresentam recurso) e de mímicos no
ambiente deve ser alta, no mimestimo mülleriano há
duas ou mais espécies que apresentam convergência
de atrativos e de recurso, aumentando a polinização
de todos envolvidos através da partilha de polinizadores. Porém casos bem definidos de mimetismo,
Mauricio Fernández Otárola
♦
Márcia Alexandra Rocca ⁞
119
Figura 5.2 Interações entre plantas que partilham os mesmos polinizadores (facilitação e competição) e sua influência nas características
reprodutivas (fenofase de floração e morfologia floral). Diagrama modificado de Kudo (2006) com permissão da Oxford University Press.
especialmente o mülleriano, são raros na literatura
(Tadege et al. 1999). Um possível caso é reportado
para Turnera sinoides L. (Passifloraceae) na Argentina
(Benitez-Vieyra et al. 2007), sendo que esta espécie
também está presente no sul do Brasil.
Por outro lado, a assincronia de floração pode
estar ligada a diferentes fatores. Em uma escala populacional, um período maior de floração diminui as
chances de exposição a períodos de baixa atividade de
polinizadores, de dispersores ou de sobrevivência de
sementes, uma vez que essas fenofases estão ligadas.
Isto pode aumentar o movimento de polinizadores e de dispersores entre populações (Kudo 2006).
Flutuações no cenário de polinizadores são observadas
na floração anual de duração intermediária (sensu
Newstrom et al. 1994a) de Psychotria nuda (Cham.
& Schltdl.) Wawra. (Rubiaceae), espécie com distilia
e que compete por polinizadores com outras espécies
em uma comunidade de Mata Atlântica (Castro &
Araujo 2004). Dentro de uma população, a assincronia pode diminuir a competição por polinizadores e
aumentar a diferenciação genética entre indivíduos
cuja floração está ligada a respostas relacionadas à
heterogeneidade ambiental, podendo criar uma estruturação genética espacial (Kudo 2006). A assincronia
também pode diminuir o dano por herbívoros, que
é mais intenso no pico de floração. Por exemplo,
caranguejos consomem flores de bromélias somente
no pico de floração em área de restinga (Canela &
Sazima 2003a).
120 ⁞ Flores no tempo: a floração como uma fase da fenologia reprodutiva
Em uma comunidade, a assincronia de floração pode ocorrer devido a processos de facilitação
(Fig. 5.2), como o mutualismo sequencial de espécies polinizadas, muitas vezes, por aves e morcegos.
Essa floração sequencial ocorre entre três espécies de
Vriesea (Bromeliaceae), polinizadas exclusivamente
pela mesma espécie de beija-flor, Ramphodon naevius
(Dumont, 1818), da subfamília Phaethornithinae.
Enquanto a ave mantém, ao longo do ano, a mesma
imagem de procura dessas espécies com flores semelhantes em termos de atrativos florais, formato e
recurso oferecido, essas plantas especialistas herdam
umas das outras seu polinizador (Araujo et al. 1994).
Casos semelhantes de floração sequencial têm sido
encontrados entre outras espécies de bromélias simpátricas na Mata Atlântica (ver Machado & Semir
2006). A competição por polinizadores foi também
sugerida como pressão seletiva para espécies polinizadas pelo beija-flor Ramphodon naevius na Mata
Atlântica, gerando divergência no pico de floração
de espécies ornitófilas (Sazima et al. 1995).
A assincronia de floração entre espécies pode ser
devida à competição por exploração (sensu Begon
et al. 2006) de polinizadores, através da baixa fidelidade do polinizador (Fig. 5.2), que é refletida na
sua preferência pela qualidade ou quantidade do
recurso oferecido ou por um baixo custo no forrageamento em detrimento do sucesso reprodutivo de
espécies inferiores competitivamente (Kudo 2006).
Como resultado, a competição por exploração pode
influenciar tanto a divergência fenológica, ou seja, a
assincronia em uma comunidade, quanto o aumento
da autopolinização em espécies competitivamente
inferiores (Kudo 2006). A baixa fidelidade do polinizador, por outro lado, pode levar à competição
por interferência (sensu Begon et al. 2006) através
da deposição de grãos de pólen heteroespecífico
em estigmas, causando perdas de cargas polínicas
e saturação física de estigma, resultando em baixa
formação de sementes e mesmo formação de híbridos. Esta interferência pode gerar assincronia de
floração em uma comunidade, mas também pode se
refletir no surgimento de mecanismos que reduzam
a polinização interespecífica, como divergências
morfológicas (Fig. 5.2), assim como sistemas de
incompatibilidade (Kudo 2006).
Para a caracterização mais precisa de padrões
de divergência ou de convergência (assincronia ou
sincronia) de floração em comunidades, é necessária
a comparação com modelos nulos, que aleatorizem a
distribuição dos picos de floração e depois comparem
o padrão produzido com o padrão observado na natureza (Kochmer & Handel 1986; Ollerton & Lack
1992; Fox & Kelly 1993).
A influência dos padrões fenológicos
na ecologia da polinização
Nos estudos fenológicos tradicionais, o conjunto de
indivíduos que se reproduzem em uma população é
utilizado para descrever a fenologia de uma espécie
em um determinado lugar, sendo possível definir os
picos de floração, a duração e a distribuição do processo reprodutivo no tempo (Ollerton & Dafni 2005).
A primeira tentativa para classificar esses padrões reprodutivos foi proposta por Gentry (1974),
ao descrever os tipos de floração de espécies da família Bignoniaceae da Costa Rica e do Panamá. Ele
descreveu cinco estratégias baseadas na distribuição
temporal e na intensidade de floração dos indivíduos.
Sua classificação não quantifica cada tipo de floração
em escalas temporais, nem de intensidade e não é
aplicável a vários outros padrões de floração, além
de não ter sido criada para descrever eventos cíclicos,
mas, sim, eventos pontuais. No entanto, com essa
Mauricio Fernández Otárola
classificação, é possível relacionar o padrão de floração
com a atividade dos polinizadores, permitindo interpretar os processos de polinização. Outra classificação
mais ampla para os padrões fenológicos foi proposta por Newstrom et al. (1994a; mas veja também
Newstrom et al. 1994b), aplicável a outros padrões
fenológicos, não somente à floração, agregando ainda
a previsibilidade de frequência e de regularidade das
fases. Usaremos a seguir a classificação proposta por
Gentry com as categorias equivalentes na classificação
de Newstrom et al. para aprofundarmos e discutirmos
as implicações que cada tipo de floração tem nos
processos de polinização.
A primeira das categorias foi chamada de steady
state e corresponde a florações por longos períodos,
mas com a abertura de poucas flores por dia. Esse
tipo de floração, segundo Newstrom et al., poderia
ser do tipo contínuo, subanual, ou anual, com duração intermediária ou estendida. Gentry associou
esse tipo de floração a abelhas com comportamento
em linhas de captura ou trap-lines, no qual são estabelecidas rotas de visitação a indivíduos ou grupos
específicos de plantas espacialmente esparsas às quais
são garantidas visitas constantes ao longo do período
de floração. Esse tipo de polinização pode ser ainda
mais eficiente se um mesmo indivíduo fizer parte
da rota de vários polinizadores, dispersando de forma mais eficiente seu pólen, assim como recebendo
distintas cargas polínicas. Isso pode ser observado
em vários gêneros de bromélias (Bromeliaceae), mas
também em famílias como Acanthaceae, Costaceae,
Heliconiaceae, Gesneriaceae, entre outras. Morcegos
(Sazima & Sazima 1978; Sazima et al. 1989; 1999)
e beija-flores do grupo Phaetornithinae (Stiles 1975;
Canela & Sazima 2003b) também apresentam esse
padrão de forrageamento de trap-lining e podem
estar relacionados a esse tipo de floração. Observa-se,
desta forma, que há um reflexo direto desse padrão de
♦
Márcia Alexandra Rocca ⁞
121
floração no fluxo gênico via grãos de pólen dentro de
uma população. Uma baixa intensidade de floração
incentiva o movimento dos polinizadores, uma vez
que necessitam de várias plantas para satisfazerem
seus requerimentos energéticos.
Gentry classificou a floração de alta intensidade
em dois tipos. A primeira corresponde às plantas com
produção de flores ao longo de algumas semanas e
foi chamado de cornucópia, do latim, cornu copiae,
o qual representa o corno mitológico do qual emergem alimentos inesgotáveis. A cornucópia é uma
estratégia de floração que permite a polinização por
diversos grupos de organismos com diferentes estratégias de forrageamento, combinando trap-liners
com espécies territoriais, polinizadores especialistas
e generalistas. A floração do tipo cornucópia é predominante em árvores tropicais polinizadas por uma
grande diversidade de polinizadores. Um caso que
exemplifica a diversidade de polinizadores que pode
ocorrer nesse tipo de floração é o de Inga sessilis (Vell.)
Mart. (Fabaceae), na Mata Atlântica, espécie visitada
intensamente por uma grande diversidade de polinizadores tanto diurnos quanto noturnos (Amorim et
al. 2013). Entretanto, esse tipo de floração também
está presente em espécies com mecanismos de polinização mais especializados, como, por exemplo, a
sumauma (Ceiba pentandra (L.) Gaertn., Malvaceae)
e sua polinização por morcegos (Gribel et al. 1999;
Rojas-Sandoval et al. 2008). Outros exemplos incluem
algumas espécies de ipê-do-cerrado (Tabebuia spp.,
Bignoniaceae), nas quais cada espécie floresce por
aproximadamente um mês ao ano de forma altamente
sincrônica (Barros 2001).
O segundo tipo de floração corresponde ao padrão de plantas florescendo de forma explosiva, mas
por poucos dias, sendo esse tipo de floração chamado
de big-bang. A floração do tipo big-bang seria uma
estratégia que atrai polinizadores oportunistas que
122 ⁞ Flores no tempo: a floração como uma fase da fenologia reprodutiva
respondem a intensos sinais florais, como várias espécies de abelhas. Algumas espécies de Tabebuia
apresentam floração do tipo big-bang (Gentry 1974),
mas este tipo de floração tem sido raramente reportado (Mori & Pipoly 1984). Tanto cornucópia quanto
big-bang correspondem, na maioria dos casos, com
a classificação de floração breve ou intermediária
(Newstrom et al. 1994a), anuais na maioria dos casos
– podendo haver casos de supra-anuais.
Em espécies de árvores da família Myristicaceae,
como as do gênero Virola, as inflorescências apresentam uma abertura gradual das flores. Desta forma, poucas flores são abertas a cada vez em todas
as inflorescências, garantindo a presença do recurso
ao longo do tempo, mas o grande número de inflorescências faz que a floração possa chegar a ser de
grande intensidade. Por exemplo, Virola gardneri
(A. DC.) Warb. e V. bicuhyba, ambas endêmicas da
Mata Atlântica, apresentam a mesma morfologia
floral e estrutural das inflorescências, mas a floração
de V. gardneri é muito intensa e distribuída ao longo
de dois meses no ano, enquanto V. bicuhyba floresce
por vários meses de forma menos intensa, sendo uma
estratégia intermediária entre cornucópia e steady-state
(Fernández Otárola et al. 2013).
Por fim, Gentry denominou um pequeno grupo
de espécies de multiple bang, produzindo flores abundantes em picos recorrentes de poucos dias ao longo
do ano, o que corresponderia ao padrão subanual da
classificação de Newstrom et al. Esse tipo de floração
deve estar relacionado à polinização por engano e
os picos muito curtos e altamente sincrônicos entre os indivíduos podem possibilitar a polinização,
evitando, porém, o aprendizado dos polinizadores e
garantindo, dessa forma, o engano. Esse argumento
pode ser aplicado também para explicar a polinização
por engano em alguns sistemas monoicos ou dioicos.
Coleta e análises de dados
fenológicos
A descrição de processos fenológicos corresponde
a um ponto muito importante da história natural
das espécies e pode representar estudos complexos
com implicações ecológicas e ecossistêmicas importantes. Ao registrar eventos de floração, análises
quantitativas são necessárias, seja para descrever
a intensidade do fenômeno reprodutivo ou para
inferir parâmetros populacionais ou de comunidades. Um bom tamanho amostral é importante para
observar a variabilidade dos processos e identificar
os padrões periódicos. A definição do tamanho
amostral depende do tamanho da planta, da sua
forma de vida e da sua densidade populacional.
De acordo com os objetivos do estudo, a natureza
modular das plantas também deve ser considerada ao se diferenciar indivíduos (genetas) de seus
possíveis clones (rametas), ou mesmo ao amostrar
indivíduos arbóreos, pois partes diferentes da copa
podem apresentar autorregulação e independência
de eventos fenológicos (Ollerton & Dafni 2005).
O sistema sexual deve também ser considerado e os indivíduos, classificados de acordo com o
sistema que apresentam. Populações formadas por
indivíduos que apresentem exclusivamente flores
perfeitas ou hermafroditas compõem a amostragem
com apenas uma categoria de indivíduos por não
haver polimorfismo sexual. Espécies morfológica ou
funcionalmente dioicas (Mayer & Charlesworth 1991;
Sage et al. 2005), ginomonoicas, andromonoicas ou
nas quais haja algum tipo de hercogamia recíproca
(como a heterostilia, a enantiostilia ou a flexistilia,
esta na qual há morfotipos florais com diferenças
na orientação e no padrão de crescimento do estilete; Barrett 2002) apresentam outras categorias para
serem amostradas, por haver polimorfismo sexual.
Mauricio Fernández Otárola
Nesses casos, uma amostragem estratificada, ou seja,
considerando a proporção das diferentes categorias
dentro da população, pode ser mais representativa
do que ocorre no ambiente. Para isso, um estudo
detalhado da flor de cada indivíduo amostrado é
importante, assim como possíveis observações sobre o sistema reprodutivo e mesmo a produção de
frutos e sementes. Informações sobre indivíduos que
frutificam sempre e outros que nunca produzem
frutos podem ser dicas importantes sobre o sistema
sexual da espécie. Por exemplo, uma espécie pode ser
morfologicamente classificada como hermafrodita,
porém o estudo da sua fenologia reprodutiva pode
mostrar indivíduos que nunca produzem frutos, o
que indica um sistema sexual funcionalmente dioico
(Rocca & Sazima 2006).
A frequência da coleta de dados está diretamente relacionada ao tipo de pergunta fenológica.
A amostragem pode ser feita em intervalos de horas
ao envolver flores individuais, ou semanal, mensal,
ao envolver populações ou comunidades, de modo
que deve minimizar a perda de informações importantes sobre variação (Ollerton & Dafni 2005). Para
possibilitar a repetição da amostragem ao longo do
tempo, é importante que o acesso aos locais e indivíduos seja assegurado e minimizado o tempo para
a coleta desses dados.
Os dados fenológicos de floração mais importantes são o momento da floração (início, duração e
término), a sequência, a intensidade e a frequência,
podendo haver uma inter-relação entre eles e o nível
de organização, desde intrafloral a comunidades ou
filogenético (Ollerton & Dafni 2005). Os registros
podem ser de ocorrência de flores (presença ou ausência) ou do número de flores observadas, que pode ser
♦
Márcia Alexandra Rocca ⁞
123
contado diretamente ou a partir de determinada parte
da copa e extrapolado para o restante do indivíduo.
Outra opção é o uso de métodos semiquantitativos
que consideram a percentagem da copa que apresenta
flores, como, por exemplo, o método de Fournier
(1974) ou de Fernández Otárola et al. (2013).
As análises mais frequentes dos dados fenológicos envolvem comparações de datas precisas dos
eventos ou sua média, duração e sobreposição de
fenofases. Sua relação com fatores geográficos, como
altitude, latitude ou gradientes ecológicos, ou com
variáveis ambientais, como temperatura, pluviosidade ou duração do dia também são frequentemente
analisadas. Como a variação ambiental pode ter
efeito com certo retardo sobre a fenologia, a análise
da relação desses fatores pode utilizar valores também com defasagem de algumas semanas, porém
esse tempo de defasagem é um fator de difícil determinação. Correlações entre dados fenológicos e
número de visitantes florais e polinizadores também
são pertinentes (Gava 2012).
Representações gráficas e análises utilizando
estatística circular são possíveis (p. ex., Batalha &
Martins 2004), sendo que este método usa uma escala de tempo com intervalos iguais, não havendo
um ponto inicial ou zero verdadeiro (Sfair 2006;
Morellato et al. 2010; Zar 2010; veja também o tutorial de J. C. Sfair¹). Vários parâmetros possíveis de
serem amostrados, métodos para a avaliação desses
parâmetros e alguns protocolos de campo estão disponíveis (Ollerton & Dafni 2005) e o uso combinado
desses parâmetros claramente apresenta informações
complementares (p. ex., índices de atividade e de
intensidade, como em Bencke & Morellato 2002).
¹ Contato: juliacaram@gmail.com; http://www.academia.edu/2897858/Tutorial_para_se_trabalhar_com_estatistica_circular_
em_ecologia.
124 ⁞ Flores no tempo: a floração como uma fase da fenologia reprodutiva
Conclusões
Como a floração é distribuída no tempo, é um processo que pode ser estudado em distintos níveis,
desde dentro do indivíduo até biomas completos, o
que tem grande relevância ecológica. A fenologia,
em sua fenofase de floração, é muito mais do que
presença e ausência de flores, sendo um processo do
ciclo de vida das plantas que está sob fortes pressões
seletivas e que está diretamente relacionado com o
valor adaptativo dos indivíduos. A amostragem da
variação entre os indivíduos dentro das populações
deve ser considerada no desenho dos estudos fenológicos, podendo oferecer muita informação sobre
a estratégia reprodutiva das espécies. Isto abre todo
um leque de possibilidades de análises quase nunca
consideradas nos estudos fenológicos convencionais.
O sistema sexual tem uma grande importância na
forma em que o processo de floração varia entre as
espécies e está diretamente relacionado com o processo de polinização dentro da população ou entre
populações. Ainda, a fenofase da floração tem grandes
implicações na ecologia das espécies e afeta diretamente a frutificação posterior, como os frutos serão
disponibilizados, o que tem relação com a dispersão
das sementes. Só o entendimento da relação entre a
distribuição da floração no tempo e o processo de
polinização permite o entendimento desta fase da
estratégia reprodutiva das plantas – compreensão essa
cada vez mais urgente em um cenário de mudanças
climáticas globais, afetando os componentes abióticos
e bióticos do ambiente dessas plantas.
Agradecimentos
Agradecemos aos editores pelo convite para colaborar
com este livro e pelos questionamentos inspiradores
dos revisores. Ao Professor Gaku Kudo e à Oxford
University Press pela permissão de utilizar os diagramas
brilhantes de seu estimulante capítulo publicado em
2006. Dedicamos esse capítulo às respectivas flores que
existem no jardim de nossas vidas.
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Seç ão 2
Recursos e Atrativos
Foto: Günter Gerlach
Foto: André Rodrigo Rech
*
Capítulo 6
*
Recursos florais
Kayna Agostini1, Ariadna Valentina Lopes2 e Isabel Cristina Machado2
1
Centro de Ciências Agrárias, Departamento de Ciências da Natureza, Matemática e Educação, Universidade Federal de São
Carlos – Rodovia Anhanguera, km 174 – CEP: 13600-970 – Araras-SP – Brasil – Caixa Postal 153. e-mail: kaynaagostini@gmail.
com
2
Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Botânica – Av. Prof. Moraes Rego, 1.235 – Cidade Universitária – CEP:
50670-901 – Recife-PE – Brasil
“What escapes the eye, however, is a much more insidious kind of extinction:
the extinction of ecological interactions.”
Janzen (1974)
A
relação entre flor e visitante é estabelecida, na maioria das vezes, por meio de um recurso floral. Para
ser efetivo, o recurso deve satisfazer pelo menos uma das três principais necessidades dos animais:
alimentação, reprodução e construção de ninho. Neste capítulo pretendemos caracterizar e exemplificar os
principais recursos florais, bem como entender a problemática energética do processo de polinização. Assim
os recursos florais podem ser divididos em duas principais classes: nutritivos (pólen, néctar, lipídeos e tecidos
florais) e não nutritivos (resinas e fragrâncias). De maneira geral, as plantas podem ajustar seus recursos para
manter os visitantes florais o mais próximo do lucro líquido, assegurando que o animal irá se locomover entre
o máximo de flores possível. Por outro lado, os visitantes florais querem o lucro máximo do forrageamento por
um esforço mínimo. Portanto, embora a polinização seja definida como uma interação mutualística, sempre
há conflito de interesses entre os participantes com relação aos custos energéticos da interação.
130 ⁞ Recursos florais
Introdução
A polinização é geralmente considerada uma interação mutualística, isto é, proporciona benefícios
para os participantes, aumentando o valor adaptativo (fitness) de ambos. Os parceiros desta interação
tentam maximizar sua sobrevivência e o seu sucesso
reprodutivo, o que exige um equilíbrio entre os
custos e os recursos. As forças seletivas e restrições
que originaram os recursos florais atuais são pouco discutidas devido à dominância do néctar e do
pólen como recursos para os polinizadores. Neste
capítulo pretendemos caracterizar e exemplificar
os principais recursos florais (Figs. 6.1 A-H), bem
como entender a problemática energética do processo
de polinização.
A relação entre flor e visitante é estabelecida,
na maioria das vezes, por meio de um atrativo (recurso). Para ser efetivo, um recurso deve satisfazer
uma necessidade. As três principais necessidades
são alimentação, reprodução e construção de ninho.
Pólen, néctar, óleo e água, entre outros, satisfazem a
primeira necessidade, que é a alimentação.
A necessidade alimentar é responsável pela maioria das visitas às flores. Diversos estudos relatam
que polinizadores obtêm alimento das plantas que
visitam, mas as relações energéticas do processo de
alimentação são pouco exploradas, principalmente
nos estudos realizados no Brasil.
Para se discutir a energia que o animal irá receber
ao visitar uma flor, é necessário avaliar vários parâmetros, entre eles: (1) a energia contida no alimento
e na sua disponibilidade metabólica, (2) o trabalho
envolvido em extrair o alimento da flor e (3) a energia
gasta para alcançar a flor e se deslocar de uma flor
para outra.
Para entendermos o processo, é necessário avaliar independentemente os integrantes da interação.
A planta necessita que a transferência intraespecífica
de pólen seja eficaz e com o mínimo de gasto energético possível. Nessa perspectiva, a planta precisa do
visitante correto, isto é, animais que tenham um ajuste
físico ideal às flores e que sejam capazes de carregar os
grãos de pólen. Este animal também deve forragear
no período (sazonal ou diário) adequado e apresentar
o comportamento correto. Essas características devem
ser adquiridas visando um custo mínimo, ou seja, os
serviços prestados pelos visitantes ideais devem ser
baratos. De maneira geral, as plantas são selecionadas
para alcançarem estes objetivos, isto é, devem ter
flores com morfologia, atrativos (coloração e odor) e
recursos adequados. As plantas podem ajustar as suas
recompensas para que seus os visitantes obtenham
um lucro mínimo, garantindo assim que o animal
visite o máximo de flores possível.
Em contrapartida, os visitantes florais desejam
obter um lucro máximo por forrageamento e exercer o mínimo de esforço para extrair o recurso e se
Figura 6.1 Exemplos de flores com diferentes recursos. Néctar: Souroubea guianensis (Marcgraviaceae) evidenciando esporão onde
se localiza o nectário (A) e interior da corola de Lundia cordata (Bignoniaceae), mostrando gotas de néctar provenientes de nectário
substitutivo (B). Resina: Dalechampia (Euphorbiaceae) (C) e Clusia (Clusiaceae) (D), dois gêneros com exemplos de flores que
produzem resina. Pólen: flor com anteras poricidas de Solanum stramonifolium (Solanaceae) (E). Óleo: elaióforos epiteliais calicinais
em Malpighiaceae (F) e tricomáticos em Angelonia pubescens (Plantaginaceae) (G e H). Em (H) a flor está em vista dorsal com
parte do esporão retirado para evidenciar os tricomas produtores de óleo no seu interior. Fotos (A), (C), (D), (E), (G), (H), Isabel
Machado. Foto (B), Isabel Machado e Ariadna Lopes. Foto (F), Marlies e Ivan Sazima. Fotos A e B publicadas, respectivamente,
em Machado & Lopes (2000) e Lopes et al. (2002) foram reproduzidas com a gentil permissão da Oxford University Press.
Kayna Agostini
♦
Ariadna Valentina Lopes
A
♦
Isabel Cristina Machado ⁞
B
C
D
E
F
G
H
131
132 ⁞ Recursos florais
locomover entre as plantas para obtê-lo. Assim, um
visitante floral deve escolher as flores nas quais ele
pode facilmente obter um lucro energético, isto é, a
energia contida no néctar acessível irá exceder o custo
energético da visita. Deste modo o visitante escolherá
cuidadosamente a planta, o local e o período que ele
focará para a busca do seu alimento. Um visitante
floral bem adaptado essencialmente busca minimizar os custos (tempo gasto em encontrar a flor, voar
entre uma flor e outra e manipular as flores) com a
busca de alimento em relação à quantidade de energia
extraída das flores. Visitantes florais grandes (aves,
morcegos, algumas abelhas e mariposas) possuem
custos energéticos altos e necessitam de muito néctar
(ou pólen). O custo para mantê-los é muito elevado,
mas mesmo assim esta interação, para algumas plantas, é vantajosa. Visitantes florais pequenos também
não são vantajosos, uma vez que, apesar de ser mais
“barato” alimentá-los, eles geralmente não dispersam
pólen efetivamente.
Em relação ao recurso existem dois caminhos
que podem ser “perigosos”, independentemente do
tamanho do visitante floral, pois, se o recurso em
uma única flor for muito grande, o visitante obterá
um lucro energético alto e não precisará visitar outras
flores em outros indivíduos, enquanto se for muito
pequeno, o visitante poderá abandonar totalmente a
espécie de planta. Em ambos os casos haverá pouca
ou nenhuma transferência de pólen.
As principais ideias na literatura em relação aos
custos e benefícios do processo de polinização especulam que a planta determina a recompensa e o
animal, por esse motivo, persegue o recurso da melhor
maneira possível. Isso faz todo sentido, pois a planta
poderá se extinguir caso a polinização cruzada não
ocorra, enquanto o visitante floral apenas procurará
por outra fonte de alimento, caso a espécie de planta
de que ele se alimentava desaparecer.
Tipos de recursos florais
Recursos florais nutritivos
Pólen
Além de atuar como veículo do gameta masculino e
ser, portanto, responsável pelo transporte da informação genética masculina, o grão de pólen integra
a dieta de vários grupos de insetos (e.g., besouros,
moscas, borboletas, entre outros), principalmente
abelhas, além de aves e mamíferos. Apesar de as
análises sobre a constituição química dos grãos de
pólen serem ainda escassas e pouco sistematizadas
devido a requerimentos metodológicos (e.g., grandes
quantidades de material), alguns estudos apontam que
sua natureza é principalmente proteica (2,5%-61%),
contendo ainda lipídeos (1%-18%), amido (0%-22%)
e outros açúcares (16-28 J g-1), além de fósforo, vitaminas, água e outros componentes essenciais de células
vivas em geral (Willmer 2011). Esses estudos, revistos
por Willmer (2011), não detectaram relação entre
o conteúdo polínico e os sistemas de polinização e,
provavelmente, a quantidade de proteínas encontrada
no pólen, por exemplo, parece estar mais relacionada
às necessidades de proteção do grão de pólen contra
radiação ultravioleta e germinação/crescimento de
tubo polínico. A camada de exina do grão de pólen
não é digerida pela maioria dos animais, sendo então
descartada nas fezes (McLellan 1977). A camada de
intina, composta de celulose e pectina, também é de
difícil digestão. Para a maioria dos consumidores
de pólen, o grão de pólen entra intacto no aparelho
digestivo, e no intestino ele pode germinar ou até
mesmo se romper, permitindo a entrada de enzimas
digestivas. Assim, o conteúdo citoplasmático do grão
de pólen é utilizado como alimento e possui valor
nutritivo (Willmer 2011).
Há dois tipos de coleta de pólen pelos animais: a
coleta passiva e a coleta ativa (Willmer 2011). Na coleta
Kayna Agostini
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Ariadna Valentina Lopes
passiva os grãos de pólen aderem à superfície do corpo
do visitante floral devido às propriedades adesivas
inerentes à superfície do grão de pólen (polenkitt e
fios de vicina) e os custos energéticos tendem a ser
mais baixos tanto para o animal como para a planta.
Na coleta ativa direcionada, os polinizadores coletam
pólen diretamente das anteras utilizando o aparelho
bucal ou outras partes corporais, consomem este pólen
imediatamente e carregam o restante para o ninho.
Neste caso, apenas os grãos de pólen que não são consumidos serão utilizados no processo de polinização.
Quando o pólen é oferecido como recurso floral
exclusivo, sem que haja néctar ou qualquer outro recurso, essas flores são chamadas de “flores de pólen”
(sensu Vogel 1978). Nestes casos o pólen atua como
elemento de atração aos polinizadores, sendo um
recurso primário, e não sendo apenas transportado
passivamente no corpo dos agentes polinizadores,
com função na polinização, mas, sim, coletados
ativamente e utilizados como alimento. “Flores de
pólen” ocorrem em várias famílias de angiospermas
de ordens filogeneticamente distantes (Vogel 1978;
Buchmann 1983). Com base na origem dos grupos,
no número de estames, na forma de apresentação do
pólen e nos principais polinizadores, são reconhecidas
três categorias ou tipos de “flores de pólen” de acordo
com Vogel (1978): 1) Magnolia (tipo mais basal e que
precede as flores de néctar), 2) Papaver e 3) Solanum
(tipo mais derivado na evolução das angiospermas).
As flores dos tipos Magnolia e Papaver apresentam
androceu polistêmone e são polinizadas principalmente por besouros e abelhas, respectivamente. Já as
do tipo Solanum são oligostêmones e exclusivamente
melitófilas (Vogel 1978).
As “flores de pólen” são geralmente de fácil
identificação pelo elevado número de estames (tipos
Magnolia e Papaver) ou grande tamanho das anteras,
muitas vezes com deiscência poricida, geralmente
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Isabel Cristina Machado ⁞
133
com coloridos contrastantes com as pétalas. Estimase que cerca de 20.000 espécies de angiospermas,
distribuídas em mais de 70 famílias (entre as 413
famílias deste grupo sensu APG III) (Haston et al.
2009) apresentem flores com anteras poricidas, a
maioria, 90%-95%, sendo polinizada por vibração
(Buchmann 1983) (ver também Capítulo 9 deste livro
para polinização por vibração). Apesar de a maioria
das “flores de pólen” apresentar anteras poricidas, há
espécies que exibem anteras rimosas (Vogel 1978;
Lopes & Machado 1996). Do mesmo modo, a polinização por vibração não é exclusiva de flores com
anteras poricidas, havendo flores com anteras rimosas
que são polinizadas deste modo (Buchmann 1985).
Essas duas funções dos grãos de pólen – reprodução e alimento para os polinizadores – são mutuamente exclusivas, uma vez que um grão usado para
alimentação de abelhas, por exemplo, não mais terá
função para reprodução da planta. Esse conflito entre
a função reprodutiva e a de recurso ficou conhecido
como “dilema do pólen” (ver a introdução da Seção
3 desse livro). Portanto as flores de pólen, em geral,
produzem grãos em grandes quantidades (Cruden
2000) para garantir as duas funções. Em alguns casos
há, inclusive, uma separação espacial e morfológica
dos estames, chamada de heteranteria, ocorrendo,
na mesma flor, estames diferentes para cada função,
como é o caso da espécie Senna multijuga (Wolowski
& Freitas 2010).
Dado que muitas espécies de plantas apresentam
padrões diferenciados de ornamentação da exina, é
possível se relacionar, observando-se ao microscópio,
o tipo polínico com a espécie de plantas que o produziu. Essa característica dos grãos de pólen permite
que os mesmos sejam utilizados como indicadores
indiretos de visitação floral ou de origem para o mel.
Em algumas plantas, devido à grande similaridade
morfológica entre diferentes espécies de um mesmo
134 ⁞ Recursos florais
gênero, a distinção taxonômica fina fica prejudicada. No entanto, ainda assim, estudos palinológicos
podem contribuir como uma abordagem inicial para
reconhecimento do sistema com o qual se está trabalhando. Em abelhas, cujas larvas alimentam-se
majoritariamente, quando não exclusivamente, de
pólen, muitos estudos já foram desenvolvidos com
a flora apícola (Rech & Absy 2011). No entanto as
possibilidades não param por aí. Nos demais polinizadores que não se alimentam de pólen, é possível se
retirar a carga polínica aderida ao corpo do animal e
analisá-la para se identificar em que plantas o animal
esteve. Para o sucesso da análise polínica em estudos
de polinização ou de mel, um quesito chave é a construção de uma boa palinoteca de referência, a qual
deve ser, de preferência, organizada fenologicamente e
todos os tipos polínicos presentes na região de estudo
devem ter uma lâmina de referência para comparações
e identificações ao microscópio. Comparando-se as
lâminas com pólen retirado dos animais com as que
contenham o pólen retirado das plantas, as chances
de se obter boa resolução taxonômica vai depender
em grande parte do treinamento do observador e da
qualidade da palinoteca.
Néctar
Nectários e néctar são assuntos que resultaram em
livros com muita complexidade e com extenso conteúdo teórico, como o de Bentley & Elias (1983) e
Nicolson et al. (2007). Néctar é um meio bioquimicamente complexo que possui muito mais do que
açúcares e geralmente é produzido para ser oferecido
como recurso para os polinizadores. Seu consumo
é essencial para a manutenção de dois tipos de interações planta-animal que contribuem para a biodiversidade global: herbivoria e polinização. No caso
da polinização, o néctar realiza a mediação de um
mutualismo, no qual o animal consome o néctar e
é involuntariamente responsável pelo transporte de
pólen, o que pode propiciar a reprodução da planta
que forneceu o néctar.
O néctar é alimento para uma grande variedade
de insetos, para muitas espécies de aves e para alguns
mamíferos. Deste modo, a biologia do néctar é uma
área multidisciplinar que pode ser estudada pela
botânica, química, zoologia e ecologia. Os estudos
dos nectários e do néctar possuem importância econômica e ecológica, pois geralmente estão envolvidos
na polinização de muitas plantas comestíveis e raras.
Além do mais, o néctar é a matéria-prima para a
fabricação do mel.
Origem evolutiva do néctar
A origem evolutiva dos nectários e do néctar ainda
é relativamente obscura (Nicolson et al. 2007), mas
vários pesquisadores que estudam a evolução das
famílias de angiospermas forneceram informações
sobre a incidência, diversidade, origem e função dos
nectários.
Endress (1994) afirma que os nectários tiveram
várias origens evolutivas e se desenvolveram em várias
posições e tecidos das flores. Outros estudos relatam
que os nectários surgiram como órgãos secretores para
eliminar os líquidos em excesso das flores (Lorch
1978; de la Barrera & Nobel 2004).
A filogenia das plantas com sementes mostra três
origens diferentes para a polinização por animais: nas
Cycadales, nas Gnetales e nas angiospermas (Pellmyr
2002). Nas gimnospermas, secreções semelhantes ao
néctar ocorrem em Gnetales e estão envolvidas na
polinização (Bino et al. 1984; Wetschnig & Depisch
1999). Nectários são mais comuns nas angiospermas
e provavelmente se originaram no cretáceo.
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Ariadna Valentina Lopes
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135
Dinâmica da produção de néctar
Néctar standing crop (néctar disponível)
O néctar pode ser secretado por todos os órgãos
vegetais, com exceção das raízes. Frequentemente
o local de produção do néctar coincide com a sua
função, embora nectários que são funcionalmente
extraflorais (isto é, não estão envolvidos com a polinização) possam estar localizados nas inflorescências
(Heil 2011).
O néctar standing crop (disponível) é definido por
Kearns & Inouye (1993) como a quantidade e distribuição do néctar, em um determinado momento,
de flores aleatórias que não foram protegidas dos
polinizadores. Do ponto de vista ecológico há uma
relação de dependência recíproca entre o néctar
standing crop e as visitas dos animais às flores. A
distribuição do néctar standing crop dentro de um
mesmo indivíduo ou dentro de uma população pode
apresentar um padrão espacial, influenciando o movimento de forrageamento dos polinizadores entre
as flores de um mesmo indivíduo ou entre indivíduos de uma mesma população (Kearns & Inouye
1993; Corbet 2003). Por exemplo, se o néctar for
distribuído de modo agrupado entre as plantas, os
visitantes que encontrarem flores com maior quantidade de néctar irão se mover apenas entre as flores
vizinhas, enquanto os visitantes que encontrarem
flores com pouca quantidade de néctar irão evitar
visitar flores vizinhas (Hanoteaux et al. 2013; Weber
& Kolb 2013).
Dois principais tipos de secreção podem ser reconhecidos nas plantas: secreção do tipo holócrina, a
qual envolve morte celular no momento da secreção,
e do tipo merócrina (mais comum), na qual as células
secretoras sobrevivem e a atividade secretora continua
(Elias et al. 1975; Vesprini et al. 1999; Horner et al.
2003; Nepi 2007).
Embora os estudos devam ser interpretados
cuidadosamente, plantas, sem dúvida, controlam
a produção de néctar. Um ajuste na produção de
néctar em relação às taxas de consumo tem sido demonstrado para várias espécies (Corbet & Delfosse
1984; Pyke 1991). Néctar é secretado em ritmos diferenciados e pode ser reabsorvido ao longo da vida
da flor (Agostini et al. 2011). O padrão temporal de
secreção, interrupção e reabsorção define a dinâmica
de produção de néctar. Este parâmetro geralmente
está relacionado com o comportamento dos visitantes
florais cuja atividade, juntamente com os parâmetros
ambientais, é responsável pela quantidade de néctar
encontrada em determinados momentos (Galetto
& Bernardello 2005). Para entendermos a dinâmica
de produção de néctar é necessário: 1) relacionar a
produção de néctar com os consumidores de néctar,
definindo o néctar standing crop (ou o néctar disponível); 2) relacionar o néctar não consumido com a
possível reabsorção desta solução; e 3) entender como
parâmetros ambientais afetam fortemente a dinâmica
de produção de néctar.
Reabsorção de néctar
A reabsorção do néctar que não é consumido parece
ser um fenômeno comum, especialmente quando o
nectário é grande e produz considerável quantidade
de néctar. A produção de néctar requer um apreciável
gasto de energia e duas principais funções da reabsorção de néctar podem ser reconhecidas: recuperação
dos recursos investidos na produção de néctar e um
mecanismo homeostático durante a secreção e apresentação do néctar.
Pyke (1991) relatou que a remoção do néctar
de flores de Blandfordia nobilis (Blandfordiaceae)
aumenta a produção dessa substância, mas reduz
136 ⁞ Recursos florais
a capacidade de produção de sementes, o que pode
resultar na redução do crescimento e da reprodução
na estação seguinte. A recuperação dos recursos
é, portanto, uma razão importante para as plantas tentarem reutilizar esta fonte de carboidratos
que não é consumida pelos polinizadores. Esta
estratégia de recuperação do recurso foi recentemente demonstrada em várias espécies (Búrquez &
Corbet 1991; Koopowitz & Marchant 1998; Luyt
& Johnson 2002; Stpiczyńska 2003a,b), mas há
poucos estudos no Brasil confirmando que a reabsorção pode ocorrer (Agostini et al. 2011; Amorim
et al. 2012).
A reabsorção do açúcar do néctar também possui uma função ecológica muito importante, pois
envolve os mecanismos homeostáticos do néctar
(Galetto et al. 1994; Nicolson 1995; Veiga Blanco
et al. 2013). Este mecanismo permite a regulação
do volume, concentração e até da viscosidade do
néctar, reduzindo o efeito da perda de água devida à evaporação. Uma vez que a composição e a
concentração do néctar são adaptadas ao tipo de
polinizador (Baker & Baker 1983), o mecanismo
homeostático do néctar é importante para assegurar que as visitas sejam realizadas pelo polinizador
mais eficiente. É presumido que este mecanismo é
mais evidenciado em plantas com longos períodos
de apresentação do néctar, pois as flores estão mais
expostas às variações das condições climáticas e
às visitas dos polinizadores que podem afetar as
características do néctar.
De acordo com Búrquez & Corbet (1991), a
reabsorção parece ocorrer principalmente em flores
que mantêm o nectário mesmo depois da queda da
corola, ou quando a queda é atrasada por algum
motivo. Alguns autores afirmam que a reabsorção do
néctar que não foi consumido está relacionada com
a morte celular programada nos tecidos do nectário
em combinação com um floema que permanece ativo
e mudanças resultantes da relação fonte-dreno (Kuo
& Pate 1985; Gaffal et al. 2007).
Parâmetros ambientais que afetam a
dinâmica de produção de néctar
Muitos estudos que tentam medir a secreção de néctar
utilizam métodos inadequados, como, por exemplo,
quantificar apenas o volume ou a sua concentração,
mas não quantificar ambos. Estes parâmetros são
modificados com a temperatura e com a umidade
do ar, portanto ambos devem ser considerados em
conjunto para calcular a quantidade real de sólidos
que são secretados (Baker & Baker 1975; Corbet et
al. 1979; Galetto & Bernardello 2005).
Parâmetros ambientais podem afetar as propriedades do néctar. O néctar, especialmente de nectários
que ficam expostos, tende a alcançar uma concentração em equilíbrio com a umidade relativa do ar,
isto é, baixa umidade relativa proporciona maior
evaporação de água e o néctar fica mais concentrado,
enquanto alta umidade relativa do ar tende a diluir
mais o néctar (Corbet 2003).
A temperatura é uma variável ambiental frequentemente relacionada com a taxa de secreção de néctar,
afetando a taxa fotossintética e influenciando direta
ou indiretamente a produção de néctar (Burquéz
& Corbet 1991; 1998). A temperatura ótima para a
secreção de néctar é conhecida apenas para algumas
espécies (Jakobsen & Kristjansson 1994; Nicolson
1995; Petanidou & Smets 1996).
Em condições naturais, nos anos que ocorre maior
precipitação, há maior produção de néctar (Petanidou
& Smets 1996). A disponibilidade de água é um dos
principais fatores que regula a taxa de secreção de
néctar (Wyatt et al. 1992; O’Brien et al. 1996).
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Ariadna Valentina Lopes
Outros parâmetros que podem afetar a
dinâmica de produção de néctar
A variabilidade intraespecífica do néctar pode ser
mostrada em diferentes níveis: em flores individuais,
entre flores de uma mesma planta, entre plantas de
uma mesma população e entre populações (Nicolson
et al. 2007; Agostini et al. 2011; Amorim et al. 2012).
A variabilidade do néctar entre flores de uma
mesma planta pode ser explicada por ocuparem diferentes posições na inflorescência; por apresentarem
diferentes tamanhos de inflorescência; por haver diferentes microambientes ao redor da flor; pela diferença
na idade floral e pela diferença das visitas realizadas
pelos polinizadores.
Galetto & Bernardello (1995) registraram diferenças na composição dos açúcares do néctar em
duas populações de Lycium cestroides (Solanaceae).
Diferenças no habitat podem contribuir para a variabilidade do néctar entre populações. Os primeiros estudos de Andrejeff (1932), Hocking (1968) e
Heinrich & Raven (1972) mostraram que indivíduos
de plantas de altas elevações e latitudes, cujas flores são visitadas por abelhas, produzem néctar com
maior valor energético do que os indivíduos que estão
presentes em elevações e latitudes mais baixas. Por
outro lado, tanto flores polinizadas por mariposas
ou beija-flores em elevada altitude possuem menor
concentração de açúcar do que as flores que estão em
menor altitude (Cruden et al. 1983).
Composição química do néctar
A composição do néctar varia muito mais quantitativamente do que qualitativamente, provavelmente
porque esta substância é utilizada como recurso por
diferentes tipos de animais (Faegri & Van der Pijl
1980; Cruden et al. 1983), mas existem espécies nas
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Isabel Cristina Machado ⁞
137
quais a composição química do néctar varia quantitativamente ao longo da antese e qualitativamente entre
indivíduos e dentro do próprio indivíduo (Agostini
et al. 2011; Amorim et al. 2012).
Pouco se sabe sobre os componentes do néctar
que não são os açúcares ou aminoácidos (Nicolson
et al. 2007; González-Teuber & Heil 2009), e novas
classes de substâncias continuam a ser detectadas
no néctar. Ainda menos se sabe sobre a síntese dos
componentes do néctar e da regulação da secreção.
Os principais componentes do néctar são os
seguintes, segundo Faegri & Van der Pijl (1980),
Nicolson et al. (2007) e Willmer (2011):
Água: dependendo da estrutura do nectário, a
água pode derivar tanto do xilema como do floema.
O teor de água no néctar depende do microclima
floral e pode ser afetado pela evaporação nas flores
mais expostas. A concentração do néctar determina
a viscosidade e consequentemente pode influenciar
o comportamento alimentar dos animais. A água
no néctar também é importante como recurso para
polinizadores em regiões com clima seco.
Carboidratos: os principais solutos presentes no
néctar são os açúcares sacarose, glicose e frutose, e a
concentração destes açúcares alcança de 7% a 70%
w/w. A atividade da enzima invertase no nectário
determina a proporção entre sacarose e hexoses (glicose e frutose). Atualmente os estudos questionam se
as proporções relativas destes três tipos de açúcares
são o resultado da uma adaptação para polinizadores
(Baker & Baker 1983; 1990) ou da história filogenética das espécies (Nicolson & van Wyk 1998;
Galetto & Bernardello 2003). Outros açúcares são
encontrados em menor quantidade, como é o caso de
alguns polissacarídeos responsáveis pela consistência
de geleia do néctar (Sazima et al. 2001). A fonte de
carboidratos do néctar pode ser a seiva do floema;
138 ⁞ Recursos florais
o parênquima fotossintético do nectário; o amido
armazenado no parênquima; a fotossíntese que ocorre
em outras partes florais ou a degeneração de certas
partes do nectário (Pacini et al. 2003). O açúcar
do néctar é geralmente a fonte de energia primária
para os consumidores e os estudos das interações
planta-polinizador há muito tempo são baseados na
energética, que relaciona o açúcar do néctar com a
energia necessária para os animais efetuarem a polinização (Heinrich 1975; Willmer 2011).
Compostos secundários: geralmente estão associados com a resistência à herbivoria, sendo também
encontrados no néctar floral (Adler 2000). Compostos
tóxicos como os fenóis e alcaloides apresentam um
efeito seletivo nos polinizadores, inibindo alguns e
atraindo outros.
Aminoácidos e proteínas: depois do açúcar,
os aminoácidos são os solutos mais abundantes no
néctar, incluindo uma vasta gama de aminoácidos
essenciais e não essenciais (Petanidou et al. 2006).
Proteínas ocorrem no néctar, incluindo enzimas e
preservativas (Carter & Thornburg 2004). Estes
compostos nitrogenados são derivados de várias
fontes, como seiva do floema, corpos proteicos no
parênquima nectarífero, atividades citológicas ou
degradação de certas partes do nectário. Proteínas
aparentemente possuem funções homeostáticas e
regulatórias.
A química do néctar deve preencher pelo menos
duas funções: alimentação e proteção contra ladrões de néctar e micro-organismos que infectam
o mesmo. Carboidratos e aminoácidos são mais
importantes para a alimentação dos visitantes florais. A composição do néctar determina o espectro
de consumidores desta solução, pois os animais
diferem nas preferências nutritivas. Por exemplo,
beija-flores, borboletas, mariposas e abelhas de probóscide longa frequentemente preferem néctar rico
em sacarose, enquanto abelhas de probóscide curta
e moscas preferem néctar rico em hexoses (Nepi &
Stpiczynska 2008; Nepi et al. 2009). Mas estudos
atuais demonstram que existe uma variabilidade
intraespecífica e intraindividual que não respeita as
preferências dos visitantes florais (Canto et al. 2007;
Herrera et al. 2006; Agostini et al. 2011; Amorim
et al. 2012). Entretanto alguns pássaros nectarívoros não possuem a sacarose-invertase (enzima de
clivagem da sacarose) e, assim, não são capazes de
assimilar a sacarose, portanto preferem néctar sem
sacarose (Martínez del Rio 1990; Heil et al. 2005).
Embora, no néctar, os açúcares sejam muito mais
concentrados do que os aminoácidos, estes podem
afetar significativamente a atratividade do néctar.
Aves e morcegos podem obter nitrogênio de outras
fontes, enquanto muitos insetos adultos se alimentam
apenas de soluções líquidas. Assim, flores polinizadas
Íons: estes são derivados da seiva do xilema e/ou
do floema, embora informações sobre a concentração de íons no néctar floral seja escassa. Um estudo
envolvendo a concentração de íons no néctar foi
realizado com a flor da cebola, e foi verificado que a
alta concentração de K+ no néctar impede a visitação
de algumas espécies de abelhas (Waller et al. 1972).
Antioxidantes: estão envolvidos na homeostase
do néctar (Carter & Thornburg 2004).
Lípídios: são uma alta fonte energética, mas
frequentemente ocorre em quantidades vestigiais.
Terpenoides: terpenoides voláteis são importantes componentes dos odores florais (Raguso 2004) e
podem ser acumulados no néctar.
Principais funções da química do néctar
Alimentação
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Ariadna Valentina Lopes
por insetos possuem mais aminoácidos no néctar do
que flores que são polinizadas por vertebrados. Alta
concentração de aminoácidos foi de fato relatada
para nectários florais de flores que são adaptadas
a receberem visitas de borboletas (Baker & Baker
1982), moscas (Potter & Bertin 1988) e abelhas
(Petanidou et al. 2006).
Proteção
Carboidratos, aminoácidos e voláteis servem principalmente para atração e nutrição dos visitantes
legítimos, mas, como já foi mencionado, o néctar
também pode possuir outros compostos, como, por
exemplo, proteínas e algumas classes de metabólitos
secundários. Um exemplo são as nectarinas, que,
além de suprir os consumidores de néctar com nitrogênio orgânico, podem fornecer proteção às plantas. As nectarinas nos nectários florais de Nicotiana
langsdorffii foram caracterizadas bioquimicamente e
fornecem proteção contra infestação microbiológica.
Embora ladrões de néctar não necessariamente reduzam o valor adaptativo (Maloof & Inouye 2000;
Lara & Ornelas 2002), é geralmente suposto que o
consumo de néctar por visitantes não mutualísticos
representa uma perda significativa no recurso disponível. Assim, nectários florais de inúmeras famílias de
plantas produzem néctar tóxico devido à quantidade
de proteínas, compostos fenólicos e alcaloides (Baker
1977; Adler 2000).
Lipídeos
Embora néctar e pólen continuem como os principais e mais frequentes recursos das angiospermas,
esse cenário mudou a partir da descoberta e dos
subsequentes trabalhos de Vogel (1969; 1971; 1973;
1974; 1976a,b; 1990a,b) apresentando à comunidade
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Isabel Cristina Machado ⁞
139
científica peculiaridades de algumas flores, de diferentes famílias de angiospermas, que possuem glândulas
secretoras de óleos.
Origem, evolução e composição
química dos óleos florais
Na sua primeira publicação com detalhes do sistema envolvendo as flores de óleo, Vogel (1974)
incluiu apenas cinco famílias de angiospermas:
Malpighiaceae, Krameriaceae, Scrophulariaceae,
Iridaceae e Orchidaceae (atualmente a abrangência
é maior, como veremos adiante). Neste extenso trabalho, Vogel (1974) descreve que o óleo é produzido
e armazenado em glândulas especiais denominadas
elaióforos, as quais tinham sido até então confundidas
com nectários, dada a semelhança estrutural entre
essas duas glândulas. Os elaióforos podem ser de dois
tipos: epiteliais e tricomáticos. Os epiteliais são áreas
de células epidérmicas secretoras nas quais os lipídeos
aí secretados são acumulados em grande quantidade
e geralmente protegidos por uma cutícula. São comuns em flores de Malpighiaceae, Krameriaceae, em
alguns gêneros de Orchidaceae (Oncidium, Grobya e
Pterigodium) e em Tritoniopsis (Iridaceae) (Vogel 1974;
Simpson & Neff 1981; Buchmann 1987; Machado et
al. 2002; Manning & Goldblat 2002; Mickeliunas
et al. 2006; Pauw 2006).
Por sua vez, os elaióforos tricomáticos consistem
em áreas recobertas por centenas ou milhares de tricomas glandulares, uni ou pluricelulares. São comuns
nas famílias Iridaceae, Cucurbitaceae, Primulaceae,
Plantaginaceae (representantes antes colocados em
Scrophulariaceae), Solanaceae e alguns gêneros de
Orchidaceae (Disperis, Oncidium, Ornithocephalus
e Zygostates) (Vogel 1974; Simpson & Neff 1981;
Buchmann 1987; Machado et al. 2002).
140 ⁞ Recursos florais
No citoplasma das células que compõem os elaióforos observa-se um aumento no número de leucoplastos, de mitocôndrias e do retículo endoplasmático
(Vogel 1974). O óleo produzido nessas glândulas é
excretado livremente entre os tricomas (elaióforos
tricomáticos) ou permanece sob a cutícula até seu
rompimento (elaióforos epiteliais). Geralmente os
elaióforos tricomáticos ocorrem em diferentes regiões
da corola, mas também podem se localizar no androceu, como em Lysimachia (Vogel 1976 A e B, 1986),
ou em partes do ovário (Simpson & Neff 1981). Os
epiteliais também se localizam principalmente na
corola, mas há casos de ocorrência nas sépalas, como
nas Malpighiaceae (Vogel 1974; 1990b).
Os elaióforos, segundo Vogel (1974), devem ter se
originado a partir de glândulas vegetativas homólogas,
que gradativamente foram adquirindo função no
sistema de polinização e posteriormente se especializaram com relação a densidade e composição química.
Para Malpighiaceae, provavelmente essa mudança de
função ocorreu em nectários extranupciais e de maneira semelhante também nos nectários tricomáticos
de Iridaceae e Scrophulariaceae. Segundo o mesmo
autor, a coevolução envolvendo o sistema de flores
de óleo e abelhas especializadas para a coleta de óleo
deve ter sido iniciada com as Malpighiaceae, e não
antes do Terciário inferior.
De acordo com um recente estudo usando
filogenia e dados moleculares envolvendo vários
grupos de famílias, as flores que produzem óleos
tiveram origem independente pelo menos 28 vezes
(Renner & Schaefer 2010). Com exceção de Iridaceae
e Orchidaceae, famílias nas quais o aparecimento
de glândulas de óleo nas flores ocorreu em vários
momentos, na maioria das outras famílias os elaióforos surgiram uma única vez (Goldblatt et al. 2008;
Chase et al. 2009; Renner & Shaefer 2010). Em
Iridaceae, uma das famílias nas quais a aquisição
de glândulas de óleo aconteceu múltiplas vezes (pelo
menos três origens independentes), um estudo recente feito por Chauveau et al. (2011) demonstrou
o relevante papel dessas glândulas na diversificação
do grupo nos Neotrópicos e sustenta a classificação
atual das tribos ocorrentes no continente americano.
As Iridaceae apresentam elaióforos tricomáticos e 15%
das espécies estudadas por Chauveau et al. (2011)
apresentam nectários florais. Segundo os autores,
os dados sugerem que nesta família as estruturas
glandulares devem ter tido um desenvolvimento e
história evolutiva comuns.
Para Malpighiaceae, Vogel (1974) já havia predito que esta família estava entre os clados mais
antigos a adquirir glândulas de óleo nas flores e que
seu aparecimento e rápida diversificação devem ter
tido papel fundamental na evolução do comportamento das abelhas coletoras de óleo do Paleoceno
e Eoceno. Posteriormente, Vogel (1990b) concluiu
que os gêneros de Malpighiaceae do Novo Mundo
parecem ter derivado de um ancestral não especializado com flores de pólen e adquirido elaióforos
como uma apomorfia depois da separação dos continentes americano e africano. No Velho Mundo,
o sistema envolvendo Lysimachia (Primulaceae) e
abelhas Macropis (Vogel 1986) é provavelmente tão
antigo quanto o sistema Malpighiaceae/abelhas do
gênero Centris. Ambos os sistemas são resultado da
coevolução, e para Lysimachia isso pode ser inferido
a partir de fósseis de abelhas Paleomacropis eocenicus
na França (Michez et al. 2009), que coincide com
as análises de provável idade de representantes de
Lysimachia (Renner & Shaefer 2010). Para Vogel
(1986), os elaióforos tricomáticos de Lysimachia já
mostravam um estágio basal. Eles são derivados de
um tipo de tricoma glandular mais comum nas partes vegetativas, mas que ocorre também dentro das
flores, os quais atuam parcialmente na manutenção
Kayna Agostini
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Ariadna Valentina Lopes
de umidade das gemas e botões. Por sua vez, enquanto os elaióforos em Lysimachia são apomorfias,
as glândulas que secretam exsudados hidrofílicos
são ancestrais em Primulales (Vogel 1986). Outra
densa monografia sobre o assunto foi publicada
também por Vogel (1990a,b) envolvendo um grupo confinado ao Paleotrópico e à China, representado, respectivamente, pelos gêneros Momordica e
Thladiantha (Cucurbitaceae) e abelhas solitárias do
gênero Ctenoplectra.
Ainda na revisão de Renner & Shaefer (2010),
os autores mostram que, ao longo do tempo, nas
diferentes famílias, as glândulas de óleo desapareceram mais frequentemente do que foram adquiridas,
inferindo 36-40 perdas. Segundo Vogel (1990a,b),
duas espécies de Momordica perderam seus elaióforos e, consequentemente, sua dependência em relação às abelhas coletoras de óleo, passando a um
sistema de polinização generalista. Possivelmente
a dependência de abelhas especializadas na coleta
de óleo floral seja um dos fatores responsáveis por
essa grande perda. Alguns gêneros Neotropicais de
Malpighiaceae apresentam redução no número de
glândulas, e a presença/ausência de glândulas de óleo
pode acontecer inclusive entre indivíduos de uma
mesma espécie (Vogel 1990a,b), sendo considerado
por Vogel (1990b) uma estratégia de mimetismo,
levando a uma economia de recurso e polinização
por engano, como observado por Sazima & Sazima
(1989) e Teixeira & Machado (2000).
Com relação a outras famílias com flores de
óleo, como Krameriaceae, algumas Orchidaceae,
Iridaceae, Scrophulariaceae e Stilbaceae, a origem
das flores de óleo é relativamente recente (Renner &
Schaefer 2010). Segundo esses autores, provavelmente
a expansão do sistema ocorreu de maneira ocasional,
devido à interação de várias espécies de abelhas (e não
apenas uma) com as espécies de plantas com flores
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Isabel Cristina Machado ⁞
141
de óleo (Vogel 1974; Machado et al. 2002; Alves et
al. 2007). Por outro lado, a resposta ao fato de esse
sistema de polinização ainda permanecer relativamente limitado está longe de ser respondida e deve
envolver questões relacionadas ao custo e benefício
da coleta de óleos pelas abelhas especializadas neste
comportamento (Renner & Schaefer 2010).
Amplitude de ocorrência de lipídeos como
recurso floral
Desde sua descoberta, o número de famílias apresentando flores que oferecem óleos não voláteis aos seus
visitantes, exclusivamente ou em adição a pólen e/ou
néctar, tem variado (entre cinco a quinze) ao longo
desses mais de quarenta anos, dependendo do autor
e do foco dado pelo mesmo. Publicações recentes
oscilam entre oito e onze famílias, envolvendo tanto monocotiledôneas como eudicotiledôneas, com
cerca de 1.500 espécies localizadas principalmente nas regiões tropicais e subtropicais (Buchmann
1987; Vogel 1988; 1989; Vogel & Cocucci 1995;
Sérsic & Cocucci 1996; Renner & Shaefer 2010;
Chauveau et al. 2011). Após mudanças propostas
pela APG (2003), atualmente onze famílias são
consideradas como tendo representantes com flores
de óleo: Calceolariaceae, Cucurbitaceae, Iridaceae,
Krameriaceae, Malpighiaceae, Myrsinaceae,
Orchidaceae, Plantaginaceae, Scrophulariaceae,
Solanaceae e Stilbaceae (Renner & Schafer 2010).
As famílias Melastomataceae e Gesneriaceae já foram anteriormente incluídas nesta listagem, uma
vez que há referências de secreção de óleos em partes
florais, respectivamente em Mouriri (Buchmann &
Buchmann 1981) e em Drymonia (Steiner 1985).
Porém o papel do óleo floral produzido em tricomas glandulares na corola de Drymonia serrulata
(Gesneriaceae) continua sem função ecológica
142 ⁞ Recursos florais
definida, embora pareça funcionar como um adesivo
(pollenkitt acessório), que facilitaria a aderência dos
grãos de pólen ao tórax de abelhas Epicharis (Steiner
1985). De modo semelhante, em Mouriri, o óleo
produzido nos conectivos e coletado por espécies
de Trigona também parece estar mais associado a
uma função adesiva para o pólen. Dessa maneira,
em ambos os casos esse óleo não seria enquadrado
como um recurso floral.
Composição química e utilização das
glândulas de óleo
Independente do grupo taxonômico, de uma maneira
geral, o material lipídico secretado pelas flores é geralmente incolor, inodoro e consiste principalmente
em ácidos graxos hidroxílicos, mono ou diglicerídeos,
podendo haver também ácidos graxos livres (Vogel
1974; Simpson et al. 1977; 1979; Cane et al. 1983;
Seigler et al. 1978). Triglicerídeos geralmente são
ausentes (Vogel 1974).
O metabolismo dos óleos florais proporciona
muito mais energia quando comparado à mesma
quantidade de carboidratos (Buchmann 1987).
Segundo Vogel (1989), o óleo floral é cerca de oito
vezes mais rico em calorias quando comparado com
a mesma quantidade de néctar. Apesar de indicações
de que o óleo floral pode, possivelmente, servir para
nutrição de adultos (Buchmann 1987), não há evidências de que abelhas adultas o consumam. Os lipídeos
florais, misturados com pólen, parecem ser utilizados
basicamente como constituintes do alimento larval
(Simpson & Neff 1981). Observações em ninhos
de abelhas Centris indicam o uso do óleo floral, em
adição aos grãos de pólen, para alimentação de larvas
e impermeabilização de células de cria (Vogel 1974;
1990a,b; Simpson et al. 1977; Alves dos Santos et
al. 2007).
Interações com abelhas coletoras de óleo
A coleta do óleo produzido nos elaióforos é mediada
exclusivamente por um grupo de abelhas (geralmente
apenas as fêmeas realizam esta coleta) que apresentam adaptações estruturais nas suas pernas e excepcionalmente no seu abdômen ou tórax. As abelhas
relacionadas na literatura como coletoras de óleo
floral são solitárias, distribuídas principalmente em
duas famílias (sensu Michener 2000): Melittidae e
Apidae (Vogel 1974; Buchmann 1987; Alves dos
Santos et al. 2007).
Melittidae é encontrada principalmente na
África e em regiões holárticas e apenas dois gêneros
Macropis e Rediviva são conhecidos como coletores
de óleos florais. A grande família Apidae contém a
maioria dos gêneros e espécies com observações de
coleta de óleos florais. Quatro tribos (nomenclatura
seguindo Michener 2000) são mencionadas nesta
relação mutualística: Centridini, Ctenoplectrini,
Tapinotaspidini e Tetrapediini. Nestas quatro tribos,
o comportamento de coleta de óleo é bem documentado, sendo descrito para diversas espécies de Centris
e de Epicharis (Centridini), assim como também para
algumas espécies de Paratetrapedia, Arhysosceble,
Chalepogenus, Lanthanomelissa, Tapinotaspis e
Monoeca (Tapinotaspidini) (Vogel 1974; Simpson
et al. 1977; 1990; Cocucci 1991; Sérsic 1991; Vogel
& Machado 1991; Vogel & Cocucci 1995; Machado
et al. 2002; Alves dos Santos et al. 2007). A estrutura
dos órgãos coletores das abelhas está correlacionada
com os diferentes tipos de elaióforos. Segundo Vogel
(1974) e Neff & Simpson (1981), geralmente existe
nas Centridini pentes basitarsais formados por fileiras
de cerdas especializadas. A maioria das espécies de
Centris e Epicharis exibe essa estrutura, com algumas
variações, nos dois pares de pernas, anteriores e medianos, sendo este padrão considerado primitivamente
associado à coleta de óleo em elaióforos epiteliais,
Kayna Agostini
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Ariadna Valentina Lopes
como no caso das Malpighiaceae, nas quais as quatro
pernas são utilizadas na exploração das glândulas
calicinais (Vogel 1974; Neff & Simpson 1981; Sazima
& Sazima 1989; Teixeira & Machado 2000).
Nem sempre o uso das quatro pernas na coleta
de óleo por Centridini acontece. Por exemplo, nas
visitas às flores de Angelonia (Plantaginaceae) todas
as espécies de Centris utilizam apenas as duas pernas
anteriores (Vogel & Machado 1991; Machado et
al. 2002), embora quase todas apresentem os pentes basitarsais tanto nas pernas anteriores como nas
medianas. Isso se deve aos esporões ou depressões
contendo os elaióforos, que em Angelonia e Diascia
(Scrophulariaceae) existem aos pares, lado a lado,
em cada flor (Vogel 1974; Vogel & Machado 1991;
Machado et al. 2002).
Recentemente, estudos de redes feitos com espécies de Malpighiaceae têm mostrado que as interações entre flores que oferecem óleos e as abelhas que
coletam esse recurso floral formam sistemas coesos
com propriedades peculiares ao nível da comunidade
(Bezerra et al. 2009). Mello et al. (2012), analisando
dados de quarenta artigos sobre interações de flores
de óleo na família Malpighiaceae, em diferentes formações vegetacionais no Brasil, avaliaram o papel
funcional de cada espécie através da métrica conhecida como “papel funcional de rede”, chegando à
conclusão de que espécies de abelhas e de plantas com
ampla distribuição podem ocupar papéis funcionais
distintos em biomas diferentes, já que espécies são
na verdade mosaicos de populações locais com diferentes conjuntos de interações. Além disso, os papéis
funcionais parecem ser influenciados também pelas
condições locais, já que algumas espécies que foram
centrais em um dado bioma mostraram-se periféricas
em outro. Esses estudos podem servir de modelo
para outras análises envolvendo grupos distintos de
flores de óleo.
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Isabel Cristina Machado ⁞
143
Tecidos florais
Em algumas poucas situações, particularmente em
espécies de plantas mais basais, partes florais são
modificadas e servem de alimento para os visitantes
florais. Estas partes florais geralmente possuem grande
quantidade de carboidratos, lipídeos e/ou proteínas
e os visitantes florais podem morder ou raspar estes
tecidos para se alimentarem. Geralmente estas partes
florais modificadas são a base das pétalas ou a ponta
dos estames e derivam de células epidérmicas e parenquimáticas (Willmer 2011).
O consumo destes tecidos requer partes bucais
que são capazes de mastigar, e isto pode ser encontrado em besouros, algumas aves e em poucas espécies
de morcegos. Flores que apresentam tecidos florais
comestíveis geralmente são robustas e com duração
longa. Também é necessário que o visitante seja atraído para longe dos óvulos, para que estas estruturas
não sejam consumidas juntamente com outras partes florais. Bons exemplos de espécies de planta que
apresentam partes florais como recurso para polinizadores são Acca sellowiana (Myrtaceae) (Sazima &
Sazima 2007), Calceolaria uniflora (Scrophulariaceae)
(Sérsic e Cocucci 1996), Myrrhinium atropurpureum
(Myrtaceae) (Roitman et al. 1997) e várias espécies
de Annonaceae (Saunders 2012).
Recursos florais não nutritivos
Para construção de ninhos (resinas, ceras
ou gomas)
Resinas florais são recompensas não nutritivas derivadas de misturas de triterpenos (Armbruster 1981)
e, assim como os óleos florais, são coletadas apenas
por abelhas fêmeas que, neste caso, utilizam esta recompensa na construção da parede dos seus ninhos.
Além da função de impermeabilização, há evidências
144 ⁞ Recursos florais
de que essas resinas tenham ação antibacteriana. São
poucas as espécies que oferecem resina como recompensa floral, sendo esta característica amplamente
ocorrente em, principalmente, três gêneros de angiospermas, Clusia, Clusiella (Clusiaceae) e Dalechampia
(Euphorbiaceae) (Armbruster 1981). Resinas florais são também reportadas em espécies de Mouriri
(Melastomataceae) (Buchmann & Buchmann 1981).
As abelhas coletoras de resinas florais pertencem
principalmente às famílias Megachilidae e Apidae
(tribos Euglossini, Trigonini e Meliponini).
Para funções reprodutivas (fragrâncias)
Os óleos voláteis produzidos por algumas flores ou
inflorescências são um dos principais meios de atração
e de orientação, mas em algumas situações estes óleos
são utilizados como recursos, geralmente relacionados
com a reprodução sexuada de grupos específicos de
animais polinizadores, podendo inclusive interferir
no comportamento desses animais (Williams 1983).
Embora maior atenção tenha sido dada para fragrâncias relacionadas a flores que têm insetos como
polinizadores, principalmente naquelas que envolvem abelhas e, em menor grau, moscas, besouros
e esfingídeos (Williams 1983; Knudsen & Tollsten
1993), alguns trabalhos descrevendo a composição de
odores funcionando como atrativos para mamíferos,
especialmente morcegos, também são encontrados
(Knudsen & Tollsten 1995). Detalhes sobre a função
primária dos óleos florais para atração de polinizadores podem ser encontrados no Capítulo 7.
Local de produção dos odores
florais
Os osmóforos foram primeiramente descritos por
Vogel (1962) e podem ser definidos como glândulas
localizadas de odor e ser encontrados em diversos
locais como inflorescências, brácteas, pedicelos ou em
partes florais como, cálice, corola e anteras (Effmert
et al. 2006). Em flores de Cyphomandra (Solanaceae),
a presença de osmóforos e a liberação de fragrâncias
florais nos conectivos das anteras foram descritas em
detalhe, pela primeira vez, por Sazima et al. (1993).
Na maioria dos casos, a liberação dos voláteis das
células epidérmicas dos osmóforos geralmente se dá
através da membrana plasmática ou cutícula, e não
por poros ou estômatos (Jetter 2006). Descrições
anatômicas originais e localização de osmóforos,
especialmente em Apocynaceae – Asclepiadoideae,
Araceae, e Orchidaceae, bem como as diferenças
com relação às glândulas de óleo produzidas em
partes vegetativas das plantas, podem ser encontradas em detalhe em Vogel (1990c). Os osmóforos são
mais facilmente distinguíveis em flores que emitem
odores fétidos e em algumas orquídeas, nas quais o
odor pode assumir uma forma líquida ou cristalina
em vez de ser difundido como gás (Willmer 2011).
Devido à dificuldade de distinguir estruturalmente
os osmóforos de outras zonas epidérmicas que exalam
odor, o termo tem sido frequentemente usado por
qualquer célula produtora de fragrância (Effmert et
al. 2006). Pólen ou mesmo néctar também podem
exalar odores, algumas vezes diferentes, das outras
partes florais (Willmer 2011).
Odores florais e feromônios
A composição química dos odores florais é explicada
com maiores detalhes no Capítulo 7. O enfoque deste
capítulo é sobre os odores florais que são recursos
para os polinizadores. Assim, os exemplos a seguir
são evidências da utilização das fragrâncias como
recursos.
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Ariadna Valentina Lopes
Os feromônios são voláteis orgânicos liberados
por alguns insetos e que afetam a vida de outros
insetos em atividades variadas como alimentação,
sexo, oviposição, defesa (Harborne 1993). Devido
à dependência dos insetos a esses voláteis para sua
comunicação, estes animais são muito sensíveis aos
compostos similares existentes nas fragrâncias florais. Por este motivo, são conhecidos vários casos
de mimetismo envolvendo os odores florais, sendo
um dos mais extraordinários aqueles denominados
de pseudocopulação, envolvendo espécies do gênero
Ophrys (Orchidaceae) e machos de vespas e de abelhas
solitárias do gênero Andrena (Harborne 1993). Ainda
envolvendo orquídeas, encontramos o caso de várias
espécies que apresentam flores que exalam odores
que atraem machos de diferentes espécies de abelhas
Euglossini, nas Américas Central e do Sul. Mais de
sessenta compostos químicos têm sido encontrados
nessas espécies de orquídeas dos neotrópicos, incluindo eugenol, vanilina, cineol, acetato de benzila
e metil cinamato (Harborne 1993). Para machos de
abelhas Euglossini os constituintes dos odores florais
são considerados atrativos primários (sensu Faegri &
van der Pijl 1980).
Em plantas polinizadas por besouros escarabeídeos, a produção de forte odor acontece no
crepúsculo ou durante a noite, associada com o
comportamento desses insetos (Ervik & Knudsen
2003; Gottsberger 1990; Maia et al. 2012; 2013).
Os voláteis florais podem ter função similar à dos
feromônios também no caso dos besouros, atraindo
e produzindo dependência mútua entre machos e
fêmeas desses insetos e suas plantas (Knudsen &
Gershenzon 2006). Descrições de relações entre
plantas de diferentes famílias que ofertam locais
para acasalamento de seus polinizadores, atraindo através de odores indivíduos florais de ambos
os sexos de grupos de insetos, como besouros
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Isabel Cristina Machado ⁞
145
escarabeídeos e vespas do figo, são bastante conhecidas na literatura (Faegri & van der Pijl 1980;
Willmer 2011).
Recursos e custos – Economia
ambiental da polinização
Embora a polinização seja definida como uma
interação mutualística, sempre há conflito de interesses entre os participantes, para os quais a análise custo-benefício pode funcionar de diferentes
maneiras.
As plantas geralmente necessitam que o transporte intraespecífico do grão de pólen seja eficiente
e com menor custo energético possível. Assim, as
plantas precusam de animais com tamanho corpóreo ou comprimento de probóscide ou língua ideal.
Também é necessário que o animal faça o forrageamento em busca de flores no período e estação
adequados, portanto o visitante floral ideal é aquele
que consegue ter todas as essas características e não
tenha um custo muito alto para manter seus serviços.
De maneira geral, as plantas precisam ajustar
seus recursos para manter os visitantes florais o mais
próximo do lucro líquido, assegurando que o animal
irá se locomover entre o máximo de flores possível.
Por outro lado, os visitantes florais querem o
lucro máximo do forrageamento por um esforço
mínimo. Um visitante floral bem adaptado pretende minimizar os custos de forrageamento, que é
essencialmente medido como tempo gasto com o
deslocamento entre uma flor e outra e com o tempo
gasto na manipulação da flor.
Visitantes florais grandes possuem custos energéticos altos e, às vezes, não é vantajoso para a planta fornecê-los. A manutenção dos visitantes florais
146 ⁞ Recursos florais
pequenos é barata, mas estes não se locomovem o
suficiente para garantir um deslocamento efetivo
do grão de pólen. Além disso, em qualquer classe
de tamanho, se uma flor oferecer grande quantidade de recurso, o visitante floral ficará satisfeito
e não irá se locomover para buscar recursos em
outras flores. Se o recurso for oferecido em pequena
quantidade, o visitante floral também poderá não
ser eficiente, pois irá desistir completamente da
espécie de planta.
O ganho e a perda de calorias parece ser o controle desta interação (polinização) entre planta e visitante
floral; assim, estudos sobre ecologia da polinização
podem ser considerados uma análise clássica de custo-benefício (Willmer 2011).
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Foto: Günter Gerlach
*
Capítulo 7
*
Atrativos
Isabela Galarda Varassin1 e Láercio Peixoto do Amaral-Neto2
1
Departamento de Botânica, Centro Politécnico, Universidade Federal do Paraná – CEP: 81531-980 – Curitiba-PR – Brasil – Caixa
Postal 19031. e-mail: isagalarda@gmail.com
2
Programa de Pós-Graduação em Entomologia, Universidade Federal do Paraná – CEP: 81531-980 – Curitiba-PR – Brasil – Caixa
Postal 19020.
A
maioria das plantas com flores depende de animais para a polinização. No entanto, para que a transferência
de pólen entre diferentes flores da mesma espécie ocorra, é necessário, antes, que os visitantes encontrem
as flores e se aproximem delas. Essa é a principal função dos atrativos florais: sinalizar aos visitantes a presença de
recursos e instigar os animais a realizarem visitas. Diferentemente dos recursos florais, os atrativos geralmente não
são utilizados pelos visitantes, embora existam casos que se situem muito próximos ao limiar entre recurso e atrativo,
como o que ocorre com as abelhas Euglossini. A atração de visitantes precede a visita e pode determinar se uma flor
será ou não polinizada (uma vez que o visitante precisa encontrar e chegar até a flor para que isso aconteça) ou se
uma espécie de planta atrai mais visitantes que outra. Nesse contexto, podem existir espécies que sinalizam honestamente a existência de recursos enquanto outras se valem de mecanismos de atração que atuam sobre o visitante até
mesmo por mecanismos inatos sem, dessa forma, oferecer recursos. Entre os principais sinais utilizados pelas plantas
estão as cores e perfumes das flores, que podem ter evoluído em resposta a pressões evolutivas relacionadas com os
polinizadores e seus diferentes sistemas de percepção. O presente capítulo tem como objetivo mostrar a natureza
dos atrativos florais, sua interação com os visitantes, como estes atuam nos sistemas de polinização e trazer algumas
hipóteses de como estes teriam evoluído a partir de outras funções prévias (pré-adaptação). O foco das discussões
serão as cores e os perfumes florais por serem os atrativos mais importantes, embora outros também sejam discutidos.
152 ⁞ Atrativos
Como as flores atraem os
visitantes
A busca por recursos
A interação entre a flor e os animais que a visitam é estabelecida quando o visitante procura algum recurso,
o que geralmente consiste em busca por alimento para
o próprio indivíduo ou para a sua prole (Westerkamp
1996). Para isso as flores precisam atrair os visitantes
sinalizando a presença de algum tipo de recurso
e, dessa forma, poderem ser polinizadas. Os sinais
enviados pelas plantas devem ser reconhecidos pelos
animais para que a interação ocorra. Neste ponto, o
reconhecimento dos sinais florais é fundamental nas
interações entre plantas e polinizadores (Chittka &
Raine 2006; Farré-Armengol et al. 2013).
O pólen é a mais importante fonte de proteínas
para os visitantes florais (Westerkamp 2004) e provavelmente foi o primeiro recurso disponível nas flores e
utilizado pelos visitantes, atraídos por meio de sinais
visuais e olfativos (Lunau 2006). Acredita-se que as
primeiras flores apresentavam o pólen exposto, tornando fácil o acesso e a visualização deste recurso por
parte dos visitantes (Endress 2001; Endress & Doyle
2009; Thien et al. 2009). Apesar de a maioria das
angiospermas basais (Amborellaceae, Nymphaeaceae,
Austrobaileyaceae, Trimenaceae) apresentar pólen
como recurso, a maior parte das flores polinizadas
por animais utiliza o néctar como principal recurso
para o visitante (Westerkamp 1996). Diferente do
pólen, a apresentação do néctar ao visitante é mais
restrita e sua produção mais barata em termos energéticos para a planta (Westerkamp 2004). Mesmo nas
angiospermas basais, a secreção de néctar ocorre em
estruturas mais internas da flor, na base das pétalas
e tépalas (Endress 2001; Thien et al. 2009). Dessa
forma, a presença de néctar geralmente só pode ser
detectada pela sinalização externa aos visitantes.
O desenvolvimento do perianto (pétalas e sépalas)
durante a evolução das flores apresentou uma vantagem
em relação à proteção dos órgãos reprodutivos (e assim
do pólen) e do néctar contra dessecação. Em contrapartida o perianto restringe o acesso e a visualização
dos recursos florais que servem como atrativos aos
visitantes florais, especialmente em flores com quilha,
com corolas labiadas e tubulares. Dessa forma, as flores
lidam com um dilema: proteger os órgãos florais e ao
mesmo tempo manter as flores atrativas aos visitantes.
Atrativos vs. recursos
As flores utilizam uma série de sinais envolvidos
na atração dos visitantes. Estes sinais se relacionam
principalmente com a maneira como os visitantes
percebem as flores e podem estar associados às características da flor, que incluem, por exemplo, tamanho, simetria, cores e perfumes (Goulson 1999,
2000; Gegear & Laverty 2001; Andersson et al. 2002;
Grindeland et al. 2005). Independente do tipo de
sinal, eles indicam que as flores possuem um recurso.
Esse recurso pode estar realmente presente ou não
(nesse último caso, as flores são conhecidas como
flores de engodo – Capítulo 15) ou a flor pode indicar
muito mais recurso que o realmente disponível, utilizando estruturas que simulam os sinais da presença
de pólen, sem produzi-lo ou o fazendo com baixa
qualidade para a nutrição do visitante (Lunau 2000).
De maneira geral, esses sinais florais que indicam
um recurso (verdadeiro ou não) e atraem os visitantes
são chamados de atrativos florais ou chamarizes.
O atrativo geralmente não é usado pelo visitante (uma
exceção é o perfume – Capítulo 6), por isso não se
deve confundir atrativos ou chamarizes com recursos florais. Enquanto os recursos são consumidos
ou coletados durante a visita às flores, a função dos
atrativos precede a visita e pode determinar se uma
Isabela Galarda Varassin
flor será ou não polinizada, se uma espécie de planta
atrai mais visitantes que outra ou se apenas guiam
os visitantes até o recurso.
Os dois termos sempre foram sobrepostos em
biologia da polinização. No entanto, para uma boa
compreensão dos sistemas de polinização, a distinção
entre atrativos e recursos é importante, pois estes
atuam de maneira diferente nas escolhas efetuadas
pelos visitantes florais. Faegri & Pijl (1971) dividem
os atrativos em: primários, aqueles que satisfazem
uma demanda fisiológica dos visitantes por comida
(onde estariam incluídos o pólen e o néctar), calor
entre outros; e secundários, que emitem sinais detectados pelos sentidos dos visitantes (cor e perfume).
Embora a distinção seja a mesma adotada neste livro,
preferimos o uso dos termos recurso (no lugar de
atrativos primários) e atrativos (em vez de atrativos
secundários) para uma mais clara distinção entre estes.
Os atrativos podem garantir a constância floral
por meio da identificação de flores com características
semelhantes de cor ou de flores com um conjunto
distinto de características morfológicas, tornando
certas espécies mais facilmente distinguíveis em uma
matriz (Goulson 2000; Gegear & Laverty 2001).
Também possuem um papel definitivo nos sistemas
de polinização por engodo: 1) quando o atrativo está
presente em uma flor na qual o recurso não existe
(Capítulo 15); 2) nos casos de mimetismo de pólen,
quando há sinais associados à presença de pólen mesmo que o recurso não esteja presente ou o acesso a este
seja restrito (Lunau 2006); 3) atuando como filtros,
atraindo apenas visitantes específicos. Os recursos
florais, por outro lado, garantem a subsistência dos
visitantes e, em alguns casos, de sua prole.
Nem sempre a distinção entre recurso e atrativo
é tão clara. Em Amborella e, possivelmente, na flor
ancestral das angiospermas (Endress 2001; Thien et
♦
Láercio Peixoto do Amaral-Neto ⁞
153
al. 2009), o pólen é utilizado ao mesmo tempo como
atrativo (emitindo sinal visual) e como recurso (os visitantes consomem o pólen). O perfume nas interações
com abelhas coletoras de perfumes (Euglossini) também
atua da mesma forma. O mais importante é lembrar que
os termos atrativos e recursos não são excludentes, mas a
compreensão do papel empregado de um determinado
fator (pólen, néctar, perfume, cor) na interação é fundamental para o entendimento do sistema em estudo.
Para ser efetivo, um atrativo precisa iniciar de
maneira direta ou indireta uma cadeia de reações no
aparato sensorial do visitante: uma cor ou perfume
específico captado pelos sentidos dos visitantes inicia
uma reação que indica que em um determinado local pode ser encontrado alimento. Antes mesmo das
experiências individuais dos visitantes com as flores
naturais, os visitantes florais ingênuos (que nunca
visitaram flores antes) precisam distinguir fontes potenciais de alimento de outros objetos (Giurfa et al.
1995). O reconhecimento floral é principalmente
mediado pela visão de cores e pelo olfato, portanto
estes traços florais possuem os papéis mais importantes na atração dos polinizadores (Kunze & Gumbert
2001; Chittka & Raine 2006). Mesmo depois que
o visitante encontra a flor, esta ainda apresenta sinais que o guiam em direção ao recurso, sejam estes
guias mecânicos, visuais ou mesmo táteis (Lunau &
Maier 1995; Westerkamp & Classen-Bockhoff 2007).
Devido à importância das cores e perfumes florais
como atrativos, nas próximas seções focaremos estes
dois aspectos das flores.
Cores
Entre os atrativos visuais das flores estão a cor e a forma (inclusive o tamanho). Uma vez que a maioria dos
visitantes depende, em maior ou menor grau, da visão
para encontrar as flores (Capítulo 19), a aquisição de
154 ⁞ Atrativos
sinais visuais nas flores foi evolutivamente fundamental para o estabelecimento das interações. No entanto
as cores nas flores não apresentam apenas a função
de atração. Elas contribuem para a constância floral
dos visitantes por facilitar a distinção entre espécies
diferentes (Chitka et al. 2001), permitem que flores com menos ou nenhum recurso recebam visitas
por mimetizar flores mais atrativas (Heinrich 1975)
(Capítulo 15), atraem grupos de visitantes específicos
que seriam polinizadores mais prováveis (Faegri &
Pijl 1971), entre outras funções.
Composição e evolução
Os flavonoides formam a classe mais comum de
pigmentos que conferem cor às flores e compreendem
um amplo espectro que vai do amarelo ao vermelho,
violeta e azul. Estes pigmentos são quase exclusivamente localizados nas células da epiderme (Tanaka &
Brugliera 2006). O segundo grupo mais importante
é o dos carotenoides, que conferem principalmente
a cor amarela, mas também laranja e vermelho, e se
localizam em grande parte nos plastídios (Harborne
1988; Tanaka & Brugliera 2006). O terceiro grupo, o
menos abundante dos três, corresponde às betalaínas,
que contribuem para as tonalidades esbranquiçadas,
amareladas, alaranjadas, avermelhadas e violáceas
(Tanaka & Brugliera 2006), e está circunscrito taxonomicamente dentro de Caryophyllales. A cor
branca também poder ser o resultado de múltiplas
reflexões no espaço intercelular entre células sem
pigmentos (Faegri & Pijl 1971). As cores podem ser
formadas por combinações destes pigmentos, como
vermelho-alaranjado, bronze e marrom, que resultam
de carotenoides agindo em conjunto com flavonoides
(Tanaka & Brugliera 2006).
Uma hipótese para a evolução desses pigmentos aponta na direção de pleiotropia – seleção
indireta em caracteres geneticamente correlacionados –
e pré-adaptação – nova função para uma característica
que já existia anteriormente (Armbruster 1997). Por
exemplo, a cor amarela nos guias de néctar e pétalas das
flores, resultante de flavonoides e carotenoides, pode ser
um reflexo das adaptações e pressões seletivas devidas
à preferência de visitantes florais por estes pigmentos,
tendo sido adquirida enquanto forrageavam em busca
de pólen nas flores ancestrais (ver, no Capítulo 19, uma
discussão completa sobre a seleção desta cor).
As antocianinas, pertencentes ao grupo dos flavonoides, são os pigmentos florais mais comuns nas
angiospermas e também estão associadas à tolerância a
diversos tipos de estresse. Por exemplo, as antocianinas
podem se expressar em diferentes tecidos da planta,
como caule e folhas, aumentam a tolerância contra
desidratação, calor ou frio excessivo, fotoinibição
causada por excesso de luminosidade, e apresentam
uma fraca atividade protetora contra raios ultravioleta
nocivos e ainda contra patógenos, como fungos e
outros micro-organismos (Chalker-Scott 1999; Lee
& Gould 2002; Strauss & Whittal 2006; Tanaka &
Brugliera 2006). A expressão de pigmentos baseados
em antocianinas em diferentes tecidos vegetais para
aumentar a resistência ao estresse e a pressão seletiva
para aumentar a atratividade das flores podem ter
levado à seleção indireta da expressão desses pigmentos nas pétalas, influenciando a coloração das flores
ou mesmo criando uma nova trajetória evolutiva
relacionada à atração de visitantes (Armbruster 1997;
Strauss & Whittal 2006).
Cores e visitantes florais – Evolução e
função ecológica
Embora outras causas sejam sugeridas para explicar
a variação de cores e padrões nas flores, é certo que a
interação com os visitantes florais exerceram a maior
Isabela Galarda Varassin
pressão seletiva dessas características, assim como o
fazem para outras características florais (Fenster et al.
2004; Strauss & Whittal 2006; Tanaka & Brugliera
2006). A diversidade de cores das flores (e perfumes,
os quais serão tratados nas próximas seções) pode
ser entendida então como reflexo destas associações
históricas entre plantas e polinizadores. O caso mais
clássico dessa associação é a coloração vermelha de flores
visitadas por pássaros. Embora a relação entre esta cor
e a polinização por pássaros exista, ela não é exclusiva,
pois as aves são polinizadores efetivos de flores com outras cores e aparentemente não apresentam preferências
por esta cor específica. Além disto, as abelhas podem
de fato visitar e reconhecer flores vermelhas (Lunau
& Maier 1995; Chittka & Waser 1997; RodríguezGironés & Santamaría 2004; Cronk & Ojeda 2008),
no entanto, devido a diferenças no sistema de detecção
de imagens dos visitantes (Capítulo 19), as aves possuem
uma facilidade maior em distinguir flores vermelhas
que as abelhas. Dessa forma, as abelhas gastariam
muito mais tempo (e energia) forrageando em busca
de flores vermelhas. Algumas flores que detectamos
como vermelhas podem parecer azuis, ultravioletas
ou verdes para as abelhas (Cronk & Ojeda 2008) devido a diferentes padrões de reflectância (Lunau et al.
2011). Dessa forma, em uma comunidade com flores
vermelhas e azuis as abelhas conseguem detectar mais
facilmente flores não vermelhas e exibem uma preferência por estas, causando uma redução nos recursos
disponíveis nas flores azuis. Por outro lado, os pássaros
passariam a visitar com mais frequência as flores vermelhas, não por serem preferidas por eles, mas pela
diminuição da competição com as abelhas, levando
a uma divisão de nicho na comunidade (RodríguezGironés & Santamaría 2004). Assim, a cor vermelha
pode estar associada com o aumento da detecção por
parte dos pássaros ou com a diminuição da detecção
por parte das abelhas – ou ambos (Rodríguez-Gironés
& Santamaría 2004).
♦
Láercio Peixoto do Amaral-Neto ⁞
155
Uma visão complementar é a de que as flores
divergem nos padrões de sinais para promover a
constância floral. Goulson (2000) demonstrou que
abelhas forrageando por flores amarelas específicas
em uma matriz com outras flores da mesma cor levam
em média o dobro do tempo para encontrá-las em
comparação com quando estas flores são apresentadas sozinhas, com a folhagem verde como fundo. Chitka et al. (2001) observaram que as abelhas
mantêm uma constância maior durante as visitas
quanto mais diferentes são as cores entre as flores
apresentadas. Da mesma forma, quanto mais características morfológicas variam entre as flores (cor,
tamanho, complexidade), mais as abelhas parecem
exibir preferência por um conjunto de características
(Gegear & Laverty 2001).
Cores e visitantes florais – Preferências
Como discutido anteriormente, as características aqui
apresentadas se referem a casos gerais de cada grupo de
polinizadores. Os exemplos se baseiam em interações
mais gerais para grandes grupos taxonômicos, e um
resumo de como os atrativos estão relacionados com
os principais grupos de polinizadores é mostrado na
Fig. 7.1. Existe uma série de casos mais específicos
de interações que não se enquadram nos termos discutidos, não sendo, portanto, o foco neste capítulo.
Abelhas
As abelhas são, de longe, os polinizadores mais bem
estudados quanto a fisiologia e mecanismos relacionados à visão, bem como a preferências por cores
(Capítulo 19). Estes visitantes também divergem
bastante quanto ao padrão de comportamento e utilizam uma série de fatores para escolherem as flores
que visitam, como quantidade de recurso disponível,
156 ⁞ Atrativos
Figura 7.1 Relações entre os grupos de polinizadores e os atrativos. A figura mostra as interações mais comuns entre os grupos,
embora possam existir exceções. A associação entre perfume floral e vespas não é clara, por isso não fizemos uma associação,
embora aparentemente estas visitem flores com características semelhantes aos dois grupos de moscas.
tempo de manipulação da flor e energia gasta durante
o forrageio (Goulson 1999; Gegear & Laverty 2001;
Cakmak et al. 2009).
Experimentos de múltipla escolha para testar
as preferências inatas (innate preferences – refere-se à
preferência apresentada pelo visitante antes da experiência ou treinamento em um determinado padrão)
de abelhas quanto à escolha de flores (cores e padrões)
revelam que estas apresentam as seguintes preferências (a numeração não indica ordem de preferência,
apenas diferentes padrões): 1) padrões com menos
repetições (Lehrer et al. 1995) (Fig. 7.2 A); 2) padrões
radiais em detrimento de padrões circulares (Lehrer
et al. 1995) (Fig. 7.2 B); 3) padrões com simetria
bilateral em detrimento da assimetria (Lehrer et al.
1995; Rodríguez et al. 2004) (Fig. 7.2 C); 4) cores
de maior pureza de espectro e flores brancas que
absorvem o ultravioleta (Lunau et al. 1996, 2011)
(Fig. 7.3). Estes padrões são os mesmos observados
em flores naturais visitadas por abelhas. Na maioria
dos casos as flores visitadas por abelhas variam na
faixa do amarelo-rosa-violeta-azul, que são cores mais
atrativas para estes visitantes, possuem guias de néctar
e muitas têm simetria bilateral (Westerkamp 1997;
Westerkamp & Classen-Bockhoff 2007).
A cor vermelha das flores sempre foi referida como
“invisível” para abelhas, no entanto vários experimentos e observações demonstram que esses visitantes não
apenas usam recursos em flores com essa coloração,
como alguns exibem certa preferência por esta cor
(Chittka & Waser 1997; Chittka et al. 2001). Por
exemplo, a abelha Callonychium petuniae Cure &
Isabela Galarda Varassin
♦
Láercio Peixoto do Amaral-Neto ⁞
157
C
Figura 7.2 Experimentos de múltiplas escolhas para testar preferências
inatas. (A) Preferência por padrões
com menos repetições em detrimento de mais repetições e (B) por
padrões radiais em detrimento de
padrões randômicos e circulares. As
porcentagens indicam a frequência
com que os padrões foram escolhidos. Figura adaptada de Lehrer et
al. (1995). (C) Escolha entre padrões assimétricos “a” e simétricos
“s”. Figura adaptada de Rodríguez
et al. (2004). (D) Preferências por
cores (barras coloridas) e por cores
+ guia de néctar (barras amarelas)
em números de indivíduos que se
aproximam. A linha indica quantas
das aproximações na flor resultaram
em contato por meio da antena nos
guias de néctar (figura cedida por
Klaus Lunau).
Wittmann, 1990 é especializada em visitar flores
vermelhas e usa a cor para distinguir as flores de sua
preferência (Peitsch et al. 1992). Chittka et al. (2001)
testaram a preferência de cores em diferentes espécies
de Bombus Latreille, 1802 e observaram que algumas
espécies ou populações exibem uma preferência maior
por cores vermelhas que por cores azuis. Lunau et al.
(2011) demonstraram que muitas flores vermelhas e
brancas, que não seriam cores muito atrativas para
abelhas, diferem em seus padrões de reflectância de
ultravioleta. Estes autores observaram que as abelhas
exibem forte preferência por flores vermelhas que
refletem e brancas que absorvem o ultravioleta.
alguns casos, estes visitantes procuram por atrativos
visuais quando estão a curta distância (Seymour &
Schultze-Motel 1997; Weiss 2001). Dessa forma, a
maioria das flores polinizadas por besouros possui
poucos atrativos visuais e predominam as cores pálidas, esbranquiçadas e esverdeadas.
A
B
D
Besouros
Entre os besouros o odor e a temperatura floral parecem os atrativos mais importantes e, em apenas
Moscas
“Moscas” é um termo genérico para se referir a várias
famílias de Diptera, e estas apresentam uma série
de hábitos diferentes. Entre as espécies que visitam
flores, podemos identificar dois grupos: aquelas que
se alimentam de néctar e pólen e as moscas saprófitas,
que são atraídas às flores por engano (sapromiiofilia).
As moscas do primeiro grupo preferem flores amarelas, rosas, violetas, azuis e brancas, em alguns casos,
com guias de néctar. Pela semelhança das preferências
158 ⁞ Atrativos
com as abelhas, as flores visitadas por estas moscas
são funcionalmente incluídas na síndrome de melitofilia (Fenster et al. 2004; Freitas & Sazima 2006).
As flores visitadas por moscas saprófitas, por outro
lado, possuem cores escuras, marrons e vermelho
escuro, e são mais atraídas pelo forte odor dessas
flores (Faegri & Pijl 1971; Weiss 2001). As cores contribuem para a mimetização de matéria orgânica em
decomposição, onde essas moscas geralmente põem
seus ovos, caracterizando esse tipo de polinização
como “polinização por engodo”.
Borboletas e mariposas
A principal distinção entre estes dois grupos de visitantes florais é etológica: enquanto a maioria das
borboletas é diurna, a maior parte das mariposas é
noturna. Dessa forma, as cores das flores refletem
estes comportamentos. As flores que são visitadas por
borboletas e mariposas diurnas variam no espectro
do amarelo, azul, vermelho e laranja. Geralmente
possuem guias mecânicos para o néctar, mas podem apresentar guias visuais (Faegri & Pijl 1971;
Weiss 2001). Para visitantes noturnos o perfume
floral parece o atrativo mais importante e as flores
são normalmente brancas e outras cores pálidas, sem
guias de néctar, uma vez que usam o contorno da
flor (contraste entre branco e preto) para encontrar
o néctar (Faegri & Pijl 1971).
Aves
O hábito nectarívoro surgiu várias vezes em grupos diferentes entre as aves, sendo estas representadas nas Américas, principalmente pela família
Trochilidae (beija-flores), na África e Ásia, pela família Nectariniidae, e pela família Meliphagidae
na região da Austrália e Nova Zelândia (Faegri &
Pijl 1971; Ford 1985; Nicolson 2002). As flores polinizadas por aves possuem geralmente cores vivas,
variando no espectro do vermelho e laranja, embora
algumas possam ser brancas (ver discussão anterior
e Capítulo 19).
Alterações na morfologia floral e forma dos guias
de néctar podem influenciar a mudança do grupo
principal de polinizadores. A presença ou ausência
de carotenoides altera a cor da flor de Mimulus e foi
demonstrado que beija-flores mostravam preferência
por flores amarelo-alaranjadas, enquanto abelhas do
gênero Bombus preferiam flores rosa escuro (Bradshaw
& Schemske 2003). Em populações de Mimulus
luteus, polinizadas principalmente por abelhas, as
flores possuem corolas de tamanho maior e flores
com guias de néctar menores que em locais onde os
beija-flores são mais abundantes (Medel et al. 2007).
Isto pode refletir a importância e preferência de cada
morfotipo de cada um dos tipos de polinizadores.
Morcegos
As cores das flores polinizadas por morcegos geralmente são esverdeadas, esbranquiçadas, amarronzadas ou marrom-avermelhadas e nunca brilhantes.
Algumas vezes as flores são brancas, provavelmente
derivadas de flores originalmente polinizadas por
mariposas. Da mesma forma, as cores avermelhadas ou marrom-avermelhadas podem indicar flores
anteriormente polinizadas por pássaros. Cores esverdeadas e marrons provavelmente tornam as flores
mais discretas para visitantes que dependem mais da
visão, como algumas mariposas e pássaros (Winter
& von Helversen 2001). Apesar de os morcegos aparentemente não utilizarem as cores diretamente como
atrativos, o contraste entre as cores esbranquiçadas das
flores e a folhagem durante a noite tornam as flores
mais detectáveis e a maioria das flores polinizadas por
Isabela Galarda Varassin
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Láercio Peixoto do Amaral-Neto ⁞
159
morcegos se projeta para fora da folhagem (ou floresce
quando as árvores perdem as folhas), tornando mais
fácil sua visualização (Faegri & Pijl 1971; Winter &
von Helversen 2001).
Guias de néctar
Muitas das flores não apresentam apenas uma cor
como atrativo, mas, sim, um padrão de cores incluindo uma área maior e uma menor, com cores
diferentes. Algumas flores apresentam ainda linhas,
pontos ou marcas que convergem desde a abertura
da corola até o recurso. Estes sinais são chamados de
guias de néctar e são importantes após a aproximação
dos visitantes, guiando-os até o recurso, ajudando no
reconhecimento da flor e na orientação do visitante
(Heuschen et al. 2005; Lunau et al. 2009; Owen &
Bradshaw 2011; Hansen et al. 2012).
Alguns experimentos demonstram que abelhas
do gênero Bombus e moscas apresentam preferências
por flores com guias em detrimento daquelas sem
guias de néctar (Lunau et al. 2009; Hansen et al.
2012). O contraste entre a cor da corola e a cor de
fundo ou entre a corola e os guias de néctar também
influencia essa preferência (Lunau et al. 1996) (Fig.
7.3). Essas preferências provavelmente estão relacionadas à facilitação na identificação entre diferentes
espécies de plantas, mas principalmente à diminuição
do tempo gasto manipulando a flor antes de obter o
recurso (Leonard & Papaj 2011).
A ausência de guias em flores mutantes de
Mimulus lewisii reduz em cerca de 20% o número
de visitas a essas flores quando em comparação com
as flores normais em que os guias estão presentes
(Owen & Bradshaw 2011). Outro efeito interessante
dos guias de néctar é que eles aumentam a frequência de visitas “legítimas” em flores artificiais por
Figura 7.3 Técnica de head-space exibindo uma flor de Passiflora
edulis envolvida em uma câmara de aeração associada com
uma coluna de vidro (seta) empacotada com resina super Q.
reduzirem o tempo de manipulação das flores em
relação ao roubo de néctar em furos na base da flor
(Leonard et al. 2013).
Perfumes
Insetos dependem de estímulos olfativos para várias
funções, como alimentação e reprodução, tendo desenvolvido um sistema olfatório especializado (Wright
& Schiestl 2009). O mesmo ocorre com vertebrados noturnos, nos quais os sinais visuais passam a
160 ⁞ Atrativos
ter menor importância. Os perfumes florais podem
atrair, ter papel neutro na atração ou repelir animais,
selecionando, assim, seus potenciais polinizadores.
Quando envolvidos na atração, os perfumes florais
podem sinalizar presença de alimento (pólen ou néctar) e local para oviposição ou para cópula (Pellmyr
& Thien 1986).
Evolução dos perfumes florais
A semelhança entre as moléculas dos perfumes florais
e moléculas inibidoras de herbivoria em Cycadales
baseou o argumento de que os perfumes evoluíram a
partir de inibidores de herbivoria (Pellmyr & Thien
1986). Esta relação ainda é apoiada por outras associações, a exemplo do uso das flores como local de
cópula e de desenvolvimento larval em gimnospermas
e angiospermas basais (Pellmyr & Thien 1986), resultando em polinização ocasional, além do consumo
de pólen de gimnospermas por insetos (Labandeira
1998). O fato de os perfumes florais constituírem um
sinalizador mais potente que as cores, em função de
serem aprendidos mais rapidamente e memorizados
por mais tempo por abelhas (Kunze & Gumbert
2001), ou por serem muitas vezes o sinal-chave percebido pelos polinizadores (Schiestl 2005), apoia a
ideia de que talvez tenham precedido as cores na
atração de polinizadores (van der Pijl 1960).
Além disso, há casos em que as moléculas que
compõem os perfumes florais são semelhantes aos
feromônios de abelhas (Borg-Karlson 1990) e, em
alguns casos, os perfumes florais poderiam ser considerados miméticos, como em flores que mimetizariam
perfumes de ninhos de abelhas Euglossini, alimentos
em decomposição atraindo moscas ou feromônios de
agregação em colônias de morcegos (Lunau 1992).
Nestes casos, sinais que são considerados miméticos
atuariam sobre um sistema de comunicação ancestral
(feromônios de agregação, por exemplo), de forma
que o novo sinal (perfume floral), do ponto de vista
evolutivo, seria recebido por estes receptores ancestrais, integrando um novo sistema de sinalização
(atração floral) (Lunau 1992).
Este cenário explicaria a presença de várias
moléculas muito comuns nos perfumes florais e
compartilhadas por espécies não aparentadas filogeneticamente. Além disso, perfumes florais podem
ter função tanto atrativa de visitantes florais obrigatórios quanto defensiva, repelindo visitantes florais
facultativos (Junker & Blüthgen 2010), indicando
que a sinalização por perfumes é um contínuo nas
interações antagonistas-mutualistas.
Composição e rotas biossintéticas
Os perfumes são moléculas lipofílicas de baixo peso
molecular e que, portanto, volatilizam-se no espaço
rapidamente. Os perfumes florais são uma mistura
complexa de moléculas que se originam de diversas
rotas biossintéticas, como os derivados de ácidos
graxos (rota biossintética do ácido malônico), benzenoides e fenilpropanoides (rota biossintética do
ácido shiquímico), isoprenoides (rota biossintética
do ácido mevalônico), compostos nitrogenados e
contendo enxofre, além de compostos de cadeia cíclica de origens biossintéticas diversas (Knudsen et
al. 1993, 2006). Para uma ideia da diversidade de
moléculas envolvidas na formação dos perfumes,
Knudsen et al. (2006) apresentam uma lista de 1.719
compostos químicos encontrados em perfumes florais
pela técnica de head-space. Esta técnica consiste em
adsorver os perfumes lançados na microatmosfera
saturada da flor em um substrato, resina ou carvão
ativado, em colunas de vidro (Fig. 7.4). Boa parte
desta diversidade química está restrita ao estudo de
poucas famílias de angiospermas, com Orchidaceae,
Isabela Galarda Varassin
abrangendo quatrocentas e dezessete das novecentas
e noventa e uma espécies estudadas quimicamente
(Knudsen et al. 2006).
A expressão fenotípica de um determinado perfume parece ser controlada mais por fatores regulatórios
na expressão gênica do que pela presença de genes
específicos, apesar de eles ocorrerem (Dudareva &
Pichersky 2000), tornando mais compreensível a
capacidade modulatória na emissão de perfumes
pelas plantas e sua labilidade filogenética (Schiestl
& Johnson 2013). De fato, espécies aparentadas podem tanto apresentar como não apresentar perfumes
(Dudareva & Pichersky 2000), assim como podem
apresentar composições bastante distintas, o que
♦
Láercio Peixoto do Amaral-Neto ⁞
161
já foi relacionado com os polinizadores associados
(Knudsen & Tollsten 1995; Varassin et al. 2001). Por
outro lado, espécies não aparentadas podem exibir
uma composição química de perfume semelhante,
indicando a possibilidade de convergência evolutiva
de perfumes associada a grupos particulares de polinizadores (Whitten et al. 1986; Knudsen & Tollsten
1995; Andersson et al. 2002; Riffell et al. 2012).
Esta convergência pode ser bastante direcional: flores
de figueira exibem uma especificidade quanto aos
seus polinizadores mediada por um único composto
químico, o 4-metilanisol, capaz de atrair unicamente vespas (Chen et al. 2009), assim como plantas
polinizadas por machos de Euglossini apresentam
uma molécula bem particular, o óxido de carvona
Figura 7.4 A emissão de escatol em Araceae evoluiu a partir de seleção devido a habilidades cognitivas dos besouros que antecedem a interação com flores. A emissão de escatol é um sinal chave, pois é usualmente emitido por excrementos e atrai besouros
rola-bosta. Neste exemplo, três gêneros de Araceae Amorphophallus, Sauromatum e Arum (de cima para baixo) emitem escatol
(ramos composto de pontos na filogenia à esquerda). O painel da direita mostra a reconstrução da preferência por escatol (ramos
composto de traços na filogenia à direita) por besouros escarabeídeos. A figura representa o gênero Heliocopris que poliniza as
aráceas que mimetizam o perfume de excrementos em Amorphophallus, Sauromatum e Arum. As filogenias sugerem que a preferência por escatol nos besouros evoluiu a ao menos 150 MA, enquanto a presença de escatol nas plantas é relativamente recente,
60 MA (figura modificada a partir da cedida por Florian P. Schiestl).
162 ⁞ Atrativos
(Whitten et al. 1986). De outro modo, variações
geográficas em escala continental na convergência
de perfumes florais, como o retratado em plantas
polinizadas por borboletas (Andersson et al. 2002),
podem refletir processos históricos relacionados a
histórias biogeográficas distintas.
Os perfumes variam bastante nas flores e, grosso
modo, correspondem às preferências de determinados
grupos de polinizadores. Por exemplo, perfumes que
nos são desagradáveis são encontrados em perfumes
florais de plantas polinizadas por morcegos, que comumente apresentam compostos com enxofre e derivados de ácidos graxos (Knusdesn & Tollsten 1995;
von Helversen et al. 2000). Plantas polinizadas por
insetos como dípteros possuem compostos aminados
que apresentam perfume de matéria orgânica em
decomposição, as diaminas (Harborne 1988). Além
disso, as monoaminas conferem cheiro de peixe e
ácidos alifáticos, cheiro rançoso (Harborne 1988).
Por outro lado, os perfumes agradáveis são conferidos
majoritariamente por mono- e sesquiterpenos, mas
também por outros compostos aromáticos (Harborne
1988), e estão associados com a atração de abelhas ou
mariposas (Knudsen et al. 1993). De qualquer forma,
o perfume é conferido pelo bouquet composto por
várias moléculas e a presença de um composto pode
reforçar a efetividade de outro no reconhecimento
do perfume (Harborne 1988).
Perfumes como atrativos na polinização
O uso da informação olfativa no reconhecimento
floral vai além de um simples sinal que atrai polinizadores e, assim como as cores, também promovem
a constância floral dos visitantes.
Já foi descrito que certos polinizadores, como
para a mariposa Manduca sexta (mandrová-do-fumo
ou lagarta da folha do fumo), exibem preferências
olfativas inatas, mas também podem aprender a reconhecer, por meio de novos estímulos olfativos,
novos recursos florais (Riffell et al. 2008, 2012).
Isto, segundo Riffell et al. (2008, 2012), funcionaria
como um mecanismo através do qual um polinizador
especialista poderia manter uma associação com um
determinado fenótipo floral e, ao mesmo tempo, ter
uma flexibilidade comportamental que permitiria o
uso de outros recursos em uma paisagem em constante mudança.
Em abelhas, o aprendizado sobre a oferta de
recursos na paisagem dinâmica pode se dar durante
eventos de trofalaxia, ou seja, quando há transferência de alimento ingerido por um indivíduo para
outro através de regurgitação. Neste caso há troca
de informações olfativas com a colônia, facilitada
pela habilidade de associar um perfume específico
presente no alimento (néctar) com o recurso que
deve ser encontrado ou explorado (Gil & De Marco
2005). Esta troca induz a uma memória olfativa de
curto e de longo prazo que pode ser retida por vários dias (Gil & De Marco 2005) e que permitiria
que as abelhas voltassem a visitar as mesmas plantas
em dias subsequentes (Wright & Schiestl 2009).
Em espécies que não utilizam esse mecanismo de
alimentação (trofalaxia), o aprendizado pode se dar
por quimiorrecepção por contato (paladar) ou por
quimiorrecepção a longa distância (olfato) com o
aporte de néctar perfumado para o ninho (Molet
et al. 2009).
Inato ou aprendido, é importante que os perfumes sejam um sinal confiável para que funcionem
no reconhecimento floral e que reflitam a presença
de recursos florais. Na maioria das vezes os perfumes
são emitidos pelos verticilos florais, especialmente
pétalas (Farré-Armengol et al. 2013), mas eventualmente os próprios recursos podem ser perfumados,
Isabela Galarda Varassin
como néctar e pólen (Dobson & Bergström 2000).
Nesta situação, o animal teria a possibilidade de
avaliar a quantidade de recursos através da quantidade de perfume emitido (Dobson & Bergström
2000). A presença de perfume no néctar e nos grãos
de pólen foi associada com diversas funções: 1) atração em plantas polinizadas por animais; 2) inibição
de herbivoria; e 3) atividade antibiótica (Dobson
& Bergström 2000; Farré-Armengol et al. 2013).
Nesses recursos o perfume presente provavelmente
se deve à absorção deste pelo ar circundante da própria planta, sendo retido seletivamente pelo néctar
(Farré-Armengol et al. 2013), pelo pólen ou pollenkit
(Dobson & Bergström 2000).
A produção de perfumes pode estar associada
com a aptidão da planta, uma vez que flores que
produzem mais perfume apresentam maior produção
de sementes (Majetic et al. 2009). Por outro lado, as
abelhas também podem aprender a associar perfumes
com a ausência de recurso (Wright & Schiestl 2009),
evitando visitar estas flores.
♦
Láercio Peixoto do Amaral-Neto ⁞
163
de perfumes que inibem a visitação floral, como
parece ser o caso de monoterpenos, éteres e cetonas
repelindo visitantes florais facultativos (Junker &
Blüthgen 2010).
A sinalização e o reconhecimento floral podem
ser mediados pelo próprio polinizador, que, ao deixar
pegadas olfativas (footprints) nas flores, indica uma
flor recém-visitada (Eltz 2006; Saleh et al. 2006).
Os estudos de footprints foram realizados com abelhas do gênero Bombus (Eltz 2006; Saleh et al. 2006;
Wilms & Eltz 2008), cujas pegadas compostas por
hidrocarbonetos presentes no tarso ficam retidas por
pelo menos duas horas nas flores (Eltz 2006). Assim,
abelhas evitariam visitar flores recém-visitadas com
pouco recurso a oferecer. Interessante notar que o
reconhecimento das flores neste caso não é afetado
pela adição experimental de recurso em flores, como
testado em experimentos conduzidos por Wilms &
Eltz (2008), indicando que a sinalização química
percebida através destas pegadas é o que, de fato,
afeta o comportamento dos animais, e não a presença
de recurso.
Perfumes como filtros e footprints
Apesar da complexidade da composição dos perfumes
florais, algumas espécies podem exibir compostos
que atraem polinizadores bastante especializados
(Whitten et al. 1986; Chen et al. 2009), assim como
podem ter compostos que repelem visitantes florais
facultativos (Junker & Blüthgen 2010), como mencionado anteriormente. A filtragem de visitantes florais
então poderia se dar pelo uso de canais privados
(sensu Schaefer et al. 2004) de reconhecimento floral
associado com um polinizador específico. Estes canais
privados funcionariam atraindo alguns polinizadores
alvo, não sendo reconhecidos por polinizadores não
alvo (Schaefer et al. 2004). Por outro lado, a filtragem de visitantes florais poderia se dar pela presença
Perfumes e cores como estímulos
multimodais
Apesar de haver animais mais olfativamente orientados e outros mais visualmente orientados, ao menos
em abelhas (Kunze & Gumbert 2001) e mariposas
(Raguso & Willis 2002), ambos os sinais – perfumes
e cores – são percebidos como estímulos. Muitas vezes
o uso combinado de informações visuais e olfativas
favorece o reconhecimento rápido e a memorização
de recursos pelos animais (Kunze & Gumbert 2001),
que podem ter um efeito, se não sinérgico (Kunze
& Gumbert 2001; Raguso & Willis 2002, 2005),
ao menos complementar (Couto-Pereira et al. 2011).
164 ⁞ Atrativos
A maior parte dos estudos sobre sinais olfativos
e visuais em insetos foi realizada com abelhas do
gênero Bombus e com Apis mellifera Linnaeus, 1758
e indicam que estas abelhas discriminam melhor
sinais olfativos. Porém, na abelha Hoplitis adunca
Panzer, 1798, uma espécie solitária e oligolética de
Megachilinae, o reconhecimento visual é mais importante (Burger et al. 2010). Em função da possibilidade
de troca de informações por trofalaxia ou por contato
com recursos perfumados (Gil & De Marco 2005;
Molet et al. 2009), é possível imaginar que o grau
de sociabilidade possa estar relacionado com estas
distintas habilidades.
Através da integração de vários estímulos, animais como abelhas e mariposas apresentam maior
constância floral que quando confrontados com um
único sinal (Gegear 2005), visitando consequentemente mais flores (Raguso & Willis 2002, 2005;
Burger et al. 2010). Assim, a integração dos estímulos
afeta a habilidade de discriminar e aprender (Kunze
& Gumbert 2001).
Sinais que vão além da flor: display
floral
Além da sinalização apresentada pela flor como unidade de atração, as flores de uma inflorescência ou
de um indivíduo (display floral – conjunto de flores
abertas em um dado indivíduo em um dado intervalo
de tempo – sensu Ohashi & Yahara [2001]) podem
atuar de forma conjunta na atração de polinizadores.
Apesar de muitas vezes o display floral ser discutido
em função da sua relação com disponibilidade de
recurso e padrões de forrageio (Ohashi & Yahara
2001), a preferência por maiores displays florais pode
também estar associada com a habilidade cognitiva
dos polinizadores ou a melhor detecção de objetos
(Schiestl & Johnson 2013).
Em geral, há uma relação positiva entre tamanho
do display floral, atração de polinizadores à planta
e número de flores visitadas por planta (Ohashi &
Yahara 2001). Apesar do efeito positivo do display
floral na atração de polinizadores, esta atração pode
ser acompanhada por um decréscimo na proporção
de flores abertas visitadas (Mitchell et al. 2004).
Dessa forma, uma planta com mais flores poderia
apresentar a mesma taxa de visitação em números
absolutos, porém com uma proporção menor de flores
visitadas. Como resultado, a taxa de visitação por
flor poderia aumentar (Andersson 1991), diminuir
(Andersson 1988; Klinkhamer & De Jong 1990)
ou mostrar uma relação constante com o tamanho
do display floral (Mitchell et al. 2004; Ohashi &
Yahara 2002).
Por outro lado, a densidade das plantas afeta a
relação entre tamanho do display floral e os padrões
de visitação de polinizadores tanto quantitativamente
(número de visitas) (Grindeland et al. 2005) quanto
qualitativamente, pela mudança de composição de
espécies visitantes (Essemberg 2013). Neste estudo
pontual, manchas maiores, correspondentes ao agrupamento de Holocarpha virgata (Asteraceae), tenderam a atrair Apis mellifera, enquanto manchas mais
esparsas foram mais visitadas por Halictus ligatus Say
1837, Lasioglossum titusi Crawford 1902, e Melissodes
lupina Cresson 1878, sendo isto atribuído pela autora
a diferenças cognitivas das abelhas. Como o display
floral afeta a escolha de flores por parte do polinizador em uma planta, pode-se considerar que existe
um efeito direto sobre o fluxo de pólen, que por sua
vez pode ser mais ou menos geitonogâmico (Ohashi
& Yahara 2001; Mitchell et al. 2004; Makino et al.
2007). Além disso, diferentes respostas ao mesmo
display floral por espécies distintas de polinizadores
podem levar a diferenças na deposição geitonogâmica
de pólen (Mitchell et al. 2004).
Isabela Galarda Varassin
Considerações finais
O reconhecimento floral depende das habilidades
cognitivas dos polinizadores, em especial, visão e
olfato (Capítulo 19). Em função disto, cores e perfumes são os traços florais mais importantes na atração
dos polinizadores. A preferência por estes sinais pode
ser inata ou aprendida e mudar de acordo com o
cenário disponível. De uma forma geral, os atrativos
contribuem para a constância floral dos visitantes
por facilitar a distinção entre espécies diferentes,
assim como permitem que flores com menos ou nenhum recurso recebam visitas. O uso combinado
de informações visuais e olfativas pode favorecer o
reconhecimento rápido e a memorização de recursos
pelos animais. Os atrativos também funcionam como
filtros, selecionado os polinizadores de uma planta a
partir de um pool de visitantes florais e herbívoros.
Do ponto de vista histórico, as habilidades cognitivas antecedem a interação com flores (Schiestl &
Johnson 2013). Elas seriam responsáveis pelas escolhas
de plantas com cores ou perfumes semelhantes por
grupos de polinizadores e poderiam resultar na convergência de traços florais de plantas não aparentadas,
explicando a emergência das síndromes de polinização
(Schiestl & Johnson 2013). Nesta situação, as incongruências nas histórias filogenéticas entre parceiros
mutualísticos poderiam ser explicadas pela troca
de parceiros (host switching) em situações variadas.
As interações observadas seriam resultado da história da espécie (neste caso, relacionada à habilidade
cognitiva), com seleção de parceiros mutualísticos
(e suas cores, perfumes e formas) explicando as associações atuais via ajustamento ecológico (ecological
fitting, sensu Hoberg & Brooks 2008). O estudo
realizado sobre besouros escarabeídeos e a presença
de perfumes em plantas retrata bem este cenário
(Schiestl & Johnson 2013) (Fig. 7.5). Apesar de a
♦
Láercio Peixoto do Amaral-Neto ⁞
165
ideia de ajustamento ecológico ter nascido a partir
de observações de interações planta-polinizador, ela
tem sido bem documentada em associações históricas
mais bem estudadas, como interações entre parasitas
e hospedeiros vertebrados (Hoberg & Brooks 2008).
Todo o arcabouço teórico lá desenvolvido pode servir
de referencial teórico para estudos em interações
mutualísticas como a polinização.
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Seç ão 3
Polinizadores
Fotos:
Carlos Eduardo Pereira Nunes
Hipólito Paulino-Neto
André Rech
Artur Antunes
Jana Tesserolli de Souza
Foto: André Rodrigo Rech
*
Introdução
*
Síndromes de polinização:
especialização e generalização
André Rodrigo Rech1, Rubem Samuel de Avila Jr.2 e Clemens Schlindwein3
1
Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Rua Monteiro
Lobato, 970 – CEP: 13083-970 – Campinas-SP – Brasil – Caixa postal 6190. e-mail: andrerodrigorech@gmail.com
2
Universidade Federal do Pampa, campus São Gabriel – Av. Antônio Trilha, 1.847 – CEP: 97300-000 – São Gabriel-RS – Brasil.
3
Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Departamento de Botânica, Universidade Federal de Minas Gerais – Av. Antônio Carlos,
6.627 – CEP: 31270-901 – Belo Horizonte-MG – Brasil.
D
uas frases contrastantes publicadas ao longo da história da ecologia da polinização são uma boa maneira
de evidenciar a discussão que pretendemos apresentar nesse capítulo. Uma delas, escrita por Grant &
Grant (1965), diz: “uma relação chave-fechadura entre flores e seus polinizadores... é comum e provavelmente
universal entre as espécies de Polemoniaceae”. Isso ilustra a busca por padrões para síntese e entendimento
da natureza complexa dos processos interativos, um objetivo comum da ecologia. A outra frase foi escrita
muito antes, por Hermann Müller, no século XIX (Müller 1882, p. 20), e diz: “Solanum dulcamara é... um
bom exemplo... da arbitrariedade e artificialidade que deve ser evitada, ao tentarmos forçar a quase infinita
diversidade de formas florais dentro de um número limitado de categorias básicas claramente delineadas...”.
Essa frase, por sua vez, evidencia os incidentes que podem ocorrer na tentativa inadvertida de se usar uma
abordagem reducionista em ecologia. Em vez de adaptar os fatos para que se ajustem às teorias, o caminho
para fazer avançar o entendimento de processos naturais deve residir muito mais em repensar as teorias, para
que estas se acomodem aos dados.
172 ⁞ Síndromes de polinização: especialização e generalização
Apresentamos aqui uma breve síntese histórica de
como se chegou ao conceito de síndromes de polinização, quais foram as síndromes descritas originalmente
e o cenário atual de debate das mesmas. A primeira
classificação de tipos florais na ecologia da polinização
foi elaborada por Federico Delpino (1868-1875). O
grande avanço científico de Delpino foi demonstrar
que semelhanças em forma, cor e funcionamento de
flores não podem ser explicadas pelo parentesco das
espécies (hoje se diria filogenia); desta maneira, ele
destacou este fenômeno como um problema científico (Vogel 1954). Ele estabeleceu dois sistemas de
flores, os quais formaram a base para os tratamentos
e classificações posteriores. Um sistema classifica as
flores de acordo com forma e função, o qual resultou
em categorias como: flores tubulares, papilionadas,
hipocrateriformes, labiadas etc. A segunda classificação foi resultado do descobrimento de que certos
tipos florais são relacionados com certos grupos de
visitantes. Posteriormente, Herrmann Müller (1873),
Paul Knuth (1898-1905) e vários outros autores revisitaram e ampliaram a classificação de Delpino.
Mais recentemente, Stefan Vogel realizou um
estudo amplo da flora da África do Sul (Vogel 1954).
Nesse estudo ele analisou características florais na
busca de uma classificação natural dos tipos florais
de acordo com o modo de polinização. Ele revisou as
classificações anteriores e chegou a um sistema ao qual
chamou de “estilos” florais (Stiltypen), com base em
características fisiológicas, morfológicas, anatômicas
e fenológicas das flores. A classificação dos “estilos
florais” de Vogel (1954) antecipou o estabelecimento
do conceito das síndromes florais de van der Pijl (1960;
1961), popularizado por Faegri & van der Pijl (1966;
2ª ed. 1971; 3ª ed. 1979). As diferentes características
de uma determinada síndrome ou “estilo” floral não
são necessariamente exclusivas, mas uma questão de
probabilidade e podem aparecer em mais de uma
síndrome (Vogel 1954; Faegri & van der Pijl 1979).
Assim, flores brancas podem ser visitadas por abelhas,
esfingídeos ou beija-flores, contudo flores esfingófilas,
apresentam antese noturna e muitas vezes tubos florais
longos, delicados e com odor muito forte liberado
apenas à noite. Flores ornitófilas, em contrapartida,
apresentam antese diurna, são geralmente inodoras e
robustas. A combinação de atributos florais como coloração, forma da flor, horário da antese, características
e localização do néctar, características e periodicidade
do odor floral e características anatômicas da flor, desta
maneira, sugerem a associação de um polinizador a
uma determinada síndrome floral (Vogel 1954; van
der Pijl 1960; 1961).
Os atributos florais que compõem cada uma
das síndromes florais foram apresentados como um
conjunto de adaptações convergentes das flores às
particularidades do equipamento sensorial dos polinizadores e suas características morfológicas, como
demonstrado por van der Pijl (1961), ou às características do meio abiótico responsável pela polinização
(vento, água), embora, há que se ressaltar, nem todos
os visitantes florais são polinizadores. Muitas vezes,
além de poucas espécies de polinizadores efetivos
(visitantes florais que medeiam a produção de sementes viáveis e causam polinização cruzada com alta
probabilidade), ocorrem visitantes florais de vários
grupos que não polinizam as flores, visitantes florais
que possuem papel de polinizadores complementares
ou que causam apenas autopolinização ou polinização entre flores vizinhas (geitonogamia). Quando
considerada a efetividade dos visitantes florais como
polinizadores, um sistema aparentemente generalista pode revelar especialização críptica (Waser &
Ollerton 2006; King et al. 2013).
Em síntese, a maioria das espécies de plantas já
estudadas apresenta flores que podem ser associadas
a uma determinada síndrome floral. Por um lado,
André Rodrigo Rech
♦
isso pode refletir um viés na escolha dos modelos
de estudos, historicamente orientados para modelos
nos quais se esperava de antemão por uma relação
chave-fechadura, o que reflete uma presença muito
forte do paradigma da coevolução. Várias espécies de
plantas, no entanto, são polinizadas por diferentes
grupos de animais e classificadas como polifílicas,
alotrópicas ou generalistas (Vogel 1954; Faegri & van
der Pijl 1979; Endress 1994; Fenster et al. 2004). Os
visitantes florais dessas plantas são menos previsíveis
e/ou variam no tempo e no espaço (Gómez 2002;
Ollerton et al. 2009; Johnson 2013).
Espécies vegetais fenotipicamente especializadas ou com características florais restritivas também podem ser polinizadas por diferentes grupos
taxonômicos de animais como representantes de
Oenothera L. (Onagraceae) do sul do Brasil. Embora
apresentem longas corolas tubulares, são polinizadas
por esfingídeos com peças bucais longas, abelhas e
moscas diurnas (R.S. Avila obs. pess.). Randia itatiaiae (Rubiaceae), na Floresta Atlântica do Sudeste,
e Hancornia speciosa (Apocynaceae), do Nordeste do
Brasil, apresentam atributos florais característicos de
esfingofilia e também são polinizadas adicionalmente
por outros agentes polinizadores (borboletas, beijaflores e abelhas Euglossini – Darrault & Schlindwein
2005; Avila & Freitas 2011).
Na sequência apresentamos a caracterização original resumida das síndromes florais de acordo com
Vogel (1954), van der Pijl (1960; 1961) e Faegri &
van der Pijl (1979):
Anemofilia: Polinização pelo vento. Flores anemófilas não apresentam coloração e estruturas atrativas a visitantes florais; cor normalmente verde ou
esbranquiçada e o perianto fortemente reduzido ou
ausente; flores sem néctar, inodoras, frequentemente unissexuais ou com dicogamia nítida; estigmas
Rubem Samuel de Avila Jr.
♦
Clemens Schlindwein ⁞
173
longos, expostos e com superfície grande, frequentemente ramificados; estames grandes e expostos, com
enorme produção de pólen pulverulento com pouca
ornamentação. A razão pólen-óvulo geralmente é
muito grande.
Melitofilia. Polinização por abelhas. Flores com
antese diurna; cores variando do ultravioleta ao amarelo intenso, frequentemente com guias visuais de
néctar ou pólen; flores geralmente delicadas e com
poucos elementos de sustentação, labiadas, papilionadas, em forma de disco, infundibuliformes; odor
frequentemente presente, “agradável” ao olfato humano; néctar muitas vezes escondido, em pequena
quantidade e com concentração alta de açucares;
recursos florais: pólen, néctar, óleo e, em alguns casos,
resinas e voláteis florais.
Psicofilia: Polinização por borboletas. Flores
com antese diurna, cores amarela, laranja, vermelho,
azul, branco, roxo e rosa; geralmente com guias de
néctar. As flores são delicadas, eretas, frequentemente
hipocrateriformes, tubulares, em forma de pincel,
às vezes, com cálcares. O recurso floral é quase exclusivamente néctar, com nectário escondido; com
poucos grãos de pólen, odor agradável.
Esfingofilia (+falenofilia): Polinização por esfingídeos (Sphingidae) e outras mariposas (principalmente Noctuidae) noturnas. Antese e liberação de odor
noturna, cores branca e creme; sem guia de néctar;
flores delicadas, hipocrateriformes, com tubos florais
estreitos e compridos, sem plataforma de pouso, em
forma de pincel; orientação das flores frequentemente
horizontal. O néctar é o único recurso presente e
encontra-se profundamente escondido, é pouco concentrado e produzido em grande quantidade; odor
muito forte, adocicado até narcótico. Algumas vezes
a esfingofilia é inserida junto à falenofilia (Faegri &
van der Pijl 1979).
174 ⁞ Síndromes de polinização: especialização e generalização
Miofilia: Polinização por moscas. A cor das flores varia de castanha, vermelha, amarela, esverdeada,
geralmente com manchas coloridas abundantes,
com brilho forte, superfície verrucosa; antese sem
periodicidade; flor aberta, em forma de disco, frequentemente com armadilhas que mantêm moscas
temporariamente presas; odor muito forte, desagradável e até repugnante, assemelhando-se à material
em decomposição; muitas vezes sem recursos florais;
néctar, se presente, com acesso livre; flores pouco
delicadas, às vezes muito grandes e com apêndices
filiformes; frequentemente perto da superfície do
solo. A sapromiofilia – associação entre flores que
imitam carcaça ou excrementos e moscas relacionadas a estes substratos – é um pouco mais bem
estudada.
Cantarofilia: Polinização por besouros. Flores
geralmente com antese noturna ou crepuscular;
sem coloração específica, frequentemente verdes
ou esbranquiçadas; flores/inflorescências abertas
em forma de disco ou formando uma câmara de
polinização; flores robustas, grandes; termogênese;
flores/inflorescências com produção de odores fortes,
volatilização de odores florais no início da antese;
tecidos florais utilizados como recurso alimentar
pelo visitante; flores/inflorescências, em geral, com
protoginia.
Ornitofilia: Polinização por aves. Antese diurna;
flores com cores conspícuas – vermelho, amarelo,
laranja, azul, lilás, branco; geralmente sem guia de
néctar; sem odor; néctar em grande quantidade,
geralmente profundamente escondido, em baixa
concentração; flores frequentemente em forma de
tubo, pincel, goela e, às vezes, também flores labiadas; flores geralmente robustas, mecanicamente
fortalecidas; frequentemente com sistema capilar que
faz que o néctar flua apenas quando tocado e não
escorra da flor.
Quiropterofilia: Polinização por morcegos.
Antese noturna, geralmente restrita a uma noite;
flores com cores pouco conspícuas, esbranquiçadas,
avermelhadas, esverdeadas, castanhas e sem guia
de néctar; flores ou inflorescências grandes, robustas, perianto geralmente carnoso e com abertura
ampla; forma campanulada, labiada, em forma de
pincel; flores expostas, com livre acesso (caulifloria,
flagelifloria, flores elevadas da folhagem); forte odor
noturno, lembrando algo fermentado; quantidade
muito grande de néctar e pólen; frequentemente,
grande quantidade de estames.
Além dos grupos definidos pelas síndromes
florais, várias outras interações planta-polinizador
configuram associações altamente especializadas
(Rech & Brito 2012). Entre esses sistemas podem
ser citadas a rara polinização de flores usando a água
como veículo (hidrofilia), a polinização de flores
que fornecem substrato para alimentação de larvas
(por exemplo, Ficus, Moraceae e pequenas vespas)
(Capítulo 13) ou, ainda, sítios de reprodução e oviposição (Araceae, Aristolochiaceae, Balanophoraceae e
diversas espécies de Coleoptera, Lepidopera, Diptera)
(Pellmyr & Thien 1986), e a polinização de flores que
imitam feromônios de fêmeas e são polinizadas por
machos de certas abelhas ou vespas na tentativa de
copular com a flor (Schiestl 2005; Mant et al. 2005;
Vereecken et al. 2011; 2012).
No Brasil já foram descritas algumas associações
interdependentes entre plantas e abelhas oligoléticas: Cajophora (Loasaceae) e Bicolletes (Colletidae),
Eichornia (Pontederiaceae) e Ancyloscelis (Apidae,
Emphorini), Cordia (Cordiaceae) e Ceblurgus
(Halictidae), Hydrocleys (Alismataceae) e Protodiscelis
(Colletiadae) (Schlindwein & Wittmann 1997; Alvesdos-Santos & Wittmann 1999; Milet-Pinheiro &
Schlindwein 2008). Nessas associações, as abelhas
são os únicos polinizadores efetivos e coletam pólen
André Rodrigo Rech
♦
de poucas espécies de plantas que polinizam. Estudos
recentes com abelhas oligoléticas indicam que propriedades químicas do pólen restringem sua utilização
a espécies de abelhas fisiologicamente adaptadas em
digeri-lo (Praz et al. 2008; Sedivy et al. 2008; 2011;
2013). Essa restrição química imposta por essas plantas na digestão dos seus grãos de pólen abre caminho
para uma visualização do processo de polinização de
forma muito mais ativa. Nesse sentido, os visitantes
florais fitófagos teriam suas interações modeladas
por princípios similares aos descritos para interações
entre plantas e herbívoros.
O pólen que atua na polinização é o mesmo do
qual as abelhas se alimentam; dessa forma, para se
valer do serviço de polinização, essas plantas precisam
arcar com a perda de grande quantidade dos grãos que
vão para alimentação da cria dos seus polinizadores
(Schlindwein et al. 2005), o chamado “dilema do
pólen”. As plantas que apresentam restrições digestivas
em seus grãos de pólen podem aumentar, via filtragem, a especificidade e a constância dos seus visitantes
florais, aumentando consecutivamente as chances de
se reproduzirem. Em contrapartida, para o visitante
a capacidade de digerir pólen com determinadas características tóxicas pode ter um custo extra ou até
ser mutuamente exclusiva, de forma que sistemas espécie-específicos podem ser a consequência esperada
nesses cenários e, além disso, muito mais comuns do
que imaginado previamente (Sedivy et al. 2013).
A questão emblemática do conceito de síndromes
está na premissa de evolução unidirecional e contínua
das relações entre flores e polinizadores. O mecanismo evolutivo subjacente às síndromes de polinização
foi proposto por Stebbins (1970) e ficou conhecido
como “princípio do polinizador mais efetivo”. De
acordo com esse princípio a seleção natural deveria
filtrar características ecofisiológicas ou estruturais
que melhor atraíssem o polinizador mais efetivo.
Rubem Samuel de Avila Jr.
♦
Clemens Schlindwein ⁞
175
Dessa forma, dado o tempo suficiente, plantas e
polinizadores tenderiam a coadaptarem-se, culminando em relações especializadas. No entanto, em
muitos sistemas, a morfologia floral não é resultado
apenas da interação com o polinizador mais efetivo
(Aigner 2004).
Na perspectiva do paradigma da especialização,
os grupos em interação seguem necessariamente para
cenários progressivamente mais especializados, chegando ao ponto em que se podem prever grupos de
polinizadores baseando-se em caracteres florais. Já
na primeira abordagem sobre interações entre flores
e polinizadores, Sprengel (1793) fez previsões acerca
de possíveis polinizadores a partir das características
florais (Capítulo 1). Darwin (1862) previu a polinização por uma mariposa de língua extremamente
longa para a orquídea malgaxe Angraecum sesquipedale. A confirmação veio muitos anos depois, com
o descobrimento do esfingídeo Xanthopan morganii
praedicta Rothschild & Jordan, 1903 cujo epíteto
específico faz alusão à previsão de Charles Darwin
(Nilsson et al. 1987). No entanto, a partir da década
de 1990, o poder preditivo e as premissas evolutivas
que sustentam o conceito de síndromes de polinização
foram questionados (Waser et al. 1996).
Na sequência, o aprimoramento nos estudos com
redes de interação entre visitantes florais e plantas em
nível de comunidade indicaram o predomínio de
relações generalistas entre plantas e visitantes florais
(Waser & Ollerton 2006), e a estratégia generalista
de polinização emergiu como uma interação estável
(Gómez 2002). No entanto, estudos de redes “mutualistas”, em geral, precisam se basear no simples registro
de um visitante floral numa flor em levantamentos
padronizados, sem avaliar o papel do visitante como
polinizador efetivo, o que facilmente pode levar a
uma distorção da importância das diferentes espécies
como polinizadores (King et al. 2013). Medir essas
176 ⁞ Síndromes de polinização: especialização e generalização
variáveis em situações reais é bastante difícil, por isso
a maioria dos estudos com redes de polinização considera as interações binárias e todos os visitantes florais,
polinizadores. Essas abordagens, quando feitas de tal
forma, estão muito mais próximas de redes tróficas do
que de redes realmente mutualísticas (Capítulo 17).
Existem várias formas de classificar um sistema
de polinização como especialista ou generalista. Um
sistema de polinização generalista pode ser baseado
na morfologia floral. Flores abertas com recursos
facilmente acessíveis poderiam ser tratadas como
generalistas; essa seria a definição de especialização
fenotípica de Ollerton et al. (2007). Por outro lado,
o número efetivo de interações entre uma espécie
de planta e seus polinizadores pode ser considerado
determinante do grau de generalização da interação,
generalização ecológica para Ollerton et al. (2007).
Por último, os mesmos autores definem “generalização/especialização funcional” como o número de
espécies não relacionadas filogeneticamente, porém
similares na morfologia e comportamento, com o
qual uma espécie de planta interage. Nesse sentido,
uma espécie com alto grau de generalização ecológica
pode ser um especialista funcional caso os visitantes
sejam equivalentes e exerçam uma pressão seletiva
coletiva similar.
Poucos estudos até o momento tentaram definir o
poder preditivo das síndromes de polinização a partir
de dados de comunidades completas (Ollerton et al.
2009; Johnson 2013). De maneira geral, parece haver
alguns atributos facilmente associáveis a grupos de
polinizadores, os quais, no entanto, não apresentam
aplicação universal. Flores polinizadas por moscas e
abelhas foram os grupos mais facilmente previsíveis
pela análise de Ollerton et al. (2009), enquanto foram
pouco distinguíveis na análise de Johnson (2013). Vale
ressaltar que ambos os autores usaram conjuntos de
dados e ferramentas de análise diferentes.
Um aspecto importante para a qualificação de
um visitante floral como polinizador efetivo é sua
frequência de visitação a determinada espécie de
planta em flor (Herrera 1989; Ne’eman et al. 2010).
Como é fácil de ser medida, infelizmente é muitas
vezes tomada como sinônimo da efetividade de um
polinizador. Mesmo redes de interação quantitativas
não se tornam mais realistas quando consideram apenas frequência sem considerar efetividade. Abelhassem-ferrão e Apis mellifera muitas vezes são visitantes
florais altamente frequentes devido ao recrutamento
das operárias até fontes de recursos florais atrativos
(Rech et al. 2011). Em árvores com floração maciça,
todas. ou a maioria, as visitas dessas abelhas resultam em fluxo polínico geitonogâmico, por isso não
podem ser consideradas polinizadores efetivos nesses
casos, podendo até atuar como antagonistas, reduzindo o recurso utilizado também pelos polinizadores
(Ollerton et al. 1999). Quando a espécie de planta é
autoincompatível, esse indicador de efetividade pode
ficar ainda mais prejudicado.
Outra razão que demanda o uso da frequência
associada com a qualidade da visita é que o pólen
de outros indivíduos coespecíficos (pólen xenogâmico) transportado na superfície de um visitante floral
pode ser perdido rapidamente em poucas visitas na
copa da mesma árvore. Assim, em Hancornia speciosa
(Apocynaceae, mangaba), que é autoincompatível
(Darrault & Schlindwein 2005), somente as primeiras
três visitas florais resultam na formação de frutos (Pinto
et al. 2008). Além disso, o pólen já depositado na superfície estigmática de Inga (Fabaceae-Mimosoideae)
em experimento de suplementação polínica foi parcialmente removido por um excessivo número de visitas
por flor (Avila et al. não publicado). As visitas repetidas
também podem obstruir a superfície estigmática e
impedir que pólen proveniente de polinização cruzada
possa germinar (Lloyd & Webb 1986).
André Rodrigo Rech
♦
Um exemplo de estudo que classificou a importância de um polinizador tendo em vista vários aspectos
de seu comportamento foi realizado por Stone (1996).
Nesse estudo a autora considerou que a importância
de cada polinizador era produto de: (a) frequência de
visitas; (b) número de indivíduos de plantas visitadas
pelo total de visitas contadas; (c) proporção de visitas
enquanto ainda havia pólen disponível; (d) quantidade
de grãos de pólen transferidos por visita; (e) proporção
de grãos de pólen compatíveis. A autora classificou os
visitantes florais para uma estação reprodutiva, mas
cabe pontuar que muitos sistemas, mesmo estudados
em anos consecutivos e locais diferentes, mostraramse extremamente variáveis tanto no tempo quanto no
espaço (Alarcón et al. 2008; Herrera 2005). Entender
em que ponto do contínuo antagonista-mutualista
uma determinada espécie está assentada demanda
conhecer suas relações estruturadas no tempo e no
espaço, e essa discussão abarca um forte componente
de teoria de nicho (Waser et al. 1996). Além disso,
cada sistema pode ter especificidades que facilitam ou
complicam a medição de determinadas variáveis, de
forma que cada estudo deve ter em conta claramente
seus objetivos e as limitações do modelo de estudo
para a resolução da questão proposta.
Outro aspecto importante é olhar a interação do
ponto de vista do visitante, e não apenas da planta.
Pode-se ver a natureza antagonista da relação ao
se considerar o interesse de uma abelha em visitar
determinada flor (Westerkamp 1997; Waser 2006).
Nesse sentido, grande parte da especialização fenotípica floral pode ser entendida como uma estratégia
que evita a retirada de grãos de pólen (microgametófitos) por visitantes que não irão potencialmente
transportá-lo até outro indivíduo da mesma espécie
(Junker & Blüthgen 2010) (Capítulo 19, com relação
à especialização fenotípica no aumento da constância
floral). Sob essa perspectiva, o fenótipo floral seria
Rubem Samuel de Avila Jr.
♦
Clemens Schlindwein ⁞
177
o resultado da pressão exercida pelos mutualistas
e antagonistas florais, atuando a morfologia floral
como um filtro. Essa ideia foi proposta por Renner
(1989) para explicar a evolução de anteras poricidas,
as quais, além de depositar o pólen com maior acurácia no corpo de um polinizador, também atuariam
diminuindo as chances de roubo por visitantes não
polinizadores como trigonas e sirfídeos. Estudos
recentes têm reforçado a perspectiva de flores como
filtros, demonstrando a função de odores repelindo
polinizadores facultativos e atraindo polinizadores
efetivos (Capítulo 7) (Junker & Blüthgen 2010).
Aparentemente existe uma demanda conflitiva entre especialização, que aumenta a acurácia na
transferência de grãos de pólen e diminui a atuação
de antagonistas, e generalização, que aumenta a probabilidade de um visitante qualquer transferir pólen,
mas, também, o desperdício de gametas por deposição
imprópria dos mesmos (Morales & Traveset 2008;
Mitchell et al. 2009). Dessa forma, poderia se esperar que espécies com polinização generalista fossem
mais comuns em ambientes de colonização recente
(pioneiras) ou em áreas onde determinados grupos
de polinizadores fossem menos previsíveis (Olesen
et al. 2002; Baker 1955; 1967). De fato, essa ideia
já foi parcialmente corroborada e os poucos casos
de reversão de sistemas de polinização especialistas para generalistas, devidamente mapeados sobre
uma filogenia, ocorreram após migração da planta
em questão para ambientes de ilhas (Armbruster &
Baldwin 1998; Martén-Rodriguez et al. 2011).
Angiospermas e polinizadores juntos formam
um dos maiores grupos de organismos em interação, dominando a paisagem terrestre em biomassa
e exuberância e sustentando boa parte das cadeias
ecológicas (Ollerton 2006). Dado que a maioria das
plantas depende de polinização, o mutualismo de
polinização conecta mais de meio milhão de espécies
178 ⁞ Síndromes de polinização: especialização e generalização
(Ollerton 2011). Nesse processo interagem grupos
funcionais de plantas e polinizadores, muitas vezes
formados por organismos não filogeneticamente relacionados, que exercem pressões seletivas mútuas ou
não, ou, ainda, que requerem pré-adaptações para
poder interagir, o que gera então síndromes funcionais
muito mais do que taxonômicas (Fenster et al. 2004).
Dentro desses grupos funcionais, linhagens podem
interagir muito mais fortemente e desencadear rotas
evolutivas mais específicas, nas quais a especialização
pode ser o padrão observado. Convergência dentro
de redes mutualísticas e especialização, no entanto,
não significam processos unidirecionais, reforçando
sempre a natureza dinâmica dos processos ecológicos
e evolutivos.
Agradecimentos
ARR agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP), à Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), ao Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa
e Extensão da Universidade Estadual de Campinas
(FAEPEX/UNICAMP), ao Programa de PósGraduação em Ecologia (UNICAMP) e ao Programa
Santander Universities pelo apoio financeiro recebido.
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Foto: Pedro Viana
*
Capítulo 8
*
Polinização abiótica
André Rodrigo Rech1, Pedro Joaquim Bergamo1 e Rodolfo Antônio de Figueiredo2
1
Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Universidade Estadual de Campinas – Rua Monteiro Lobato, 255 – CEP: 13083-970
– Campinas-SP – Brasil – Caixa postal 1691. e-mail: andrerodrigorech@gmail.com
2
Departamento de Desenvolvimento Rural, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de São Carlos – Rod. Anhanguera,
km 174 – CEP: 13600-970 – Araras-SP – Brasil – Caixa Postal 153.
“Às vezes ouço passar o vento;
e só de ouvir o vento passar,
vale a pena ter nascido”
(Fernando Pessoa)
N
esse capítulo revisamos brevemente a evolução da polinização em Angiospermas e aprofundamos a
caracterização da polinização abiótica (vento e água). Iniciamos abordando o surgimento da polinização biótica em plantas. Baseados tanto em evidências paleontológicas quanto em reconstruções filogenéticas
indicamos que a polinização abiótica é muito provavelmente uma condição derivada entre as Angiospermas.
Na sequência apresentamos cada uma das formas de polinização abiótica (anemofilia e hidrofilia) bem como
os sistemas mistos (envolvendo animais e vetores abióticos). Ao longo do texto chamamos atenção para os
caracteres morfo-fisiológicos típicos de cada um dos modos de polinização abiótica, descrevendo como tais
estruturas funcionam e interagem com os meios fluidos nos quais se deslocam. Destacamos que a polinização abiótica pode ser bastante eficiente, contrariando sua caracterização tradicional, além de apresentar um
potencial imenso para estudos em ambientes tropicais ainda extremamente pouco estudados.
184 ⁞ Polinização abiótica
Sistemas de polinização
bióticos e abióticos – Cenário
paleoecológico
O modo de polinização das primeiras angiospermas
é um debate antigo na ecologia da polinização. Por
uma interpretação filogenética pouco parcimoniosa e
também porque os pesquisadores imaginavam que o
cenário ecológico devesse surgir do que julgavam ser
o mais simples, a polinização abiótica foi considerada
inicialmente como basal para as plantas com flores
(Hu et al. 2012). Atualmente há o entendimento de
que a polinização por insetos foi o modo dominante
para as angiospermas no início do Cretáceo (há cerca
de 145 milhões de anos), com o nível de especialização aumentando desde o Cretáceo médio (por volta
de 100 milhões de anos) (Hu et al. 2008). Novas
hipóteses filogenéticas mostram que as linhagens
relacionadas com plantas atualmente polinizadas
pelo vento ou água evoluíram dentro de grupos ancestralmente polinizados por animais (Hu et al. 2008;
2012). Essas rotas evolutivas demandaram, inclusive,
pré-condições como a existência de flores pequenas,
simples e com pólen seco (Culley et al. 2002).
Entre as gimnospermas o cenário parece ser o
oposto. O aparecimento dos primeiros grãos de pólen
dessas plantas ocorreu no registro fóssil há aproximadamente 364 milhões de anos (Traverse 2010). Uma
evolução paralela ocorreu nas estruturas reprodutivas
“femininas”, moldando uma armadilha que coletasse
o pólen carregado pelo vento. Esses registros fósseis
parecem indicar que o sistema de polinização mais
ancestral das gimnospermas foi anemófilo (Taylor &
Millay 1979). Essa afirmativa baseia-se também em
dados obtidos a partir da análise dos sistemas de polinização sobre hipóteses filogenéticas, o que sustenta
que as linhagens de gimnospermas recorrentemente
têm grupos anemófilos basais, enquanto a zoofilia
é rara e derivada. Além disso, segundo Willis &
McElwain (2002), entre 280-260 milhões de anos,
quando surgiram várias linhagens de gimnospermas,
o clima global teria sido mais quente e seco, condições
que favoreceriam a anemofilia.
A descoberta, no entanto, de novos fósseis de
gimnospermas do Mesozoico médio (por volta de 170
milhões de anos) reabriu o debate sobre a polinização biótica nesse grupo (Ren 1998; Ren et al. 2009;
Bashkuev 2011). Nesse período, a polinização por
tripes com pelos semelhantes aos das abelhas atuais
apareceu associada à Gingkoales (Penãlver et al. 2012);
e insetos mandibulados, provavelmente besouros,
consumiam sacos polínicos de cicadáceas (Klavins
et al. 2005). Embora existam evidências indicando
uma diversidade maior de sistemas de polinização
bióticos entre as gimnospermas primitivas, o debate
sobre sua prevalência permanece aberto.
Os primeiros dados sobre polinização, mais especificamente sobre o transporte de estruturas reprodutivas, vieram de estudos do Carbonífero tardio (cerca
de 300 milhões de anos) em plantas com grãos de
pólen grandes e os órgãos reprodutivos distinguíveis
de folhas (Labandeira et al. 2007). Diferente do que
ocorre com os estudos de herbívoros que deixam
marcas claras nas partes vegetais, não há métodos
para quantificar diversidade e intensidade da interação
entre plantas e polinizadores primitivos. Os primeiros
dados que indicam a interação de insetos alimentando-se de grãos de pólen remontam ao Siluriano tardio
e Devoniano inicial (cerca de 420 milhões de anos)
e provêm da análise de coprólitos, o que precede os
registros anteriores (Labandeira 2006; 2013a). Essas
evidências sugerem que, ao final do Pensilvânico e
Permiano (306-252 milhões de anos atrás), já poderia ter ocorrido transferência de grãos de pólen ou
esporos entre plantas utilizadas como alimento por
insetos (Labandeira 2013b). Esse processo reforça o
André Rodrigo Rech
♦
Pedro Joaquim Bergamo
argumento de que a polinização é essencialmente
uma relação antagonista (trófica), com conflitos de
interesses claros para ambos os grupos em interação
e que era, no início, essencialmente uma relação de
fitofagia.
No Mesozoico médio (por volta de 170 milhões
de anos) foram encontrados também insetos com
probóscides longas com terminais esponjosos, que
coletavam hipoteticamente gotas de polinização ou
lâminas de substâncias energéticas, possivelmente
açúcares, sobre estruturas florais (Labandeira 2013a,
b). Percebe-se, dessa forma, que a coleta de líquidos
em plantas é provavelmente posterior ao início da
alimentação com pólen (Ren et al. 2009; Labandeira
et al. 2007). O aparecimento de flores conspícuas e
bissexuais, no registro fóssil do Cretáceo médio, é
interpretado como uma evidência de especialização
pela polinização por insetos mais recentes, passíveis
de serem atraídos visualmente (Basinger & Dilcher
1984; Dilcher 2001). No entanto a maioria dos dados
usados para se descrever o modo de polinização de
plantas primitivas vem da morfologia de peças florais
e, especialmente, dos grãos de pólen, e não de “interações fossilizadas” (Taylor & Hu 2010). Além disso,
existe o problema de as comparações e a interpretação
de funcionalidade das estruturas fósseis tomarem
por parâmetro a ecologia de grupos contemporâneos
(Hu et al. 2008), exclui-se assim a possibilidade da
adaptação de estruturas para novas funções, o que
para muitos casos parece pouco plausível.
Como um panorama da polinização das linhagens mais antigas das angiospermas não extintas,
Hu et al. (2008) destacam que 86% das famílias
possuem espécies polinizadas por insetos, enquanto
apenas 17% têm polinização pelo vento. Entre as
espécies polinizadas por insetos, 34% das famílias
têm polinização cujo fenótipo sugere algum nível
de especialização (especialização fenotípica sensu
♦
Rodolfo Antônio de Figueiredo ⁞
185
Ollerton et al. 2007). Em contraste, entre as famílias
com divergência basal de grupos mais recentes, como
as monocotiledôneas, percebem-se apenas 40% das
espécies polinizadas por insetos e 27% polinizadas
pelo vento, além das famílias mais recentes desse
clado serem quase que exclusivamente polinizadas
pelo vento. Entre as eudicotiledôneas de ramos mais
antigos, 56% das famílias apresentam espécies polinizadas por insetos (contra 63% pelo vento), das
quais 78% apresentam polinização especializada,
compatível com alguma síndrome de polinização
(Hu et al. 2008). Vale destacar que a polinização
por aves e morcegos não é relatada entre os grupos
mais antigos dentre as angiospermas contemporâneas
(Proctor et al. 1996; Ackerman 2000).
Outro caráter cuja importância tem sido progressivamente reconhecida como indicador da pressão seletiva exercida por polinizadores é a agregação
polínica (Hu et al. 2008), que pode ser causada por
fluidos, trifina, óleos (pollenkit), viscina, entre outros,
os quais conectam grãos de pólen. Os agregados são
uniformes e de diversos tamanhos, de acordo com
a espécie, e facilitam a adesão ao corpo dos animais
polinizadores (Pacini 2000). Por uma questão física
do deslocamento de partículas no meio aéreo, os
agregados são muito raros em plantas anemófilas
(Ackerman 2000). Embora muito útil, o uso de
agregados polínicos na interpretação fóssil deve ser
utilizado com cautela, uma vez que os mesmos podem
ser formados também naturalmente pela permanência
de aglomerados de pólen nas anteras e peletes fecais
ou massas coletadas por insetos (Lupia et al. 2002).
Os registros fósseis mais antigos de flores das
angiospermas datam de 127 milhões de anos, encontrados em depósitos de Portugal e da Austrália,
indicando serem muito semelhantes a flores de
Magnoliidae e de paleoervas que cresciam em ambientes brejosos na região paleotropical (Taylor &
186 ⁞ Polinização abiótica
Rickey 1990; Friss et al. 1999; Willis & McElwain
2002). Dados moleculares sugerem que as primeiras
monocotiledôneas tiveram origem e diversificaram
entre 147 e 128 milhões de anos atrás; já para eudicotiledôneas essas datas estão por volta de 125 e 116
milhões de anos (Bremer 2000; Judd & Olmstead
2004). Para o maior grupo de polinizadores, as abelhas, tanto dados moleculares quanto fósseis indicam
um padrão similar de diversificação no início do
Cretáceo (Grimaldi & Engel 2005). Além disso,
parece haver um aumento da polinização pelo vento
ou especializada em direção ao final do Cretáceo,
corroborando o padrão de irradiação adaptativa das
angiospermas (Hu et al. 2012; Lunau 2004). Nesse
sentido, o entendimento atual é de que sistemas de
polinização abióticos configuram especializações e
evoluíram a partir de sistemas de polinização com
vetores bióticos.
Polinização abiótica: definição
Polinização abiótica é a denominação que se dá
ao processo de transferência de grãos de pólen do
órgão reprodutivo masculino de uma flor para o
órgão reprodutivo feminino da mesma ou de outra
flor do mesmo ou de diferente indivíduo através de
um meio fluido (ar ou água) (Fig. 15.1) sem a participação de algum vetor biótico (Ackerman 2000).
Tanto Darwin (1876) quanto Faegri & van der Pijl
(1979) afirmaram que a polinização abiótica seria
um processo pouco efetivo, que desperdiça pólen,
uma vez que sua transferência não é direcional, no
entanto essa ideia já parece completamente refutada
frente aos estudos atuais (Cruden 2000; Friedman &
Barrett 2009a). Prova da efetividade da polinização
abiótica é que ela evoluiu e se mantém em cerca de
20% das famílias de angiospermas e na maioria das
gimnospermas (Ackerman 2000). Além disso, entre
as angiospermas dioicas a proporção de espécies polinizadas abioticamente sobe para 30% (Renner &
Ricklefs 1995).
De acordo com Ackerman (2000), as características comuns às plantas polinizadas abioticamente são:
1) a produção de pólen, 2) a exposição das anteras e
dos estigmas, 3) a redução das partes florais não férteis
e 4) a diclinia. No entanto cada sistema de polinização
abiótica apresenta particularidades relacionadas ao
tipo de meio fluido pelo qual se deslocam as partículas
(grãos de pólen) que permitem diferenciar em linhas
gerais a polinização pela água da polinização pelo
vento. Essas diferenças são relacionadas a tamanho,
formato e ultraestrutura do grão de pólen e do estigma, sistema reprodutivo e particularidades ambientais
de cada meio no qual ocorre o deslocamento (Niklas
1992; Ackerman 2000).
Anemofilia
A polinização pelo vento (anemofilia) é considerada
comum e importante por Proctor et al. (1996), sendo
o principal sistema de polinização em cerca de 10%
das espécies de angiospermas (Friedman & Barrett
2009a). Levantamentos realizados em biomas brasileiros mostram que as espécies anemófilas podem
compreender de 2% (Machado & Lopes 2004, para
a Caatinga) até 13,6% das espécies (SilberbauerGottsberger & Gottsberger 1988, para o Cerrado).
A polinização anemófila em angiospermas é considerada derivada e evoluiu mais de 60 vezes independentemente (Ackerman 2000; Friedman & Barrett
2009a; Hu et al. 2012). No entanto foi demonstrada
também a reversão para polinização entomófila em
grupos como Cyperaceae (majoritariamente anemófilo) associada à mudança na coloração das flores, na
morfologia polínica e na presença de odor (Wragg
& Johnson 2011).
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Figura 8.1 Imagens representativas dos dois principais modos de polinização abiótica e polinização ambófila. (A-H) Polinização
pelo vento. (I-L) Polinização pela água. (M-N) Polinização ambófila. –(A) Inflorescência de Parodiolyra micrantha na fase masculina. –(B) Flores masculinas com pólen sendo pilhado por Trigona sp. –(C) Inflorescência de P. micrantha na fase feminina. –(D)
Detalhe das flores femininas com estigmas plumosos. –(E) Inflorescência de Olyra ciliatifolia em fase feminina. –(F) Detalhe dos
longos estigmas plumosos de O. ciliatifolia. –(G) Flor feminina de Pharus cf. lappulaceus. –(H) Flor masculina de P. cf. lappulaceus
ao lado da flor feminina já senescente evidenciando a protoginia. –(I) Inflorescência masculina de Enhalus acoroides, uma espécie
epi-hidrófila. –(J) Flores masculinas de E. acoroides livres na coluna d’água. –(K) Inflorescência feminina de E. acoroides. –(L)
Flor feminina de Thalassia hemprichii, uma espécie hipo-hidrófila. –(M) Inflorescência de Piper sp., um caso de ambofilia, sendo
visitada por Syrphidae. –(N) Detalhe das flores masculinas de Piper sp. Créditos das fotos: A-H – Pedro Viana; I-L – Ria Tan/
www.wildsingapore.com; M-N – Leonardo Ré Jorge.
As plantas anemófilas geralmente apresentam
características que permitem a maior eficácia do vento
como agente transportador de pólen, como flores
reduzidas e agrupadas em inflorescências, filetes dos
estames longos e pendentes, mantidos longe das partes
vegetativas, o que aumenta a aerodinâmica (Culley
et al. 2002), grande quantidade de pólen (embora
essa característica não seja universal), grãos de pólen
relativamente pequenos (entre 17 e 58 µm) (Friedman
& Barrett 2009a) e pulverulentos, estigmas plumosos
e com ampla superfície e pequeno número de óvulos (Culley et al. 2002). Existe ainda uma aparente
188 ⁞ Polinização abiótica
redução na quantidade de aberturas dos grãos de
pólen anemófilos, o que foi interpretado como sendo
um fator que reduz a desidratação dos mesmos (Crane
1986). No entanto, mesmo perdendo menos água,
os grãos de pólen anemófilos parecem ter a vida, em
geral, muito mais curta que a dos grãos de plantas
zoófilas (Dafni & Firmage 2000).
Grãos de pólen e estigmas de plantas anemófilas
apresentam cargas elétricas opostas (positiva no pólen
e negativa no estigma) (Gan-Mor et al. 1995). Dessa
forma, pode haver uma anulação da deflexão sofrida
por pequenas partículas, como o grão de pólen em
movimento, pela atração exercida entre essas cargas
elétricas contrárias (Niklas 1992). Em geral, o tamanho do grão de pólen assume papel importante, uma
vez que grãos muito pequenos tendem a sofrer desvios
de suas rotas em função das camadas de ar ao redor
do estigma, enquanto grãos muito grandes tendem a
deslocarem-se por distâncias menores a partir da planta
doadora (Niklas 1985; Taylor & Hu 2010). A importância do tamanho polínico pode ser vista em espécies
de Plantago (Plantaginaceae); nas anemófilas os grãos
são uniformes e regulares, enquanto nas cleistogâmicas
ocorre uma variação muito maior entre grãos de um
mesmo indivíduo (Primack 1978). Aparentemente,
grosso modo, é possível prever o tamanho polínico
com base no tamanho da flor ou inflorescência que
o recebe (Friedman & Harder 2004).
Com relação à distância de dispersão do pólen
anemófilo, a maioria dos grãos de pólen liberados
por um indivíduo é depositada perto do mesmo,
mas alguns podem ser levados pelo vento a distâncias
muito grandes (Proctor et al. 1996). Por exemplo,
Bittencourt & Sebbenn (2007) verificaram que polinização cruzada efetiva entre indivíduos de Araucaria
angustifolia (Bertol.) Kuntze variou de 0,4 a 3,3 ha.
Embora nem todas as plantas anemófilas sejam autoincompatíveis, as que são apresentam as maiores
taxas de fluxo gênico já registradas para angiospermas (Hamrick et al. 1995). Entre as gimnospermas
anemófilas podem ser encontradas adaptações que
teoricamente levam os grãos de pólen a atingirem
maiores distâncias de voo, como os sacos aéreos, os
quais também parecem ter relação com a flutuação
dos grãos na gota de polinização existente nessas
plantas (Ackerman 2000). Obviamente muitos fatores relacionados ao meio fluido pelo qual o pólen se
desloca, à velocidade do vento, à colisão entre grãos,
à aceleração da gravidade, à umidade relativa do ar e
ao atrito são importantes nesse sistema, assim como
a disposição espacial dos indivíduos com flores femininas e masculinas e o tempo da floração (Niklas
1985; Cruden 2000).
A razão pólen:óvulo em plantas anemófilas é
normalmente muito alta (Cruden 2000). Inicialmente
sugeriu-se que a pressão para aumento nessa quantidade de grãos viria da baixa probabilidade de deposição
em um estigma coespecífico (Faegri & van der Pijl
1979), no entanto estudos manipulativos mostram
que as morfologias floral e do grão de pólen, associadas à arquitetura de brácteas e ramos, atuam sinergicamente no aumento da deposição intraespecífica
de pólen (Linder & Midgley 1996) e, dessa forma, a
limitação de pólen em plantas anemófilas seria muito
baixa (Friedman & Barrett 2009a). Experimentos
com inflorescências reais e pedaços de gelatina usados
como controle demonstraram que pedaços de gelatina
recebem muito mais grãos de pólen misturados do
que os estigmas de cada espécie, os quais tendem a
receber mais pólen coespecífico (Linder & Midgley
1996). Que fatores então explicariam razões pólen:óvulo tão altas quanto 1015:1 verificados em Ambrosia
sp. (Ackerman 2000)?
Duas teorias competem, podendo inclusive ser
complementares, na explicação do mecanismo subjacente ao padrão da razão pólen:óvulo em plantas
André Rodrigo Rech
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Pedro Joaquim Bergamo
anemófilas. A primeira considera que, como não
há investimento em atrativos nem em recursos que
atraiam polinizadores, essa energia é então convertida em grãos de pólen, investimento que as
plantas com polinização biótica não poderiam fazer
(Niklas 1992). Alternativamente, Cresswell et al.
(2004) defendem que a ausência de características
atrativas, como grandes corolas, se daria por uma
seleção positiva para aumento da aerodinâmica e
facilitação da deposição polínica em detrimento de
uma seleção negativa pelo desperdício de energia
com tais estruturas.
A segunda hipótese para a alta razão pólen:óvulo baseia-se na existência de competição sexual
entre os indivíduos masculinos; nesse sentido,
o aumento na produção de grãos de pólen estaria linearmente associado ao aumento na aptidão
(Midgley & Bond 1991). Esse incremento quantitativo do número de grãos produzidos poderia se
dar pela redução no tamanho, no entanto deve-se
ter em conta que leis físicas do deslocamento de
partículas em meio fluido atuam sobre a definição
do tamanho dos grãos de pólen, além da necessidade de uma quantidade mínima de material
protoplasmático necessário para garantir o crescimento inicial do tubo polínico (para um tratado
detalhado da aerodinâmica de plantas polinizadas
pelo vento, ver Niklas 1985; 1992).
Friedman & Barrett (2009a) ponderam um ponto a favor e outro contra a hipótese de competição
masculina na polinização anemófila. Como ponto
favorável eles mencionam o fato de plantas anemófilas apresentarem curtíssimo tempo de viabilidade
polínica, receptividade estigmática e alta sincronização entre indivíduos. Para os autores isso ocorreria porque, como os grãos chegam primeiro e com
maior abundância nas flores próximas (aparentadas
ou até no mesmo indivíduo), a alta sincronização com
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Rodolfo Antônio de Figueiredo ⁞
189
a massiva dispersão polínica permitiria a chegada
do pólen de indivíduos mais distantes (menos aparentados) antes dos primeiros grãos de pólen destes
indivíduos terem seus tubos polínicos atingindo os
óvulos. Nesse sentido, indivíduos produzindo mais
grãos de pólen teriam mais chances de participar da
polinização de mais óvulos.
Como ponto contrário Friedman & Barrett
(2009a) questionam a ideia de ganho de aptidão
linear com a produção polínica, pois argumentam
que a relação provavelmente não seja linear. Isso
porque a distância de deslocamento dos grãos de
pólen não é infinita, assim como o número de óvulos
no raio de alcance de um indivíduo também não
o é. Dessa forma, dever-se-ia esperar um limite na
produção de grãos de pólen relacionado com o raio
de alcance de cada indivíduo/espécie (Friedman &
Barrett 2009a). No teste dessa hipótese se esperaria
um aumento linear na alocação de recursos para
produção de pólen com o aumento do tamanho
dos indivíduos, não necessariamente com a idade,
ou seja, indivíduos maiores que podem dispersar
seu pólen a maiores distâncias deveriam produzir
mais pólen, não os mais velhos (Fernández-Otárola
et al. 2013).
As pimentas-longas (Piperaceae) servirão como
exemplo para o presente capítulo, pois apresentam
flores muito pequenas, com perianto ausente, expostas, organizadas em inflorescências, próximas
entre si, com apenas um óvulo por ovário. O pólen
apresenta grãos muito pequenos e é pulverulento,
duas características típicas de flores polinizadas pelo
vento (Martin & Gregory 1962; Zandonella 1984).
A floração da comunidade de Piperaceae foi correlacionada significativamente com a velocidade do vento
(Figueiredo & Sazima 2000), o que é observado em
outras espécies de plantas anemófilas da mesma área
de estudo, que florescem principalmente nos meses
190 ⁞ Polinização abiótica
em que os ventos são mais fortes (Arruda & Sazima
1988; Passos 1995). A produção de muitas flores
pequenas, cada uma com um reduzido número de
óvulos, na visão de Friedman & Barrett (2011), demonstra uma estratégia de ampliação da superfície de
captura no espaço e no tempo, quando as flores não
abrem todas no mesmo dia, e a pequena quantidade
de óvulos por flor permite a produção de muito mais
flores. A probabilidade de apenas um estigma, ainda
que maior, receber grãos de pólen é menor que a de
vários. Se esse estigma único estiver associado a um
grande número de óvulos, seu fracasso representa
uma perda considerável, no entanto muitos estigmas,
associados cada qual a um baixo número de óvulos,
parecem diminuir o risco de perdas consideráveis
(Friedman & Barrett 2011). Essas estratégias podem
ser interpretadas como um aumento na eficiência da
polinização neste sistema, contrariando as ideias de
desperdício de pólen.
A protoginia (amadurecimento das estruturas
reprodutivas femininas antes das masculinas) foi encontrada nas pimentas-longas (Figueiredo & Sazima
2000), o que é considerado característica da maioria
das espécies anemófilas (Lloyd & Webb 1986; Bertin
& Newman 1993). O fato de a anemofilia ter evoluido
mais frequentemente a partir de sistemas protogínicos
do que protândricos reforça a ideia de ser um mecanismo de segurança reprodutiva, pois, nesse caso, as
chances de polinização cruzada parecem ser maiores
(Friedman & Barrett 2009a). A heterodicogamia, ou
seja, a presença de protoginia e de protandria em indivíduos da mesma espécie de forma sincronizada, foi
considerada outra importante alternativa, garantindo
a eficiência da polinização cruzada e o controle da
alocação de recursos em plantas anemófilas (Bai et
al. 2006). A espécie Ambrosia artemiisifolia L. ilustra
didaticamente essa situação (Friedman & Barrett
2009b). Nessa espécie, o aumento manipulativo de
sombreamento induziu indivíduos a aumentarem
o número de flores femininas (Paquin & Aarssen
2004). Além disso, plantas crescendo ao sol foram
maiores e protândricas, enquanto plantas crescendo à
sombra ficaram menores, protogínicas e produziram
proporcionalmente mais flores femininas (Friedman
& Barrett 2009b). Assim, cria-se um cenário onde
as espécies anemófilas podem alterar seus padrões de
floração em função das condições ambientais através
de uma flexibilidade da alocação de recursos em diferentes funções sexuais, um tópico que merece muito
mais estudo (Paquin & Aarssen 2004; Friedman &
Barret 2009b).
As pimentas-longas liberam o pólen das anteras
quando as inflorescências chocam-se umas às outras
ao se balançarem com o vento (Figueiredo & Sazima
2000), da mesma forma como ocorre em Piper nigrum L. (Martin & Gregory 1962; Sasikumar et
al. 1992). A maioria das espécies polinizadas pelo
vento tem adaptações que previnem a liberação de
pólen em condições de calmaria. Uma turbulência
atmosférica típica das condições micrometeorológicas
nas proximidades da planta parece ser o suficiente
para dar início à liberação de pólen (Urzay et al.
2009). Essas evidências mostram certo grau de especialização destas espécies, confrontando a ideia de
que a anemofilia seria uma condição “primitiva” em
angiospermas justificada pela falta de especialização
do sistema de polinização.
Apesar dos dados levantados para as Piperaceae
brasileiras, Semple (1974) sugeriu que a polinização
pelo vento é improvável nas espécies da família estudada na Costa Rica, mas não realizou testes específicos
para fortalecer sua sugestão. Esta sugestão feita pela
autora baseia-se na ideia tradicional de que a polinização pelo vento é ineficiente em florestas tropicais
úmidas (Percival 1965; Cruden 1977; Faegri & van
der Pijl 1979; Baker et al. 1983). Outros estudos,
André Rodrigo Rech
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Pedro Joaquim Bergamo
no entanto, contrapõem-se a esta ideia (Sutherland
1986; Honig et al. 1992; McKone 1985; Ramírez
1995). Destaca-se aqui a necessidade de estudos em
florestas tropicais para testar a prevalência e eficiência de sistemas anemófilos. O dossel das florestas
tropicais ainda é um universo abstrato na ecologia
da polinização (Maués 2006).
As pimentas-longas anemófilas da mata semidecídua crescem principalmente no interior da mata,
o que difere de outras espécies anemófilas, que se
encontram principalmente na borda da mata, local esperado por ser diretamente afetado pelo vento
(Arruda & Sazima 1988; Passos 1995). Geralmente,
as condições para transporte de pólen são menos
propícias no interior da mata, pois a velocidade do
vento é menor e as barreiras ao movimento do pólen são maiores (Whitehead 1969; Soderstrom &
Calderon 1971; Karr 1976). Existem poucos exemplos
de plantas eficientemente polinizadas pelo vento no
sub-bosque das florestas, mas algumas espécies de
Moraceae parecem apresentar essa forma de reprodução (Bawa & Crisp 1980; Bawa et al. 1985). O
transporte de pólen pelo vento no interior da mata
pode ocorrer devido à presença de clareiras ou de
um componente herbáceo-arbustivo, possibilitando
correntes de ar próximas ao solo (Leitão-Filho 1995).
A floração da maioria das espécies anemófilas é
sincrônica, possibilitando que grande quantidade de
pólen seja dispersada ao mesmo tempo e em vários
locais da mata. Marquis (1988) encontrou maior
produção de frutos em populações cujos indivíduos
floresciam em sincronia do que indivíduos que floresciam isoladamente. Figueiredo & Sazima (2007)
encontraram um grupo de pimentas-longas, do gênero
Peperomia, com polinização cruzada pelo vento, com
períodos de floração correlacionados significativamente ao aumento na velocidade do vento. Bolmgren et al.
(2003) reforçam a ideia de que a floração de espécies
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Rodolfo Antônio de Figueiredo ⁞
191
anemófilas concentra-se no período “dos bons ventos”,
uma vez que os autores não verificaram segregação
fenológica na comunidade por eles estudada. Essa
sincronia na fenologia levanta questões sobre como
essas espécies anemófilas evitam a deposição imprópria de pólen, tema pouco explorado ainda.
Por fim, cabe ressaltar que o Brasil se destaca pela
imensa biodiversidade, cuja maioria das espécies ainda
se encontra completamente desconhecida quanto ao
mecanismo de polinização. Estudos com espécies
tropicais são fundamentais para esclarecer padrões
como a regionalização geográfica da polinização pelo
vento, já sugerida, porém pouquíssimo estudada nos
trópicos. Além disso, o caráter adaptativo da polinização pelo vento carece de estudos quanto à sua
prevalência em ambientes estruturalmente diferentes,
porém climaticamente semelhantes, como ocorre na
transição de vários biomas brasileiros. Percebe-se,
assim, um imenso potencial dos estudos com espécies
anemófilas no entendimento de mecanismos que
operam desde o nível individual (alocação sexual de
recursos), populacional (relações denso-dependentes e
fragmentação de habitat), de comunidade (influências
dos contextos biótico e abiótico na reprodução) e macroecológico (padrões de distribuição das estratégias
reprodutivas considerando o clima pretérito e possíveis
projeções frente a cenários de mudanças climáticas).
Hidrofilia
A polinização pela água (hidrofilia) foi considerada
por Proctor et al. (1996) uma raridade, e Faegri &
van der Pijl (1979) a trataram como existente em
poucos casos específicos. No entanto, a hidrofilia já
foi reportada em duas famílias de eudicotiledôneas e
em nove famílias de monocotiledôneas, e a diversidade filogenética entre os taxa indica que este sistema
de polinização evoluiu diversas vezes. Além disso,
192 ⁞ Polinização abiótica
apesar da ocorrência limitada a alguns grupos (cerca
de 3% das famílias de angiospermas), as espécies
hidrófilas possuem ampla distribuição geográfica
(Philbrick 1991).
Em comparação aos outros sistemas de polinização, a hidrofilia é o tema menos estudado. As espécies
polinizadas pela água receberam pouca atenção dos
pesquisadores, talvez devido ao tratamento histórico
dado a este sistema – por muito tempo as espécies
hidrófilas foram consideradas “primitivas” em relação
às espécies com polinização biótica, pois se acreditava
que desperdiçavam muito pólen. Contrapondo o que
se pensava, esforços recentes têm mostrado que a
polinização abiótica em geral é um estado derivado e
mecanismos sofisticados foram descritos para os sistemas de polinização pela água, como veremos a seguir.
As espécies hidrófilas possuem a água como vetor
de pólen, mas nem todas as espécies aquáticas são
hidrófilas. Como na anemofilia, muitas espécies hidrófilas possuem as funções reprodutivas femininas e
masculinas separadas. As espécies podem ser dioicas
ou díclinas, e existem casos em que a separação das
funções masculina e feminina ocorrem no tempo
(dicogamia). Esses são mecanismos que promovem a
polinização cruzada, o que indica uma pressão para
o favorecimento deste tipo de estratégia associada à
hidrofilia.
Outras características comuns à hidrofilia envolvem a presença de estigmas expostos, grandes, rígidos
e por muitas vezes bífidos, o que promove a captura
do pólen em um meio fluido como a água. O pólen
possui exina reduzida e aberturas mais profundas que
de espécies zoófilas (Diez et al. 1988), além de ser
mais alongado, o que aumenta sua hidrodinâmica.
As estruturas do perianto, geralmente associadas à
atração de visitantes florais visualmente orientados,
são reduzidas nas flores hidrófilas. Tais características
são tão recorrentes, mesmo entre espécies não aparentadas, que indicam uma forte convergência evolutiva
em plantas polinizadas pela água (Cox 1988).
As características do pólen e de sua dispersão
na água revelam dois mecanismos de polinização:
espécies em que o pólen é transportado na superfície da água (epi-hidrofilia) ou, então, transporte
submerso (hipo-hidrofilia) (Cox 1988). Cada forma
de dispersão apresenta diferentes adaptações características associadas, visto que, na primeira, o pólen
é transportado em duas dimensões, enquanto na
última é em três. Assim, trataremos separadamente
destes dois sistemas.
Epi-hidrofilia
Na epi-hidrofilia, a polinização ocorre na superfície da
água. Esse é o sistema mais comum entre as plantas
hidrófilas e, como o pólen se move em apenas um
plano, aumenta as chances de seu encontro com o
estigma, em comparação com a hipo-hidrofilia. O
pólen pode estar molhado ou seco, dependendo de
como é transportado até o estigma.
Quando a dispersão ocorre com os grãos de pólen
molhados, estes são liberados diretamente na água.
Normalmente, o pólen possui adaptações que o fazem
flutuar, como ornamentações ou até mesmo produção
de grãos de amido (Mahabale 1968). Os grãos de
pólen epi-hidrófilos possuem morfologia reniforme e
podem formar agregados devido a proteínas de adesão
na parede do grão ou a partir de mucilagem produzida
na própria antera (Pettitt 1981), o que aumenta a deposição de grãos ao contatarem o estigma. A liberação
dos grãos de pólen pode ocorrer diretamente pelas
anteras, quando as flores se encontram na superfície
da água, porém para a grama marinha Amphibolis
antarctica (Labill.) Asch. as flores masculinas são
André Rodrigo Rech
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Pedro Joaquim Bergamo
submersas, mas se desprendem da planta, e apenas
ao chegar à superfície liberam o pólen. Em Lepilaena
cylindrocarpa (Körn. ex Müll.Stuttg.) Benth., outra
grama marinha, ocorre um mecanismo semelhante,
porém apenas as anteras se desprendem da flor e
chegam à superfície, revelando diferentes vias que
atingem o mesmo padrão final.
A dispersão do pólen seco ocorre, por exemplo,
em Vallisneria, um gênero típico de água doce e com
flores dioicas (Proctor et al. 1996). As flores masculinas submersas, ao terminarem o desenvolvimento, se
desprendem da planta e chegam à superfície. Neste
momento, as sépalas abrem e revelam as anteras,
cuja deiscência expõe os grãos de pólen. As flores
femininas continuam presas à planta e são levadas
até a superfície por hastes, onde as sépalas expõem
os estigmas. A flor feminina possui propriedades
hidrofóbicas, o que mantém os estigmas secos e cria
um menisco no filme de água. A flor masculina inteira é carregada pela água e, ao chegar a uma flor
feminina, a tensão gerada pelo menisco promove o
contato dos grãos de pólen com o estigma. Existem
casos nos quais as flores femininas fazem movimentos
helicoidais durante seu desenvolvimento (aspecto
comum ao desenvolvimento de órgãos na maioria
das angiospermas), aumentando a área de “captura”
de flores masculinas (Kosugue et al. 2012).
Hipo-hidrofilia
Para as espécies hipo-hidrófilas, o pólen carregado
pela água está submerso. Este sistema é mais comum
entre as monocotiledôneas, representadas pelas gramas marinhas. A diferença crucial para as gramas
marinhas epi-hidrófilas é que estas possuem as estruturas reprodutivas acima da lâmina de água, enquanto as estruturas das hipo-hidrófilas são submersas.
Para as eudicotiledôneas existem apenas dois casos
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Rodolfo Antônio de Figueiredo ⁞
193
descritos, em Ceratophyllum e em Callitriche. Como
na maioria das plantas hidrófilas, normalmente as
funções sexuais estão separadas nas flores e o perianto
é reduzido.
As gramas marinhas apresentam o mecanismo mais geral deste sistema de polinização. Como
exemplo usaremos Zostera marina L., uma grama
marinha com ampla distribuição geográfica. Os grãos
de pólen são liberados diretamente pelas anteras de
flores masculinas submersas e carregados pelas correntes marinhas até os estigmas de flores femininas.
A formação de agregados (bancos) é comum entre
as gramas marinhas, aumentando a chance de os
grãos de pólen aderirem ao estigma da flor de outro
indivíduo. Além disso, a morfologia do estigma cria
pequenos “redemoinhos” a partir do movimento da
água, aumentando a eficiência da captura dos grãos
de pólen (Ackerman 1997).
Os dois casos descritos para as eudicotiledôneas
diferem um pouco do que ocorre com monocotiledôneas hipo-hidrófilas. Em Ceratophyllum demersum
L., os estames das flores masculinas submersas se
desprendem e chegam até a superfície, onde liberam o pólen, porém os grãos de pólen afundam e
são carregados submersos até os estigmas das flores
femininas. Já em Callitriche existe a produção de
flores submersas e na superfície da água, de ambas as
funções sexuais. Assim, há um misto de polinização
hipo e epi-hidrófila (Philbrick & Anderson 1992). De
fato, é comum haver diferentes mecanismos para o
transporte do pólen pela água em uma mesma espécie
hidrófila (Cox 1988), revelando ser um sistema mais
dinâmico do que se pensou a princípio.
O que merece destaque na hipo-hidrofilia é a
morfologia dos grãos de pólen, convergente para a
maioria das espécies (Ackerman 2000). Os grãos possuem formato filamentoso, como em Zostera marina
194 ⁞ Polinização abiótica
L. (Ackerman 1997), ou então são “funcionalmente”
filamentosos. Para as gramas marinhas do gênero
Thalassia Banks ex König, o grão-de-pólen é esférico,
porém uma mucilagem produzida no androceu faz
que os grãos fiquem aderidos, assumindo um formato
filamentoso. Um exemplo mais extremo dessa morfologia “funcional” é apresentado por Callitriche: os
grãos de pólen germinam ainda na água, e os tubos
polínicos de formato filiforme atingem os estigmas
(Philbrick & Anderson 1992). Esta convergência é
encarada como uma adaptação à polinização hipo-hidrófila, pois aumenta a superfície de contato e, assim,
mesmo que apenas uma parte do grão de pólen entre
em contato com o estigma, já pode ser suficiente para
a polinização (Ackerman 1997).
da planta durante períodos chuvosos, quando os
insetos são mais raros ou até ausentes (Fan et al.
2012). Há que se destacar que, ao ser tratada desta
maneira, a polinização pela chuva permanece como
um acaso, em que basta à espécie ser autocompatível para a polinização ocorrer. Porém Williams
(2013) demonstrou que o grão de pólen de espécies
de Pinus pode germinar mesmo após temperaturas
de congelamento semelhantes às da condensação
das nuvens, sugerindo a possibilidade de o pólen ser
transportado entre plantas via ciclo da água, o que
seria caracterizado como uma adaptação. Portanto, o
debate entre classificar a ombrofilia como um sistema
de polinização ou não ainda está aberto.
Hidrofilia: perspectivas antigas e atuais
Outros casos: a polinização pela
chuva
Um último caso relacionado à hidrofilia é a polinização pela chuva (também denominada ombrofilia),
no qual as gotas de chuva que atingem as anteras
podem transportar os grãos de pólen para o estigma da mesma ou de flores próximas. Faegri & van
der Pijl (1979) consideram duvidosa a eficácia desta
modalidade. No entanto, recentemente foi demonstrado que este mecanismo é eficaz em uma espécie
de orquídea primariamente polinizada por abelhas,
uma vez que as gotas de chuva provocaram a ejeção
da polínia, fazendo-a cair dentro da cavidade estigmática e resultando em autopolinização (Pansarin
et al. 2008). Outra orquídea possui um mecanismo
semelhante, mas é polinizada primariamente por
borboletas (Aguiar et al. 2012).
Este tipo de polinização pode ser interpretado
como um mecanismo de segurança reprodutiva,
onde a polinização pela chuva garante a reprodução
Como vimos, a polinização pela água evoluiu posteriormente à polinização por insetos, tornando
equivocada a visão de que as espécies hidrófilas são
“primitivas”. Vemos isso em Alismatales, ordem de
monocotiledôneas que reúne a maior parte das famílias marinhas das angiospermas, em que a polinização
pela água evoluiu em grupos mais recentes (Tanaka
et al. 2004). A transição de sistemas bióticos para
hidrófilos pode ser mais frequente do que se pensava
– os gêneros Vallisneria e Enhalus (Hydrocharitaceae),
por exemplo, conservaram as pétalas e estas possuem
função no transporte do pólen. As flores do gênero
Halophila (Hydrocharitaceae) também possuem pétalas vistosas, porém não foi identificada uma função
aparente para elas (Cox 1991). A polinização pela água
também evoluiu a partir de ancestrais polinizados
pelo vento, como observado em Plantaginaceae.
A importância da reprodução assexuada para
a maioria das plantas hidrófilas levou Les (1988)
a sugerir que estas possuiriam baixa variabilidade
genética e que a reprodução sexuada teria pouca
André Rodrigo Rech
♦
Pedro Joaquim Bergamo
importância. O mesmo autor propôs que a separação
das funções masculina e feminina seria apenas um
caráter conservado dos ancestrais anemófilos. Porém
estudos recentes mostram que as espécies hidrófilas
possuem maior variabilidade genética que o esperado
– indicando altas taxas de alogamia (Laushman 1993;
Reusch 2000). No gênero Phyllospadix (Zosteraceae)
foi encontrada limitação de pólen (quando a indisponibilidade de pólen limita a reprodução), uma forte
evidência da importância da reprodução sexuada em
gramas marinhas (Shelton 2008). Além disso, alta
taxa de reprodução vegetativa pode ser interpretada
como um caráter conservado das monocotiledôneas
(que reúne a maioria das espécies hidrófilas), e não
uma estratégia evolutiva intrínseca à polinização
pela água.
Há que se ter cuidado com os paradigmas (e a
substituição deles) em ciência. Para Thalassia testudinum Banks & Sol. ex K.D.Koenig foi encontrada
uniformidade genética entre as populações da Flórida
(Schlueter & Guttman 1998). Como são espécies que
possuem ampla distribuição e o ambiente aquático
pode ser tanto estável como dinâmico, parece ser mais
sensato pensar que há um equilíbrio entre reprodução assexuada e sexuada para as espécies hidrófilas,
dependendo do contexto em que evoluíram e a quais
condições ambientais estão sujeitas (Philbrick & Les
1996).
A reprodução assexuada é favorecida em ambientes com pouca competição intraespecífica (ou,
no caso, até entre diferentes módulos do mesmo
indivíduo), em que os recursos não são limitantes. Já
em ambientes mais estáveis, a reprodução assexuada
pode significar a manutenção de características adaptadas às condições deste ambiente. Neste contexto, a
própria vida na água requer características específicas,
reforçando a forte convergência evolutiva observada
entre as angiospermas aquáticas em geral. Porém
♦
Rodolfo Antônio de Figueiredo ⁞
195
os ambientes aquáticos podem ser muito heterogêneos – basta para isso imaginarmos áreas costeiras
ou rios com fortes correntes. Assim, a reprodução
sexuada seria favorecida neste contexto por aumentar
a variabilidade genética e, por consequência, a sobrevivência e permanência nestes ambientes (Philbrick
& Les 1996). Por fim, não podemos esquecer que,
ao longo da evolução dos organismos, um ambiente
pode mudar de estável para dinâmico diversas vezes.
Talvez o primeiro paradigma a respeito da hidrofilia, tangente ao desperdício de pólen, seja o mais
atacado atualmente. Como a hidrofilia é altamente
associada à dioicia (morfológica ou funcional), tanto
o transporte como a captura do pólen devem ser eficientes. No gênero Phyllospadix foi observado insucesso
da reprodução sexuada devido ao número reduzido de
indivíduos masculinos (Shelton 2008), entretanto, ao
longo do texto, descrevemos diversos mecanismos que
aumentam a eficiência da captura dos grãos de pólen.
Estudos de fenologia mostram também que espécies
marinhas (tanto epi-hidrófilas como hipo-hidrófilas)
possuem floração sincronizada com as correntes de
água, o que sugere uma pressão seletiva exercida por
tais movimentos d’água (Cox 1988).
Em uma escala mais fina, a própria liberação
do pólen precisa ocorrer em condições favoráveis
de movimentação da água. Na epi-hidrofilia, o fluxo de água precisa ser moderado, caso contrário a
polinização é reduzida (Sullivan & Titus 1996); e
na hipo-hidrofilia a presença de correntes determina a liberação do pólen pelas anteras (Ackerman
1997). Assim, é possível perceber, nas espécies hidrófilas, mecanismos de reconhecimento e resposta
aos movimentos da água, aumentando a eficiência
do transporte do pólen. Portanto há a necessidade
de se avaliar com cautela a reprodução das espécies
hidrófilas antes de tirar conclusões sobre o sucesso
ou insucesso da polinização.
196 ⁞ Polinização abiótica
O estudo da hidrofilia, apesar de este ser um
sistema raro, é importante no sentido de se ter uma
melhor compreensão da plasticidade existente na biologia floral das angiospermas e, com isso, melhorar o
entendimento da biogeografia evolutiva deste grupo
vegetal. Por exemplo, um recente estudo utilizando
gêneros de Hydrocharitaceae, uma família que exibe
uma série notável de sistemas de polinização, permitiu
a conclusão de que a variação na estrutura de exina
dos grãos de pólen está relacionada a pressões seletivas que atuaram nos mecanismos de polinização,
reduzindo as esculturas nas espécies hipo-hidrófilas
(Tanaka et al. 2004).
A própria evolução da vida aquática nas angiospermas é notável por ser um grupo que surgiu a
partir de ancestrais terrestres. Estudar a ecologia da
polinização das plantas hidrófilas se mostra como
uma questão interessante, uma vez que compreender
uma das principais estratégias reprodutivas da vida
aquática pode ajudar na compreensão de padrões
maiores na evolução das angiospermas.
A hidrofilia ainda permanece com muitas questões abertas e esperamos que, ao final da leitura deste
capítulo, tenhamos conseguido mostrar um pouco
dos mecanismos de polinização e das discussões
atuais dentro do tema – todas ainda com muito a se
explorar. O Brasil, com uma grande diversidade de
ambientes aquáticos (desde um extenso litoral, bacias
hidrográficas e lagos), mostra um potencial muito
grande para estudos com hidrofilia.
Ambofilia
Ambofilia é a condição de polinização na qual
ocorre transporte de pólen mediado por vetores
bióticos e abióticos concomitantemente. Friedman
& Barrett (2011) apresentam os cenários ecológicos
nos quais esse sistema misto poderia ser adaptativo.
Para esses autores, a polinização abiótica deveria
evoluir quando vetores bióticos fossem pouco eficientes ou deixassem de existir, ou seja, uma forma
de segurança reprodutiva (Anderson 1976; Hesse
1979; Melampy & Hayworth 1980; Brantjes 1981;
Regal 1982; Stelleman 1984; Dafni & Dukas 1986;
Juncosa & Tomlinson 1987; Bullock 1994). Além
disso, cenários ecológicos envolvendo competição
com espécies mais atrativas poderiam favorecer
também a ambofilia (Culley et al. 2002). Caso a
flutuação no serviço de polinização biótico seja
temporária ou sazonal, a manutenção de uma condição intermediária, utilizando “o melhor de dois
mundos”, poderia oferecer vantagens adaptativas
(Culley et al. 2002).
Ainda não está claro na literatura o quão evolutivamente estável é a ambofilia. Cogita-se que ela
pode ser apenas um passo intermediário na transição
entre sistemas bióticos e abióticos de polinização
(Friedman & Barrett 2009a,b; Torretta & Basilio
2009; Ríos et al. 2014). Uma evidência a favor da
estabilidade seria a demonstração da maior efetividade de sistemas ambófilos, quando comparados
com outros proximamente relacionados que fossem
puramente zoófilos ou anemófilos, o que, até o presente, está pouco demonstrado (Culley et al. 2002).
Mesmo que não sejam superiores em termos de eficiência, é necessário considerar o componente de
resistência e estabilidade que esses sistemas podem
possuir na medida em que dependem de dois vetores
de dispersão polínica tão díspares: um biótico e um
abiótico. O caráter positivo da estratégia mista parece ficar claro quando se considera que ela evoluiu
várias vezes em diversas famílias de plantas, como
Arecaceae, Ericaceae, Euphorbiaceae, Polemoniaceae,
Ranunculaceae e Salicaceae (Faegri & van der Pijl
1979; Culley et al. 2002; Duan et al. 2009; Barfod et
André Rodrigo Rech
♦
Pedro Joaquim Bergamo
al. 2011; Yamasaki & Sakai 2013, Ríos et al. 2014).
A ambofilia já foi demonstrada até mesmo em gimnospermas (Kono & Tobe 2007).
Estudos realizados com palmeiras registraram
uma densidade muito maior de animais em inflorescências masculinas (Listabarth 1993). Esse dado levou
a autora a sugerir que o papel dos visitantes florais
pudesse ser apenas o de contribuir para a liberação
do pólen das anteras, o qual seria então transportado
pelo vento (Listabarth 1993). No entanto estudos posteriores mostraram que muitas espécies de palmeiras,
mesmo sendo visitadas, podem liberar o pólen sem a
participação de animais (Ríos et al. 2014). Além disso,
foi também demonstrado que a menor frequência
de animais em inflorescências femininas se dá pela
maior intensidade de defesas químicas e mecânicas
dos tecidos dessas flores. Dessa forma, as visitas a
flores femininas ocorrem apenas ocasionalmente por
engano, o que, no entanto, garante um fluxo gênico
mediado bioticamente (Ríos et al. 2014).
Historicamente se assumiu que a anemofilia
deveria ser favorecida em ambientes abertos e com
muito vento. De fato, isso foi demonstrado em
algumas espécies como Attalea speciosa Mart., que
foi caracterizada como ambófila, e a importância da
anemofilia foi maior em áreas abertas como pastagens em comparação com áreas florestais (Anderson
et al. 1988). O mesmo também foi documentado em
Cocos nucifera L., cuja importância relativa dos componentes biótico e abiótico da polinização também
variou em função do contexto ambiental no qual
indivíduos da espécie ocorriam (Meléndez-Ramírez
et al. 2004). No entanto, surge um problema quando esse favorecimento de sistemas envolvendo o
vento em áreas abertas é transformado no mito de
que polinização pelo vento ocorre apenas nessas
condições. Chegou-se a excluir, por exemplo, a
expectativa de que existam espécies anemófilas ou
♦
Rodolfo Antônio de Figueiredo ⁞
197
ambófilas em florestas pluviais. A refutação desse
paradigma tem crescido na literatura.
Entre as palmeiras do gênero Chamaedorea
(nativo em florestas pluviais tropicais), foi demonstrado que tanto a polinização anemófila quanto a
por insetos são importantes meios de deposição de
pólen em estigmas coespecíficos (Ríos et al. 2014).
A dispersão do pólen em ambientes úmidos se deve
em grande parte ao pólen seco e pulverulento que
essas espécies apresentam, o qual pode ser facilmente
disperso, mesmo por brisas suaves. Obviamente a
anemofilia é facilitada em ambientes abertos e com
ventos fortes, porém o que se ressalta aqui é que talvez
essas não sejam condições exclusivas. Além disso, os
principais visitantes florais de flores de Chamaedorea
em florestas úmidas foram tripes, os quais supostamente deslocam-se muito pouco, levando os autores
a sugerir um papel do vento na dispersão polínica de
maior distância (Kondo et al. 2011; Ríos et al. 2014).
Culley et al. (2002), em sua revisão, destacam
aspectos metodológicos importantes no estudo de
supostos casos de ambofilia. Os autores iniciam afirmando que, para distinguir ambofilia de sistemas
puros, tanto zoófilos quanto anemófilos ou hidrófilos,
são necessários experimentos de campo. Esses experimentos devem ser combinados com observações
do polinizador e testes envolvendo ensacamento de
flores e coleta de pólen flutuando no ar. No entanto
a coleta de pólen diretamente do ar não é tão simples quanto colocar superfícies planas expostas para
capturar grãos de pólen. Como vimos anteriormente,
a arquitetura floral e dos ramos da planta cria condições que levam à captura seletiva de grãos de pólen
coespecíficos. Nesse sentido, comparar estigmas de
flores ensacadas e abertas pode ser mais realista, o
que pode ser complementado com experimento em
túneis de vento, nos quais diferentes cenários podem
ser simulados (Culley et al. 2002).
198 ⁞ Polinização abiótica
Figueiredo & Sazima (2000; 2004) observaram
que várias espécies de Piperaceae apresentam polinização mista (insetos e vento) na Mata Atlântica
brasileira. Os insetos, visitando as inflorescências das
pimentas-longas anemófilas e/ou autocompatíveis,
provavelmente contribuiriam para aumentar a taxa
de polinização cruzada. O equilíbrio entre anemofilia
e entomofilia como sistema principal de polinização
das espécies de Piperaceae possivelmente varia em
função da época do ano em que ocorre floração, das
características do micro-habitat e da atração diferencial que cada espécie exerce sobre os insetos visitantes.
Além das Piperaceae, a sinergia da polinização
anemófila e biótica foi registrada em outras espécies como Urginea maritima (L.) Baker (Dafni &
Dukas 1986) e Linanthus parviflorus (Benth.) Greene
(Goodwillie 1999). Esses estudos ressaltam o caráter de segurança reprodutiva em sistemas mistos
de plantas que ocorrem em ambientes muito variáveis (sazonalmente ou não). Populações de sirfídeos
polinizadores de Piperaceae, especialmente as de
tamanho corporal pequeno, como Ocyptamus, apresentam flutuações sazonais na densidade demográfica (Bankowska 1989; Owen & Gilbert 1989). No
Brasil, Figueiredo & Sazima (2000) encontraram
que pimentas-longas, que tiveram como principais
polinizadores espécies de Ocyptamus, apresentaram
também polinização pelo vento.
Com relação a variações espaciais, o mesmo padrão de suplementação polínica foi registrado para
espécies alpinas, nas quais a contribuição vinda da
polinização abiótica aumentou à medida que a polinização por animais diminuiu com o aumento da
altitude (Salix lapponum L. – Totland & Sottocornola
2001; Ptilotrichum spinosum (L.) Boiss. - Gómez &
Zamora 1996). Um terceiro fator foi adicionado
por Culley et al. (2002): a competição interespecífica, na qual plantas sincronopátricas muito atrativas
poderiam atrair a maioria dos potenciais polinizadores, de forma que as espécies de menor atratividade
seriam beneficiadas ao se valerem de vetores abióticos.
Embora muito plausível, esse terceiro cenário ainda carece ser testado empiricamente. Segundo Cox
(1991), espécies que utilizam tanto insetos como o
vento na dispersão do pólen têm ampla distribuição,
grande habilidade de colonização, sobrevivência em
locais com baixa diversidade de insetos e flexibilidade
fenológica.
A ambofilia é rara em sistemas polinizados também pela água. Os estudos que descrevem polinização
pela água e por animais são aqueles que abordam a
polinização pela chuva (ver item “Hidrofilia”). Nas
espécies epi-hidrófilas, em que as flores inteiras estão
emersas e poderiam ser visitadas por animais, não
se conhecem casos de ambofilia. No caso de flores
submersas, porém, foi descrito forrageamento de
invertebrados marinhos (crustáceos e poliquetas)
em flores de Thalassia testudinum Banks & Sol. ex
K.D.Koenig, nas quais a mucilagem produzida pelas
anteras é utilizada como alimento (van Tussenbroek
et al. 2012). Não foi testado o papel destes visitantes
florais como polinizadores, porém fica em aberto
uma nova possibilidade de sistema de polinização.
A descoberta de que muitos sistemas de polinização anteriormente considerados abióticos na verdade
constituem sistema mistos (ambófilos) (Cresswell et
al. 2004), como ocorre com várias espécies utilizadas
na agricultura, reforça a necessidade da redução no
uso de agrotóxicos, os quais agem tanto sobre insetos
considerados pragas quanto sobre os polinizadores.
Além disso, a dispersão do agrotóxico não se atém
à área de lavoura onde é aplicado. Entre 30% e
70% da quantidade de agroquímicos aplicada atingem áreas fora da lavoura, mesmo quando todas as
normas técnicas para sua aplicação são seguidas,
através de seu transporte pelo vento e pela água
André Rodrigo Rech
♦
Pedro Joaquim Bergamo
(Londres 2011). As pesquisas atuais mostram que
vários agrotóxicos comercializados no Brasil têm
efeitos letais e subletais sobre insetos polinizadores
(Freitas & Pinheiro 2012; van der Valk et al. 2013),
o que coloca em risco a polinização futura de plantas
silvestres e cultivadas.
Importância socioambiental
O pólen disperso pelo vento pode ser alérgico, ou seja,
em pessoas geneticamente predispostas pode gerar
uma resposta imunitária exacerbada ou diferente da
esperada (Brasileiro Filho 2000). No Brasil, a doença
polínica (polinose) foi registrada apenas recentemente,
surgindo na região Sul do país a partir do início da
década de 1970, sendo até então rara ou inexistente
(Rosário Filho 1997). A doença polínica é caracterizada por inflamação nas vias respiratórias devido ao
contato do alérgeno com a mucosa nasal, sendo que
espécies de Poaceae estão entre as principais fontes
de alérgenos (D’Amato et al. 2007).
Um dos mais importantes eventos evolutivos,
que posteriormente teve profundas implicações para
a história da humanidade, foi o surgimento das gramíneas (Poaceae), porque as mesmas são facilmente
cultivadas e constituem uma das principais fontes
de carboidratos na alimentação humana (Pedraza
2004). Atualmente, cerca de metade dos carboidratos consumidos pelos seres humanos tem origem
nas gramíneas. Rodríguez et al. (2005) mostram
que a grande produção de grãos das principais gramíneas cultivadas, ou seja, arroz (Oryza sativa L.),
aveia (Avena sp.), cevada (Hordeum vulgare L.), milho
(Zea mays L.) e trigo (Triticum sp.), pode ser explicada pelas baixas demandas de polinização. Além
disso, as culturas de arroz, trigo, milho e, no Brasil,
também de cana-de-açúcar ocupam milhões de hectares plantados à custa de forte mecanização e uso
♦
Rodolfo Antônio de Figueiredo ⁞
199
intensivo de fertilizantes químicos, de agrotóxicos e
de variedades transgênicas, com impactos fortíssimos
para conservação da diversidade biológica (Gliessman
2005; Cox & Moore 2009).
As evidências baseadas em pólen fóssil indicam
o surgimento das gramíneas entre 65 e 55 milhões
de anos, sendo que o mais antigo registro de macrofóssil (planta inteira com inflorescência) data de 55
milhões de anos, de depósitos na Inglaterra e nos
Estados Unidos (Willis & McElwain 2002). Estas
são as mais antigas evidências de monocotiledôneas
herbáceas polinizadas pelo vento. A partir do seu
surgimento, as gramíneas lentamente se expandiram pelo planeta, sendo atualmente um importante
componente da vegetação global, especialmente em
áreas abertas e florestas de bambus.
O uso de plantas polinizadas de forma abiótica
na agricultura possibilitou o desenvolvimento da
mesma ainda mais desacoplada da questão ambiental. Com as principais culturas não dependendo de
polinização biótica é possível a existências de extensos
monocultivos sem áreas protegidas, que possibilitem abrigar animais polinizadores, e a produção é a
mesma ou pelo menos grande o suficiente para não
demandar que se mantenha de forma obrigatória (e
a priori) algo conservado. Se pensarmos em espécies
de polinização biótica, o impacto da fragmentação
e da perda de diversidade geral e, por consequência,
de polinizadores é evidente na produção de frutos,
portanto demanda práticas que conservem tais polinizadores para garantir o rendimento da própria
cultura em plantio (Capítulo 21). A possibilidade de
produzir alimentos sem polinizadores pode ter sido
um dos pilares da revolução verde, mas ao mesmo
tempo também pode estar contribuindo com a crise
global de perda de diversidade biológica causada pela
agricultura.
200 ⁞ Polinização abiótica
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Foto: Mardiore Pinheiro
*
Capítulo 9
*
Polinização por abelhas
Mardiore Pinheiro1, Maria Cristina Gaglianone2, Carlos Eduardo Pereira Nunes3,
Maria Rosângela Sigrist4 e Isabel Alves dos Santos5
1
Universidade Federal da Fronteira Sul – Rua Major Antonio Cardoso, 590 – CEP: 97900-00 – Cerro Largo-RS – Brasil. e-mail:
mardiore.pinheiro@gmail.com
2
Laboratório de Ciências Ambientais, Centro de Biociências e Biotecnologia, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro – Av. Alberto Lamego, 2.000 – Campos dos Goytacazes-RJ – Brasil.
3
Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal, Departamento de Biologia Vegetal, Instituto de Biologia, Universidade
Estadual de Campinas – Campinas-SP – Brasil – Caixa postal 6109.
4
Laboratório de Botânica, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – Campo
Grande – MS – Brasil – Caixa postal 549.
5
Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo – CEP: 05508-900 – São Paulo-SP – Brasil.
A
s abelhas formam um grupo diverso e numeroso, com mais de 16 mil espécies e modo de vida variando
de solitário a social. A grande maioria alimenta-se exclusivamente de recursos florais, estabelecendo
relações estreitas com as angiospermas ao longo da evolução de ambos os grupos. Assim, flores e abelhas
polinizadoras apresentam inúmeros casos de adaptação recíproca. Além de servirem como fonte de alimento
(pólen, néctar e óleo), recursos florais são fundamentais para as abelhas por serem utilizados como componentes das células de cria (óleo, resina), na construção dos ninhos (resina) e no comportamento reprodutivo
(perfumes). Neste capítulo são abordados aspectos da biologia e do comportamento de abelhas, apresentados
exemplos de interações com flores de angiospermas e discutido o papel destes insetos na polinização da flora
em formações vegetais brasileiras.
206 ⁞ Polinização por abelhas
Introdução
A diversidade morfológica e comportamental dos
diferentes grupos de abelhas torna possível a estes
insetos explorar grande variedade de tipos florais,
ao passo que a maioria das espécies de angiospermas
possui flores visitadas e polinizadas, principalmente
ou exclusivamente, por abelhas.
As interações deste grupo de polinizadores com
variados tipos de flores desafiam a abordagem clássica
de síndrome de polinização (Faegri & van der Pijl
1979). Flores melitófilas (i.e., antese diurna, presença
de odor, de plataforma de pouso, predomínio de
cor azul, amarela ou púrpura e presença de guias de
recursos florais) podem também ser visitadas e polinizadas por outros grupos de polinizadores, enquanto
flores ditas como não melitófilas podem também ser
visitadas e polinizadas por abelhas.
Por outro lado, muitas vezes a coleta de recursos
florais requer caracteres ajustados com a morfologia
da flor, resultando em interações estreitas entre certos
tipos de flores e grupos de abelhas com adaptações
morfológicas e/ou comportamentais específicas para a
coleta dos recursos. Por exemplo, o pólen pode estar
“escondido” em partes florais para evitar o desperdício com visitantes não polinizadores. Neste caso, as
abelhas polinizadoras legítimas possuem caracteres
especiais para alcançar e retirar este pólen. Da mesma maneira, flores com corola longa apresentam o
néctar na base do tubo, exigindo uma língua longa
para atingir o fundo (Alves dos Santos 2001), bem
como comportamento adequado do polinizador para
manipular a flor.
Outros recursos florais, como óleos, resinas e
perfumes, são explorados exclusivamente por certos
grupos de abelhas, com comportamentos específicos
e estruturas morfológicas adequadas para coleta,
localizadas principalmente nas pernas. Óleos e resinas
estão primariamente associados à construção dos
ninhos, embora os óleos também possam ser misturados ao pólen no alimento larval, provavelmente
como fonte energética. Recursos florais destinados
à alimentação da cria e à construção do ninho são
exclusivamente coletados por fêmeas. Já os perfumes
são usados somente por machos de abelhas da tribo
Euglossini (Apidae), também chamadas de abelhasdas-orquídeas (Eltz et al. 2005b).
Neste capítulo serão apresentados aspectos da
biologia, do comportamento e da polinização de
flores por abelhas. Além disso, abordaremos o papel
das abelhas na polinização de plantas de diferentes
ambientes vegetais, bem como mencionaremos sobre
a importância da preservação deste grupo de vetores
de pólen.
Biologia e comportamento de
abelhas
Entre os agentes polinizadores bióticos, as abelhas
merecem papel de destaque, pois dependem das flores
(ou dos recursos florais) para sua sobrevivência, tendo
dessa forma estabelecido relações estreitas com as
angiospermas ao longo de sua evolução. Além disso,
estes insetos formam um grupo numeroso e diverso,
com mais de 16 mil espécies descritas no mundo
(Michener 2007). No Brasil estima-se que a apifauna reúne 1.678 espécies descritas em cinco famílias:
Colletidae, Andrenidae, Halictidae, Megachilidae e
Apidae (Silveira et al. 2002; Moure et al. 2007). As
Figs. 9.1 e 9.2 ilustram alguns exemplos da diversidade
da fauna de abelhas no Brasil.
As espécies de abelhas variam em tamanho (2-50
mm), forma, coloração (Figs. 9.1 A,C,E,K), hábitos
de nidificação e modo de vida. Existem desde abelhas
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Figura 9.1 Aspectos da biologia e morfologia de abelhas. (A) Fêmea de Halictidae, com tegumento de coloração tipicamente metálica. (B) Indivíduos da espécie eusocial Tetragonisca angustula pousados em estrutura que forma a entrada do ninho (seta). (C) Fêmea
de Epicharis dejeanii iniciando escavação de ninho em solo arenoso. (D) Ninhos de Megachile construídos com folhas e petálas. (E)
Fêmea de Ancyloscelis gigas com a longa probóscide estendida, estrutura adaptada para coleta de recurso em flores de néctar com
tubo floral comprido. (F) Ponta da glossa (flabelum) de Florilegus fulvipes com papilas sensitivas. Nas abelhas com língua longa, o
néctar é sugado e sobe por capilaridade entre as estruturas que compõem a probóscide. (G) Pelos plumosos (seta) característicos dos
Apiformes, estruturas que favorecem a aderência dos grãos de pólen (asterisco) à escopa. (H) Grãos de pólen (setas) presos entre os
pelos da escopa de Lanthanomelissa completa. (I) Fêmea de Hexantheda missionica, com carga monofloral de grãos de pólen de Petunia
integrifolia na escopa. (J) Basitarso anterior de Centris bicolor, com cerdas modificadas (seta), formando um pente para raspar os
elaióforos e coletar óleo floral. (K) Fenda tibial (seta) na perna posterior do macho de Euglossa. Autores das imagens: Isabel Alves
dos Santos (A, C, D, E, F, H e I), Clemens Schlindwein (G), Paulo C. Fernandes (B), Antonio Aguiar (J), Carlos E. P. Nunes (K).
208 ⁞ Polinização por abelhas
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Figura 9.2 Abelhas visitando flores. (A) Augochloropsis sp. vibrando antera poricida (seta) de Senna macranthera. O tamanho
do estilete afasta o estigma (asterisco) e o tamanho da abelha impede que ela polinize a flor. (B) Bombus morio vibrando anteras
de S. multijuga. Durante a visita, o estigma (seta) toca o dorso do tórax da abelha, mesmo local onde o pólen para reprodução é
depositado. (C) Bombus pauloensis vibrando anteras de Tibouchina langsdorffiana. O pólen para reprodução geralmente é depositado na região dorsolateral (seta) do corpo da abelha, mesmo local que contata o estigma da flor. (D) Megachile sp. tomando
néctar em flor com câmara nectarífera de Sophora tomentosa. (E) Arhysoceble picta tomando néctar em flor de Utricularia. Note
que, para acessar o néctar, além de abrir passagem entre os lábios da corola, a abelha necessita de uma língua de comprimento
compatível com o comprimento do esporão (asterisco). Durante a visita a abelha toca as estruturas reprodutivas da flor (seta) e
realiza a polinização. (F) Xylocopa frontalis tomando néctar em flor com capuz de Bertholletia excelsa. Note a presença de pólen
(seta) no tórax da abelha, local que também toca o estigma da flor. (G) X. frontalis tomando néctar em Passiflora alata. O contato
do dorso do tórax (seta) com as estruturas reprodutivas (neste caso, antera – asterisco) deve-se ao grande tamanho da abelha. (H)
Centris caxiensis coletando óleo em flor de Byrsonima gardneriana. A abelha prende-se à ungrícula da flor com a mandíbula (seta),
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enquanto as pernas anteriores raspam elaióforos epiteliais (asterisco). (I) Lanthanomelissa betinae coletando óleo floral em flor de
Sisyrinchium luzula. Note que a abelha está raspando, com o basitarso anterior (seta), os elaióforos tricomáticos concentrados na
base dos filetes. (J) L. clementis coletando óleo floral em flor de S. micranthum. Note a escopa (seta) repleta de pólen e óleo. (K)
Abelhas Meliponini coletando resina em flor masculina de Clusia. (L) Macho de Eufriesea violascens coletando perfume em flor
masculina de Catasetum fimbriatum. Note as estruturas em forma de antena (setas) responsáveis por projetar os polinários (asteriscos) no tórax da abelha. Autores das imagens: Vinícius L. G. de Brito (C), Marcelo C. Cavalcante (F), Clemens Schlindwein
(H), Carlos E. P. Nunes (L), Mardiore Pinheiro (A, B, C, D, E, G, I, J e K).
totalmente solitárias até altamente eussociais. As
espécies sociais são as mais conhecidas e estudadas,
pois muitas são utilizadas comercialmente, como é o
caso da abelha-do-mel Apis mellifera (L.) e de várias
espécies de abelhas-sem-ferrão da fauna brasileira, conhecidas como meliponíneos, sendo alguns exemplos
Melipona quadrifasciata Lep. (mandaçaia), Trigona
spinipes (Fab.) (irapuá) e Tetragonisca angustula (Latr.)
(jataí) (Fig. 9.1 B).
As abelhas eussociais vivem em colônias organizadas, onde há uma rainha e dezenas ou milhares de
operárias (Michener 1974). Estas dividem os trabalhos
de cuidados da colmeia, como limpeza, construção
de células de cria, defesa e coleta do alimento. A
rainha é o único indivíduo reprodutivo, além dos
machos, que normalmente ficam por pouco tempo
na colônia. Todas as operárias são irmãs, filhas da
rainha. As operárias forrageiras buscam pólen e néctar
nas flores e estocam esses recursos em potes ou favos
no ninho (Roubik 1989). Este armazenamento de
alimento permite que a colmeia seja perene e permaneça ativa mesmo em períodos de pouca floração
ou de clima desfavorável. Geralmente os ninhos de
abelhas sociais são construídos em cavidades (p. ex.,
ocos de árvores utilizados por abelhas do gênero
Melipona) ou suspensos em árvores (p. ex., Apis e
Trigona) (Nogueira Neto 1997).
Contrastando com o modo de vida social, existem muitas espécies de abelhas solitárias. Neste caso
há apenas uma fêmea responsável por todas as tarefas
do ninho, desde a sua fundação, defesa e aprovisionamento, além da oviposição (Batra 1984; Alves
dos Santos 2002). A fundação inclui a localização
de um sítio adequado para construção do ninho,
podendo ser no solo, em barrancos, em troncos de
árvores, cupinzeiros, cavidades preexistentes, entre
outros (Stephen et al. 1969). Ao encontrar o local,
a fêmea inicia a escavação de um túnel (Fig. 9.1 C),
que pode ser linear ou ramificado, ou, então, no caso
de alguns grupos, utiliza uma cavidade já feita por
outro organismo. Em seguida, a abelha constrói as
células de cria, reforçando a parede do túnel com
areia, resina, óleo, pedaços de folhas ou pétalas (Fig.
9.1 D) (Laroca et al. 1987; Camillo et al. 1995). A
fêmea faz várias viagens para coletar alimento nas
flores e aprovisionar as células de cria. Em cada célula coloca um ovo sobre ou em meio ao alimento e
fecha-a, deixando o imaturo protegido durante o seu
desenvolvimento. Isso se repete várias vezes durante
todo o período reprodutivo da fêmea. Geralmente,
depois de um a dois meses, ela morre e não tem
contato com sua prole. O ovo deixado na célula de
cria eclode em uma larva, que se alimenta do pólen
depositado dentro da célula, geralmente misturado
com néctar ou óleos (no caso de abelhas especializadas), e sofre quatro a cinco mudas enquanto cresce.
A larva madura passa pela metamorfose até a fase
final, quando emerge na forma de adulto pronto
para a reprodução. Uma vez inseminada, a fêmea
recomeça o ciclo (McGinley 1989).
210 ⁞ Polinização por abelhas
Apesar de numerosas em espécies, as abelhas
solitárias foram, até o presente, menos estudadas. Essa
escassez de conhecimentos bionômicos é resultante
de, pelo menos, dois fatores: primeiro, as populações
das espécies solitárias são, na maioria das vezes, esparsas e menores (Danks 1971) e, segundo, a grande
dificuldade de se localizar seus sítios de nidificação
(Jayasingh & Freeman 1980). Mesmo assim foram
acumulados muitos conhecimentos acerca de espécies que nidificam em cavidades preexistentes (pois
as mesmas podem ser capturadas em armadilha)
(Krombein 1967; Garófalo et al. 2004) e espécies que
formam grandes agregações, com alta densidade de
ninhos dispostos no mesmo local (Rozen 1984). Tais
agregações tendem a permanecer por vários anos na
mesma área, o que facilita a sua localização, como é
o caso de Andrena fenningeri Viereck acompanhada
por mais de 10 anos por Batra (1999).
Entre o modo de vida solitário e social existem
outros níveis de organização, como, por exemplo, comunal, subsocial, semissocial, entre outros (Michener
1974; Gaglianone 2000; Augusto & Garófalo 2004).
A classificação se dá devido ao contato de gerações,
ou seja, se há ou não sobreposição entre as gerações,
divisão de trabalho, cooperação entre os indivíduos
do grupo e presença de fêmea dominante (Michener
1969).
Mas, sociais ou solitárias, as espécies de abelhas
possuem um cuidado parental com seus imaturos, o
que difere de muitos outros insetos. Elas constroem
os ninhos para abrigá-los e protegê-los durante o
desenvolvimento e os abastecem com alimento suficiente para que completem todo o ciclo, garantindo,
assim, o sucesso da sua prole. Este sucesso pode ser
interrompido por alguns inimigos naturais, como:
fungos, ácaros, vespas parasitoides e até mesmo outras espécies de abelhas denominadas cleptoparasitas
(Alves dos Santos 2009). Neste caso, ocorre a morte
direta do ovo ou larva do hospedeiro, pois os imaturos
das espécies cleptoparasitas irão usufruir da célula de
cria construída e abastecida pela fêmea hospedeira
(Rozen 2003). Outro tipo de parasitismo, denominado parasitismo social, ocorre através da invasão do
ninho e roubo do alimento pelo invasor, em geral
espécies sociais que atacam ninhos de outras espécies
sociais de Apidae ou de Halictidae (Michener 2007).
Todas as espécies de abelhas se alimentam de
recursos florais, entre eles néctar e pólen. O néctar
representa a fonte de energia para os adultos e imaturos e as abelhas utilizam a probóscide para obter este
recurso (Figs. 9.1 E,F). O pólen representa a principal
fonte proteica e é disponibilizado para os imaturos
dentro da célula de cria. A coleta deste recurso pelas
fêmeas adultas requer manipulação das flores, tanto
para a retirada do pólen contido nas anteras como
para acondicioná-lo em estrutura de transporte, de
forma a não perdê-lo durante o percurso até o ninho
(Figs. 9.1 G,H).
Dependendo das fontes exploradas para coletar o
pólen, as espécies de abelhas podem ser classificadas
em diferentes graus de especialização, que incluem
aquelas que coletam pólen somente em poucas espécies de plantas do mesmo gênero ou da mesma família
(espécies de abelhas oligoléticas) (Fig. 9.1 I), até as
que utilizam espécies de plantas de táxons diversos
como fontes deste recurso (espécies de abelhas poliléticas) (Cane & Sipes 2006). Espécies oligoléticas são
encontradas principalmente entre abelhas solitárias
das famílias Colletidae, Andrenidae e várias tribos
de Apidae, (Schlindwein 1998). Muitas das espécies
sociais são poliléticas, pois precisam de fontes de
alimento o ano todo para sustentar suas colônias
perenes. Como abelhas oligoléticas dependem de
fontes específicas de pólen para alimentar as larvas, as
interações com suas plantas preferidas devem ser alvo
de conservação. Em algumas situações as associações
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são obrigatórias para reprodução tanto das abelhas
quanto das plantas (Milet-Pinheiro & Schlindwein
2010; Carvalho & Schlindwein 2011).
Abelhas e polinização
A dependência das abelhas por recursos florais e
das plantas pelo serviço de polinização propiciou
o surgimento de adaptações recíprocas, observadas
na morfologia e comportamento das abelhas e nos
diferentes tipos de flores. A seguir serão descritos
alguns exemplos.
Abelhas e flores de pólen
Entre as angiospermas, aproximadamente 20 mil
espécies disponibilizam somente pólen como recurso para os visitantes florais ou, além do pólen, uma
pequena quantidade de néctar (Willmer 2011). Em
ambos os casos o pólen é o recurso primário para
atração dos polinizadores (Endress 1994), sendo este
tipo de flor denominado por Vogel (1978) como flor
de pólen (Capítulo 6).
Dentro desta categoria existe um grupo especial
de flores cujo pólen está armazenado em anteras poricidas e é explorado exclusivamente por abelhas que
coletam pólen através da vibração da musculatura
indireta das asas. Este comportamento de coleta foi
descrito por Michener (1962) e denominado de buzz
pollination (polinização por vibração), já que emite
um zumbido, e na maioria das vezes resulta em polinização (Figs. 9.2 B,C). Buchmann (1985) sugeriu
que o comportamento de vibração nas abelhas teria a
função original de termorregulação, como ocorre em
vários grupos atuais de insetos. Ao longo da evolução,
este comportamento teria sofrido modificações na sua
função, levando as abelhas a utilizá-lo para a vibração
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das flores. Assim, com a vantagem de coletar mais
pólen pela vibração, comparativamente à manipulação
das anteras, o comportamento de coleta por vibração
teria sido adotado por alguns táxons de abelhas. No
Brasil, as espécies de abelhas que vibram pertencem a
táxons filogeneticamente não relacionados das famílias Apidae (como Centridini, Bombini, Xylocopini,
Exomalopsini, Euglossini e Melipona – Meliponini,
por exemplo), Halictidae (Augochlorini), Colletidae
(Colletinae e Caupolicanini) e Andrenidae (Oxaeini)
Nunes-Silva et al. (2010).
Segundo Endress (1994), do ponto de vista de
evolução floral, características como anteras longas,
tubulares e poricidas podem ser consideradas como
adaptações das plantas à coleta de pólen por vibração.
Neste sentido, a proteção do pólen, a seleção de visitantes e a promoção da polinização com a deposição
mais precisa de pólen no corpo do visitante serviriam
como vantagens adaptativas para garantir o sucesso
reprodutivo das plantas.
Para coletar pólen em flores de anteras poricidas,
a abelha agarra-se a uma antera (Fig. 9.2 A, seta)
ou ao conjunto de estames (Figs. 9.2 B,C) e vibra
a musculatura do tórax. A vibração é transmitida
para as estruturas florais e faz com que os grãos de
pólen, geralmente pequenos e secos, sejam liberados
das anteras para a superfície abdominal e/ou torácica
da abelha. Embora o pólen de anteras poricidas seja
coletado somente por vibração, nem todas as abelhas
que coletam pólen através deste mecanismo atuam
como polinizadoras das flores que visitam (Fig. 9.2
A). A polinização por vibração ocorrerá se o visitante
tocar o estigma com a parte do corpo que recebeu
a carga polínica, o que dependerá do comportamento na flor e do tamanho corporal em relação a
posição, tamanho e arranjo dos estames e posição
e tamanho do estilete. Flores de Senna (Fabaceae)
e Tibouchina (Melastomataceae), por exemplo, são
212 ⁞ Polinização por abelhas
polinizadas por abelhas grandes, como Bombus morio (Swederus) e B. pauloensis Friese (Figs. 9.2 B,C).
Espécies com anteras poricidas ocorrem principalmente nas famílias Fabaceae (Caesalpinioideae, Figs.
9.2 A,B), Melastomataceae (Fig. 9.2 C) e Solanaceae.
Descrições detalhadas do mecanismo de polinização
em flores com anteras poricidas podem ser consultadas
em Buchmann (1983), Gottsberger & SilberbauerGottsberger (1988), Bezerra & Machado (2003),
Fracasso & Sazima (2004), Wolowski & Freitas
(2010).
A coleta de pólen e a polinização por vibração não
está restrita a flores com anteras poricidas, podendo
ocorrer também em flores com anteras rimosas, como,
por exemplo, espécies de Myrtaceae (Proença & Gibbs
1994), do gênero Swartzia (Faboideae, Fabaceae)
(Lopes & Machado 1996) e de Begoniaceae (Wyatt
& Sazima 2011). Flores com anteras rimosas polinizadas por vibração compartilham características como
androceu polistêmone, pólen seco e pequeno. Para
coletar pólen nestas flores as abelhas agarram um
grupo de estames com as pernas e vibram. Segundo
Buchmann (1985), a habilidade de coletar mais pólen
por unidade de tempo, aplicando a vibração nas anteras, pode ter conduzido as abelhas a utilizar a vibração
em flores com anteras de deiscência longitudinal.
Mecanismos de polinização mais complexos,
envolvendo flores de pólen, estão associados à presença
de estames de diferentes tipos na mesma flor (heteranteria). Este dimorfismo do androceu ocorre em
algumas espécies com anteras rimosas (p. ex., espécies
de Swartzia) ou poricidas (p. ex., Senna macranthera
[DC. ex Collad.] H.S. Irwin & Barneby, S. multijuga
[Rich.] H.S. Irwin & Barneby e Tibouchina langsdorffiana [Bonpl.] Baill.) (Figs. 9.2 A-C) de famílias
filogeneticamente não relacionadas, e muitas vezes
as abelhas vibradoras realizam a polinização destas
flores (Vogel 1974; Buchmann 1983).
O fato de o pólen ser utilizado como recurso
alimentar pelas abelhas é uma desvantagem para a
planta, já que este consumo deixa menos pólen disponível para a reprodução, fenômeno denominado
na literatura como “dilema do pólen” (Westerkamp
1997a). Segundo Vallejo-Marín et al. (2009), este
conflito é reduzido quando o pólen é disponibilizado
em diferentes estames, resultando em uma separação funcional, ou seja, em pólen para o visitante e
pólen para reprodução. Assim, do ponto de vista
evolutivo, a heteranteria tem sido considerada uma
resposta das plantas para assegurar a reprodução
com economia de recurso (Vogel 1974; Buchmann
1983; Vallejo-Marín et al. 2009). Durante a coleta
por vibração, o pólen para reprodução é depositado
em um local do corpo do visitante (região dorsal e/
ou dorsolateral), que contata o estigma da flor (Fig.
9.2 B, seta) e de onde normalmente não é retirado
pela abelha. Enquanto isso, o pólen para alimentação
do visitante é depositado na região ventral do corpo
da abelha, de onde pode ser retirado e transportado
para o ninho. Informações adicionais sobre polinização por vibração em flores heterânteras com anteras
poricidas podem ser consultadas em Gottsberger &
Silberbauer-Gottsberger (1988), Westerkamp (2004),
Costa et al. (2007), Wolowsky & Freitas (2010) e, a
respeito de flores com anteras rimosas, em Lopes &
Machado (1996). Westerkamp (2004) descreveu, para
as flores da tribo Cassiinae (Faboideae, Fabaceae), o
mecanismo de polinização por ricochete, através do
qual o pólen das anteras de reprodução é ejetado para
a pétala lateral da flor e daí remetido para o dorso
do corpo das abelhas (local que contata o estigma).
As flores de espécies dos gêneros Senna, Cassia e
Chamaecrista (Faboideae, Cassiinae), além de heterânteras, também são enantiostílicas, ou seja, apresentam
estigmas deflexionados à direita ou à esquerda, em posição oposta aos estames de reprodução (Gottsberger
Mardiore Pinheiro
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& Silberbauer-Gottsberger 1988). Embora, a função
da enantiostilia na polinização ainda não seja clara
(Dulberger 1981; Barrett 2002), a deflexão do pistilo
em direção oposta as anteras maiores pode reduzir a
geitonogamia e facilitar a polinização entre flores de
diferentes indivíduos (Jesson & Barret 2005).
Abelhas e flores de néctar
Flores de néctar produzem este recurso como principal atração para visitantes florais. Do ponto de vista
evolutivo, o surgimento de estruturas produtoras
de néctar nas flores das angiospermas pode ter a
função de desviar a atenção dos visitantes florais do
pólen, garantindo maior quantidade deste recurso
na reprodução sexuada das plantas (Willmer 2011).
O néctar floral é secretado por glândulas com
tamanho, forma e posição variados dentro da flor
(Capítulo 6) e está diretamente envolvido com a
polinização, pois, além de ser um atrativo, geralmente
é produzido e/ou acumulado em local específico, de
modo a garantir o contato do visitante com as estruturas reprodutivas durante a visita. A atratividade
gerada pelo néctar foi também comprovada através
de experimentos com suplementação deste recurso,
que resultaram em aumento da taxa de visitação floral
(Mitchell & Waser 1992).
Flores nectaríferas possuem morfologia bastante
variada, com tamanho que vai de pequeno (p. ex.,
flores de Asteraceae, Celastraceae e Salicaceae) a
grande (p. ex., flores de Bignoniaceae, Gesneriaceae,
Marantaceae), e com corola de diversas formas, como
prato, estandarte, goela, campânula e tubo (Capítulo
2). Dependendo da morfologia floral, flores de néctar
podem ser visitadas e polinizadas por diversos grupos
de polinizadores ou, ao contrário, possuir um sistema
de polinização especialista (Capítulo 17). Em flores
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tubulares de tamanho pequeno, como as flores de
Asteraceae, ou com corola do tipo prato, como as flores de Celastraceae e Salicaceae, o néctar é facilmente
acessado por diversos grupos de insetos, incluindo
abelhas, borboletas, moscas, vespas e, eventualmente,
besouros, os quais podem atuar como polinizadores.
Por outro lado, em flores do tipo estandarte, goela,
com esporão, capuz ou tubo floral comprido, o néctar
é produzido e/ou acumulado em porções profundas
da corola e o pólen fica mais ou menos protegido.
Para acessar o recurso, o visitante precisa ter dimensão
(comprimento e largura do corpo e comprimento
da língua) e comportamento intrafloral adequados,
atributos que possibilitem acionar os mecanismos
de polinização (Figs. 9.2 D-F). Flores deste tipo são
predominantemente polinizadas por abelhas (Endress
1994; Neal et al. 1998) e ocorrem em diversas famílias de angiospermas, como Bignoniaceae, Fabaceae
(Faboideae), Lamiaceae, Lecythidaceae, Marantaceae,
Orchidaceae, Verbenaceae, Utriculariaceae, entre
outras.
Em flores do tipo estandarte, como, por exemplo,
Sophora tomentosa L. (Fabaceae, Faboideae), o néctar
é acumulado em uma câmara nectarífera (Brito et
al. 2010). Para atingir o recurso as abelhas precisam
pousar sobre a ala e/ou quilha e forçar a cabeça entre
a base das peças florais (estandarte, peças da quilha
e da ala) (Fig. 9.2 D). Durante este movimento, o
peso do corpo da abelha e a força aplicada para abrir
passagem entre as pétalas promovem o deslocamento
da quilha para baixo, ao mesmo tempo em que expõem as anteras (ou somente o pólen) e o estigma,
que contatam o corpo da abelha na porção ventral do
tórax e/ou abdômen. Deste modo, somente as abelhas com dimensões e comportamento propícios são
polinizadoras. Descrições detalhadas de mecanismos
de polinização de flores do tipo estandarte podem
ser consultadas em Westerkamp (1997b).
214 ⁞ Polinização por abelhas
Na polinização de flores bilabiadas do tipo goela
é necessário que as abelhas contatem, com o dorso do
corpo, as estruturas reprodutivas, que estão localizadas próximas ao lábio superior da flor (Westerkamp
& Claben-Bockhoff 2007). Para tanto, somente agem
como polinizadores os visitantes com altura do corpo adequada para contatar o estigma e as anteras,
quando pousados no lábio inferior da flor. No caso
de flores com lábio superior e inferior próximos o
suficiente para fechar a passagem para o nectário (p.
ex., flores de Utriculariaceae), o polinizador tem que
afastar os lábios da corola para acessar o néctar, sendo
que o contato com as estruturas reprodutivas da flor
(Fig. 9.2 E, seta) e, consequentemente, a polinização
decorrem deste comportamento.
Em flores com capuz, como é o caso de Bertholletia
excelsa Bonpl. e Lecythis lurida (Miers) S.A. Mori
(Lecythidaceae), o néctar somente é acessado por abelhas de grande porte, como Xylocopa frontalis Olivier
(Fig. 9.2 F) e algumas espécies de Centris, Eulaema e
Eufriesea, que conseguem imprimir força para afastar
o capuz formado pelo prolongamento do androceu.
Durante a tomada de néctar as abelhas tocam as
estruturas reprodutivas e polinizam as flores (Mori
& Prance 1990; Maués 2002; Aguiar & Gaglianone
2008; Santos & Absy 2010; Cavalcante et al. 2012).
Flores tubulares exigem adaptações específicas do
aparelho bucal para o acesso ao néctar e são, portanto,
polinizadas principalmente por abelhas de língua
longa, como espécies das famílias Apidae (p. ex.
Ancyloscelis gigas Friese) (Fig. 9.1 E) e Megachilidae.
Abelhas com língua longa também são importantes polinizadores de flores que apresentam néctar
depositado em câmaras (p. ex., Convolvulaceae,
Passifloraceae, Fabaceae) ou em esporões, como em
Utriculariaceae (Fig. 9.2 E, asterisco) e Orchidaceae.
Em Passifloraceae, o tamanho do corpo da abelha
é determinante na polinização. Como as estruturas
reprodutivas estão afastadas do nectário, somente
abelhas com altura do tórax suficientemente grande
para tocá-las (Fig. 9.2 G) atuam como polinizadores
(Sazima & Sazima 1989; Varassin & Silva 1999;
Gaglianone et al. 2010). Além disso, as flores de
Passiflora (p. ex. Passiflora alata Curtis) são dicógamas
(protândricas); na fase masculina, os estames estão
flexionados para baixo e a abelha contata as anteras
(Fig. 9.2 G, asterisco) com o dorso do tórax (Fig.
9.2 G, seta); na fase feminina, os ramos dos estiletes
flexionam-se abaixo das anteras e a abelha contata
o estigma da flor. Já em flores de várias espécies de
Convolvulaceae, os estames fecham a passagem para
a câmara nectarífera e o néctar somente pode ser
acessado pelas abelhas que possuem língua longa o
suficiente para alcançar o fundo da corola (Pinheiro
& Schlindwein 1998; Pick & Schlindwein 2011).
Entre as abelhas de língua longa, fêmeas e machos de
Euglossini, cuja língua pode ultrapassar o tamanho
do corpo, são importantes polinizadores de flores
nectaríferas da região Neotropical (Roubik 1992).
Nas flores que restringem o acesso ao néctar,
somente os visitantes que tocam as estruturas reprodutivas conseguem atingir este recurso, no entanto
alguns visitantes podem acessar o néctar por via
ilegítima, através da perfuração da parede externa do
cálice e/ou corola, atuando como pilhadores de néctar.
Este comportamento foi descrito para abelhas como
Xylocopa (Correia et al. 2005), Oxaea (Camargo et al.
1984; Aguiar & Gaglianone 2008) e Trigona (Sazima
& Sazima 1989). Os efeitos da ação dos visitantes
ilegítimos são a princípio negativos, pois estas abelhas,
além de não promoverem a polinização, provocam a
diminuição do volume de néctar das flores, fazendo
com que os polinizadores evitem as flores perfuradas.
Por outro lado, a diminuição do volume de néctar
das flores pode mediar positivamente a interação com
polinizadores, uma vez que estes podem responder
Mardiore Pinheiro
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Maria C. Gaglianone
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Carlos E. P. Nunes
à escassez do recurso efetuando visitas mais rápidas em cada flor e, consequentemente, aumentando
a frequência de flores visitadas e polinizadas, bem
como o fluxo de pólen na população (Gentry 1978;
Maloof & Inouye 2000). Esta mediação positiva
dos visitantes ilegítimos foi discutida por autores
como Camargo et al. (1984), que descreveram o
comportamento e a morfologia do aparelho bucal
de Oxaea flavescens Klug, que, com maxilas muito
desenvolvidas, perfura a parte externa da flor para
retirar o néctar, sem polinizar as flores. Entretanto,
o comportamento legítimo desta mesma espécie em
outros tipos florais, onde atua como polinizador,
indica a sua plasticidade comportamental relativa à
coleta do néctar.
Abelhas e flores de óleo
Desde que Vogel (1969) registrou óleos florais como
mais um recurso coletado pelas abelhas, muitas informações científicas subsequentes discutiram as
adaptações morfológicas recíprocas entre as plantas
produtoras de óleo e as abelhas que utilizam este
recurso floral.
Segundo Renner & Schaefer (2010), este recurso
floral é encontrado entre 1.500 e 1.800 espécies de
plantas, pertencentes a 11 famílias de angiospermas
(Capítulo 6). Os óleos são secretados por glândulas
epiteliais ou tricomáticas, denominadas elaióforos
(Vogel 1974). Detalhes da morfologia e localização destas glândulas são encontrados em Vogel &
Machado (1991), Cocucci & Vogel (2001), Sérsic
(2004), Pansarin et al. (2009) e Chauveau et al. (2011).
Na região Neotropical abelhas solitárias especializadas das tribos Centridini, Tapinotaspidini e
Tetrapediini utilizam óleo floral misturado ao pólen
para alimentar as larvas (Vogel 1974; Simpson & Nef
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Maria R. Sigrist
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Isabel A. dos Santos ⁞
215
1981; Cane et al. 1983). Outros usos do óleo estão
relacionados ao revestimento das paredes internas e
do fechamento das células de cria, à aderência, nas
escopas das abelhas, de materiais de construção do
ninho (partículas de solo e pequenos pedaços de
madeira), bem como à cimentação destes materiais
(Cane et al. 1983; Vinson et al. 1996; Alves dos Santos
et al. 2007).
A maioria das interações entre abelhas e flores de
óleo não é necessariamente específica, pois as abelhas
geralmente coletam este recurso em mais de uma
fonte floral, enquanto as flores podem ser polinizadas por mais de uma espécie de abelha (Machado
2004). Além disso, como flores de óleo geralmente
não oferecem néctar, as abelhas necessitam de outras
fontes deste recurso. Contudo é inegável a existência de adaptações morfológicas das flores de óleo
em relação à morfologia de abelhas coletoras deste
recurso e vice-versa. De modo geral, as estruturas
morfológicas adaptadas para coleta de óleo – cerdas
modificadas nos basitarsos anteriores (Fig. 9.1 J),
médios, ou anteriores e médios, ou ainda no abdômen
– estão associadas ao tipo de elaióforo (epitelial ou
tricomático) e também à posição do mesmo na flor.
Um exemplo disso pode ser observado nas flores de
Malpighiaceae (p. ex., Byrsonima gardneriana A. Juss.)
(Fig. 9.2 H) e abelhas da tribo Centridini (Apidae): as
flores de óleo desta família possuem corola em forma
de prato, cinco pétalas livres unguiculadas (com a
unguícula da pétala superior mais larga) e quatro
ou cinco pares de glândulas na superfície dorsal das
sépalas; as abelhas da tribo Centridini (p. ex., Centris
caxiensis Ducke) (Fig. 9.2 H), por sua vez, possuem
adaptações morfológicas para coleta de óleo nos dois
primeiros pares de pernas, o que possibilita a manipulação concomitante de pelo menos quatro pares
de glândulas da flor. Na literatura esta adaptação é
denominada arranjo four-legged (Vogel 1974). Além
216 ⁞ Polinização por abelhas
disso, conforme comportamento de coleta descrito por
Sazima & Sazima (1989), as abelhas alinham-se nas
flores prendendo-se com a mandíbula na unguícula
da pétala superior (Fig. 9.2 H, seta), podendo assim
manter as quatro primeiras pernas livres para manipular os elaióforos (Fig. 9.2 H, asterisco), posicionados ao
alcance de cada uma das pernas. Ao pousarem sobre
a flor nesta posição, as abelhas contatam as anteras e
o estigma com o ventre e realizam a polinização. Este
comportamento é bastante comum entre espécies de
Epicharis, cujas fêmeas foram registradas coletando
óleo exclusivamente em espécies de Malpighiaceae
(Gaglianone 2001). Além das adaptações morfológicas, foram descritas também associações entre os
períodos de atividade dos adultos e os períodos de floração (Gaglianone 2003). As flores de Malpighiaceae
podem também ser importantes fontes de pólen para
estas abelhas; como exemplo é possível citar o comportamento oligolético de Epicharis nigrita Friese
em flores de Byrsonima intermedia A. Juss observado
por Gaglianone (2005). Estas abelhas coletam pólen
por vibração nas mesmas flores, logo após rasparem
os elaióforos com as pernas anteriores e medianas,
misturando estes recursos que servirão de alimento
para as larvas nas células de cria.
De modo distinto, o uso das pernas anteriores
e medianas para coleta de óleo não é o único comportamento observado em abelhas do gênero Centris.
Em flores de outras plantas produtoras de óleos,
como Angelonia (Plantaginaceae), fêmeas de Centris
coletam este recurso utilizando somente as pernas
anteriores, que alcançam os elaióforos localizados
em duas depressões da corola (Vogel & Machado
1991; Machado et al. 2002; Machado 2004; Martins
et al. 2013). Em alguns casos, a posição dos elaióforos dentro da corola exige ainda outras adaptações
morfológicas dos polinizadores, como o aumento no
comprimento das pernas. Esta associação foi descrita
para duas espécies de Angelonia (A. cornigera Hook.
e A. pubescens Benth.) e Centris hyptidis Ducke, cujas
estruturas morfológicas para coleta de óleo estão
presentes somente nas pernas anteriores (Vogel &
Machado 1991). Detalhes do mecanismo de polinização de flores de Angelonia foram descritos por
Vogel & Machado (1991), Machado et al. (2002) e,
recentemente, novos relatos em Martins et al. (2013).
Os primeiros exemplos da correlação morfológica
entre abelhas coletoras de óleos, com pernas anteriores
muito longas, associadas a flores com elaióforos de
localização profunda na corola, foram descritos na
África, entre abelhas do gênero Rediviva (Melittidae)
e espécies de Diascia (Scrophulariaceae), cujos elaióforos são encontrados em esporões (Vogel & Michener
1985; Steiner & Whitehead 1988; 1990; 1991). De
acordo com Steiner & Whitehead (1990; 1991), o
comprimento dos esporões das flores de Diascia e o
alongamento das pernas de R. pallidula Whitehead
& Steiner e R. neliana seriam frutos de um processo
coevolutivo.
As estruturas coletoras de óleos em Tapinotaspidini,
localizadas nas pernas na maior parte dos gêneros,
variam em associação a tipos de elaióforos distintos
em flores de Iridaceae, Scrophulariaceae e Solanaceae
(tricomáticos), Malpighiaceae, Melastomataceae e
Orchidaceae (epiteliais) (Cocucci et al. 2000). Fêmeas
do gênero Tapinotaspoides possuem cerdas especializadas no abdômen, que utilizam para a coleta em
tricomas extraflorais (Melo & Gaglianone 2005).
Entretanto a natureza destas secreções não foi analisada e as interações de Tapinotaspoides com flores de
óleo ainda precisam ser melhor investigadas. Abelhas
do gênero Lanthanomelissa são os principais polinizadores das flores de óleo de Sisyrinchium (Cocucci
& Vogel 2001; Truylio et al. 2002). Para a coleta dos
lipídeos em flores do tipo prato, como, por exemplo,
de S. luzula Klotzsch ex Kaltt, as abelhas deste gênero
Mardiore Pinheiro
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Maria C. Gaglianone
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Carlos E. P. Nunes
(p. ex., L. betinae Urban) apoiam o abdômen sobre a
coluna estaminal e, colocando as unhas das pernas
médias e posteriores sobre as tépalas, giram sobre as
anteras realizando movimentos circulares ao redor
do elaióforo (localizado na região inferior dos filetes),
ocasião em que raspam a superfície dos tricomas com
os basitarsos das pernas anteriores (Fig. 9.2 I, seta).
Por outro lado, para coletar óleo em flores do tipo
campânula, como as flores de S. micranthum Cav.,
fêmeas de Lanthanomelissa (p. ex., L. clementis Urban)
entram no tubo formado pelas tépalas (Fig. 9.2 J) e
giram sobre toda a superfície interna da corola, enquanto raspam o óleo dos tricomas na região inferior
dos filetes. Uma análise da carga polínica de fêmeas de
Lanthanomelissa, incluindo L. discrepans Holmberg,
L. betinae e L. clementis, evidenciou quase a totalidade
de pólen de Sisyrinchium (M. Pinheiro, dados inéditos), sugerindo que as espécies de Lanthanomelissa
são oligoléticas em flores deste gênero.
Elaióforos epiteliais são também explorados por
abelhas da tribo Tetrapediini (Apidae), cuja morfologia dos pentes de cerdas coletoras de óleos difere do
observado em Centridini e alguns Tapinotaspidini
(Alves dos Santos et al. 2006). O comportamento de
coleta de óleos por Tetrapedia foi descrito em flores
de Malpighiaceae, onde as fêmeas quase sempre pousam sobre o cálice e assumem uma posição invertida
sobre os elaióforos (Neff & Simpson 1981; Rego &
Albuquerque 1989), o que dificulta o contato da
abelha com anteras e estigma. A ausência de grãos de
pólen de Malpighiaceae no conteúdo larval de células
de cria de Tetrapedia diversipes Klug confirmou esta
observação para ninhos estudados em área de floresta
atlântica (Menezes et al. 2012).
Uma revisão de interações registradas em ecossistemas brasileiros entre flores de óleos e abelhas
especializadas na coleta deste recurso pode ser consultada em Machado (2004).
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Maria R. Sigrist
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Isabel A. dos Santos ⁞
217
Abelhas e flores de resina
Entre os diversos recursos utilizados pelas abelhas,
as resinas florais são exploradas somente por um
grupo restrito de espécies das famílias Apidae (tribos Meliponini e Euglossini) e Megachilidae (tribo
Anthidiini). As resinas florais foram detectadas em
espécies de três famílias: Clusiaceae, Euphorbiaceae
e Calophyllaceae (Capítulo 6). Este recurso serve
para dar forma e consistência às paredes das células
e de outras estruturas dos ninhos, além de ter função
antimicrobiana e impermeabilizante, auxiliando na
proteção contra patógenos e invasores (Armbruster
1984; Lovkam & Braddock 1999). Diferente das
resinas secretadas por partes vegetativas das plantas, as resinas florais são mais líquidas, podendo ser
coletadas e utilizadas neste estado por um tempo
relativamente longo (Roubik 1989). As fêmeas coletam este recurso com as mandíbulas e o manipulam
com as pernas anteriores e médias até a transferência
para as posteriores, onde as resinas são transportadas
para os ninhos (Gastauer et al. 2011). A resina pode
também ser transportada presa às mandíbulas na
forma de uma pequena bola, ainda macia e maleável,
como observado para as abelhas Anthidiini (Alves
dos Santos 2004).
As interações mais conhecidas mediadas por
este recurso foram descritas para abelhas coletoras
de resinas em flores dos gêneros Clusia (Clusiaceae) e
Dalechampia (Euphorbiaceae). A maioria das espécies
de Clusia oferece resinas florais como recurso em
flores estaminadas e pistiladas de diferentes indivíduos (Armbruster 1984). Em alguns casos, flores
pistiladas não produzem resina, mas a semelhança
morfológica com as flores estaminadas (produtoras
de resina) assegura a visitação aos dois tipos florais,
em um processo de polinização denominado de
polinização por engodo (Capítulo 15). Os principais
polinizadores de Clusia são fêmeas de Euglossini e,
218 ⁞ Polinização por abelhas
com menor frequência, abelhas-sem-ferrão (Fig. 9.2
K) e abelhas Anthidiini. É o caso de Clusia nemorosa
G. Mey. (Lopes & Machado 1998), Clusia arrudea
Planch. & Triana (Carmo & Franceschinelli 2002),
Clusia hilariana Schltdl. e Clusia spiritu-sanctensis
G.Mariz & B.Weinberg (Cesário 2007). Durante as
visitas a estas flores, as abelhas pousam diretamente
sobre as anteras ou sobre os estigmas e iniciam a
coleta das resinas, movimentando-se sobre as estruturas reprodutivas. Neste comportamento, sujam-se
com pólen na região ventral, transferindo-o entre as
flores. A dioicia e a não ocorrência de apomixia na
maioria das espécies estudadas implica na dependência destas plantas aos polinizadores. Meliponini
e Anthidiini gastam maior tempo durante a coleta,
movimentando-se pouco entre flores e, devido ao
seu tamanho corporal, muitas vezes não tocam as
estruturas reprodutivas, o que diminui sua eficiência
na polinização (Kaminsky & Absy 2006; Cesário
2007).
Em Dalechampia, flores masculinas e femininas estão reunidas em uma inflorescência do tipo
pseudanto, circundada por duas brácteas grandes
e coloridas que geram a impressão de o conjunto
de flores ser uma única flor. Uma grande glândula
de resina está localizada entre as flores masculinas
e a bráctea superior do pseudanto. Os principais
polinizadores das flores de Dalechampia são fêmeas de Euglossini, que visitam a inflorescência
exclusivamente para coletar resina (Armbruster &
Webster 1979). As abelhas pousam sobre as flores
femininas e masculinas, contatando simultaneamente as estruturas reprodutivas com a região
ventral e pernas, e imediatamente iniciam a retirada da resina com as mandíbulas. O material
coletado é transferido para as corbículas para ser
transportado ao ninho (Armbruster & Herzig
1984; Sazima et al. 1985).
Abelhas e flores de perfume
Flores de perfume produzem recursos atrativos que
são coletados por machos de abelhas Euglossini, os
principais polinizadores dessas flores. Tais recursos
são constituídos por diversos compostos, na forma
de ceras ou óleos perfumados. Existem cerca de 200
espécies de Euglossini (Nemésio 2009) agrupadas em
cinco gêneros (Euglossa, Exaerete, Aglae, Eufriesea,
Eulaema). Esta subtribo apresenta distribuição neotropical, ocorrendo em todos os estados brasileiros
(Moure et al. 2007). São abelhas de médio a grande
porte (≥ 12 mm de comprimento) (sensu Frankie et
al. 1983), popularmente conhecidas como abelhasdas-orquídeas, nome recebido graças a sua interação
com flores da família Orchidaceae. O sistema de
polinização envolvendo a coleta de fragrâncias por
machos Euglossini é denominado androeuglossinofilia
ou euglossinofilia (Van der Pijl & Dodson 1969).
As flores visitadas pelos machos oferecem odores
com misturas de seis a doze compostos majoritários
(Dodson et al. 1969; Cancino & Damon 2007) e
que incluem fragrâncias florais bem conhecidas pelos
perfumistas, como cineol, mirceno, ocimeno, pineno,
eugenol, limoneno, linalol e, raramente, monoterpeno
óxido de transcarvona (Capítulo 6). Componentes
dessas fragrâncias florais são muito atrativos aos
machos Euglossini. Por exemplo, algumas gotas de
eugenol ou cineol em papel filtro, exposto em uma
floresta brasileira, podem atrair dezenas de machos
em questão de minutos, de modo que estes e outros
compostos são utilizados como iscas para amostragem
dessas abelhas (Roubik & Ackerman 1987; Singer
& Sazima 2004).
Além de Orchidaceae, outras famílias de angiospermas oferecem fragrâncias como Araceae
(Anthurium, Spathiphyllum), Euphorbiaceae
(Dalechampia), Gesneriaceae e Solanaceae, com variados graus de especificidade planta-polinizador. Sazima
Mardiore Pinheiro
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Maria C. Gaglianone
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Carlos E. P. Nunes
et al. (1993) estudaram três espécies de Solanum
(Solanum circinatum Bohs, S. diploconos (Mart.) Bohs,
S. sciadostylis (Sendtn.) Bohs) que produzem fragrâncias distintas entre si em glândulas do conectivo das
anteras, sendo polinizadas por três espécies diferentes
de Euglossini. Estas abelhas, ao raspar as glândulas
para coletar as gotículas de perfume nestas flores,
promovem a liberação do pólen das anteras poricidas,
disparando um mecanismo pneumático que lança
jatos de pólen no ventre das abelhas. Em Araceae,
espécies de Anthurium e Spathiphyllum produzem
fragrâncias em porções específicas da inflorescência
(espádice) que é visitada por machos de Euglossini
de diversas espécies, sendo que essas abelhas podem
assumir diferentes níveis de importância como polinizadoras dessas plantas (Croat 1980; Montalvo &
Ackerman 1986; Hentrich et al. 2007). Algumas espécies de lianas do gênero Dalechampia (Euphorbiaceae)
também oferecem fragrâncias como recurso floral
e também são consideradas androeuglossinófilas
(Armbruster 1993).
Os perfumes e outras substâncias odoríferas coletadas pelos machos são utilizados como feromônios
(Eltz et al. 2005a). Por outro lado, fêmeas não coletam
odores nas flores, acarretando importante diferença
nos serviços de polinização entre os sexos. Assim, há
espécies vegetais polinizadas exclusivamente por machos que buscam fragrâncias (Dressler 1982; RochaFilho et al. 2012) cujas flores podem apresentar até
mesmo morfologia pouco comum em relação às flores
de outras angiospermas. Como exemplos de flores de
perfume com morfologia incomum têm-se espécies
de Coryanthes, Catasetum (Fig. 9.2 L) e Dalechampia.
Machos de abelhas-das-orquídeas, entretanto,
podem usar outras fontes que contenham compostos
voláteis, como folhas (Ramalho et al. 2006), resinas
de cascas de árvores e outros materiais, incluindo fezes
(Williams & Whitten 1983; Whitten et al. 1993).
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Maria R. Sigrist
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Isabel A. dos Santos ⁞
219
Machos de Euglossini coletam as fragrâncias
com estruturas semelhantes a escovas presentes nos
tarsos anteriores. Estas estruturas coletoras funcionam
como esfregões e esponjas, pois servem para raspar e
absorver por capilaridade os perfumes coletados. As
gotículas coletadas são então transferidas para uma
raque de cerdas nas pernas médias e, finalmente,
para dentro de uma pequena fenda presente em cada
uma das tíbias posteriores, que são ocas e funcionam
como “frascos de perfume” (Fig. 9.1 K). Essas aberturas abrigam finos pelos plumosos que recebem o
material coletado e o transferem por um canal para
uma grande câmara no interior da tíbia, onde os
odores ficam armazenados. Essa câmara possui várias
fendas ou cavidades, cada uma com massa de pelos
plumosos que retêm os líquidos odoríferos. Nesses
frascos, os machos carregam buquês de perfumes
atrativos coletados e processados por eles, podendo
um único macho carregar até 60 µl (Vogel 1966).
Inicialmente, acreditava-se que os perfumes
fossem utilizados diretamente para fins reprodutivos, como feromônios sinalizadores para as fêmeas
(Dressler 1982; Williams 1982), entretanto a relação
dos perfumes coletados com a reprodução dessas
abelhas pode não ocorrer de maneira tão simples
e direta, uma vez que as fêmeas não são atraídas
diretamente às essências nas flores.
Na coleta de odor os machos podem percorrer
rotas mais ou menos fixas (traplines) entre as fontes
florais (Janzen 1971), sendo que uma mesma rota
pode ser usada por mais de um macho em diferentes
intervalos de tempo (Eltz et al. 2005b). Em certos
locais da rota, os machos podem descansar sobre a
vegetação ou agitar as asas para então levantar voo e
voar em círculos por instantes. Os machos executam
movimentos específicos e intrincados com as pernas
durante os voos circulares e transferem o perfume dos
recipientes das tíbias posteriores para o tufo de pelos
220 ⁞ Polinização por abelhas
das tíbias médias, onde o odor é ventilado e soprado
ao ar pelo movimento das asas (Eltz et al. 2005b).
Essas observações demonstram que as fragrâncias
são usadas em um comportamento específico, em
que os machos emitem borrifos de perfume ao ar.
Contudo permanece incompreendido se esse sinal
odorífero é direcionado a outros machos, às fêmeas
ou a ambos os sexos. Isto porque, após os borrifos, alguns machos frequentemente se aproximam
presumivelmente atraídos pelo perfume. Ademais,
estes machos podem formar agregações-dormitório
em folhas de plantas (Silva et al. 2011), embora não
se saiba o papel dos perfumes na formação destas
agregações. Eventualmente, fêmeas são atraídas às
rotas de coleta de odor dos machos, particularmente
aos locais de liberação dos perfumes, porém ainda
há dúvida se o atrativo é olfativo (as essências) ou
visual pela presença de pequena arena (lek) de machos
vistosos pairando no ar e voando em círculos (Eltz
et al. 2005a).
Como a maioria dos casos de androeuglossinofilia
foi estudada em espécies de Orchidaceae, este grupo
vegetal assume papel importante no conjunto de conhecimento deste sistema, incluindo alguns dos mais
complexos mecanismos de polinização registrados nas
angiospermas, que fascinam estudiosos desde Darwin
(1877) até hoje. Flores de orquídeas androeuglossinófilas produzem conspícua quantidade de perfume
sob a forma de gotículas de óleo ou de materiais
cerosos que são acumulados sobre partes da flor. Os
machos, por sua vez, seriam os únicos a realizar o
serviço de polinização nestas espécies, uma vez que
a maioria das espécies que evoluíram este sistema de
polinização é incapaz de autopolinização espontânea e
não possui outros vetores de pólen (Ackerman 1983).
Diferentes gêneros de Orchidaceae apresentam distintas estratégias para fixação dos polinários (massas
de pólen com estruturas de fixação ao polinizador)
nas abelhas, garantindo precisão milimétrica em
partes distintas do corpo do polinizador e posterior
deposição no estigma de outra flor da mesma espécie.
Deste modo evitam a transferência interespecífica
de pólen e a competição por polinizadores (Dressler
1968; Ramirez et al. 2011). Por exemplo, espécies
de Stanhopea e Gongora liberam as gotículas de óleo
perfumado em um local da flor que obriga os machos a ficarem de pernas para o alto quando tentam
coletá-lo, de modo que, em algum momento, estes
insetos escorregam na superfície lisa do labelo e caem
sobre as anteras localizadas logo abaixo (Pansarin &
Amaral 2009).
Em Catasetum, as flores são unissexuais e ocorre
um sistema ainda mais complexo de fixação dos
polinários nas abelhas. Por exemplo, Catasetum fimbriatum (C.Morren) Lindl.) (Fig. 9.2 L) possuem
flores pendentes, com flor masculina, mais colorida
e vistosa, e flor feminina, esverdeada e em forma
de capacete, mas ambas com odores similares, pois
compartilham a maior parte dos componentes das
fragrâncias (Hill et al. 1972; Cancino & Damon
2007). As flores masculinas possuem um disco grande
e pegajoso ligado às polínias e ao capuz da antera
(parte da antera que cobre as polínias) que se projeta
em duas estruturas em forma de antenas (Fig. 9.2
L setas), as quais, ao serem tocadas durante a visita
da abelha, funcionam como gatilhos que disparam
a polínia em direção ao dorso torácico do inseto, tal
como observado no macho de Eufriesea violascens
Mocsáry (Fig. 9.2 L, polínias apontadas com asteriscos). A mesma abelha, ao visitar uma flor feminina,
com aparência diferente da flor masculina, mas com
o mesmo odor, é obrigada a ficar de pernas para o
alto para coletar os odores. Então, as polínias descem
de seu dorso por ação da gravidade, alojando-se no
estigma pegajoso e se desligando da substância elástica que as conectava ao polinizador (Dodson 1965).
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As espécies de Euglossini coletam diferentes
misturas (ou buquês) de fragrâncias, cada qual espécie-específica. Para coletar essa mistura, a abelha
necessita, às vezes, visitar distintas fontes de várias
espécies vegetais, orquidáceas ou não. Eltz et al.
(2005a) mostraram que determinada espécie de
abelha é menos atraída à espécie de planta que já
tenha visitado, indicando fraca constância de visitas.
Pemberton & Wheeler (2006) documentaram a
naturalização de uma espécie de Euglossa na Flórida,
EUA, onde não ocorrem orquídeas ou outros grupos
de plantas androeuglossinófilas, evidenciando que
machos não dependem somente dessas plantas para
se reproduzir. Portanto, apesar de várias espécies
de orquídeas dependerem exclusivamente de uma
ou poucas espécies de Euglossini para a reprodução sexuada, não é possível afirmar que todas as
espécies dessas abelhas dependam exclusivamente
de orquídeas para compor os perfumes que podem
ser utilizados na reprodução. Assim, poderíamos
concluir que este mutualismo entre machos de espécies de Euglossini e espécies com flores de perfume
configura uma dependência assimétrica na qual
plantas dependem das abelhas como polinizadores
exclusivos, mas as abelhas não necessariamente
vivem apenas da coleta de odores nessas plantas.
Essa aparente assimetria torna o estudo da evolução e o entendimento destas interações ainda mais
intrigantes.
Polinização por abelhas em
diferentes formações vegetais
brasileiras: síntese dos estudos
A dependência das abelhas em relação aos recursos
florais e suas adaptações morfológicas e comportamentais, como evidenciada nos itens anteriores, permite que estes insetos visitem vários tipos de flores e
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atuem como polinizadores efetivos de grande número
de espécies de plantas. Por isso em várias formações
vegetais há predomínio de flores polinizadas por
abelhas.
A seguir será discutido o papel das abelhas na
polinização da flora nas principais formações vegetais
brasileiras para as quais existem dados disponíveis.
A maioria das informações sobre a polinização por
abelhas em comunidades vegetais brasileiras foi obtida
de estudos que incluíram outros grupos de polinizadores (exceto Gottsberger et al. 1988) e nos quais os
autores realizaram observações do comportamento
de visita às flores associadas à análise morfofuncional
das unidades de polinização (flores ou inflorescências),
uma vez que nem todo animal que visita uma flor é
um polinizador.
O primeiro estudo no Brasil com o perfil citado
foi realizado por Gottsberger et al. (1988) em dunas
costeiras de São Luís, no Maranhão, no qual os autores registraram em detalhes a polinização de oito
espécies vegetais, a maioria polinizada por abelhas
de médio/grande porte (≥ 12 mm de comprimento)
(sensu Frankie et al. 1983) de diversos gêneros (p. ex.,
Centris, Euglossa, Eulaema, Xylocopa). Posteriormente,
Silberbauer-Gottsberger & Gottsberger (1988) fizeram uma síntese dos estudos de comunidades plantas-polinizadores realizados até então no mundo e
no Brasil. Estes autores apresentaram os primeiros
resultados relativos ao sistema e vetores envolvidos na
polinização em vegetação de cerrado (sentido amplo)
obtidos de modo sistemático durante treze anos entre
as décadas de 1970 e 1980 em Botucatu, no estado
de São Paulo, com observações adicionais em áreas
de Minas Gerais e Mato Grosso.
Na compilação de doze estudos desenvolvidos
em diversos estados desde a década de 1990, destacam-se as diversas formações de Cerrado, formações
222 ⁞ Polinização por abelhas
semiáridas, campestres e litorâneas (Tab. 9.1). Para a
região Norte e dezessete estados brasileiros não foram
registrados dados publicados ou disponíveis de estudos de polinização em comunidades, fato que pode
ser parcialmente explicado pela enorme dimensão
territorial brasileira e a elevada diversidade de tipos
de formações florestais, savânicas e campestres no
Brasil (IBGE, 1992).
Tabela 9.1 Percentual de espécies polinizadas por abelhas (grande-médio, pequeno porte), diversos pequenos
insetos (d.p.i.) e demais categorias de polinizadores e número de espécies vegetais amostradas em diferentes
formações vegetais em sete Estados da Federação brasileira e Distrito Federal (DF): 1. duna costeira, Maranhão
(MA) (Gottsberger et al. 1988), 2. cerrado sentido amplo, principalmente em São Paulo (SP) (SilberbauerGottsberger & Gottsberger 1988), 3. cerrado sentido restrito, Distrito Federal (DF) (Oliveira & Gibbs 2000;
2002), 4. cerrado sentido restrito, Mato Grosso (MT) (Borges 2000 apud Barbosa & Sazima 2008), 5. cerrado
sentido restrito, Minas Gerais (MG) (Silva et al. 2012), 6. mata de galeria (MG) (Oliveira & Gibbs 2002),
7. campo sujo de cerrado, MG (modificado de Barbosa & Sazima 2008), 8. campo sujo de cerrado, Mato
Grosso do Sul (MS), Goiás (GO), (MT) (Aoki 2011), 9. campo de altitude, Rio de Janeiro (RJ) (Freitas &
Sazima 2006), 10. campo sulino, Rio Grande do Sul (RS) (Pinheiro 2005), 11. Caatinga, Pernambuco (PE)
(Machado & Lopes 2004), 12. vegetação secundária (“capoeira”) em área de Mata Atlântica (PE) (Kimmel
et al. 2010), 13. vegetação de Chaco úmido (Savana Estépica Arbórea) (MS) (Souza 2011), 14. Restinga (RJ)
(Ormond et al. 1991 apud Barbosa & Sazima 2008). Porte da abelha: médio-grande (³ 12 mm), pequeno (<
12 mm). Informação não apresentada: ?.
Grupo de polinizador
Tempo
Nº de
Tipo de vegetação
de
Método de
Abelhas (%)
Demais espécies
(sigla unidade
d.p.i.
estudo amostragem médiode
Grupos
Federação do Brasil)
(%)
pequeno total
(meses)
plantas
(%)
grande
1. duna costeira (MA)
2. cerrado sentido
amplo (SP)
3. cerrado sentido
restrito (DF)
4. cerrado sentido
restrito (MT)
5. cerrado sentido
restrito (MG)
6. mata de galeria
(MG)
7. campo sujo de
cerrado (MG)
1
156
15
24
transecto
caminhada
aleatória
quadrante
centrado
caminhada
aleatória
78
11
89
-
11
9
-
-
69
-
31
279
32
-
-
49
19
59
40
-
-
20
32
109
-
89
-
11
178
-
52
25
102
42
7
51
133
24
transecto
-
?
?
23
?
?
21
21
Mardiore Pinheiro
♦
Maria C. Gaglianone
♦
Carlos E. P. Nunes
♦
Maria R. Sigrist
♦
Isabel A. dos Santos ⁞
223
Tabela 9.1 Continuação.
8. campo sujo de
cerrado (MS/GO/
MT)
9. campo de altitude
(RJ)
10. campo sulino
(RS)
11. Caatinga (PE)
12. “capoeira” (PE)
13. vegetação
chaquenha (MS)
14. restinga (RJ)
12
parcela
-
-
62
22
16
170
27
transecto
25
31
56
-
44
106
12
parcela
-
-
41
52
7
128
?
24
?
parcela
31
15
13
7
44
22
12
56
44
22
147
61
12
transecto
19
40
59
3
38
77
?
?
-
-
60
2
38
151
Os estudos levantados divergiram quanto a
período e métodos de amostragem, tamanho da
área amostral, número de espécies amostradas e
categoria de polinizadores (Tab. 9.1). Entretanto,
na maioria das formações vegetais amostradas, o
percentual de espécies polinizadas por abelhas foi
sempre elevado ou maior do que as demais categorias de polinizadores, com exceção da categoria
“diversos pequenos insetos” (d.p.i.) (sensu Bawa
et al. 1985) (Tab. 9.1). Dependendo do estudo, as
abelhas pequenas (< 12 mm de comprimento) (sensu
Frankie et al. 1983) foram inseridas nesta categoria
(p. ex., Oliveira & Gibbs 2000; 2002), que inclui
também besouros, borboletas, moscas e/ou vespas.
Isto porque as flores de espécies polinizadas por
pequenos insetos são geralmente pequenas (< 10
mm de comprimento), brancas ou com coloração
verde ou amarelo claro, pouco especializadas, sendo
os recursos florais de fácil acesso a ampla variedade
de insetos (Bawa et al. 1985).
O percentual de espécies polinizadas por abelhas
variou de 22% a 89%, sendo geralmente menor
nos estudos que trazem somente a categoria “abelhas médio-grandes” e que incluem as abelhas pequenas no grupo d.p.i. (Oliveira & Gibbs 2000;
2002; Kimmel et al. 2010). Entretanto Bawa et al.
(1985) sugerem que as espécies vegetais incluídas
na categoria d.p.i. provavelmente são efetivamente
polinizadas por pequenas abelhas. Assim, se juntarmos a categoria d.p.i. e as abelhas, o percentual
de espécies potencialmente polinizadas por estes
himenópteros nas formações vegetais apresentadas
pode variar de 49% a 89%.
Na maioria das formações vegetais estudadas, exceto em mata de galeria (Oliveira & Gibbs
2002) e campo sujo (Barbosa & Sazima 2008),
o percentual de espécies polinizadas por abelhas
foi maior que a somatória das categorias de polinizadores, excluindo a categoria d.p.i. (Tab. 9.1).
Os dados reforçam a afirmativa de vários autores
de que as abelhas constituem o mais importante e
predominante grupo de polinizadores na maioria
das comunidades vegetais (Kremen et al. 2007;
Imperatriz-Fonseca et al. 2011).
224 ⁞ Polinização por abelhas
A polinização por abelhas de médio-grande porte
merece destaque em nove dos estudos compilados que
trazem esta informação (Tab. 9.1) e cujo percentual
variou de 15% a 78%, com maiores valores para
duna, cerrado sentido restrito e caatinga e menores
para a formação chaquenha e vegetação secundária
(“capoeira”) e nas quais predominou a polinização por abelhas pequenas provavelmente incluídas
em d.p.i. (Tab. 9.1). De acordo com Frankie et al.
(1983), as flores polinizadas por abelhas de médiogrande porte são relativamente grandes, coloridas,
zigomorfas, hermafroditas, diurnas e geralmente duram um dia, características que ocorrem, por exemplo, em representantes de Bignoniaceae, Fabaceae
(Caesalpinioideae, Faboideae), Malpighiaceae,
Passifloraceae, dentre outras. Por outro lado, nas
espécies polinizadas por abelhas pequenas, as flores
são geralmente pequenas, brancas ou com coloração
pálida e actinomorfas; podem ser dioicas e flores
nectaríferas produzem menor quantidade de néctar
que as flores polinizadas por abelhas de médio-grande
porte (Frankie et al. 1983).
Na maioria dos estudos as espécies com flores
nectaríferas predominaram em relação aos demais
recursos florais para os quais existem registros (pólen, óleo, resina), exceto em campo sujo de cerrado
(Aoki 2011), onde foi registrado maior percentual
de espécies poliníferas, provavelmente em função da
elevada riqueza de membros das famílias Myrtacee
e Leguminosae-Mimosoideae, com destaque para
o gênero Mimosa. Nas formações vegetais amostradas, o percentual de espécies nectaríferas variou
entre 47,3% e 87,5%, mas geralmente com valores
superiores a 50%, e geralmente sendo similares entre
formações vegetais equivalentes (Tab. 9.2). Espécies
com flores nectaríferas ocorrem na maioria das famílias de angiospermas, daí a enorme diversidade
morfológica das flores que oferecem este recurso. De
modo geral, Leguminosae se destacou em riqueza de
espécies nectaríferas na maioria das formações não
campestres (e.g., cerrado sentido restrito, capoeira,
chaco e caatinga), com Asteraceae ocupando o segundo lugar, situação que se inverte quando consideramos as formações campestres (p. ex., campo
sujo e sulino). Acanthaceae, Lamiaceae, Malvaceae
e/ou Rubiaceae também merecem destaque como
fonte de néctar floral em alguns tipos de vegetação,
como, por exemplo, em caatinga, chaco e formações
campestres.
Espécies com flores de pólen ocuparam o segundo lugar em percentual de ocorrência (exceto
Aoki 2011), que variou entre 9,1% e 45,4%, mas
com valor médio geralmente acima de 20% (Tab.
9.2). Neste tipo floral destacam-se as espécies com
anteras poricidas de Leguminosae-Caesalpinioideae e
Melastomataceae, mas também com flores com anteras rimosas e do tipo pincel, como as de Myrtaceae e
Leguminosae-Mimosoideae. Flores de óleo ocuparam
invariavelmente o terceiro lugar em percentual de
ocorrência de espécies, com destaque para membros
de Malpighiaceae, principalmente em vegetação de
cerrado, exceto em campos de altitude (Freitas &
Sazima 2006) e campo sulino (Pinheiro 2005), onde
membros de Iridaceae disponibilizam óleo floral. Na
caatinga (Machado & Lopes 2004) e no chaco (Souza
2011) destaca-se também Plantaginaceae. Flores de
resina foram registradas somente nos estudos realizados em restinga (Ormond et al. 1991 apud Barbosa
& Sazima 2008) e vegetação de caatinga (Machado
& Lopes 2004), sendo nesta última representadas
por espécie de Clusia.
Mediante esta compilação de estudos fica evidente a importância das abelhas como polinizadores
nas diferentes formações ou comunidades vegetais
brasileiras; entretanto as lacunas de conhecimentos são grandes, considerando-se a falta de dados
Mardiore Pinheiro
♦
Maria C. Gaglianone
♦
Carlos E. P. Nunes
♦
Maria R. Sigrist
♦
Isabel A. dos Santos ⁞
225
Tabela 9.2 Percentual de espécies polinizadas por abelhas e/ou diversos pequenos insetos que oferecem como
principal recurso floral néctar, pólen, óleo e resina em espécies vegetais amostradas em diferentes formações
vegetais em sete Estados da Federação brasileira e Distrito Federal (DF): 1. duna costeira, Maranhão (MA)
(Gottsberger et al. 1988), 2. cerrado sentido amplo, principalmente em São Paulo (SP) (Silberbauer-Gottsberger
& Gottsberger 1988), 3. cerrado sentido restrito, Distrito Federal (DF) (Oliveira & Gibbs 2000; 2002), 4.
cerrado sentido restrito, Mato Grosso (MT) (Borges 2000 apud Barbosa & Sazima 2008), 5. cerrado sentido
restrito, Minas Gerais (MG) (Silva et al. 2012), 6. mata de galeria (MG) (Oliveira & Gibbs 2002), 7. campo
sujo de cerrado, MG (modificado de Barbosa & Sazima 2008), 8. campo sujo de cerrado, Mato Grosso do
Sul (MS), Goiás (GO), (MT) (Aoki 2011), 9. campo de altitude, Rio de Janeiro (RJ) (Freitas & Sazima 2006),
10. campo sulino, Rio Grande do Sul (RS) (Pinheiro 2005), 11. Caatinga, Pernambuco (PE) (Machado &
Lopes 2004), 12. vegetação secundária (“capoeira”) em área de Mata Atlântica (PE) (Kimmel et al. 2010),
13. vegetação de Chaco úmido (Savana Estépica Arbórea) (MS) (Souza 2011), 14. Restinga (RJ) (Ormond et
al. 1991 apud Barbosa & Sazima 2008).
Tipo de vegetação
(sigla unidade Federação do Brasil)
Principal recurso floral (% de espécies)
Néctar
Pólen
Óleo
Resina
1. duna costeira (MA)
87.5
12.5
0
0
2. cerrado sentido amplo (SP)
69.2
25.3
5.5
0
3. cerrado sentido restrito (DF)
73.3
22.2
4.5
0
4. cerrado sentido restrito (MT)
70.6
22
7.4
0
5. cerrado sentido restrito (MG)
59.5
30.4
10.1
0
-
-
-
-
7. campo sujo de cerrado (MG)
78.4
15.7
5.9
0
8. campo sujo de cerrado (MS/GO/MT)
43.7
45.4
10.9
0
9. campo de altitude (RJ)
71.1
25
3.9
0
10. campo sulino (RS)
57.9
38.2
3.9
0
11. Caatinga (PE)
74.3
15.3
9
1.4
12. “capoeira” (PE)
76.6
23.4
0
0
13. vegetação chaquenha (MS)
86.4
9.1
4.5
0
14. restinga (RJ)
74.5
16
7
2.5
6. mata de galeria (MG)
publicados para mais da metade dos estados brasi-
metodológica que limita análises de dados mais ela-
leiros ou biomas importantes, como, por exemplo,
boradas. Sugerimos então que novos estudos sejam
Mata Atlântica, Amazônia e Pantanal, entre outros.
conduzidos, em especial nos estados e biomas que
Além disso, esbarramos na falta de padronização
não possuem publicações.
226 ⁞ Polinização por abelhas
Abelhas como polinizadores:
importância e perspectivas
A síntese apresentada mostra a importância das abelhas como polinizadores nas diferentes formações
ou comunidades vegetais brasileiras. Os animais
polinizadores são componentes chave na manutenção da biodiversidade global, pois fornecem serviço
ecológico imprescindível (atuam na primeira etapa da
reprodução sexuada das angiospermas) e, portanto,
são fundamentais na manutenção das comunidades
naturais e produtividade agrícola (Potts et al. 2010).
Entretanto, sua preservação requer a conservação de
habitats naturais, com locais e materiais adequados
para nidificação, e com recursos alimentares diversificados, constituídos, por exemplo, por espécies fornecedoras de néctar, pólen, óleo e resina. A conservação
dos vetores de pólen é de grande importância, uma
vez que atuam na base da cadeia alimentar dos biomas
(Imperatriz-Fonseca et al. 2012). Neste contexto, as
abelhas tornam-se ainda mais relevantes, pois são os
polinizadores primários de muitas espécies agrícolas e
nativas (Potts et al. 2010). Para o Brasil são descritas
1.678 espécies de abelhas, ou seja, pouco mais de
30% da riqueza atualmente catalogada para a região
neotropical (5.016 spp.) (Silveira et al. 2002; Moure
et al. 2007; Freitas et al. 2009).
Diversos fatores ameaçam as abelhas nativas
nos neotrópicos, no Brasil e no mundo. Entre
eles estão as atividades antrópicas que promovem a fragmentação de habitats, o uso excessivo
de herbicidas e pesticidas, a coleta predatória de
mel, a ocupação de grandes extensões territoriais
por monoculturas e a introdução e propagação de
espécies exóticas (Freitas et al. 2009, Potts et al.
2010) (Capítulo 23). A perda global de polinizadores, em especial abelhas, gerou, no ano 2000, a
“Iniciativa Internacional para a Conservação e Uso
Sustentável de Polinizadores”, tendo sido elaborado,
dois anos mais tarde, o “Plano de Ação da Iniciativa
Internacional para a Conservação e Uso Sustentável
dos Polinizadores”. No Brasil, a “Iniciativa Brasileira
de Polinizadores” foi instituída em 16 de março de
2005 através da Portaria Interministerial nº 218,
com o objetivo de trabalhar desde a conscientização
popular sobre a relevância dos serviços ambientais
prestados pelos polinizadores na agricultura e na
conservação ambiental, formação de recursos humanos e capacitação, desenvolvimento de políticas
favoráveis, até o fortalecimento das pesquisas relativas aos polinizadores para o preenchimento das
lacunas de conhecimento acadêmico e aplicações
práticas (Imperatriz-Fonseca et al. 2004).
Considerando o aqui exposto, temos o desafio de
conservar a fauna de abelhas nativas para garantir os
serviços de polinização e também a flora que mantém
esta fauna, em especial em formações vegetais de
biomas ameaçados. Especial atenção deve ser dada
aos biomas com lacunas sobre o conhecimento da
polinização por abelhas, seja por heterogeneidade
das formações florestais e dos biomas brasileiros, seja
pela falta de grupos de pesquisas e/ou publicações,
entre outros. Outro grande desafio é a padronização
metodológica para análises de dados mais elaboradas, como, por exemplo, comparações das redes de
interações, entre os estudos.
Agradecimentos
Agradecemos a Marlies Sazima por ter iniciado os
estudos de polinização no Brasil e pelos permanentes
exemplo, ensino e incentivo; ao Conselho Nacional de
Pesquisa (CNPq), à Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp), à Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(Faperj) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de
Mardiore Pinheiro
♦
Maria C. Gaglianone
♦
Carlos E. P. Nunes
♦
Maria R. Sigrist
♦
Isabel A. dos Santos ⁞
227
Pessoal de Ensino Superior (Capes) pelo apoio financeiro; aos editores, pela oportunidade de redigir
este capítulo; aos revisores, pelos preciosos comentários e sugestões; a Vinícius Lourenço Garcia de
Brito, Clemens Schlindwein, Marcelo Cassimiro
Cavalcante, Paulo César Fernandes, Antonio Aguiar
pela gentileza de disponibilizarem imagens para as
figuras; e também ao A. Aguiar, pela identificação
das espécies de Tapinotaspidini.
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systems: hypotheses and tests with the neotropical vine
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Foto: Leonardo Ré Jorge
*
Capítulo 10
*
Polinização por lepidopteros
Reisla Oliveira1, José Araújo Duarte Junior 2,
André Rodrigo Rech3 e Rubem Samuel de Avila Jr.4
1
Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente, Universidade Federal de Ouro Preto, campus Morro do Cruzeiro
– CEP: 35400-000 – Ouro Preto-MG – Brasil. e-mail: reislaxoliveira@gmail.com
2
Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Norte – Rua Portugal, casa 26 – Nova Parnamirim – CEP: 59158-222 –
Parnamirim-RN – Brasil.
3
Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas – Rua Monteiro Lobato, 255 – CEP: 13083-970 – Campinas-SP – Brasil.
4
Universidade Federal do Pampa, campus São Gabriel – Av. Antônio Trilha, 1.847 – CEP: 97300-000 – São Gabriel-RS – Brasil.
M
ariposas e borboletas interagem de forma complexa com plantas de todos os ecossistemas brasileiros.
Enquanto larvas podem causar danos substanciais às plantas hospedeiras, na busca por néctar, os adultos
polinizam flores de centenas de espécies vegetais no país. Nesse capítulo fazemos uma introdução geral aos
lepidópteros polinizadores e, em seguida, abordamos cada um dos grupos separadamente. Ao apresentarmos
borboletas, mariposas em geral e esfingídeos discutimos suas particularidades ecológicas e as características
principais das plantas com as quais interagem e potencialmente polinizam. Os esfingídeos (Lepidoptera,
Sphingidae) representam o grupo mais estudado dentre esses insetos e portanto recebem maior atenção ao
longo do texto. Características florais de plantas polinizadas por mariposas ultrapassam as definidas tradicionalmente pela síndrome de esfingofilia e são debatidas em detalhe. Buscamos ainda traçar um panorama
do conhecimento atual sobre esse sistema de polinização no Brasil. Esperamos com esse capítulo evidenciar
lacunas de conhecimento e motivar novos estudos com esse grupo que já serviu de modelo para discussão de
importantes teorias evolutivas e ecológicas.
236 ⁞ Polinização por lepidopteros
Introdução
Compreendendo as borboletas e mariposas, a ordem
Lepidoptera é a segunda maior da classe Insecta, atrás
apenas de Coleptera em número de espécies. Entre os
Lepidoptera, os visitantes florais pertencem à divisão
Ditrysia, a qual concentra mais de 90% das espécies
da ordem (Willmer 2011). Os lepidópteros caracterizam-se pelos estádios larvais de hábito herbívoro,
enquanto os adultos das espécies antófilas alimentam-se de néctar e, mais raramente, de pólen (Gilbert
1972). De maneira geral, as borboletas são organismos diurnos, enquanto as mariposas são majoritariamente noturnas ou crepusculares. Funcionalmente,
mariposas podem ser separadas em dois grupos: o
primeiro inclui mariposas da família Sphingidae
(hawkmoths), que estão relacionadas à esfingofilia e
normalmente adejam em frente às flores para acessar
o néctar; o segundo grupo engloba as outras famílias
de mariposas que estão relacionadas à falenofilia e
visitam flores sem adejar, pousando sobre elas. Ambos
os grupos diferem sensivelmente entre si devido ao
modo de visitação às flores, à capacidade de voo e ao
deslocamento, assim como quanto às características
das flores que visitam (Oliveira et al. 2004).
Os lepidópteros são insetos holometabólicos
(endopterygota) com quatro fases de vida: ovo, larva, pupa e adulto (Fig. 10.1). As fêmeas depositam
os ovos na vizinhança ou diretamente sob folhas
de plantas hospedeiras (Pittaway 1993, Kitching &
Cadiou 2000). As larvas alimentam-se intensamente
e depois de passarem por mudas sucessivas, as quais
lhes possibilitam crescer, elas buscam um local para
o novo estágio de vida, o de pupa. A fase pupal, na
qual o animal não se alimenta, pode ser curta, de
menos de duas semanas, em condições favoráveis,
ou levar meses, quando as condições são adversas
(Kitching & Cadiou 2000).
Exceto por membros da família Micropterigidae,
lepidópteros tipicamente apresentam peças bucais
modificadas e relacionadas ao consumou de alimentos
fluidos (Scoble 1992, Gillott 2005). A partir da justaposição das duas gáleas da maxila, cujas paredes são
constituídas de estreitos arcos esclerotizados alternados
com áreas membranosas, forma-se uma probóscide
ou espirotromba, um tubo longo e flexível por onde
flui o alimento (Gillott 2005) (Fig. 10.2). A extensão
da probóscide se dá pela pressão de hemolinfa proveniente da cavidade da cabeça e do estipe e a contração,
através do antagonismo dos músculos contratores e
de relaxamento (Snodgrass 1993; Madden 1944). A
maioria dos Lepidoptera é nectarívora, mas fluidos de
animais mortos, de fezes e de frutos em decomposição
também podem compor a dieta desses insetos.
O mecanismo de sucção ao longo de um tubo
longo e fino impõe limites à viscosidade e concentração do fluido a ser ingerido. Para Lepidoptera em
geral, o custo energético para ingestão de néctares
com concentração de açúcares acima de 35% a 45% é
proibitivamente alto (Josens & Farina 2001, Willmer
2011). Algumas mariposas da família Noctuidae, no
entanto, podem se alimentar de néctar relativamente
viscoso ao diluí-lo com saliva.
Embora apresente relativamente baixos teores de
vitaminas e proteínas, o néctar é a principal fonte de
energia para a dispendiosa atividade de voar (Capítulo
6). Por apresentarem longevidade de mais de seis
meses, período de atividade consideravelmente longo
para Lepidoptera, borboletas Heliconius e Laparus
(Nymphalidae) complementam seus requerimentos de nitrogênio ingerindo pólen, cujas proteínas
e aminoácidos também são incorporados aos ovos
(Gilbert 1972, Penz & Krenn 2000). A quantidade
de pólen ingerido por essas borboletas parece estar
diretamente correlacionada com a intensidade de
oviposição (Eberhard et al. 2007).
Reisla Oliveira
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José Araújo Duarte Junior
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André Rodrigo Rech
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Rubem Samuel de Avila Jr. ⁞
237
larva
20 – 30 dias
pupa
Vário meses
adulto
Figura 10.1 Fases de vida de indivíduos de Pseudosphinx tetrio (Linnaeus, 1771). Fêmeas depositam de 30 a 100 ovos em folhas
da planta hospedeira. Adultos emergirão em vários meses, de casulos construídos sobre o solo.
No caso dos esfingídeos, o comprimento da
probóscide está diretamente relacionado ao tamanho corpóreo, o que reflete sua demanda energética
(Heinrich 1983), assim como suas adaptações à
flora esfingófila (Agosta & Janzen 2005). Tal relação, entretanto, não é conhecida para borboletas
antófilas, pelo menos em áreas mediterrâneas, nas
quais o grupo já foi mais bem estudado (Stefanescu
& Traveset 2009).
Polinização por borboletas
As borboletas foram tradicionalmente descritas
como polinizadores pouco efetivos (Wiklund et
al. 1979). Estudos autoecológicos e no nível de comunidade demonstraram que existe variação entre
espécies de borboleta quanto à sua efetividade como
polinizador (Bloch et al. 2006), contudo muitas
espécies de plantas de diversas famílias, entre elas
238 ⁞ Polinização por lepidopteros
A
B
Figura 10.2 Seções da espirotromba de Isognathus menechus (Sphingidae) em microscopia eletrônica de varredura. Grãos de pólen de Hancornia speciosa (Apocynaceae) estão aderidos à porção ventral da peça bucal (Escala em (A) = 200μm; em (B) = 20μ).
Fonte: Darrault & Schlindwein 2002.
Orchidaceae, Verbenaceae, Apocynaceae, Rubiaceae,
Cucurbitaceae, Caryophyllaceae e Fabaceae, foram
descritas como exclusivamente polinizadas por borboletas (Cruden & Hermann-Parker 1979, Willmer
2011). Além disso, há sugestão de que espécies que
são efetivamente polinizadas por borboletas apresentem características florais convergentes, entre
as quais a morfologia tubular, com plataforma de
pouso ou organização em inflorescências compactas
(Faegri e Pijl 1979, Willmer 2011), além de características relacionadas a cor, odor (Johnson e Bond
1994, Andersson et al. 2002, Andersson & Dobson
2003) e quantidade de aminoácidos presente no
néctar (Rusterholz & Erhardt 2001, Mevi-Schütz
& Herhardt 2005).
Entre espécies de gladíolos (Gladiolus spp,
Iridaceae), por exemplo, a polinização por borboletas
e mariposas evoluiu várias vezes independentemente,
mas percebe-se um padrão de características convergentes nas plantas polinizadas por cada um dos
grupos (Goldblatt & Manning 2002). Esse padrão
sugere que borboletas provavelmente não sejam polinizadores tão ineficientes como se pensou a princípio.
Apoiando essa ideia, estudos têm progressivamente
reconhecido borboletas como importantes vetores de
polinização cruzada, dado que, em função do hábito
gregário e da utilização das flores como repositórios
energéticos, elas tendem a percorrer distâncias muito
maiores do que abelhas, por exemplo (Waser 1982;
Herrera 1987).
Diferentes famílias de borboletas apresentam
padrões claros em diferentes graus de especialização
com as flores que interagem (Stefanescu & Traveset
2009). Na região mediterrânea, espécies da família
Pieridae são as mais generalistas, contrastando com
Nymphalidae e Lycaenidae, as mais especializadas
(Stefanescu & Traveset 2009). Além disso, os dados
dos últimos autores corroboraram os de Tudor et al.
(2004), mostrando que existe uma associação entre
o habitat e o número de fontes de néctar, de modo
Reisla Oliveira
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José Araújo Duarte Junior
♦
que borboletas que vivem em áreas abertas utilizam
néctar de um número maior de espécies vegetais
(Stefanescu & Traveset 2009).
Machos e fêmeas de borboletas podem diferir
quanto ao seu comportamento de forrageio, sendo
que fêmeas visitam flores de mais espécies e preferem
plantas com néctar mais rico em glicose e aminoácidos, enquanto machos tendem a percorrer distâncias
maiores e preferem néctar mais concentrado e rico
em sacarose (Rusterholz & Erhardt 2001).
Polinização por mariposas
No primeiro parágrafo do seu livro On the various
contrivances by which British and foreign orchids are
fertilised by insects, and on the good effects of intercrossing, publicado em 1862, Charles Darwin escreveu:
“The object of following work is to show
that the contrivances by which orchids are
fertilized are as varied and almost as perfect
as any of the most beautiful adaptations in
the animal kingdom…”
O autor usou um bom adjetivo (belas) para caracterizar as adaptações entre flores e animais polinizadores, e o que sugere ao leitor prosseguir com a
leitura da referida obra, sem dúvida nenhuma, é o
fato de tratar de mecanismos rebuscados e fortemente
relacionados à otimização do processo de polinização.
Num dos trabalhos pioneiros da biologia da polinização, Sprengel (1793) já descrevia diversos mecanismos
envolvidos na fertilização de uma série de espécies
vegetais dentro deste contexto adaptativo (Capítulo
1). Na sua forma de entender, a grande variação nas
características florais seria resultado de processos que
promoveriam a otimização dos eventos reprodutivos
das espécies vegetais na sua íntima associação com os
diferentes grupos de polinizadores. Nesse trabalho
André Rodrigo Rech
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Rubem Samuel de Avila Jr. ⁞
239
também foram relatadas observações ainda incipientes
sobre flores polinizadas por insetos noturnos, como o
menor destaque na coloração das corolas e na função
do odor na atração dos insetos.
Polinizadores noturnos estão distribuídos em
distintos grupos taxonômicos, porém, mariposas
Sphingidae estão entre os exemplos mais bem estudados. Talvez o caso mais ilustrativo do papel das interações plantas-esfingídeos no contexto evolutivo seja
o descrito para Angraecum sesquipedale (Orquidaceae)
no início do século XIX. Charles Darwin, ao receber
uma caixa contendo algumas flores de A. sesquipedale,
previu que o enorme esporão nectarífero (cerca de 30
cm) deveria estar relacionado com um polinizador
com aparato bucal tão longo quanto. A existência
de tal espécie de polinizador foi confirmada mais de
quarenta anos depois, com a descrição de Xantophan
morganii var. praedicta (Sphingidae, Sphinginae) em
florestas de Madagascar (Rothschild & Jordan 1903).
Este exemplo foi fundamental no debate acerca do
mecanismo de seleção natural, uma vez que sugere
adaptações recíprocas na configuração de características florais e atributos morfológicos dos polinizadores
(Nilsson 1988; Micheneau et al. 2009).
No Brasil, os estudos sobre biologia da polinização iniciaram de forma sistemática na década de
1970. Sistemas de polinização que apresentavam vetores noturnos foram inauguralmente estudados por
Sazima & Sazima (1975) com o estudo de uma espécie
quiropterófila (visitada por morcegos), Lafoensia pacari (Lythraceae). Posteriormente, os mesmos autores
estudaram outras espécies de antese noturna, como
Passiflora mucronata (Passifloraceae) (Sazima & Sazima
1978, foto de capa desse livro) e Marcgravia miryostigma (Marcgraviaceae) (Sazima & Sazima 1980). O
compartilhamento de características entre espécies
quiropterófilas e esfingófilas acarreta a utilização de
flores quiropterófilas por esfingídeos, os quais são então
240 ⁞ Polinização por lepidopteros
considerados pilhadores ou visitantes ocasionais. Isto
foi observado para Couepia (Silberbauer-Gottsberger
& Gottsberger 1975), Passiflora mucronata (R. Avila
Jr., obs. pess.), Eriotheca spp. (Avila Jr. et al. 2010) e
Bauhinia (Silberbauer-Gottsberger & Gottsberger
1975), porém cabe ressaltar que o real papel de esfingídeos na polinização de espécies quiropterófilas merece uma atenção especial em alguns casos.
Em espécies com flores polistêmones, como Inga
(Fabaceae-Mimosoidae) (Avila Jr. et al. dados não
publicados; Neto et al. 2007; Amorim et al. 2013),
Pseudobombax (Malvaceae) (Avila Jr. et al. 2010), entre
outras, esfingídeos talvez configurem muito mais do
que simples pilhadores. Parte da falta de informações
comparativas entre potenciais polinizadores noturnos
se dá pelas dificuldades metodológicas e logísticas de
se acessar satisfatoriamente a contribuição relativa de
cada grupo na polinização de determinada espécie.
Oliveira et al. (2004) ampliaram a descrição do
conjunto de espécies esfingófilas e falenófilas e as
características destas interações no Brasil Central. A
caracterização das relações entre esfingídeos e plantas
em um contexto de comunidade, contudo, começou
a ser abordada no Brasil, há cerca de uma década,
através do levantamento de esfingídeos e plantas
esfingófilas em um trecho do Tabuleiro Paraibano,
uma ocorrência disjunta do Cerrado no Nordeste
Brasileiro (Darrault & Schlindwein 2001). Em seguida, com emprego da mesma metodologia, foram
conduzidos estudos no Cerrado (Amorim 2008) e na
Floresta Atlântica (Avila Jr. et al., 2010), no sudeste
brasileiro. Estudos com lepidópteros diurnos, por
outro lado, nunca chegaram a ter este tipo de atenção.
Mariposas não-esfingídeos
No grupo das mariposas não-esfingídeos, estão
incluídas todas aquelas que, embora sejam boas
voadoras, não podem adejar. Incluem-se aí as famílias Noctuidae, Pyralidae e Geometidae (Willmer
(2011). Essas mariposas tendem a forragear em
horários crepusculares, embora, sua atividade de
visita possa se prolongar na noite, especialmente
em ambientes tropicais (Oliveira et al. 2004). Entre
as espécies de plantas estudadas por Oliveira et al.
(2004) no Cerrado, onze apresentavam cor branca,
sete eram creme e três, amareladas. Schremmer
(1941) percebeu que, embora flores com coloração clara fossem visitadas no crepúsculo, apenas
as brancas continuavam a receber visitas durante a
noite. Muitas espécies de plantas com polinização
noturna apresentam suas flores fechadas, sem odor
ou recurso (néctar) durante o dia, como, por exemplo, Cestrum spp. (Solanaceae). Esse comportamento
floral foi entendido como uma estratégia que evita
visitas diurnas por animais que supostamente seriam
menos eficazes ou até pilhadores (Stebbins 1970;
Raguso & Picherstky 1994).
Entre as espécies visitadas por mariposas não
-esfingídeos o odor é marcadamente mais forte do
que o percebido em flores visitadas por borboletas
(Willmer 2011), não apresentando os sesquiterpenos
oxigenados encontrados no odor das flores polinizadas por esfingídeos (Knudsen e Tollsten 1993).
O odor das plantas visitadas por mariposas não-esfingídeos foi classificado por Baker (1961) como
adocicado e penetrante. Os odores parecem ter efeito
diferente sobre o comportamento dos dois grupos
de mariposas, funcionando como eliciadores do
comportamento de busca visual para os esfingídeos
e como guias de néctar para as demais mariposas
(Brantjes 1973, 1978).
Da mesma forma que em borboletas, parece haver diferenças sexuais claras nas estratégias
de forrageamento e visitação floral por mariposas
não-esfingídeos (Janzen 1983). Para várias espécies
Reisla Oliveira
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José Araújo Duarte Junior
♦
vegetais, machos são visitantes florais mais frequentes, chegando a ser até vinte vezes mais amostrados em flores do que fêmeas (Goss & Adams
1976; Nilsson 1978; Nilsson et al. 1990). Embora
com padrões contrastantes de visitação, não foram
encontradas evidências de que exista atração por
engodo sexual e pseudocópula, uma vez que os
odores florais não têm similaridade com feromônios
de fêmeas (Knudsen & Tollsten 1993). Percebe-se
aí um campo de pesquisas aberto para experimentação e estudos.
Entre as famílias com espécies sabidamente
polinizadas por mariposas não-enfingídeos estão
Rubiaceae, Apocynaceae, Fabaceae, Solanaceae,
Onagraceae e Orquidaceae (Willmer 2011). No
Brasil, várias espécies de orquídeas tiveram sua polinização associada àquelas mariposas, entre elas
Brassavola cebolleta (Rech et al. 2010), Habenaria
parviflora (Singer 2001), Sauroglossum elatum (Singer
2002), Prescottia plantaginea e P. stachyodes (Singer
& Sazima 2001). Em Onagraceae, a polinização por
essas mariposas evoluiu pelo menos quatro vezes
independentemente, somando um total de mais de
quarenta espécies polinizadas por mariposas não
-esfingídeos (Raven 1979). Além disso, a mudança
evolutivamente recente na polinização de Clarkia
breweri de abelhas para mariposas foi acompanhada
pela mudança drástica na produção de odores, o
que reforça a importância desse componente em
sistemas de polinização por mariposas (Raguso &
Picherstky 1994).
Paradoxalmente, apesar de o volume de conhecimento acerca de Lepidoptera ser basicamente
centrado em esfingídeos, três exemplos muito utilizados para o entendimento de relações de mutualismos envolvem mariposas que não são esfingídeos.
Esses mutualismos ocorrem entre espécies de Yucca
(Agavaceae) e mariposas da yucca (Pellmyr 2003),
André Rodrigo Rech
♦
Rubem Samuel de Avila Jr. ⁞
241
as cactáceaes Senita e mariposas do cacto (Holland
e Fleming 2002) e Silene e os noctuídeos Hadena
(Pettersson 1991). Nesses sistemas, a interação entre
planta e polinizadores é bastante complexa e específica. Além dos polinizadores efetuarem a polinização ativa das plantas, eles ovipositam nos ovários,
dentro dos quais suas larvas se desenvolvem. Dessa
forma, existe um conflito entre os recursos disponibilizados pela planta para o desenvolvimento de
seus embriões e as larvas de seus polinizadores que
se alimentam das sementes em desenvolvimento
(Rech & Brito 2012).
Polinização por esfingídeos
Flores polinizadas por esfingídeos compartilham
características presumidamente associadas à atração
desses animais, incluindo antese noturna, coloração
pálida, néctar rico em sacarose e odor floral forte e
adocicado. São usualmente grandes, tubulares, hipocrateriformes ou com longos calcares ou esporões,
muitas vezes solitárias, pendentes ou dispostas horizontalmente (Vogel 1954; Baker 1961; Gregory 1964;
Faegri & van der Pijl 1979; Silberbauer-Gottsberger
& Gottsberg 1975; Haber & Frankie 1989; Silva &
Sazima 1995) (Fig. 10.3).
A deposição do néctar na base de tubos estreitos e longos, muitas vezes cobertos internamente
por pelos, restringe o acesso ao recurso floral aos
visitantes com língua não apenas longa, mas forte o
suficiente para transpor barreiras de pelos (Ghazoul
1997; Alexandersson &Johnson 2002; Darrault
& Schlindwein 2005). As flores da mangabeira
(Hancornia speciosa, Apocynaceae), por exemplo,
são hipocrateriformes, com um tubo floral de até 4,3
cm de comprimento. Para acessar o néctar depositado
no fundo do tubo, visitantes florais devem apresentar
peças bucais com comprimento acima de 3,5 cm e
242 ⁞ Polinização por lepidopteros
A
D
G
B
C
E
F
H
Figura 10.3 Flores esfingófilas no Brasil: (A) Carica papaya (Caricaceae); (B) Himatanthus phagedaenicus (Apocynaecee); (C)
Posoqueria latifolia (Rubiaceae); (D, E) Mandevilla spp. (Apocynaeceae); (H) Lonicera japonica (Caprifoliaceae); F- Inga subnuda
subsp. luschinatiana (Fabaceae – Mimosoidae); (G) Echinopsis oxygona (Cactaceae). Fotos: Clemens Schlindwein (A, B, E, G) José
Araújo Duarte Jr. (D), Reisla Oliveira (H), Rubem Avila Jr. (C, F).
Reisla Oliveira
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José Araújo Duarte Junior
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Manduca sexta…
Manduca difissa
Nascus phocus
Urbanus durantes…
Perichares philetes…
Isognathus caricae
Bugalotis sp
Dysocephaly…
Pachylia syces
Erinnyis ello
Pachylia ficus
Eulaema nigrita
Hyles euphorbiarum
Enyo ocypete
Phocides pigmaliaes
Heliconius nanna
Neogene dyanaeus
Aellopos fadus
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
4,5
Comprimento médio do tubo floral e do aparelho bucal dos visitantes
florais (cm)
B
Heliconius phyllis
Centris sp.
A
Isognathus menechus
C
243
5
Figura 10.4 Flor de Hancornia speciosa (Apocynaceae) em seções transversais (A, B) e longitudinal (C). Para acessar o néctar,
visitantes florias devem ter peças bucais com pelo menos 3,5 cm de comprimento e fortes o bastante para romper anéis de pelos
inseridos logo abaixo da cabeça estigmática (indicada em azul), ao longo e entre os estiletes (p1, p2). Estes anéis delimitam canais
que guiam o aparelho bucal do visitante até a câmara nectarífera localizada na base do tubo floral (adaptado de Darrault &
Schlindwein 2005). f = estiletes; p1 = pelos sobre os estiletes; p2= pelos entre os estiletes.
fortes o suficiente para adentrar por aberturas de cerca
de 1 mm, delimitadas por anéis de pelos inseridos ao
longo de todo tubo floral (Darrault & Schlindwein
2005) (Fig. 10.4).
Esfingídeos adultos são exclusivamente nectarívoros, podem forragear por quilômetros e,
ao tomarem néctar, adejam ou pairam em frente
às flores; comportamentos de forrageio que lhes
impõem altas demandas energéticas (Linhart &
Mendenhall 1977; Nilsson et al. 1992; Chase et
al. 1996; Micheneau et al. 2010). De modo geral,
flores esfingófilas secretam néctar copioso e rico
em sacarose ao longo de toda a antese. Em uma
244 ⁞ Polinização por lepidopteros
guilda de espécies esfingófilas estudadas na Floresta
Atlântica do sudeste do Brasil, dez espécies vegetais que tiveram a composição química do néctar
avaliada apresentaram convergência para o amplo
predomínio de sacarose (Fig. 10.5). Há, contudo,
uma grande variação intra e interespecífica no volume de néctar secretado. Em flores de Petunia
axillaris (Solanaceae), por exemplo, a produção de
néctar está diretamente associada ao tempo de visita
dos esfingídeos às flores (Brandenburg et al. 2012);
e indivíduos de Plumeria rubra (Apocynaceae)
(Haber 1984), Brassavola (Orchidaceae), Cestrum
(Solanaceae) (Haber & Frankie 1989, Rech et al.
2010) e Himatanthus phagedinicus (Apocynaceae)
(Schlindwein et al. 2004) apresentam flores com
pouco ou nenhum néctar. As flores de espécies
esfingófilas que não produzem néctar florescem
por longos períodos (acima de cinco meses), assemelham-se às de espécies simpátricas que oferecem
o recurso, e com elas compartilham visitantes florais que eventualmente as polinizam “por engodo”
(Capítulo 15).
Variações quanto à concentração de açúcares
no néctar secretado também são comuns. Em uma
mesma população, flores de distintos indivíduos
podem apresentar grande variação neste atributo, o que foi evidenciado em Crinum americanun
(Amaryllidaceae) (3% a 17% de açúcar) e Epiphylum
phyllanthus (Cactaceae), por exemplo (Avila Jr.
2009).
Em algumas espécies, esfingídeos nas fases
adulta e larval utilizam a mesma planta hospedeira, a qual é fonte de tecido foliar e de néctar
(Adler & Bronstein 2004). Nesses casos, a interação
esfingídeos-planta torna-se uma relação entre herbívoro-polinizador e planta. Nestas relações conflituosas, plantas podem dispor de mecanismos que
lhes possibilitem produzir frutos ainda que sob a
pressão de herbivoria. Plantas de tabaco, Nicotiana
spp., por exemplo, apresentam nicotina no néctar.
Tal composto secundário aumenta a mortalidade
de larvas e inibe o desenvolvimento de pupas de
Manduca sexta (Sphingidae), polinizador de várias
espécies de Nicotiana e herbívoro especialista em
Solanaceae. Nessas espécies, o dano foliar induz o
aumento da concentração de nicotina no néctar,
tornando-o repelente ou menos atrativo aos visitantes
florais folívoros, sobretudo fêmeas de M. sexta. Estas
não apenas reduzem drasticamente sua frequência
de visita floral, como deixam de ovipositar nessas
hospedeiras (Detzel & Wink 1993; Raguso et al.
2003; Adler et al. 2006; Kessler & Baldwin 2007;
Sharp et al. 2009).
A transição de juvenis herbívoros a adultos mutualistas que ocorre em Lepidoptera pode ter implicações diretas sobre a ocorrência das espécies e a
estrutura das comunidades nas quais estabelecem
interações de polinização. Dessa forma, estudos tornar-se-ão mais realistas à medida que abarcarem a
complexidade de ambos os estádios, larval e adulto,
bem como suas respectivas dietas (Faegri & van der
Pijl 1979).
Odor floral - pista para localização
de recursos?
À longa distância, os voláteis florais aparentemente
compõem um sinal crucial na atração dos esfingídeos, em sua maioria forrageadores noturnos
(Tinbergen 1958; Brantjes 1978; Nilsson 1983;
Dobson 1994). Contudo, são poucos os testes experimentais que demonstram o papel de odores
específicos (Raguso 2006). Uma das motivações
centrais para o estudo de odores de flores esfingófilas é a possibilidade de o odor ser uma dimensão
Reisla Oliveira
♦
José Araújo Duarte Junior
♦
André Rodrigo Rech
H. coro
H. longi
(masc)
♦
Rubem Samuel de Avila Jr. ⁞
245
120
Composição química do néctar (%)
100
80
60
40
20
0
C. fer
C. am
E. phyl
H. longi
(fem)
sacarose
S. gran
frutose
T. bull
(fem)
T. bull
(masc)
I. sub
P. latifolia
I. alba
glucose
Figura 10.5 Constituição química do néctar secretado em 10 espécies esfingófilas no Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo
Picinguba (Avila Jr. 2009). C.fer = Cereus fernambuscensis; C.am = Crinum americanum; H.coro = Hedychiun coronarium; E.phyl
= Epyphilum phyllanthus; I. long (fem) = Isotoma longiflora, flores em fase feminina; I. longi= Isotoma longiflora, flores em fase
masculina; S.gran = Solandra grandiflora; T.bull (fem) = Tocoyena bullata, flores em fase feminina, T.bull (masc) = Tocoyena bullata, flores em fase masculina; I.sub = Inga subnuda subsp. lushinatiana; P.latifolia = Posoqueria latifolia, I.alba = Ipomoea alba.
dos fenótipos florais e de que, como para os traços
morfológicos, tenha ocorrido uma convergência
evolutiva de atributos olfatórios de plantas polinizadas pelo mesmo grupo de animais. De fato, a
descoberta de compostos odoríferos de estrutura
similar em espécies esfingófilas mais ou menos
próximas filogeneticamente, e ocorrentes tanto em
regiões tropicais quanto em temperadas, sugere que
a composição do buquê floral tem sido selecionada
de forma difusa, por um grupo específico de polinizadores, com preferências sensoriais similares
(Knudsen & Tollsten 1993).
O avanço nas técnicas analíticas de cromatografia gasosa e espectrometria de massa possibilitou
que o odor, como atributo floral, fosse incorporado
nos estudos de polinização. As análises químicas
mostram que flores esfingófilas emitem predominantemente terpenos (como linalol), benzenoides
(como benzoato de metila e acetato de benzila),
compostos nitrogenados, jasmonatos, latonas e tiglatos, que, em conjunto, compõem a denominada
“imagem floral branca” (Knudsen & Tollsten 1993;
Nilsson 1983; Tollsten 1993; Kaiser 1993; Raguso
& Pichersky 1995). Vários dos voláteis florais desempenham outras funções que não a reprodutiva,
como a de estimular o comportamento alimentar e
indicar sítios de postura de ovos. Mesmo que nas
duas últimas décadas tenham sido publicados vários
estudos com ecologia química, desconhecem-se
246 ⁞ Polinização por lepidopteros
ainda as funções exatas do perfume floral. Não
se sabe, por exemplo, quais dos seus componentes
eliciam respostas comportamentais nos polinizadores e como o conjunto de sinais florais – odor,
cor, textura, natureza do néctar – é utilizado pelos
animais (Capítulo 19). Para tal, há necessidade primordial de biotestes com componentes específicos
do buquê floral.
Quão estreitas são as relações
entre esfingídeos e plantas?
Apesar da beleza e conspicuidade dos esfingídeos,
levantamentos sistematizados da esfingofauna brasileira são pouco numerosos, em comparação com
os de outros polinizadores, como as abelhas. O
hábito noturno dessas mariposas e a necessidade
de coleta ativa durante toda a noite ou emprego
de armadilhas luminosas para sua amostragem
dificultam a elaboração de listas de espécies de
esfingídeos adultos e plantas associadas. Em uma
contagem otimista, há menos de uma dezena desses inventários no Brasil (Darrault & Schlindwein
2002; Duarte Jr. 2006; Amorim 2008; Avila et
al. 2010; Amorim et al. 2013). Já a escassez de informações sobre as relações de larvas com plantas
hospedeiras deve-se, sobretudo, à dificuldade de
encontrá-las se alimentando nas plantas, seja pela
coloração críptica, comportamento de forrageio
e/ou pelo curto tempo de atividade dos instares
larvais (Moss 1920).
No nível de comunidade, relações esfingídeos
-plantas esfingófilas têm sido inferidas a partir
da análise do pólen aderido à superfície corpórea
de mariposas atraídas às armadilhas luminosas
(Haber & Frankie 1989; Darrault & Schlindwein
2002; Alarcón et al. 2008; Avila Jr. et al. 2010).
Tais estudos indicam o predomínio de relações difusas, mais generalistas entre esfingídeos e plantas,
nas quais mariposas de uma espécie associam-se
a um número abrangente de espécies de plantas
fontes de néctar, não havendo evidências de relações estreitas ou espécie-específicas. No Tabuleiro
paraibano, por exemplo, esfingídeos adultos de
vinte espécies interagem com pelo menos trinta e
seis espécies de plantas fontes de néctar. Indivíduos
de uma espécie visitaram entre uma e vinte e três
espécies vegetais em busca de alimento (Darrault
& Schlindwein 2002). Em um trecho da Floresta
Atlântica no Sudeste, sessenta e quatro tipos polínicos foram registrados nas espirotrombas de
esfingídeos de quarenta e nove espécies (Avila Jr.
et al. 2010).
Ainda que generalistas, por 1) transportarem
grandes quantidades de pólen em áreas específicas do
corpo, como espirotromba, olhos (Singer & Cocucci
1997, Moré et al., 2012) e face ventral das asas (Moré
et al. 2006); 2) por percorrerem longas distâncias
favorecendo a fecundação cruzada de plantas raras
ou espaçadas (Miller 1981; Haber & Frankie 1982);
e 3) por apresentarem fidelidade floral (Darrault &
Schlindwein 2002), esfingídeos são considerados um
dos importantes grupos de polinizadores em muitas
comunidades vegetais tropicais (Bawa 1990; Oliveira
et al. 2004).
Apesar das relações no nível das espécies serem razoavelmente generalistas, os sistemas esfingófilos podem ser considerados funcionalmente
especializados, uma vez que envolvem plantas
com tubos florais ou cálcares extraordinariamente
compridos e animais com espirotrombas igualmente longas (Rech & Brito 2012). Nesses casos,
a morfologia floral impede a visita de qualquer
outro animal que não tenha probóscides extremamente longas e finas. Exemplos extraordinários
Reisla Oliveira
♦
José Araújo Duarte Junior
♦
dessas relações especializadas são conhecidos em
Madagascar e envolvem uma ou poucas espécies
de esfingídeos como polinizadores de orquídeas
com cálcares de até 43 cm (Nilsson et al. 1985;
1992; Nilsson 1988; Wasserthal 1997). A evolução dessas “extravagâncias” morfológicas foram
atribuídas por Darwin (1862) e Nilsson (1988;
1998) às pressões seletivas recíprocas exercidas
pelos esfingídeos sobre as orquídeas que polinizam e vice-versa. Em um processo coevolutivo,
esfingídeos de probóscides mais longas mediariam maior sucesso reprodutivo de orquídeas de
cálcares mais longos. Essas, por sua vez apresentariam uma morfologia cada vez mais restritiva
a visitas f lorais e recursos acessíveis apenas aos
polinizadores efetivos. De fato, estudos realizados com orquídeas esfingófilas na América do
Sul demostraram que esfingídeos atuam como
importantes agentes de seleção sobre a morfologia
floral, mediando o aumento do comprimento do
tubo f loral (Capítulo 16). Como hipótese alternativa à de coevolução, Wasserthal (1997) propôs
que espirotrombas extremamente longas agiriam
como “órgão“ de defesa dos esfingídeos por lhes
permitir que, ao sugarem néctar, se mantenham
distantes de eventuais predadores de emboscada
que capturam visitantes f lorais.
A oferta e acessibilidade de néctar durante o
dia possibilitam que plantas esfingófilas sejam secundariamente polinizadas por visitantes florais de
hábito diurno, como borboletas, abelhas, beija-flores
e moscas (p. ex., Darrault & Schlindwein 2005;
Oliveira et al. 2004; Amorim & Oliveira 2006; Neto
et al. 2007; Avila Jr. & Freitas 2010). Em alguns
casos, flores apresentam morfologia, padrões de
secreção de néctar e horário de antese que permitem
a associação com polinizadores noturnos e diurnos,
compondo um sistema misto de polinização em que
André Rodrigo Rech
♦
Rubem Samuel de Avila Jr. ⁞
247
ambos os grupos de polinizadores contribuem para
a reprodução da planta (Wolf et al. 2003; Amorim
et al. 2013).
Em populações vegetais que diferem quanto
aos traços florais, como morfologia da corola e fenologia reprodutiva, polinizadores incidentais que
contribuam para o aumento do valor adaptativo
da planta podem desempenhar uma pressão evolutiva ao selecionarem características florais que
mais se ajustem às suas preferências (Introdução da
Seção 3; Stebbins 1970; Aigner 2001). Indivíduos
de diferentes populações de Echinopsis ancistrophora
(Cactaceae) na Argentina, por exemplo, podem variar largamente quanto às suas características florais.
Em populações cujos cactos apresentam longos
tubos florais, antese noturna e néctar abundante,
esfingídeos são os polinizadores mais eficientes. Em
populações com flores de corola curta, indivíduos
apresentam antese diurna, néctar menos volumoso e
são polinizados por abelhas diurnas (Schlumpberger
et al. 2009).
Exemplos de mecanismos de
polinização e sistemas sexuais em
espécies esfingófilas
Flores tubulares
Entre as flores esfingófilas com corolas tubulares
(infundibuliformes ou hipocrateriformes) há grande
variação quanto ao comprimento do tubo, o qual
atua fortemente na restrição de acesso ao néctar.
Este atributo morfológico foi tema de grande debate
sobre o seu papel na evolução de sistemas especializados de polinização (Nilsson 1988). Alguns
trabalhos recentes, porém, têm demonstrado a grande frequência de espécies vegetais com flores de
comprimentos menores, acessíveis aos esfingídeos
248 ⁞ Polinização por lepidopteros
e aos outros grupos de polinizadores. Em uma população de Nicotiana alata (Solanaceae) do sul do
Brasil, houve uma forte tendência de diminuição
no comprimento das corolas ao longo de dois anos.
Além disso, as taxas de sucesso reprodutivo foram
maiores nos indivíduos que apresentavam flores em
intervalos intermediários de comprimento da corola
(Oleques & Avila Jr. 2014), sugerindo a possível ação
de esfingídeos com probóscides mais curtas como
polinizadores mais efetivos. Tal indício pode ser
reflexo de um gradual declínio nos comprimentos
de probóscides de esfingídeos em direção a maiores
latitudes (Miller 1997).
Anteras versáteis
Mecanismo de “catapulta”
Dicogamia e dioicia
Fritz Muller (1866) observou um interessante mecanismo em flores do gênero Posoqueria (Rubiaceae).
Nessas flores com longos tubos forais, a zigomorfia é
dada pela disposição das anteras excertas, fundidas,
posicionadas logo à frente da estreita entrada do tubo.
Seu mecanismo de polinização consiste, basicamente,
na emissão de uma massa polínica acumulada em um
estame central de um conjunto de anteras fusionadas
(Fig. 10.6 B). Esse conjunto atua então como uma
“catapulta” localizada na entrada do tubo floral, a qual
é acionada pelo toque das probóscides dos esfingídeos
(Fig. 10.6 A). Após o disparo, a entrada do tubo
permanece fechada por parte do filete ejetado para
cima (Fig. 10.6 C) (Hallé 1997; Delprete 2009). Em
Posoqueria latifolia na Floresta Atlântica do sudeste
do Brasil, após certo tempo do disparo, a entrada
do tubo torna-se novamente acessível pelo rebaixamento do estame anteriormente ejetado para cima.
Além disso, há indícios de que a produção de néctar
é desencadeada com a ativação desse mecanismo (L.
Galleto, obs. pess.), o qual merece observações mais
detalhadas.
Flores de corola hipocrateriforme de diâmetros estreitos podem ser bastante eficientes na restrição
do acesso ao néctar. Tal morfologia, porém, pode
atuar de maneira negativa sobre o valor adaptativo
(fitness) dos indivíduos se as partes reprodutivas não
apresentarem mecanismos que evitem a autopolinização. Ainda que haja mecanismos genéticos que
minimizem tais perdas, como os conhecidos sistemas
de autoincompatibilidade homomórficos (Capítulo 3),
a obstrução da superfície estigmática com pólen do
mesmo indivíduo não viável pode reduzir a área estigmática propícia a receber outro pólen. Neste sentido,
a separação temporal das fases masculina e feminina
(dicogamia) configura uma estratégia que diminui os
prejuízos da autopolinização. É o caso da herbácea
ruderal Isotoma grandiflora (Campanulaceae), cujas
flores apresentam corolas hipocrateriformes, bastante
estreitas e protândricas, isto é, a fase masculina antecede a fase feminina. A partir de um mecanismo de
“êmbolo”, o estigma ainda não receptivo se alonga
por entre as anteras de deiscência voltadas para o
interior do tubo, empurrando o pólen para fora num
Algumas espécies esfingófilas apresentam as anteras
fixas aos filetes de maneira a possibilitar seu livre
movimento de acordo com a movimentação do corpo
dos esfingídeos durante o voo adejado em frente às
flores. Isso é observado em espécies do gênero Crinum
(Amaryrillidaceae). O longo filete expõe as anteras
a uma distância relativamente grande da entrada
do tubo da corola infundibuliforme (Fig. 10.7 E).
Durante a aproximação das flores, as asas e o corpo
dos esfingídeos tocam bruscamente tais anteras, recebendo os grãos de pólen que, posteriormente, são
transferidos para outras flores.
Reisla Oliveira
José Araújo Duarte Junior
♦
♦
André Rodrigo Rech
mecanismo de apresentação secundária. Após dois
dias, o estigma torna-se receptivo e amplia a área
estigmática a partir da abertura dos dois grandes
lobos (Figs. 10.7 A,B).
Em espécies do gênero Tocoyena (Rubiaceae),
também protândricas, as estruturas reprodutivas
são expostas ao mesmo tempo, porém apresentam os
lóbulos estigmáticos completamente fechados e com
os grãos de pólen já liberados e depositados sobre a
face não receptiva do estigma quando da abertura das flores. Novamente, a protrandria gera uma
apresentação secundária de pólen, no qual o órgão
feminino da flor funciona como um pseudoestame,
que harmoniza o sítio de exportação e recepção de
pólen, já que o pólen é depositado na mesma posição da flor onde estará, posteriormente, a superfície
estigmática receptiva (Figs. 10.7 C,D).
A
C
♦
Rubem Samuel de Avila Jr. ⁞
249
A
B
C
Figura 10.6 Flores de Posoqueria (Rubiaceae) apresentam
mecanismo de polinização por “catapulta”. (A) Esfingídeo
em visita a flores com anteras ainda intactas. (B) Visão frontal
da flor com a disposição inicial das anteras antes da visita do
polinizador. (C) Vista frontal da flor após visita do esfingídeo.
Note que o estame central foi lançado para cima, obstruindo
a entrada do tubo da corola (adaptado de Delprete 2009).
B
D
E
Figura 10.7 Fases da dicogamia (protandria) (AD). (A) Fase masculina em f lores de Isotoma grandif lora (Campanulaceae). (B) Fase feminina em
f lores de Isotoma grandif lora (Campanulaceae).
Note o estigma exposto após crescimento de estilete entre as anteras fusionadas (êmbolo). (C)
Fa se ma sculina em f lores de Tocoyena bullata
(Rubiaceae). Note o centro da f lor recoberto por
pólen indica ndo meca nismos de apresentação
secundária de pólen. (D) Fase feminina em f lores
de Tocoyena bullata (Rubiaceae). (E) Anteras versáteis em Crinum americanum (A maryllidaceae).
Fotos: Rubem Avila Jr.
250 ⁞ Polinização por lepidopteros
Bawa (1980) relata que existem cerca de 2% de
espécies vegetais dioicas e estas estariam associadas
preferencialmente a vetores de pólen diversos e não
especializados. Porém, no Brasil, reconhecem-se alguns taxa esfingófilos, ou seja, bastante especializados
e que são dioicos, como é o caso de Citharexylum
mirianthum (Verbenaceae) (Rocca & Sazima 2006),
Randia itatiaiae (Rubiaceae) (Avila Jr. & Freitas 2011),
Amaioua guianensis (Rubiaceae) (Amorim & Oliveira
2006), e casos mais complexos, como ocorre em
Carica papaya (Caricaceae).
Plantas esfingófilas no Brasil
Sobretudo a partir da última década, intensificaram-se
os esforços em se determinar a distribuição e frequência relativa dos diferentes sistemas de polinização nos
ecossistemas brasileiros. Integrados, tais estudos compõem a base para avaliações futuras da manutenção
dos sistemas de polinização, bem como da sua função
ecológica frente às diferentes alterações das paisagens
naturais no Brasil. Os sistemas de polinização são
determinados a partir de observações em campo e
categorização de atributos florais como cor, tamanho
e tipo de recursos oferecidos aos visitantes. Os escassos
estudos desta natureza evidenciam que os esfingídeos e
outras mariposas polinizam aproximadamente 22% das
espécies arbóreas mais comuns nos Cerrados (Oliveira
et al. 2004) e que os sistemas esfingófilos compõem
cerca de 7% dos modos de polinização em trechos da
Caatinga (Machado & Lopes 2004), 5% na restinga
e 7% em remanescentes de Mata Atlântica nordestina
(Kimmel et al. 2010). Mas muito pouco se conhece
da relação de borboletas e mariposas não-esfingídeos
com as flores nativas. Percebe-se aí um campo vasto
e aparentemente promissor de estudos para melhorar
o entendimento dos sistemas de polinização e dos
mecanismos evolutivos em ambientes tropicais.
A partir da análise do pólen depositado no corpo
de esfingídeos e de estudos de polinização, foram
reconhecidas plantas de pelo menos 137 espécies
em 46 famílias relacionadas com esfingídeos no
Brasil (atualizado de Avila Jr. et al. 2012). Espécies
de Fabaceae (15%), Rubiaceae (14%), Apocynaceae
(7%), Convolvulaceae (5%), Bromeliaceae (4%) e
Malvaceae (4%) englobam mais da metade das espécies vegetais que oferecem néctar para essas mariposas.
A síndrome típica de flores brancas, com longos tubos,
de fragrância noturna forte e néctar copioso está
presente em apenas uma parte das espécies. Algumas
flores não apresentam corolas tubulares, não oferecem
néctar e produzem odor quase imperceptível. Mesmo
assim, horário da antese, coloração e odor das flores
em geral são suficientes para separar flores esfingófilas
das de outros polinizadores.
Métodos básicos do estudo de
polinização de plantas esfingófilas
Captura de esfingídeos
Enquanto a observação de visitantes diurnos pode
ser feita diretamente com técnicas usuais, o acompanhamento das interações noturnas entre esfingídeos
e plantas é bastante difícil. Assim, obter informações
como frequência de visitas e a espécie de esfingídeo visitante depende de ferramentas específicas. A
avaliação conjunta da esfingofauna local torna-se
premente em estudos de biologia da polinização de
espécies esfingófilas. Nas últimas duas décadas, tem
crescido o número de estudos sobre comunidades de
esfingídeos realizados no Brasil, porém sem necessariamente incluir a relação com a guilda de espécies
esfingófilas nos locais de estudo. Estudos que apresentam informações sobre relações entre esfingídeos
e plantas esfingófilas têm em comum o emprego
de armadilhas luminosas na atração destes insetos.
Reisla Oliveira
♦
José Araújo Duarte Junior
♦
Esta armadilha consiste no uso de lâmpadas de luz
mista (250 W) ou luz negra incidente em superfícies
brancas, como panos ou paredes de edificações (Fig.
10.8 A) abastecidas via rede elétrica ou através de
geradores elétricos portáteis. Existem ainda alguns
relatos de captura de Sphingidae feita com armadilhas tipo “Luiz de Queiroz” (Fig. 10.8 B) em meio
seco ou úmido. Neste caso, é conveniente fixar o
material coletado em álcool absoluto e no escuro até
a montagem e secagem dos mesmos (J.A. Teston,
com. pess.). Em meio seco, acopla-se à armadilha
um saco contendo um frasco com perfurações na
tampa, provido de acetato de etila, em meio a tiras
de jornal (Fig. 10.8 B).
Algumas dúvidas ainda existem quanto ao raio
de ação destas armadilhas em ambientes com diferentes fisionomias vegetacionais. Tal questionamento é importante, tendo em vista que muitas vezes
superestima-se a diversidade local com elementos
regionais devido ao grande alcance que o raio de
André Rodrigo Rech
♦
Rubem Samuel de Avila Jr. ⁞
251
luz pode ter em ambientes abertos. Após capturados
com armadilha luminosa, os espécimes são mortos
com injeção de amônia ou acetato de etila na porção ventral do tórax. Normalmente não se utilizam
frascos mortíferos, pois a perda de escamas das asas
altera substancialmente a sua coloração, dificultando
a identificação do animal, tornando isso possível
apenas através da análise da genitália. Com os espécimes recém-mortos, algumas importantes variáveis
morfológicas podem ser obtidas. Podem-se avaliar,
por exemplo, o comprimento da probóscide ou a
presença de grão de pólen ou polínias, indicativos
das interações estabelecidas pelo inseto.
Montagem do material
Após coletados, os espécimes devem ser montados
em esticadores específicos utilizados para lepidópteros. Este equipamento consiste em duas superfícies levemente inclinadas (~ 10°) separadas por uma
A
Figura 10.8 Isca (A) e armadilha (B) luminosas empregadas na coleta de esfingídeos
B
252 ⁞ Polinização por lepidopteros
canaleta, onde o corpo do animal é fixado. A largura
desta canaleta deve ser maior do que a normalmente
encontrada para lepidópteros diurnos, visto que os
corpos dos esfingídeos são muito mais robustos. As
asas posteriores devem estar plenamente à mostra,
de maneira a facilitar a observação de coloração ou
manchas específicas importantes na identificação. A
secagem dos mesmos é feita em estufa a 60°C por dois
ou três dias, dependendo do tamanho corporal. Fitas
de papel são sobrepostas às asas anteriores e posteriores
e fixadas com alfinetes para que as mesmas não se
movimentem no processo de secagem. É importante
ressaltar o posicionamento destas nos ápices das asas.
Filmagens na observação e o uso da
palinologia como evidência indireta
A inferência das interações entre plantas e esfingídeos
fica bastante comprometida devido às dificuldades
de observação à noite. Além disso, lepidópteros noturnos, especialmente esfingídeos, são muito pouco
frequentes. Para observação de uma única visita a
Brassavola cebolleta, Rech et al. (2010) fizeram cerca
de 200 horas de observação focal. Nesse sentido,
duas alternativas podem ser utilizadas para aumentar
as chances de observar uma interação ou registrá-la
indiretamente: a filmagem noturna e a palinologia.
As câmeras filmadoras para registro de visitantes
noturnos precisam ter capacidade de filmagem com
infravermelho. Com essa técnica é possível aumentar
sensivelmente o tempo e o número de indivíduos
observados, uma vez que apenas um operador pode
gerenciar várias câmeras ao mesmo tempo (Steen &
Mundal 2013). Por meio de filmagens em Platanthera
bifolia, além dos registros dos visitantes, foi também
descrito o comportamento dos mesmos, aumentando
assim a quantidade e a qualidade dos dados coletados
(Steen & Mundal 2013).
A identificação dos grãos de pólen aderidos às
diferentes partes do corpo de espécimes capturados
pode ser feita em microscopia ótica. Lâminas de
pólen são montadas com grãos frescos ou tratados com acetólise. A identificação dos grãos se
faz por comparação com lâminas de uma palinoteca de referência local. O emprego da palinologia possibilitou que Haber & Frankie (1989)
elaborassem a primeira abordagem da guilda de
espécies esfingófilas nos Neotrópicos. No Brasil, a
mesma metodologia foi utilizada por Darrault &
Schilindwein (2002) em uma região savânica do
nordeste, por Amorim (2008), para uma área de
cerrado no sudeste e por Avila Jr. et al. (2010), em
área de Floresta Ombrófila Atlântica no sudeste. A
limitação taxonômica na análise polínica tende a
subestimar o conjunto de plantas potencialmente
visitadas por esfingídeos. Essa limitação pode diminuir à medida que aumenta a qualidade e precisão
da palinoteca. Quando a palinoteca é organizada
fenologicamente, é possível eliminar espécies de
uma dada área cuja floração não ocorreria no período amostrado. No entanto algumas dúvidas
sempre permanecerão, pois algumas espécies de
Cactaceae, Mimosaceae e Solanaceae, por exemplo,
não podem ser identificadas em nível específico,
por apresentarem grão de pólen morfologicamente
indistinguíveis na microscopia ótica.
Por fim, percebe-se que os estudos com polinização por Lepidoptera na região Neotropical têm um
grande potencial para contribuir para o entendimento
das relações ecológicas que permeiam a evolução
dos mutualismos de polinização. Além disso, o conhecimento geral do sistema permitirá entender o
que é necessário para que processo como um todo
continue acontecendo. Esse conhecimento se torna
ainda mais crítico frente a todas as mudanças naturais
e antrópicas que vêm acontecendo. Se estudos mais
Reisla Oliveira
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José Araújo Duarte Junior
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amplos abordando as interações esfingídeos-plantas
são escassos na região Neotropical, estudos semelhantes abordando as interações borboletas-plantas
são praticamente inexistentes, portanto existe uma
grande lacuna no que se conhece sobre polinização
por borboletas no Brasil e na região Neotropical.
Dessa forma, finalizamos apontando a necessidade
premente de mais estudos sobre as interações entre
lepidópteros e as plantas com as quais interagem no
Brasil.
Agradecimentos
Agradecemos aos editores pelo convite para redação
do capítulo, à Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa concedia a R.O. e à Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP) (Proc. 2009/544913) e à CAPES, pelas bolsas de estudos concedidas
a A.R.R.
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Foto: Hipólito Paulino-Neto
*
Capítulo 11
*
Polinização por besouros
Hipólito Ferreira Paulino-Neto
Departamento de Biologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), Universidade de São Paulo (USP).
e-mail: hipolitopaulino@gmail.com
C
oleópteros constituem o maior e mais diverso grupo de insetos, correspondendo a 42% das espécies
existentes e ocorrem em praticamente todos os ecossistemas terrestres. Nesse capítulo apresento e
discuto a polinização por besouros. Essa forma de polinização apresenta vários níveis de especialização,
indo desde os altamente específicos, nos quais uma única espécie de besouro constitui o principal polinizador, passando por sistemas nos quais várias espécies, gêneros ou mesmo famílias são polinizadores
efetivos, chegando naqueles sistemas nos quais ocorre polinização mista envolvendo outros grupos de
insetos. Em geral flores polinizadas por besouros apresentam características tais como pétalas carnosas,
maciças, nutritivas, com capacidade de produzir calor, além de serem predominantemente hermafroditas,
protogínicas e autocompatíveis. Algumas espécies apresentam câmaras florais, nas quais polinizadores se
refugiam de inimigos naturais, chuva, frio, local para cópula, oviposição e fonte de recurso alimentar.
Os principais besouros polinizadores pertencem às famílias Scarabaeidae, Nitidulidae, Staphilinidae
e Curculionidae, mas Chrysomelidae e Tenebrionidae também são representativos. Finalmente, em
sistemas em que os besouros polinizadores ovipositam nas flores enquanto as polinizam, pouco se sabe
sobre a capacidade de a planta estabelecer mecanismos que limitem a superexploração, tais como ocorre
em figueiras ou yuccas. Inúmeros aspectos ecológicos e evolutivos tornam a polinização por besouros
uma avenida aberta para estudos futuros que busquem compreender melhor a biologia dessa interessante
interação ecológica.
260 ⁞ Polinização por besouros
Os besouros
Os coleópteros, popularmente denominados besouros,
são facilmente distinguidos dos demais insetos por
apresentarem um rígido exoesqueleto e o primeiro
par de asas (élitros) esclerotizadas, tornando-as muito
resistentes (Lawrence 1991; Gallo et al. 2002). Os
coleópteros constituem o maior e mais diversificado
grupo entre os insetos e, destes, correspondem a cerca
de 350 mil espécies, ou seja, aproximadamente 42%
de todas as espécies já catalogadas (Lawrence 1991;
Gallo et al. 2002). Como resultado de tamanha diversidade, apresentam os mais variados tamanhos,
formas, cores, hábitos e, consequentemente, ocupam
os mais variados nichos ecológicos em praticamente
todos os tipos de habitats (Lawrence 1991; Gallo et al.
2002; Maia et al. 2012), podendo as larvas e os adultos
serem detritívoros, auxiliando na decomposição de
troncos de árvores (Paulino-Neto 2004; Romero et
al. 2005; Paulino-Neto et al. 2006; Gossner et al.
2013; Flaherty et al. 2013). Os besouros podem ser
herbívoros e se alimentar de inúmeras partes das
plantas, como raízes, caule, folhas, flores (Franz
& Valente 2005; Paulino-Neto & Teixeira 2006;
Paulino-Neto et al. 2006; Cardel & Koptur 2010;
Theis & Adler 2012), frutos e, mais especificamente,
sementes (Klimeš & Saska 2010), ou ainda podem ser
minadores (Marinoni et al. 2001). Como herbívoros,
podem ser importantes no controle populacional da
planta hospedeira e, portanto, contribuem para manutenção da diversidade de plantas (Crawley 1989;
Sullivan 2003; Paulino-Neto 2004; Paulino-Neto et
al. 2005; Romero et al. 2005).
Besouros fitófagos normalmente são especialistas
e considerados pragas de culturas de grande importância para alimentação humana, pois muitas vezes causam grandes prejuízos econômicos por todo o mundo;
esses besouros são representados principalmente pela
família Curculionidae (maior família entre os besouros), cujas espécies são essencialmente fitófagas
(Marinoni et al. 2001). Curculionídeos podem ser
pragas importantes, que causam sérios prejuízos à
atividade agrícola, como o bicudo-do algodoeiro,
a broca-da-estirpe-do-coqueiro e o bicudo-das-palmeiras, que são pragas de palmeiras (Jordão & Silva
2006). Há também muitas espécies fungívoras alimentando-se de hifas de fungos (Marinoni et al.
2001). Por outro lado, coleópteros podem ser carnívoros e predadores importantes de outras espécies
de insetos. Um grupo importante nesse sentido são
os Coccinelidae, conhecidos como joaninhas, que,
por serem predadores vorazes, são utilizados como
agentes de controle biológico para importantes pragas
agrícolas como ácaros e insetos sugadores (cochonilhas, moscas brancas, pulgões, entre outros) (Bento
et al. 2000; Furlong et al. 2004). Adicionalmente,
há também espécies que promovem a dispersão de
sementes, contribuindo para o estabelecimento de
novas plântulas nas florestas e outras fitofisionomias
(Koike et al. 2012; Pérez-Ramos 2013).
Finalmente, há uma grande variedade de espécies
de coleópteros que promovem a transferência de pólen
entre flores da mesma espécie, promovendo, assim,
a polinização, subsequente produção de frutos e/ou
sementes, o que favorece a manutenção da variabilidade genética. A polinização por besouros, também
denominada de cantarofilia, ocorre nas mais variadas
espécies de plantas, pertencentes às mais variadas
famílias em regiões temperadas e principalmente nos
trópicos (Faegri & van der Pijl 1980; Gottsberger
1989a; Bernhardt 2000; Gottsberger 2012). Em certas comunidades tropicais, mais de um quarto das
espécies de plantas é predominantemente cantarófila
(Bawa 1990). De acordo com Bernhardt (2000), mais
de cento e oitenta e quatro espécies de angiospermas
são polinizadas quase exclusivamente por besouros.
Hipólito Ferreira Paulino-Neto ⁞
Entretanto poucas famílias apresentam a cantarofilia como modo principal ou exclusivo de polinização (Bernhardt 2000), a exemplo de Annonaceae,
representada por annona ou condessa (Annona reticulata L.), fruta-do-conde, graviola (A. muricata
L.), marolo, também conhecido por araticum ou
pinha-do-cerrado (A. crassiflora) e pinha (A. squamosa
L.), cherimoia (A. cherimoia Mill.) (Gottsberger &
Silberbauer-Gottsberger 2006; Maia et al. 2012), além
de Araceae (p. ex.: Philodendron bipinnatifidum, P. selloum, Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger 2006) e
Arecaceae (ex: Geonoma macrostachys, Knudsen 2002;
Astrocaryum vulgare, Oliveira et al. 2003; Attalea
funifera, Maia et al. 2012), nas quais os besouros
são os principais e/ou mais eficientes polinizadores
de inúmeras, senão da maioria, de suas espécies. A
denominação “cantarofilia” teve origem ao se associar
besouros antófilos (que se alimentam sobre as flores)
pertencentes À família Cantharidae com o ato de
“polinizar”. Curiosamente, a maioria dos besouros
desta família não é considerada polinizadora, por
este motivo, muitos pesquisadores preferem utilizar
o termo “polinização por besouros” ao invés de “cantarofilia”, de modo que as plantas são “polinizadas
por besouros” ao invés de “cantarófilas”.
Há uma grande diversidade de besouros polinizadores, com destaque para algumas famílias: Scarabaeidae, Nitidulidae, Staphilinidae,
Curculionidae, Chrysomelidae e Tenebrionidae
(Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger 2006;
Gottsberger 2012). Segundo Paulino-Neto (2009),
a quantidade de besouros em uma inflorescência
de Attalea geraensis Barb. Rodr. pode superar 1.500
indivíduos de inúmeras espécies, sendo que algumas
sequer foram descritas. Visitando a inflorescência de
Attalea microcarpa, Mart, Küchmeister et al. (1998)
registraram um montante de até 60 mil besouros
(Figs. 11.1 A,B).
261
Besouros Scarabaeidae são visitantes florais exclusivos ou parciais de mais de 47% (n = 14) das 34
famílias de plantas revisadas por Bernhardt (2000).
Por outro lado, vinte e duas famílias de plantas,
compreendendo noventa e oito espécies pertencentes a quarenta gêneros, são polinizadas mutuamente
tanto por besouros quanto por outros grupos de
animais (Bernhardt 2000). Entre os escarabeídeos,
os grandes besouros Dynastidae, pertencentes a
Cyclocephala, constituem os principais polinizadores
de flores grandes de anonáceas, como de Annona spp.
(Gottsberger 1989a, b; 1999; Silberbauer-Gottsberger
et al. 2003; Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger
2006; Paulino-Neto & Oliveira 2006; Gottsberger
2012; Maia et al. 2012; Paulino-Neto, 2014; Fig.
11.1 C), magnoliáceas, como Magnolia (Dieringer &
Espinosa S. 1994; Dieringer et al. 1999; Seymour et
al. 2010; Gottsberger et al. 2012), inúmeras espécies
de Araceae, principalmente dos gêneros Philodendron
e Xanthosoma (Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger
2006; Maia et al. 2012; Gottsberger et al. 2013;
Paulino-Neto, 2014), e várias espécies de palmeiras
(Silberbauer-Gottsberger 1990; Küchmeister et al.
1998; Maia et al. 2012; Fig. 11.1 D).
Flores polinizadas por Cyclocephala, em geral, são
robustas e apresentam antese noturna, termogênese,
grandes câmaras florais e, muitas vezes, emitem forte
odor, similar à fruta madura, como Annona aurantiaca
Barb. Rodr., A. coriacea Mart., A. cornifolia St. Hil.,
A. crassiflora Mart., A. dioica St. Hil., A. malmeana
R.E. Fr., A. monticola Mart., A. muricata L., A. tomentosa R.E. Fr., A. warmingiana Mello-Silva & Pirani
(Gottsberger 1989a, b; 1999; Dieringer & Espinosa S.
1994; Dieringer et al. 1999; Silberbauer-Gottsberger
et al. 2003; Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger
2006; Paulino-Neto & Oliveira 2006; Gottsberger
2012; Maia et al. 2012), Duguetia lanceolata (PaulinoNeto et al. em preparação), Duguetia riparia e D. ulei
262 ⁞ Polinização por besouros
A
D
B
C
E
F
G
H
I
J
Hipólito Ferreira Paulino-Neto ⁞
263
Figura 11.1 (A) Indivíduo florido da palmeira de cerrado Attalea geraensis (Arecaceae). (B) Espata de inflorescência de A.
geraensis abrigando centenas de besouros de diversas espécies, gêneros e famílias, mas predominantemente Curculionidae. (C)
Flor em fase feminina de Annona coriacea (Annonaceae) com vários carpelos e inúmeros estames e uma pétala externa e outra
interna, manualmente afastadas para melhor visualização da câmara floral, contendo em seu interior besouros Cyclocephala
sp. (Dynastidae: Scarabaeidae). (D) Coleóptero dinastídeo Cyclocephala cearae Höhne (1923; Scarabaeidae) em inflorescência
de Taccarum ulei Engl. & K. Krause (Araceae; foto Clemens Schlindwein). (E) Flor de Rollinia sylvatica (A. St.-Hil.) Martius
apresentando câmara floral adaptada à visitação de pequenos besouros Nitidulidae. (F) Flor funcionalmente feminina de Xylopia
aromática (Annonaceae) exibindo entrada para acesso à pequena câmara floral contendo besouros Cillaeus (Nitidulidae) e tripes
(Thysanoptera) e exsudado viscoso e brilhante sobre estigmas. (G) Flor de Duguetia furfuracea (Annonaceae) em função feminina
com câmara floral repleta de besouros nitidulídeos e carpelos com pólen depositado sobre estigmas. (H) Câmara floral em fase
feminina de D. furfuracea (Annonaceae) contendo vários besouros polinizadores pertencentes à família Nitidulidae e um único
besouro florívoro Curculionidae posicionado entre os estames para ter acesso ao ovário e consumir óvulos. (I) Flor de Neomarica
caerulea (Ker Gawl.) Sprague (Iridaceae), exemplificando espécies cantarófilas que exibem padrão de flores modo “tigela pintada”. (J) Flor de Magnolia champaca L. (Magnoliaceae) exibindo câmara floral, muitos carpelos e estames. Obs.: Para visualizar
melhor o interior da câmara floral e besouros visitantes, as pétalas externas e/ou internas de algumas espécies foram afastadas
manualmente ou removidas.
(Webber 1996; Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger
2006; Goodrich 2012) e Cymbopetalum (Webber
1996), entre outras (Fig. 11.1 C). Mas é importante
dizer que muitas espécies cantarófilas não são polinizadas exclusivamente por besouros, apresentando polinização mista, principalmente em espécies de Araceae
e Arecaceae, as quais comumente são visitadas por
grande número de abelhas (Henderson 1986; Barfod et
al. 2011). Entre os mais diversos modos de polinização
em palmeiras, há casos como o de Mauritia flexuosa
L. F., na qual coleópteros de diversas famílias visitam
suas flores abundante e frequentemente, mas, como
não são mais eficientes que o vento na transferência de
pólen, essa espécie é considerada anemófila (Khorsand
Rosa & Koptur 2013). No entanto, a anemofilia em
M. flexuosa parece ser algo pontual e provavelmente
algum problema de deficit ou ausência de polinizadores
neste local onde o estudo de Khorsand Rosa & Koptur
(2013) foi realizado, pois vários outros estudos em
diferentes locais e períodos registraram que a espécie
é polinizada por besouros.
O primeiro estudo integrando todos os aspectos
da biologia reprodutiva e ecologia da polinização em
M. flexuosa foi realizado por Núñez e também publicado em 2013. Este consiste em um estudo completo
e muito detalhado abordando morfologia floral, biologia floral, fenologia reprodutiva, aromas florais, sistema reprodutivo e visitantes florais, teste de polinização
pelo vento e eficiência reprodutiva, além de mostrar
de forma clara e definitiva que M. flexuosa é uma
espécie cantarófila e polinizada eficientemente por
besouros Mystrops dalmasi (Nitidulidae, Coleoptera),
responsáveis por 91% do pólen depositado sobre os
estigmas. Núñez e Carreño (2013) também verificaram de forma conclusiva que a espécie é dioica e
que não produz frutos por apomixia, não pode ser
polinizada pelo vento, devendo ser considerada uma
palmeira estritamente xenogâmica, dependente de
polinização cruzada e de insetos polinizadores para
o transporte de pólen. No caso, estritamente dependente da polinização por seu principal polinizador M.
dalmasi, o qual também é estritamente dependente
de M. flexuosa, da qual obtém seu principal recurso
alimentar, o pólen, e serve como local para cópula,
abrigo e local de desenvolvimento de suas larvas.
Dispersão de pólen pelo vento ocorre, mas a maioria
264 ⁞ Polinização por besouros
não é dispersa a distâncias superiores a 1 metro em
relação às inflorescências masculinas. O pólen ainda
é apresentado em estruturas denominadas polenkit, o
que torna a anemofilia ainda mais improvável. Assim,
o estudo de Núñez e Carreño (2013) confirma os
resultados de Storti (1993), que sugere que besouros
seriam possíveis polinizadores de M. flexuosa, sem ter
testado sua eficiência como polinizadores, apenas com
base nos registros de visitas florais. No entanto uma
grande revisão da literatura realizada por Henderson
(1986) aponta que, ao contrário do que se imaginava
até cerca de vinte e cinco anos atrás, as palmeiras
não são predominantemente polinizadas pelo vento,
mas principalmente por insetos, e as síndromes que
mais se destacam são a cantarofilia (polinização por
besouros), a melitofilia (polinização por abelhas) e a
miofilia (polinização por moscas).
Uma nova revisão feita por Barfod et al. (2011)
reafirmando os dados de Henderson (1986) de que os
principais polinizadores das palmeiras são, sim, insetos, em que 29% das espécies são cantarófilas; 26%,
melitófilas; 8%, miófilas; 7%, anemófilas; e somente
3% polinizadas por mamíferos. Mas cerca de 20%
das espécies de palmeiras são efetivamente polinizadas
por vários grupos de insetos, caracterizando uma polinização mista. E, finalmente, em 9% das palmeiras
ocorre polinização mista entre insetos e vento. Em
adição, há registros de casos curiosos de polinização
em palmeiras, tal como quiropterofilia (morcegos). No
entanto, estudos mais detalhados devem ser conduzidos
para verificar a verdadeira contribuição de cada visitante floral e sua eficiência em polinizar nos sistemas
de polinização mistos, em especial as palmeiras, pois
as abelhas tendem a visitar flores ou inflorescências
essencialmente para coleta de pólen. Já besouros permanecem nas flores ou inflorescências todo o tempo
em que são mantidas funcionais, tanto na fase funcionalmente feminina, quanto na masculina.
A diversidade da polinização por besouros
Scarabaeidae pode ser vista pela recente descrição
de orquídeas polinizadas por besouros pertencentes
à subfamília Cetonidae na Argentina e na África do
Sul. Singer & Cocucci (1997) verificaram que, na
Argentina, Pteroglossaspis ruwenzoriensis (Rendle)
Rolfe é polinizada por Euphora lurida Fabricius (1775)
(Scarabaeidae). Já entre exemplos de orquídeas sul
-africanas cantarófilas podem-se destacar espécies
polinizadas por besouros Cetonidae (Scarabaeidae),
como Satyrium trinerve Lindl., polinizada por
Atrichelaphinus tigrina (Johnson et al. 2011), Satyrium
microrrhynchum Schltr., também polinizada por A.
tigrina (Johnson et al. 2007), Eulophia ensata Lindl.,
polinizada simultaneamente por Cytothyrea marginalis, A. tigrina, Leucocelis cf. amethystina Mac Leay
(1938) e Allodape rufogastia (Peter & Johnson 2009),
e, finalmente, Eulophia welwitschii (Rchb. f.) Rolfe,
também polinizada por A. tigrina e Leucocelis cf.
amethystine Macleay (1838) (Peter & Johnson 2006;
2009; Johnson et al. 2011). Há também Ceratandra
grandiflora Lindl., orquídea polinizada por escarabeídeo da subfamília Rutelinae (Steiner 1998), além de
orquídeas polinizadas por besouros de outras famílias
como Eulophia foliosa (Lindl.) Bolus, que é polinizada
exclusivamente por Cardiophorus obliquemaculatus
(Elateridae; Peter & Johnson 2006).
Já besouros Nitidulidae, com cerca de 3 mil espécies (Barfod et al. 2011), são os principais polinizadores de anonáceas que possuem flores pequenas como
algumas Annona (e.g., Annona squamosa L., Kill &
Costa 2003), espécies de Anaxagorea, Cardiopetalum,
Duguetia, Guatteria, Oxandra, Rollinia e Xylopia
(Gottsberger 1970; 1999; Webber & Gottsberger
1995; Webber 1996; Jürgens et al. 2000; Gottsberger
& Silberbauer-Gottsberger 2006; Paulino-Neto 2009;
Silva & Domingues Neta 2010; Gottsberger 2012;
Figs. 11.1 E,F). Nitidulídeos também estão entre
Hipólito Ferreira Paulino-Neto ⁞
os polinizadores de várias espécies de palmeiras
(Küchmeister et al. 1998; Barfod et al. 2011; Maia
et al. 2012), aráceas e são polinizadores exclusivos
de ciclantáceas (Maia et al. 2012). Recentemente,
Teichert et al. (2012) descobriram o primeiro caso de
saprocantarofilia em anonáceas, mais especificamente
em Duguetia cadaverica. Nesta síndrome as flores de
D. cadaverica são produzidas no solo ou próximo a
ele, mimetizando corpos de frutificação do fungo
Phallales, e emitem cheiros contendo compostos
presentes em fungos, os quais atraem moscas. Estas
flores também apresentam características encontradas
em espécies cantarófilas, como presença de câmara
floral e termogênese. Neste extraordinário e raro
sistema, flores atraem e são polinizadas tanto por
besouros nitidulídeos como por moscas.
Staphilinidae, família com aproximadamente
46 mil espécies (Barfod et al. 2011), também são
efetivos e os principais polinizadores de espécies de
outros gêneros de Annonaceae que possuem câmaras florais pequenas em relação às flores do gênero Annona, como Anaxagorea, Rollinia, Oxandra
e Xylopia (Gottsberger 1993; 1994; 1999; Webber
1996; Jürgens et al. 2000; Gottsberger & SilberbauerGottsberger 2006; Gottsberger 2012; Maia et al.
2012; Paulino-Neto et al. em preparação) e, ocasionalmente, palmeiras (Küchmeister et al. 1998)
(Fig. 11.1 F).
Curculionidae é a maior família entre os besouros, com aproximadamente 48 mil espécies (Barfod
et al. 2011), e está entre os principais polinizadores
de palmeiras (Küchmeister et al. 1998; Barfod et al.
2011; Maia et al. 2012) e de várias anonáceas, como
Duguetia furfuracea (A. St.-Hil.) Benth. & Hook. f. e
Xylopia championii Hook. f. & Thomson (Ratnayake
et al. 2007; Fig. 11.1 B). Entretanto, segundo PaulinoNeto (2009) e Paulino-Neto et al. (dados não publicados), curculionídeos considerados polinizadores
265
de D. furfuracea são, na verdade, de acordo com o
comportamento apresentado, florívoros que penetram
no interior da câmara floral continuam a perfuração
do ovário e consomem óvulos e/ou ovipõem dentro do
ovário, causando alta taxa de abortos ou prejudicando
o desenvolvimento dos frutos que não completam
seu desenvolvimento, tornam-se secos, e têm as sementes predadas (Fig. 11.1 H). Comportamento similar foi observado pelo curculionídeo Conotrachelus
sp., considerado florívoro de A. dioica na região da
Nhecolândia, Pantanal brasileiro. Fato interessante foi
observado neste último sistema de polinização, pois
não foi registrado besouro Scarabaeidae, do gênero
Cyclocephala, considerado principal polinizador para
esta espécie, sendo observado somente Conotrachelus
sp. como visitante floral. Esta anonácea apresenta a
proporção de indivíduos que produzem somente flores
masculinas (estaminadas) em relação a indivíduos
apresentando flores hermafroditas de 2:1. Os curculionídeos predam, nesse caso, principalmente indivíduos hermafroditas, danificando o gineceu de cerca
42% das flores produzidas, o que afeta diretamente
o sucesso reprodutivo da população local e diminui
consideravelmente a produção de frutos, apreciados
por humanos e utilizados como recurso alimentar
pela fauna da região (Paulino-Neto & Teixeira 2006).
Portanto, futuros estudos devem focar mais atenção
na real função ecológica de besouros curculionídeos
em espécies cantarófilas, pois provavelmente a maioria das espécies é florívora e pouco contribui para a
polinização (Rech et al. 2011).
Coleópteros Chrysomelidae são comumente
registrados como polinizadores de algumas espécies
de Annona, entre elas A. sericea Dunal, A. glabra L.,
A. muricata L. (Webber 1981; Falcão et al. 1982;
Gottsberger 1988), Xylopia aromatica (Lam.) Mart. e
X. brasiliensis Sprengel (Andrade et al. 1996), e menos
frequentemente de algumas espécies de arecáceas
266 ⁞ Polinização por besouros
(Küchmeister et al. 1998). Em adição, Tenebrionidae
são polinizadores de espécies do gênero Duguetia
(Silva & Domingues Neta 2010).
Ecologia evolutiva: origem da
cantarofilia
de um ancestral entomófilo generalista (Bernhardt
2000). Assim, tamanha diversidade é explicada por
sua longa história evolutiva e inúmeras interações
interespecíficas com plantas e animais, sendo algumas de alta especificidade (Gottsberger 1989a;
Bernhardt 2000; Franz & Valente 2005; PaulinoNeto 2009).
Os coleópteros são um dos grupos mais antigos entre
os insetos, apresentando, entre os invertebrados, a
maior diversidade de espécies (Gottsberger 1989a),
bem como de hábitos, e, consequentemente, ocupam
grande número de guildas (Lawrence 1991; Gallo
et al. 2002; Maia et al. 2012). Besouros apresentam
interações com flores de angiospermas desde sua
origem e início da diversificação, ocorrida na segunda metade do Cretáceo, há 90-100 milhões de anos
(Friis & Crepet 1987; Proctor et al. 1996; Bernhardt
2000), portanto o estudo de sistemas de polinização
envolvendo besouros é fundamental para compreender melhor a origem e a evolução das angiospermas
(Gottsberger 1977; Bernhardt 2000).
A polinização por besouros é um caráter plesiomórfico tanto em Annonaceae quanto em Anaxagorea
(Gottsberger 2012), gênero este classicamente pertencente às anonáceas, mas que recentes estudos cladísticos morfológicos e moleculares o têm apontado como
grupo irmão (Sauquet et al. 2003; Richardson et al.
2004; Scharaschkin & Doyle 2006). Para ambos os
grupos alguns caracteres plesiomórficos associados à
cantarofilia, como pétalas grossas e carnosas, escudos
conectivos achatados e esclereficados ou dicogamia
protogínica, se mantêm nos membros de toda a família, inclusive nas espécies não cantarófilas, que
podem reter pelo menos uma destas características
mencionadas (Gottsberger 2012).
Segundo Bernhardt (2000), ao contrário do que
se imaginava, é bem provável que os besouros não
tenham sido os primeiros polinizadores das angiospermas, pois recentes estudos encontraram fósseis de
moscas datados do final do período Jurássico e fóssil
de abelha ancestral de Halictidae como possuindo
mais de 220 milhões. Assim, tanto moscas quanto
abelhas surgiram anteriormente aos coleópteros e,
consequentemente, consistiram nos primeiros insetos polinizadores de angiospermas. Adicionalmente,
as primeiras flores a surgirem apresentavam sistema
de polinização generalista semelhante ao que ocorre
em famílias contemporâneas, como Myristicaceae
e Winteraceae. Entretanto é muito provável que a
polinização por besouros tenha sido um dos primeiros modos de especialização floral e derivada
Adicionalmente, a maioria das espécies cantarófilas é dicogâmica protogínica (Gottsberger 1994;
Bernhardt 2000; Kiill & Costa 2003; Gottsberger &
Silberbauer-Gottsberger 2006; Endress 2010; Silva
& Domingues Neta 2010; Gottsberger 2012; Figs.
11.1 C,F,G). Segundo Endress (2010), quase todas
as espécies dicogâmicas de angiospermas basais são
protogínicas e tudo indica que essa seja uma condição ancestral para angiospermas. Por outro lado,
protandria é comum em espécies polinizadas por
abelhas e borboletas. Contudo algumas espécies de
angiospermas basais podem apresentar sobreposição
das fases masculina e feminina tanto para espécies
protândricas (Endress 1994) quanto para protogínicas
(Norman 2003; Paulino-Neto 2009; Gottsberger
2012; Paulino-Neto et al. em preparação).
Hipólito Ferreira Paulino-Neto ⁞
Adaptações à polinização por
besouros
Entre as principais adaptações à cantarofilia destaca-se a morfologia floral, a qual pode ser resumida
em quatro formas florais básicas, embora algumas
características possam se sobrepor. As quatro formas
florais são “pincel”, “bilabiada”, “tigela pintada” e “câmara floral”. Entre os quatro modos de apresentação
floral, os menos comuns são “pincel” e “bilabiada”.
O modo “flor em pincel”, comum entre palmeiras
(Arecaceae), consiste geralmente em muitas flores
pequenas e unissexuais com perianto reduzido ou
ausente e destituídas de brácteas que encobrem e/ou
envolvem as anteras deiscentes e estigmas receptivos
(Fig. 11.1 A). Assim, besouros ficam expostos, de
modo que é possível observar seu comportamento ao
forragearem pólen e secreções estigmáticas ou ao se
alimentarem de partes florais (Bernhardt 2000). O
modo “flor bilabiada” ocorre somente em Lowiaceae
e Orchidaceae e consiste no único modo de polinização cantarófilo, apresentando simetria bilateral e
onde uma pétala funciona como uma plataforma de
pouso ou labelo (Bernhardt 2000). Inúmeras espécies
de orquídeas são cantarófilas, com registros na África,
América Central e América do Sul (Singer Cocucci
1997; Steiner 1998; Peter & Johnson 2006; 2009;
Johnson et al. 2011).
Já o modo “tigela pintada” é muito diverso e
comumente encontrado em locais com clima mediterrâneo como sul da África e sudeste da bacia
mediterrânea. Neste modo as flores são bissexuais
e o perianto forma uma espécie de tigela devido ao
formato côncavo dado pela posição das pétalas de forma que androceu e gineceu (estruturas reprodutivas)
ficam expostos, sendo possível observar os besouros
visitando as flores sem ser necessário afastar as pétalas
ou sépalas. Flores podem variar de multiestaminadas
267
e multiverticiladas, como em Ranunculus asiaticus L.
(Ranunculaceae), a flores com um único verticilo e
com apenas três estames por flor, como observado
na família Iridaceae. Nesse modo floral ocorre antese
diurna, a maioria das espécies não emite odores,
mas, quando emite, são fracos e raramente adocicados, e não há registros de termogênese. Flores “tigela
pintada” apresentam cores bem vivas – daí o nome
“tigela pintada” – e chamativas, e o pólen parece
ser o único recurso alimentar oferecido aos besouros. Características como ausência de termogênese,
perianto aberto e apresentação floral priorizando
atração visual em vez de olfativa podem consistir
em possíveis explicações para a baixa diversidade de
besouros polinizadores em flores “tigela pintada” e a
alta diversidade em flores com modo “câmara floral”
(Bernhardt 2000) (Fig. 11.1 I).
O modo “câmara floral” é o mais comum e mais
estudado entre as espécies polinizadas por besouros.
A câmara floral é formada pela expansão de brácteas
em Araceae e Cyclanthaceae, nas quais elas circundam
toda a inflorescência, formando uma espécie de caverna
(Fig. 11.1 D). Já em Magnolidae, a câmara floral pode
ser formada de diferentes maneiras. Em Myristicaceae,
a câmara floral é formada por pequeno perianto fundido, formando uma espécie de tubo. A câmara floral
mais comum em Magnoliales consiste em segmentos
do perianto arranjados numa espiral contínua ou
repetida, sobrepondo verticilos de forma que pétalas,
sépalas ou mesmo tépalas se dobram para o centro da
flor, encobrindo o gineceu e o androceu e formando
uma espécie de salão onde visitantes florais podem se
abrigar, como ocorre em Annonaceae, Magnoliaceae,
Calycanthaceae, Eupomatiaceae, Nymphaeaceae, entre outras (Dieringer & Espinosa S. 1994; Bernhardt
2000; Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger 2006;
Paulino-Neto & Oliveira 2006; Gottsberger et al.
2012; Gottsberger 2012; Paulino-Neto, 2014) (Figs.
268 ⁞ Polinização por besouros
11.1 C,E-G,J). De acordo com Paulino-Neto, 2014,
o modo de “câmara floral” não deve ser considerado
uma forma de apresentação floral primitiva e exclusiva de Magnolidae e monocotiledôneas basais,
visto que este modo evoluiu independentemente em
inúmeras famílias derivadas de eudicotiledôneas,
como Clusiaceae, Polemoniaceae, Convolvulaceae,
Dipterocarpaceae e Sterculiaceae. E, entre os quatro
modos de polinização aqui discutidos, o modo “câmara floral” é considerado aquele fenotipicamente
mais especializado e o que atrai maior diversidade de
polinizadores (ecologicamente generalizado). Assim, a
câmara floral é uma das mais importantes adaptações
à cantarofila, pois apresenta muitas funções, como
abrigo contra inimigos naturais e intempéries ambientais (chuva, frio, vento). A câmara floral também
consiste em local para encontro de parceiros sexuais,
acasalamento e local de oviposição (Faegri & van der
Pijl 1980; Gottsberger 1989b; 1994; Bernal & Ervik
1996; Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger 2006;
Seymour et al. 2009; Paulino-Neto & Oliveira 2006;
Endress 2010; Maia et al. 2012; Pang et al. 2013;
Paulino-Neto, 2014) (Figs. 11.1 C,G), portanto a
câmara floral também provê alimento aos visitantes
florais, pois há oferta de pólen e suas pétalas maciças
e carnosas são muito nutritivas, ricas em carboidratos
e gorduras. Como os besouros são insetos muito vorazes, flores polinizadas por eles precisam apresentar
adaptações que lhes confiram resistência à sua visitação, como pétalas maciças e carnosas (Gottsberger
1989b; Bernhardt 2000; Gottsberger & SilberbauerGottsberger 2006; Paulino-Neto & Oliveira 2006;
Seymour et al. 2009; Endress 2010; Maia et al. 2012)
(Fig. 11.1 C).
Vale ressaltar que flores em forma de câmara
floral apresentam termogênese (elevação da temperatura no interior da câmara floral) e protoginia com muito mais frequência que as flores com
apresentação em forma de pincel, bilabiada e tigela
pintada. Entre as formas de apresentação floral, a
câmara floral é a que oferece maior diversidade de
recompensas (Gottsberger 1999; Bernhardt 2000;
Silberbauer-Gottsberger et al. 2003; Gottsberger
& Silberbauer-Gottsberger 2006; Pang et al. 2013;
Paulino-Neto, 2014). De modo geral, a produção de
néctar não é comum em espécies cantarófilas nem em
angiospermas basais como um todo. Quando ocorre,
o néctar é produzido em pequenas quantidades por
glândulas localizadas nas pétalas internas (Bernhardt
2000; Silberbauer-Gottsberger et al. 2003; Endress
2010; Pang et al. 2013). Entretanto há outros recursos alimentares oferecidos aos vorazes besouros
visitantes, como grande produção de pólen, partes
florais comestíveis e bem nutritivas, como pétalas,
sépalas, estames, estaminódios, corpos alimentares
e até mesmo a secreção estigmática (Webber 1996;
Bernhardt 2000; Gottsberger 2012; Endress 2010;
Pang et al. 2013) (Fig. 11.1 F).
Grande parte das espécies polinizadas por besouros a antese ocorre ao entardecer ou no início da
noite (Gottsberger 2012), momento no qual há nítido
aumento de temperatura no interior da câmara floral
(termogênese), a qual pode chegar a 8,5°C acima
da temperatura do ar ambiente em algumas espécies de palmeiras (Bernal & Ervik 1996), até 15°C
em algumas anonáceas (Gottsberger 1988; 1989b;
Gottsberger 2012) e até 18-22°C em certas aráceas
(Gottsberger & Silberbauer-Gottsberger 2006).
Entretanto há várias espécies que apresentam antese
diurna como as pertencentes aos gêneros Duguetia,
Rollinia, Xylopia aromatica (Lam) Mart. e Oxandra
(Webber & Gottsberger 1995; Andrade et al. 1996;
Gottsberger 1999; Jürgens et al. 2000; Gottsberger
& Silberbauer-Gottsberger 2006; Ratnayake et al.
2007; Silva & Domingues Neta 2010; Gottsberger
2012; Paulino-Neto, 2014).
Hipólito Ferreira Paulino-Neto ⁞
A termogênese favorece a liberação de odor bem
característico pelas flores, outro atributo muito comum em espécies cantarófilas (Jürgens et al. 2000;
Silberbauer-Gottsberger et al. 2003; Gottsberger &
Silberbauer-Gottsberger 2006; Ratnayake et al. 2007;
Gottsberger 2012; Pang et al. 2013; Paulino-Neto,
2014). Os odores florais atrativos para besouros variam muito tanto entre as famílias quanto entre as
espécies de plantas pertencentes a uma mesma família.
Geralmente, flores emitem odores que podem ser descritos como fecais, vômito, almiscarado, adocicado ou
cheirando à fruta madura ou podre para atraírem seus
polinizadores específicos (Gottsberger 1989b; Webber
1996; Jürgens et al. 2000; Gottsberger & SilberbauerGottsberger 2006; Paulino-Neto & Oliveira 2006;
Ratnayake et al. 2007; Seymour et al. 2009; Endress
2010; Gottsberger 2012; Maia et al. 2012; Pang et al.
2013; Paulino-Neto, 2014). É comum, em sistemas
cantarófilos, os principais polinizadores colocarem
seus ovos em estruturas florais como pétalas, como
ocorre em várias espécies de Annonaceae (Gottsberger
& Silberbauer-Gottsberger 2006; Paulino-Neto &
Oliveira 2006; Maia et al. 2012; Pang et al. 2013), ou
espata, no caso de palmeiras (Bernal & Ervik 1996).
Apesar de várias espécies de Philodendron (monocotiledôneas), a maioria das espécies polinizada
por besouros é eudicotiledônea, apresenta inúmeros
estames (poliandria) e, consequentemente, grande
quantidade de pólen, visto que este compreende o
principal recurso alimentar utilizado pelos visitantes
florais (Gottsberger 1977; Bernhardt 2000; PaulinoNeto & Oliveira 2006; Paulino-Neto 2009; Maia
et al. 2012). Como exemplos clássicos para ilustrar
a afirmação anterior têm-se as inúmeras espécies
de Annonaceae (eudicotiledôneas), bem como as
monocotiledôneas Araceae e Arecaceae (Figs. 11.1
C,F,H,J). Nos casos das monocotiledôneas, apesar
de não haver poliandria, a maior oferta de pólen
269
é feita produzindo-se anteras com estames muito
maiores, compensando o menor número de anteras
(Bernhardt 2000).
No entanto, segundo Ollerton et al. (2009), há
inúmeras espécies de plantas efetivamente polinizadas por besouros, mas cujos atributos florais não se
encaixam na síndrome cantarófila. O autor também
discute que, de maneira global, para apenas um terço das espécies de plantas, o polinizador primário
foi previsto com sucesso pela síndrome floral a que
pertence.
Polinização e biologia reprodutiva
As espécies cantarófilas são, em geral, autocompatíveis
ou predominantemente autocompatíveis; neste caso
há uma pequena taxa de formação de frutos proveniente de autopolinização, apesar de a maioria dos
frutos se originar de polinização cruzada (Dieringer &
Espinosa S. 1994; Andrade et al. 1996; Kill & Costa
2003; Paulino-Neto & Oliveira 2006; Ratnayake et
al. 2007; Maia et al. 2012; Paulino-Neto et al. em
preparação). A maioria das espécies polinizadas por
coleópteros é protogínica (Gottsberger & SilberbauerGottsberger 2006; Endress 2010), como já descrito,
mas a fase feminina pode se sobrepor parcialmente
à fase masculina (Paulino-Neto 2009; Paulino-Neto
et al. em preparação). Em adição, também é possível
haver um período de inatividade entre as fases, como
observado para várias famílias (Endress 2010) e nos
gêneros Bocageopsis (Webber & Gottsberger 1995) e
Uvaria (Nagamitsu & Inoue 1997) em Annonaceae.
Assim, besouros chegam às flores funcionalmente
femininas, geralmente com corpo impregnado de
pólen oriundo de outras flores e, ao caminharem no
interior da flor, tocam nos estigmas receptivos, deixando grãos de pólen aderidos no exsudado viscoso e
brilhante produzido pelos estigmas (Figs. 11.1 G,H).
270 ⁞ Polinização por besouros
Poucos estudos têm enfocado as distâncias percorridas
por besouros polinizadores e seu efeito no sucesso
reprodutivo. De acordo com Bernal & Ervik (1996),
besouros polinizadores de uma espécie de palmeira
podem transferir pólen entre distâncias superiores
a 164 metros. Em adição, os besouros usualmente
chegam às flores recém-abertas e funcionalmente femininas e persistem em seu interior ao longo de toda
a fase masculina, só deixando as flores após queda das
pétalas ou outras estruturas florais, ou quando não
há mais recurso alimentar, como pólen, no caso das
arecáceas e aráceas (Gottsberger 1989b; Dieringer &
Espinosa S. 1994; Bernal & Ervik 1996; Gottsberger
& Silberbauer-Gottsberger 2006; Paulino-Neto &
Oliveira 2006; Maia et al. 2012) (Figs. 11.1 C,F-H).
Após a queda das pétalas no chão, os besouros contidos em seu interior voam novamente com o corpo
repleto de pólen para flores recém-abertas e funcionalmente femininas, promovendo transferência de
pólen, e nelas permanecem até sua queda. Portanto,
para que este sistema de polinização seja eficiente, é
fundamental que haja sincronismo de todas as flores
da população (Capítulo 5) (Gottsberger 1994), o
que foi chamado por Endress (2010) de sincronismo
dicogâmico protogínico.
Lacunas taxonômicas
Muito comumente, estudos sobre polinização se deparam com dificuldades em identificar os visitantes
florais no nível específico. Há poucos taxonomistas
especialistas e, para algumas famílias de besouros,
não há um único especialista em todo o mundo e,
em muitos estudos, os autores são forçados a apresentar identificação limitada à família ou gênero,
como ocorre, por exemplo, para besouros nitidulídeos
(Gottsberger 1994; Bernhardt 2000; Gottsberger &
Silberbauer-Gottsberger 2006; Paulino-Neto 2009).
Ironicamente, os coleópteros, grupo de insetos que
apresenta maior abundância e diversidade, talvez
sejam o grupo mais carente em taxonomistas e outros
tipos de especialistas.
Falta de estudos
Embora seja conhecida a alta diversidade de espécies
de besouros polinizadorese a importância atribuída
à polinização por besouros no contexto botânico
evolutivo, bem como a diversidade de espécies de
plantas por eles polinizadas, poucos são os estudos
sobre esta tão sofisticada e especializada síndrome de
polinização e/ou sistema reprodutivo prevalecente em
espécies cantarófilas (Bernhardt 2000; Paulino-Neto
& Oliveira 2006; Paulino-Neto 2009; Endress 2010).
Em adição, estudos de campo foram esporádicos
e receberam pouquíssima atenção no século XX,
conforme apontado por Bernhardt (2000). Nesse
sentido, pode-se considerar que a importância e os
registros da ocorrência de polinização por besouros
estejam subestimados, e provavelmente o número de
espécies cantarófilas seja muito maior que o descrito,
especialmente nos trópicos.
Adicionalmente, em geral, a cantarofilia apresenta
algumas características que dificultam a realização
de estudos. Muitas espécies cantarófilas apresentam
hábito arbóreo e são muito altas, portanto difíceis de
serem acessadas para estudos de biologia reprodutiva
(Endress 2010). Besouros polinizadores comumente
apresentam hábitos noturnos (Gottsberger 1989a,
b; 1999; Dieringer et al. 1999; Bernhardt 2000;
Silberbauer-Gottsberger et al. 2003; Gottsberger
& Silberbauer-Gottsberger 2006; Paulino-Neto &
Oliveira 2006; Maia et al. 2012), tornando a observação direta difícil, cara e, algumas vezes, perigosa
(Bernhardt 2000). Além disso, em espécies que apresentam câmara floral, os besouros ficam escondidos
Hipólito Ferreira Paulino-Neto ⁞
no interior da flor, impossibilitando a observação
direta, a menos que as pétalas sejam afastadas manualmente, mas com grandes chances de interferir
em seu comportamento (Figs. 11.1 C,E,F). Nestes
casos, os besouros podem permanecer por várias horas no interior da câmara floral sem que seja possível
observar seu comportamento e determinar se se trata
de um polinizador efetivo ou não (Gottsberger 1988;
1989b; Bernhardt 2000; Paulino-Neto & Oliveira
2006; Paulino-Neto 2009).
De maneira geral, os besouros podem ser simples
visitantes florais, que não transferem pólen coespecífico entre flores. Podem se alimentar de partes florais
e concomitantemente polinizá-las e, finalmente, polinizá-las, mas também podem ovipor nestas flores, o
que resulta em consumo de parte ou todas as sementes
produzidas, podendo até resultar em aborto destes
frutos (Bernhardt 2000). Em várias espécies, besouros
adultos são os principais polinizadores e responsáveis pela produção de frutos, entretanto suas larvas
são consumidoras de parte destes frutos e sementes
produzidos (Mickeliunas et al. 2006; Paulino-Neto
2009; Rech et al. 2011). Embora sejam relevantes os
potenciais conflitos que cada uma dessas situações
pode gerar em termos ecológicos e evolutivos, há
carência de estudos abordando o custo-benefício
imposto às plantas cantarófilas por seus principais polinizadores. Neste sentido, também há uma lacuna de
conhecimento a ser preenchida no que se refere à real
função dos besouros que visitam espécies cantarófilas
e, inclusive, o fato de realmente serem cantarófilas.
Grande parte dos estudos apenas se limita a registrar
a presença e, quando muito, a abundância ou frequência dos besouros nas flores, sem se preocupar em
investigar se são efetivos polinizadores (Gottsberger
1977). Futuros estudos poderiam ser delineados,
por exemplo, para registrar o comportamento dos
besouros ao visitarem as flores, bem como investigar a
271
identidade, quantidade e distância da planta doadora
à planta polinizada. Tais dados nos possibilitariam
avaliar e afirmar a real função destes visitantes florais
para cada uma das espécies cantarófilas.
Há também carência de informação no tocante
à real importância da polinização por besouros para
casos em que ocorre polinização mista com outros
grupos de insetos, como abelhas, esfingídeos, mariposas, borboletas, tripes, entre outros. Nestes sistemas
de polinização mista, em geral, dados se limitam
somente a identificar e quantificar os visitantes florais,
registrar horário e tempo de visita. Raramente são
coletadas informações como qualidade e quantidade
de pólen coespecífico depositado por cada visitante a
fim de obter informações que permitam comparar a
eficiência dos visitantes como polinizadores.
Como já citado, espécies cantarófilas apresentam
morfologia especializada e comumente emitem odores
característicos para atração de uma fauna específica
de polinizadores (Gottsberger 1989a; Webber 1996;
Ratnayake et al. 2007). Nesse sentido, percebe-se que
existem pressões evolutivas suficientemente fortes
para direcionar ou selecionar a evolução de atributos
em ambos os grupos em interação. Se tais forças
existem, questões importantes podem emergir do
estudo de custos associados à produção de partes
florais utilizadas como alimento pelo visitante, bem
como à termogênese. Além disso, para os casos nos
quais os besouros ovipositam ao mesmo tempo em
que polinizam, seria interessante saber se a planta é
capaz de estabelecer mecanismos restritivos à superexploração, tais quais abortos seletivos ou alocação
diferencial de recursos, como ocorre em figueiras ou
yuccas (Rech & Brito 2012). Enfim, poucos aspectos
ecológicos e evolutivos foram, até o momento, explorados a respeito dessa interessante interação ecológica
que apresenta grande potencial para tal.
272 ⁞ Polinização por besouros
Assim, é necessário se incentivar a formação de
especialistas para que futuros estudos apresentem seus
polinizadores identificados de forma mais precisa,
garantindo maior qualidade na informação geral
associada a eles. Espero também ter oferecido elementos suficientes para estimular, em novos projetos,
a formulação de questões criativas e relevantes que
façam avançar significativamente o conhecimento
acerca das relações entre besouros e as suas interações
com flores e frutos.
Agradecimentos
Agradeço aos organizadores do livro pelo convite, aos
doutores Artur C. D. Maia e Gerhard Gottsberger,
pela cessão das fotos, aos dois revisores anônimos
deste capítulo e à Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão
da bolsa PNPD (processo n. 02958/09-0).
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Foto: Tarcila de Lima Nadia
*
Capítulo 12
*
Polinização por dípteros
Tarcila de Lima Nadia1 e Isabel Cristina Machado2
1
Centro Acadêmico de Vitória, Universidade Federal de Pernambuco – Rua Alto do Reservatório, s/n – Bela Vista – CEP: 55608680 – Vitória de Santo Antão-PE – Brasil. e-mail: tarcinadia@yahoo.com.br
2
Departamento de Botânica, Universidade Federal de Pernambuco – Av. Prof. Moraes Rego, 1.235 – Cidade Universitária – CEP:
50670-901 – Recife-PE – Brasil.
O
s dípteros são o segundo grupo de insetos em importância como polinizadores. Além disso, a interação
entre flores e moscas polinizadoras é uma das mais antigas na história evolutiva das angiospermas. No
início, as moscas não apresentavam especialização morfológica para se alimentar em flores, utilizando também
outras fontes de alimento. Em contrapartida, alguns grupos de angiospermas basais, como Aristolochiaceae,
desenvolveram especialização fenotípica para a polinização por moscas, configurando um sistema de engodo.
Nesse sistema, há especialização floral, devido à pressão seletiva exercida pelo polinizador, mas a recíproca não
é verdadeira, de forma que as moscas não apresentam adaptações à polinização. Com a radiação adaptativa
ocorrida no fim do Cretáceo, houve diversificação dos sistemas de polinização. Alguns grupos de moscas, como
Syrphidae, especializaram-se em se alimentar quase exclusivamente de recursos florais, como néctar e pólen.
Há registros ainda de adaptações de ambas as partes, moscas e flores, na interação da polinização. Moscas
de probóscide longa, como as Bomylliidae e Nemestrinidae, polinizam flores tubulares ou com esporões de
comprimento relativo ao comprimento da probóscide. Muitas flores utilizadas por moscas, contudo, não
restringem o acesso de outros polinizadores ao recurso, permitindo que o sistema seja muito mais generalista.
Dessa forma, a polinização por mosca não pode ser tratada considerando apenas aspectos gerais, pois há muitas
particularidades distinguindo diversos sistemas que serão discutidos ao longo do texto.
278 ⁞ Polinização por dípteros
Introdução
Os dípteros, ordem Diptera, juntamente a outras
três ordens, Coleoptera (besouros), Lepidoptera (borboletas, mariposas e esfingídeos) e Hymenoptera
(abelhas, vespas e formigas), são classificados como
Endopterygota, caracterizados por apresentar estágio
larval muito diferente do adulto, havendo uma fase
de pupa antes de ocorrer a transformação para a fase
adulta (Proctor et al. 1996). Esse tipo de desenvolvimento permite que estágios juvenis utilizem fontes de
alimento e habitat diferentes do adulto, o que elimina
a possibilidade de competição entre as diferentes fases
do seu ciclo de vida e permite que adultos e larvas
coexistam com maiores densidades populacionais
(Ruppert et al. 2005). Essa particularidade pode ter
sido uma das causas do grande sucesso (em termos de
número de espécies viventes) desses grupos de insetos
(Moore 2003; Rupert et al. 2005), além da associação
desses insetos com flores, permitindo grande radiação
adaptativa desses animais e plantas (Proctor et al.
1996; Willmer 2011). Essas quatro ordens de insetos
são bastante conhecidas, uma vez que seus adultos
são visitantes florais, constituindo importantes grupos
de polinizadores (Proctor et al. 1996).
Os dípteros, em particular, são o segundo grupo de insetos em importância como polinizadores
(Endress 1994). Esses insetos atuam na polinização
desde o surgimento das primeiras plantas com flores, e representantes de quase todas as famílias já
foram registrados associados às flores (Endress 1994;
Larson et al. 2001), com destaque para Syrphidae,
Bombyliidae e Muscoidea (Larson et al. 2001). A
partir de evidências morfológicas de flores fósseis,
existe a hipótese de que as primeiras angiospermas
foram polinizadas por uma variedade de insetos não
especializados (fitófagos), incluindo moscas de probóscide curta (Proctor et al. 1996). Essas moscas foram,
provavelmente, o primeiro importante grupo de polinizadores das primeiras plantas com flores (Thien et
al. 2009). Esses dípteros, por sua vez, dada sua suposta
origem anterior a das angiospermas (Willmer 2011),
não apresentavam adaptações específicas às flores,
podendo também utilizar outras fontes de alimento
(Proctor et al. 1996).
Após a radiação adaptativa que ocorreu no fim
do Cretáceo e início do Terciário, como tem sido
evidenciado através do registro fóssil de grande variedade de angiospermas associada à variedade de
insetos, surgiu o grupo de insetos com probóscide
longa, mostrando maior especialização na busca de
alimento em flores (Proctor et al 1996; Willmer 2011).
Entre os dípteros, as moscas que pairam (“hoverflies”)
apresentam maior especialização para se alimentar em
flores, como a probóscide mais longa. No entanto, em
detrimento do tamanho da probóscide, esse grupo
visita flores que não apresentam adaptações específicas
para polinização por moscas (Proctor et al. 1996).
Atualmente, os dípteros, juntamente com os coleópteros, são considerados os principais polinizadores
das angiospermas basais, envolvendo o grupo ANITA
e as magnoliídeas (Endress 2010). No entanto, esse
grupo de insetos também está associado às famílias
ou subfamílias que possuem as flores mais elaboradas dentro das angiospermas, como Orchidaceae e
Asclepiadoideae-Apocynaceae (Endress 1994). Em
Orchidaceae, estima-se que os dípteros polinizem
cerca de 25% das espécies, configurando assim o
segundo maior grupo de polinizadores da família (van
der Pijl & Dodson 1966; Christensen 1994; Borba &
Semir 2001). Além disso, a polinização por moscas é
predominante em algumas tribos de Asclepiadoideae,
tais como Marsdenieae, Stapelieae e Gonolobinae,
constituindo juntamente aos lepidópteros o segundo
principal grupo de polinizadores da família (Ollerton
& Liede 1997).
Tarcila de Lima Nadia
♦
Isabel Cristina Machado ⁞
279
Dípteros como polinizadores:
morfologia, fisiologia e
comportamento
permite que as moscas possam se alimentar de néctar
cujas concentrações de açúcar podem chegar até 75%
(Willmer 2011).
Uma característica que distingue os dípteros dos
outros grupos de insetos é a presença de apenas um
par de asas bem desenvolvidas no adulto (Proctor et
al. 1996), devido à redução das asas posteriores em
forma de halteres, as quais configuram estruturas
sensoriais que auxiliam no voo (Moore 2003; Rupert
et al. 2005). Essas estruturas conferem agilidade e
habilidade de voo e pouso em qualquer direção, além
da habilidade de pairar, que é rara entre os insetos
(Willmer 2011).
Os dípteros possuem olhos sofisticados em comparação aos outros grupos de insetos, além da visão
colorida e tricromática (Willmer 2011), o que leva
à habilidade de discriminar alguns grupos de cores,
como amarelo e azul (Faegri & van der Pijl 1979).
Grupos como Syrphidae, Calliphoridae, Tephritidae
e Anthomyiidae mostram preferência inata pela cor
amarela (Weiss 2001), o que é possivelmente associado
aos comprimentos de onda refletidos pelos grãos de
pólen no centro da flor (Willmer 2011). Contudo,
dípteros com aparato bucal mais especializado, como
as Bombyliidae, parecem preferir cores rosa, violeta e
azul, associadas com flores actinomorfas (Goldblatt
& Manning 2000; Weiss 2001; Willmer 2011). A
espécie Usia bicolor Macquart (Bombyliidae), por
exemplo, apresenta preferência significativa pela cor
rosa (Johnson & Dafni 1998). Portanto, os sinais
visuais são muito utilizados a longas distâncias em
busca de fontes de néctar, enquanto os sinais olfativos
são mais utilizados a curtas distâncias (Weiss 2001;
Willmer 2011).
O aparelho bucal dos dípteros é do tipo sugador,
podendo ser perfurante, no caso das espécies que
sugam fluidos internos; ou lambedor, no caso das que
bebem líquidos externos. Esse último é mais comum,
o que permite que esses insetos também se alimentem
de pequenas partículas sólidas, como grãos de pólen
(Proctor et al. 1996). Espécies com aparato bucal do
tipo sugador-lambedor podem consumir néctar de
flores fenotipicamente não especializadas, havendo
grupos com probóscide mais longa, como sirfídeos
(Syrphidae), que podem então explorar flores com
tubos curtos (Endress 1994). Ainda há um grupo de
moscas que desenvolveram uma longa probóscide em
adaptação a visitas às flores de tubo longo, tais como
as Bombyliidae e Nemestrinidae (Willmer 2011).
Alguns dípteros podem regurgitar saliva sobre
o alimento para torná-lo mais diluído, ou até mesmo fazer borbulhar para acelerar o processo de evaporação no caso de fluidos muito diluídos. Dessa
forma, o hábito alimentar dos dípteros é bastante
variado, havendo vários grupos que apresentam preferência por fluidos açucarados, fazendo do néctar
floral parte da dieta de um adulto (Willmer 2011).
Esse comportamento de regurgitar saliva e lamber
No entanto, a atração dos dípteros pelas flores
de engano ocorre principalmente por sinais olfativos (Weiss 2001). De fato, moscas Drosophilidae e
Muscidae são conhecidas por ter a capacidade de se
guiarem principalmente pelo olfato (Weiss 2001), sendo esses os principais grupos, além de Calliphoridae
e Sarcophagidae, que visitam flores sapromiiófilas,
conhecidas também como flores de engano (Endress
1994; Johnson & Jürgens 2010).
Dípteros não apresentam cuidado parental, portanto, eles buscam alimento para consumo próprio,
sendo, portanto, menos ativos na procura de alimentos
em relação aos outros insetos que cuidam de sua prole
280 ⁞ Polinização por dípteros
(Faegri & van der Pijl 1979). Essas características,
juntamente à utilização de diferentes fontes de alimento (além das flores), podem qualificar os dípteros
como polinizadores irregulares ou incertos (Faegri &
van der Pijl 1979). Isso pode ser verdade para alguns
grupos, como os da subordem Nematocera, que inclui os mosquitos, e algumas famílias da subordem
Brachycera, como Stratiomyidae (moscas soldados)
(Willmer 2011).
Ao visitarem as flores, os dípteros carregam os
grãos de pólen movendo-se a curtas distâncias entre
as plantas, satisfazendo-se com pequenas quantidades
de néctar devido à sua baixa demanda energética
(Faegri e van der Pijl 1979; Weiss 2001; Willmer
2011). A distância média de voo entre uma planta e
outra é menor que 1 metro. Dessa forma, a taxa de
fecundação cruzada a partir da polinização dessas
moscas pode ser pequena (Willmer 2011). Pequenos
dípteros das famílias Phoridae e Chloropidae, por
exemplo, permanecem por longo tempo em flores
da mesma inflorescência de algumas espécies de
Acianthera (Orchidaceae). No entanto, populações
de Acianthera apresentam alta variabilidade genética,
devido a mecanismos que as plantas desenvolveram
(barreiras mecânicas, autoincompatibilidade, depressão endogâmica) e que favorecem a polinização
cruzada (Borba et al. 2001). Esses mecanismos estão
associados às espécies de orquídeas polinizadas por
dípteros ou por polinizadores que permanecem longo
período em flores do mesmo indivíduo (Borba et al.
2001).
A família Syrphidae, por sua vez, é constituída
por moscas especializadas em se alimentar de pólen,
dependendo, na sua fase adulta, quase exclusivamente
de flores para sua alimentação (Willmer 2011). Seu
deslocamento entre diferentes flores é mais sistemático
e regular, sendo, por isso, reconhecidas como importantes e eficientes vetores de pólen (Willmer 2011).
Sistemas de polinização por
dípteros
As espécies polinizadas por dípteros apresentam ampla
variedade de formas, cores, odores e recursos florais,
permitindo reconhecer dois sistemas distintos: um
constituído por espécies cujas flores não possuem
especialização fenotípica (sensu Ollerton et al. 2007)
e são agrupadas de acordo com Faegri & van der Pijl
(1979) como espécies miiófilas; e outro cujas flores
são fenotipicamente especializadas. Apesar da grande
diversidade floral entre as espécies polinizadas por
moscas, Ollerton et al. (2009), ao testar a hipótese
das síndromes de polinização, indicaram que a síndrome de miiofilia, assim como a de polinização por
abelhas, apresentou maior poder preditivo em relação
às outras síndromes.
Polinização por dípteros: sistema não
especializado
O sistema não especializado de polinização por dípteros, que reúne características florais que determinam a
síndrome de miiofilia, é formado por aquelas espécies
cujas flores atraem um amplo espectro de visitantes
florais, inclusive de outras ordens de insetos (Endress
1994). Dessa forma, algumas vezes, essas flores são
enquadradas como sendo polinizadas por diversos
pequenos insetos, o que pode subestimar a frequência
de espécies miiófilas nas comunidades de plantas.
Dendropanax cuneatum (Araliaceae), por exemplo, é
uma espécie arbórea ocorrente em floresta semidecídua
no sudeste do Brasil e apresenta flores com características comuns à síndrome de miiofilia (Pombal &
Morellato 1995). No entanto, essas características
também poderiam indicar polinização por diversos
pequenos insetos. A partir de observações feitas por
Pombal & Morellato (1995), foi registrado grande
número de dípteros visitando as flores de D. cuneatum
Tarcila de Lima Nadia
com alta frequência, sendo considerados, portanto, seus
principais polinizadores. Essas autoras advertem que
outras árvores tropicais, consideradas na categoria de
polinização por diversos pequenos insetos, possam ser,
na realidade, polinizadas principalmente por moscas.
Nesse sistema de polinização por dípteros, as
flores são pequenas, actinomorfas, geralmente abertas ou apresentam tubo floral curto (Faegri & van
der Pijl 1979; Willmer 2011), sem causar efeito de
profundidade, ou seja, visualização da flor em um
plano tridimensional, o que é comum em espécies
melitófilas, especialmente aquelas polinizadas por
abelhas pequenas (Faegri & van der Pijl 1979). As
flores podem ser isoladas ou mais comumente agrupadas em inflorescências como umbelas ou capítulos
(Willmer 2011). Apresentam cores claras, sem brilho,
variando entre branca, creme e amarelo-esverdeada,
podendo haver guias de néctar, além de exalar odor
suave e adocicado ou não possuir odor perceptível
(Faegri & van der Pijl 1979; Proctor et al. 1996;
Willmer 2011). Os verticilos reprodutivos são expostos
(Faegri & van der Pijl 1979).
A antese é diurna e as flores produzem pequena
quantidade de néctar como recurso floral, sendo
de fácil acesso (Proctor et al. 1996; Willmer 2011),
podendo apresentar grande variação na concentração
de açúcares. Baker (1975), compilando os dados de
Percival (1974), com base em cinco espécies polinizadas por moscas, indicou que a concentração de açúcar
no néctar varia de 16% a 23%. Considerando outras
espécies, é possível encontrar maior variação, desde
2% em Dendropanax cuneatum (Pombal & Morellato
1995) a 68% em Avicennia schaueriana (Acanthaceae)
(Nadia et al. 2013). O néctar de flores polinizadas
por dípteros é geralmente rico em hexoses (frutose e
glicose) e pobre em aminoácidos, excetuando-se o de
flores polinizadas por moscas saprófilas, que é rico
em aminoácidos (Proctor et al. 1996).
♦
Isabel Cristina Machado ⁞
281
Cordia multispicata (Boraginaceae) e Borreria
alata (Rubiaceae) são exemplos típicos do sistema
não especializado de polinização por dípteros, com
flores brancas, actinomorfas, tubo curto, fácil acesso
ao néctar e agrupadas em inflorescências (Machado &
Loiola 2000). Essas características também permitem
o acesso ao néctar a outros visitantes florais, como
abelhas e borboletas. No entanto, a alta frequência de
moscas Syrphidae indica esse grupo de insetos como
o principal polinizador dessas duas espécies vegetais
(Machado & Loiola 2000). Outro exemplo é a espécie de mangue Avicennia schaueriana. Suas flores
também apresentam tubo curto, são brancas com
guia de néctar amarelo no centro do tubo da corola.
O principal polinizador registrado para a espécie foi
Palpada albifrons (Syrphidae), que apresenta alta frequência de visitas e tamanho do corpo compatível com
a organização das estruturas reprodutivas da flor (Nadia
et al. 2013). Dinkel & Lunau (2001) observaram que
uma espécie de Syrphidae, Eristalis tenax, apresenta
o comportamento inato de estender sua probóscide
em busca de alimento, quando estimulada por sinais
visuais que imitam flores brancas com o centro amarelo (representando um guia de néctar). Se isso puder
ser aplicado para outras Syrphidae, as flores de A.
schaueriana podem ser consideradas como adaptadas
à polinização por esse grupo de moscas.
Polinização por dípteros: sistemas
especializados
Os sistemas fenotipicamente especializados de polinização por moscas podem ser divididos em dois grupos
com características florais bem distintas: sapromiiofilia, que está associada às flores de engodo (Faegri &
van der Pijl 1979; Proctor et al. 1996; Willmer 2011),
e o grupo de espécies que são polinizadas por moscas
de probóscide longa (Goldblatt & Manning 2000).
282 ⁞ Polinização por dípteros
Sapromiiofilia
A síndrome de sapromiiofilia está relacionada à polinização por dípteros atraídos por matéria orgânica em
decomposição. As flores atraem de forma enganosa
esses insetos, que buscam por locais adequados para
ovipor (Proctor et al. 1996; Dobson 2006). Dessa
forma, não houve especialização ou adaptações das
moscas a esse sistema de polinização (Faegri & van
der Pijl 1979), pois as mesmas não são beneficiadas
na interação. Por outro lado, as flores se especializaram, mostrando várias adaptações associadas a
esse sistema (Faegri & van der Pijl 1979). Diversos
grupos taxonômicos apresentam esse mecanismo de
polinização, sendo Aristolochiaceae, ApocynaceaeAsclepiadoideae, Araceae e Orchidaceae as principais
famílias (Proctor et al. 1996). Entre as moscas envolvidas nesse modo de polinização, são conhecidos
representantes de Calliphoridae, Sarcophagidae,
Muscidae, Anthomyiidae e Drosophilidae (Endress
1994; Dobson 2006).
Entre as flores que atraem moscas saprófilas para
polinização, podemos ainda discriminar dois tipos
morfológicos. No primeiro os insetos são atraídos e
logo liberados, e o segundo no qual os insetos ficam
aprisionados por um longo período, geralmente por
24 horas ou mais (Proctor et al. 1996). O primeiro
mecanismo engloba as flores que imitam fungos, as
quais geralmente apresentam-se em forma de taça, de
cor marrom, com manchas esbranquiçadas translúcidas na parte inferior do cálice, nas quais a umidade
é bastante elevada em comparação com outras áreas
vizinhas da flor. Nessa região, as moscas fêmeas depositam seus ovos (Proctor et al. 1996). Esse conjunto de
características pode ser conhecido como sendo uma
síndrome à parte, denominada micetofilia (Willmer
2011), devido ao fato de as flores imitarem os fungos
utilizados por espécies da família Mycetophilidae
para ovipor (Faegri & van de Pijl 1979). Na família
Saxifragaceae, podemos encontrar vários exemplos
de plantas polinizadas por Mycetophilidae, tais como
Tolmiea menziesii (Goldblatt et al. 2004) e espécies
de Mitella (Okuyama et al. 2004; 2008). Entretanto,
representantes de outras famílias, Sciaridae, Phoridae
e Cecidomyiidae, também são conhecidos por usarem
cogumelos como locais para sua reprodução (Dobson
2006). Os odores emitidos por esses fungos são muito
variados e apenas poucas espécies de plantas, conhecidas por serem polinizadas por moscas fungívoras, já
foram estudadas com respeito aos odores florais e se
há alguma similaridade com os odores exalados pelos
fungos correspondentes (Dobson 2006). Um trabalho recente (Johnson & Jürgens 2010) investigou os
odores das flores de Clathrus archeri (Clathraceae) na
África do Sul, polinizada por espécies de moscas das
famílias Calliphoridae, Sarcophagidae e Muscidae. O
trabalho reforça a hipótese de convergência evolutiva
entre odores que mimetizam carniça e fezes emitidos
por fungos e algumas flores de angiospermas, envolvendo, portanto, dois reinos distintos.
O segundo mecanismo é caracterizado por flores protogínicas, exceto em Asclepiadoideae. Essas
flores são tubulosas, com perianto especialmente
modificado formando uma armadilha (Faegri &
van der Pijl 1979; Proctor et al. 1996). No interior
do tubo, há longos tricomas que previnem os insetos
de retornarem para fora da flor, direcionando-os cada
vez mais para o interior do tubo. Circundando os
órgãos reprodutivos, há um anel translúcido e claro
sugerindo uma falsa saída (Fig. 11.1), estimulando
as moscas a irem em direção onde se encontram as
estruturas reprodutivas. Após efetuar a polinização,
o tubo floral torna-se horizontal e os tricomas murcham, permitindo a saída das moscas (Proctor et al.
1996). Exemplos típicos são Arum maculatum e várias
espécies de Aristolochia (Faegri & van der Pijl 1979).
Tarcila de Lima Nadia
A
B
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Isabel Cristina Machado ⁞
283
C
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I
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Figura 12.1 (A) Philopota sp. (Acroceridae) tocando coluna da flor de Rodrigezia bahiensis (foto de Raquel Carvalho) e (B) com
polinário aderido ao seu dorso (foto de Raquel Carvalho e Isabel Machado). (C) Pernilongo coletando néctar em flores de Miconia
theazans em São Luís do Paraitinga, São Paulo (foto de Vinicius Brito). (D) Flores com atributos sapromiiófilos: Aristolochia gibertii evidenciando a câmara na qual as moscas ficam apreendidas por uma noite (foto de Cary Bass via creative commons). (E)
Stapelia gigantea (Apocynaceae introduzida no Brasil), mosca com polinário aderido ao aparelho bucal (seta) e (I) ovipositando
(ovos na ponta da seta) no centro da flor em Campinas, São Paulo (fotos de Carlos Eduardo Pereira Nunes). (F) Flores com sistema
de polinização funcionalmente generalista sendo visitadas por moscas para coleta de pólen ou (G) de néctar em Maripá, Paraná
(fotos de André Rech). (H) Flores tubulares sendo visitadas para coleta de néctar por moscas Bombyliidae em Mucujai, Roraima
(foto de André Rech) e (K) em Boa Vista, Paraíba (foto de Tarcila Nadia). (J) Moscas generalistas das famílias Calliphoridae em
flores de Blepharodon nitidum (Apocynaceae-Asclepiadoideae) em Lençóis, Bahia (foto de Tarcila Nadia) e (L) Sarcophagideae
em flor de outra Apocynaceae-Asclepiadoideae (foto de Tarcila Nadia).
284 ⁞ Polinização por dípteros
Polinização por moscas de
probóscide longa
A polinização por moscas de probóscide longa não
é muito comum, tendo sido registrada pela primeira
vez no sul da África, em 1908, por Marloth (apud
Goldblatt & Manning 2000), posteriormente descrita
por Vogel em 1954 e reconhecida como sistema de
polinização por Whitehead et al. apenas em 1987.
Esse sistema de polinização é bastante distinto da
síndrome de miiofilia descrita por Faegri & van der
Pijl (1979) e até mesmo da sapromiiofilia, descrita
anteriormente. Suas flores são geralmente zigomórficas, com tubo floral alongado e cores vivas. As
estruturas sexuais podem estar inclusas ou exertas,
mantidas distantes da fonte de néctar (Goldblatt &
Manning 2000; Goldblatt et al. 2001).
As flores apresentam notáveis guias de néctar
e a concentração de açúcar normalmente varia de
20% a 30% (Goldblatt & Manning 2000; Willmer
2011). A quantidade de néctar produzida é geralmente pequena, variando de 1 a 5 µl, com extremos já
registrados abaixo de 0,5 µl e acima de 10 µl por flor
(Goldblatt & Manning 2000). Outra diferença em
relação à síndrome de miiofilia está na composição
do néctar. Enquanto flores polinizadas por moscas de
probóscide curta (Muscidae, Syrphidae e Phoridae)
produzem néctar rico em frutose e glicose, as espécies polinizadas por moscas de probóscide longa
produzem néctar rico em sacarose, semelhante às
plantas polinizadas por abelhas de probóscide longa
(Goldblatt et al. 1995; Goldblatt & Manning 1999).
Talvez, insetos fisicamente ativos de corpo grande,
que pairem no ar ao se alimentar, independente da
ordem (Diptera ou Hymenoptera), requeiram fontes
de energia ricas em sacarose (Goldblatt et al. 1995).
Rebelo et al. (1985 apud Goldblatt & Manning
2000) consideraram esse conjunto de características
descritas anteriormente como uma síndrome de polinização denominada rinomiiofilia (“rhinomyophily”),
mas Goldblatt & Manning (2000) sugeriram como
termo mais direto polinização por moscas de probóscide-longa (long-proboscid fly pollination). Esse sistema
de polinização está distribuído em diferentes grupos
de plantas, destacando-se Iridaceae, Geraniaceae,
Ericaceae e Orchidaceae (Goldblatt & Manning
2000).
Vários trabalhos com Orchidaceae têm sido desenvolvidos com relação à polinização por moscas de
probóscide longa, especialmente na África do Sul.
Nessa linha pode-se citar o trabalho de Combs &
Pauw (2009), envolvendo Disa karooica e a mosca
Tabanidae Philoliche gulosa. Na verdade trata-se de
um conjunto de evidências associadas ao complexo
envolvendo Disa draconis. Atributos comuns entre
essas espécies do complexo Disa são a ausência de
néctar nos longos esporões da flor, o que sugere que
as flores atraem as moscas por engano, mimetizando
flores nectaríferas de uma Geraniaceae (Pelargonium
stipulaceum) muito abundante na área. As duas espécies de plantas são sincronopátricas, semelhantes
com relação à cor e ao tamanho do tubo da corola e
partilham os mesmos polinizadores.
O sistema de polinização por dípteros de probóscide longa pode ser um bom modelo para testar
a coevolução em espécies interagentes. Com base
na teoria darwiniana da coevolução, Anderson &
Johnson (2007) testaram a correlação entre o comprimento da probóscide da mosca Prosoeca ganglbaueri
(Nemestrinidae) e o comprimento do tubo da corola de Zaluzianskya microsiphon (Scrophulariaceae)
em várias populações da África do Sul, onde essas
espécies interagem. Além disso, eles avaliaram qual
variável preditiva explica melhor a variação interpopulacional dessas estruturas, considerando prováveis
efeitos abióticos, como latitude, longitude e altitude,
Tarcila de Lima Nadia
e efeitos alométricos, como largura do tórax da mosca
e diâmetro da flor. Os comprimentos da corola e da
probóscide da mosca estiveram significativamente
correlacionados, sendo o comprimento da probóscide
a variável que melhor explica a variação do comprimento da corola (Anderson & Johnson 2007). Dessa
forma, esses autores mostraram a forte seleção que o
polinizador exerce nos atributos florais, além de seus
resultados estarem de acordo com a teoria do mosaico
geográfico de coevolução (sensu Thompson 2005).
Distribuição das espécies
polinizadas por moscas
Há poucos sistemas de polinização por moscas nas
áreas temperadas do hemisfério norte, sendo estes
mais comuns nas regiões tropicais e temperadas do hemisfério sul (Weiss 2001). Como destaque, podemos
citar a polinização por moscas de probóscide longa
(25-60 mm), da família Nemestrinidae, na África
do Sul (Goldblatt & Manning 1999; Weiss 2001);
polinização por Bombylliidae em regiões semi-áridas;
grande diversidade de flores polinizadas por dípteros
em áreas montanhosas e no Ártico (Weiss 2001); e
em manguezais do Nordeste do Brasil, onde moscas
Syrphidae desempenham papel chave na polinização
(Nadia 2009).
Os dípteros também constituem o principal
componente da fauna de polinizadores da região
andina, no Chile (Arroyo et al. 1982). Levando em
consideração o gradiente altitudinal, a porcentagem
de plantas polinizadas por moscas varia de 38% na
faixa entre 2.200 a 2.600 m a 60% acima de 3.100 m
na região dos Andes, tornando-se a principal forma
de polinização em altitudes mais elevadas (Arroyo et
al. 1982). Em uma região mais ao sul da Cordilheira
dos Andes, na Patagônia, Argentina, a partir de uma
♦
Isabel Cristina Machado ⁞
285
análise de gradiente de precipitação, foi constatado
que, entre os insetos visitantes florais, as moscas dominavam regiões mais úmidas, sendo substituídas pelas
abelhas em regiões mais secas, e os autores acreditam
ser esse um padrão global (Devoto et al. 2005).
Aspectos evolutivos
Os primeiros dípteros surgiram no final do Triássico,
cerca de 100 milhões de anos antes do surgimento
das angiospermas, entre o fim do Jurássico e início
do Cretáceo (Yeates & Wiegmann 2005). Acreditase que esses dípteros já possuíam aparato bucal do
tipo lambedor, que é apropriado para tomar néctar
de flores, pois obtinham originalmente fontes de
carboidratos a partir de secreções viscosas ricas em
açúcar produzidas por alguns Hemiptera (Thien et
al. 2000; Yeates & Wiegmann 2005). Dessa forma,
a interação entre flores e moscas pode ser considerada um dos primeiros sistemas de polinização que se
desenvolveu nas angiospermas (Thien et al. 2000;
Thien et al. 2009).
A polinização por moscas é amplamente distribuída entre as angiospermas basais, sendo encontrada em Cabombaceae, todas as famílias de
Austrobaileyales, algumas Annonaceae, Monimiaceae,
Lauraceae, Winteraceae, Saururaceae, Piperaceae e
Aristolochiaceae (Endress 2010). Entre as características florais típicas desses grupos, pode ser destacada
a presença de flores hermafroditas, protogínicas, que
produzem odor e regulam a temperatura (termogênese) (Thien et al. 2000; Endress 2010). A produção
de néctar não é comum, havendo, portanto, outros
recursos disponíveis como pólen, tecidos para alimento, calor, abrigo e locais para reprodução (Endress
2010), sendo a ocorrência de flores de engano bastante
comum (Thien et al. 2009).
286 ⁞ Polinização por dípteros
A especialização para a polinização por moscas
nas angiospermas basais está associada à termogênese e algumas vezes ao gigantismo floral, podendo
ser encontrada em Nymphaeaceae, Annonaceae,
Magnoliaceae e Aristolochiaceae (Endress 2010).
Esse último parece ter evoluído em associação com
polinizadores de tamanho pequeno, como alguns
besouros ou moscas saprófilas, mais do que com
polinizadores de corpo grande. Essas flores podem ter
se adaptado a esses pequenos polinizadores, pois seu
grande tamanho facilita o aprisionamento temporal
dos insetos, a termorregulação e permite mimetizar
carcaças de animais (Davis et al. 2008).
Em relação aos dípteros, os grupos associados às angiospermas basais incluem tanto taxas
menos derivadas das subordens Nematocera (famílias Cecidomyiidae, Mycetophilidae, Sciaridae,
Ceratopogonidae e Chironomidae) e Brachycera
(famílias Lauxaniidae e Ephydridae), como taxas
mais derivadas, que também se alimentam de pólen, tais como Bombyliidae, Syrphidae e Muscidae
(Thien et al. 2009). Entre esses grupos, nem todos se
especializaram como visitantes florais, com exceção
de Bombyliidae e Syrphidae (Proctor et al. 1996;
Willmer 2011).
Apesar de as moscas estarem supostamente associadas à polinização das primeiras angiospermas, em
diversos outros grupos de plantas a polinização por
moscas pode ser um caráter derivado. Nos Andes,
por exemplo, a polinização por moscas parece ter
sido desenvolvida a partir de espécies primariamente polinizadas por abelhas (Arroyo et al 1982). No
gênero Ixia (Iridaceae), em que há grande radiação
adaptativa a diferentes vetores de pólen, a polinização
por moscas também parece ter evoluído a partir de
espécies polinizadas por abelhas de grande porte
(Goldblatt et al. 2000).
A coevolução entre moscas de probóscide longa
e as plantas polinizadas por elas é evidente no sul
da África. Anderson & Johnson (2009) analisaram
o conjunto de 20 espécies de plantas polinizadas por
uma mosca de probóscide longa, Prosoeca ganglbaueri
(Nemestrinidae), cujo comprimento da probóscide
varia de 20 a 50 mm em diferentes localidades no
sul da África. Esses autores constataram a covariação
entre o comprimento da probóscide e do tubo da
corola dessas espécies, evidenciando convergência
fenotípica entre espécies simpátricas e divergência
entre as alopátricas. Como explicação, os autores
afirmaram que a probóscide das moscas pressionaria
as plantas com relação à ocorrência de flores com
diferentes comprimentos de corola, resultando assim
em um padrão de covariação geográfica e evolução
convergente em escala local.
Estudos de caso: polinização por
moscas em Nymphaeaceae e
Orchidaceae
Entre as angiospermas basais, podemos destacar a
família Nymphaeaceae como exemplo de espécies
polinizadas principalmente por moscas. O gênero
Nuphar ocorre em todo o hemisfério norte, sendo
constituído por treze espécies. A princípio, observações feitas por Schneider & Moore (1977) em Nuphar
advena (considerada pelos autores como Nuphar lutea
subsp. macrophylla) (Lippok et al. 2000) constataram
que o besouro Donacia piscatrix é seu polinizador
efetivo. Além disso, registros fósseis têm indicado
total dependência de besouros Donacia pelas espécies
de Nymphaeaceae para se alimentar e ovipositar e,
dessa forma, a polinização por besouros tem sido
considerada a condição ancestral e predominante para
o gênero Nuphar (Lippok et al. 2000). No entanto,
Lippok et al. (2000), ao avaliarem a efetividade de
Tarcila de Lima Nadia
besouros Donacia na polinização de espécies desse
gênero, observaram que das cinco espécies observadas, todas são polinizadas por moscas, enquanto a
importância da polinização por abelhas e besouros
varia entre as espécies e os locais de ocorrência. Além
disso, para duas espécies, N. lutea e N. pumila, as
moscas atuam como principais polinizadores.
Ainda em relação ao gênero Nuphar, suas flores
diferem morfologicamente com respeito ao comprimento das anteras, tamanho do disco estigmático
e quantidade de néctar produzido. Dessa forma,
acreditava-se que essas diferenças ocorriam devido à adaptação a diferentes tipos de polinizadores.
No entanto, Lippok et al. (2000) observaram que a
contribuição relativa de abelhas, besouros e moscas,
na polinização de espécies de Nuphar está mais associada à abundância relativa desses insetos do que
às diferenças morfológicas entre as flores.
Em relação às Orchidaceae, vários trabalhos têm
sido desenvolvidos relatando o sistema de polinização por moscas na família. O gênero Bulbophyllum
é um dos maiores da família e junto com a subtribo
Pleurothallidinae consistem da maioria das espécies miiófilas em Orchidaceae (Christensen 1994).
Algumas espécies desse gênero apresentam um mecanismo especial de polinização, no qual a mosca
pousa no labelo articulado empurrando-o para baixo
e, ao passar pelo ponto de equilíbrio caminhando
em direção ao recurso floral, o labelo retorna à sua
posição inicial pressionando a mosca contra a coluna
da flor, fazendo com que a polínia fique aderida ao
seu corpo (Ridley 1890 apud Borba & Semir 1998).
Em Bulbophyllum involutum (Sazima 1978; Borba
& Semir 1998), B. ipanemense e B. weddellii (Borba
& Semir 1998), o mecanismo de polinização ainda
é mais intrigante, havendo a ação conjunta de dois
agentes, moscas do gênero Pholeomyia (Milichiidae) e
♦
Isabel Cristina Machado ⁞
287
o vento. Como Pholeomyia é constituído por moscas
muito leves, seu peso não é suficiente para desengatilhar o mecanismo descrito anteriormente. Dessa
forma, essas moscas polinizadoras ficam presas às
flores apenas quando o labelo é movido pelo vento,
pressionando-as contra a coluna. Ao se soltar após 10
a 60 minutos, as moscas carregam então a polínia,
que se aderiu à parte dorsal do seu tórax (Borba &
Semir 1998). Borba & Semir (1998) relataram ainda
que as mesmas espécies de Pholeomyia visitaram as
flores das espécies de Bulbophyllum em campo e em
casa de vegetação, mesmo distando entre si 310 ou
540 km, mostrando a especificidade na polinização
dessas espécies.
Além de Milichiidae, há registros de outras famílias de dípteros, tais como Tachinidae, Chloropidae
e Sciaridae, atuando na polinização de outras sete
espécies de Bulbophyllum neotropicais (B. adiamantinum, B. bidentatum, B. epiphytum, B. glutinosum, B.
insectiferum, B. plumosum, B. regnellii). Entre essas,
B. epiphytum apresenta mecanismo de polinização
diferente do descrito anteriormente para o gênero.
Nesse caso, o visitante é forçado a passar pelo estreito
tubo floral para obter néctar, ficando preso à coluna da
flor, sendo esse um mecanismo comum para espécies
de Orchidaceae com flores tipo goela (Verola 2002).
Até mesmo em orquídeas com sistemas de polinização diversos, também pode haver polinização
efetiva por moscas. Rodriguezia bahiensis (subtribo
Oncidiinae) apresenta amplo espectro de visitantes
florais, envolvendo beija-flores e insetos himenópteros,
dípteros e lepidópteros. No entanto, duas espécies
de moscas do gênero Philopota, família Acroceridae
(Fig. 11.1) foram consideradas como os polinizadores efetivos, além da abelha Xylocopa (Neoxylocopa)
suspecta, uma vez que seu comportamento ocasionou
o transporte de polínias para a cavidade estigmática
de forma eficaz (Carvalho & Machado 2006).
288 ⁞ Polinização por dípteros
Podemos citar ainda, para a família Orchidaceae,
alguns exemplos que envolvem flores de engano e
moscas de probóscide longa. Duas espécies raras de
orquídeas da África do Sul, Brownleea galpinii ssp.major
(produtora de néctar) e Disa cephalotes ssp. cephalotes
(sem recurso) mimetizam as flores de Scabiosa columbaria, uma Dipsacaceae simpátrica, muito comum no
local e produtora de néctar (Johnson et al. 2003). As
flores das orquídeas não exalam odor e têm tamanhos
e espectro de reflectância de cores semelhantes aos das
flores de Scabiosa columbaria. A soma desses fatores na
opinião dos autores faz com que as moscas não consigam distinguir as flores das duas espécies no campo.
Dessa forma, as espécies de orquídeas são polinizadas
exclusivamente por moscas de probóscide longa das
famílias Tabanidae e Nemestrinidae, as quais também
tomam néctar de flores de S. columbaria.
Outro mecanismo de engano, envolvendo polinização por moscas em orquídeas, é o caso de
Epipactis veratrifolia (Stökl et al. 2011). Os autores desse trabalho analisaram os compostos voláteis
presentes nas flores dessa espécie de orquídea, além
de realizarem experimentos eletrofisiológicos com a
mosca Episyrphus balteatus para testar se a mesma é
capaz de perceber aqueles compostos florais. As larvas
dessa mosca se alimentam de afídeos, que emitem
odor característico. Além das flores de E. veratrifolia
mimetizarem a forma e cor dos afídeos, elas emitem
odor cuja composição é semelhante ao dos afídeos.
O sinal visual, cor e forma, atraem as fêmeas de E.
balteatus, enquanto o sinal olfativo estimula-as a
ovipor, mesmo não havendo afídeos nas flores. Nesse
ato, as moscas efetuam a polinização.
Conclusão
A interação entre flores e moscas polinizadoras é
uma antiga história com contribuições significativas
na diversificação das angiospermas e dos dípteros.
Devido a isso, podemos encontrar diversos sistemas
de polinização, dificultando o estabelecimento de
padrões gerais. No entanto, é possível definir pelo
menos três sistemas de polinização por Diptera, considerando grupos específicos: 1) constituído por flores
com especialização fenotípica e moscas não especializadas em flores como, por exemplo, a interação entre
flores de Aristolochiaceae e dípteros Sarcophagidae
e Drosophilidae; 2) constituído por moscas especializadas em se alimentar em flores e plantas que não
apresentam especialização floral para polinização por
moscas como, por exemplo, a interação entre dípteros Syrphidae e algumas espécies de Boraginaceae e
Rubiaceae; e 3) constituído por espécies de plantas
e de moscas nos quais ambos os grupos apresentam
especialização como, por exemplo, as interações entre
moscas de probóscide longa e flores de Orchidaceae.
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Foto: Finn Kjellberg
*
Capítulo 13
*
Polinização por vespas
Rodrigo Augusto Santinelo Pereira
Departamento de Biologia – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – Av.
Bandeirantes, 3.900 – CEP: 14040-130 – Ribeirão Preto-SP – Brasil. e-mail: raspereira@yahoo.com.br
E
ste capítulo discute o papel das vespas como polinizadoras, situando-as no contexto geral de polinização por
insetos. Informações disponíveis na literatura foram utilizadas para classificar as vespas em polinizadores
generalistas, polinizadores especializados em plantas sem recursos (polinização por engano) e polinizadores especializados em plantas com recursos. Muito embora várias espécies de vespas sejam visitantes florais generalistas, alguns
grupos, tais como o gênero Hemipepsis (Pompilidae), a subfamília Masarinae (Vespidae) e a família Agaonidae se
especializaram em alguns táxons ou guildas de plantas. A família Agaonidae se diversificou exclusivamente em
associação com o gênero Ficus, representando um caso extremo de especialização entre as vespas polinizadoras. O
gênero Ficus apresenta um grande número de espécies no Brasil, configurando um bom material de estudo disponível
para aprofundamentos de questões relacionadas com a evolução de mutualismos altamente especializados. O desenvolvimento das vespas polinizadoras do figo ocorre dentro das inflorescências das figueiras. Dessa forma, a prole das
vespas e os embriões das plantas competem pelo mesmo suprimento de recursos ao longo dos seus desenvolvimentos
iniciais. Esse conflito levou à evolução de diversos mecanismos que promovem o balanceamento da polinização e da
predação de sementes, tais como as sanções que levam ao aborto de frutos superexplorados pelas larvas das vespas.
Ao longo do texto esses casos e outros aspectos da história natural das principais classes de polinização por vespa
é apresentada e os aspectos evolutivos, quando disponíveis, são discutidos. Conclui-se que as vespas não devem
ser negligenciadas como polinizadoras, pelo contrário, destacam-se por participar de uma grande diversidade de
mecanismos de polinização, desempenhando um papel importante na reprodução de muitas espécies de plantas.
292 ⁞ Polinização por vespas
Introdução
Os insetos constituem o principal agente de polinização em muitos ecossistemas (Schowater 2000), sendo
que os himenópteros, particularmente as abelhas
(Capítulo 9), destacam-se como um dos principais
grupos de polinizadores das angiospermas (Danforth
et al. 2006). As vespas (i.e., todos Hymenoptera da
subordem Apocrita, excluindo-se as abelhas e as formigas), por outro lado, são, de modo geral, consideradas polinizadoras menos eficientes e, muitas vezes,
negligenciadas em estudos clássicos sobre polinização
(Fægri & van der Pijl 1979; Proctor et al. 1996).
Essa generalização deve-se, em parte, às vespas sociais, que apresentam interações pouco especializadas
com as espécies de plantas que visitam (Santos et al.
2010; Mello et al. 2011). Além disso, as vespas mais
generalistas utilizam flores com morfologia menos
especializada, as quais são também acessíveis a outros
grupos de insetos.
Para que a polinização ocorra, o inseto deve
apresentar comportamento e morfologia que permitam o transporte do pólen da antera ao estigma
de uma flor da mesma espécie. De forma muito
simplificada, um bom polinizador deve apresentar
tamanho e comportamento de acesso à flor que
permitam que seu corpo toque as estruturas florais
envolvidas com a reprodução. Ainda, para ocorrer
polinização cruzada, o inseto deve visitar flores de
diferentes indivíduos da mesma espécie em um
intervalo curto de tempo. Muitas espécies de vespas que visitam flores não atendem esses requisitos
básicos e, portanto, não atuam como polinizadoras.
No entanto, alguns grupos de vespas são polinizadoras especializadas de figueiras e algumas espécies
de orquídeas, apocináceas e asparagáceas (Weiblen
2002; Gaskett 2011; Shuttleworth & Johnson 2012).
Apesar de incluir relativamente menor número de
espécies polinizadoras, as vespas se destacam por
participar de uma grande diversidade de mecanismos
de polinização.
Os indivíduos imaturos da maioria das espécies
de vespas são carnívoros, alimentando-se de pedaços
de outros artrópodos ou parasitando outros insetos (i.e., vespas parasitoides). No entanto, as vespas
adultas geralmente visitam flores em busca de néctar para sua própria alimentação ou manutenção
da colônia (nas espécies sociais) e, nesse processo,
transportam o pólen sobre o corpo. De fato, as vespas são visitantes florais de um grande número de
famílias de angiospermas (Tooker & Hanks 2000;
Robertson & Klemash 2003; Antonini et al. 2005;
Hermes & Köhler 2006; Wiesenborn et al. 2008;
Clemente et al. 2012; Somavilla & Köhler 2012).
Em alguns casos, como em Schinus terebinthifolius
Raddi (Anacardiaceae), mais de 50% dos visitantes
florais amostrados apresentaram grande quantidade de grãos de pólen aderidos ao corpo (Sühs et al.
2009). A quantidade de pólen transportado depende
muito da densidade de pelos que as vespas possuem
no corpo. Em geral, elas possuem relativamente poucos pelos, por outro lado alguns grupos, como por
exemplo as vespas de pólen (Masarinae), possuem
mais pelos, adaptados para a coleta e o transporte de
pólen (O’Neill 2001). Outras vespas não transportam
pólen algum, pois roubam o néctar cortando a base da
flor sem entrar em contato com as estruturas florais
envolvidas com a reprodução (Antonini et al. 2005).
Algumas espécies de vespas não polinizadoras apresentam mutualismo de defesa com as plantas visitadas,
como no caso de Pachodynerus brevithorax Sauss.
(Vespidae: Eumeninae) e Brachygastra lecheguana
Latr. (Vespidae: Polistinae). Essas vespas patrulham
plantas de Banisteriopsis malifolia (Nees & Mart.) B.
Gates (Malpighiaceae) e predam larvas endofíticas
de besouros do gênero Anthonomus (Curculionidae)
Rodrigo Augusto Santinelo Pereira ⁞
que se desenvolvem no interior dos botões florais
(Torezan-Silingardi 2011; Alves-Silva et al. 2013).
O hábito generalista das vespas sociais parece estar associado à grande demanda de carboidratos para
desenvolvimento da colônia, fazendo com que elas
explorem qualquer fonte concentrada de açúcar. Além
de néctar de flores, as vespas sociais coletam seiva de
plantas, exsudatos de frutos, melada excretada por
insetos sugadores de plantas, além de fontes artificias,
como alimentos líquidos açucarados (Richter 2000).
No entanto, certo nível de especialização observada
em algumas espécies de orquídeas e apocináceas pode
resultar da mediação de substâncias voláteis atrativas
a grupos particulares de vespas ou repelentes a outros insetos (Johnson 2005; Brodmann et al. 2008;
Shuttleworth & Johnson 2009a). Além dos grupos
que forrageiam néctar floral, há vespas que visitam
flores em busca de alimento para a prole na forma de
pólen (Gess 1996), presas animais (Alves-Silva et al.
2013), local para oviposição (Weiblen 2002), ou são
ludibriadas por pistas falsas que sugerem a presença
de alimento ou oportunidade de acasalamento, isto é,
polinização por engodo (Capítulo 15) (Renner 2006).
A classificação dos mecanismos de polinização
mediados por vespas não é uma tarefa simples, em
decorrência da grande diversidade de histórias de
vida desse grupo de insetos e das diferentes formas
de interagir com as plantas polinizadas. No entanto,
algumas generalizações podem ser feitas. De acordo
com estudos publicados, as associações de plantas
e vespas polinizadoras podem ser organizadas em
polinizadores generalistas, polinizadores especializados em plantas sem recursos (polinização por
engano) e polinizadores especializados em plantas
com recursos. Essas classes têm finalidade didática,
uma vez que nem sempre é possível estabelecer grupos naturais. Uma mesma linhagem de vespa pode
interagir com as plantas por mecanismos diferentes
293
de polinização e linhagens independentes de vespas
podem atuar em um mesmo modo de polinização.
Como exemplo, pode-se citar a família Vespidae, que
inclui desde espécies generalistas pouco adaptadas
até grupos bastante especializados para a polinização
(O’Neill 2001; Brodmann et al. 2008). Ainda, várias
famílias de vespas são atraídas a orquídeas por pistas
sexuais falsas e polinizam suas flores sem receber
recompensas (Jersáková et al. 2006). Por outro lado,
as vespas polinizadoras de figueiras (Agaonidae) são
um exemplo de agrupamento natural, que radiou
exclusivamente em associação com o gênero Ficus
(Cruaud et al. 2012).
Na sequência, cada uma das três classes de polinização por vespas será abordada. Os polinizadores
generalistas serão tratados com cautela, pois estudos
detalhados poderão revelar interações mais especializadas. O grupo de polinização por engano inclui
casos de engano sexual e de alimento. Por fim, serão
tratadas como polinização especializada com recurso
todas as interações em que a planta e seu polinizador
principal apresentem adaptações que sugiram uma
história evolutiva em comum. Esse grupo é bastante
diversificado taxonômica e biologicamente, abrangendo em especial espécies de apocináceas e orquídeas
polinizadas por vespas das famílias Pompilidae e
Vespidae, além de plantas associadas às vespas de
pólen e figueiras polinizadas pelas vespas de figo. A
interação das figueiras e suas vespas polinizadoras
será abordada de forma mais aprofundada devido ao
maior volume de informações ecológicas, biológicas
e evolutivas disponíveis na literatura.
Polinizadores generalistas
Várias espécies de vespas sociais dos gêneros
Brachygastra, Belonogaster, Polistes, Polybia (Polistinae),
Dolichovespula, Vespa e Vespula (Vespinae) atuam
294 ⁞ Polinização por vespas
como (co) polinizadoras em plantas das famílias Apocynaceae (Asclepiadoideae), Araliaceae,
Asteraceae, Erythroxylaceae, Iridaceae e Polygonaceae
quando visitam suas flores em busca de néctar
(Momose & Inoue 1993; Barros 1998; Vieira &
Shepherd 1999; Coombs et al. 2009; Jacobs et al.
2010; Horsburgh et al. 2011). Estudos mais abrangentes de biologia da polinização em comunidades
de vespas que visitam flores (Clemente et al. 2012)
certamente ampliarão a lista de plantas efetivamente
polinizadas por esses insetos. Essas vespas são consideradas generalistas por polinizarem flores pouco
especializadas e visitadas por outros grupos de insetos. Exemplos são Polygonum thunbergii Sieb. et
Zucc. (Polygonaceae) e Hedera helix L. (Araliaceae).
Polygonum thunbergii, no Japão, foi visitada por 64
espécies pertencentes a 30 famílias de insetos. Entre
esses visitantes, vespas Vespidae foi o segundo grupo mais abundante, sendo que 42% dos indivíduos
coletados carregavam grãos de pólen (Momose &
Inoue 1993). Hedera helix, na Inglaterra, é visitada
por pelo menos vinte espécies de insetos, sendo 55%
desses visitantes vespas do gênero Vespula. Essas vespas
são provavelmente polinizadoras, pois apresentaram
alta frequência de visitas, taxas relativamente altas de
forrageio e grande número de grãos de pólen sobre
seus corpos (Jacobs et al. 2010).
Espécies de Asclepiadoideae (Apocynaceae) são
frequentemente associadas a vespas. Vespas sociais da
subfamília Polistinae forrageiam em flores visitadas
por outros grupos de insetos. Entretanto, devido à
sua morfologia e seu comportamento de forrageio,
atuam como polinizadores mais efetivos (Vieira &
Shepherd 1999; Coombs et al. 2009). Polybia ignobilis é a espécie de vespa polinizadora principal de
quatro espécies simpátricas de Oxypetalum no Brasil
(Vieira & Shepherd 1999). Insetos de várias ordens
foram observados visitando flores dessas espécies de
Oxypetaum, mas somente P. ignonilis transportava
polinários, que se aderiam ao aparelho bucal quando
introduzidos no tubo floral para acessar o néctar.
Na África do Sul, outra espécie de Asclepiadoideae,
Gomphocarpus physocarpus E. Mey., apresentou um
sistema de polinização por vespas ecologicamente
generalizado, composto de várias espécies dos gêneros
Belonogaster e Polistes (Coombs et al. 2009). Diferente
de Oxypetalum, as polinárias de G. physocarpus se
aderem ao arólio do inseto (pequena almofada localizada entre as garras tarsais) quando as vespas se
agarram às flores para lamber o néctar dos nectários
relativamente expostos dessa espécie de planta.
No entanto, é recomendável cautela ao considerar
vespas sociais como polinizadoras generalistas. Uma
investigação mais aprofundada sobre o papel das
fragrâncias florais na atração de polinizadores específicos e da eficiência dos outros visitantes florais como
polinizadores pode revelar especializações nessas
interações planta-inseto. Por outro lado, observações
mais detalhadas são fundamentais para validar a
hipótese de polinização, uma vez que alguns estudos
usam dados indiretos, baseados no comportamento
de visitação e na morfologia do inseto, para inferir
a eficiência de vespas como polinizadores (Barros
1998; Horsburgh et al. 2011)
Polinizadores especializados em
plantas sem recurso
Plantas polinizadas por engano sinalizam a presença
de recurso sem, no entanto, fornecê-lo ao polinizador
(Capítulo 15). Estima-se que aproximadamente 7.500
espécies em trinta e duas famílias de angiospermas
são polinizadas por engano. Destas, cerca de 6.500
espécies pertencem à família Orchidaceae (Renner
2006). Se essas estimativas forem corretas, pelo menos
Rodrigo Augusto Santinelo Pereira ⁞
um terço das outras 1.000 espécies pertence ao gênero
Ficus. Apesar do grande número de espécies polinizadas por engano nesses dois grupos (aproximadamente
30% das orquídeas e 50% das figueiras), plantas sem
recursos representam apenas 3,7% de todas as espécies
de angiospermas (Renner 2006).
A maioria das orquídeas sem recurso polinizadas
por vespas emite atrativos que sinalizam oportunidade
de acasalamento (i.e., engano sexual). Por outro lado,
orquídeas polinizadas por vespas que sinalizam a
presença de alimento (i.e., engano de alimento) são
muito pouco relatadas, apesar desse tipo de engano
ser o mais comum nas orquídeas polinizadas por
abelhas (Jersáková et al. 2006). Nas figueiras, o recurso oferecido às vespas é local para oviposição. Em
espécies monoicas, a vespa deposita ovos em parte
das flores pistiladas e as sementes são produzidas nas
demais flores da inflorescência não ovipositadas. Em
espécies ginodioicas, as plantas femininas são polinizadas por engodo, uma vez que sinalizam a presença
de recurso, mas as flores são inacessíveis à oviposição
(Weiblen 2002). Na sequência será abordada a polinização por engodo em orquídeas. Os exemplos em
figueiras serão discutidos posteriormente no tópico
sobre polinização em figueiras.
Engodo sexual
As orquídeas polinizadas por engano sexual mimetizam fêmeas de insetos, atraindo assim machos que
atuam como polinizadores ao tentar copular com o
labelo da flor. Os machos atraídos pelas pistas falsas
gastam tempo, oportunidades reais de acasalamentos
e, às vezes, esperma, sem receber recompensa alguma. O processo de atração ocorre em duas etapas;
inicialmente, os machos são atraídos por fragrâncias
que mimetizam feromônios sexuais das fêmeas da
mesma espécie. Posteriormente, à curta distância,
295
a forma e as cores florais, que podem se assemelhar
às fêmeas, atuam na orientação dos insetos (Gaskett
2011; Gaskett 2012).
Vespas das famílias Sphecidae e Pompilidae polinizam por engano orquídeas dos gêneros Disa na
África do Sul. Na Austrália a maioria das espécies de
orquídeas polinizadas por engano sexual explora vespas
das famílias Ichneumonidae, Scoliidae e Tiphiidae
(Gaskett 2011). Na América do Sul há relato de polinização do gênero Geoblasta por vespas da família
Scoliidae (Ciotek et al. 2006). Representantes do gênero
Ophrys, na Europa, associados principalmente a abelhas
das famílias Andrenidae, Colletidae, Megachilidae e
Apidae, são também polinizados por vespas Scoliidae
e Sphecidae (Gaskett 2011) (Tab. 13.1). Devido, provavelmente, ao mimetismo químico dos feromônios
sexuais, as espécies de orquídeas polinizadas por engano
sexual exploram uma ou poucas espécies de vespas
polinizadoras, que podem ser diferentes em regiões distintas. No entanto, em zonas de contato entre espécies
alopátricas, as orquídeas podem atrair polinizadores
de espécies filogeneticamente próximas, devido à semelhança dos semioquímicos utilizados, como ocorre
na Austrália com as orquídeas Chiloglottis trapeziformis
Fitzg. e C. valida D.L. Jones polinizadas pelas vespas
Neozeleboria cryptoides (Smith) e N. monticola Turner,
respectivamente (Schiestl & Peakall 2005).
Vespas solitárias e parasitoides são os polinizadores mais comumente relatados em orquídeas
polinizadas por engano sexual. Tal fato parece estar
relacionado a várias características do sistema de
acasalamento dessas vespas, que facilitariam ou funcionariam como pré-adaptações à exploração pelas
orquídeas (Gaskett 2011). Machos de espécies de
vespas solitárias são, em geral, facilmente atraídos
por feromônios sexuais transportados pelo ar, além de
serem bastante vigilantes e responderem prontamente
aos feromônios femininos. Como as fêmeas de vespas
296 ⁞ Polinização por vespas
Tabela 13.1 Famílias de vespas envolvidas em polinização por engano em Orchidaceae. Fonte: Gaskett (2011)
Família de vespa
Ocorrência
Gênero de orquídea
Sphecidae
África do Sul
Disa
Pompilidae
África do Sul
Disa
Ichneumonidae
Austrália
Cryptostylis
Scoliidae
Austrália
Calochilus
Tiphiidae
Austrália
Arthrochilus, Caladenia, Caleana, Chiloglottis, Drakaea,
Leporella, Paracaleana, Spiculaea
Ichneumonidae
Nova Zelândia
Cryptostylis
Scoliidae
América do Sul
Geoblasta
Scoliidae
Europa
Ophrys
Sphecidae
Europa
Ophrys
em geral são monógamas ou apresentam maior chance
de serem fertilizadas no primeiro acasalamento, há
forte pressão seletiva nos machos para que localizem
rapidamente e acasalem fêmeas virgens. Assim, as
orquídeas se beneficiam dessas características dos
machos de vespas, que resultam em uma predisposição a acasalamentos indiscriminados (Gaskett 2011).
O custo do engano sexual para os insetos e a
evolução da capacidade dos machos em discriminar
os falsos sinais são temas de debate atual (Schiestl
2004; Renner 2006). Para abordar tais temas é necessário explicitar a escala biológica em questão, isto
é, nível de indivíduo ou espécie. Em nível de espécie,
as orquídeas polinizadas por engano provavelmente
influenciam pouco a evolução de seus polinizadores,
uma vez que não oferecem benefícios aos insetos e,
na maioria das vezes, não geram custos aparentes aos
seus polinizadores (Gaskett 2011). O custo para a
espécie polinizadora é improvável, pois as orquídeas
são geralmente raras ou florescem esporadicamente.
Além disso, nem todos os insetos que encontram uma
orquídea são enganados pelos falsos sinais. Assim,
muitos indivíduos da espécie nunca ou raramente encontram uma orquídea, fazendo com que o
benefício em responder prontamente aos atrativos
sexuais e garantir vários acasalamentos com fêmeas
reais seja maior que os custos potenciais de copular
ocasionalmente com flores de orquídeas (Gaskett
2011). No entanto, o acasalamento com orquídeas
pode ter impacto negativo para o indivíduo se o
polinizador preferir orquídeas a fêmeas reais, ou se
os falsos sinais emitidos pelas orquídeas interferirem
na sua capacidade de localizar fêmeas reais. Ainda,
o sucesso de acasalamentos futuros pode ser comprometido se a cópula com o labelo floral levar à
ejaculação (Gaskett 2011).
Engodo de alimento
Enquanto orquídeas polinizadas por vespas por engano sexual exploram principalmente insetos machos
de espécies solitárias, as orquídeas que sinalizam
pistas falsas de alimento são polinizadas por fêmeas
Rodrigo Augusto Santinelo Pereira ⁞
de espécies sociais de vespas. Poucas espécies de orquídeas exploram vespas por meio de falsos atrativos
que sinalizam a presença de alimento. Até o momento
esse tipo de polinização é relatado em apenas três
espécies de orquídeas – Coelogyne fimbriata Lindl.,
Dendrobium sinense Tang & F.T. Wang e Steveniella
satyrioides (Steven) Schltr. (Nazarov 1995; Brodmann
et al. 2009; Cheng et al. 2009) - muito embora este
mecanismo seja o mais comum de polinização por
engano em orquídeas que exploram abelhas (Jersáková
et al. 2006). A diferença no número de espécies de
orquídeas que exploram esses dois grupos de insetos
pode estar relacionado ao tipo de recurso buscado
por abelhas e vespas. As abelhas geralmente visitam
flores de orquídeas em busca de recursos florais tais
como néctar, óleo e pólen, e provavelmente sofrem
forte pressão seletiva para responderem a sinais gerais
de recurso floral, tais como forma da inflorescência,
cor da flor, fragrância e guia de néctar (Capítulos 6, 7,
9 e 19) (Jersáková et al. 2006). As vespas, entretanto,
forrageiam por néctar para alimentação do inseto
adulto e por artrópodos para aprovisionamento de
suas larvas. O interesse por recursos tão contrastantes
exigiria uma forma de sinalização mais complexa por
parte da planta, a qual seria selecionada apenas em
situações em que os benefícios superassem os custos
da sinalização. De fato, as orquídeas que exploram
vespas por engano de alimento emitem tanto sinais
que mimetizam a presença de presas (Nazarov 1995;
Brodmann et al. 2009) como recursos florais (Cheng
et al. 2009). Deste modo, nem todos os casos de
polinização por engodo de alimento em vespas se
encaixam na definição de engodo generalizado de
alimento (sensu Jersáková et al. 2006), a qual é baseada na sinalização de recursos florais gerais. Nazarov
(1995) define o mecanismo de engodo de alimento
em vespas como “síndrome da falsa presa”; no entanto, esse termo não tem sido mencionado em revisões
mais recentes (Jersáková et al. 2006).
297
O primeiro relato de polinização por engano
de alimento envolvendo vespas foi em Steveniella
satyrioides na Crimeia (Nazarov 1995). Essa orquídea sem recurso é polinizada por duas espécies de
vespas, Paravespula vulgaris L. e Dolichovespula
sylvestris (Scopoli). A base do labelo floral apresenta
coloração vermelho-acastanhada que, provavelmente, mimetiza um pedaço de presa animal. As
vespas das duas espécies mordem a base do labelo, aparentemente tentando remover fragmentos
dos tecidos. Nesse processo pressionam a coluna
da flor e as polínias se aderem à face do inseto.
Ainda, parecem procurar por néctar, introduzindo
a cabeça no esporão da flor. As flores de Coelogyne
fimbriata, por outro lado, apresentam coloração
verde-amarelada, típica de orquídeas polinizadas
por vespas, mas não produzem néctar ou outra
forma de recurso. Essa espécie parece explorar a
grande demanda de carboidrato das vespas sociais,
emitindo fragrâncias florais que mimetizam o cheiro
de fontes de carboidratos, como frutos e flores de
outras plantas (Cheng et al. 2009). Um exemplo do
nível de complexidade que pode ser selecionado na
polinização por engodo de alimento é a forma de
atração do polinizador de Dendrobium sinense, uma
espécie de orquídea endêmica da ilha de Hainan
(China). As flores de D. sinense emitem, além de
fragrâncias florais típicas, compostos presentes no
feromônio de alarme de abelhas melíferas asiáticas
(Apis cerana) e europeias (A. mellifera). Esses compostos são atrativos às fêmeas da vespa social Vespa
bicolor Fabricius, que atuam como polinizadoras.
Como as fêmeas de V. bicolor frequentemente caçam
abelhas para alimentar suas larvas, sugere-se que as
flores de D. sinense mimetizam feromônios de alarme
de abelhas melíferas para atrair vespas predadoras
que atuariam como polinizadoras (Brodmann et al.
2009). De fato, Brodmann et al. (2009) observaram
que essas vespas não pousavam sobre as flores como
298 ⁞ Polinização por vespas
fazem outros insetos polinizadores, mas desferiam
botes rápidos sobre o centro de coloração vermelha
do labelo floral, assemelhando-se ao comportamento
de ataque a uma presa. Nesses ataques às flores, as
polínias são depositadas no pronoto do inseto.
Polinizadores especializados em
plantas com recursos
Embora relativamente pouco representadas em número de espécies, alguns grupos de vespas que polinizam flores com recursos apresentam adaptações
extremamente especializadas relacionadas à polinização. Espécies do gênero Hemipepsis (Pompilidae)
polinizam flores com morfologia pouco especializada, obtendo néctar como recurso, de forma semelhante às vespas polinizadoras generalistas. No
entanto, a forma de atração desses insetos por meio
de substâncias voláteis é bastante especializada, tornando-as polinizadores exclusivos em espécies de
Apocynaceae, Asparagaceae e Orchidaceae (Johnson
2005; Shuttleworth & Johnson 2009a; Shuttleworth
& Johnson 2009c). Apesar de a maioria das espécies
de vespas solitárias utilizarem presas animais para
alimentar suas larvas, vespas polinizadoras da subfamília Masarinae (Vespidae) apresentam adaptações
morfológicas e comportamentais para a coleta de
néctar e pólen usados para aprovisionar seus ninhos,
assemelhando-se em vários aspectos ao regime alimentar das abelhas (Gess 1996). O local para oviposição e desenvolvimento da prole são as formas de
recurso oferecido pelas plantas do gênero Ficus às
vespas da família Agaonidae (Weiblen 2002), as quais
constituem, certamente, o grupo mais especializado
entre as vespas polinizadoras. Esses grupos de vespas
polinizadoras são abordados em maior detalhe na
sequência.
Vespas Hemipepsis (Pompilidae)
Algumas espécies das famílias Apocynaceae
(Asclepiadoideae), Asparagaceae e Orchidaceae na
África do Sul formam uma guilda que apresenta
elevado nível de especialização funcional, com a
maioria de seus membros polinizados exclusivamente por vespas solitárias do gênero Hemipepsis (Tab.
13.2). As espécies dessa guilda apresentam flores
com morfologia pouco especializada, de coloração
pálida-esverdeada ou branco-acastanhado, sempre
com manchas avermelhadas, cheiro agridoce e néctar
exposto (Shuttleworth & Johnson 2012).
O néctar das flores da guilda polinizada por
vespas Hemipepsis, por ser exposto, é potencialmente
acessível a outros grupos de visitantes florais. No
entanto, as vespas polinizadoras são atraídas seletivamente por fragrâncias florais. Experimentos
de escolha conduzidos em campo e com tubos em
Y em laboratório demonstraram que os polinizadores de Pachycarpus grandiflorus (L. f.) E. Mey.
e Eucomis spp. são atraídos pela fragrância floral e
não pelo pistas visuais (Shuttleworth & Johnson
2009a; Shuttleworth & Johnson 2009c). A palatabilidade do néctar, pelo menos em algumas espécies de Apocynaceae, exerce um papel na seleção
das espécies polinizadoras. Em experimentos realizados Shuttleworth & Johnson (2006; 2009c),
néctar de Pachycarpus e uma solução açucarada de
mesma concentração foram oferecidos a abelhas
Apis mellifera. As abelhas consumiram a solução
açucarada, mas rejeitaram o néctar, sugerindo que
a composição do néctar funciona com filtro aos
visitantes florais. Entretanto, outras apocináceas do
gênero Xysmalobium, também polinizadas por vespas Hemipepsis, parecem ter néctar mais palatável a
outros insetos (Shuttleworth & Johnson 2009b). De
fato, Xysmalobium é visitada por um espectro mais
amplo de insetos não-polinizadores, reforçando a
Rodrigo Augusto Santinelo Pereira ⁞
299
Tabela 13.2 Gêneros de plantas polinizadas por vespas Hemipepsis (Pompilidae) na África do Sul. Fonte:
Shuttleworth & Johnson (2012)
Família
Gênero (nº de espécies)
Asclepias (1)
Aspidoglossum (1)
Miraglossum (3)
Apocynaceae: Asclepiadoideae
Pachycarpus (6)
Periglossum (1)
Xysmalobium (3)
Woodia (2)
Asparagaceae
Orchidaceae
hipótese de que a impalatabilidade do néctar exerce
a função importante de limitar as visitas de pilhadores de néctar (Shuttleworth & Johnson 2009c).
As vespas Hemipepsis constituem um excelente
modelo para o estudo do papel de caracteres não morfológicos na especialização de sistemas de polinização
(Shuttleworth & Johnson 2009c), contrastando aos
casos em que a especialização se dá por meio de traços
morfológicas da flor. Ilustram estes últimos casos as
moscas Moegistorhynchus longirostris Wiedemann, que
possuem as probóscides mais longas entre os dípteros
(60 a 100 mm de comprimento) e polinizam exclusivamente plantas com flores tubulares de tamanho
correspondente (Johnson & Steiner 2000). Assim,
a investigação do papel de substâncias químicas na
seleção de polinizadores em plantas polinizadas por
vespas é um campo promissor e poderá revelar especializações despercebidas em sistemas considerados
generalistas com base apenas na morfologia floral e
nos padrões de visitação.
Eucomis (3)
Disa (2)
Satyrium (1)
Vespa de pólen
Em Vespidae, a subfamília Masarinae (“masarine”) é
o grupo mais estreitamente associado a plantas com
flores, sendo, provavelmente, o polinizador principal
em várias espécies. A morfologia das vespas de pólen
e o seu comportamento são, em geral, compatíveis
com a forma das flores que visitam e potencialmente
adequados para a efetivação da polinização (Gess
1996). No entanto, esse grupo de insetos tem sido
amplamente negligenciado em estudos formais de
biologia da polinização. O papel como polinizadores em potencial é inferido a partir de informações
indiretas de visitação floral e presença de pólen sobre
o corpo desses insetos. Deste modo, o mecanismo de
polinização por essas vespas permanece um campo
aberto para investigações.
Masarinae distribui-se por todo o globo entre
as latitudes 50°N e S, exceto no leste da América do
Norte e leste e sul da Ásia (Fig. 13.1). Os registros são
concentrados no Mediterrâneo e em áreas temperadas,
300 ⁞ Polinização por vespas
semi-áridas quentes ou áridas fora da faixa tropical.
Assim, nota-se que essas vespas ocorrem em áreas de
clima mais quente, com pluviosidade relativamente
baixa, dominadas por vegetação aberta e cespitosa.
A subfamília é dividida em duas tribos, Gayellini,
restrita à região Neotropical, e Masarini, com distribuição mais ampla, nas regiões Neártica, Neotropical,
Paleártica, Afrotropical e Australiana (Gess 1992). São
descritas cerca de trezentas espécies de Masarinae, sendo metade endêmica do sul da África. No Neotrópico
são conhecidas vinte e três espécies incluídas em
quatro gêneros (Masarini: Ceramiopsis Zavattari e
Trimeria de Saussure, Gayellini: Gayella Spinola e
Paramasaris Cameron). No Brasil são descritas nove
espécies (Ceramiopsis gestroi Zavattari, C. paraguayensis Bertoni, Paramasaris brasiliensis Giordani Soika,
P. richardsi [Giordani Soika], Trimeria americana [de
Saussure], T. bequaerti Willink, T. howardi Bertoni,
T. robusta Hermes & Melo e T. rubra Hermes &
Melo; Hermes & Garcete-Barrett [2009]).
Essas vespas representam o único grupo dentro
da família Vespidae que coleta pólen e néctar para
alimentar suas larvas. Nesse aspecto, são consideradas
funcionalmente equivalentes a abelhas, uma vez que
o hábito alimentar de aprovisionar larvas com pólen
e néctar evoluiu paralelamente ao deste grupo. O
pólen utilizado para alimentar a prole é transportado
no papo do inseto e, portanto, não disponível para a
polinização. Sendo assim, a polinização é efetivada
com o pólen que fica aderido sobre o corpo da vespa
durante a visitação floral. Masarinae são vespas solitárias com metamorfose completa: ovo-larva-pupa
-adulto. As fases de ovo à pupa ficam confinadas em
células em ninhos multicelulares, escavados no solo
ou construídos externamente sobre rochas, ramos
de plantas ou buracos pré-existentes. No entanto,
algumas espécies do gênero Quartinia constroem o
ninho dentro de conchas de caramujos (Mollusca:
Gasteropoda). Para a construção dos ninhos as vespas
usam água, néctar ou seda como cimento. Assim,
muitas espécies são coletoras de água. Uma vez construído o ninho, a fêmea deposita um ovo por célula
e, na sequência, a provisiona com um macerado de
néctar e pólen que servirá de alimento para a larva.
A fase de pré-pupa entra em diapausa e a mudança
para os estádios de pupa e adulto ocorrem na próxima
primavera ou verão, podendo em alguns casos esse
período se estender por alguns anos. Mais detalhes da
história natural desse grupo de insetos são descritos
em Gess (1996) e Gess & Gess (2010).
Vespas de pólen são bastante adaptadas para
forragear néctar floral. Enquanto as vespas em geral
possuem línguas relativamente curtas, a maioria das
espécies de masarine apresenta línguas relativamente
longas - algumas tão extensas quanto o comprimento
do corpo. Consequentemente, são capazes de obter
néctar de um amplo espectro de formas de flores (Gess
1996). Em relação às plantas utilizadas, as vespas de
pólen são, em geral, mais oligófagas (i.e., usam um
número restrito de grupos de plantas) que abelhas
e outros grupos de vespas (Gess & Gess 2004). Um
caso extremo ocorre em uma espécie de Crassulaceae
endêmica da África do Sul, Tylecodon hallii (Tolken)
Tolken. Esta espécie parece ser visitada exclusivamente
por Masarina tylecodoni Gess, que apresenta morfologia e comportamento compatíveis à polinização
(Gess et al. 1997).
A polinização por vespas masarine se enquadra
na síndrome de melitofilia. No entanto, as flores
frequentemente visitadas por vespas de pólen não são
igualmente associadas a abelhas (Gess & Gess 2004),
sugerindo que essas flores apresentam características
particulares mais relacionadas à visitação por vespas
de pólen. O espectro de formas das flores preferencialmente utilizado por masarine é relativamente
amplo, devido à diversidade de espécies visitadas.
Rodrigo Augusto Santinelo Pereira ⁞
301
Figura 13.1 Distribuição geográfica de Masarinae. Fonte: Gess (1992). Reproduzido com permissão de John Wiley & Sons, Inc.
Porém, algumas características gerais podem ser reconhecidas (Gess 1996): antese diurna; coloração
clara; odor açucarado (nenhuma visita foi registrada
em flores com odores frutoso ou pútrido); forma
geralmente tubular, com flores isoladas ou agregadas
em capítulos (Asteraceae), ou altamente diferenciadas
(Leguminosae); néctar diluído e oculto (protegido de
evaporação) na flor.
As famílias de plantas preferencialmente associadas a vespas de pólen variam de acordo com
as regiões biogeográficas (Gess 1992): Australásia:
Myrtaceae e Goodeniaceae; Neártico: Scrophulariaceae
e Hydrophyllaceae; Afrotrópico: Aizoaceae, Asteraceae,
Campanulaceae, Scrophulariaceae e Leguminosae (tribo Crotalarieae). A maior diversidade no Afrotrópico
deve-se provavelmente à maior concentração de estudos
nessa região. Dados das regiões Neotropical e Paleártica
são escassos, mas há registros em Verbenaceae,
Asteraceae e Leguminosae no Neotrópico e Asteraceae
no Paleártico (Gess 1992; Mechi 1999).
Vespas de figo
Em alguns grupos de plantas a recompensa aos
polinizadores é a oferta de local para oviposição e
desenvolvimento da prole (nursery pollination). Essa
forma de recompensa é conhecida em doze famílias
de angiospermas e uma de gimnosperma (Dufaÿ &
Anstett 2003). Apesar de amplamente distribuído
entre os grupos de plantas, o local de oviposição como
recurso é melhor conhecido em Ficus (Moraceae) e
Yucca (Agavaceae) (Baker 1986). Insetos das ordens
Coleoptera e Lepidoptera são os polinizadores mais
frequentes nesse tipo de mutualismo, associando-se
a oito famílias de plantas (Dufaÿ & Anstett 2003).
Na ordem Hymenoptera, a família Agaonidae é o
único grupo envolvido nesse mecanismo de polinização, compreendendo os polinizadores exclusivos
das figueiras.
Existem aproximadamente setecentas e cinquenta espécies de Ficus (Moraceae) com distribuição
pantropical. Cada espécie de Ficus é polinizada por
302 ⁞ Polinização por vespas
uma ou poucas espécies de vespa (Ramírez 1970;
Kjellberg et al. 2005). Nas Américas ocorrem cerca
de cento e quarenta espécies de figueiras, pertencentes às seções Americana e Pharmacosycea (Berg
1989). No Brasil são conhecidas aproximadamente
60 espécies (Carauta 1989). O gênero é caracterizado
por uma inflorescência globosa denominada sicônio
(ou figo), no interior da qual as flores estão inseridas
(Fig. 13.2 A).
Aproximadamente metade das espécies de Ficus
é monoica, com flores pistiladas e estaminadas no
mesmo figo. As demais são estruturalmente ginodioicas, mas funcionalmente dioicas (Kjellberg et
al. 2005). As flores pistiladas nas espécies monoicas
são arranjadas de forma mais compacta dentro do
sicônio, ficando os ovários dispostos em camadas.
Como os estigmas das flores ficam mais ou menos
no mesmo nível na cavidade do sicônio, as flores com
ovários mais próximos à parede do figo apresentam
estiletes longos e as mais próximas da cavidade do
sicônio possuem estiletes mais curtos. Nas espécies
funcionalmente dioicas, o arranjo das flores é menos
complexo, formando uma única camada de flores
(Basso-Alves.J.P. et al. 2013).
O mecanismo da polinização varia um pouco
entre espécies monoicas e dioicas, mas apresenta
características básicas em comum. Nas espécies
monoicas, fêmeas polinizadoras, fecundadas e carregadas de pólen, são atraídas por substâncias voláteis
liberadas por sicônios receptivos (Grison-Pigé et al.
2002). As vespas adentram a inflorescência através
de uma abertura denominada ostíolo, polinizam as
flores pistiladas e depositam ovos preferencialmente
nos ovários das flores de estilete curto, inserindo
o ovipositor através do estilete floral. As flores que
recebem ovos formam galhas, nas quais a prole de
vespas se desenvolve no lugar dos frutos. Os frutos,
por sua vez, são geralmente produzidos pelas flores
de estiletes mais longos. Algumas semanas depois,
pouco antes do amadurecimento do sicônio, a prole
de vespas completa seu desenvolvimento. Os primeiros a emergir são os machos, que são ápteros e
têm suas atividades restritas ao interior do sicônio.
Os machos localizam e copulam as fêmeas, que
ainda estão em suas galhas. As fêmeas fecundadas
emergem, coletam o pólen (em algumas espécies,
as fêmeas não coletam o pólen, transportando-o
passivamente sobre o corpo) e abandonam o sicônio
em busca de uma árvore com sicônios receptivos
(Galil & Eisikowitch 1968). Posteriormente, os
sicônios completam seu amadurecimento, tornando-se atrativos para várias espécies de vertebrados
frugívoros que atuam como dispersores (Shanahan
et al. 2001).
Figura 13.2 Biologia reprodutiva e relações filogenéticas em Ficus. (A) - corte longitudinal de um sicônio de F. benguetensis Merr.,
mostrando as flores pistiladas, o sinestigma (se) e o ostíolo (os). (B) - fêmea polinizadora ativa de F. pertusa L. f. (seção Americana);
em destaque o bolso torácico preenchido de pólen. (C) - perna posterior da polinizadora ativa de F. pertusa à esquerda, com cerdas
na coxa (seta); perna posterior da polinizadora passiva de F. maxima Mill. (seção Pharmacosycea) à direita, sem cerdas na coxa
(seta). (D) - vespa polinizadora de F. luschnathiana (Miq.) Miq. (seção Americana) com o ovipositor inserido pelo estigma da flor
(seta). (E) - detalhe da cavidade de um sicônio de F. adhatodifolia Schott ex Spreng. polinizado passivamente, mostrando flores de
estilete mais longo (el) e flores de estilete mais curto (ec). (F) - filogenia molecular de Ficus incluindo representantes de todas os
subgêneros e seções. O tamanho da base dos triângulos é proporcional ao número de espécies no grupo representado (modificado
de Cruaud et al. 2012). Crédito das fotos: A, D, E – Finn Kjellberg; B, C – Alison G. Nazareno.
Rodrigo Augusto Santinelo Pereira ⁞
303
A
B
C
D
E
F
304 ⁞ Polinização por vespas
As espécies funcionalmente dioicas apresentam
plantas cujos figos contêm apenas flores pistiladas
(planta funcionalmente feminina). Ao entrar em
um figo deste tipo, a vespa deposita o pólen (ativa
ou passivamente, dependendo da espécie), mas não
consegue depositar seus ovos, uma vez que essas
flores possuem estiletes muito longos que impedem
o acesso do ovipositor ao local adequado no ovário.
Desse modo, as flores nos sicônios das plantas femininas são polinizadas por engano, pois as vespas são
atraídas pela sinalização falsa de recurso. A produção
de pólen, por sua vez, é realizada nas plantas funcionalmente masculinas que têm figos com os dois tipos
de flores (pistiladas e estaminadas). Essas plantas,
embora hermafroditas, só desempenham a função
de produção de pólen, pois suas flores não produzem sementes. Os estiletes são curtos, permitindo a
deposição de ovos nos ovários de todas as flores. O
final do desenvolvimento da prole de vespas coincide
com o amadurecimento das flores estaminadas (do
modo descrito para as espécies monoicas), fazendo
com que as vespas recém-emergidas transportem o
pólen até outras plantas. Vale notar que parte dessas
vespas encontrará árvores masculinas e terá sucesso
em procriar; outra parte, no entanto, irá encontrar
plantas femininas, nas quais realizará apenas polinização (Weiblen et al. 2001).
A dispersão do pólen pelas vespas de figo é uma
etapa crítica da interação, pois a fase adulta desses
insetos dura aproximadamente um dia (Kjellberg et
al. 1988). Apesar dessa limitação temporal, as vespas
polinizadoras conseguem dispersar o pólen a distâncias bastante longas para os padrões das plantas
polinizadas por insetos. De fato, dados moleculares
estimam que a vespa polinizadora de Ficus sycomorus
L. pode viajar até 160 km e polinizar flores de outra
figueira da mesma espécie (Ahmed et al. 2009). Essa
distância excepcional é atingida por um mecanismo
de dispersão mediado pelo vento. As vespas são carregadas a longa distância pelo vento acima da copa
da floresta. Ao detectar a fragrância floral específica
de sua figueira hospedeira, a vespa voa ativamente
em direção à árvore com figos receptivos e realiza a
polinização (Compton et al. 2000; Harrison 2003).
Desta forma, as figueiras evoluíram uma inovação
singular de dispersão do pólen, combinando o transporte pelo vento e a quimiotaxia das vespas para
superar as limitações da baixa densidade populacional
na reprodução sexual.
A maioria das espécies de vespas de figo poliniza
ativamente as flores, como resultado de uma combinação de adaptações morfológicas e comportamentais
(Kjellberg et al. 2001). As vespas polinizadoras ativas possuem estruturas no tórax em forma de bolso
que têm a função de armazenar o pólen coletado
ativamente das anteras. Essas vespas possuem ainda
cerdas em formato de pente nas coxas posteriores que
são usadas para manipular o pólen no processo de
coleta (Figs. 13.2 B,C). Ao entrar em um figo com
flores receptivas, as polinizadoras usam as pernas
posteriores para retirar o pólen dos bolsos torácicos e
depositá-lo sobre os estigmas florais. Na sequência, a
vespa insere o ovipositor através do estilete (Fig. 13.2
D) e deposita um ovo no ovário da flor (Kjellberg et
al. 2001). A polinizadora geralmente deposita ovos
nas flores que polinizou, fazendo com que se desenvolvam em galhas. A produção de sementes nas
figueiras monoicas, por sua vez, ocorre em flores de
estiletes mais longos, nas quais a vespa evita depositar
ovos (Anstett 2001), ou nas flores próximas, devido
ao comportamento dos tubos polínicos que, no decorrer do seu crescimento, atingem flores vizinhas
(Jousselin & Kjellberg 2001). Este comportamento
é facilitado pelo arranjo espacial dos estigmas nos
sicônios polinizados ativamente, que formam uma
plataforma mais ou menos coesa (sinestigma). Assim,
Rodrigo Augusto Santinelo Pereira ⁞
sugere-se que o sinestigma evoluiu pela pressão do
comportamento de oviposição das vespas polinizadoras ativas (Jousselin & Kjellberg 2001).
Cerca de um terço das espécies de vespas de
figo, no entanto, polinizam as flores passivamente,
não apresentando tais adaptações morfológicas e
comportamentais (Fig. 13.2 C). O número de flores estaminadas é maior nas espécies polinizadas
passivamente, fazendo com que o pólen se espalhe
por todo o interior do sicônio e recubra o corpo das
vespas ao emergirem de suas galhas. Essa diferença é
percebida na razão antera:óvulo dos sicônios, sendo
em média 0,6 nas espécies de polinização passiva e
0,08 nas espécies de polinização ativa (Kjellberg et
al. 2001). A produção de vespas e sementes nos sicônios de espécies monoicas polinizadas passivamente
é determinada pela especialização morfológica dos
estiletes e estigmas das flores, como ocorre em espécies da seção Pharmacosycea (Jousselin et al. 2004).
As flores de estilete mais curto, cujos ovários ficam
mais próximos ao lúmen do sicônio, têm estigma
plano e são preferencialmente usadas pelas vespas
para deposição de ovos, ao passo que as flores de
estilete mais longo (ovários mais próximos à parede
do figo) são preferencialmente polinizadas e mais
especializadas na produção de sementes. Essas flores
apresentam estigma bifurcado, com ramos alongados que se projetam como pincel no interior do figo
(Fig. 13.2 E), facilitando a transferência passiva do
pólen do corpo da vespa para a superfície estigmática
(Jousselin et al. 2004).
Local para oviposição é, em muitos casos, um
recurso de custo relativamente elevado para a planta, principalmente em Ficus e Yucca, cujas plantas
oferecem ovários para o desenvolvimento da prole
do polinizador (Dufaÿ & Anstett 2003). O custo
para a planta nesses sistemas afeta mais diretamente seu sucesso reprodutivo, pois o desenvolvimento
305
da prole do polinizador ocorre às custas de ovários
que potencialmente gerariam sementes. Quanto ao
polinizador, seu custo na interação pode ser alto, se
envolver investimento em comportamentos especializados, tal qual nas polinizadoras ativas. Questiona-se
como o comportamento ativo de polinização evoluiu e se mantém na maioria das espécies de vespas
de figo, uma vez que a polinização passiva não envolveria custos relacionados à coleta e deposição de
pólen. A resposta está provavelmente na qualidade
do recurso para desenvolvimento da prole. Estudos
experimentais em figueiras polinizadas ativamente
demonstraram que a mortalidade larval das vespas
é maior em sicônios não polinizados (Jousselin et al.
2003a; Tarachai et al. 2008).
Um estudo do desenvolvimento da larva e da
galha de uma espécie polinizada ativamente (Ficus
citrifolia Mill.) revelou o mecanismo que favorece o
desenvolvimento larval do polinizador Pegoscapus sp.
em flores polinizadas (Jansen-Gonzalez et al. 2012).
Ao longo do desenvolvimento da galha a larva de
Pegoscapus sp. apresenta duas estratégias alimentares
contrastantes. As larvas, nos dois primeiros estágios
de desenvolvimento, comportam-se como parasitas
do ovário da flor, permanecendo próximos ao local de
deposição do ovo (perto da entrada do canal estilar),
alimentando-se do nucelo. Na transição do segundo
para o terceiro estádio, a larva migra para a região
micropilar, onde o embrião da planta estava localizado, e passa a se alimentar do endosperma hipertrofiado. Nessa fase, o embrião da planta desaparece,
sendo provavelmente consumido pela larva. Assim,
larvas de vespas que polinizam ativamente parecem
depender da embriogênese da planta, em particular
do endosperma resultante da fertilização. Isso explicaria por que a polinização seria pré-requisito para
a produção de galhas de alta qualidade nutricional
(Jansen-Gonzalez et al. 2012).
306 ⁞ Polinização por vespas
Além da discussão sobre os custos e benefícios dos
mecanismos ativo e passivo de polinização, a própria
evolução e manutenção do mutualismo Ficus-vespa
tem sido assunto de debate pelos biólogos. O desenvolvimento de técnicas de reconstrução filogenética
baseadas em dados moleculares no final do século
XX possibilitou a investigação formal dos processos
evolutivos nesse mutualismo, especificamente na
tentativa de responder se a interação Ficus-vespas polinizadoras surgiu por meio de processos coevolutivos
(Lopez-Vaamonde et al. 2001; Machado et al. 2001;
Jousselin et al. 2003b; Weiblen 2004). A comparação
de filogenias de espécies de Ficus e de suas vespas polinizadoras revelou algumas incongruências em ramos
terminais e no tempo de divergência nos dois grupos,
não apoiando, assim, a hipótese de coevolução sensu
stricto. No entanto, em nível mais amplo, existe boa
correspondência na divergência dos gêneros de vespas
polinizadoras e seções ou subseções de Ficus, sugerindo que planta e inseto codiversificaram (Cruaud
et al. 2012) (Fig. 13.2 F). De fato, cada seção de Ficus
é, em geral, polinizada por um gênero particular de
Agaonidae (Fig. 13.2 F). Evidências múltiplas (biogeografia, padrões de diversificação e registros fósseis)
apontam que as figueiras e as vespas de figo tiveram
origem na Eurásia há aproximadamente 75 milhões
de anos e, posteriormente, dispersaram-se e codiversificaram em outros continentes, representando assim o
único caso conhecido de codiversificação a longo prazo
em uma interação planta-inseto (Cruaud et al. 2012).
A diversificação das figueiras hemiepífitas (subgênero
Urostigma) ilustra bem o cenário de codiversificação do
gênero. O ancestral das figueiras hemiepífitas surgiu
provavelmente há 50 milhões de anos durante um
período de aquecimento global. Um clado, provavelmente ocorrendo na Eurásia, dispersou-se para a Índia
e o sudeste asiático, originando a seção Conosycea, e
para a Australásia para formar a seção Malvanthera
há aproximadamente 50-43 milhões de anos. Outro
clado teria se dispersado para a África, originando a
seção Galoglychia, e para a América do Sul, formando
a seção Americana, há cerca de 38-32 milhões de
anos. Atualmente cada continente tropical tem sua
própria radiação de figueiras hemiepífitas (Cruaud
et al. 2012). A codiversificação no mutualismo planta-inseto abriu novas oportunidades evolutivas, influenciando outros grupos de organismos, tornando
importante o papel das figueiras no funcionamento
de ecossistemas tropicais, por fornecerem alimento e
abrigo a quase todas as classes de animais terrestres
(por exemplo, aves, mamíferos, répteis, insetos, ácaros
e nematoides).
Conclusão
As vespas se destacam por participar de uma grande diversidade de mecanismos de polinização, desempenhando um papel importante na reprodução
de muitas espécies de plantas. Para fins didáticos, as
vespas polinizadoras podem ser classificadas em polinizadores generalistas, polinizadores especializados
em plantas sem recursos (polinização por engodo) e
polinizadores especializados em plantas com recursos.
As recompensas ao polinizador, quando ofertadas, são
o néctar para alimentação do inseto adulto, o néctar
e pólen para alimentação da prole (vespas de pólen)
ou o local para desenvolvimento da prole (vespas de
figo). Nos sistemas de polinização mais especializados,
as plantas parecem explorar a capacidade olfativa bem
desenvolvida nas vespas, por meio de fragrâncias florais
atrativas à longa distância. A polinização das figueiras
por vespas Agaonidae representa um caso extremo de
codiversificação planta-polinizador, a qual teve origem
há aproximadamente 75 milhões de anos na Eurásia.
Essa interação apresenta uma inovação singular de
dispersão do pólen (transporte pelo vento + quimiotaxia das vespas), que certamente abriu oportunidades
Rodrigo Augusto Santinelo Pereira ⁞
evolutivas, fazendo com que as figueiras se dispersassem
excepcionalmente por todos os continentes.
Agradecimentos
Agradeço Laura Chavarria pelas discussões sobre
vespas sociais; a Simone P. Teixeira, pela revisão da
linguagem do manuscrito; a Alison G. Nazareno
e Finn Kjellberg, pelas fotografias cedidas; e ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), pelo auxílio financeiro
(#303590/2011-4).
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Foto: Carlos Eduardo Pereira Nunes
*
Capítulo 14
*
Polinização por vertebrados
Erich Fischer1, Andréa Cardoso de Araujo1 e Fernando Gonçalves2
1
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – CEP: 79070-900 – Campo Grande-MS
– Brasil. e-mail: erich.fischer@ufms.br
2
Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – CEP: 79070-900 –
Campo Grande-MS – Brasil.
A
polinização por animais vertebrados ocorre principalmente nas regiões tropicais. Apresentamos aqui
uma síntese acerca dos vertebrados visitantes de flores e das plantas polinizadas por eles, focada nos
principais grupos taxonômicos. Animais vertebrados antófilos e plantas adaptadas à polinização por vertebrados apresentaram grande diversificação depois da metade do Mioceno. Aves e morcegos são destacadamente
os polinizadores mais comuns, ao passo que mamíferos não voadores e lagartos podem ser polinizadores
importantes em situações excepcionais, como em ilhas, para determinados grupos de plantas. A visitação de
flores por meio de voo pairado é um fenômeno tipicamente neotropical, comum entre beija-flores e morcegos
glossofagíneos, enquanto a visitação de flores por vertebrados que se apoiam sobre as flores ou ramos é um
fenômeno pantropical. Adicionalmente, alguns marsupiais, roedores e lagartos visitam flores a partir do chão.
Vertebrados essencialmente nectarívoros são geralmente pequenos e forrageiam solitariamente em rotas entre
plantas que abrem poucas flores por dia. Vertebrados antófilos relativamente grandes consomem pólen e outros
recursos florais com mais frequência e visitam, geralmente em grupos, plantas com grande quantidade de
flores por dia. A nectarivoria é mais comum entre espécies de vertebrados voadores que, por sua vez, parecem
ser mais promissores como polinizadores do que animais não voadores. Dado o potencial para fluxo polínico
de longa distância vertebrados são polinizadores muito importantes, especialmente em ambientes tropicais.
312 ⁞ Polinização por vertebrados
Introdução
Aves, mamíferos e répteis compreendem espécies de
vertebrados que buscam recursos florais (antófilos)
e podem atuar como polinizadores de milhares de
angiospermas em todo o mundo. Aves e morcegos são
os principais polinizadores, reportados para sessenta
e cinco e sessenta e sete famílias de angiospermas,
respectivamente (Cronk & Ojeda 2008; Fleming et
al. 2009). No Brasil, Buzato et al. (2012) compilaram trezentas e trinta e oito espécies de vertebrados,
pertencentes a cento e trinta e cinco gêneros e vinte e cinco famílias, que efetiva ou potencialmente
polinizam flores. A diversificação dos vertebrados
antófilos ocorreu principalmente depois do Eoceno
(56 a 34 milhões de anos atrás), embora a origem
dos vertebrados polinizadores possa ser mais antiga.
Primatas e marsupiais podem ter sido polinizadores importantes para determinadas plantas desde o
Cretáceo (144 a 66 milhões de anos atrás), e depois
teriam sido sobrepujados pelas aves e morcegos nectarívoros, que apresentaram ampla diversificação no
Cenozoico (66 milhões de anos atrás até o presente)
(Sussman & Raven 1978; Turner 1982; Kress et al.
1994; Proctor et al. 1996; Cronk & Ojeda 2008).
As características morfológicas, sensoriais e fisiológicas dos polinizadores estão relacionadas às
características das flores, que apresentam um conjunto
de adaptações chamadas “síndromes de polinização”
por Faegri & van der Pijl (1971) (ver Introdução Seção
3). Entretanto, a mudança de poucas ou de uma só
característica floral pode ser suficiente para levar
à mudança de polinizador. As flores atuais foram
selecionadas ao longo da história evolutiva de suas
linhagens, que sofreram pressões seletivas de conjuntos variáveis de animais antófilos ao largo de suas
distribuições geográficas, portanto, embora possamos
identificar padrões, a maioria das angiospermas não
apresenta flores fortemente especializadas quanto
ao tipo de polinizador nem todas as características
das flores se encaixam em apenas uma síndrome
(cf. Faegri & van der Pijl 1971). Mesmo assim, com
base em algumas características chave das flores, que
variam entre linhagens de plantas, é possível inferir
com boa chance de acerto os tipos de vertebrados
polinizadores esperados para grande parte das angiospermas (Ollerton et al. 2009; Johnson 2013).
A maioria dos estudos mostra que mamíferos não
voadores compartilham flores com aves ou morcegos
e que as plantas atuais adaptadas à polinização por
mamíferos não voadores (terofilia) estão geralmente
restritas a regiões onde polinizadores voadores são
raros ou ausentes (Armstrong 1979; Hopkins 1984;
Gribel 1988; Tandon et al. 2003). Características
florais adaptadas à polinização por aves (ornitofilia)
ou morcegos (quiropterofilia) podem conferir pré-adaptação para a polinização por outros vertebrados, o
que torna algumas espécies ambivalentes quanto ao
tipo de polinizador (Armstrong 1979; Gribel 1988;
Proctor et al. 1996; Tschapka & Helversen 1999).
Entretanto, mais estudos que abordem a eficiência
de polinização de diferentes visitantes (Goldingay
et al. 1991; Longo & Fischer 2006; Gomes et al.
2013; Rocca & Sazima 2013) são necessários para
generalizações mais acertadas quanto ao papel de
vertebrados não voadores.
Neste capítulo apresentamos uma síntese global
dos grupos de vertebrados antófilos e das plantas
polinizadas por vertebrados, com ênfase para a região
neotropical. Descrevemos os principais padrões geográficos e evolutivos das interações entre vertebrados
polinizadores e plantas e apontamos referência para
alguns casos excepcionais. Abordamos inicialmente os
vertebrados antófilos e, depois, as características das
plantas cujas flores são polinizadas por vertebrados.
Ao final apresentamos uma síntese de alguns fatores
Erich Fischer
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que podem moldar os padrões conhecidos sobre a
polinização por animais vertebrados.
As aves antófilas
As aves são os principais vertebrados polinizadores,
abrangem mais de cinquenta famílias e estão ausentes apenas na Europa (Proctor et al. 1996). No
Brasil, duzentas e trinta e quatro espécies podem
atuar como polinizadores (Buzato et al. 2012). Aves
insetívoras que buscavam presas ou água na folhagem
provavelmente deram origem às espécies antófilas,
característica que evoluiu muitas vezes em diferentes
grupos (Proctor et al. 1996). A maioria das aves polinizadoras é pequena, nectarívora e apresenta bico
afilado e língua alongada para sucção de néctar em
flores tubulares. Por outro lado, aves antófilas maiores
que apresentam outras formas de bico e língua geralmente buscam outros recursos como pólen, óleo ou
corpos nutritivos gelatinosos (Fig. 14.1) (Brown &
Hopkins 1995; Maués & Venturieri 1996; Vicentini
& Fischer 1999; Sazima et al. 2001).
Beija-flores (Trochilidae) representam as aves
mais especializadas em visitar flores. São mais de
trezentas e trinta espécies em duas subfamílias,
Phaethornithinae e Trochilinae, todas nectarívoras
e distribuídas da Patagônia ao Alasca (Stiles 1981;
Dickinson 2003). No Brasil são conhecidas oitenta
e seis espécies, vinte e sete fetornitíneos e cinquenta e nove troquilíneos (Piacentini 2011; Buzato et
al. 2012). A origem dos beija-flores provavelmente
ocorreu na América do Sul durante o Mioceno (23 a
5 milhões de anos atrás) (McGuire et al. 2007), entretanto fósseis encontrados na Alemanha sustentam
a origem na Europa durante o Oligoceno (34 a 23
milhões de anos atrás), com a extinção posterior nessa
região (Mayr 2004; Fleming & Muchhala 2008). Os
beija-flores são aves extremamente pequenas (maioria
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Fernando Gonçalves ⁞
313
entre 3-10 g) e ágeis que realizam visitas solitárias por
meio de voo pairado, comportamento que contrasta
com outras aves antófilas (Westerkamp 1990; Rocca
& Sazima 2010). Fetornitíneos geralmente forrageiam
em rotas de visitação a flores esparsas; os maiores
visitam flores de alto valor energético e podem ser
polinizadores exclusivos de determinadas espécies
(Feinsinger & Colwell 1978; Feinsinger 1983; Gill
1988; Araujo et al. 1994; Sazima et al. 1995; Fischer
& Leal 2006). Muitas vezes, visitam flores em intervalos regulares que permitem reposição máxima
do volume de néctar entre as visitas (Fischer & Leal
2006; Machado et al. 2007). Os fetornitíneos menores
geralmente visitam flores de valor energético mais
baixo (Buzato et al. 2000; Lopes et al. 2002). Beijaflores troquilíneos podem ser territoriais (geralmente
os maiores) sobre agrupamentos de flores, forragear
em rotas de baixa recompensa ou atuar como “parasitas de territórios” – invasores de territórios de
outros beija-flores (Bittrich & Amaral 1996; Araujo
& Sazima 2003; Longo & Fischer 2006; Machado
& Semir 2006; Arruda et al. 2007; Machado et al.
2007; Rocca & Sazima 2013). Por um lado, o comportamento territorial pode restringir o fluxo de pólen
entre plantas, de modo que troquilíneos territoriais
podem ser polinizadores pouco eficientes (Longo &
Fischer 2006). Por outro lado, a territorialidade pode
causar aumento de deslocamentos por beija-flores
parasitas de território e assim favorecer indiretamente
o fluxo de pólen entre plantas, porém esse possível
efeito não tem sido muito estudado. Beija-flores,
principalmente troquilíneos, também visitam flores
adaptadas à polinização por abelhas, morcegos ou
aves de outras famílias, aparentemente em maior
frequência em ambientes perturbados ou xéricos do
que em florestas antigas e úmidas (Sazima et al. 1993;
Vicentini & Fischer 1999; Araujo & Sazima 2003;
Freitas et al. 2006; Machado et al. 2007; Rodrigues
& Araujo 2011).
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Figura 14.1 (A) Inflorescência de Combretum lanceolatum (Combretaceae) oferece poleiro e néctar gelatinoso às aves polinizadoras.
(B) Flor de Platonia insignis (Clusiaceae) polinizada por aves que buscam néctar e mistura de óleo e pólen. (C) Flor de P. insignis
com pétalas manualmente removidas. (D) Flor de Quesnelia humilis (Bromeliaceae) polinizada por beija-flores fetornitíneos. (E)
Visita de fetornitíneo, Ramphodon naevius, à Nematanthus fritschii (Gesneriaceae). Linhas de escala: A = 4 cm; B-E = 2 cm. Fotos:
Alberto Vicentini (B e C), Erich Fischer (A e D) e Silvana Buzato (E).
Outras aves antófilas americanas são principalmente passeriformes, destacadamente Thraupidae e
Icteridae, mas também psitaciformes, piciformes, columbiformes e charadriiformes (Maués & Venturieri
1996; Proctor et al. 1996; Rocca & Sazima 2010;
Buzato et al. 2012). Essas ordens de aves tiveram
origem no Cretáceo e ampla diversificação durante
o Cenozoico; a origem dos traupídeos e icterídeos é
estimada no médio Mioceno (Pacheco et al. 2011;
Barker et al. 2013). Esse conjunto de aves antófilas
americanas contrasta com os beija-flores por visitarem
flores enquanto empoleiradas em inflorescências ou
ramos. Muitas vezes, essas aves consomem recursos
florais em plantas polinizadas por outros animais
(Stiles 1981; Proctor et al. 1996), mas também podem
atuar como polinizadores importantes, geralmente de
flores expostas em locais abertos ou dossel de florestas
(Sazima et al. 1993; Gill et al. 1996; Cotton 2001;
Ragusa-Netto 2002; Rocca & Sazima 2008; 2010).
Nos paleotrópicos as flores ornitófilas são associadas a aves que tipicamente empoleiram ao visitar
flores (Westerkamp 1990; Rocca & Sazima 2010). Na
África, as principais aves antófilas são Nectariniidae
e Zosteropidae, polinizadoras de aproximadamente
cento e cinquenta espécies de plantas. Na Austrália,
Nova Guiné e sul da Ásia, Meliphagidae poliniza
cento e setenta e seis espécies de plantas, ao passo que
Nectariniidae, Zosteropidae e Psittacidae polinizam
duzentas e quinze (Brown & Hopkins 1995; Fleming
& Muchhala 2008). Nectariniídeos e melifagídeos
estão entre as aves nectarívoras mais especializadas
do Velho Mundo, apresentam bicos afilados e são
geralmente pequenas (10-27 g). Os psitacídeos antófilos são maiores (26-34 g), apresentam bicos largos
e recurvados e consomem substancialmente pólen
(Endress 1994; Brown & Hopkins 1995; Juniper &
Parr 1998). Psitacídeos antófilos paleotropicais possuem
língua com papilas em forma de pincel, o que facilita
o consumo de pólen e néctar, característica ausente
entre psitacídeos neotropicais. Grande parte das aves
antófilas paleotropicais realiza visitas em pares ou
grupos maiores, porém os melifagídeos maiores podem
estabelecer territórios e os menores podem atuar como
parasitas de territórios (McFarland 1986), assim como
observado entre os beija-flores nos neotrópicos.
Os morcegos antófilos
Os morcegos antófilos evoluíram independentemente em duas famílias geograficamente separadas,
Phyllostomidae (Microchiroptera) nos neotrópicos
e Pteropodidae (Megachiroptera) nos paleotrópicos.
A origem é imprecisa, mas a grande diversificação
desses morcegos ocorreu a partir do médio Mioceno.
A nectarivoria evoluiu mais de uma vez entre os
filostomídeos e pteropodídeos (Koopman 1981;
Giannini & Simmons 2003; Datzmann et al. 2010).
Duas subfamílias, Glossophaginae (Phyllostomidae)
e Macroglossinae (Pteropodidae), compreendem as
espécies consideradas especialistas em consumir
néctar. Esses morcegos são pequenos, apresentam
focinho longo e afilado e língua extensível e fina.
Os glossofagíneos (6-30 g) incluem as espécies mais
adaptadas à nectarivoria e realizam visitas tipicamente
316 ⁞ Polinização por vertebrados
por meio de voo pairado (Fig. 14.2), enquanto outros
morcegos neotropicais ou paleotropicais geralmente agarram-se às flores ou ramos durante as visitas
(Start & Marshall 1976; Fleming 1982; Hopkins
1984; Hopkins & Hopkins 1993; Gibbs et al. 1999;
Machado & Vogel 2004).
Outros filostomídeos também são polinizadores
conhecidos, destacadamente Phyllostomus discolor
Wagner, 1843 (30-40 g) e P. hastatus Pallas, 1767
(70-110 g) (subfamília Phyllostominae). Essas espécies são os principais polinizadores de algumas
espécies arbóreas ou arbustivas, ou vetores adicionais
em plantas polinizadas por glossofagíneos (Carvalho
1960; Hopkins 1984; Fischer 1992; Gribel & Hay
1993; Gribel et al. 1999; Gribel & Gibbs 2002).
Apenas glossofagíneos e Phyllostomus spp. têm sido
reportados como polinizadores principais de plantas
quiropterófilas neotropicais, ao passo que morcegos
das subfamílias Carollinae, Stenodermatinae e outros
Phyllostominae têm sido considerados secundários.
Assim como a maioria dos beija-flores fetornitíneos,
os glossofagíneos apresentam grande demanda diária
por néctar e geralmente forrageiam solitariamente em
rotas de visitação a flores esparsas, mas também em
duplas, ou podem exibir territorialidade em agrupamentos de flores (Howell 1979; Fleming 1982;
Helversen & Reyer 1984; Lemke 1984). Phyllostomus
discolor visita plantas com oferta copiosa de néctar em
grupos de vários indivíduos, mas também em duplas
ou solitariamente em situações de baixa concentração
de flores (Sazima & Sazima 1977; Hopkins 1984;
Fischer 1992; Gribel et al. 1999). Visitas em grupos são vantajosas aos morcegos ou aves em plantas
esparsas com grande quantidade de flores, pois os
indivíduos podem visitar flores diferentes em intervalos coordenados para reposição de néctar, evitando
encontrar uma planta recém-visitada. Do ponto de
vista dessas plantas, a visitação por grupos reduz a
quantidade de flores visitadas por um mesmo animal, podendo, assim, ampliar o fluxo de pólen entre
coespecíficas (Howell 1979; Fleming 1982; Bittrich
& Amaral 1996; Vicentini & Fischer 1999).
Geralmente apenas os morcegos que tendem
a explorar néctar têm sido considerados potencial
ou efetivamente polinizadores (Buzato et al. 2012),
entretanto visitas a flores por morcegos predominantemente insetívoros/carnívoros podem ocorrer
associadas ao consumo de pólen, recurso rico em
proteínas e lipídios (Mancina & Gerardo-Herrera
2010). O pólen como principal recurso floral explorado por morcegos antófilos é evidente no caso de
P. hastatus, polinizador exclusivo de Pseudobombax
munguba (Mart. & Zucc.) Dugand (Malvaceae) em
floresta de igapó na Amazônia, planta cujas flores
oferecem unicamente pólen (Fig. 14.2 C) (Gribel &
Gibbs 2002). Phyllostomus hastatus é o maior morcego
neotropical reportado como polinizador principal de
uma planta, embora seja predominantemente predador de insetos e pequenos vertebrados. Outras espécies de filostomídeos insetívoros/carnívoros também
Figura 14. 2 (A) Copa (15 m de diâmetro) de Parkia pendula (Fabaceae) no dossel da Amazônia com inúmeros capítulos pendulares em diferentes estádios. (B) Visita do glossofagíneo Glossophaga soricina à flor de Psittachantus corynocephalus (Loranthaceae).
(C) Flor de pólen de Pseudobombax munguba (Malvaceae) ao final da antese, início da manhã. (D-E) Inflorescências pendulares
de Couepia longipendula (Chrysobalanaceae) visitadas por G. soricina, respectivamente, em voo e agarrado (comportamento atípico, favorecido pelo tipo de inflorescência e néctar farto). (F) Flor de Eperua duckeana (Fabaceae) polinizada por glossofagíneos
e protegida por formigas contra visitantes que pousam. Linhas de escala = 5 cm. Fotos: Erich Fischer (A, C-F) e Paulo Robson
de Souza (B).
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318 ⁞ Polinização por vertebrados
podem consumir pólen, como Chrotopterus auritus
(Peters, 1856), Lophostoma silvicolum d’Orbigny, 1836
e L. brasiliense Peters, 1866; assim como espécies
essencialmente insetívoras de outras famílias, como
Noctilio albiventris Demarest, 1818 (Noctilionidae) e
Molossops temminckii (Burmeister, 1854) (Molossidae)
(Gonçalves et al. 2007; Cunha et al. 2009; Munin et
al. 2012). Visitas a flores por morcegos neotropicais
insetívoros/carnívoros podem ser mais comuns do que
o esperado, principalmente em ambientes perturbados
ou regiões de seca prolongada onde há irregularidade
da oferta de presas (Munin et al. 2012).
Os pteropodídeos, única família da subordem
Megachiroptera, são originalmente herbívoros, predominantemente frugívoros e raramente consomem
itens animais (Kitchener et al. 1990; Ferrarezzi &
Gimenez 1996). Exceto por uma espécie, não apresentam habilidade de ecolocalização como os microquirópteros, e muitos apresentam hábito diurno ou
crepuscular. Os morcegos da subfamília Pteropodinae
são primariamente frugívoros, embora consumam
néctar e pólen (Ferrarezzi & Gimenez 1996), enquanto morcegos da subfamília Macroglossinae são
essencialmente nectarívoros e principais polinizadores de flores quiropterófilas paleotropicais (Start
& Marshall 1976; Armstrong 1979; Hopkins &
Hopkins 1993; Proctor et al. 1996). Os macroglossíneos forrageiam principalmente entre o final da tarde
e as primeiras horas da noite, mas também podem
visitar flores ao longo de toda a noite. Macroglossus
spp. (15-25 g) visitam flores solitariamente em fontes próximas ao abrigo, ao passo que Eonycteris spp.
(40-65 g) forrageiam em grupos de cinco a vinte
indivíduos e percorrem longas distâncias (~ 38 km)
entre fontes (Start & Marshall 1976). Macroglossus
spp. são semelhantes aos glossofagíneos, e Eonycteris
spp., às espécies de Phyllostomus, quanto ao tamanho
e comportamento de visitas às flores.
Outros vertebrados antófilos
A especialização em consumir recursos florais é um
fenômeno raro entre os mamíferos não voadores,
reconhecido apenas para um dos menores marsupiais endêmicos da Austrália – Tarsipes rostratus
Gervais & Verreaux, 1842 (7-15 g), única espécie
de Tarsipedidae, linhagem antiga de marsupiais
extintos (Wooller et al. 1993). Embora marsupiais
antófilos possivelmente remontem ao Cretáceo,
a origem de T. rostratus é estimada no início do
Mioceno (Turner 1982; Armstrong 1979; Proctor
e al. 1996). Tarsipes rostratus é noturno e solitário,
apresenta focinho extremamente afilado e língua
extensível e longa com papilas em forma de pincel.
Adicionalmente, outros marsupiais onívoros paleotropicais (Dasyuridae, Burramyidae e Petauridae)
polinizam flores de Proteaceae e Myrtaceae. Nos
neotrópicos, os principais marsupiais antófilos são
Caluromys spp. (200-400 g) e Didelphis spp. (5003000 g) (Didelphidae) (Gribel et al. 1999; Tschapka
& Helversen 1999; Martins & Gribel 2007), considerados importantes polinizadores de Pseudobombax
tomentosum (Mart.) A. Robyns, 1963 (Malvaceae)
e Mabea fistulifera Mart. (Euphorbiaceae), respectivamente (Gribel 1988; Vieira & Carvalho-Okano
1996).
Embora não sejam especialistas em recursos florais, pequenos roedores (Muridae) (20-130 g) são
polinizadores principais de espécies de Proteaceae, na
África, e de Blakea (Melastomataceae), na América
Central (Lumer & Schoer 1986; Johnson et al.
2001). As menores espécies de primatas, lêmures
Cheirogaleidae (60-500 g), consomem pólen e néctar e atuam como polinizadores principais de espécies de Clusiaceae e Strelitziaceae em Madagascar
(Carpenter 1978; Wiens & Rourke 1978; Goldingay
et al. 1991; Endress 1994; Kress et al. 1994). Outros
Erich Fischer
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roedores (Sciuridae) e primatas (Aotidae, Cebidae,
Callitrichidae e Atelidae), neotropicais ou paleotropicais, incluem pólen e/ou néctar em suas dietas e
podem ser polinizadores eventuais de flores compartilhadas com morcegos ou aves (Peres 1993; Bittrich
& Amaral 1996; Gribel et al. 1999; Tandon et al.
2003). Entre os mamíferos antófilos ocorrem ainda
espécies de Soricidae (Soricomorpha), Viverridae
(Carnivora) e até girafas (Giraffidae, Artiodactyla)
na África; além de Potos flavus Geoffroy St-Hil. &
Cuvier, 1795 (Procyonidae, Carnivora) na região
neotropical (Ford & Hoffmann 1988; du Toit 1990;
Proctor et al. 1996).
Lagartos antófilos são muito raros, geralmente encontrados em ilhas tropicais onde há baixa
abundância de outros tipos de animais antófilos
(Olesen & Valido 2003; Sazima et al. 2009). A
formação de populações insulares densas possivelmente proporcionou força evolutiva para expansão
da dieta de alguns lagartos, originalmente insetívora, em direção à inclusão de néctar e pólen (Eifer
1995; Olesen & Valido 2003). O pequeno cacto
globoso da Caatinga, Melocactus ernestii Vaupel, é
a única espécie continental conhecida polinizada
por lagartos, Tropidurus semitaeniatus Spix 1825
(Tropiduridae), porém suas flores apresentam características ornitófilas e são polinizadas também por
beija-flores (Gomes et al. 2013). No caso de flores
adicionalmente polinizadas por animais voadores,
a visitação por vertebrados não voadores pode levar à redução da atividade de polinizadores mais
eficientes, e assim a um resultado líquido negativo
para as plantas. Essa possibilidade não tem sido
abordada em grande parte dos estudos que reportam animais não voadores como polinizadores
e, portanto, novos estudos com esse enfoque são
necessários para avaliar o papel de vertebrados não
voadores como polinizadores.
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319
As flores polinizadas por
vertebrados
Flores polinizadas por animais vertebrados evoluíram
originalmente de ancestrais polinizadas por borboletas, mariposas, abelhas ou moscas de língua longa
(Proctor et al. 1996). Plantas polinizadas por aves
evoluíram independentemente diversas vezes a partir
de ancestrais polinizadas por abelhas ou borboletas,
ao passo que plantas polinizadas por morcegos evoluíram principalmente a partir de flores polinizadas
por mariposas ou aves (Proctor et al. 1996; Givnish
et al. 2007; Cronk & Ojeda 2008). Essas direções
evolutivas, assim como evolução secundária em sentido inverso, são em parte sustentadas pela presença
de plantas atuais cujas flores são visitadas por aves
e abelhas/borboletas, ou por morcegos e mariposas/
aves (Armstrong 1979; Fischer et al. 1992; Sazima et
al. 1994; Varassin & Sazima 2000; Araujo & Sazima
2003; Araujo et al. 2004; Freitas et al. 2006; Martins
& Gribel 2007). Há casos excepcionais, como o de
Siphocampylus sulfureus E. Wimm. (Lobeliaceae),
adaptada à polinização concomitante por beija-flores e
morcegos (Sazima et al. 1994; veja também Buzato et
al. 1994). Exceto por espécies paleotropicais que podem ter sido polinizadas por marsupiais ou primatas
desde o Cretáceo, as flores polinizadas por vertebrados
não voadores parecem ter sido originadas principalmente a partir de flores ornitófilas ou quiropterófilas
(Lumer & Schoer 1986; Kress et al. 1994; Proctor et
al. 1996; Tandon et al. 2003; Godínez-Álvarez 2004;
Ackermann & Weigend 2006).
Comparativamente às espécies aparentadas polinizadas por invertebrados, as espécies polinizadas
por vertebrados apresentam flores ou inflorescências
maiores e mais robustas, que produzem maior quantidade de néctar e pólen. Essas tendências também
ocorrem em flores quiropterófilas quando comparadas
320 ⁞ Polinização por vertebrados
às ornitófilas, assim como em flores polinizadas por
vertebrados grandes se comparadas àquelas polinizadas por vertebrados pequenos. As flores ornitófilas
são inodoras, apresentam antese diurna e coloração
conspícua, comumente tons de vermelho, laranja e/
ou amarelo (Fig. 14.1); em contraste, as flores quiropterófilas são funcionais durante a noite, exalam
odor forte e geralmente são brancas ou inconspícuas,
palidamente esverdeadas ou amareladas (Fig. 14.2)
(Sazima et al. 1999; Buzato et al. 2000; Varassin et al.
2001; Araujo & Sazima 2003). As flores associadas à
polinização por marsupiais neotropicais apresentam
néctar muito abundante e de fácil acesso em câmaras
rasas com aberturas amplas; essas flores são eretas
ou dispostas em inflorescências pendulares (Gribel
1988; Vieira & Carvalho-Okano 1996; Tschapka &
Helversen 1999). Flores paleotropicais polinizadas
principalmente por marsupiais ou roedores são dispostas em inflorescências robustas, próximas ao chão
ou apontadas para baixo, ou, ainda, dispostas em inflorescências inconspícuas em meio à folhagem. Flores
polinizadas por marsupiais ou roedores murídeos
são noturnas, enquanto as polinizadas por primatas,
esquilos ou lagartos são diurnas (Lumer & Schoer
1986; Kress et al. 1994; Proctor et al. 1996; Tandon
et al. 2003; Godínez-Álvarez 2004; Ackermann &
Weigend 2006). Características de flores adaptadas à
polinização por lagartos (saurofilia) geralmente também estão associadas a outros vetores, como aves ou
abelhas (Dearing & Schall 1992; Pérez-Mellado &
Casas 1997; Traveset & Sáez 1997; Olsson et al. 2000;
Nyhagen et al. 2001; Godínez-Álvarez 2004; Sazima
et al. 2009). Em Erythrina velutina Willd. (Fabaceae)
o néctar muito diluído pode ser importante fonte de
água, além de açúcares, aos lagartos Euprepis atlanticus
(Schmidt, 1945) (Scincidae) que visitam suas flores,
compartilhadas com aves que empoleiram, no arquipélago de Fernando de Noronha (Sazima et al. 2009).
Grande parte das espécies ornitófilas neotropicais
especializadas quanto ao polinizador utilizam beijaflores como vetores, ao passo que plantas ornitófilas
polinizadas por aves que empoleiram tendem a ser generalistas (Sazima et al. 1993; 2001; Maués & Venturieri
1996; Ragusa-Netto 2002), embora ocorram casos
excepcionais como o de Moronobea coccinea Aubl.
(Clusiaceae), cujas flores parecem ser especializadas
para a polinização por periquitos (Vicentini & Fischer
1999). Entre as espécies polinizadas apenas por beijaflores, aquelas especializadas geralmente apresentam
flores zigomorfas, corolas tubulares longas, depositam
pólen em região bem delimitada sobre o corpo dos polinizadores (e.g., bico, topo da cabeça) e abrem poucas
flores por indivíduo por dia (Figs. 14.1 D,E) (Buzato
et al. 2000; Freitas & Sazima 2001; Varassin et al.
2001; Araujo et al. 2004). Por outro lado, flores ornitófilas actinomorfas de corola curta recebem visitas de
diferentes espécies de beija-flores e/ou de outras aves e
abrem muitas flores por dia em inflorescências grandes
(Lopes et al. 2002; Araujo et al. 2004; Arruda et al.
2007; Cronk & Ojeda 2008). As flores neotropicais
polinizadas por aves que pousam são mais robustas
que as polinizadas por beija-flores, sendo geralmente
do tipo pincel orientadas para cima, e a deposição
de pólen pode ocorrer em diferentes locais sobre o
corpo das aves (Maués & Venturieri 1996; Buzato
et al. 2000; Ragusa-Netto 2002; Sazima et al. 2009;
Rocca & Sazima 2010). Adicionalmente, as flores
neotropicais polinizadas por aves que empoleiram
apresentam néctar duas a três vezes mais diluído e
volume uma ordem de magnitude maior, além de
antese mais prolongada, que as flores polinizadas por
beija-flores (Rocca & Sazima 2010). Flores neotropicais
polinizadas principalmente por aves que empoleiram
podem oferecer, além de néctar, corpos alimentares,
gelatina açucarada ou mistura de pólen e óleo (Sérsic
& Cocucci 1996; Vicentini & Fischer 1999; Buzato et
al. 2000; Machado & Lopes 2000; Sazima et al. 2001).
Erich Fischer
♦
As flores neotropicais especializadas em usar morcegos glossofagíneos como polinizadores apresentam
características semelhantes às especializadas em beijaflores, como flores zigomorfas, que depositam pólen
em região específica do corpo dos polinizadores (e.g.,
focinho, ventre), e presença de poucas flores abertas
por noite por indivíduo; essas flores muitas vezes são
tubulares, com abertura maior e comprimento menor
que as ornitófilas, ou do tipo garganta (Sazima et al.
1999; Fleming & Muchhala 2008; mas veja Fischer et
al. 1992). As flores quiropterófilas polinizadas principalmente por Phyllostomus discolor e P. hastatus são
actinomorfas, do tipo pincel ou garganta com muitas
anteras e grande produção de pólen, extremamente
grandes ou reunidas em inflorescências grandes, ou
em capítulos (Parkia spp.), e apresentam câmaras
nectaríferas largas e/ou néctar que se acumulam em
regiões de fácil acesso. A concentração de açúcares
no néctar é semelhante ou pouco mais baixa que a
de flores polinizadas por glossofagíneos, porém o
volume oferecido por flor é uma ordem de magnitude
maior (Hopkins 1984; Gribel & Hay 1993; Gribel et
al. 1999). As flores quiropterófilas de Pseudobombax
munguba são exceção pela ausência de néctar, além
de apresentarem estilete mais robusto e filetes mais
curtos que as flores congenéricas (Fischer et al. 1992;
Gribel & Gibbs 2002).
Fatores associados à interação
entre plantas e vertebrados
antófilos
Os padrões ecológico-evolutivos da polinização por
vertebrados indicam que a nectarivoria é mais comum
entre animais pequenos e voadores, provavelmente
por serem mais eficazes como polinizadores do que
vertebrados não voadores e por serem energeticamente menos dispendiosos para as plantas do que
Andréa Cardoso de Araujo
♦
Fernando Gonçalves ⁞
321
vertebrados grandes. O deslocamento aéreo favorece
substancialmente o acesso a flores distribuídas amplamente na vegetação, ao passo que o deslocamento
terrestre ou sobre a vegetação geralmente implica
menor mobilidade entre plantas coespecíficas. Em
situações de recursos florais concentrados em locais
com escassez de fontes alternativas, é provável que
vertebrados não voadores apresentem fidelidade a
flores e realizem turnos de visitação entre plantas
coespecíficas (Carthew 1994). O tamanho dos indivíduos é provavelmente outro fator determinante
de padrões ecológico-evolutivos da polinização por
vertebrados. O custo para as plantas em prover recursos aos polinizadores é maior quanto maior a massa
dos animais. Além disso, animais maiores podem
ser mais destrutivos e demandam investimento em
inflorescências mais robustas (Proctor et al. 1996).
Por outro lado, aves e morcegos pequenos apresentam
alto metabolismo e demanda relativamente grande
de fontes calóricas, características que aumentam o
potencial para especialização em consumir néctar,
além de serem animais menos destrutivos ao abordarem as flores.
Visitas a flores por meio de voo pairado é um
fenômeno tipicamente neotropical associado às
principais espécies de aves e morcegos nectarívoros,
animais que estão entre os menores vertebrados da
Terra. Esse comportamento constitui um modo ágil
e não destrutivo de abordagem das flores, conferindo
mais sucesso ao sistema de polinização das plantas.
A habilidade de adejar dos beija-flores e morcegos
glossofagíneos é, provavelmente, um dos fatores determinantes da maior especialização e proporção de
espécies de angiospermas ornitófilas e quiropterófilas
nos neotrópicos que nos paleotrópicos (Fleming &
Muchhala 2008). Além de doar e receber pólen com
eficiência, o benefício para as plantas inclui também
aumento da variabilidade genética da prole (Williams
322 ⁞ Polinização por vertebrados
et al. 2001). Espécies com distribuição agregada e populações numerosas, como muitas herbáceas, podem
propiciar aumento do fluxo de pólen por meio da
oferta de poucas flores por indivíduo e pouco néctar
por flor (Machado et al. 1998; Fischer & Leal 2006).
Entretanto, espécies de plantas que apresentam baixa
densidade de indivíduos reprodutivos, como grande
parte das espécies arbóreas e lianas lenhosas de florestas tropicais, geram maior custo de deslocamento para
os polinizadores e demandam maior oferta de flores
por indivíduo e de recursos por flor para viabilizarem
a atração de vertebrados antófilos. Adicionalmente,
para alcançarem níveis mais altos de variabilidade genética da prole, plantas distribuídas em baixa
densidade demandam polinizadores que apresentem
grande área de forrageamento, que, por sua vez, é
uma característica positivamente relacionada ao tamanho dos animais (MacNab 1963; Williams et al.
2001). Portanto plantas grandes tendem a requerer
polinizadores maiores e a produzir mais flores para
atração de vertebrados grandes.
Vertebrados nectarívoros especializados demandam suprimento contínuo de flores. Podem ser localmente residentes quando associados a grupos
de plantas que oferecem recursos sucessivamente
ao longo do ano, ou então migram entre regiões
que oferecem flores em períodos complementares
(Araujo et al. 1994; 2004); ou, ainda, visitam flores
adaptadas a outros tipos de polinizadores (Araujo
& Sazima 2003). Em ambientes geologicamente
antigos e pouco sazonais, espécies de plantas simpátricas podem partilhar polinizadores por meio de
florações sequenciais ou deposição de pólen em locais
diferentes do corpo dos vetores (Fischer et al. 1992;
Araujo et al. 1994; 2004; Sazima et al. 1999; Buzato
et al. 2000; Machado 2009). A variação do local de
deposição de pólen pode viabilizar o uso concomitante de polinizadores vertebrados por grupos de
espécies herbáceas ou epífitas, que individualmente
não seriam aptas em atrair e manter esses polinizadores devido à limitação energética intrínseca às
plantas pequenas. Bromeliaceae, família de herbáceas
terrestres e epífitas que evoluiu paralelamente aos
beija-flores, apresenta conjuntos locais de dezenas
de espécies que partilham polinizadores por meio
de ambos os mecanismos, florações sequenciais e
deposição de pólen em diferentes regiões do corpo
dos beija-flores (Araujo et al. 1994; 2004; Buzato et
al. 2000; Varassin & Sazima 2000; Givnish et al.
2007; Machado 2009). Por outro lado, árvores polinizadas por glossofagíneos podem formar conjuntos
com poucas espécies que partilham polinizadores
por meio de apenas um mecanismo, como florações
em períodos distintos. Feinsinger (1983) propôs que
conjuntos de plantas que partilham polinizadores
vertebrados especializados em néctar podem interagir
positivamente para a manutenção das populações
locais de polinizadores e apresentou base teórica para
a evolução desse tipo de interação entre plantas. O
sub-bosque de florestas tropicais preservadas é um
local provável para ocorrência de interação positiva
entre plantas que utilizam um mesmo polinizador,
uma vez que compreendem ambientes antigos e abrigam vertebrados especialistas em néctar. Entretanto
estudos que demonstrem esse tipo de interação positiva entre plantas que compartilham polinizadores
representam ainda um grande desafio.
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Foto: Artur Antunes
*
Capítulo 15
*
Polinização por engodo
Fábio Pinheiro
Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista UNESP – Avenida 24A, 1.515 – CEP: 13506900 – Rio Claro-SP – Brasil. e-mail: biopinheiro@yahoo.com.br
E
xistem visitantes florais que coletam recursos em flores sem realizar polinização, e também há espécies
de plantas que atraem polinizadores sem oferecer qualquer recurso. A maioria das espécies polinizadas
por engodo simula a presença de recursos florais, como néctar, pólen, óleos e local de desova. Em casos
extremos, algumas flores simulam características de insetos fêmeas, atraindo machos da mesma espécie que
tentam copular com a flor, efetuando, assim, a polinização. Neste contexto, os polinizadores são atraídos
por estímulos visuais e olfativos exagerados dos quais se valem as plantas, que em muitos casos equilibram
a falta de recompensas florais. Plantas que exploram esta estratégia surgiram de maneira independente em
diversas famílias, sendo que grande parte das espécies pertence à família Orchidaceae. A simulação de recompensa pode seguir um modelo generalista, no qual as espécies polinizadas por engodo possuem flores
que se assemelham em linhas gerais às flores de espécies com recompensa presentes na comunidade. Porém
existem casos bastante específicos nos quais espécies polinizadas por engodo produzem aromas extremamente
específicos que atraem apenas uma espécie de polinizador. Os benefícios deste tipo de polinização ainda são
discutidos, mas já se sabe que diversas espécies polinizadas por engodo possuem altas taxas de fecundação
cruzada e elevados níveis de diversidade genética. Para os polinizadores, não existem benefícios claros, e, em
alguns casos, o sucesso reprodutivo dos insetos é prejudicado, caracterizando uma relação de parasitismo.
Neste capítulo pretende-se oferecer uma visão geral dos sistemas de polinização por engodo conhecidos,
discutindo suas vantagens e provável evolução.
328 ⁞ Polinização por engodo
A polinização por engodo em
angiospermas
A polinização é um dos exemplos de mutualismo mais
emblemáticos presentes na literatura científica. De
um lado, plantas com flores oferecem uma extensa
variedade de recursos florais, os quais podem ser
utilizados pelos agentes polinizadores como alimento
(néctar, óleos e pólen), como material para construção
de abrigos e ninhos (resinas) e até mesmo para compor
fragrâncias utilizadas na atração de parceiros sexuais
(óleos essenciais) (Capítulo 6). Por outro lado, os
polinizadores desempenham uma função importante
na reprodução da planta, que é a de dispersão dos
gametas masculinos, garantindo, em muitos casos,
altos níveis de fecundação cruzada. A evolução da
relação planta/polinizador é bastante dinâmica e deu
origem a associações complexas e intrincadas, as quais
podem ser observadas ao longo dos capítulos deste
livro. Porém uma grande quantidade de espécies
vegetais produz flores que não oferecem qualquer
tipo de recompensa aos agentes polinizadores. Este
tipo de associação é denominado polinização por
engodo, sendo particularmente comum em plantas
polinizadas por insetos (Van der Pijl & Dodson 1966;
Dressler 1990; Renner 2006).
A polinização por engodo foi descoberta por
Sprengel (1793), que descreveu a ausência de néctar
em flores de diversas espécies de Orchis (Orchidaceae),
concluindo que estas plantas eram polinizadas a partir da simulação de recompensa aos polinizadores.
Entretanto esta afirmação foi recebida com incredulidade pela comunidade científica, até mesmo por
Darwin (1877, p. 37), o qual examinou um grande
número de espécies e fez alguns experimentos na
tentativa de refutar esta hipótese. Apesar de não ter
encontrado algum traço de néctar no interior das
flores examinadas, Darwin concluiu que o néctar não
ficava exposto nestas espécies e que os polinizadores
utilizavam os seus aparelhos bucais para perfurar os
tecidos florais que armazenavam o néctar (Darwin
1877, p. 40). Entre as importantes contribuições de
Darwin para o entendimento da evolução dos caracteres florais, sua explicação para a ausência de néctar
em determinadas espécies de plantas foi a única que
se mostrou completamente equivocada (Harder &
Johnson 2009).
Apesar de se constituir numa relação em que o
benefício é unilateral (para plantas), a polinização por
engodo ocorre em diversas famílias vegetais, podendo
ser observada em gêneros altamente diversos, indicando que este tipo de polinização é uma importante
estratégia evolutiva (Cozzolino & Widmer 2005).
Espécies de plantas com flores que não oferecem
algum tipo de recurso aos polinizadores podem ser
encontradas em cerca de trinta e três famílias e cento
e quarenta e seis gêneros (Renner 2006; Jersáková
et al. 2006). Nestes grupos, as flores possuem características que simulam a existência de diferentes
tipos de recursos, utilizados pelos polinizadores em
diferentes contextos como: a) restos de animais em
decomposição procurados por moscas e besouros
saprófagos para alimentação e oviposição (Fig. 15.1
I); b) local de abrigo (Fig. 15.1 F); c) néctar e pólen
procurados como alimento, principalmente por abelhas, moscas, besouros e borboletas (Fig. 15.1 A) e; d)
sinais associados à existência de um parceiro sexual,
que atraem principalmente vespas e abelhas do sexo
masculino que tentam copular com determinadas
estruturas florais (Figs. 15.1 D,E,G,H). Grande parte
das espécies polinizadas por engodo concentra-se na
família Orchidaceae (cerca de 6.000 espécies) (Van
der Pijl & Dodson 1966; Ackerman 1986; Dressler
1990; Jersáková et al. 2006). Desta forma, grande
parte dos exemplos que serão apresentados a seguir
faz parte de estudos realizados com orquídeas.
Fábio Pinheiro ⁞
Simulação de locais para
oviposição e abrigo
Representantes de diferentes famílias apresentam
este tipo de estratégia, como Aristolochiaceae,
Apocynaceae, Araceae e Orchidaceae (Fig. 15.1 I).
Neste tipo de polinização por engodo são encontradas plantas que simulam diferentes tipos de locais
utilizados por insetos para oviposição, principalmente
das ordens Coleoptera e Diptera. Apesar de as flores
possuírem uma coloração que lembra, em muitos
casos, carcaças em decomposição, o odor é a principal fonte de atração dos polinizadores (Jersáková et
al. 2009). As flores podem emitir odores associados
a carcaças em decomposição, esterco ou corpos de
frutificação de fungos. Em muitos casos este tipo de
simulação leva os polinizadores a depositarem ovos
nas flores (Borba & Semir 2001; Van der Niet et
al. 2011). Em espécies evolutivamente próximas de
Acianthera (Orchidaceae) a polinização é realizada
por espécies distintas de moscas (Borba & Semir
2001), especialmente quando as plantas ocorrem em
simpatria (Melo et al. 2011). A intensidade do odor
produzido pelas flores de Satyrium pumilum Thunb.
(Orchidaceae) atrai apenas uma espécie de mosca, a
qual também prefere carcaças com intensidades de
odor similares àquelas encontradas na flor (Van der
Niet et al. 2011).
Diversas espécies com flores que atraem insetos
para oviposição também secretam néctar, que é consumido pelos insetos. Nestes casos, a existência de
polinização por engodo é duvidosa, uma vez que não
se sabe exatamente se é a busca por alimento ou por
um local para a deposição dos ovos o fator principal
para a atração dos polinizadores (Jersáková et al.
2006). Aparentemente a secreção de néctar tem a
função de aumentar a permanência dos polinizadores
na flor, aumentando o tempo de contato com um
329
aroma específico ou até que o pólen seja retirado ou
depositado corretamente. Em um estudo sobre aromas
florais em quinze espécies de Stapelia (Apocynaceae),
os autores concluíram que pequenas quantidades de
néctar podem fazer que os polinizadores associem este
recurso ao aroma específico, aumentando as chances
de este inseto visitar outras flores da mesma espécie
(Jürgens et al. 2006). Em espécies de Bulbophyllum
(Orchidaceae), a polinização é auxiliada pelo vento,
o qual movimenta o labelo e posiciona o inseto no
local adequado para remoção ou deposição do pólen
(Borba & Semir 1998; Tan & Nishida 2000; Tan et
al. 2002). A secreção de néctar faz que os polinizadores permaneçam na flor por um período prolongado,
até que o vento auxilie na remoção ou deposição do
pólen na flor (Borba & Semir 1998). É interessante
notar que a deposição de ovos pelas moscas polinizadoras foi observada nas espécies de Acianthera e
Stapelia que não oferecem néctar, podendo indicar
a presença de aromas florais mais sofisticados que
garantem a presença dos polinizadores mesmo com
a ausência da recompensa alimentar (Borba & Semir
2001; Jürgens et al. 2006).
Uma curiosa síndrome de polinização por engodo é encontrada em orquídeas do gênero Serapias
da região do Mediterrâneo (Fig. 15.1 F). As flores
simulam locais de abrigo utilizados por espécies de
besouros, vespas e abelhas solitárias (Jersáková et
al. 2006). Sépalas e pétalas formam um tubo floral
que se assemelha a entrada de ninhos e abrigo destes insetos, e a temperatura no interior das flores é
superior àquela encontrada no ambiente (Dafni et
al. 1981). Como os insetos obtêm uma vantagem
ao se abrigar nas flores, uma vez que estas realmente oferecem um abrigo, a existência de polinização
por engodo nestes casos é discutível (Jersáková et
al. 2006). Em Iris atropurpurea, uma Iridaceae da
região do Mediterrâneo, foi observado que o túnel de
330 ⁞ Polinização por engodo
A
B
C
D
E
G
H
F
I
Figura 15.1 Exemplos de espécies de Orchidaceae polinizadas por engodo. (A) Epidendrum fulgens Brongn. é uma espécie que
simula recompensa alimentar. (B) Asclepias curassavica L. e (C) Lantana camara L. são espécies que oferecem néctar e possuem
morfologia similar e frequentemente ocorrem em simpatria com E. fulgens. (D) Ophrys tenthredinifera Willd. (E) Ophrys archipelagi Gölz & H.R. Reinhard sendo visitada por um macho de Colletes cunicularius, o qual tenta copular com a flor. (F) Serapias
Fábio Pinheiro ⁞
331
cordigera L. é uma espécie que simula abrigo para diversas espécies de Hymenoptera e Coleoptera. (G) Flor de Trigonidium obtusum
em forma de tubo, com um macho de Plebeia droryana saindo do interior da flor carregando pólen em seu dorso. (H) Flor de
Mormolyca ringens e, no detalhe, o labelo da flor, semelhante a um inseto. (I) Espécie de Dracula que simula o local de desova de
espécies de Diptera. A foto da Figura 14.1 E foi cedida por Hendrik Breitkopf.
coloração escura formado pelas pétalas e sépalas das
flores era a principal fonte de atração dos polinizadores, os quais eram abelhas macho solitárias da espécie
Synhalonia spectabilis (Vereecken et al. 2013). Neste
exemplo, tanto a produção de aromas, a presença de
cores contrastantes (as flores eram percebidas pelos
insetos como tendo coloração escura, próxima do
preto) quanto o aquecimento das flores pelo sol não
foram características determinantes para a atração
dos polinizadores. Este fato é curioso porque espécies
que simulam abrigo são evolutivamente próximas de
espécies que simulam o parceiro sexual de insetos,
as quais são dependentes de aromas e cores para a
atração dos polinizadores (Vereecken et al. 2012).
Aparentemente, a transição entre estes dois tipos de
polinização por engodo, tanto em Orchidaceae como
em Iridaceae, depende da expressão de poucos genes,
responsáveis pela produção de aromas específicos nas
linhagens que simulam o parceiro sexual (Vereecken
et al. 2010; 2012).
Simulação de alimento
A sinalização de recurso alimentar é a estratégia mais
abundante entre as plantas polinizadas por engodo,
novamente com a maioria dos exemplos encontrada na família Orchidaceae (Jersáková et al. 2009).
Além de Orchidaceae, a ausência total de recursos
alimentares também é observada em algumas espécies de Apocynaceae, Begoniaceae, Berberidaceae
e Bignoniaceae (Renner 2006; Umanã et al. 2011).
Também são observados casos intermediários de engodo nos quais a recompensa alimentar está presente
em indivíduos de apenas algumas populações (Sigrist
& Sazima 2004; López-Portillo et al. 1993), em apenas
uma parte das flores de uma inflorescência (Thakar et
al. 2003) ou apenas em flores unissexuais, geralmente a
flor masculina (Arecaceae, Asteraceae, Cucurbitaceae,
Myristicaceae) (Renner 2006; Jersáková et al. 2009).
Existem também casos em que o volume de néctar
produzido por algumas espécies de orquídeas é muito
menor se comparado ao produzido por outras plantas
da mesma comunidade (Salguero-Faría & Ackerman
1999; Rech et al. 2010). Neste contexto, estudos de
anatomia floral são fundamentais para o esclarecimento da oferta ou não de recurso ao polinizador
(Teixeira et al. 2004; Bell et al. 2009; Pansarin et
al. 2009; Sanguinetti et al. 2012). Em muitos casos,
uma quantidade muito pequena de néctar é produzida pelas flores (Ackerman et al. 1994; Pansarin &
Amaral 2008) e estudos anatômicos, histoquímicos
e de fragrância floral são necessários para a detecção
do recurso floral. Existe também a possibilidade de
o recurso não ser oferecido nas flores, mas, sim, em
outros órgãos, como nos nectários extraflorais, os quais
garantem um sucesso reprodutivo maior às plantas
devido ao patrulhamento realizado por formigas nas
flores (Jeffrey et al. 1970; Almeida & Figueiredo 2003).
Desta forma, os limites para que o tipo de polinização
de uma planta seja considerado engodo podem ser
variáveis e de difícil determinação, e uma quantidade
maior de estudos com espécies tropicais pode auxiliar
no esclarecimento desta questão.
Abelhas são os polinizadores mais comuns de
plantas que simulam recompensa alimentar, mas
outras ordens de insetos, como Coleoptera, Diptera
332 ⁞ Polinização por engodo
e Lepidoptera, também estão envolvidas neste tipo
de polinização (Schiestl 2005). Diversos estudos
indicam que estímulos visuais são os mais importantes na atração dos polinizadores em plantas que
simulam recompensa alimentar, especialmente pólen,
que é um recurso exposto (Salzmann et al. 2007;
Dormont et al. 2009). A simulação de pólen nas
flores pode ser observada em espécies que possuem
manchas amarelas nas sépalas e pétalas (Dafni &
Ivri 1981; Pansarin 2008). Em espécies de orquídeas
que possuem este tipo de polinização é possível notar
uma grande variação na morfologia, na coloração e
no aroma das flores, indicando que na maior parte
dos casos não ocorre o mimetismo de uma espécie
modelo-específica (Jersáková et al. 2009), como nos
casos de mimetismo batesiano (Gumbert & Kunze
2001; Johnson et al. 2003a; Johnson 1994; Galizia
et al. 2005). A permanência do polimorfismo floral
nestas espécies pode estar ligada à seleção natural
fraca, na qual fenótipos variáveis possuem um sucesso
reprodutivo semelhante (Aragón & Ackerman 2004;
Salzmann et al. 2007; Dormont et al. 2009). A ideia
é que a maior parte das espécies se enquadra num
modelo de polinização por engodo generalista, em
que a morfologia e coloração das flores se assemelham, em linhas gerais, às flores de outras espécies
que oferecem recompensa e que são polinizadas pela
mesma categoria de polinizadores (Jersáková et al.
2009). No Brasil este tipo de polinização foi identificado para diversas espécies de orquídeas (Borba &
Braga 2003; Smidt et al. 2006; Silva-Pereira et al.
2007; Pansarin 2008; Sanguinetti et al. 2012, entre
outros). Em espécies de Epidendrum (Fig. 15.1 A)
polinizadas por engodo foram realizadas diversas
tentativas de identificar uma relação de mimetismo floral com espécies de Lantana (Verbenaceae) e
Asclepias (Apocynacea), as quais produzem néctar,
assemelham-se morfologicamente (Figs. 15.1 B,C) e
ocorrem na mesma comunidade. Em nenhum dos
casos foi obtido um resultado positivo (Bierzychudek
1981; Fuhro et al. 2010), indicando que não se trata de um mimetismo batesiano, mas, sim, de uma
semelhança fenotípica entre espécies que são polinizadas por diversas espécies de Lepidoptera. Outros
casos semelhantes envolvendo similaridades entre
orquídeas sem recompensa alimentar e espécies de
Malpighiaceae também se enquadram nesta categoria
de polinização por engodo generalista (Pansarin et al.
2008; Carmona-Díaz et al. 2009; Vale et al. 2011a).
Em muitos casos, o aumento do sucesso reprodutivo
de espécies polinizadas por engodo é proporcional à
abundância de outras espécies presentes na mesma
comunidade que oferecem recompensa, aumentando
a frequência de polinizadores entre as espécies envolvidas (“efeito magnético”) (Johnson et al. 2003b;
Juillet et al. 2007).
Existem alguns casos bem documentados nos
quais o mimetismo batesiano foi identificado em
orquídeas polinizadas por engodo, indicando pressões seletivas intensas que levaram à convergência de
atributos florais de uma espécie mímica, polinizada
por engodo, sobre uma espécie modelo, que possui
recompensa floral (Jersáková et al. 2012; Newman
et al. 2012). Uma série de características precisa ser
considerada antes de afirmar a existência de um complexo mimético batesiano, entre elas: a) o polinizador
ser incapaz de distinguir flores da espécie modelo e
flores da espécie mímica; b) discriminar quais características florais inibem a discriminação, por parte
do polinizador, de plantas que oferecem recompensa
e plantas polinizadas por engodo; c) o sucesso reprodutivo da espécie mímica deve ser maior quando esta
ocorre próxima da espécie modelo; d) os caracteres
responsáveis pela semelhança da espécie mímica com a
espécie modelo precisam ser recentes e indicar estados
derivados em relação a outras espécies filogeneticamente próximas da espécie polinizada por engodo. Por
Fábio Pinheiro ⁞
esta razão, a existência de filogenias que descrevam a
relação evolutiva de espécies polinizadas por engodo
é fundamental. Neste contexto, trabalhos realizados
com orquídeas na África do Sul são especialmente relevantes, uma vez que atendem a grande parte dos itens
listados anteriormente. A orquídea Disa ferruginea Sw.
é polinizada por engodo e possui sucesso reprodutivo
maior quando ocorre em simpatria com Tritoniopsis
triticea (Burm.f.) Goldblatt (Iridaceae), uma espécie
que oferece néctar aos polinizadores (Johnson 1994).
Além disso, no mesmo estudo foi verificado que o
polinizador não discriminava as espécies com e sem
recompensa durante o forrageio devido à elevada
similaridade morfológica entre as espécies. Johnson
et al. (2003a) também identificaram um complexo
mimético entre Disa cephalotes Rchb.f., uma orquídea polinizada por engodo, e Scabiosa columbaria L.
(Dipsacaceae), a qual possui flores com néctar. Neste
caso, além de o polinizador visitar ambas as espécies
de maneira semelhante, foi verificado que a disposição
das flores na inflorescência era uma característica chave
que inibia a discriminação, por parte do polinizador,
de flores que possuíam ou não recompensa. Além
disso, a semelhança de D. cephalotes com a espécie
modelo era baseada em caracteres derivados, sugerindo uma origem recente deste complexo mimético
(Johnson et al. 2003a).
Simulação de parceiro sexual
Neste tipo de polinização os insetos do sexo masculino são os principais polinizadores, uma vez que as
flores simulam a presença de fêmeas (Schiestl 2005;
Vereecken 2009). A simulação do parceiro sexual
ocorre de diversas formas e possui diferentes graus de
especificidade. Algumas orquídeas simulam as características de flores que são utilizadas pelos insetos para
acasalamento (rendezvous flowers = flores de encontro)
333
(Jersáková et al. 2006). Os machos são atraídos pelas
flores destas orquídeas à procura de fêmeas e, assim,
efetuam a polinização (Vereecken 2009; Vale et al.
2011b). A polinização por pseudocópula é um caso
em que a simulação do parceiro sexual atinge graus
elevados de especificidade, uma vez que o inseto
macho efetua a polinização quando tenta se acasalar
com determinadas partes da flor, a qual simula a
presença de uma fêmea (Vereecken 2009). Segundo
Schiestl & Cozzolino (2008), espécies polinizadas
por pseudocópula podem ter evoluído de ancestrais
que simulavam características de flores utilizadas por
insetos para acasalamento.
A polinização baseada na simulação de sinais
emitidos pelo parceiro sexual é encontrada quase
que exclusivamente em Orchidaceae (Schiestl 2005).
Recentemente, também foi descrito um caso de polinização por pseudocópula na família Asteraceae
(Ellis & Johnson 2010). A origem desta síndrome de
polinização pode estar associada ao surgimento de
aromas florais que foram selecionados pelas plantas
para defesa contra herbivoria (Gang 2005). Estes
aromas se assemelhavam aos feromônios de insetos
agressivos, os quais passaram a ser atraídos pelas flores
e atuar como polinizadores (Gaskett 2011). De fato,
os aromas emitidos pelas flores desempenham um
papel fundamental na polinização por pseudocópula,
uma vez que a maior parte dos compostos mimetizam feromônios sexuais emitidos por insetos fêmeas,
atraindo desta forma indivíduos machos que atuam
como polinizadores (Schiestl et al. 1999). Diferentes
espécies de orquídeas emitem aromas que diferem
levemente em sua composição, atraindo polinizadores
específicos (Peakall et al. 2010; Vereecken et al. 2010;
Xu et al. 2012).
No contexto deste tipo de polinização altamente
especializado, a morfologia floral ocupa um papel
secundário na atração do polinizador, e sua função
334 ⁞ Polinização por engodo
pode estar mais relacionada ao posicionamento e
controle da permanência do inseto na flor (Gaskett
2011), porém diversas espécies de orquídeas exibem
partes das flores morfologicamente semelhantes aos
insetos mimetizados. Os casos mais famosos podem ser obervados em espécies do gênero Ophrys
(Figs. 15.1 D,E) e Chiloglottis, nas quais o labelo das
flores mimetiza diversas características dos insetos
fêmeas. Na América do Sul também são encontrados
exemplos de orquídeas polinizadas por pseudocópula que exibem o labelo morfologicamente semelhante aos seus polinizadores, como em Mormolyca
ringens (Lindl.) Gentil (Fig. 15.1 H, Singer et al.
2004) e Bipinnula penicillata (Rchb.f.) Cisternas
& Salazar (Ciotek et al. 2006). Entretanto a semelhança morfológica de partes da flor com o inseto
mimetizado não é obrigatória, já que são os aromas
florais os elementos mais importantes para a atração
dos polinizadores (Gaskett 2011). Em espécies de
Lepanthes, os insetos machos são atraídos para a flor
e tentam copular com o labelo, apesar de as flores
não se assemelharem morfologicamente às fêmeas
(Blanco & Barboza 2005). Um sistema complexo
de polinização foi encontrado por Singer (2002)
para Trigonidium obtusum Lindl., que combina a
atração dos polinizadores através de aromas que
provavelmente mimetizam feromônios sexuais. As
flores desta orquídea formam um tubo (Fig. 15.1 G)
onde as abelhas macho de Plebeia droryana (Friese,
1900) são presas quando tentam copular com as
extremidades das sépalas da flor, caracterizando um
sistema de polinização baseado em pseudocópula
e armadilha (Singer 2002). Considerando que a
polinização por pseudocópula não depende de uma
semelhança morfológica entre as flores e os insetos
mimetizados, é esperado um número muito maior
de casos de orquídeas que exploram este tipo de
polinização, principalmente na região Neotropical.
Diferentes autores têm sugerido que a polinização
por pseudocópula pode diminuir o sucesso reprodutivo dos polinizadores envolvidos, caracterizando
uma relação de parasitismo (Vereecken 2009). No
estudo realizado por Wong & Schiestl (2002), vespas
fêmeas da espécie Neozeleboria cryptoides (Smith,
1859) tinham uma chance significativamente menor
de acasalamento quando a orquídea Chiloglottis trapeziformis Fitzg. ocorria no mesmo local. O sucesso
reprodutivo das vespas fêmeas aumentava apenas
quando estas se distanciavam das orquídeas que as
mimetizavam (Wong et al. 2004). O mimetismo
sexual em alguns casos é tão eficiente que chega a
promover a ejaculação do inseto macho durante a
pseudocópula (Blanco & Barboza 2005; Gaskett et
al. 2008). Nestes casos o desperdício energético que
incide sobre os insetos machos pode causar sérias
consequências para a reprodução da espécie como um
todo, e estudos de longa duração acerca dos efeitos
deste tipo de polinização sobre o sucesso reprodutivo
dos insetos associados são necessários.
Evolução dos sistemas de
polinização por engodo
Os sistemas de polinização por engodo surgiram
de maneira independente em diversas famílias de
plantas (Renner 2006). Em Orchidaceae este tipo
de polinização também surgiu de maneira independente em diferentes gêneros e grupos de espécies, e
provavelmente a ausência de flores com néctar seja
um estado de caráter ancestral na família (Dressler
1990; Schiestl 2005). Em Disa e Anacamptis, espécies que oferecem recompensa aos polinizadores
provavelmente evoluíram de ancestrais que não ofereciam recompensa (Johnson et al. 1998; Cozzolino
et al. 2001). A transição entre diferentes tipos de
polinização por engodo também é comum mesmo
Fábio Pinheiro ⁞
em grupos de espécies próximas. Vereecken et al.
(2012) mostram que a transição entre sistemas de
polinização por engodo específicos e generalistas,
como a pseudocópula e a simulação de abrigo, ocorre
em diferentes gêneros de Orchidaceae e Iridaceae.
Por exemplo, Ophrys helenae Renz é uma espécie
polinizada a partir da simulação de abrigo e ocupa
uma posição derivada na filogenia do grupo, o qual
é caracterizado principalmente pela presença de polinização por pseudocópula (Vereecken et al. 2012).
Diversos estudos têm corroborado a hipótese de
que os sistemas de polinização por engodo aumentam
as taxas de fecundação cruzada e diminuem a geitonogamia (Cozzolino & Widmer 2005). Por este motivo, a polinização por engodo pode ser considerada
uma das muitas estratégias das plantas para evitar o
endocruzamento (Schiestl et al. 2010). Após visitarem
flores que não oferecem recompensa, os polinizadores
se deslocam por grandes distâncias, transportando o
pólen para localidades vizinhas, diminuindo assim
a diferenciação genética entre populações de orquídeas polinizadas por engodo (Scopece et al. 2010;
Pinheiro et al. 2011). De fato, experimentos baseados
na adição de néctar artificial em flores de espécies
polinizadas por engodo mostraram um aumento
significativo da permanência dos polinizadores nas
flores, bem como dos eventos de autopolinização
(Johnson et al. 2004; Jersáková & Johnson 2006).
As baixas taxas de frutificação observadas em espécies polinizadas por engodo também não parecem
comprometer este tipo de polinização, pelo menos
em orquídeas. Nestas plantas, os grãos de pólen estão todos reunidos em estruturas denominadas de
políneas, e um único evento de polinização pode ser
capaz de transportar todos os grãos de pólen de uma
flor para outra de uma única vez, gerando um fruto
que pode conter milhões de sementes (Cozzolino &
Widmer 2005). No caso das espécies polinizadas por
335
pseudocópula, a eficiência da polinização (proporção
de flores polinizadas/proporção de flores com políneas removidas) parece estar associada à presença
de polinizadores específicos, e não propriamente à
presença de recompensa floral (Scopece et al. 2010).
Espécies polinizadas por pseudocópula possuem uma
polinização altamente específica, que contribui para
uma elevada eficiência da polinização. De fato, a
eficiência da polinização observada neste grupo de
orquídeas é similar à de espécies que oferecem recurso
aos polinizadores (Scopece et al. 2010).
A polinização por engodo possui implicações
diretas sobre os mecanismos de especiação e evolução
de orquídeas. Em geral, orquídeas que simulam a
existência de recompensa alimentar são polinizadas
por diversas espécies de insetos, e em muitos casos
compartilham polinizadores numa mesma população. Nestas espécies são observadas fortes barreiras
pós-zigóticas (sementes inviáveis, esterilidade e infertilidade de híbridos), as quais atuam na manutenção
das barreiras reprodutivas entre diferentes espécies
(Cozzolino & Scopece 2008). Diferentes números
cromossômicos (Cozzolino et al. 2004) e seleção por
habitats distintos (Pinheiro et al. 2010) são alguns
mecanismos de isolamento pós-zigóticos encontrados
em espécies polinizadas por engodo que simulam a
presença de néctar. Por outro lado, em espécies polinizadas por pseudocópula, a polinização é altamente
específica, contribuindo para elevadas barreiras prézigóticas (Cozzolino & Scopece 2008). A atração de
polinizadores específicos está associada a aromas que
se diferenciam devido a pequenas alterações em sua
estrutura molecular (Schiestl 2005). Porém, mesmo
nestes casos, existem eventos de hibridação, principalmente associados a polinizadores jovens e inexperientes, que ainda não discriminam os feromônios
específicos da sua espécie. Estes insetos visitam flores
de espécies distintas, promovendo sua fecundação e
336 ⁞ Polinização por engodo
gerando diversos casos de hibridação interespecífica
(Cozzolino & Scopece 2008). A hibridação entre
espécies de orquídeas pode ter um importante papel
no surgimento de novas espécies, como no caso de
Ophrys, em que indivíduos híbridos são férteis e produzem aromas distintos capazes de atrair diferentes
polinizadores (Vereecken et al. 2010).
A manutenção das estratégias de
polinização por engodo
Apesar de se constituir numa relação de antagonismo,
na qual polinizadores não obtêm benefício, a polinização por engodo surgiu e se manteve inúmeras vezes
ao longo da evolução de diversas famílias de plantas
(Jersáková et al. 2006). Gêneros extremamente diversos são caracterizados por este tipo de polinização,
como Epidendrum (1.500 espécies) e Lepanthes (oitocentas espécies). Neste contexto, diferentes trabalhos
têm tentado esclarecer os mecanismos evolutivos que
permitem a manutenção deste tipo de polinização,
principalmente em casos nos quais os polinizadores
podem sofrer redução em seu sucesso reprodutivo ao
serem “enganados” (Vereecken 2009).
Uma hipótese bastante explorada na literatura é
baseada na presença de flores com morfologia e aromas variáveis entre diferentes indivíduos em espécies
polinizadas por engodo. Esta variação confundiria
os polinizadores, os quais teriam dificuldade em
aprender a discriminar flores que apresentam ou
não recompensa, e continuariam a visitar espécies
polinizadas por engodo mesmo depois de terem sido
“enganados” (Jersáková et al. 2006; Tremblay &
Ackerman 2007; Morales et al. 2010). Este efeito seria
mais pronunciado em insetos jovens e inexperientes,
como os machos de vespas solitárias que visitam espécies polinizadas por pseudocópula (Schiestl 2005).
Orquídeas polinizadas por engodo possuem flores
mais variáveis do que orquídeas que oferecem recompensa (Ackerman et al. 2011), porém o fato de serem
mais polimórficas não está associado ao aumento do
seu sucesso reprodutivo (Juillet & Scopece 2010).
Aparentemente a manutenção do polimorfismo floral
entre diferentes indivíduos está associada a uma seleção natural menos intensa dos caracteres variáveis, os
quais não influenciam o comportamento dos polinizadores (Aragón & Ackerman 2004; Salzmann et al.
2007; Juillet & Scopece 2010). Os aromas produzidos
por Ophrys exaltata Ten. são variáveis e atraem machos
da abelha solitária Colletes cunicularius (Linnaeus,
1758), que efetua a polinização por pseudocópula.
Instintivamente, os indivíduos machos são atraídos
por aromas levemente distintos porque eles podem
indicar a presença de fêmeas provenientes de populações vizinhas, evitando assim o acasalamento
entre parentes próximos de uma mesma população
(Vereecken et al. 2007). A preferência dos machos de
C. cunicularius por aromas distintos provocaria uma
pressão seletiva positiva sobre os aromas produzidos
por O. exaltata, uma vez que indivíduos com flores
que apresentam aromas distintos dos demais teriam
uma chance maior de receber visitas do que indivíduos que não apresentam essa variação (Vereecken &
Schiestl 2008). Este exemplo ilustra como a variação
floral pode ser vantajosa em espécies polinizadas por
engodo, não tendo relação direta com a inibição do
aprendizado por parte dos polinizadores.
A ausência de recurso floral pode ser transitória em
várias espécies vegetais (Thakar et al. 2003), e este fato
pode explicar o porquê de insetos polinizadores não
aprenderem a evitar flores sem recompensa. A baixa
disponibilidade de água, altas temperatura ou visitas
prévias realizadas por outros polinizadores também
podem ser eventos que aumentam a quantidade de
flores sem néctar encontradas durante o forrageio.
Fábio Pinheiro ⁞
337
Menzel & Greggers (1992) mostram que abelhas
aprendem estímulos negativos (ausência de néctar)
de maneira mais lenta do que estímulos positivos
(presença de néctar). Insetos que precisam dividir
sua atenção entre flores com e sem recompensa têm
uma diminuição na capacidade de discriminar espécies distintas na comunidade (Dukas & Real 1993).
No experimento realizado por Juillet et al. (2011), o
aprendizado de abelhas do gênero Bombus foi medido
através da adição de anisaldeído, um aroma típico de
flores que oferecem néctar, em flores de Anacamptis
morio, uma orquídea polinizada por engodo. Os resultados indicaram que as abelhas não foram capazes
de distinguir as flores manipuladas (com anisaldeído)
das flores controle (sem anisaldeído), já que o número
de visitas e a quantidade de pólen transportado não
foram significativamente diferentes entre os grupos experimentais analisados (Juillet et al. 2011). Neste contexto insetos polinizadores preferem mudar o local de
forrageio quando encontram flores que não oferecem
algum tipo de recurso (Anderson & Johnson 2006;
Internicola et al. 2006; Whitehead & Peakall 2013).
Desta forma, a manutenção de plantas polinizadas por
engodo pode estar associada a um comportamento de
forrageio flexível, no qual os polinizadores não evitam
completamente flores sem recompensa, uma vez que
diversas espécies produzem flores que, ocasionalmente,
podem não conter recursos (Renner 2006).
dos polinizadores, os quais não obtêm qualquer tipo
de recompensa. As estratégias para atração dos insetos
são bastante distintas e vão desde a atração de insetos
machos, através da produção de feromônios sexuais
similares àqueles produzidos por fêmeas, até síndromes mais generalistas de polinização, em que as flores
possuem uma morfologia que lembra outras espécies
na comunidade que oferecem recompensa alimentar. A
composição de espécies da comunidade também é uma
peça chave nestes sistemas de polinização, uma vez que
a quantidade de espécies que oferecem recurso influencia o sucesso reprodutivo de espécies polinizadas por
engodo. Em orquídeas este tipo de polinização parece
ser uma estratégia fortemente associada à fecundação
cruzada, a qual possui um impacto direto na evolução
e diversificação do grupo. Considerando que a maior
parte dos estudos tem sido realizada em regiões temperadas, estudos em regiões tropicais possuem um grande
potencial, uma vez que aí se concentra a maior parte de
espécies de plantas do planeta. Diferentes abordagens
podem ser adotadas para o estudo da polinização por
engodo, com destaque para:
Conclusão e perspectivas para
estudos futuros
O impacto de síndromes de polinização por
engodo no sucesso reprodutivo dos polinizadores,
uma vez que em muitos casos esta relação pode ser
classificada como parasitismo;
A simulação de recompensas florais é uma estratégia
que ocorre em diferentes famílias de angiospermas,
mas é particularmente comum em orquídeas. Nestas
plantas a polinização por engodo surgiu de maneira
independente em diferentes linhagens, e é possível observar a evolução de diferentes mecanismos para atração
A caracterização de plantas que não oferecem
tipo algum de recurso e a observação do comportamento e da identidade dos polinizadores que visitam
estas espécies;
A influência da composição de espécies da comunidade no sucesso reprodutivo de espécies polinizadas
por engodo;
O papel dos aromas na atração dos polinizadores,
principalmente em espécies polinizadas por pseudocópula, em que feromônios sexuais dos polinizadores
envolvidos são mimetizados pelos aromas florais;
338 ⁞ Polinização por engodo
A evolução dos caracteres florais responsáveis
pela semelhança com outras espécies que oferecem
recompensa, mesmo em casos de polinização por
engodo que envolvem diversos tipos de polinizadores,
com o objetivo de identificar os estados ancestrais
e derivados envolvidos na transição de flores com e
sem recompensa;
O impacto deste tipo de polinização sobre as
taxas de fecundação cruzada em espécies polinizadas por engodo, a partir da análise da estrutura
genética de espécies que não oferecem recompensa
aos polinizadores;
O surgimento da polinização por engodo pode
ser acompanhado ou não por eventos de radiação
adaptativa, como observado em Ophrys e Chiloglottis;
Os mecanismos presentes em plantas polinizadas
por engodo que inibem sua discriminação e mantêm
as visitas dos polinizadores mesmo na ausência de
recurso.
Agradecimentos
O autor agradece a Angel Vale, Giovanni Scopece
e Salvatore Cozzolino pelas críticas e sugestões
ao manuscrito; à Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo, pelo financiamento
(FAPESP 2009/15052-0); e a Hendrik Breitkopf
gentilmente, que cedeu a imagem utilizada na
Fig. 15.1 E.
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P (B|A)
P(A) P
P (A|B)
=
P
(B|A)
P
(B|A)
P(A)
P (A|B) =P (A|B) =
P (B)
P (B) P (B)
p < 0.0001
p < 0.0001
p < 0.0001
n=
5.00
n= 05.000
n= 5.000
n ( t+
1) =
An(
t)
n (t+1)
=An
(t)
n
(t+1)
n (t+1) =An(t) =An(t)
θ
AIC = 0.0
AIC = 0.0
AIC = 0.0
θ
θ
θ
Seç ão 4
Perspectivas
0.0
ω = α+Σ(βiZi)+1 Σ (γij Z2)+ΣΣ(γij ZiZj)+ε
2
Foto: Leonardo Ré Jorge
Fotos: Carlos Eduardo Nunes (Coquinho)
*
Introdução
*
Fronteiras do conhecimento em
ecologia da polinização: novas ferramentas e
perspectivas de abordagens integradoras
Rogério Gribel
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Coordenação Geral de Biodiversidade. Instituto de Pesquisa Jardim Botânico
do Rio de Janeiro, Diretoria de Pesquisas, Jardim Botânico do Rio de Janeiro – Rua Pacheco Leão, 915 – CEP: 22460-030 – Rio de
Janeiro-RJ – Brasil. e-mail: gribel.rogerio@gmail.com
A
Seção 4 é composta por temas muito diversos, com abordagens e uso de métodos científicos derivados
de outras ciências, essenciais para a compreensão dos processos de polinização de forma integrada. Os
temas revisados nestes capítulos interagem, de forma complementar, com o conhecimento sobre a biologia
floral e sobre o comportamento de forrageamento dos polinizadores, que normalmente balizam os estudos
tradicionais sobre polinização. Nestes capítulos são descritas algumas das interfaces científicas possíveis nos
estudos da polinização, permeando áreas de conhecimento tão diversas como evolução e seleção natural, ecologia de comunidades, demografia, sistema de cruzamento, filogenia, comportamento cognitivo, conservação
da biodiversidade e economia ambiental.
Alguns dos capítulos aqui apresentados refletem a complexidade do tema “polinização” no contexto
evolutivo, como o Capítulo, 16 sobre evolução de caracteres florais e seleção fenotípica mediada por polinizadores, e o Capítulo 22, sobre filogenia e polinização. Em outros, a abordagem ecológica é predominante,
como no Capítulo 17, sobre estruturação das comunidades de polinizadores, o Capítulo 18, que aborda o efeito
da polinização na estrutura e dinâmica demográfica, o Capítulo 19, sobre ecologia cognitiva dos visitantes
346 ⁞ Fronteiras do conhecimento em ecologia da polinização: novas ferramentas e perspectivas de abordagens integradoras
florais, e o Capítulo 23, que discute a conservação
dos polinizadores. Em complementação, o uso de
marcadores moleculares codominantes no estudo
do sistema de cruzamento das plantas é relatado,
de forma detalhada, no Capítulo 20, enquanto no
Capítulo 22 fica implícito também que o uso de
tecnologias genômicas, especialmente análises de
sequências de DNA, tanto do genoma nuclear quanto
do cloroplastidial, cumpre papel essencial. O Capítulo
21 aborda o impacto da polinização na economia,
especialmente na produção de frutos e sementes de
valor comercial.
A influência da seleção natural mediada por
polinizadores na estrutura e no funcionamento das
flores era questão que instigava Darwin e, certamente,
contribuiu para a construção do arcabouço conceitual que resultou na teoria da evolução das espécies.
Várias passagens sobre o assunto são encontradas no
On the Origin of Species (Darwin 1859). Alguns dos
artigos de Darwin expressam, nos próprios títulos,
sua preocupação em relação a este tema, como, por
exemplo, “The different forms of flowers on plants of
the same species” (Darwin 1877) ou “On the various
contrivances by which British and foreign orchids are
fertilised by insects: and on the good effects of intercrossing” (Darwin 1862). Num exemplo clássico de sua
lógica evolutiva, Darwin inferiu a existência de uma
espécie de mariposa esfingídea em Madagascar com
probóscide de pelo menos 25 mm, sem nunca tê-la
observado, com base no tamanho do esporão floral de
uma orquídea nativa. Uma espécie de mariposa com
probóscide longa o suficiente para polinizar aquela
orquídea foi encontrada no início do século XX, e
somente há poucos anos foi comprovado que ela, de
fato, carregava polinárias daquela espécie de orquídea.
Em contraste com os estudos descritivos sobre
seleção fenotípica mediada por polinizadores do
final do século XIX e início do XX, estudos recentes
sobre o tema, como revisado no Capítulo 16, se
baseiam na formulação de hipóteses preditivas sobre
as consequências das pressões seletivas exercidas por
polinizadores, contando com o suporte de métodos
estatísticos e modelos matemáticos diversos. A revisão do Capítulo 22 mostra que a radiação adaptativa mediada por polinizadores é reconstruída com
clareza em algumas filogenias, sendo muitas vezes
observadas relações estreitas, recíprocas ou não,
entre plantas e polinizadores. Em alguns grupos
de angiospermas, como, por exemplo, Bignoniae
(Bignoniaceae) e Gesneria (Gesneriaceae), os polinizadores parecem ter desempenhado um importante
papel na diversificação das espécies (Alcântara &
Lohmann 2010; Martén-Rodrigues et al. 2010).
Em outros grupos taxonômicos a evolução dos sistemas de polinização não gerou qualquer relação
interpretável com a filogenia, sugerindo que outras
pressões seletivas, que não a exercida pela polinização, influenciaram a história evolutiva do grupo e
a diferenciação das espécies.
A utilização, cada vez mais frequente, de ferramentas moleculares, como marcadores microssatélites, na análise genética de adultos e progênies
vem contribuindo para a compreensão muito mais
detalhada do sistema de cruzamento das plantas,
em comparação aos dados obtidos a partir dos tradicionais testes de polinização manuais. O sistema
de polinização, em conjunção com outros fatores,
como a biologia floral, o padrão fenológico e a
ocorrência de mecanismos de incompatibilidade,
molda o sistema de cruzamento, cujos parâmetros
podem ser estimados com precisão através do uso
de marcadores moleculares, conforme explicado
no Capítulo 20. Estudos do sistema de cruzamento abrem novas perspectivas, indisponíveis três
décadas atrás, de se quantificar precisamente alguns parâmetros fundamentais, como a proporção
Rogério Gribel ⁞
de sementes oriundas de eventos de polinização
cruzada, a efetividade dos mecanismos de autoincompatibilidade, o tamanho efetivo da população
reprodutiva, o sucesso reprodutivo masculino e o
alcance do fluxo de pólen.
Estas informações são importantes para definir
estratégias para conservação de populações naturais
de plantas e seus polinizadores. São úteis também
em questões de ecologia aplicada, provendo base
científica para exploração racional de espécies silvestres, como, por exemplo, nos programas de manejo
florestal sustentável. Informações desta natureza
são também valiosas para o manejo de agroecossistemas cuja produtividade dependa dos serviços de
polinização.
A conservação e o manejo dos polinizadores e
os impactos econômicos da polinização são temas
de imensa amplitude abordados nos Capítulos 21 e
23. Grande parte da base alimentar humana, representada pela produção de frutos e sementes, depende
da polinização biótica. Os serviços prestados pela
polinização em escala global foram recentemente
estimados em 153 bilhões de euros anuais (Gallai et
al. 2009), representando 9,5% da produção agrícola
mundial. A manutenção das complexas redes de
interações biológicas que envolvem os processos de
polinização é essencial para o funcionamento dos
ecossistemas naturais e dos agroecossistemas, sendo
este considerado fator chave para a própria sobrevivência da sociedade humana (Kearns & Inouye
1997; Kearns et al. 1998). A supressão progressiva
de amplas áreas de habitat naturais e o uso generalizado de inseticidas vêm afetando negativamente as
populações de abelhas (Desneux et al. 2007; Henry
et al. 2012), colocando em risco toda a rica teia de
interações biológicas em que esses polinizadores
estão envolvidos. Conclui-se, a partir das revisões
feitas nestes capítulos, que a crise de polinização
347
é um dos grandes desafios que o homem já está
enfrentando e que pode se agravar, com sérios riscos de consequências ambientais e socioeconômicas negativas no futuro. Ações práticas, com bases
científicas sólidas e adaptadas às condições locais,
devem ser implementadas visando à conservação e ao
manejo racional dos ecossistemas e das populações
de polinizadores.
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Foto: Felipe Amorim
*
Capítulo 16
*
Seleção fenotípica mediada por polinizadores
Santiago Benitez-Vieyra1, Marcela Moré1 e Felipe W. Amorim2
1
Laboratorio de Ecología Evolutiva – Biología Floral, Instituto Multidisciplinario de Biología Vegetal (IMBIV), CONICET –
Universidad Nacional de Córdoba, Córdoba – Argentina.
2
Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, UNESP, campus de Botucatu – São Paulo. e-mail: amorimfelipe@yahoo.
com.br
D
arwin foi um dos primeiros cientistas a propor que caracteres florais evoluem como adaptações aos
polinizadores. Em seus trabalhos ele utilizou orquídeas como alguns dos principais exemplos para
ilustrar a teoria da evolução através da seleção natural. Contudo, apenas recentemente tem sido possível testar
experimentalmente hipóteses adaptativas quantificando-se a intensidade da seleção operando em populações
naturais. Em particular, desde a década de 1980 estão disponíveis técnicas que permitem quantificar a associação entre a variação no êxito reprodutivo e as diferenças fenotípicas entre os indivíduos em uma população.
Estas técnicas permitem identificar a força, direção e forma da seleção natural atuando sobre certos caracteres
e, ao combiná-las com estudos de genética quantitativa permitem inferir sua evolução em curto prazo. Porém,
para identificar os agentes causais da seleção natural, os estudos sobre a história natural das espécies são de
fundamental importância. Desta forma, torna-se possível propor hipóteses sobre quais caracteres florais estão
submetidos à seleção natural mediada por polinizadores. Neste contexto, este capítulo discute os principais
conceitos sobre seleção natural mediada por polinizadores, bem como apresenta os principais métodos, ferramentas e técnicas atuais de análise para estudos sobre evolução floral. Nosso principal objetivo é partir de uma
fundamentação teórica para uma base empírica que forneça a estudantes e pesquisadores uma fundamentação
básica para a realização de estudos sobre seleção mediada por polinizadores.
350 ⁞ Seleção fenotípica mediada por polinizadores
Introdução
Para que ocorra a fertilização, as plantas com flores
requerem que o pólen produzido em suas anteras
alcance a superfície estigmática de flores coespecíficas (Capítulo 3). Se o grão de pólen for compatível, eventualmente a planta produzirá frutos e
sementes. Por se tratarem de organismos sésseis, as
plantas necessitam de algum vetor para que ocorra
o transporte de pólen de uma flor para outra. Tais
vetores, na maioria dos casos, são animais, os quais
são responsáveis pela polinização de aproximadamente
90% das angiospermas em todo o mundo (Ollerton
et al. 2011). Desta forma, os polinizadores atuam
como agentes seletivos sobre muitos caracteres florais
(Harder & Johnson 2009). A seleção ocorre quando
alguns indivíduos que possuem certo caractere floral
ou mesmo um conjunto de caracteres obtêm maior
êxito reprodutivo (aptidão ou fitness) em relação aos
outros indivíduos da mesma população que não possuem tais características. Se esses caracteres forem
herdáveis, ocorrerá uma mudança evolutiva de uma
geração para a seguinte. Neste sentido, a seleção natural mediada por polinizadores pode ocorrer devido
aos seguintes fatores: 1) os polinizadores preferirem
visitar indivíduos com determinados fenótipos florais dentro de uma população; ou 2) quando há um
ajuste morfológico mais preciso da flor ao corpo do
polinizador, o qual aumenta a eficácia da transferência
de pólen (Gómez & Zamora 2006).
A intensidade da seleção mediada pelos polinizadores pode ser afetada por fatores como: o sistema de
polinização, o sistema reprodutivo, a distribuição geográfica, a variação temporal na abundância dos visitantes florais e a presença de outros agentes de seleção
(e.g., herbívoros, patógenos e condições climáticas).
Em sistemas de polinização especializados, ou seja,
aqueles em que uma espécie de planta é polinizada por
um grupo específico de polinizadores (e.g., mariposas
com longos aparelhos bucais, beija-flores ermitões
ou abelhas coletoras de óleo), espera-se que a seleção
mediada por polinizadores afete diretamente o êxito
reprodutivo das espécies vegetais. Por outro lado, se
o sistema de polinização é generalista, os distintos
grupos de polinizadores podem exercer pressões de
seleção distintas, que inclusive podem ser anuladas
entre si (Johnson & Steiner 2000, Fenster et al. 2004).
Da mesma maneira, plantas autocompatíveis e capazes de se autopolinizar podem se reproduzir, embora
não exclusivamente, sem o intermédio de visitantes
florais. Nesse tipo de plantas espera-se que a seleção
mediada por polinizadores tenha um menor impacto
sobre o êxito reprodutivo. Plantas com reprodução
clonal ou com ciclo de vida perene também podem
ter uma resposta retardada aos eventos de seleção,
já que os indivíduos com menor êxito reprodutivo
podem permanecer na população por um período
mais longo.
Espécies vegetais com distribuição geográfica
ampla podem ser polinizadas por distintas guildas de
polinizadores ao logo da sua área de distribuição. Isto
possibilita que diferentes populações estejam sujeitas
a regimes distintos de seleção. Dependendo do fluxo
genético entre tais populações, pode-se originar um
mosaico geográfico no qual a forma e a intensidade
da seleção sobre os caracteres florais variam entre as
distintas populações (Thompson 2005, Anderson &
Johnson 2008, Pauw et al. 2009). Similarmente, os
padrões de seleção podem apresentar variações espaçotemporais, já que muitos grupos de polinizadores
estão suscetíveis a flutuações em suas abundâncias,
devido às mudanças nas condições climáticas, ou
mesmo na disponibilidade de recursos no ambiente.
Assim, os caracteres florais que são observados no
presente poderiam ser resultantes de eventos de seleção
pontuados no tempo e no espaço (Moré et al. 2012).
Santiago Benitez-Vieyra
Antecedentes históricos
Darwin dedicou grande parte de seu trabalho a
estudos sobre biologia da polinização (Capítulo
1) (Darwin 1859, 1862, 1877) e demonstrou que
as flores apresentam caracteres que limitam o tipo
de polinizador capaz de fertilizar a planta. Este é
o caso do ajuste entre o comprimento das flores
do trevo (Trifolium spp.) e o aparelho bucal das
abelhas que as visitam (Darwin 1859). Entretanto
um dos exemplos mais surpreendentes é o caso da
orquídea malgaxe Angraecum sesquipedale Thouars,
que possui esporões com até 29 cm de comprimento, nos quais o néctar se acumula apenas em sua
extremidade. Ao tomar conhecimento das flores
desta orquídea, Darwin (1862) supôs que a fertilização desta planta dependeria do comprimento
do esporão em conjunto com o néctar acumulado
apenas em sua extremidade. Darwin então sugeriu
que deveria existir em Madagascar uma mariposa
cuja extensão da probóscide alcançaria entre 25 e
28 cm, o que lhe permitiria acesso ao néctar. Por
tal predição, Darwin teria sido ridicularizado por
alguns entomologistas na época. Entretanto, em
1873, Fritz Müller capturou, na cidade de Itajaí
(Santa Catarina), uma espécie de mariposa, então
desconhecida, que possuía uma probóscide de 25
cm, da qual removeu a probóscide e a enviou ao seu
irmão Hermann Müller, que, por sua vez, publicou
o achado (Müller 1873). Esta espécie de mariposa,
que provavelmente se tratava de Amphimoea walkeri Boisduval 1875 (Lepidoptera, Sphingidae),
comprovou que, de fato, existiam mariposas com
probóscides extremamente longas, todavia não em
Madagascar. Contudo, em 1903, quarenta e um anos
após a predição de Darwin, uma mariposa proveniente de Madagascar e com uma probóscide igualmente longa foi descrita por Rothschild & Jordan
(1903) e historicamente batizada como Xanthopan
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Marcela Moré
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Felipe W. Amorim ⁞
351
morganii praedicta. Todavia apenas recentemente,
no ano de 1992, é que Lutz T. Wasserthal capturou
um indivíduo desta espécie transportando uma
polinária de A. sesquipedale aderida a sua probóscide, demonstrando que a polinização da orquídea
efetivamente ocorre na natureza pela mariposa de
Darwin (Arditti et al. 2012).
Apesar deste início promissor, o interesse pela
seleção natural como mecanismo de mudança evolutiva foi retomado apenas a partir das décadas de
1930 e 1940, após o período conhecido como “Síntese
Evolutiva”. Neste período houve a reconciliação da
teoria de seleção natural proposta por Darwin com
as descobertas na genética, graças principalmente
aos trabalhos de R. A. Fisher, S. Wright & J. B.
S. Haldane. Em 1950 o botânico norte-americano
Ledyard Stebbins aplicou estes conceitos à evolução de
plantas em sua influente obra Variation and Evolution
in Plants. A partir da síntese evolutiva ocorreu um
ressurgimento do interesse pelos estudos sobre a biologia da polinização (Grant 1949, Vogel et al. 1954,
van der Pijl 1961, Grant & Grant 1965, Faegri & van
der Pijl 1966, van der Pijl & Dobson 1966, Stebbins
1970, Grant 1971). A ideia subjacente a estes estudos consistia no conceito de que as características
florais seriam moldadas pelos polinizadores mais
frequentes e efetivos em uma determinada região
geográfica (“princípio do polinizador mais efetivo”)
(sensu Stebbins 1970). Tal princípio pondera que
grupos de plantas não relacionadas teriam evoluído
de modo convergente de diversas síndromes florais,
ou seja, conjuntos de caracteres florais (i.e., cor, forma, tamanho, período da antese, tipo e quantidade
da recompensa, composição química do perfume
etc.) evoluíram associados à atração e à utilização
por um grupo específico de polinizadores (Faegri &
van der Pijl 1979, Fenster et al. 2004, Willmer 2011).
Desta forma, grupos de polinizadores com diferentes
352 ⁞ Seleção fenotípica mediada por polinizadores
preferências e requerimentos energéticos (e.g., beijaflores, abelhas, esfingídeos, borboletas, morcegos
etc.) seriam os principais agentes de seleção responsáveis pela evolução conjunta destes caracteres florais.
Contudo muitas espécies de plantas são polinizadas
por mais de um grupo de polinizadores, não sendo
possível, portanto, definir claramente uma síndrome
de polinização específica (Waser et al. 1996). Por
outro lado, a presença de caracteres típicos de uma
síndrome não é suficiente para predizer o tipo efetivo de polinizador, por isto é necessário não apenas
confirmar a identidade do polinizador mediante
observações diretas no campo, mas quantificar sua
contribuição relativa para o sucesso reprodutivo da
planta (Muchhala et al. 2009, Maruyama et al. 2010,
Amorim et al. 2013).
A maioria dos trabalhos publicados até o final da
década de 1970 baseava-se no “programa adaptacionista”, o qual assumia a quase onipotência da seleção
natural como fator moldador da morfologia e do
comportamento dos seres vivos. Isto ocorria de forma
tal, que qualquer característica, independentemente
da possibilidade de designá-la ou não uma função,
era considerada uma possível forma de adaptação.
O “programa adaptacionista” foi então duramente
criticado por Gould & Lewontin (1979), os quais
enfatizaram em seu clássico trabalho a necessidade
de analisar a evolução dos organismos como uma
unidade integrada, além de considerar a importância
de outros fatores como a deriva genética, as restrições
do desenvolvimento, assim como a história evolutiva.
Em parte, como consequência destas críticas, em
1983 a dupla de pesquisadores norte-americanos
Russell Lande e Stevan J. Arnold viram a necessidade de propor um método que fundamentasse as
evidências quantitativas da ação da seleção natural
e que, particularmente, levasse em consideração a
existência de associações entre caracteres, em vez de
considerar a seleção uma força que apenas aprimora
determinados caracteres isoladamente.
Alguns estudos analisaram rigorosamente a relação entre a aptidão (fitness) das plantas e os caracteres
fenotípicos, levando em consideração as preferências dos polinizadores sobre tais caracteres (Miller
1981, Waser & Price 1981, 1983, Nilsson 1988).
Entretanto, apenas a partir do estabelecimento das
técnicas quantitativas (Lande & Arnold 1983), a
estimativa da seleção sobre os caracteres florais foi
definitivamente incorporada aos estudos de biologia
da polinização (para uma ampla revisão, veja Harder
& Johnson 2009). Estas técnicas constituem uma
excelente base para inferir quais caracteres florais
poderiam estar sob o efeito da seleção natural mediada
por polinizadores, especialmente quando utilizadas
em conjunto com estudos detalhados da biologia da
polinização e experimentos nos quais o fenótipo floral
é manipulado para identificar os agentes causais da
seleção (Nilsson 1988).
Métodos para estimar a seleção
fenotípica
Para que a seleção natural possa operar é necessário:
1) que exista variação fenotípica em determinado
caractere; 2) que haja uma relação consistente entre
a variação fenotípica no caractere e a variação do
êxito reprodutivo do organismo ( fitness); e 3) que
uma proporção significativa da variação fenotípica
seja herdável, ou seja, tenha origem genética (Conner
& Hartl 2004). Neste capítulo nós descreveremos
como detectar a seleção sobre os fenótipos, ou seja,
os itens 1 e 2 citados. Os métodos desenvolvidos
para estimar a herdabilidade vão além do escopo
do capítulo e têm sido tratados detalhadamente por
Falconer & MacKay (1996).
Santiago Benitez-Vieyra
Price (1970) demonstrou que a seleção direcional sobre um caractere pode ser estimada como: s
= cov(w, z), onde s é o diferencial de seleção linear,
o qual equivale à covariância do êxito reprodutivo
relativo do organismo (w = êxito reprodutivo do
indivíduo/êxito reprodutivo médio da população), e
o caractere (z). Esta demonstração teve uma grande
importância prática, já que permitiu estimar a seleção sobre um caractere sem a necessidade de medir
a mudança no seu valor médio entre os indivíduos
parentais e sua descendência. Contudo a presença
de correlações entre os caracteres de um organismo
representa o maior desafio para estimar a seleção
fenotípica, já que a seleção natural sobre determinado caractere não tem consequências apenas na
distribuição deste caractere dentro da população,
mas também possui efeitos indiretos sobre outros
caracteres que se encontrem correlacionados. Os
diferenciais de seleção, portanto, estimam a seleção
total sem separar os efeitos diretos e indiretos, então
não se pode saber qual caractere encontra-se sob o
efeito da seleção.
Posteriormente, Lande & Arnold (1983) desenvolveram um método matemático que fornece
evidências quantitativas da ação da seleção levando
em consideração a existência de associações entre
caracteres, método este que, combinado com aproximações da genética quantitativa, permite predizer
a mudança evolutiva (Lande & Arnold 1983; Arnold
& Wade 1984). Estes autores utilizaram técnicas bem
conhecidas de regressões múltiplas para esse fim e
conseguiram estabelecer um método padronizado,
que permite quantificar o tipo e a intensidade da
seleção direta que atua sobre um grupo de caracteres,
conforme a seguinte equação:
1
𝑤𝑤 = 𝛼𝛼 + �(𝛽𝛽𝑖𝑖 𝑧𝑧𝑖𝑖 ) + ��𝛾𝛾𝑖𝑖𝑖𝑖 𝑧𝑧𝑖𝑖2 � + � ��𝛾𝛾𝑖𝑖𝑖𝑖 𝑧𝑧𝑖𝑖 𝑧𝑧𝑗𝑗 � + 𝜀𝜀
2
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Marcela Moré
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Felipe W. Amorim ⁞
353
Onde w é o êxito reprodutivo relativo, z é o
valor padronizado do caractere e os coeficientes de
regressão parciais obtidos (β e γ) são conhecidos como
gradientes de seleção. A diferença entre os diferenciais
de seleção estima unicamente o efeito direto da seleção
sobre um caractere com independência dos efeitos
indiretos atribuídos aos outros caracteres incluídos
no modelo. Os gradientes de seleção linear (βi) estimam as mudanças na média do fenótipo e descrevem
uma função de êxito reprodutivo linear, que pode ser
positiva ou negativa, dependendo do aumento ou
diminuição do valor do êxito reprodutivo, respectivamente, à medida que aumenta o valor do caractere
fenotípico (Figs. 16.1 A,B). Os gradientes de seleção
não linear (γii), por sua vez, descrevem a curvatura em
função do êxito reprodutivo e estimam mudanças na
variância fenotípica. Se o êxito reprodutivo é maior
nos valores extremos do fenótipo e menor nos valores
intermediários, o valor do gradiente de seleção não
linear (γii) será positivo, caracterizando seleção do tipo
disruptiva (Fig. 16.1 C). No caso oposto, quando o
êxito reprodutivo é maior em valores intermediários
do fenótipo e menor nos valores extremos, o valor
do gradiente de seleção não linear (γii) será negativo,
caracterizando seleção do tipo estabilizadora (Fig.
16.1 D). A interpretação destes gradientes, por sua
vez, requer que a forma da relação entre o caractere
estudado e o êxito reprodutivo seja visualizada, já que
os padrões de seleção podem estar combinados (Fig.
16.1 E). Adicionalmente, em determinados casos,
os gradientes quadráticos podem indicar a presença
de curvatura significativa, porém sem que exista
um máximo ou mínimo interno na função do êxito
reprodutivo (Fig. 16.1 F). Finalmente, os gradientes
de seleção correlacionais (γij) representam casos nos
quais determinadas combinações de caracteres têm
valores de êxito reprodutivo maiores do que outras
combinações e, desta forma, estimam mudanças na
covariância dos caracteres (Fig. 16.2).
Êxito reprodutivo
354 ⁞ Seleção fenotípica mediada por polinizadores
B
C
D
E
F
Êxito reprodutivo
A
Figura 16.1 Formas de seleção sobre o comprimento do tubo floral. As flores abaixo dos histogramas ilustram comprimento
do tubo da corola em cada intervalo de classe. As barras e flores marcadas em cinza representam as mudanças possíveis na
média do fenótipo floral descritas pelos gradientes de seleção (β e γ). (A) Seleção direcional positiva, na qual o maior fitness
é observado em plantas com tubos florais mais longos, ou seja, função de fitness linear (βi) positiva. (B) Seleção direcional
negativa, na qual o maior fitness é observado em indivíduos com tubos florais mais curtos, o que reflete uma função de fitness
linear (βi) negativa. (C) Seleção disruptiva, na qual fenótipos florais extremos são selecionados em detrimento dos fenótipos
florais intermediários, caracterizando uma função de fitness não linear (γii) positiva. (D) Seleção do tipo estabilizadora, na
qual o fitness de plantas com tubos florais intermediários é maior do que nos extremos, descrevendo uma função de fitness não
linear (γii) negativo. Os dois exemplos seguintes (E e F) são peculiares, pois o modelo de Lande & Arnold (1983) detecta valores
significativos de β e γ, porém (E) representa uma combinação de seleção linear direcional positiva e seleção estabilizadora, na
qual o fenótipo ótimo não é observado nem em plantas com tubos florais intermediários (média da população), tampouco em
plantas com tubos mais longos (fenótipo floral extremo); ao passo que em (F) a seleção é apenas direcional, já que o fenótipo
selecionado é um dos extremos.
Santiago Benitez-Vieyra
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Marcela Moré
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355
Figura 16.2 Superfície de seleção apresentando o êxito reprodutivo em função da combinação de dois caracteres florais: diâmetro
e comprimento da corola. As cores mais claras indicam regiões de maior êxito reprodutivo.
Métodos complementares para estimar
a seleção fenotípica
O método proposto por Lande & Arnold (1983) tem
enfrentado objeções tanto metodológicas (devido às
limitações estatísticas inerentes à regressão múltipla)
quanto conceituais (provenientes de sua natureza
correlativa, que impede determinar as causas da seleção sobre determinado caractere a menos que se
realizem estudos experimentais). Contudo, até o
presente, este é o método padrão para quantificar a
seleção fenotípica e é utilizado amplamente por sua
relativa simplicidade, o que permite estimar parâmetros úteis em estudos comparativos, porém este
método geralmente necessita ser complementando
com métodos alternativos.
Apenas quatro anos após da publicação do trabalho de Lande & Arnold (1983), Mitchell-Olds &
Shaw (1987) resumiram os pressupostos estatísticos
da análise de regressão múltipla aplicada aos estudos
de seleção natural e mostraram que estes pressupostos
são habitualmente violados. Posteriormente, Schluter
(1988) destacou que a relação entre o fenótipo e o
êxito reprodutivo (função ou superfície do êxito reprodutivo) não é necessariamente linear quadrática,
de modo que o modelo de Lande & Arnold representa apenas uma simplificação. A seguir enunciaremos essas limitações estatísticas, assim como os
métodos complementares utilizados para superá-las.
Posteriormente abordaremos algumas alternativas
para testar hipóteses adaptativas que permitam extrair
conclusões sobre as causas da seleção.
356 ⁞ Seleção fenotípica mediada por polinizadores
1. As provas de significância nos modelos de
regressão assumem uma distribuição normal
e homogênea dos erros. Desta forma, é muito
provável que estudos que utilizem medidas
discretas de êxito reprodutivo (e.g., sobrevivência), contagens (número de sementes, frutos,
plântulas, polinárias ou grãos de pólen) ou
proporções (percentual de frutificação) sofram
de tais limitações, uma vez que nessas medidas
não se pode estimar adequadamente a significância dos gradientes de seleção de acordo com
os métodos tradicionais. Para esses casos, várias
soluções possíveis têm sido propostas, como,
por exemplo, a utilização de modelos lineares
generalizados para estimar a significância dos
gradientes de seleção. Entretanto, o valor do
gradiente deve ser estimado por meio do modelo tradicional (Brodie & Janzen 1994). No
caso particular de medidas binárias de êxito
reprodutivo, como a sobrevivência (sim/não),
é possível utilizar-se do método de regressão
logística e obter o valor dos gradientes de seleção a partir da transformação dos gradientes
logísticos (Janzen & Stern 1998). Os métodos de reamostragem, em especial bootstrap,
também têm sido comumente utilizados nas
análises de seleção (Gross et al. 1998; Maad
& Alexandersson 2004; Benitez-Vieyra et al.
2012), uma vez que não assumem uma distribuição em particular dos dados.
2. A presença de elevado grau de colinearidade
entre as variáveis fenotípicas estudadas, isto
é, quando tais variáveis encontram-se fortemente associadas, impede que o valor dos
gradientes de seleção e sua significância sejam
estimados adequadamente. Neste caso, a única solução é remover variáveis do modelo ou
reduzir seu número aplicando algum método
multivariado, como análise de componentes principais (PCA) (conforme sugerido por
Lande & Arnold 1983), ou, então, utilizandose quadrados parciais mínimos (partial least
squares) (Gómez et al. 2006).
3. O modelo quadrático de Lande & Arnold é
pouco adequado para descrever superfícies de
êxito reprodutivo complexas. Modelos univariados podem falhar detectando seleção não
linear significativa quando não há seleção
disruptiva ou estabilizadora (Fig. 16.1 F), ou
mesmo na completa ausência de qualquer tipo
de seleção não linear (Schluter 1988). Para
visualizar a relação entre o êxito reprodutivo
e um caractere fenotípico sem realizar suposições a priori sobre a forma desta relação,
Schluter (1988) sugeriu o uso da técnica de
splines cúbica (cubic splines), que consiste em
um método de regressão não paramétrica que
desde então tem sido amplamente utilizado
como complementar para visualizar a forma
e a função do fitness (Benitez-Vieyra et al.
2006; Benitez-Vieyra et al. 2009; Moré et al.
2012). Recentemente, Morrissey & Sakrejda
(no prelo) propuseram um método que permite extrair os gradientes de seleção a partir
de funções não paramétricas, como os cubic
splines. Em modelos multivariados, diferentes
alternativas têm sido propostas para visualizar
as superfícies de êxito reprodutivo que envolvem
dois ou mais caracteres fenotípicos: projection
pursuit regression (Schluter & Nychka 1994),
thin-plate splines (Blows et al. 2003) e rotação
canônica (Reynolds et al. 2010).
4. O modelo de Lande & Arnold (1983) é
principalmente descritivo, uma vez que não
oferece a informação sobre as causas das diferenças no êxito reprodutivo entre indivíduos
Santiago Benitez-Vieyra
(Mitchel-Olds & Shaw 1987; Pigliucci &
Kaplan 2006). Fatores não mensurados poderiam afetar o êxito reprodutivo como os
caracteres das plantas (e.g., diferenças entre
os recursos disponíveis), ocasionando uma
covariação entre esses caracteres e o êxito
reprodutivo que poderia ser interpretada erroneamente como uma evidência de seleção.
Para evitar tais problemas podem ser realizados
experimentos, do quais seja removido o agente
de seleção (Sletvold & Ågren 2010; Sletvold
et al. 2012), ou podem-se construir hipóteses
adaptativas alternativas utilizando-se técnicas
como a análise de rotas (path analysis) (Crespi
& Bookstein 1989; Conner 1996) para que se
possa determinar qual dessas hipóteses é mais
corroborada pelos dados.
Estudos sobre seleção fenotípica
mediada por polinizadores
Para obter um panorama dos estudos sobre seleção
mediada por polinizadores realizados no mundo
desde a publicação do artigo de Lande & Arnold
(1983) foi realizada uma pesquisa na Web of Science
utilizando-se como critérios de busca a seguinte combinação de palavras-chave: phenotypic selection e pollination ou pollinator-mediated selection no período
compreendido de 1983 até 1º de janeiro de 2013.
Obtivemos duzentos e cinquenta e sete resultados,
dos quais cento e vinte e cinco haviam estudado a
seleção mediada por polinizadores sobre caracteres
florais ou fenológicos (Tab. 16.1, Apêndice 1). Esta
revisão bibliográfica foi utilizada para examinar quais
caracteres florais têm sido objeto destes estudos. Os
caracteres florais foram classificados em dois grandes
grupos: caracteres de ajuste morfológico e de atração
(Tab. 16.1). Os primeiros estão relacionados ao ajuste
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Marcela Moré
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Felipe W. Amorim ⁞
357
morfológico entre a flor e o polinizador e, desta forma, determinam majoritariamente a efetividade na
remoção e deposição do pólen. Já o segundo grupo
está relacionado com a atração dos polinizadores e
afetam diretamente seu comportamento. Do total
dos cento e vinte e cinco trabalhos, nove focaram-se
exclusivamente no estudo da seleção sobre a fenologia
floral, logo não foram incluídos nas categorias anteriores. Dos demais estudos, sessenta e oito abordaram
o efeito da seleção mediada por polinizadores sobre
caracteres de ajuste morfológico e noventa e dois,
sobre caracteres de atração dos polinizadores. Além
disso, quarenta e sete estudos fizeram perguntas sobre a seleção tanto de caracteres de ajuste quanto de
atração (Tab. 16.1). Apesar de os estudos sobre seleção
de caracteres atrativos serem maioria, vale a pena
mencionar que grande parte deles se concentra no
número e no tamanho das flores, sendo que poucos
investigaram caracteres com uma relação mais estreita com as capacidades sensoriais dos polinizadores,
como forma (nove estudos), cor (dez estudos, em sua
maioria qualitativos) e quantidade ou qualidade da
recompensa (cinco estudos) ou das fragrâncias florais
(apenas três estudos recentes).
Os primeiros estudos sobre seleção fenotípica
em caracteres florais apareceram em 1989, seis anos
após a proposição do modelo e Lande & Arnold. A
partir de então, o número de trabalhos publicados por
ano sobre o assunto tem aumentado, com um pico
de vinte e dois estudos publicados no ano de 2010.
A maioria desses estudos foi realizada em regiões
temperadas do hemisfério Norte, sendo: América do
Norte (43%) e Europa (34%), seguidas pela América
Latina (13%). África, Ásia e Oceania reúnem, no total,
os 10% restantes. Na América Latina, em particular,
seis estudos foram realizados na Argentina, cinco
no México, quatro no Chile e apenas um estudo no
Brasil e um em Porto Rico. Vale mencionar que, com
358 ⁞ Seleção fenotípica mediada por polinizadores
Tabela 16.1 Panorama dos estudos sobre seleção fenotípica mediada por polinizadores realizados no mundo
do ano de 1983 a janeiro de 2013 e tipos de caracteres sob o efeito da seleção natural analisados em cada
estudo. Os números indicados na coluna “Referência” correspondem aos números dos artigos listados no
Apêndice 1
Caractere
Exemplos
Referência
Ajuste
Comprimento tubo da corola
Comprimento da flor
(n = 47)
Comprimento do esporão
Largura da corola
Largura da corona
Largura operativa (n = 25)
Largura do tubo
Largura da fenda estigmática
(Asclepiadoideae)
2, 3, 13, 15, 18, 19, 22, 23, 24,
26, 30, 31, 32, 33, 37, 38, 43,
47, 48, 49, 54, 55, 58, 59, 60,
66, 67, 69, 75, 77, 78, 79, 80,
82, 86, 91, 92, 103, 104, 105,
109, 111, 112, 113, 114, 115,
125
22, 23, 24, 26, 27, 28, 30, 31,
32, 33, 34, 48, 49,54, 58, 60,
66, 69, 77, 82, 99, 103, 111,
121,124
Distância mín. entre o estigma e a
glândula de resina
Distância entre o nectário e as
anteras
Distância operativa (separação entre antera/estigma e o
recurso) (n = 25)
Distância mín. entre o estigma e o
nectário
Altura do estame
Altura do estigma
8, 12, 18, 20, 22, 23, 29, 33,
34, 39, 40, 41, 42, 54, 55 68,
71, 75, 82, 90, 92, 96, 102,
103, 106
Exerção da antera
Exerção do estigma
Comprimento do “chifre” do polinário (Asclepiadoideae)
Hercogamia (n = 8)W
Outros (n = 2)
Distância entre anteras e estigma
37, 48, 49, 75, 77, 83, 96, 100
Integração floral
96
Adesão do pólen
44
Santiago Benitez-Vieyra
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Marcela Moré
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359
Tabela 16.1 Continuação
Atração
Flor
Inflorescência
Altura (n = 33)
Planta
Haste
Ramo principal
Tamanho do display floral
(n = 63)
1, 2, 3, 4, 5, 6, 11, 12, 43, 58,
59, 60, 66, 69, 71, 72, 76, 79,
80, 82, 89, 93, 95, 97, 98, 99,
103, 112, 115, 119, 120, 121,
122
1, 4, 5, 6, 7, 12, 13, 15, 16, 19,
21, 30, 31, 32, 33, 39, 40, 41,
Número de flores por inflorescência
42, 43, 46, 50, 53, 54, 57, 58,
59, 60, 61, 62, 63, 65, 66, 68,
Número de ramos floríferos
71, 73, 75, 76, 78, 79, 80, 82,
Número de inflorescências por planta
86, 87, 89, 96, 93, 94, 97, 98,
Número de flores por planta
99, 101, 104, 106, 108, 110,
Número médio de flores
112, 113, 114, 115, 118, 119,
121
Densidade floral
Tamanho do osmóforo
Fragrância floral (n = 3)
Emissão total de odores por
inflorescência
15, 99, 110
Componentes principais dos compostos da fragrância
Forma da flor (n = 9)
Morfometria geométrica
(relativewarps)
Assimetria flutuante
14, 59, 61, 62, 65, 75, 81, 89,
90
Qualitativo
Cor da flor (n = 10)
Chroma-hue-bright
Visão subjetiva da abelha (hexágono
de Chittka)
25, 26, 35, 51, 52, 57, 75, 98,
99, 120
Quantidade de resina visível
Recurso floral (n = 5)
Quantidade de néctar
Quantidade de açúcares
9, 16, 77, 82, 90
Tamanho do elaióforo
Posição da flor (n = 2)
Ângulo da apresentação da flor
Comprimento do pedicelo
36, 68
360 ⁞ Seleção fenotípica mediada por polinizadores
Tabela 16.1 Continuação
Área/comprimento/largura da corola
Área/comprimento/largura da pétala
Área/comprimento/largura da tépala
Área/comprimento/largura do raio
Área/comprimento/largura do labelo
Tamanho da flor (n = 70)
Comprimento/largura da sépala
Comprimento/largura da bráctea
Comprimento da quilha (Fabaceae)
Comprimento das asas (Fabaceae)
PCs (incluindo diversos caracteres
florais)
5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 14, 15, 16,
19, 20, 21, 25, 33, 34, 36, 38,
39, 40, 41, 42, 43, 45, 51, 53,
54, 55, 57, 58, 59, 60, 62, 63,
64, 65, 67, 68, 70, 75, 81, 82,
83, 84, 85, 87, 89, 90, 91, 92,
95, 96, 97, 98, 99, 103, 104,
105, 106, 107, 108, 109, 111,
112, 115, 119, 120, 121, 124,
125
Massa floral
Outros (n = 1)
“Honestidade” floral
exceção dos Estados Unidos (com quarenta e oito
trabalhos), poucos estudos sobre seleção fenotípica
mediada por polinizadores têm sido realizados em
países megadiversos.
Os estudos foram realizados em espécies pertencentes a quatro ordens de monocotiledôneas e
dezesseis ordens de eudicotiledôneas. As famílias
com maior número de estudos foram Brassicaceae,
Orchidaceae e Polemoniaceae. A maioria dos estudos
(78%) apontou que as espécies de plantas estudadas
dependiam da visita dos polinizadores para sua reprodução (e.g., separação espacial ou temporal entre
anteras e estigmas, impedindo a autopolinização ou
mesmo autocompatibilidade genética). Em relação ao
sistema de polinização, quarenta e uma das cento e
vinte e nove espécies estudadas apresentaram sistema
generalista (polinizadas por dois ou mais grupos de
polinizadores) e oitenta e oito foram especialistas.
Entre estas destacam-se as espécies polinizadas por
16
himenópteros (cinquenta estudos), seguidos por beija-flores (dezesseis estudos), lepidópteros (um estudo
com Lepidoptera diurno e dezoito com noturnos) e
dípteros (cinco estudos). Vale mencionar que, entre
as espécies polinizadas por himenópteros, apenas
seis trabalhos estudaram espécies polinizadas por
abelhas que utilizam outros recursos florais distintos
do néctar (óleo, resinas ou pólen) e um que estudou
a polinização por engano sexual.
“Equilíbrios e desequilíbrios
armamentistas”: seleção fenotípica
em espécies de Habenaria
O gênero Habenaria (Orchidaceae) possui flores dotadas de esporões nectaríferos formados por um prolongamento do labelo, os quais podem alcançar até 20
cm de comprimento (Batista et al. 2006). O Brasil é o
centro de diversidade do grupo e abriga cerca de cento
Santiago Benitez-Vieyra
e setenta espécies (Batista et al. 2006; 2013). Espécies
de Habenaria com esporões extremamente longos
dependem de um mecanismo de polinização muito
preciso, no qual ocorre um ajuste mecânico entre a
flor e as cabeças dos polinizadores: mariposas da família Sphingidae com aparelhos bucais muito longos
(Singer & Cocucci 1997; Moré et al. 2012; Pedron et
al. 2012). Este ajuste flor-polinizador permite que haja
a adesão das polinárias a distintas regiões da cabeça
da mariposa (a região específica depende da espécie
de orquídea) e o subsequente transporte do pólen aos
estigmas de flores coespecíficas (Singer & Cocucci
1997; Moré et al. 2012; Pedron et al. 2012). Logo,
para que a polinização seja efetiva, o aparelho bucal
dos polinizadores deve ter um comprimento igual
ou menor ao dos esporões das orquídeas. Aparelhos
bucais mais longos permitem maior acesso ao néctar
contido nos tubos florais (veja Pauw et al. 2009), logo,
caso o aparelho bucal da mariposa seja mais longo
que o esporão, o visitante floral acessará o néctar
sem remover as polinárias e/ou tocar os estigmas,
não havendo, portanto, a polinização (Whitall &
Hodges 2007). Tal cenário gera pressões mútuas para
A
♦
Marcela Moré
♦
Felipe W. Amorim ⁞
361
o aumento das estruturas morfológicas envolvidas na
interação (esporões e probóscides) tal qual em uma
“corrida armamentista”.
Como a reprodução sexuada nesse grupo de orquídeas é dependente da atividade de polinizadores,
possivelmente polinizadores atuam como agentes seletivos da morfologia floral em espécies de Habenaria
com sistema de polinização altamente especializado.
Para testar tal hipótese, Moré et al. (2012) avaliaram
a ocorrência de seleção mediada por polinizadores
em três espécies sul-americanas de Habenaria esfingófilas: Habenaria gourlieana Gillies ex Lindl.,
em uma área de vegetação Graminosa Montana na
Argentina Central, H. johannensis Barb. Rodr. e
H. paulistana J.N.Bat & Bianch., em uma área de
Floresta Ombrófila Montana na Mata Atlântica do
sudeste do Brasil (Fig. 16.3).
Para entender se os esfingídeos atuam como
agentes seletivos da morfologia floral foi analisado o
equilíbrio entre as morfologias de probóscides e dos
esporões em cada população de Habenaria estudada. Conjuntamente, foram aplicadas as técnicas de
B
C
Figura 16.3 Morfologia floral de espécies de Habenaria com esporões extremante longos. (A) Habenaria gourlieana. (B) Habenaria
johannensis. (C) Habenaria paulistana. O comprimento do tubo floral nessas espécies varia de 9 a 17 cm. Modificado de Moré et
al., 2012.
362 ⁞ Seleção fenotípica mediada por polinizadores
Lande & Arnold (1983) para estimar a intensidade
e o padrão de seleção fenotípica atuando sobre dois
caracteres sob o possível efeito da seleção natural:
1) comprimento dos esporões (caractere de ajuste);
e 2) número total de flores por planta (caractere de atração). Para tal, a fauna de Sphingidae foi
amostrada em ambas as áreas durante a floração
de cada espécie, de forma a determinar os possíveis
polinizadores. Também foram quantificados dois
componentes do êxito reprodutivo das três espécies
estudadas: o êxito reprodutivo da função masculina
da flor (número de polinárias exportadas) e o êxito
reprodutivo da função feminina (número de frutos
formados). O estudo observou um “equilíbrio armamentista” apenas na população de H. gourlieana
(da Argentina), na qual o comprimento médio do
esporão na espécie e das probóscides dos polinizadores observados apresentou uma correspondência
morfológica. Nesta espécie os polinizadores tinham
acesso ao néctar em flores da maioria dos indivíduos dentro da população (Fig. 16.4 A). Já em H.
johannensis e H. paulistana (populações brasileiras),
o comprimento médio das probóscides dos visitantes
florais não foi suficientemente longo para alcançar
o néctar nas flores da maioria dos indivíduos de
ambas as populações (Figs. 16.4 B,C), o que revela
um “desequilíbrio armamentista” entre flores e polinizadores. Por sua vez, a ocorrência de equilíbrio
e desequilíbrio entre os caracteres envolvidos na
interação planta-polinizador acarreta efeitos diretos
sobre o padrão de seleção fenotípica encontrado
para cada uma das espécies de Habenaria. A seleção direcional positiva sobre o comprimento do
esporão foi observada apenas na população de H.
gourlieana através da função masculina da flor (Fig.
16.5 A, Tab. 16.2). Isto quer dizer que flores com
esporões mais longos exportaram mais polinárias do
que aquelas com tubos florais mais curtos. Em H.
gourlieana também foi constatada seleção direcional
positiva sobre o número total de flores produzidas
por planta através das funções tanto masculina
quanto feminina (Figs. 16.5 B,C; Tab. 16.2). Para
as populações brasileiras, em H. johannensis foi
observada apenas seleção disruptiva sobre o comprimento do esporão através da função masculina da
flor (Fig. 16.5 D, Tab. 16.2). Já em H. pauslitana,
população que apresentou maior desequilíbrio armamentista (Fig. 16.4 C), não foi encontrado um
padrão de seleção sobre o comprimento do esporão,
mas apenas sobre o número total de flores por planta
através de ambas as funções sexuais da flor (Figs.
16.5 E,F; Tab. 16.2).
Os resultados encontrados nesse estudo com
orquídeas esfingófilas altamente especializadas são
consistentes com o ajustamento morfológico entre
a flor e o polinizador, como esperado desde as clássicas observações de Darwin (1862). A ocorrência
de desequilíbrios morfológicos entre probóscides e
esporões de certa forma explica a ausência de seleção
sobre o comprimento do esporão. Entretanto resta
saber como estas flores evoluíram esporões tão longos, especialmente na ausência de mariposas com
probóscides mais longas. De forma geral, devido às
restrições do desenvolvimento e às diferenças fisiológicas intrínsecas, plantas tendem a possuir caracteres
morfológicos mais exagerados que os polinizadores
(Anderson et al. 2010). Adicionalmente, a ausência
de esfingídeos com probóscides extremamente longas
(os quais podem atuar como agentes de seleção) pode
ser atribuída às flutuações espaçotemporais na fauna
de Sphingidae (Janzen 1986; Amorim et al. 2009).
Logo, a seleção sobre o comprimento dos esporões
pode ter operado em períodos nos quais esfingídeos
com probóscides mais longas eram mais abundantes
na área, o que sugere que o comprimento atual dos
esporões deve ser resultado de eventos pontuados
de seleção através do tempo. Desta forma, o estudo
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Marcela Moré
♦
Felipe W. Amorim ⁞
363
10 15 20 25 3 0
Habenaria gourlieana
A
0
5
Frequência
Santiago Benitez-Vieyra
5
10
15
10 15 20 25 3 0
Habenaria johannensis
B
0
5
Frequência
0
5
10
15
10 15 20 25 3 0
Habenaria paulistana
C
0
5
Frequência
0
0
5
10
15
Figura 16.4 Equilíbrio e desequilíbrios entre as morfologias das flores (comprimento do tubo floral) e de seus polinizadores (comprimento da probóscide). As barras negras representam a distribuição do comprimento do esporão nas três espécies de Habenaria
e as barras cinzas, os histogramas corrigidos de acordo com a altura média da coluna de néctar acumulada dentro do esporão de
cada espécie. As linhas verticais no eixo x mostram o comprimento das probóscides de todas os esfingídeos capturados durante
o período de floração das orquídeas; já os círculos representam aquelas espécies de esfingídeos vistas visitando as flores (círculos
fechados), ou capturadas carregando polinárias aderidas aos olhos (circulos abertos). Modificado de Moré et al., 2012.
364 ⁞ Seleção fenotípica mediada por polinizadores
20
15
10
5
A
0
11
10
12
13
Polinários exportados por planta
Polinários exportados por planta
20
15
10
5
B
0
5
14
10
Comprimento do esporão (cm)
Número de flores
20
15
10
5
C
0
10
15
Polinários exportados por planta
Frutos produzidos por planta
20
15
10
5
D
0
20
11
Número de flores
12
13
14
15
16
Comprimento do esporão (cm)
20
Frutos produzidos por planta
20
Polinários exportados por planta
15
15
10
5
E
0
5
10
15
20
Número de flores
25
30
15
10
5
F
0
5
10
15
20
25
30
Número de flores
Figura 16.5 Regressões (splines cúbica) entre os caracteres florais (número de flores e comprimento do esporão) e as medidas de
êxito reprodutivo masculino (polinários exportados por planta) e feminino (frutos produzidos por planta) nas três espécies de
Habenaria: (A-B) Habenaria gourlieana; (C-D) Habenaria johannensis; (E-F) Habenaria paulistana. Modificado de Moré et al., 2012.
0,15 (0,08) *
0,56 (0,09) ***
0,03 (0,31)
0,30 (0,26)
0,11 (0,07)
0,48 (0,07) ***
Comp. do
esporão
Núm. de
flores
Comp. do
esporão
Núm. de
flores
Comp. do
esporão
Núm. de
flores
0,14 (0,13)
-0,39 (0,36)
0,23 (0,11)
0,60 (0,18) ***
0,14 (0,12)
0,57 (0,47)
0,19 (0,26)
0,80 (0,11) ***
0,14 (0,11)
βi (EP)
0,31 (0,27)
-0,22 (0,18)
0,80 (0,89)
0,43 (0,51)
0,43 (0.19) *
0,12 (0,17)
γii (EP)
-0,01 (0,23)
-0,36 (0,47)
0,13 (0,14)
♦
-0,04 (0,13)
-0,14 (0,12)
0,52 (0,49)
1,22 (0,52) **
0,08 (0,17)
0,02 (0,11)
γii (EP)
γij (EP)
Núm. de
flores
Marcela Moré
Gradientes de seleção linear (βi), gradientes de seleção não linear (γii), gradientes de seleção correlacional (γij) e erros padrão (EP).
Os erros padrão e a significância dos gradientes de seleção foram estimados utilizando-se 10.000 bootstraps. *p < 0,05; **p < 0,01; ***p < 0,001.
βi (EP)
Caractere
γij (EP)
Núm. de
flores
Função feminina
♦
Habenaria paulistana
(n = 64)
Habenaria johannensis
(n = 63)
Habenaria gourlieana
(n = 81)
Espécies
Função masculina
Tabela 16.2 Seleção fenotípica multivariada sobre o comprimento do esporão e o número de flores através das funções masculina e feminina
da flor em Habenaria gourlieana, H. johannensis e H. paulistana. Modificado de Moré et al. (2012)
Santiago Benitez-Vieyra
Felipe W. Amorim ⁞
365
366 ⁞ Seleção fenotípica mediada por polinizadores
com espécies de Habenaria reforça a ideia de que os
mecanismos de seleção mediada por polinizadores
podem ser variáveis tanto em escala espacial quanto
temporal (Schemske & Horovitz 1989; Siepielski et
al. 2009; Anderson et al. 2010).
2010; Kulbaba & Worley 2012; Mitchell et al. 1998;
Nattero et al. 2010). Tampouco a relação entre a
quantidade de recursos florais e outros caracteres de
atração, ou seja, a “honestidade” dos sinais florais
(veja Benitez-Vieyra et al. 2010), têm sido, até o
momento, objetos de estudos de seleção.
Perspectivas
Torna-se importante ressaltar que a maioria dos
estudos utiliza-se exclusivamente de medidas de êxito
reprodutivo feminino, como a produção de frutos e
sementes, como parâmetro para estimar a seleção
mediada por polinizadores. Com exceção de plantas
das famílias Orchidaceae e Apocynaceae, nas quais
se pode mais facilmente estimar o êxito reprodutivo masculino a partir da quantificação do pólen
exportado (uma vez que em espécies destas famílias
o pólen encontra-se agrupado em polinárias), são
extremamente escassos os trabalhos que incorporam
medidas de êxito reprodutivo masculino. Para tal, esses
estudos dependem da utilização de análises genéticas,
como análises de paternidade, a fim de determinar o
êxito reprodutivo masculino, muitas vezes avaliado
em condições controladas e experimentais (Kulbaba
& Worley 2012). Adicionalmente, a maioria dos estudos não leva em consideração hipóteses alternativas
para explicar os padrões de seleção observados. Por
exemplo, caracteres sob o efeito da seleção mediada
por polinizadores podem, ao mesmo tempo, estar sob
o efeito da seleção de outros agentes, como herbívoros,
ou, então, ser afetados pela disponibilidade de recursos
(Capítulos 4 e 5). Muitas dessas hipóteses alternativas
poderiam ser avaliadas mediante técnicas como as
análises de rotas (path analysis) associadas à modelagem de equações estruturais (Gómez et al. 2009).
Por outro lado, para identificar os possíveis agentes
causais da seleção sobre os caracteres florais, torna-se
necessário complementar os estudos de seleção sobre
determinado fenótipo floral com a história natural da
espécie estudada. Tais estudos podem ser realizados
Até o momento, a maioria dos estudos sobre seleção fenotípica mediada por polinizadores tem
focado em caracteres relacionados ao display e
uma pequena parcela desses estudos, em caracteres
relacionados ao ajuste morfológico flor-polinizador. Futuramente esses estudos devem incluir com
maior frequência caracteres florais pouco estudados
(cor e odor) devido principalmente às dificuldades
técnicas em sua quantificação, como no caso de
caracteres estreitamente relacionados à capacidade
sensorial dos polinizadores. Atualmente, técnicas
como a cromatografia gasosa e a eletroantenografia permitem caracterizar e também quantificar
os compostos químicos presentes nas fragrâncias
florais e determinar quais deles são efetivamente
detectados pelo sistema olfativo dos polinizadores
(Schiestl et al. 2011). Por outro lado, a espectrofotometria permite quantificar o espectro de reflexão
luminosa das flores tanto dentro da faixa de luz
visível quanto na faixa do ultravioleta (visível pela
maioria dos insetos, mas não pela visão humana).
Complementarmente, pode-se manipular o padrão
de cor das flores para avaliar o modo pelo qual a
cor é percebida por um grupo de polinizadores
específico (Campbell et al. 2012).
Outros caracteres como as recompensas florais
(néctar, óleos, resinas, perfume), apesar de serem
facilmente quantificados, têm sido pouco estudados
sob o prisma de seleção mediada por polinizadores (Armbruster et al. 2011; Benitez-Vieyra et al.
Santiago Benitez-Vieyra
utilizando-se experimentos de manipulação do fenótipo da planta ou, então, da presença do polinizador
que atua como agente de seleção (Sletvold & Ågren
2010; Sletvold et al. 2012).
A despeito dos vários estudos intrapopulacionais acerca do efeito local da seleção mediada por
polinizadores, pouca atenção tem sido prestada às
variações geográficas dos polinizadores e seu efeito
sobre a morfologia floral em distintas populações
de plantas de uma mesma espécie (Caruso et al.
2003; Anderson & Johnson 2009; Pauw et al. 2009;
Pérez-Barrales et al. 2009, mas veja discussão em
Herrera et al. 2006). A diferenciação geográfica
de caracteres florais, dirigida por processos de seleção natural mediada por polinizadores variáveis
espacialmente, pode resultar na covariação entre os
caracteres morfológicos de plantas e polinizadores
(Herrera et al. 2006; Pérez-Barrales et al. 2009).
Logo, a ocorrência de covariação geográfica de tais
caracteres (Anderson & Johnson 2008; Pauw et al.
2009) não está necessariamente relacionada a processos coevolutivos, mas pode envolver processos
evolutivos unilaterais, nos quais a população de uma
determinada espécie de planta adapta-se localmente à
população de seus polinizadores (Johnson & Steiner
1997; Herrera et al. 2006; Whittall & Hodges 2007;
Hodges & Whittall 2008). Processos evolutivos
unilaterais são favorecidos pelo fato de as interações
entre plantas e polinizadores serem altamente assimétricas (Bascompte et al. 2006), uma vez que, em
sua maioria, polinizadores não possuem dependência
estrita de uma única espécie de planta. Por outro
lado, espécies vegetais com sistemas de polinização
altamente especializados e/ou com mecanismos que
evitam a polinização autônoma dependem fortemente
de polinizadores para sua reprodução, como é observado na Rubiaceae esfingófila de ampla distribuição
no Cerrado, Tocoyena formosa (Fig. 16.6).
♦
Marcela Moré
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Felipe W. Amorim ⁞
367
Note que T. formosa é exclusivamente dependente
de esfingídeos com probóscides longas para sua reprodução (Figs. 16.6 A,B), ao passo que essas mariposas
não dependem exclusivamente dessa espécie vegetal,
sendo visitantes frequentes de um amplo espectro de
espécies na comunidade (Figs. 16.6 C-E). Entretanto
as variações nos tubos florais observadas em T. formosa correspondem à amplitude das probóscides de
seus polinizadores (Figs. 16.6 F,G), o que sugere a
seleção agindo mais fortemente sobre os caracteres
morfológicos da planta, moldando-os aos caracteres
morfológicos dos polinizadores. Mutualismos entre
organismos de vida livre permitem a ocorrência de um
amplo espectro de assimetrias no grau de especialização das espécies que compõem uma rede mutualística
(Figs. 16.6 C-E). Este tipo de mutualismo também
permite um elevado intercâmbio geográfico e baixa
restrição filogenética na composição das espécies
da rede de interações (Thompson 2005; Pauw et al.
2009). Isto implica padrões de seleção que podem
ser variáveis no espaço, os quais geram um mosaico
geográfico de processos adaptativos que variam de simétricos a não simétricos (Thompson 2005; Anderson
& Johnson 2008; Pauw et al. 2009). Estudos sobre a
diversificação floral em contexto geográfico, contudo, constituem um dos tópicos mais negligenciados
entre os estudos de biologia da polinização em todo
o mundo (Herrera et al. 2006). No Brasil este é um
campo de pesquisa completamente aberto. Apesar
de o país abrigar uma das maiores diversidades de
angiospermas do planeta, pouquíssima atenção tem
sido dada aos estudos que enfocam o papel de polinizadores como agentes mediadores da morfologia
floral através da seleção natural. Torna-se premente,
portanto, um incremento das pesquisas nessa área no
Brasil através da formação de novos pesquisadores
voltados a este novo horizonte que envolve flores e
seus polinizadores.
368 ⁞ Seleção fenotípica mediada por polinizadores
A
C
B
D
E
F
G
Figura 16.6 Interações entre Tocoyena formosa (Rubiaceae), uma espécie esfingófila autoincompatível e altamente especializada.
(A) Manduca sexta com sua longa probóscide estendida (média 9,73 cm) visitando a flor de T. formosa. (B) Manduca sexta com a
probóscide completamente inserida no tubo floral acessando o néctar acumulado na base do tubo; rede de interações mutualísticas
entre esfingídeos e plantas em uma área de Cerrado no Triângulo Mineiro, MG, (C) denotando as interações entre T. formosa
(vértice vermelho) e seus polinizadores (vértices azuis), (D) assim como as interações dos polinizadores de T. formosa com outras
espécies esfingófilas na área (vértices cinza). (E) Finalmente, a interação dessas espécies esfingófilas com as demais espécies da fauna
de esfingídeos que compõe a área de Cerrado estudada. (F) Variação interindividual no comprimento do tubo floral de T. formosa.
(G) Complementariedade de caracteres entre as morfologias do tubo floral de T. formosa e das probóscides de seus polinizadores.
Santiago Benitez-Vieyra
Agradecimentos
A gradecemos ao Conselho Naciona l de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
pelo apoio no âmbito do Universal 14/2013 (Processo
484469/2013-4); à Fundação de Amparo a Pesquisa
do Estado de São de Paulo (FAPESP), pela bolsa de
pós-doutorado à FWA (Processo 2012/09812-5);
ao Consejo Nacional e Investigaciones Científicas
y Técnicas (CONICET), Universidad Nacional de
Córdoba e SeCyT-U.N. de Córdoba (Res. 2093/2012),
pelo apoio a SBV e MM. SBV e MM são pesquisadores do CONICET.
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Foto: Flavio Gontijo (www.biophocus.com.br)
*
Capítulo 17
*
Interações planta-polinizador e
a estruturação das comunidades
Leandro Freitas1, Jeferson Vizentin-Bugoni2, Marina Wolowski1,2,
Jana Magaly Tesserolli de Souza3 e Isabela Galarda Varassin4
1
Jardim Botânico do Rio de Janeiro – Rua Pacheco Leão, 915 – CEP: 22460-030 – Rio de Janeiro-RJ – Brasil. e-mail: leandro@jbrj.gov.br
2
Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Biologia Vegetal – CEP: 13083-970 – Campinas-SP – Brasil – Caixa Postal 6109.
3
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Departamento Acadêmico de Química e Biologia – Rua Deputado Heitor de
Alencar Furtado, 5.000 – CEP: 81280-340 – Curitiba-PR – Brasil.
4
Universidade Federal do Paraná, Departamento de Botânica, Centro Politécnico – CEP: 81531-980 – Curitiba-PR – Brasil – Caixa
Postal 19031.
P
rocessos biogeográficos, neutros e de nicho estruturam as interações planta-polinizador. Neste capítulo,
revisamos as principais abordagens para a compreensão destas interações nas comunidades: 1) composição
de espécies e suas interações, 2) fenótipos florais e de grupos funcionais de polinizadores, 3) grau de especializaçãogeneralização, 4) padrões de distribuição de recursos e 5) redes de interações. Os estudos geralmente englobam
subconjuntos de plantas associadas a um grupo de polinizadores. Os padrões aparentemente são determinados por
competição e facilitação mas as evidências são predominantemente hipotéticas. Visando estimular estudos, propomos
predições da estruturação filogenética e funcional de plantas e polinizadores e do grau de conservação filogenética
de atributos reprodutivos das plantas esperados por diferentes processos. Concluímos que a compreensão da estrutura e dinâmica das interações sobre a perspectiva de regras de montagem é um passo crucial para conservação de
plantas e polinizadores frente aos impactos de mudanças climáticas, alterações na paisagem e invasões biológicas.
374 ⁞ Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades
Introdução
Comunidades biológicas podem ser definidas como o
conjunto de populações das espécies que coexistem no
espaço e no tempo. Comunidades raramente possuem
limites discretos, a composição de espécies é dinâmica
e as populações das diferentes espécies raramente se
sobrepõem em toda sua distribuição (Looijena &
van Andela 1999). Tais características são mais pronunciadas nos trópicos devido à complexidade das
relações entre muitas espécies (Kricher 2011). Esses
atributos das comunidades fazem que sua delimitação
seja idiossincrática, refletindo a abordagem teórica,
escala e perguntas de cada estudo, as características
dos grupos biológicos de interesse e os procedimentos
metodológicos aplicados.
A literatura em ecologia tem sido marcada por
um debate sobre a prevalência dos processos de nicho,
biogeográficos/históricos e neutros como determinantes da estruturação das comunidades (Cavender-Bares
et al. 2009). Tradicionalmente, estas perspectivas
foram tratadas em relação a padrões de ocorrência e
abundância das espécies (Krebs 2009). Atualmente,
regras de montagem constituem a principal abordagem para explicar a composição de uma dada
comunidade a partir do conjunto regional de espécies
(Cavender-Bares et al. 2009). Nesta perspectiva, eventos de especiação e extinção e barreiras de dispersão
geográfica determinam as espécies que são adicionadas
ou eliminadas da comunidade, enquanto suas abundâncias relativas são controladas preponderantemente
por deriva e seleção advinda das interações bióticas
(Vellend 2010; Weiher et al. 2011) (ver item “Como
funcionam as regras de montagem?”).
A maioria dos estudos em ecologia da polinização
na escala de comunidades buscou identificar padrões
de organização das interações planta-polinizador, ou
seja, quem são as espécies, quais suas características
e com quem interagem. Porém estudos enfocando
os processos que levam aos padrões observados em
campo, no contexto de teorias mais abrangentes em
ecologia de comunidade, constituem uma parcela
menor, embora influente, da literatura (Heithaus
1974; Feinsinger & Colwell 1978; Jordano 1987;
Armbruster 1995; Chazdon et al. 2003; Ghazoul
2006; Sargent & Ackerly 2008; Vázquez et al. 2009a;
b). Neste capítulo são apresentadas as principais abordagens que têm sido utilizadas para a caracterização
das interações planta-polinizador nas comunidades.
Além disso, são propostas predições direcionadas
a estudos futuros sobre as interações planta-polinizador na perspectiva de processos dominantes
na montagem de comunidades. As comunidades
são tratadas aqui em dois contextos: 1) mais abrangente, considerando o conjunto total de plantas e
polinizadores que interagem em uma determinada
localidade; e 2) mais restrito, limitado a um dado
subconjunto de plantas (e.g., polinizadas por abelhas)
ou de polinizadores.
Procedimentos e abordagens de
estudos das interações plantapolinizador em comunidades
A descrição dos padrões de distribuição de plantas e
polinizadores e de suas interações nas comunidades
biológicas tem sido realizada a partir de vários métodos, que podem ser complementares. Esses estudos englobam: 1) caracterização de fenótipos florais
para determinação de síndromes de polinização; 2)
determinação da composição, riqueza e abundância
de espécies de polinizadores; e, principalmente, 3)
registro das interações entre espécies; ou 4) análise
das interações na perspectiva de grupos funcionais.
Estas quatro abordagens são discutidas adiante.
Leandro Freitas
♦
Jeferson V. Bugoni
♦
Marina Wolowski
Estudos a partir de síndromes de
polinização
Determinar síndromes de polinização (ver Introdução
da seção 3 nesse livro; Faegri & van der Pijl 1979) é
operacionalmente simples, já que pode ser feito indiretamente a partir da lista de espécies de uma dada
área, sem necessariamente observações no campo. De
maneira geral, estudos com este enfoque registram
diversas características florais, como formato, tamanho, coloração, recurso oferecido, presença de odor e
horário de antese, e apresentam resultados em termos
de proporção de espécies de cada síndrome. Em escala
global, a melitofilia (ver Introdução da seção 3 nesse
livro) é a síndrome mais frequente nas comunidades
(Primack & Inouye 1993; Machado & Lopes 2004;
Yamamoto et al. 2007; Ishara & Maimoni-Rodella
2011), com raras exceções, como miofilia no Ártico e
em ambientes alpinos (Primack & Inouye 1993). Nos
ambientes tropicais, plantas com síndromes ligadas
a vertebrados (ornitofilia e quiropterofilia) podem
representar até cerca de 30% das espécies, embora
normalmente representem menos de 10% (Machado
& Lopes 2004). Esfingofilia e miofilia também são
bem representadas, enquanto cantarofilia e psicofilia são, em geral, mais raras (Machado & Lopes
2004). As síndromes de polinização biótica tendem
a diminuir em ambientes mais abertos nos trópicos,
onde há um aumento da ocorrência de anemofilia
(Freitas & Sazima 2006; Yamamoto et al. 2007).
Além da variação entre os ambientes, a distribuição
das síndromes pode também variar de acordo com a
estratificação vertical das florestas e entre ambientes
de borda e interior (Bawa et al. 1985; Martins &
Batalha 2007).
A abordagem de síndromes de polinização é
muito disseminada devido à facilidade metodológica
citada anteriormente. Por exemplo, a maioria da
informação sobre as interações planta-polinizador
♦
Jana M. T. de Souza
♦
Isabela G. Varassin ⁞
375
em nível de comunidade nas formações florestais
da Mata Atlântica advém de estudos desta natureza (Girão et al. 2007; Yamamoto et al. 2007),
entretanto essa abordagem apresenta limitações.
Uma delas é a classificação das espécies com flores
pequenas, que não se encaixam em qualquer das
síndromes clássicas (Faegri & van der Pijl 1979)
e que são, por exemplo, muito frequentes entre as
árvores das florestas tropicais. Estas espécies foram
agrupadas no sistema de polinização por “diversos
insetos pequenos” (Bawa et al. 1985), sendo igualada a uma síndrome de polinização na literatura
subsequente. Como o conceito de síndromes tem
subentendido a ideia de que a evolução dirige os
sistemas de polinização em direção à progressiva
especialização (ver Introdução seção 3 nesse livro),
visitantes que não se encaixam nas expectativas são
considerados irrelevantes (Avila Jr. & Freitas 2011;
Waser et al. 2011).
Caracterizar comunidades a partir de síndromes de polinização pode ter restrições associadas ao
desacoplamento entre descrição da síndrome e registro de polinizadores no campo (Avila Jr. & Freitas
2011), sendo que diversos trabalhos fazem uso de
informações do fenótipo floral e das interações observadas no campo de modo indistinto, equivalendo
síndromes de polinização a sistemas de polinização
(Silberbauer-Gottsberger & Gottsberger 1988; Ishara
& Maimoni-Rodella 2011). Além disso, o poder de
predição das síndromes é variável entre comunidades e entre as diferentes síndromes (Hingston &
McQuillan 2000; Ollerton et al. 2009; Danieli-Silva
et al. 2012). A caracterização das síndromes deve
ser vista apenas como um indicativo das interações
entre grupos funcionais de plantas e polinizadores
nas comunidades e, portanto, tratada como ponto
de partida para estudos mais aprofundados (Ollerton
et al. 2009).
376 ⁞ Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades
Estudos a partir dos polinizadores
Considerando que a abundância dos parceiros mutualísticos deve regular a frequência das interações
(Dupont et al. 2003; Vázquez et al. 2007), o entendimento dos padrões de interação depende de dados
de abundância, tanto de plantas quanto de polinizadores. Assim, inventários faunísticos auxiliam o
entendimento das interações planta-polinizador nas
comunidades, uma vez que proveem informações
sobre composição, riqueza e abundância dos polinizadores e suas variações geográficas e temporais
(Wright et al. 1998; Dorado et al. 2011).
Levantamentos de alguns grupos de polinizadores, como abelhas e aves, são comuns na literatura.
Inventários faunísticos têm uma vantagem em relação
à abordagem de síndromes por fornecer dados de
observação direta em campo. Apesar de não tratarem
estritamente das interações entre plantas e polinizadores, são relevantes como estudo preliminar ou
complementar.
Estudos a partir das interações
O registro das interações pode ser feito tanto sob a
perspectiva das plantas quanto pela dos polinizadores
(sensu Jordano et al. 2009). Pela perspectiva fitocêntrica, a maneira clássica de se identificar padrões de
interações planta-polinizador em uma comunidade
está assentada no registro das interações através de
observações naturalísticas nas plantas e identificação de seus visitantes (Robertson 1928; Bawa et al.
1985; Petanidou & Ellis 1993). Já pela perspectiva
zoocêntrica, as interações são identificadas com base
nos polinizadores, por exemplo, por meio da coleta de
pólen aderido ao corpo ou nos ninhos. Este método
pode ser usado para diferentes grupos, como aves
(Lasprilla & Sazima 2004), morcegos (Kaehler et
al. 2005), esfingídeos (Avila Jr. et al. 2010), moscas
e abelhas (Forup & Memmot 2005; Rech & Absy
2011). Ambas as perspectivas apresentam limitações.
A abordagem fitocêntrica pode falhar no registro das
interações realizadas por visitantes localmente raros,
além de que pode não distinguir polinizadores e
visitantes florais não efetivos. Já na abordagem zoocêntrica, a identificação das plantas através do pólen
até o nível específico é complexa, a presença de pólen
aderido ao corpo não garante que as flores daquela
espécie tenham sido visitadas (e.g., adesão durante o
voo ou pouso) e menos ainda polinizadas, e a escala
espacial da amostragem pode ser indefinida, visto
que os visitantes possuem áreas de vida diferentes
e podem percorrer de poucos metros a alguns quilômetros. De qualquer modo, uma descrição mais
completa das interações entre plantas e polinizadores
pode ser alcançada através da associação de métodos fitocêntricos e zoocêntricos (Bosch et al. 2009;
Dorado et al. 2011).
Levantamentos das espécies de polinizadores e
plantas que interagem na comunidade são fundamentais para a avaliação da representatividade de
grupos funcionais e a detecção do grau de especialização-generalização dos sistemas de polinização
(ver Introdução da seção 3 nesse livro). Devido às
dificuldades logísticas e à elevada demanda de tempo,
é usual que tais estudos abarquem um subconjunto, e
não o conjunto das interações na comunidade, como,
por exemplo, plantas visitadas por beija-flores (Buzato
et al. 2000; Araújo & Sazima 2003), por morcegos
(Sazima et al. 1999), por abelhas coletoras de óleo
(Bezerra et al. 2009) ou por esfingídeos (Oliveira et
al. 2004). Isso é mais crítico para as florestas tropicais hiperdiversas, com vários estratos, dossel alto
e numerosas epífitas, de tal modo que registros de
interações para conjuntos mais completos de espécies
da comunidade são praticamente ausentes, exceto
Leandro Freitas
♦
Jeferson V. Bugoni
♦
Marina Wolowski
pelos estudos de longo prazo na Costa Rica, Malásia
e Índia (Kress & Beach 1994; Momose et al. 1998;
Devy & Davidar 2003). Mesmo nestes últimos casos,
os dados são principalmente para grupos funcionais, havendo lacunas de identificação de espécies
de polinizadores. Devido a esta falta de dados para
comunidades tropicais, os principais avanços conceituais e analíticos de interações nas últimas décadas
têm sido alcançados com a aplicação de diferentes
análises sobre um conjunto de dados semelhante
(Jordano 1987; Vázquez et al. 2005), representado
em escala global por algumas dezenas de estudos
com abordagem fitocêntrica e predominantemente
de comunidades temperadas.
O registro dos visitantes florais como método
para entendimento das interações planta-polinizador
em comunidades apresenta três desafios principais.
O primeiro está associado com o discernimento de
quais dos visitantes contribuem para a reprodução
sexuada das plantas, que é o foco de interesse para a
compreensão dos processos ecológicos organizadores
da comunidade mutualística. Muitos dos estudos em
comunidades consideram indistintamente todos os
visitantes que abordam a flor de maneira aparentemente legítima (sensu Stout et al. 2000), o que certamente leva à inclusão de visitantes que não atuam
como polinizadores (sensu Freitas 2013; Genini et
al. 2010; Baldock et al. 2011). Mesmo nos casos em
que se restringe o inventário aos visitantes observados
tocando anteras e estigma (Freitas & Sazima 2006;
Petanidou & Potts 2006), fatores relacionados ao
comportamento de forrageio, mistura e hidratação
de pólen, fechamento de estigmas, período de antese
e dicogamia, entre outros, provavelmente levam espécies de visitantes pouco efetivos ou mesmo com papel
antagônico (e.g., esgotamento de recursos, predação
de polinizadores) a serem incluídas como polinizadores. Por outro lado, quando se pretende avaliar a
♦
Jana M. T. de Souza
♦
Isabela G. Varassin ⁞
377
seleção de atributos florais, é importante também
considerar as interações não mutualísticas, além das
mutualísticas (Junker & Blüthgen 2010).
A resolução taxonômica é outro desafio, pois
muitas vezes o entendimento das interações é limitado pela falta de conhecimento taxonômico básico.
Isto inclui desde a baixa resolução taxonômica para
certos grupos ou a presença de espécies crípticas até
a identificação errônea, que pode gerar, por exemplo,
o agrupamento de distintas espécies como sendo
uma única. Um exemplo ilustrativo é a mariposa
Tegeticula yuccasella (Riley 1872), tratada como uma
espécie polinizadora e predadora de frutos de yuccas
em estudos clássicos sobre mutualismos e que posteriormente se mostrou como um complexo de onze
espécies (Pellmyr 1999).
O terceiro desafio é incorporar medidas de esforço amostral aos estudos de interações (Ollerton
et al. 2009). Em geral, é adotado um tempo fixo de
observação total por espécie de planta, ou o total de
observações é distribuído em um intervalos de tempo,
com maior esforço de observação de espécies com
menor frequência de visitas, maior diversidade de
polinizadores ou florações mais longas. Além disso, os
resultados podem refletir mais interações individuais
que populacionais. Medidas de esforço amostral são
importantes, porque as taxas de detecção são distintas
entre espécies de visitantes florais (Herrera 2005),
sendo que certos polinizadores são registrados apenas
após vários anos de monitoramento (Petanidou &
Potts 2006; Dupont et al. 2009). Para os casos em
que a composição e a frequência de polinizadores
variam temporalmente, tanto ao longo da floração
(Waser 1978), especialmente no caso de florações
mais longas, quanto entre anos (Petanidou & Potts
2006; Olesen et al. 2008; Dupont et al. 2009), é
importante a incorporação desta variação temporal
na amostragem. De uma maneira geral, a dificuldade
378 ⁞ Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades
para detectar os polinizadores é particularmente
maior para plantas especialistas com flores abundantes e floração longa e para plantas generalistas com
flores escassas e floração curta (Chacoff et al. 2012).
Estudos a partir de grupos funcionais
Uma vez registradas as interações, é possível reunir
polinizadores e plantas em grupos funcionais. Esta
ideia se assenta no princípio de redundância ecológica
(Naeem 1998), que pressupõe que diferentes espécies
com semelhanças morfológicas e comportamentais,
como abelhas pequenas, esfingídeos ou beija-flores,
têm potencial equivalente para a polinização de determinada planta (Fenster et al. 2004). Tal pressuposto nem sempre tem sido corroborado (Fishbein
& Venable 1996; Fracasso & Sazima 2004). Grupos
funcionais de polinizadores podem coincidir com
grupos taxonômicos individuais ou envolver insetos
de diferentes ordens, como o grupo de “diversos
insetos pequenos” (Bawa et al. 1985) e de abelhas
pequenas coletoras de pólen e sirfídeos (Freitas &
Sazima 2006), ou, ainda, seguir critérios baseados
em comportamento, como o hábito diurno/noturno,
que agrupa abelhas e beija-flores versus morcegos
e esfingídeos (Muchhala et al. 2009; Avila Jr. &
Freitas 2011).
Estudos com o enfoque de grupos funcionais
em comunidades buscam determinar a associação
entre estes grupos e fenótipos florais (Arroyo et al.
1982; Ramírez 1989; Oliveira & Gibbs 2000; Freitas
& Sazima 2006), distribuição temporal (Freitas &
Sazima 2006), estratos da floresta (Kress & Beach
1994), gradientes de altitude (Arroyo et al. 1982)
ou medidas do grau de especialização-generalização
(Ramírez 2004; Freitas & Sazima 2006). Já a efetividade de grupos funcionais na polinização em nível
de comunidades tem sido inferida através de dados
de frequência de visitas, partindo do pressuposto da
existência de correlação entre frequência e efetividade
dos polinizadores (Vázquez et al. 2009b). Se as espécies
de um grupo funcional são realmente redundantes em
termos de efetividade na polinização é uma questão em
aberto, a qual será mais bem compreendida à medida
que mais estudos sobre os efeitos da polinização no
sucesso reprodutivo e a relação entre sistemas reprodutivos e de polinização sejam desenvolvidos (Kress
& Beach 1994; Wolowski et al. 2013b).
Determinando o grau de especialização
e generalização de sistemas de
polinização
A análise da especialização ecológica (ver Introdução
da seção 3 nesse livro) é importante para a compreensão de certos processos nas comunidades, particularmente em questões relacionadas a diversidade de
polinizadores e de plantas, exclusão competitiva e
partilha de recursos e mecanismos dependentes de
densidade. De modo operacional, as plantas podem
ser classificadas de acordo com três tipos básicos de
especialização em relação à polinização: ecológica,
funcional e fenotípica (ver Introdução da seção 3
nesse livro, Ollerton et al. 2007). A aplicação de
determinado tipo (e.g., funcional em detrimento de
ecológico) pode levar a conclusões bastante distintas,
mesmo quando os dados empíricos são os mesmos.
Por exemplo, 91% das plantas de uma comunidade
foram consideradas generalistas tomando o número
de espécies de polinizadores (Waser et al. 1996) e,
a partir da mesma base de dados, 75% das espécies
foram classificadas como especialistas em certo grupo funcional de polinizadores (Fenster et al. 2004).
Padrões semelhantes a estes são encontrados quando
se aplica a ideia dos três tipos de especialização em
uma perspectiva zoocêntrica das interações.
Leandro Freitas
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Jeferson V. Bugoni
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Marina Wolowski
A composição dos polinizadores em uma comunidade varia entre anos e isso pode afetar a determinação dos graus de especialização. Em uma
comunidade mediterrânea, amostrada intensamente
ao longo de quatro anos consecutivos, foi registrada
alta substituição temporal nas interações entre pares
de espécies, de modo que plantas e polinizadores
especialistas em um ano interagiram com parceiros
diferentes em outros anos (Petanidou & Ellis 1993).
Deste modo, medidas em curtos períodos ou com
esforço amostral limitado podem superestimar o
grau de especialização ecológica nas comunidades
(ver item “Estudos a partir das interações”). O uso do
conceito de especialização funcional (ver Introdução
da seção 3 nesse livro) alivia os efeitos dessas variações
temporais.
Fatores estruturadores das
interações planta-polinizador
Competição e facilitação
Competição tem sido considerada o principal processo estruturador de comunidades pelos estudos
em ecologia nas últimas décadas, refletindo a influência do conceito de nicho (Pawn 2013). Assim,
diversos estudos interpretam os padrões relacionados
à coexistência de espécies de plantas que compartilham polinizadores e vice-versa, como respostas à
competição. As principais abordagens neste sentido
tratam do tamanho e da sobreposição de nichos (divergências nas características morfológicas e recursos
florais, na fenologia de floração, no comportamento
e nas taxas de visitação de polinizadores e no grau
de especialização-generalização das interações) e da
quantidade e qualidade do pólen recebido pelas flores,
com consequente efeito no sucesso reprodutivo das
plantas. Apesar do acúmulo de argumentos plausíveis sobre a relevância da competição nas interações
♦
Jana M. T. de Souza
♦
Isabela G. Varassin ⁞
379
planta-polinizador, poucos estudos demonstraram
efetivamente sua importância (ver Mitchell et al.
2009).
A maneira mais direta de avaliar a importância
da competição interespecífica é por meio de experimentos que adicionam indivíduos de uma espécie a
populações de outras espécies, mantendo constante
a densidade total de plantas (Keddy 1989). Alguns
estudos com esta metodologia têm demonstrado que
a interação entre espécies de plantas mediada por
polinizadores envolve a transferência interespecífica
de pólen (Brown et al. 2002), enquanto outros não
detectaram efeitos de transferência interespecífica de
pólen influenciando o sucesso reprodutivo das espécies
(Rathcke 1983; Waser 1983; Feinsinger 1987; Morales
& Traveset 2008; Mitchell et al. 2009). Estudos deste
tipo envolvem conjuntos pequenos de espécies em
situações experimentais simplificadas (Brown et al.
2002), o que pode ser pouco realístico em relação à
complexidade das comunidades reais. Tais estudos
experimentais com poucas espécies podem ser úteis
para a identificação de mecanismos que influenciam
a coexistência de espécies (Armbruster 1995), mas
raramente permitem avaliar os processos determinantes da estruturação das comunidades. Inferências
diretas provenientes de estudos experimentais em
comunidades requerem grande número de unidades
amostrais, já que exigem a medição da resposta em
todas as combinações de pares de espécies (Mitchell
et al. 2009).
Adicionalmente aos efeitos da competição nas interações planta-polinizador, os processos de facilitação
também têm sido indicados como estruturadores das
comunidades (Feldman et al. 2004). A importância
relativa de competição e de facilitação pode se alternar
em distintas escalas temporais e espaciais, como, por
exemplo, quando o aumento da densidade de plantas
causa uma mudança de facilitação para competição,
380 ⁞ Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades
uma vez que plantas mais abundantes ou ricas em
recursos monopolizam as visitas dos polinizadores
(Rathcke 1983; Ghazoul 2006).
Fenologia de floração
Os ciclos fenológicos das plantas e dos animais são
um aspecto central da ecologia das comunidades,
afetando a disponibilidade de recursos e as interações
entre organismos. Estas oscilações são evidentes nos
ambientes com sazonalidade climática marcada, mas,
mesmo em ambientes de baixa sazonalidade, as comunidades são organizadas temporalmente (Lieth 1974).
Comunidades tropicais apresentam flores o ano todo,
porém com substituição das espécies em floração ao
longo dos meses (Newstrom et al. 1994). Isso conduz
a uma redução na sobreposição de floração entre espécies na comunidade, o que tem sido interpretado
(Frankie et al. 1974; Stiles 1977) como uma maneira
efetiva de as plantas evitarem a competição por polinizadores (“hipótese da partilha de polinizadores”). Os
padrões de floração também podem ser interpretados
sob a luz de processos de facilitação, tanto difusa
como par a par (sensu Sargent & Ackerly 2008). Neste
sentido, o florescimento de forma agregada de espécies
que partilham o mesmo grupo de polinizadores tem
sido associado ao incremento nas taxas de visitação
e diversidade de polinizadores (Rathcke 1983; Sakai
2001). O suporte empírico para esta hipótese advém
de alguns poucos estudos manipulativos com plantas
herbáceas de ambientes temperados e alpinos, nos
quais se mediram a visitação e o sucesso reprodutivo
em situações distintas de densidade e composição de
espécies (Ghazoul 2006; Liao et al. 2011).
A identificação da fenologia de floração como um
dos principais organizadores das interações planta-polinizador tem sido feita tanto a partir de observações
naturalísticas em dada comunidade (Frankie et al.
1974; Buzato et al. 2000) como em trabalhos utilizando análises de redes de interações em conjuntos
de dados mais amplos (Encinas-Viso et al. 2012;
Vizentin-Bugoni et al. 2014). Por exemplo, a baixa
sobreposição de floração nas comunidades, resultando
em uma sequência de plantas florescendo, garantiria
o fluxo de recursos florais aos polinizadores de uma
área. Esta ideia, proposta pela primeira vez para morcegos por G.M. Allen em 1939 (apud Frankie et al.
1974), foi seguida em estudos com diferentes grupos
de polinizadores. Em geral, a existência de padrão de
floração agregado ou sequencial tem sido indicada
a partir da análise visual de fenogramas de atividade de floração das espécies, sem suporte estatístico
(Ulrich & Gotelli 2007). Testes mais consistentes
sobre como mecanismos de facilitação e competição
afetam a organização temporal da floração em escala
de comunidades são de grande interesse, incluindo
também a intensidade de floração. Além disso, interações antagonistas, como predação de flores, podem
ser agentes de seleção sobre a fenologia de floração
(Bronstein 2001).
Oferta de recursos florais
Polinizadores buscam recursos alimentares em flores,
que em geral fornecem nutrientes e energia essenciais à
sua dieta e para reprodução. Entre os recursos alimentares, o néctar predomina entre as angiospermas e é a
principal fonte energética na dieta dos polinizadores
(Opler 1983). O consumo de néctar, por exemplo,
permite a manutenção da alta taxa metabólica nos
beija-flores (Capítulo 14) e é essencial na alimentação
das abelhas e de suas larvas (Capítulo 9). Tal fonte de recurso gera competição tanto intra- quanto
interespecífica, o que pode influenciar os processos
populacionais e, consequentemente, as abundâncias
relativas de polinizadores (Nicolson 2007). A função
Leandro Freitas
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Jeferson V. Bugoni
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Marina Wolowski
primordial do néctar floral é recompensar polinizadores e, por isso, sua produção é supostamente
submetida à seleção imposta por estes animais (Baker
& Baker 1982). Assim, espera-se que características
do néctar de plantas polinizadas pelo mesmo grupo
de animais mostrem convergência devido à seleção
mediada pelos polinizadores (Baker & Baker 1982;
Opler 1983). Testes para tal ideia têm resultados
conflitantes, mas a produção de açúcar pode estar
relacionada ao tamanho do corpo e requerimento
energético dos polinizadores (Cruden et al. 1983).
Medidas de volume, composição, concentração
e distribuição espacial do néctar (Capítulo 6) são comuns em estudos de biologia da polinização (Kearns
& Inouye 1993), porém os padrões de produção de
néctar têm sido pouco explorados nos estudos em
comunidades. Por exemplo, a disponibilidade de
néctar em uma comunidade de 587 plantas nectaríferas em floresta tropical seca na Costa Rica variou
sazonalmente, além de variar dentro e entre tipos
de habitats para diferentes grupos de polinizadores
(Opler 1983; McDade & Weeks 2004). Estudos
dessa natureza exigem avaliações da distribuição
espacial e temporal do recurso em diversas espécies
em relação à frequência de visitas dos polinizadores,
o que requer enorme esforço amostral em campo,
apesar da simplicidade metodológica.
A distribuição espacial e temporal dos recursos
florais influencia o movimento dos polinizadores e,
consequentemente, o fluxo de pólen entre as plantas (Kearns & Inouye 1993). A teoria do forrageio
ótimo (MacArthur & Pianka 1966) prediz que um
organismo se comporta de modo a maximizar a obtenção de energia por unidade de tempo. Assim,
o comportamento de forrageio dos polinizadores
pode variar em resposta a variações no néctar, por
exemplo, alterando a frequência de visitas às plantas,
o tempo de permanência na flor, o número de flores
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Jana M. T. de Souza
♦
Isabela G. Varassin ⁞
381
visitadas e a distância de voo após partida (Rathcke
1992). Esta resposta comportamental à quantidade
de recursos pode ter efeitos sobre a reprodução das
plantas. Por exemplo, em um estudo experimental,
a mudança de comportamento em resposta à adição
de recurso implicou aumento de autopolinização
em uma orquídea polinizada por vespas (Jersáková
& Johnson 2006). Quando os polinizadores competem por recursos, o forrageio ótimo resulta em
algum grau de partilha de recursos e algumas espécies podem deixar de explorar recursos acessíveis
da comunidade (Possingham 1992). Por outro lado,
também já foi observado aumento na amplitude da
dieta dos polinizadores com aumento da competição
(Fontaine et al. 2008). Desta forma, as mudanças
comportamentais dos polinizadores podem se dar
por interferência competitiva, tanto entre espécies
que defendem recursos, quanto entre espécies não
territoriais (Feinsinger 1976; Inouye 1978). Por exemplo, beija-flores territoriais dominam áreas ricas em
recurso e modificam o padrão de forrageio das demais
espécies, enquanto áreas com baixa oferta de recurso
(i.e., poucas espécies ou espécies com baixa produção
de flores) estão mais associadas à visita de beija-flores
não territoriais (Feinsinger 1976).
Do ponto de vista da planta, a produção de
néctar deve prover recurso suficiente para atrair os
polinizadores, mas não em quantidade demasiadamente elevada a ponto de reduzir o deslocamento
dos polinizadores e, consequentemente, o transporte
do pólen entre indivíduos (Klinkhamer & de Jong
1993). Outro efeito relevante de mudanças temporais
em volume, concentração, viscosidade e composição
do néctar é o aumento da diversidade de polinizadores (Corbet et al. 1979), o que pode levar à mistura
e deposição de pólen heteroespecífico no estigma.
Esta mistura de pólen pode dificultar a fecundação
(Mitchell et al. 2009). Assim, o sucesso reprodutivo
382 ⁞ Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades
das plantas da comunidade é influenciado pela resposta dos polinizadores a fatores como volume médio de
néctar por flor, variação do néctar dentro da planta,
diversidade de recursos, distribuição espacial e temporal e competição intra- e interespecífica (Rathcke
1992).
nova perspectiva e fornecido um instrumento analítico promissor e potente para o teste de questões
inéditas e antigas envolvendo interações (Vázquez
et al. 2009b).
Padrões em redes planta-polinizador
Redes de interações plantapolinizador
O que são redes?
A compreensão das relações entre plantas e polinizadores no nível de comunidades ecológicas tem sido
impulsionada pela abordagem de redes de interações
mutualísticas (Jordano 1987; Lewinsohn et al. 2006;
Bascompte & Jordano 2007; Vázquez et al. 2009a).
As redes de interações geralmente são representadas
graficamente na forma de grafos bipartidos (Figs. 17.1
A,B). Chamam-se bipartidos porque possuem dois
conjuntos de espécies e não há interações dentro de
cada grupo. Em um grafo, cada espécie de planta e
polinizador na comunidade é representada por um
nó (ou nodo) e estes nós são conectados por ligações
(links) que representam as interações observadas entre
as espécies (Bascompte & Jordano 2007). Redes podem ser representadas também na forma de matrizes,
que são binárias – se consideram apenas presença
(1) ou ausência (0) da interação (Fig. 17.1 C) – ou
quantitativas – se alguma medida da intensidade for
atribuída a cada interação observada (Fig. 17.1 D). A
partir destes dados, a estrutura das redes de interações tem sido descrita e interpretada quanto às suas
características por um conjunto de métricas de redes
(Jordano 1987; Lewinsohn et al. 2006; Bascompte
& Jordano 2007; Vázquez et al. 2009a; Tylianakis
et al. 2010). Esta abordagem tem proporcionado a
identificação de padrões e processos organizadores
das comunidades de plantas e polinizadores sob uma
Entre os padrões recorrentemente identificados nas
redes planta-polinizador, destacam-se: 1) a conectância incompleta, ou seja, apenas uma parte das
interações possíveis realmente ocorre; 2) em geral
há mais espécies de polinizadores que de plantas,
na razão aproximada de 4:1; 3) a maioria das espécies interage com poucos parceiros, enquanto poucas espécies interagem com muitos parceiros; 4) a
maioria das interações é fraca (i.e., pouco frequente),
enquanto poucas são fortes; 5) a força das interações
é assimétrica, ou seja, quando uma espécie A depende fortemente de uma espécie B, há uma tendência
de que B dependa fracamente de A. Alguns destes
padrões se refletem nas topologias aninhada e/ou
modular, que são frequentemente identificadas nestas
redes. O aninhamento ocorre quando as espécies
especialistas interagem com as generalistas, as generalistas interagem entre elas e não há interação
entre as especialistas (Fig. 17.1 E), e a modularidade
consiste em subconjuntos de espécies que interagem mais entre si que com as demais espécies da
rede, formando módulos de interações (Fig. 17.1 F)
(Bascompte & Jordano 2007; Vázquez et al. 2009a).
Tanto a detecção do padrão topológico aninhado
quanto a do modular podem ser realizadas através
de modelos nulos (Lewinsohn et al. 2006; Ulrich
& Gotelli 2007; Dormann et al. 2009; Vázquez et
al. 2009b), os quais permitem a comparação da topologia observada da rede com o que seria esperado
se as interações fossem estabelecidas ao acaso (Fig.
17.1 G). Idealmente, o ajuste da topologia observada
Leandro Freitas
A
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Jeferson V. Bugoni
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Rede bipartida binária
Marina Wolowski
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383
Animais
Plantas
B
Rede bipartida quantitativa
Animais
Plantas
C
E
D
Matriz binária
Rede aninhada
F
Rede modular
Matriz quantitativa
G
Rede aleatória
Figura 17.1 Redes de interações. Grafo binário (A) e quantitativo (B) entre beija-flores (laranja) e plantas (verde) (VizentinBugoni et al. 2014); matrizes hipotéticas binárias (C) e quantitativa (D); topologia aninhada (E), modular (F) e aleatória (G),
apesar das conectâncias iguais (21 interações).
384 ⁞ Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades
deve ser confrontado com as diferentes possibilidades
estruturais previstas teoricamente (Lewinsohn et al.
2006), pois a identificação de um padrão topológico
não exclui a possibilidade de ocorrência de outro. Por
exemplo, redes planta-polinizador modulares podem
apresentar, ao mesmo tempo, estrutura aninhada no
interior dos módulos (Olesen et al. 2007; Fortuna
et al. 2010).
Processos estruturadores de redes
planta-polinizador
Um passo seguinte à descrição de padrões ecológicos é a investigação dos processos e mecanismos que
os geram. Em redes planta-polinizador, os padrões
são determinados por diferentes fatores, não mutuamente exclusivos, os quais derivam de processos
ecológicos, evolutivos e históricos, que influenciam
direta ou indiretamente as interações nas comunidades
(Bascompte & Jordano 2007; Vázquez et al. 2009a;
Vizentin-Bugoni et al. 2014). A abundância relativa
das espécies é reconhecida como um dos determinantes do estabelecimento das interações, já que espécies
mais abundantes possuem probabilidades maiores
de encontrar e interagir com parceiros que aquelas
espécies mais raras (processo também chamado de
“neutralidade de interação”). A distribuição espaçotemporal das espécies e as características fenotípicas
também influenciam as redes de interações, seja porque
espécies que não coocorrem no tempo ou no espaço
não podem interagir, seja por desacoplamento morfológico (e.g., polinizadores com aparelho bucal curto
são incapazes de obter néctar legitimamente em flores
tubulares demasiadamente longas) (Jordano 1987;
Vázquez et al. 2009a; Vizentin-Bugoni et al. 2014).
As relações filogenéticas também podem influenciar as redes de interações, sendo que grupos
de plantas aparentadas tendem a interagir com
polinizadores também aparentados, embora este tópico ainda não tenha sido amplamente explorado
(Capítulo 18) (Vázquez et al. 2009a). Para avaliar
esta questão, é possível, por exemplo, criar cenários
de interação hipotéticos considerando distintos processos estruturadores e, então, medir o ajuste de cada
cenário hipotético em relação ao que foi observado
na natureza (Vázquez et al. 2009b; Vizentin-Bugoni
et al. 2014). Estudos deste tipo têm apontado que
a abundância das espécies é o principal mecanismo
determinante das interações (e de suas frequências)
nas comunidades planta-polinizador (Vázquez et
al. 2009a). Entretanto evidências recentes derivadas
de um estudo com beija-flores e plantas na Floresta
Atlântica desafiam este paradigma por demonstrarem que desacoplamentos na distribuição temporal
e entre tamanhos de corola e comprimentos de bico
impõem restrições às interações das espécies (“interações proibidas”), as quais podem ser relativamente
mais importantes que as abundâncias. Além disso,
este estudo recomenda a escolha criteriosa das métricas de redes quando o interesse é investigar quais
mecanismos estruturam as redes e desencoraja o uso
de frequência de interações como um substituto para
a medida da abundância de espécies, o que tem sido
um procedimento frequente em estudos com redes.
Este artifício pode subestimar a importância das
interações proibidas em detrimento da abundância,
enviesando a compreensão dos mecanismos geradores dos padrões de interações (Vizentin-Bugoni
et al. 2014).
Principais métricas para descrever
redes e algumas de suas aplicações
Entre as métricas de rede mais comumente usadas
estão aninhamento, conectância, diversidade e equitatividade de interações, especialização e modularidade
Leandro Freitas
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Jeferson V. Bugoni
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Marina Wolowski
(Blüthgen et al. 2006; Albrecht et al. 2007; Tylianakis
et al. 2007; Albrecht et al. 2010; Tylianakis et al.
2010; Devoto et al. 2012), as quais serão brevemente
discutidas a seguir.
A compreensão das interações mutualísticas em
nível de comunidade foi enormemente influenciada
pela detecção recorrente de aninhamento (Bascompte
et al. 2003). Esta descoberta vai contra a noção disseminada anteriormente de que a especialização era
simétrica entre mutualistas (i.e., especialistas interagindo com especialistas e generalistas com generalistas). Em redes aninhadas ocorre um núcleo denso
de interações entre as espécies generalistas ao qual
o restante da comunidade está conectado. Esta estrutura aninhada pode ser importante na atenuação
das extinções secundárias ou flutuações temporais na
abundância de polinizadores especialistas (Tylianakis
et al. 2010), sendo que o aninhamento tende a ser mais
acentuado em comunidades com altas diversidade
(Lewinsohn et al. 2006) e estabilidade (EncinasViso et al. 2012). A relação entre aninhamento e
estabilidade das comunidades pode ter implicações
para a conservação, uma vez que, em simulações
computadorizadas, as redes de interações são resistentes à perda de especialistas e suscetíveis à perda de
generalistas (Kaiser-Bunbury et al. 2010). Entretanto,
estudos experimentais sugerem que o efeito da perda
de um polinizador é mais complexo e pode ser mais
acentuado que o predito pelas simulações (Brodi &
Briggs 2013).
A conectância é uma métrica que descreve a
proporção das interações observadas em relação ao
total de interações possíveis (May 1972; Jordano
1987; Jordano et al. 2006). Sua aplicação se baseia
na ideia de que redes mais conectadas possuem
maior redundância ecológica e de que isso promoveria maior estabilidade na rede de interações (May
1972; Thébault & Fontaine 2010; Tylianakis et al.
♦
Jana M. T. de Souza
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Isabela G. Varassin ⁞
385
2010), embora ainda exista controvérsia sobre esta
relação (Allesina & Tang 2012). A partir da ideia de
que redundância gera estabilidade, a noção de que
conectância e degradação ecológica são relacionadas
negativamente se estabeleceu na literatura, embora
faltem evidências empíricas (Heleno et al. 2012). Um
aspecto interessante desta métrica é que redes com a
mesma conectância podem ser estruturalmente muito
distintas. Por exemplo, as três redes hipotéticas de
mesmo tamanho (sete polinizadores e sete plantas)
da Fig. 17.1 possuem mesma conectância (0,43, i.e.,
43% das interações possíveis), mas diferem quanto à
topologia, sendo uma das redes aninhada (Fig. 17.1
E), outra modular (Fig. 17.1 F) e outra aleatória (Fig.
17.1 G). Portanto comunidades superficialmente
semelhantes podem ser radicalmente diferentes em
sua estrutura, o que pode refletir processos estruturadores diferentes e possuir implicações distintas para
resiliência e dinâmica das comunidades.
A diversidade de interações é uma métrica análoga à diversidade de espécies, de modo que trata as
interações como se fossem espécies ocorrendo em
diferentes frequências (Devoto et al. 2012). Já a equitatividade de interações mede o quão uniformemente
estão distribuídas as frequências das interações entre
pares de espécies (Tylianakis et al. 2007). Ambas
as métricas incorporam a natureza quantitativa das
interações (Bersier et al. 2002) e podem ser utilizadas
para explorar questões associadas à estabilidade das
comunidades, sendo que maiores valores de diversidade e equitatividade de interações tendem a ocorrer
em comunidades com menor grau de perturbação
(Albrecht et al. 2007; Tylianakis et al. 2007) e em
estágios sucessionais mais avançados (Albrecht et al.
2010; Devoto et al. 2012).
O nível de especialização das interações na
rede como um todo pode ser descrito através do
índice H2´ (Blüthgen et al. 2006), que expressa a
386 ⁞ Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades
complementaridade ou exclusividade das interações. Este índice só pode ser calculado para redes
quantitativas, porque considera a frequência de
interações, sendo resistente às diferenças no esforço
amostral, o que permite a comparação menos enviesada de diferentes redes de interações (Blüthgen
et al. 2006). Por exemplo, através dessa métrica foi
encontrada associação entre o nível de especialização em redes de interações planta-beija-flor e a
estabilidade climática do passado, a pluviosidade
contemporânea e a riqueza de espécies (Dalsgaard
et al. 2011).
A ocorrência de módulos presume a existência
de especialização na comunidade, a qual pode ser
atribuída a diferentes fatores (Lewinsohn et al. 2006;
Olesen et al. 2007; Martín-González et al. 2012).
Primeiro, a heterogeneidade ambiental pode determinar que especialistas em um determinado habitat
interajam mais entre si que com espécies que ocorrem
em outros habitats. Neste caso, espera-se que a modularidade seja detectada em estudos que envolvam
amostragem em ampla escala espacial. Segundo,
modularidade pode ser determinada pela variação
temporal (fenologia das espécies) nas comunidades,
em que trocas de polinizadores ao longo do tempo e
florações curtas favorecem a formação de subconjuntos de interações entre espécies (Martín-González et
al. 2012). Terceiro, os fatores relacionados a limitações impostas por restrições morfológicas, funcionais
ou filogenéticas também podem estar relacionados
à modularidade (Lewinsohn et al. 2006; Olesen et
al. 2007). Esta ideia sustenta, em parte, o conceito
de síndromes de polinização, em que se espera encontrar módulos constituídos por diferentes grupos
de polinizadores e pelas plantas a eles associadas
(Danieli-Silva et al. 2012; Martín-González et al.
2012). Neste sentido, a detecção de módulos é mais
improvável em estudos focados em subconjuntos
de interações da comunidade, como, por exemplo,
redes de beija-flores e suas plantas em comparação
àqueles estudos que consideram os diferentes grupos
de polinizadores.
Perspectivas para os estudos com
redes planta-polinizador
Redes de interações não são estruturas estáticas e
podem variar em diferentes escalas espaçotemporais.
A incorporação de aspectos relacionados à dinâmica
temporal e à estruturação espacial das interações
planta-polinizador (Olesen et al. 2007; Alarcón et
al. 2008; Burkle & Alarcón 2011; Dupont & Olesen
2012) é necessária para o avanço na compreensão da
estrutura e dinâmica das redes e do funcionamento e manutenção da diversidade dos ecossistemas
(Sabatino et al. 2010; Aizen et al. 2012; Devoto
et al. 2012; Encinas-Viso et al. 2012). Também é
necessário o incremento na abrangência e qualidade
dos dados de ecossistemas mais complexos, como
as florestas tropicais do Brasil, e que estes dados
sejam baseados em amostragens intensivas e com
métodos complementares (i.e., amostragem fitocêntrica e zoocêntica). Exemplos com outros tipos
de redes de interações ecológicas são encorajadores,
porque demonstram que este tipo de estudo é possível
mesmo em ecossistemas com elevada diversidade
(Donatti et al. 2011; Lewinsohn & Cagnolo 2012).
Além disso, avanços na compreensão dos processos
que determinam a organização das redes dependem
crucialmente da coleta adequada de dados sobre
estes mecanismos estruturadores (e.g., abundâncias,
sobreposição fenológica, acoplamento morfológico,
preferência por habitats das espécies), a qual deve
ser realizada concomitantemente à detecção das
interações para a construção das redes (VizentinBugoni et al. 2014).
Leandro Freitas
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Jeferson V. Bugoni
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Marina Wolowski
Interações planta-polinizador sob
a perspectiva de montagem de
comunidades
Como funcionam as regras de
montagem?
A maioria dos estudos atuais sobre estruturação de comunidades, pela perspectiva de regras de montagem,
foca em como as condições abióticas, as interações
competitivas e facilitadoras entre espécies e os processos neutros influenciam a composição, abundância e
distribuição espacial das plantas e animais na comunidade. Os padrões de coocorrência destas espécies vão
determinar a estrutura das diferentes comunidades
e estes padrões são gerados por diferentes processos.
Por exemplo, em maior escala, processos biogeográficos/históricos determinam quais possíveis
espécies ou linhagens estarão presentes regionalmente. Em escala mais local, processos neutros podem
determinar a colonização de determinada área, a
partir de um dado conjunto (pool) de espécies. Isto
é, a chegada destas espécies em um dado local vai
também depender da filtragem ambiental, pois apenas espécies que suportam as condições ambientais
locais poderão colonizar uma dada área. Além disso,
a coexistência das espécies em uma comunidade local
dependerá de interações bióticas, tanto competitivas
quanto positivas, como a facilitação (Webb et al.
2002; Cavender-Bares et al. 2009; Baraloto et al.
2012).
Nesse tipo de estudo busca-se inferir quais dos
processos exemplificados anteriormente determinam
os padrões de coocorrência de espécies, como, por
exemplo, através de medidas de distância filogenética,
conservação e convergência de nicho e similaridade
funcional (Webb et al. 2002; Cavender-Bares et al.
2009; Baraloto et al. 2012). Apesar de fundamentais
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Jana M. T. de Souza
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387
para o estabelecimento das comunidades, as interações
mutualísticas entre plantas e animais praticamente
não têm sido consideradas nos estudos sobre regras
de montagem (Armbruster 1995; mas veja Chazdon
et al. 2003; Sargent & Ackerly 2008; McEwen &
Vamosi 2010; Pawn 2013), constituindo um campo de estudo promissor. O arcabouço teórico em
ecologia de comunidades e o instrumental analítico
disponível constituem uma ampla base de referência
para estudos que relacionem regras de montagem e
as interações planta-polinizador, seja a partir de bases
de dados existentes, seja em estudos especificamente
planejados para esta abordagem.
Para tanto, um primeiro desafio é estabelecer
um arcabouço conceitual, que seja suficiente para: 1)
definir quais características das interações planta-polinizador constituem atributos funcionais importantes
para estudos sobre regras de montagem de comunidades (McGill et al. 2006); 2) estabelecer predições testáveis sobre a relação destes atributos funcionais com
os processos dominantes na estruturação da comunidade (Sargent & Ackerly 2008); e 3) determinar de
que modo e em que grau estes atributos influenciam
os parâmetros demográficos das espécies coocorrentes.
Buscando preencher esta lacuna, Sargent & Ackerly
(2008) compilaram resultados empíricos e apresentaram predições sobre a distribuição de síndromes
de polinização em relação ao grau de conservação de
atributos ecológicos e à estruturação filogenética da
comunidade. Neste capítulo expandimos a proposta
de Sargent & Ackerly (2008), primeiramente com a
ideia de que as síndromes de polinização deveriam
ser substituídas por grupos funcionais de plantas e
polinizadores (Fontaine et al. 2006). A interação
mutualística entre plantas e polinizadores é tratada
aqui como um processo organizador da comunidade
em relação aos efeitos relativos da filtragem, facilitação e competição sobre a distribuição de atributos
388 ⁞ Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades
fenotípicos. Propomos predições sobre diversidade
funcional em relação à biologia floral (morfologia,
dinâmica de antese e produção de recursos), fenologia de floração e limitação polínica do conjunto de
espécies da comunidade (Fig. 17.2 e subitens adiante).
O uso de síndromes de polinização em estudos
sobre montagem de comunidades reduz em uma única categoria a alta dimensionalidade que caracteriza
os fenótipos florais. Por outro lado, quando usadas
como medida de diversidade funcional, podem violar
as premissas básicas de indicação de atributos funcionais em estudos de montagem de comunidades,
pois desconsideram parte relevante das interações
entre plantas e polinizadores na comunidade (Waser
et al. 2011). O uso de grupos funcionais (ver item
“Estudos a partir de grupos funcionais”) em estudos
sobre montagem de comunidades supera esta limitação por incorporar a fauna de polinizadores nas
predições. O uso de grupos funcionais pode incluir
tanto os atributos fenotípicos das flores e dos polinizadores, individualmente, quanto o conjunto de
atributos, constituindo morfoespaços multivariados
dos atributos (Eaton et al. 2012).
A facilitação ou a filtragem ambiental geram
similaridade ecológica entre as espécies que compõe uma dada comunidade local, conduzindo à
agregação fenotípica (Webb et al. 2002) (Fig. 17.2).
Opostamente, interações bióticas como a competição
dificultam a coexistência de espécies ecologicamente similares, levando a limitação de similaridade,
partição de nicho, complementaridade no uso dos
recursos ou mesmo à exclusão competitiva (Gause
1934; Hutchinson 1959; MacArthur & Levins 1967;
Chesson 2000). Neste último cenário, a competição
geraria dispersão fenotípica (Webb et al. 2002) (Fig.
17.2). Na proposição de predições de padrões feita a
seguir, assumimos que a montagem da comunidade e
a coocorrência de espécies são ditadas primariamente
por um único processo dominante que acarreta padrões fenotípicos amplos de diversidade funcional e
sobre o qual ajustes fenotípicos finos vão se estabelecer
(Fig. 17.2).
Facilitação e filtragem ambiental na
montagem de comunidades plantapolinizador
Quando processos de filtragem ou facilitação mediada
por polinizadores são dominantes na montagem da
comunidade, é esperado que as espécies apresentem
características florais semelhantes (e.g., forma e tamanho das flores, tipo e quantidade de recurso floral)
como padrões fenotípicos amplos, que determinam
quais polinizadores são atraídos e podem acessar os
recursos florais.
No caso de predomínio de facilitação, a maior
semelhança nos atributos florais levaria à maior atração de polinizadores em comparação ao que cada
espécie teria caso fosse fenotipicamente distinta das
demais (Rathcke 1983). Ajustes finos na biologia
floral das espécies são esperados neste caso, de modo
a evitar os efeitos negativos da mistura de pólen interespecífico no sucesso reprodutivo (Feldman et al.
2004; Moeller 2004). Estes ajustes finos podem se dar
como divergências na morfologia floral (posição de
anteras e estigma) ou horário de antese, por exemplo,
de modo que as vantagens advindas com a maior
atração de polinizadores não sejam menores que as
desvantagens sobre o sucesso reprodutivo decorrente
da mistura de pólen (Goulson 1994). Nesse cenário,
a variação dos atributos florais será menor que o
esperado ao acaso (i.e., que a variação obtida com
modelos nulos) e menor que a variabilidade em comunidades dominadas por competição (ver Schmera
et al. 2009, para exemplo com características ecofisiológicas). Expectativas semelhantes são esperadas
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Figura 17.2 Regras de montagem de comunidades e as interações planta-polinizador (expandido de Webb et al. 2002; Sargent
& Ackerly 2008). Linhas indicam padrões esperados de diversidade funcional e estrutura filogenética em resposta ao grau de
conservação dos atributos e ao processo ecológico dominante.
entre os polinizadores, como, por exemplo, ajustes
Em relação à fenologia de floração, pode ocorrer
finos em forrageio preferencial em diferentes estratos
facilitação por atração conjunta ou por manutenção
ou habitats (Snow & Snow 1972; Kodric-Brown et
conjunta (sensu Moeller 2004). Para grupos de plantas
al. 1984) e na constância floral (Esfeld et al. 2009).
dependentes de polinizadores de vida curta ou efêmeros
390 ⁞ Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades
na comunidade (e.g., espécies com alta mobilidade,
como aquelas migratórias), maior atratividade de polinizadores será vantajosa caso as espécies tenham
sobreposição de sua época de floração (facilitação por
atração conjunta) (Kaehler et al. 2005), a fim de se
beneficiar da maior atratividade de polinizadores, o
que levaria a um padrão agregado com florações breves
(Eaton et al. 2012). Este padrão também seria esperado
caso as condições abióticas exercessem filtragem na
fenologia, com agregação da fenologia de várias espécies no mesmo período. Para espécies polinizadas por
animais de vida longa e com populações residentes,
como vertebrados e abelhas sociais, é esperado que florações sequenciais estejam associadas à facilitação, pois
a manutenção das populações ao longo do ano é um
fator essencial (facilitação por manutenção conjunta).
Embora tratados separadamente aqui, a definição da
sobreposição ou não de nicho reprodutivo das plantas
envolve a avaliação conjunta da fenologia, os atributos
florais e as interações com polinizadores.
Competição na montagem de
comunidades planta-polinizador
Quando a competição é o processo dominante na montagem da comunidade, é esperado que a coexistência
entre as espécies envolva forças estabilizadoras (i.e.,
diferenciação de nicho), levando a maior diversidade
de fenótipos florais ligados a diferentes polinizadores e
menor pressão advinda de mistura de pólen (Fishman
& Wyatt 1999). Desta forma, espera-se que um padrão de estruturação guiado por competição esteja
também associado a uma menor variação nos atributos
florais dentro dos grupos (ajustes finos) (Fig. 17.2). Por
exemplo, a coocorrência de dezenas de espécies de
Pedicularis, com sobreposição de floração e partilha de
polinizadores, em ambientes montanhosos na China,
resulta da divergência de atributos florais associados à
minimização de interferência reprodutiva, acarretando
dispersão fenotípica, sendo que a estrutura filogenética das comunidades não diferiu do padrão gerado
por modelos nulos (i.e., padrão aleatório) (Eaton et
al. 2012). Um conceito relacionado à estruturação
por competição é o da complementaridade de atributos fenotípicos entre plantas e polinizadores, em que
comunidades com maior diversidade funcional de
polinizadores estão associadas à maior diversidade de
plantas (Fontaine et al. 2006).
Partindo dos pressupostos da teoria do forrageio
ótimo, os polinizadores buscarão o máximo de recursos
com o menor gasto energético possível (MacArthur &
Pianka 1966). Assim, é esperado que em um ambiente
de competição pelos polinizadores haveria maior investimento médio na produção de recursos florais (e.g.,
néctar, óleo, pólen), uma vez que taxas de visitação por
polinizadores são correlacionadas à oferta de recursos
florais (Real & Rathcke 1991). Em relação à fenologia,
um padrão esperado é de florações mais longas, distribuídas aleatoriamente ao longo do ano, de modo que
espécies menos atrativas aos polinizadores ampliem as
chances de sucesso reprodutivo (ver Raine et al. 2007).
Por outro lado, em um cenário de maior equivalência na atratividade de polinizadores (i.e., quando o
compartilhamento de polinizadores reduz as taxas de
visitação de forma equitativa para ambas as espécies), o
padrão esperado é de florações curtas e sequenciais, de
tal forma que as espécies estabelecidas na comunidade
evitariam os efeitos da competição direta (i.e., princípio
da partilha de polinizadores) (Fig. 17.2).
Medidas de sucesso reprodutivo como
atributos funcionais
A efetividade dos polinizadores no sucesso reprodutivo das plantas é outra questão central nos estudos
de biologia da polinização (Inouye et al. 1994; Freitas
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2013). Do ponto de vista de funcionamento de ecossistemas, estruturação das comunidades e dinâmica
das populações, a produção de sementes e seus efeitos
nas etapas seguintes do recrutamento são a “razão
de ser” do processo de polinização. Neste sentido,
medidas de sucesso reprodutivo e limitação polínica
(sensu Ashman et al. 2004) são atributos funcionais
importantes para o entendimento da influência das interações planta-polinizador na montagem das comunidades (Sargent et al. 2011). Porém poucos estudos
avaliaram o sucesso reprodutivo e a limitação polínica
em nível de comunidade, de modo que atualmente
não é possível a identificação de padrões gerais que
facilitem a proposição de predições mais realísticas
sobre a montagem de comunidades (mas ver Sargent
et al. 2011; Wolowski et al. 2013a). Em uma comunidade dominada por facilitação, a limitação polínica
pode ser disseminada, porém com intensidade baixa
a moderada, uma vez que o serviço dos polinizadores
seria distribuído de modo mais equitativo e as espécies
teriam um nível subótimo de polinização (Fig. 17.2).
Já em um cenário de dominância de mecanismos de
competição, pode haver maior variação na ocorrência
e intensidade (inclusive temporal) da limitação polínica, com tendência a uma distribuição bimodal, com
espécies não limitadas e espécies que experimentam
limitação polínica elevada (Fig. 17.2).
Desafios na aplicação da perspectiva
de montagem de comunidades
A discussão das predições propostas anteriormente
neste capítulo, por exemplo, sobre longevidade e
mobilidade dos polinizadores versus padrões fenológicos, mostra que a variação inerente a um único
atributo pode ter maior influência de um ou outro
mecanismo organizador, inclusive de processos neutros ou características idiossincráticas da região em
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391
que a comunidade está inserida (Pillar et al. 2009;
Weiher et al. 2011; Fagan et al. 2014). Ademais,
outros atributos dos organismos, como abundância,
tamanho corporal, área de vida e ausência de nicho
de regeneração, poderiam estar associados com um
papel maior da neutralidade ou regionalidade na
montagem de comunidades (Weiher et al. 2011). A
convergência ou divergência de atributos fenotípicos
pode também estar associada com a variação dentro do atributo, como, por exemplo, espécies muito
frequentes podem apresentar maior divergência de
cores das flores que espécies raras, pois estas últimas
estariam se beneficiando, via facilitação, de polinizadores mais generalistas (McEwen & Vamosi 2010;
Violle et al. 2012). Além disso, a teoria de coexistência
contemporânea coloca em xeque alguns pressupostos de regras de montagem das comunidades. Por
exemplo, competição associada a grandes diferenças
de aptidão ecológica pode levar a um padrão de menor diversidade de atributos funcionais e agregação
filogenética, o qual, portanto, não resultaria apenas
de filtragem ambiental ou facilitação (Mayfield &
Levine 2010). Por fim, pouco se sabe sobre o quanto e
de que forma, atributos reprodutivos, como floração,
polinizadores e fecundidade, influenciam a estrutura
das populações de plantas na escala de comunidades.
Entender quais os mecanismos que determinam a
coexistência das plantas que partilham polinizadores
em uma comunidade, as quais apresentam floração
sequencial ou sobreposta, maior ou menor similaridade no fenótipo floral e diferenças em abundância e
distribuição espacial, ainda é um fascinante enigma
para a ecologia (Armbruster 1995; Ghazoul 2006).
As predições aqui propostas buscam fornecer uma
base, ainda que heurística, para estudos que testem
hipóteses em um contexto amplo. Esperamos assim
motivar trabalhos sob esta perspectiva, para que sejam
desenvolvidas hipóteses inseridas em um arcabouço
392 ⁞ Interações planta-polinizador e a estruturação das comunidades
teórico que concilie o conhecimento acumulado acerca de montagem de comunidades e de interações
planta-polinizador. Esta é uma tarefa desafiadora,
mas entender as interações planta-polinizador em
termos dos processos envolvidos na montagem de
comunidades é relevante não apenas para o entendimento da estrutura e dinâmica das comunidades,
mas também para a conservação das espécies de
plantas e polinizadores e dos processos ecológicos
nos quais elas estão envolvidas. Este entendimento
ampliará nossa capacidade de prever os impactos das
mudanças climáticas, das alterações na paisagem e
de invasões de espécies exóticas no funcionamento
das comunidades.
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André Rodrigo Rech1, Aline Cristina Martins2 e Fernanda Barão Leite3
1
Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas – CEP: 13083-970 –
Campinas-SP – Brasil – Caixa postal 6109. e-mail: andrerodrigorech@gmail.com
2
Programa de Pós-Graduação em Entomologia, Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná – CEP: 81531-980
– Curitiba-PR – Brasil – Caixa postal 19020.
3
Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas – CEP: 13083-970
– Campinas-SP – Brasil – Caixa postal 6109.
“O mundo não foi feito em alfabeto.
Senão que primeiro em água e luz.
Depois árvore”
(Manoel de Barros)
N
este capítulo será discutida a necessidade de se considerar a história evolutiva das espécies nos estudos
comparativos das interações entre plantas e polinizadores. São apresentadas ferramentas como o relógio
molecular e as possibilidades de datações para grupos ou interações, bem como a possibilidade de mapeamento
de caracteres sobre a filogenia. Discutimos o conceito de sinal filogenético e sua importância na separação
dos componentes filogenético e adaptativo na comparação entre espécies. Por fim, apresentamos algumas
possibilidades de estudo envolvendo uma abordagem filogenética.
400 ⁞ Interações entre plantas e polinizadores sob uma perspectiva filogenética
Introdução
Talvez a frase mais antiga a fazer referência ao estudo
comparativo de espécies seja de Aristóteles, quando
escreveu: “deveríamos nós, por exemplo, começar a
discutir a separação entre as espécies – homem, leão,
boi e outros – tomando cada um como independente
dos demais, ou deveríamos então considerar primeiro as características que eles possuem em comum
em virtude de algum elemento de suas naturezas,
e proceder a partir dessa base para a separação?”
(tradução livre a partir de Aristóteles, De Partibus
Animalium) (Ogle 1911). Hoje o raciocínio de que
todos os organismos, vivos ou já extintos, são ou
estiveram em algum nível relacionados evolutivamente é senso comum na biologia. No entanto, até
a década de 1950, a biologia evolutiva permanecia
dentro do paradigma de 350 a. C. com relação ao
método comparativo (Ridley 1983).
Embora Ernst Haeckel já tivesse introduzido a
palavra filogenia em 1866, essa área do conhecimento
só foi difundida a partir de 1950, com as contribuições do biólogo alemão Willi Hennig (ver Amorim
2002, para um aprofundamento acerca da história
e epistemologia da sistemática filogenética). Ele desenvolveu a cladística, um método para reconstrução
das relações de parentesco filogenético a partir de
novidades evolutivas compartilhadas (sinapomorfias)
entre espécies ou grupos de espécies (clados). Definiu
também que, para ser natural, um táxon precisa ser
monofilético, ou seja, deve incluir todos os descendentes de um determinado ancestral comum (Amorim
2002). Nessa perspectiva, a representação das relações
entre taxa é feita graficamente por meio de árvores
filogenéticas, que são, então, a hipótese mais plausível
frente os dados disponíveis para ilustrar a história
evolutiva de um grupo. Desde então esse raciocínio
permeia os métodos de reconstrução filogenética.
Dizemos que reconstruções ou árvores filogenéticas
(aqui tratadas como filogenias) configuram sempre
uma hipótese, já que não é possível voltar no tempo
e visualizar o que realmente ocorreu. Além disso,
apesar de se utilizar o maior número de informações
disponíveis na construção das filogenias, elas nunca
abordarão todas as evidências que poderiam indicar
o parentesco evolutivo das espécies.
Assim como na taxonomia, os primeiros estudos
filogenéticos consideraram apenas caracteres morfológicos. Mais tarde, à medida que o conhecimento
acerca dos grupos avançou e se aperfeiçoaram as
ferramentas para acessar e analisar tais dados, outras informações como a anatomia, a embriologia, a
paleontologia, o comportamento e a genética foram
sendo progressivamente incorporadas. Mais recentemente, a similaridade em sequências de DNA tem
sido o método mais utilizado para a reconstrução de
filogenias. Dessa forma, estudos comparativos têm se
tornado mais realistas desde que consideraram que
as espécies não são entidades independentes, ou seja,
espécies aparentadas compartilham uma história evolutiva entre si e isso tem implicações sobre a variação
em seus caracteres (Felsenstein 1985).
Introduzimos esse capítulo com dois exemplos
nos quais a consideração das relações filogenéticas
entre as espécies ajudou a resolver importantes questões ecológicas e evolutivas envolvendo polinização.
O primeiro exemplo trata da troca de sistema de
polinização em Dalechampia (Armbruster & Baldwin
1998). Neste trabalho, os autores mostraram que,
na África, plantas desse gênero eram originalmente
especialistas e polinizadas por abelhas coletoras de
resina. Entretanto as espécies atualmente presentes
na Ilha de Madagascar oferecem apenas pólen como
recurso, sendo polinizadas por abelhas, moscas e besouros, num sistema claramente generalista. Estudos
filogenéticos mostraram que as plantas do gênero
André Rodrigo Rech
Dalechampia de Madagascar surgiram em um grupo
cuja polinização é feita por abelhas coletoras de resina,
isto é, houve troca de sistema de polinização, antes
especialista e atualmente generalista. A transição de
um sistema especializado para um generalizado era
até então considerada improvável na ecologia da polinização e muito rara na ecologia em geral (Futuyma
& Moreno 1988). O estudo também evidenciou que,
embora Dalechampia tenha colonizado Madagascar
a partir da África, os polinizadores que atuam no
continente não fizeram o mesmo (Armbruster &
Baldwin 1998).
O outro exemplo enfoca a forma como se entende atualmente a evolução da polinização pelo vento,
sistema presente em cerca de 20% das angiospermas
(Ackerman 2000). Por muito tempo considerou-se
a polinização anemófila uma condição basal em
angiospermas (Capítulo 8). No entanto, quando as
relações filogenéticas dentro desse grupo de plantas começaram a ser estudadas, percebeu-se que
a anemofilia é uma condição derivada, evoluindo
independentemente muitas vezes e sempre a partir
de ancestrais polinizados por insetos (Culley et al.
2002). Aqui, novamente pode-se perceber a importância da filogenia reorientando o entendimento de
como operam processos evolutivos nos sistemas de
polinização.
Mutualismo entre plantas e
polinizadores: o que as filogenias
podem nos ajudar a responder?
O uso de dados moleculares na reconstrução de hipóteses filogenéticas causou profundas mudanças na
compreensão das relações sistemáticas tanto para as
plantas (Stevens 2012) quanto para seus polinizadores, como, por exemplo, as abelhas (Danforth et
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401
al. 2013). Para o estudo de associações estritas entre
organismos, como o parasitismo, muito já se utilizaram as cofilogenias, que são comparações nos padrões
de especiação entre as filogenias de ambos os grupos
que supostamente coevoluíram (Banks & Paterson
2005; de Vienne et al. 2013). Porém essa metodologia de estudo tem aplicação restrita nas interações
planta-polinizador devido à natureza difusa destas
relações (Rech & Brito 2012). Até mesmo casos de
mutualismos obrigatórios, altamente especializados
e tradicionalmente considerados resultados de um
processo coevolutivo, como, por exemplo, as figueiras
(Ficus spp) e as vespas-do-figo, revelaram incongruência
entre as filogenias dos interagentes na medida em que
mais espécies foram estudadas dentro dos diferentes
clados (Marussich & Machado 2007; Rech & Brito
2012). Os casos de associação estrita e obrigatória entre
plantas e polinizadores são raros (Vázquez & Aizen
2004), ao contrário do que se observa nas relações de
parasitismo. Além disso, a congruência de filogenias
não é uma evidência direta de que haja coevolução
entre as espécies. Outros processos podem gerar um
padrão de congruência entre filogenias, podendo haver
evolução mútua de caracteres sem codiversificação
(Johnson & Clayton 2004). Por esse motivo, o método
de cofilogenias não será abordado nesse capítulo. Nesse
sentido, trataremos aqui das seguintes abordagens: 1)
datação de grupos e, consequentemente, do início de
interações; 2) mapeamento das interações e/ou caracteres na filogenia e sinal filogenético; e 3) estrutura
filogenética de comunidades.
Datação molecular
O registro fóssil é uma importante fonte de informações sobre a idade dos organismos e sobre o surgimento de novos caracteres ou espécies, bem como
das relações de parentesco subjacentes. Evidências
402 ⁞ Interações entre plantas e polinizadores sob uma perspectiva filogenética
de associações mutualísticas no registro fóssil são
raras (Capítulo 8). Em relação à polinização, evidências indiretas são o principal indício da idade e
do surgimento da interação (Grimaldi 1999). Entre
as evidências indiretas estão as prováveis adaptações
dos animais que pudessem resultar no transporte
de pólen (e.g., presença de probóscides longas para
captura de néctar, estruturas carregadoras de pólen
e presença de pólen no aparelho digestivo de insetos)
e a presença de atributos florais atrativos a esses animais. Evidências diretas da associação, embora mais
raras, também já foram encontradas no registro fóssil.
Um fascinante exemplo foi descoberto em âmbar do
Mioceno da República Dominicana (15-20 Ma): um
fóssil de abelha-sem-ferrão (Meliponini) carregando
a polinária de uma orquídea (Ramírez et al. 2007).
Contudo, na escassez do registro fóssil, que parece ser a regra para a maioria dos grupos, como é possível inferir a idade dos organismos e das interações?
Uma possibilidade surgiu com a descoberta de que a
distância genética entre duas sequências que codificam a mesma proteína em diferentes espécies aumenta
linearmente com o tempo de divergência entre elas
(Zuckerkandl & Pauling 1962; Kimura 1968). Essa
descoberta, juntamente com a evidência de que várias
proteínas exibem o mesmo comportamento, implica
a existência de um relógio molecular, cuja velocidade
de “batimento” do pêndulo depende da região do
DNA considerada. O relógio molecular, entretanto,
precisa ser “calibrado”, e para isso utilizam-se fósseis
e suas idades estimadas, além de dados geológicos
(p. ex., surgimento de barreiras), moleculares (taxa
conhecida de evolução de determinado gene) ou
ecológicos (evidências de associações estritas) (Renner
2005; Andújar et al. 2014).
Os dois grandes desafios ao uso de datação molecular para entender processos evolutivos, incluindo a
polinização, são a calibragem do relógio molecular e a
obtenção de um bom conjunto de dados moleculares
para a filogenia de determinado grupo. Atualmente,
técnicas moleculares são altamente disseminadas e
tornam-se progressivamente menos dispendiosas,
porém ainda requerem boa qualidade do material
coletado para seu sucesso. Uma boa hipótese filogenética é ponto de partida, mas bons pontos de calibração do relógio molecular são fundamentais para
a datação e o correto posicionamento na filogenia. E
isso depende não somente da existência do registro
fóssil, mas também da confiabilidade da sua origem
e da datação do estrato onde foi encontrado.
Apesar dos desafios, o relógio molecular ganhou
imediata popularidade pelas inúmeras questões que
passaram a ser respondidas com seu uso. No contexto
das relações planta-polinizador, sua aplicação é recente, mas vem crescendo nos últimos anos (Renner
2005). Relações não obrigatórias envolvem muitas
mudanças, reversões e trocas de hospedeiros, o que faz
que a estimativa de idade da interação seja mais difícil
para grandes grupos, necessitando do detalhamento
em níveis genéricos ou específicos. Já para grandes clados, que apresentam mutualismo obrigatório, como,
por exemplo, as associações “figos-vespas”, a estimativa
da idade pode ser a principal evidência de coevolução
(Lopez-Vaamonde et al. 2009). No entanto há que se
ter claro que essa informação precisa ser corroborada
por várias outras fontes para assumir consistência,
sendo, isoladamente, apenas uma suposição.
Algumas famílias de angiospermas produzem
óleos florais coletados por abelhas especializadas
(Capítulo 9) (Vogel 1974). Stefan Vogel propôs que
essa associação teria surgido independentemente em
diversas famílias, e Malpighiaceae provavelmente
teria sido a primeira na qual o recurso apareceu
(Vogel 1974). Utilizando relógio molecular, associado a uma filogenia global das angiospermas e
calibrado por registros fósseis, Renner & Schaefer
André Rodrigo Rech
(2010) confirmaram o múltiplo surgimento do óleo
floral nas diversas famílias. Os autores também inferiram as datas de surgimento da oferta de óleo
e do comportamento de coleta do mesmo pelas
abelhas. A partir disso, a datação confirmou que
Malpighiaceae é a família mais antiga com produção
de óleo floral (origem no Cretáceo), o que, aliás, é
uma condição basal nesta família. O surgimento da
produção de óleo nas demais famílias teria ocorrido
posteriormente, no decorrer do Cenozoico (Renner
& Schaefer 2010).
Outro caso ilustrativo é o mutualismo entre
abelhas coletoras de fragrância (tribo Euglossini) e
orquídeas, que foi tradicionalmente considerado um
caso de coevolução devido à natureza aparentemente
estrita e altamente especializada dos grupos em interação (Capítulo 9) (Rech & Brito 2012). As evidências
de idades, ao contrário, apontam para um surgimento
assincrônico dos grupos, com aparecimento independente da produção de fragrâncias nas orquídeas ao
menos três vezes (Ramírez et al. 2011). Além disso, a
capacidade de coletar e usar substâncias odoríferas já
era uma característica das abelhas quando surgiram
as orquídeas com perfume. Essas abelhas, inclusive,
continuam utilizando outras fontes de odores além
de orquídeas até os dias atuais (Ramírez et al. 2011).
Percebe-se assim que não há evidências para classificar tal mutualismo como produto de coevolução,
uma vez que a evolução e a diversificação dos grupos
ocorreram em tempos diferentes (Rech & Brito 2012).
Evolução de caracteres
A sobreposição dos estados de um caracter sobre uma
filogenia, construída com todos os demais atributos
disponíveis para as espécies em estudo, configura
uma evidência de como ocorreu a evolução. O mapeamento de características ecológicas nas filogenias
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Aline Cristina Martins
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Fernanda Barão Leite ⁞
403
pode, ainda, ser aliado à datação molecular e tem
sido um método bastante utilizado no estudo da
evolução adaptativa (Johnson & Steiner 2000). Na
Tab. 18.1 apresentamos diversos exemplos de estudos
que utilizaram essa ferramenta para responder a uma
ampla gama de questões relacionadas com a evolução da morfologia floral, o surgimento da produção
de novos recursos aos polinizadores e a troca entre
sistemas de polinização.
Mapear características ecológicas na filogenia
pode envolver desde o simples destaque dos ramos
que possuam determinadas características (em cores
diferentes, por exemplo) até análises mais complexas, como a reconstrução de estados ancestrais. Essa
reconstrução pode ser feita através de análises de
máxima parcimônia (MP), máxima verossimilhança
(ML, do inglês maximum likelihood) ou inferência bayesiana (IB), em softwares específicos como MacClade
(Maddison & Maddison 1992), BayesTraits (Pagel et
al. 2004) e SIMMAP (Bollback 2006), respectivamente. Devido à sua simplicidade, a MP ainda é o
método mais utilizado na reconstrução da história de
caracteres relacionados à polinização (Tab. 18. 1), no
entanto tem aumentado cada vez mais o número de
abordagens baseadas em modelos, utilizando tanto
a ML (Pérez et al. 2006; Sedivy et al. 2008) quanto a IB (Tripp & Manos 2008). Essas abordagens
tornam-se mais consistentes à medida que incluem
comprimentos de ramos, taxa diferenciada de transição de um estado a outro e suporte estatístico para
uma dada reconstrução (Smith 2010).
É possível ainda unir métodos de otimização,
como, por exemplo, a MP e a ML; nesse caso, primeiramente utiliza-se a MP para mapear os caracteres
na filogenia e, então, aplica-se a análise de ML, que
inclui os tamanhos de ramos como parâmetro (Sedivy
et al. 2008). A ML tem a vantagem de adicionar
informações acerca do valor de probabilidade de
404 ⁞ Interações entre plantas e polinizadores sob uma perspectiva filogenética
Tabela 18.1 Estudos que utilizam abordagens históricas, baseadas em reconstruções filogenéticas, para a
compreensão da evolução das relações planta-polinizador, sob vários aspectos
Questão
Grupo focal
Abordagem/método/
software
Referência
Evolução de morfologia floral guiada por polinizadores
Evolução da morfologia
floral e sua relação com o
comportamento do polinizador e o local de deposição
de pólen em seu corpo
Seleção de caracteres florais mediada por trocas
de guildas de polinizadores (abelhas – beija-flores
– mariposas)
Evolução da cor da corola
e especialização em determinada guilda de polinizadores (beija-flores para
abelhas)
Evolução de pétalas franjadas em Cucurbitaceae e
atração de mariposas
Evolução da distância entre
estigma e nectários, cores da corola e guildas de
polinizadores (insetos ou
pássaros)
Tendências na evolução
floral (presença de néctar,
esporões, entre outras) guiadas pela dominância de guildas de polinizadores
Huttonaea
(Orchidaceae)
Evolução de características
associadas a um habitat e
de uma característica floral específica (petal claw),
inferidas a partir de MP
(MacClade)
Steiner 2010
Schizanthus
(Solanaceae)
Evolução de caracteres
florais qualitativos (p. ex.,
cor, presença de quilha) reconstruídos a partir de MP
(Mesquite)
Pérez et al. 2006
Ruellia
(Acanthaceae)
Evolução da cor da flor reconstruída através de ML
(Mesquite) e de caracteres
multiestados e sistemas de
polinização utilizando IB
(SIMMAP)
Tripp & Manos
2008
Trichosanthes
(Cucurbitaceae)
Inferências a partir das relações obtidas na análise
filogenética através de IB
(MrBayes)
de Boer et al. 2012
Hakea (Proteaceae)
Características qualitativas
(p. ex., polinizador = inseto;
cor = vermelha) e evolução
correlacionada testada através de métodos bayesianos
(BayesTraits)
Hanley et al. 2009
Disa (Orchidaceae)
Características qualitativas
(presença/ausência) mapeadas manualmente na filogenia morfológica obtida com
MP (PAUP)
Johnson et al. 1998
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405
Tabela 18.1 Continuação
Evolução de novos recursos/recompensas a polinizadores
Trocas de recursos oferecidos e sistemas de
polinização
Sisyrinchium
(Iridaceae)
Mapeamento de diversas
características relacionadas a
tricomas florais (p. ex., posição,
tipo) na filogenia através de
MP e ML (Mesquite)
Chauveau et al.
2011; Chauveau et
al. 2012
Armbruster et al.
2009
Trocas de função de uma mesma substância (resina) produzida pelas flores ora como
recurso, ora como defesa
Dalechampia
(Euphorbiaceae)
Evolução de características relacionadas a defesa/
polinização através de ML
(Mesquite).
Interação de características florais, polinizadores e
distribuição geográfica no
isolamento reprodutivo e
especiação
Clados
Sarcophrynium
e Marantochloa
(Maranthaceae)
Estimar a relação entre
caracteres florais, traçando
sua evolução através de MP
(Mesquite) na árvore resultante de ML (PAUP)
Ley & ClaßenBockhoff 2011
Araceae
Evolução e diversos caracteres florais (p. ex., número
de flores masculinas por
inflorescência) a partir de
ML (Mesquite) e correlação
entre caracteres através de
mapeamentos estocásticos
na árvore (SIMMAP)
Chartier et al. n.d.
Penstemon
Mapeamento das guildas de
(Scrophulariaceae) e visitantes a partir da análise
gêneros relacionados filogenética de parcimônia
Wilson et al. 2006
Evolução da coleta de fragrâncias nas abelhas e da
produção de fragrâncias nas
orquídeas através de ML
(Mesquite)
Ramírez et al. 2011
Evolução de flores sem
recurso (deceptive) e sua
relação com as guildas de
insetos que interagem e
unissexualidade das flores
Relação entre a razão sacarose/hexose na composição
do néctar e trocas de polinizadores de abelhas para
beija-flores
Origem da produção de fragrâncias em orquídeas relacionadas ao comportamento
de coleta dos polinizadores
e diversificação de ambos os
grupos
Tribo Euglossini e
Orchidaceae
406 ⁞ Interações entre plantas e polinizadores sob uma perspectiva filogenética
Tabela 18.1 Continuação
Evolução molecular e troca de polinizadores
Testar se a perda de alelos
que atuam na produção de
pigmento violeta (e consequentemente tornam a flor
branca) tem relação com a
troca de polinizadores
Reconstrução filogenética a
partir de parcimônia e inferência bayesiana; testes de
Duas espécies de
recombinação entre alelos;
Petunia (Solanaceae)
preferência dos polinizadores por determinadas flores
no campo e em estufa
Hoballah et al.
2007
Distribuição geográfica, ausência/presença de polinizadores e trocas de sistemas de polinização
Relação entre as trocas no sistema de polinização (abelhas
coletoras de óleo para abelhas
coletoras de pólen) e distribuição geográfica?
Calceolaria
(Calceolariaceae)
Evolução de caracteres florais e de trocas de guildas
de polinizadores (Mesquite)
Cosacov et al. 2009
Trocas nos sistemas de polinização e diversificação
Diversificação e grande
riqueza de espécies são
guiadas pelas trocas de
polinizadores?
Trocas de polinizadores
foram traçadas na filogenia
usando ML (Mesquite).
Gladiolus (Iridaceae)
Taxas de transição entre polinizadores foram calculadas
usando SIMMAP
Valente et al. 2012
Evolução das preferências florais em polinizadores: especialistas vs. generalistas
Evolução das trocas de fontes de pólen entre abelhas
oligoléticas: espécies com
dietas generalistas surgiram
de especialistas?
Evolução das trocas de fontes de pólen entre abelhas
oligoléticas: espécies com
dietas generalistas surgiram
de especialistas?
Diadasia
(Hymenoptera,
Apidae)
Reconstrução dos estados ancestrais de famílias
hospedeiras para coleta
de pólen através de MP
(MacClade)
Sipes & Tepedino
2005
Chelostoma
(Hymenoptera,
Megachilidae)
Reconstrução dos estados ancestrais de famílias hospedeiras
para coleta de pólen usando
MP (MacClade) e levando
comprimento de ramo em
consideração usando ML
(BayesTraits)
Sedivy et al. 2008
André Rodrigo Rech
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Aline Cristina Martins
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Fernanda Barão Leite ⁞
407
Tabela 18.1 Continuação
Expansão do nicho e
fenologia
Atração de besouros por
determinados compostos
químicos em flores de
Araceae: coevolução ou evolução sequencial (derivada
de condição preexistente
nos polinizadores)
Andrena
(Hymenoptera,
Andrenidae)
Mapeamento de características fenológicas de amplitude da dieta (oligoleticia
a polileticia) usando MP
(MacClade)
Larkin et al. 2008
Araceae e besouros polinizadores
(Coleoptera)
Mapeamento da produção
de voláteis (plantas) e capacidade de reconhecê-los
(besouros) na filogenia de
cada grupo usando MP
(Mesquite)
Schiestl & Dötterl
2012
Haider et al. 2013
Espectro de plantas hospedeiras em um grupo de
abelhas
Osmia
(Hymenoptera,
Megachilidae)
Análise da carga de pólen
presente na escopa e reconstrução dos estados ancestrais usando parcimônia
(MacClade) e máxima verossimilhança (Baye straits)
Surgimento de caracteres
relacionados a coleta de
óleos florais em abelhas
Melittidae
(Hymenoptera)
Inferências a partir das análises filogenéticas (MP, ML,
IB)
Michez et al. 2008
Origem da especialização
para coleta de pólen e trocas
entre sistema oligolético e
polilético
Melittidae
(Hymenoptera)
Mapeamento das famílias
hospedeiras na filogenia
morfológica
Michez et al. 2008
MP: máxima parcimônia; ML: máxima verossimilhança (do inglês maximum likelihood); IB: inferência bayesiana. Referências
para os softwares: MacClade (Madison & Madison 1992); Mesquite (Madison & Madison 2011); SIMMAP (Bollback 2006);
BayesTraits (Pagel et al. 2004); MrBayes (Ronquist et al. 2012).
ocorrência de cada uma das reconstruções de estados
filogenética no estudo da evolução das interações
ancestrais de caracteres (Smith 2010). Em contra-
entre plantas e polinizadores. Além disso, essa abor-
partida, a identificação e o número de mudanças
dagem pode ajudar a explicar muitos dos padrões de
são mais difíceis com a ML. Independentemente do
preferências florais, morfologia e adaptações únicas,
método de otimização, a reconstrução dos estados
que as limitações nos dados de campo em biologia
ancestrais revela a grande importância da sustentação
da polinização não permitem acessar.
408 ⁞ Interações entre plantas e polinizadores sob uma perspectiva filogenética
Além do mapeamento de caracteres, já é antiga
na ecologia a preocupação de que o compartilhamento de atributos ou a distribuição dos mesmos
em determinados contextos pode ser resultado de
restrições filogenéticas (Gould & Lewontin 1979).
Nesse sentido, tanto as inovações evolutivas e as
mudanças nos atributos quanto a inércia filogenética
(manutenção) configuram informações importantes
no entendimento dos padrões encontrados. Uma
medida que quantifica o compartilhamento de um
determinado atributo entre espécies devido à sua
relação de parentesco foi denominada de sinal filogenético (Blomberg & Garland 2002). Assim, um
sinal filogenético forte indicaria que espécies mais
aparentadas tendem a ser mais similares que o esperado ao acaso em relação a determinado atributo,
ou seja, há mais inércia filogenética. Nesse caso a
divergência entre espécies segue um padrão de movimento browniano, como parece, por exemplo, ser o
caso da simetria floral (Vamosi & Vamosi 2010). Em
contrapartida, um sinal filogenético fraco indicaria
que a variação em um determinado atributo tem
pouca ou nenhuma relação com o parentesco entre as
espécies, refletindo, entre outros fatores, um possível
papel do componente adaptativo, como sugerido para
a cor floral (Jager et al. 2011).
Um bom exemplo do uso do sinal filogenético
(no contexto deste capítulo) associado a reprodução
e sucessão ecológica de plantas na Costa Rica foi
desenvolvido por Chazdon et al. (2003). Os autores
relacionaram a estrutura de comunidades em diferentes estádios de sucessão com a distribuição de atributos
reprodutivos sob uma perspectiva filogenética. Como
resultado encontraram que a polinização e dispersão de frutos por animais, em detrimento daquela
mediada por vetores abióticos, predominaram em
todos os locais estudados, como seria esperado para
uma área de floresta tropical úmida. A proporção
de espécies com dispersão autocórica, flores hermafroditas e polinização por insetos foi relativamente
maior em áreas de regeneração secundária do que
nas áreas apenas com o corte seletivo de madeira, ou
nas florestas tardias. Dioicia e dispersão pelo vento
foram mais frequentes em árvores de dossel, enquanto o hermafroditismo foi mais frequente do que o
esperado por um modelo nulo entre os arbustos.
Os atributos reprodutivos, assim como a forma de
crescimento e o padrão de abundância, mostraram
forte sinal filogenético. Além disso, alguns atributos
estiveram correlacionados, entre eles a dispersão de
sementes pelo vento e a polinização por beija-flores,
que ocorreram em plantas com flores hermafroditas,
enquanto a polinização pelo vento foi predominante
em espécies dioicas. Os autores demonstraram que
existe uma relação entre o parentesco evolutivo e
a maneira como se dá a colonização de uma área
(Chazdon et al. 2003).
Percebe-se, então, que o mapeamento de caracteres e o cálculo do sinal filogenético podem ser
ferramentas complementares para se entender o surgimento e o compartilhamento de atributos entre
espécies. Nesse sentido, o mapeamento de caracteres
informa quando determinado atributo surgiu e quais
mudanças ele sofreu ao longo das linhagens posteriores. Em contrapartida, o sinal filogenético estima
um parâmetro acerca da influência do parentesco
entre as espécies sobre o compartilhamento de um
determinado atributo.
Polinização e estrutura
filogenética de comunidades
Devido à grande complexidade da interação, compreender os mecanismos responsáveis pela estrutura
das comunidades de plantas e de seus polinizadores
André Rodrigo Rech
ainda é um grande desafio na ecologia (Sargent et
al. 2011). Tradicionalmente, a diversidade de taxa ou
riqueza de espécies tem sido amplamente usada como
métrica de biodiversidade para estudar a estrutura e
o funcionamento das comunidades ecológicas e dos
ecossistemas (Hooper et al. 2005), no entanto,a simples diversidade de taxa não considera as diferenças
entre as espécies e, dado o seu baixo poder preditivo,
recentemente ela vem sendo substituída por índices
que incorporam as relações filogenéticas. Essas métricas foram denominadas de medidas de estrutura
filogenética de comunidades (Webb et al. 2002).
Uma forma de quantificar as relações filogenéticas entre espécies coocorrentes em uma determinada comunidade utiliza os índices de diversidade
filogenética (phylogenetic diversity [PD]) (Pausas &
Verdú 2010; Cadotte et al. 2010; Pavoine & Bonsall
2011). Esses índices levam vantagem em relação às
tradicionais métricas de biodiversidade por capturarem a história evolutiva das espécies e, portanto,
quantificarem as relações de parentesco entre elas.
Além disso, as tradicionais métricas de diversidade
biológica são silenciosas acerca das relações ecológicas entre as espécies. Dessa forma, medidas de PD
contribuem para dirimir o prejuízo de considerar
similares comunidades com diversidade de espécies
semelhantes, mas que desempenham diferentes funções nos ecossistemas.
Dado que espécies filogeneticamente próximas
muitas vezes tendem a apresentar atributos com forte
sinal filogenético ou tendem a conservar o nicho
ao longo da evolução (Wiens & Graham 2005),
as medidas de diversidade filogenética podem ser
uma alternativa na captura desses componentes.
Além disso, os índices tradicionais de diversidade
ofereciam pouca indicação de funcionalidade, o
que parece ser potencializado com o uso de índices
filogenéticos, já que espécies aparentadas tendem a
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409
ser funcionalmente mais similares (Srivastava et al.
2012; mas veja Cianciaruso et al. 2009; Sobral &
Cianciaruso 2012, para outras implicações). No entanto essa abordagem depende muito da intensidade
do sinal filogenético para os atributos em questão. Em
flores sabe-se que muitas espécies distantemente relacionadas apresentam atributos ecológicos similares
em função do uso compartilhado de polinizadores
(convergência evolutiva) (Introdução à Secção 3).
Nesse sentido, os índices de diversidade filogenética
devem ser utilizados juntamente com medidas de
sinal filogenético com o objetivo de inferir acuradamente os mecanismos evolutivos e ecológicos
responsáveis pela estrutura das comunidades (Losos
2008).
Sargent et al. (2011) investigaram as relações
entre diferentes aspectos da estrutura de comunidades vegetais (riqueza de espécies, diversidade
filogenética, distância evolutiva a partir de uma
espécie focal) e a limitação de pólen em uma planta
anual polinizada por insetos. Como resultado eles
encontraram que tanto a abundância da espécie
focal quanto o grau de parentesco com a vizinhança
foram decisivos para o grau de limitação polínica.
Ao contrário do que seria esperado em uma situação de competição, a limitação de pólen diminuiu
à medida que o parentesco da vizinhança com a
espécie focal aumentou, revelando assim o papel da
facilitação por espécies aparentadas que compartilham polinizadores (Sargent et al. 2011).
Resultados contrastantes com os aqui citados foram encontrados por McEwen & Vamosi
(2010) ao estudarem a divergência na cor floral e
o parentesco filogenético em espécies de plantas
de campos alpinos. Os autores testaram especificamente como a distribuição de um atributo (cor
floral), o parentesco filogenético e a abundância e
frequência dos indivíduos influenciam a estrutura
410 ⁞ Interações entre plantas e polinizadores sob uma perspectiva filogenética
da comunidade. McEwen & Vamosi (2010) encontraram uma tendência geral ao agrupamento
filogenético das espécies e à dispersão da cor floral.
Além disso, espécies mais frequentes exibiram cores
mais distintas das demais coocorrentes nas mesmas
comunidades, o que indicaria uma estratégia que
evita a competição por polinizadores (McEwen &
Vamosi 2010).
Recentemente, as informações filogenéticas
também têm sido aplicadas com o intuito de compreender o padrão de organização de redes mutualísticas. Para isso têm sido utilizadas como parâmetros
as interações entre plantas e polinizadores e suas
respectivas filogenias (Fig. 18.1). Com essa associação é possível obter informações acerca de diversas
questões, como: 1) a influência do parentesco filogenético sobre a estrutura da rede e dos possíveis
módulos; 2) o papel das espécies filogeneticamente
próximas; 3) a diversidade filogenética dos polinizadores e sua relação com as espécies polinizadas;
4) o papel de extinções não aleatórias influenciadas
pela filogenia (Rezende et al. 2007; Rafferty & Ives
2013; Schleuning et al. 2014). Essa abordagem pode
ainda incorporar informações sobre os atributos das
espécies, permitindo inferir não só os mecanismos
evolutivos, mas também os processos ecológicos
subjacentes à estruturação das redes mutualísticas
(Rafferty & Ives 2013).
Um exemplo da associação entre redes de interações entre plantas e polinizadores e as informações
acerca das suas respectivas relações filogenéticas e
atributos ecológicos foi desenvolvido por Rafferty
& Ives (2013). Neste estudo, os autores testaram
a influência de seis atributos das plantas sobre a
estruturação de toda a rede: altura, cor, simetria
floral, tamanho do display floral, fenologia e local
de armazenamento do néctar. Entre esses atributos,
apenas a cor estava distribuída entre as espécies de
forma independente da filogenia. Além disso, os polinizadores não apresentaram estruturação filogenética
na escolha das espécies utilizadas como recurso,
semelhantemente ao encontrado por Vázquez et al.
(2009) em uma abordagem similar. Em contrapartida, espécies de plantas aparentadas tenderam a
atrair o mesmo polinizador e apresentarem um nível
de atratividade semelhante a toda comunidade de
polinizadores (Rafferty & Ives 2013). As grandes
dificuldades com essa abordagem residem no fato
de que, especialmente para os trópicos hiperdiversos,
se dispõem apenas de informações esparsas e extremamente incipientes quanto às relações filogenéticas
tanto de polinizadores quanto de plantas.
Aliado às hipóteses filogenéticas e de datação
molecular, as redes de interações ecológicas podem
configurar ainda um teste secundário de coevolução. Após a evidência de que orquídeas e abelhas
Euglossini não representariam essa categoria evolutiva, Ramírez et al. (2011) testaram a codependência
desses parceiros usando redes de interações. Eles não
encontraram evidência de adaptação recíproca entre
abelhas e orquídeas; ao contrário, muitos especialistas
interagiam com espécies generalistas, levando a um
aspecto aninhado da rede (ver revisão sobre estrutura
de redes complexas em Lewinsohn et al. 2006). Além
disso, testes de coextinção apontaram para a perda
de espécies de orquídeas de maneira linear quando
espécies de Euglossini foram retiradas da rede; ao
contrário, as abelhas não foram tão influenciadas
pelas simulações da extinção de orquídeas (Ramírez
et al. 2011).
As implicações da extinção de espécies em redes
interativas complexas é um tema bastante relevante,
já que a perda de espécies é uma realidade crescente.
Esse cenário tenderá a ficar cada vez mais alarmante
frente ao aumento da fragmentação e à perda de
habitats naturais, ou às mudanças climáticas globais
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Figura 18.1 Ilustração de uma rede de interações considerando a filogenia de animais à esquerda e plantas na parte superior. Os
números que aparecem no cruzamento de linhas e colunas da matriz central indicam a frequência com que a interação entre os
respectivos planta e animal foi registrada em uma contagem de campo hipotética. Adaptado de Rafferty & Ives (2013).
(Vieira et al. 2013). Além disso, os efeitos negativos
diversidade funcional seria perdida mais lentamente
podem ser ainda maiores quando as espécies estão
do que a diversidade filogenética em função da perda
envolvidas em cascatas, com efeitos secundários sobre
de espécies, contradizendo a premissa geral de que
os demais componentes em interação ou até sobre
ambos os índices deveriam ser fortemente correla-
aqueles alheios ao sistema (Colwell et al. 2012). Em
cionados. Os resultados sugerem ainda a necessidade
simulações considerando dados de sete diferentes
de ir além e diferenciar ambos os componentes (filo-
comunidades de plantas e polinizadores, Vieira et al.
genético e funcional) para melhor entendimento do
(2013) avaliaram a velocidade de perda de diversida-
funcionamento de comunidades (uma revisão mais
de filogenética e funcional em função da extinção
ampla desse tema pode ser obtida em Cianciaruso et
aleatória de polinizadores. Os autores mostram que a
al. 2009; Sobral & Cianciaruso 2012).
412 ⁞ Interações entre plantas e polinizadores sob uma perspectiva filogenética
Conclusão
Considerando a quantidade de abordagens envolvendo
filogenia em biologia da polinização, fica evidente que
elas apresentam um potencial enorme de auxiliar no
entendimento da evolução de mecanismos de polinização, bem como da estrutura e funcionamento de
comunidades de plantas e polinizadores. O objetivo
desse capítulo foi ilustrar as diversas aplicações nas
quais as filogenias auxiliam na resolução de problemas ecológicos envolvendo a polinização, bem como
explicar e exemplificar alguns métodos utilizados. Em
um tema tão recente, não é útil nem possível tratar
todos os assuntos à exaustão, uma vez que a área (tanto os conceitos quanto os métodos) apresenta-se em
franco desenvolvimento e o objetivo aqui foi apenas
oferecer uma visão geral acerca da relevância do tema.
A mensagem final a ser apreendida é a ideia de que
não há mais como se realizarem análises comparativas
ignorando-se as relações de parentesco entre as espécies
(Felsenstein 1985). Essa perspectiva será favorecida à
proporção que hipóteses filogenéticas contendo todos
os terminais forem completadas e a ecologia básica
dessas espécies for conhecida. Em síntese, esse é um
campo de conhecimento em desenvolvimento e, dada
a inevitabilidade de sua incorporação em estudos
futuros, é muito importante que ele esteja presente
em um livro-texto geral e seja assim popularizado.
Agradecimentos
A.M. agradece ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
pela bolsa de doutorado concedida (148685/20102) e ao Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (DAAD/CAPES) (12374/12-1) pela
bolsa de doutorado sanduíche na Alemanha. A.R.R.
agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP) (2009/54491-0) e à CAPES
(Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior
[PDSE]) pelas bolsas concedidas. Agradecemos ainda
a Leonardo Ré Jorge, Vinicius Brito, Pedro Bergamo
e aos dois revisores pelas contribuições para a presente
versão desse texto.
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evolution, and genetic heterogeneity. Pages 189225 in M. Kasha and B. Pullman (eds.) Horizons in
Biochemistry. New York, Academic Press.
Foto: Francismeire Telles
*
Capítulo 19
*
Ecologia cognitiva da polinização
Vinícius Brito1, Francismeire Telles2 e Klaus Lunau3
1
Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas – CEP: 13083-970
– Campinas-SP – Brasil – Caixa postal 6109. e-mail: viniciusduartina@gmail.com
2
Estación Experimental de Zonas Áridas (EEZA/CSIC), Departamento de Ecología Funcional y Evolutiva, Ctra. de Sacramento
s/n, La Cañada de San Urbano, 04120 Almería, España.
3
AG Sinnesökologie, Institut fur Neurobiologie, Heinrich-Heine-Universitat Düsseldorf, Universitätsstr. 1, 40225 Düsseldorf,
Alemanha.
A
s características florais com as quais nos deparamos em nosso dia a dia podem atrair facilmente a
nossa atenção e despertar nossos sentidos através dos estímulos que emitem. Porém, ditos atrativos
não evoluíram em resposta a nosso sistema sensorial e capacidades cognitivas. O surgimento de determinados padrões florais, como cor, forma, tamanho, emissão de odores, presença de estímulos táteis, térmicos,
gustatórios etc., em cada grupo de plantas, resulta de um processo interativo entre estas e seus visitantes
florais. Assim, explorar o sistema sensorial e cognitivo de animais que buscam por fontes de energia como
pólen e néctar é a chave utilizada por muitas plantas para atrair vetores que facilitem o movimento de
pólen entre indivíduos coespecíficos. Com o intuito de entender essa interação, que teve início há cerca
de 150 milhões de anos, e os processos evolutivos que levaram à diversidade dos sistemas de polinização
em angiospermas, discutimos sobre o funcionamento dos principais mecanismos sensoriais e os diferentes
processos de interação planta-polinizador, além de mencionar a existência de outros processos evolutivos,
como a inércia filogenética, a exaptação e a deriva, que também podem ter contribuído para o surgimento
da diversidade floral nas angiospermas.
418 ⁞ Ecologia cognitiva da polinização
Introdução
Os animais polinizadores, ou visitantes florais em geral, reagem aos atrativos e recursos através do instinto
e aprendizado. Os sinais florais e os sistemas sensoriais
desses animais interatuam, selecionando e ativando
diferentes mecanismos e rotas que, por sua vez, são
dependentes da atividade que o visitante procura
realizar. Não deveria ser difícil, portanto, imaginar
ou ao menos nos permitir chegar à conclusão de que
esses organismos usam, de maneira similar à nossa, as
informações que estão disponíveis ao seu redor. Esse
processo interativo com o mundo físico está modulado pela capacidade individual de cada organismo
em captar, processar e armazenar os sinais através
do uso de órgãos sensoriais e memória da mesma
maneira como nós o fazemos. Visão, fragrâncias e
sabores, tato, sensibilidade eletromagnética, noção de
tempo, estimação de distâncias, medida de direção,
estabelecimento de pontos de referências e, ainda,
uma memória para armazenar e lembrar todas essas
informações de maneira seletiva (Kevan & Menzel
2012) seriam parte dessa rede de comunicação entre
as formas de vida e o ambiente físico, estando estruturados e adaptados de acordo com os ecossistemas
aos quais pertencem.
Desde os tempos de Darwin, a comunicação
animal tem sido objeto de grande interesse e, mesmo depois de tantos anos de estudos, a tentativa
de desvendar o mistério que circunda o tema em
diferentes níveis funcionais continua. Ainda temos muito o que descobrir sobre a evolução dos
sinais percebidos e emitidos por diferentes espécies
e as respostas produzidas através do processamento
dessa informação, que finalmente será refletida no
comportamento do animal. Essa integração entre sinais e respostas comportamentais tende a ser
modulada, ou facilitada, por processos cognitivos.
As características cognitivas, como qualquer outra
característica animal, são determinadas por combinações entre fatores genéticos e ambientais. Podemos
imaginar que indivíduos de uma mesma espécie
exibem uma ampla variação em fitness e que isto é
determinado em parte pela variação hereditária em
suas características cognitivas. Consequentemente,
essas variações foram, são ou serão submetidas à
evolução através do processo de seleção natural e,
portanto, podemos contar com os conhecimentos
ecológicos e evolutivos ao estudar cognição (Dukas
& Ratcliffe 2009).
O conceito de cognição, de maneira ampla, pode
ser referido como a capacidade de adquirir, processar, reter e, posteriormente, utilizar a informação
captada através dos sentidos. A cognição pode ser
dividida em vários componentes inter-relacionados
e talvez indissociáveis: a) percepção – tradução dos
sinais ambientais em representações neuronais; b)
aprendizado – aquisição e retenção das representações neuronais obtidas; c) memória de trabalho
– ou memória de curto prazo, constituída por um
pequeno conjunto de representações neuronais – ou
informações – ativas durante um curto período; d)
memória de longo prazo – representações passivas
armazenadas previamente referentes à informação
aprendida; e) atenção – ativação das representações
neuronais quando o estímulo está disponível em
um dado momento; e f) tomada de decisão – que
envolve a execução de uma ação de acordo com a
informação disponível sobre as características ambientais relevantes e experiência prévia (Dukas 2004;
Dukas & Ratcliffe 2009).
Para entender por que a cognição é potencialmente importante no contexto da biologia da polinização
faz-se essencial primeiramente o conhecimento de
como esses animais percebem e respondem ao mundo
que os rodeia. O que nós buscamos nas próximas
Vinícius Brito
páginas desse capítulo é fazer que o leitor entre nesse
universo sensorial e entenda como ele é percebido e
discriminado por animais que dispõem de mecanismos e sensações como as nossas, algumas vezes
em uma escala menos refinada e outras centenas de
vezes mais precisas e detalhadas, mas com interações
criticamente estabelecidas e baseadas em sua história
ecológica e evolutiva, resultando em uma relação
harmônica com o mundo físico.
Cor e sua percepção
Entender o conceito de cor não é tarefa das mais
fáceis e parte desse exercício consiste em interpretar
as sensações humanas. Embora em nosso dia a dia
muitas vezes nos guiemos pelas características visuais
que os objetos apresentam – as mudanças nas cores do
sinal de trânsito, um fruto maduro, um céu cinza ou
ensolarado, entre outros –, não paramos para pensar
que a cor, aparentemente apenas representando uma
propriedade dos objetos, também está diretamente
relacionada à capacidade de processamento visual e
sensorial de um organismo.
Para perceber e reconhecer diferenças entre cores
muitas vezes recorremos a distintas propriedades das
mesmas. Nós, seres humanos, temos a capacidade de
discriminar entre elas através de mecanismos cromáticos (matiz e saturação) ou acromáticos (brilho).
Ainda que soe estranho dizer que acromaticidade
possa representar cor de alguma maneira, tomemos
como exemplo pessoas com visão de cores dicromata,
chamadas de daltônicas, que podem discriminar entre
tons de verde e vermelho tendo em conta a diferença
de brilho entre eles. No caso da visão em cores e não
apenas discriminação entre cores, precisamos mais
do que a habilidade de perceber diferenças acromáticas: devemos ser capazes de identificar um objeto
ainda que seu par oposto ou o fundo no qual esteja
♦
Francismeire Telles
♦
Klaus Lunau ⁞
419
sendo apresentado tenham a mesma quantidade de
brilho (Kelber et al. 2003). Uma breve definição e
a representação (Fig. 19.1) das propriedades de uma
cor tornam-se necessárias então:
▪▪ Matiz: é o que reconhecemos por “cor”
propriamente dita; é o estado puro da cor sem
o branco ou o preto agregado. Está associado
com o comprimento de onda dominante e é
o que nos permite distinguir ou nomear em
que classe espectral se encontra um objeto –
vermelho, azul, verde etc.;
▪▪ Saturação ou croma: refere-se à pureza ou
intensidade da cor em particular, vivacidade
ou palidez da mesma. Também pode ser
definida pela quantidade de cinza que uma
cor contém: quanto mais cinza ou neutra
for, menos saturada é a cor. Por exemplo,
partindo de um vermelho puro e rico, este
seria menos saturado ao se adicionar algum
valor de cinza;
▪▪ Brilho: usado para descrever quão clara ou
escura parece uma cor com respeito ao seu
matiz original. A descrição clássica dos valores
corresponde a claro (quando há determinadas
proporções de branco), médio (quando há
determinadas proporções de cinza) e escuro
(quando há determinadas proporções de
preto).
Levando em conta todos esses parâmetros, podemos predizer que o conceito de cor não se refere
apenas à quantidade de luz refletida por um objeto em
cada comprimento de onda visível para o observador.
Por exemplo: a cor percebida de um determinado
verde de uma folha não seria apenas a refletância
do comprimento de onda verde, mas também um
componente abstrato e subjetivo (Willmer 2011),
dependente da variação da iluminação natural ou
420 ⁞ Ecologia cognitiva da polinização
320 nm (UVA). Nas aranhas-saltadoras (Salticidae)
essa distribuição vai além – abaixo dos 315 nm (UVB)
– e é utilizada no contexto de reprodução, incluindo
o cortejo. Muitas flores possuem atrativos na faixa
do ultravioleta (UVA), que, apesar de serem imperceptíveis aos nossos olhos, são distinguíveis pelos
polinizadores (Land & Nilsson 2002).
Figura 19.1 Representação esquemática das diferentes propriedades das cores.
artificial presente no ambiente e do contraste produzido entre o objeto e o plano de fundo (Faruq et
al. 2013).
É importante reconhecer que comprimentos de
onda e cor não pertencem a um mesmo conceito.
Comprimentos de onda, por si sós, são “incolores” e
as cores que vemos são resultados subjetivos de nossa
análise desses comprimentos de onda visualizados.
Em uma linguagem mais filosófica, cores subjetivas
(vermelho, verde etc.) são frutos da nossa percepção
pessoal (qualia), cuja natureza não pode ser demonstrada para outros. O espectro visível para seres humanos e a maioria dos primatas não humanos, ou a
faixa visível de longitudes de onda, estã entre 400 e
700 nm, com alguma sensibilidade acima dos 800
nm. Para muitos outros animais, incluindo pássaros,
peixes e muitos artrópodes, esse espectro se estende
na faixa do ultravioleta, de 400 a aproximadamente
Objetos ao nosso redor refletem diferentes comprimentos de onda em diferentes proporções. Ser
capaz de analisar de alguma maneira essa distribuição
da luz que chega aos olhos provê vantagens e pode ser
uma ferramenta útil para os animais identificarem
e classificarem objetos que sejam relevantes em um
determinado contexto. Levando isso em consideração,
podemos utilizar as propriedades das cores para construir o que é conhecido como espaço de cores para um
determinado animal, considerando as características
particulares de cada sistema visual. Para seres humanos que possuem células visuais (conhecidas como
fotorreceptores e divididas em cones e bastonetes) que
respondem aos comprimentos de onda na faixa do
azul, verde e vermelho podemos construir um espaço
de cor tridimensional, onde cada um dos eixos estaria
representando o valor de excitação de cada um dos
fotorreceptores (para maiores detalhes sobre espaço
de cores, ver Feitosa-Santana et al. 2006). Por previamente conhecer a capacidade perceptual do sistema
visual humano e classificá-la como tricromática (pela
presença de três tipos distintos de fotorreceptores),
podemos criar uma representação geométrica de
forma triangular para definir o matiz percebido, com
base na estimulação relativa de cada fotorreceptor.
Assim, um objeto de determinada cor, como, por
exemplo, uma flor amarela, poderá ser representado
em um local específico dentro deste espaço.
Considerando, portanto, os tipos e a quantidade
de fotorreceptores presentes nos olhos dos animais,
podemos determinar a maneira com a qual as cores
Vinícius Brito
de diferentes comprimentos de onda emitidas por
diferentes objetos estimulam as células visuais. Tendo
a abelha-do-mel (Apis mellifera) como principal organismo ao se estudar a visão em insetos polinizadores,
dada a sua longa relação com os humanos e o interesse
despertado desde épocas remotas, o primeiro modelo
de percepção de cores foi elaborado para essa espécie
(Backhaus 1991), seguido de um modelo aplicável aos
himenópteros de maneira geral (Chittka 1992) e, mais
recentemente, de um modelo baseado em processos
físicos de absorção da informação luminosa (Vorobyev
& Osorio 1998). Esses modelos proporcionam informação sobre a detecção e discriminação de estímulos
visuais e representam ditos estímulos como pontos
dentro de um espaço de cores. A distância entre os dois
estímulos coloridos, ou entre um estímulo colorido e
o plano de fundo no qual este está sendo apresentado,
reflete a sua distância perceptual, de modo que valores mais próximos a zero (numa escala hipotética de
0 e 1) indicam maior dificuldade de discriminação
entre a cor e seu plano de fundo, ou entre esta e uma
segunda cor, enquanto valores mais próximos a 1
A
♦
Francismeire Telles
♦
Klaus Lunau ⁞
421
indicam uma discriminação teórica superior a 75%.
Para animais com visão tricromática, os valores de
excitação dos três tipos de fotorreceptores são usados
para se calcular a posição ocupada por um determinado estímulo que está sendo visualizado, dentro de
um espaço geométrico de cores, como anteriormente
mencionado no caso dos humanos. Diferentes modelos predizem diferentes posições e distâncias (Fig.
19.2) e cabe ao investigador aprofundar-se mais na
hora de selecionar um deles e saber se suas premissas
correspondem e se ajustam ao comportamento dos
organismos testados (ver Vorobyev & Brandt 1997
e Telles & Rodríguez-Gironés 2015 para uma visão
geral dos modelos).
Desse modo, podemos imaginar que, de forma
geral, as flores disputam a atenção dos seus possíveis
agentes polinizadores usando uma ampla gama de
cores para gerar sensações e serem discriminadas.
Esses agentes, por outro lado, estão equipados com
pigmentos visuais capazes de decodificar a informação
refletida pela superfície desses estímulos. Considera-se
B
Figura 19.2 Representação de três estímulos (flores) em dois espaços de cores de acordo com o sistema visual de Apis mellifera.
(A) Modelo do hexágono de cores (Chittka 1992), esquinas representando fotorreceptores e as possíveis combinações entre eles
de acordo com a refletância espectral do objeto que está sendo visualizado. (B) Modelo de oposição das cores (Backhaus 1991) e
a distribuição relativa dos estímulos dentro deste espaço.
422 ⁞ Ecologia cognitiva da polinização
que todos os insetos polinizadores são sensíveis à faixa
do ultravioleta e, apesar de não sermos capazes de
enxergar nesse comprimento de onda, muitas flores
de diversas famílias refletem nessa faixa do espectro
(Guldberg & Atsatt 1975), permitindo que animais
capazes de perceber esses comprimentos de onda
possam explorar um novo mundo de possibilidades
visuais, como veremos adiante.
Visão em cores: um novo mundo de
possibilidades
A ciência da visão em cores e os processos psicofísicos
associados ao seu estudo foram estabelecidos durante
o século XIX para os seres humanos. A partir de então cientistas começaram a questionar se os demais
animais também eram capazes de ver o mundo em
cores (Kelber et al. 2003). Muitos dos conceitos e
inferências utilizados atualmente ao se trabalhar com
estes organismos provêm daqueles gerados através
dos estudos da visão humana. Após as observações
pioneiras de Lubbock (1888) demonstrarem que o
microcrustáceo Daphnia sp. era capaz de ver o mundo em cores e que as abelhas-do-mel são capazes de
associar recompensas com cores, foi a vez do então
ganhador do prêmio Nobel Karl von Frisch, em 1914,
diferenciar o uso de sinais cromáticos e acromáticos
por insetos usando também a abelha-do-mel como
modelo. Nesse experimento, von Frisch alimentou
abelhas operárias com solução de açúcar apresentada
sobre um cartão azul durante a fase de treinamento.
Após as abelhas aprenderem a associar o estímulo
cromático com recompensa (solução de açúcar) elas
passaram para a fase de teste, quando deveriam eleger
o mesmo estímulo azul entre outros quinze cartões
de vários tons de cinza, com pelo menos um deles
contendo a mesma intensidade ou valor acromático
daquele usado na fase de treinamento. Ele supôs
que, se as abelhas fossem cegas para cores, elas confundiriam o cartão azul com os cartões cinza – ou
pelo menos com aquele de mesmo valor acromático
–, o que não aconteceu. Dessa maneira, von Frisch
estabeleceu o uso da visão em cores pelas abelhas
(Willmer 2011).
De forma geral, o processo visual consiste basicamente em extrair a informação luminosa refletida
pelos objetos e convertê-la em sinais neurais. Assim,
para que haja visão em cores torna-se necessário, mas
não suficiente, que o animal em questão tenha mais
de um tipo de fotorreceptor ou pigmentos visuais em
seus olhos, com diferentes sensibilidades espectrais.
Isso se deve ao fato de que, com apenas um pigmento visual, comprimento de onda e intensidade não
podem ser separados um do outro, sendo a visão
em cores impossível. Esse processo começa uma vez
que a luz chega a esses diferentes fotorreceptores –
neurônios especializados em absorver a luz –, gerando
sinais neurais que passam ao longo e através de vários
níveis estruturais, submetendo-se a um extensivo
processamento da informação antes de a mesma ser
retransmitida, depois de codificada. É esse caminho
de processamento da informação que constitui a visão
e a diferencia de processos fotossintéticos e outros,
que são similarmente relacionados com absorção da
luz (Fein & Szuts 1982).
A diferença entre os fotorreceptores está principalmente na capacidade de excitação (Tab. 19.1)
e na quantidade dos pigmentos visuais presentes
nestas estruturas, variando entre organismos intra
e interespecificamente. A maioria dos artrópodes
e vertebrados possui ao menos dois deles. Entre os
invertebrados a maioria é di ou tricromática, com
frequentemente um pigmento sensível na faixa do
ultravioleta. Mas isso não quer dizer que não haja
exceções: alguns insetos, como libélulas e borboletas, possuem cinco pigmentos, apresentando uma
Vinícius Brito
visão em cor complexa e sofisticada (Land & Nilsson
2002). De forma geral, abelhas têm visão tricromática, ou seja, possuem fotorreceptores com picos de
excitação em três faixas diferentes do espectro visual:
ultravioleta, azul e verde. A visão tricromática UVazul-verde parece ser a condição ancestral de todos
os insetos pterigota desde o Devoniano, existindo,
porém, variações (Briscoe & Chittka 2001), como
mencionado anteriormente.
Outro grupo importante de polinizadores – as
aves – possui visão tetracromática, isto é, quatro tipos
de fotorreceptores em suas retinas, respondendo a
comprimentos de onda na faixa do ultravioleta, azul,
verde e vermelho (Finger & Burckhardt 1993). Isso
faz que a capacidade visual desse grupo seja inimaginável para nossa condição tricromática. Além disso,
os cones das aves possuem pequenas gotas de óleo
que filtram a luz, estreitando o espectro de cor que
adentra estas células e diminuindo, provavelmente, a
sobreposição nas respostas dos diferentes receptores
presentes nos cones (Willmer 2011).
♦
Francismeire Telles
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Klaus Lunau ⁞
423
Nos morcegos, de uma maneira geral, a visão
desempenha um importante papel na detecção e prevenção dos predadores durante o forrageio e sobrevoo.
Todavia, para aqueles que são polinizadores, o uso
da visão dicromática poderia aumentar a capacidade
de encontrar flores durante a noite, já que muitas
apresentam refletância no ultravioleta (Müller et al.
2009). Existem dois tipos de fotorreceptores na retina
dos mamíferos: os cones, utilizados durante o dia e
capazes de detectar e diferenciar cores, e os bastonetes,
especializados em visão noturna e contrastes. Apenas
recentemente a visão em cores nos morcegos noturnos
foi desvendada (Barton et al. 1995). A verdade é que
dentro desse grupo existem mais de 1.100 espécies
que podem ver cores, ainda que sua capacidade não
seja tão excelente quando comparada com a de outros
animais noturnos.
O tipo de informação extraída do meio físico
depende das necessidades específicas de cada organismo e da sua história evolutiva associada ao ambiente em que está inserido. Assim, ainda que os
Tabela 19.1 Diferentes espécies com seus respectivos fotorreceptores apresentando diferentes picos de sensibilidade espectral
Espécie
Fotorreceptores (λmáx)
UV
Azul
Verde
Aranha-saltadora (Menemerus confusus)
360
490
520
580
–
Abelha-do-mel (Apis mellifera)
344
436
556
–
–
360-400
440
520
600
–
356
447
537
623
522
–
–
502
562
430
360
450
518
620
–
Galo (Gallus gallus)
–
455
507
569
506
Golfinho (Tursiops truncatus)
–
–
–
524
488
Borboleta (Papilio xuthus)
Peixe-dourado (Carrassius auratus)
Rãs (Ranna spp.)
Tartaruga (Pseudemys scripta)
Vermelho Bastonetes
424 ⁞ Ecologia cognitiva da polinização
insetos pertençam a um grupo monofilético e que
partindo desse fato, poderíamos esperar que coleópteros, moscas, borboletas e mariposas teriam muito
em comum com a capacidade visual das abelhas, o
que realmente encontramos é um número imenso
de diferenças inter e intrataxa (Weiss 2001). Além
disso, indivíduos dentro de um mesmo grupo podem
possuir capacidades distintas de perceber o meio que
os cerca, portanto devemos considerar a existência
de pequenas diferenças ou variações na sensibilidade
com a qual um sinal é percebido pelo seu receptor
(polinizadores) e considerar seus possíveis efeitos
no fitness das plantas (Chittka et al. 2001). Essas
considerações são fundamentais no entendimento
das relações ecológicas e evolutivas entre plantas e
seus polinizadores, já que estariam determinando a
efetividade com a qual a transferência da informação
genética estaria ocorrendo.
Preferência por cores
Claramente a preferência por uma cor apenas pode
existir se o organismo em questão possuir a capacidade de distinguir entre esta e o meio que a circunda.
Em termos fisiológicos, essa capacidade de discriminação vem modulada pela presença de pigmentos visuais com diferentes sensibilidades espectrais,
como vimos nao item anterior. Além disso, devemos
considerar que a distinção entre uma flor e o meio
no qual se encontra também se dá por outros sinais
visuais além da cor, como tamanho da flor, simetria,
brilho, textura etc.
Para seguirmos no entendimento da interação
entre cores e o sistema visual dos polinizadores,
devemos distinguir os termos “sensibilidade à cor”
e “preferência de cor”. Sensibilidade à cor está relacionada com a capacidade de um sistema visual
em unicamente detectar comprimentos de onda,
enquanto preferência de cor apresenta uma base
fisiológica e evolutiva. Por exemplo, uma mariposa
pode responder a estímulos que refletem unicamente
UV, mas isso não necessariamente significa que esta
seja sua cor preferida quando em situação natural
de forrageio. Basicamente, preferências de cor estão
divididas em duas categorias: inatas e aprendidas,
estando o aprendizado geralmente condicionado ao
recurso floral oferecido (Lunau et al. 1996; Weiss
1997; Raine & Chittka 2007). Desta forma, assume-se que deve existir uma preferência inicial
– inata – seguida de uma preferência associativa
ou aprendida dos recursos disponíveis. Preferências
aprendidas podem ser vistas como especializações
temporárias dos indivíduos e são dependentes da
capacidade de aprendizagem do organismo em
questão. Não obstante, uma preferência aprendida pode ser perdida ou modulada em função da
preferência inata ou da disponibilidade de novos
recursos (Willmer 2011).
A habilidade dos insetos em reconhecer flores
com base na cor está geralmente descrita ao nível
de ordem. Por exemplo, abelhas e vespas tendem a
visitar flores violeta, azuis, rosa, amarelas e, muito
raramente, vermelhas. Besouros preferem flores
brancas ou tons pastel, enquanto moscas apresentam
atração por amarelo, vermelho fosco e marrom - para
mais detalhes, ver Capitulo 7 - (Miller et al. 2011).
Ainda que os insetos tenham uma preferência inata
por determinadas cores, eles são frequentemente
vistos forrageando em múltiplas espécies de plantas com diferentes características florais, o que se
deve à capacidade visual desses organismos: como
vimos no item anterior, estes insetos podem identificar cores que vão desde a faixa do ultravioleta
(320 nm) até próximo ao vermelho (600-650 nm),
podendo reconhecer um leque amplo dessas e suas
combinações.
Vinícius Brito
Além dos fatores relacionados com a capacidade
visual, muitos outros podem modular a preferência
de umas cores sobre outras. A facilidade de detecção de um estímulo contra o seu plano de fundo
é, com certeza, um deles, uma vez que flores mais
contrastantes podem ser mais facilmente detectadas
e, portanto, receber mais visitas (Giurfa et al. 1997).
De fato, um estudo demonstrou que os padrões
contrastantes dos guias de néctar em relação à corola de Lapeirousia oreogena (Iridaceae) favorecem
a polinização por moscas (Hansen, Van der Niet &
Johnson 2012). Essa detecção de um estímulo contra
o seu plano de fundo a longa distância está modulada por processos acromáticos, no caso das abelhas
e moscas. Estes insetos usam apenas os valores de
estimulação dos fotorreceptores verdes, fazendo um
contraste entre aqueles valores provocados pela cor da
flor e aqueles pertencentes à habituação do plano de
fundo. Uma vez que o estímulo é identificado, uma
aproximação é feita e, quanto mais curta a distância,
simultaneamente ocorre uma mudança automática
no processo de identificação da flor, passando então
ao uso das cores – canal cromático – para pouso
e discriminação das mesmas (Giurfa et al. 1996;
Giurfa & Lehrer 2001).
Um visitante floral que forrageia entre uma diversificada comunidade de plantas pode encontrar
uma ampla variedade de flores, diferindo entre si em
muitos aspectos. Então, como esse visitante seleciona uma flor para visitar consecutivamente no meio
de tanta diversidade? Estudos experimentais sobre
preferência por determinados padrões presentes nas
flores podem responder a esta e muitas outras questões relacionadas a comportamento e escolhas feitas
durante o forrageio dos visitantes florais.
Para demonstrar preferências inatas, usualmente coloca-se o indivíduo à prova em experimentos
conduzidos em situações controladas de laboratório,
♦
Francismeire Telles
♦
Klaus Lunau ⁞
425
utilizando animais sem experiência prévia com cores.
Por outro lado, para testar a preferência aprendida,
ou mesmo a capacidade de aprendizagem de um
polinizador, o mesmo dever ser treinado em experimentos de associação entre cores e recompensas
(Lunau & Maier 1995; Weiss 1997; Gumbert 2000).
A maioria dos visitantes florais aprende rapidamente
a associar estímulos coloridos com recompensas,
como é o caso de abelhas e borboletas, convertendo-se assim em organismos modelo na hora de conduzir experimentos sobre capacidade visual. Assim,
deve-se esperar que nem a taxa de visitação nem as
eleições feitas por um visitante floral e observadas
na natureza são provas de que existe uma preferência
inata por determinadas cores. Isso porque o suposto
comportamento pode ser resultado de experiências
prévias, com flores oferecendo recompensa floral de
alta qualidade. Como resultado de um experimento
em laboratório, podemos esperar que, se o processo
de aprendizagem foi efetivo, as respostas comportamentais serão unicamente baseadas e moduladas
pela recompensa prévia dos visitantes pelas flores.
Dessa forma, um treinamento limitado pode afetar
a preferência de cor nestes testes. Portanto, devido
às dificuldades de se obterem estes tipos de dados,
a maioria dos trabalhos que apresentam preferência
de cor pelos polinizadores, principalmente aqueles
associados às síndromes de polinização, não realizou os testes necessários para descobrir o tipo de
preferência (Willmer 2011). Ainda que existam
claras preferências determinadas e agrupadas por
grandes classes taxonômicas e demonstradas através de experimentos comportamentais, algumas
relações encontradas na natureza nem sempre estão
demarcadas ou limitadas pelo processo de preferência por cores.
Um bom exemplo que ilustra essa relação, ou a
falta dela, é o trabalho desenvolvido por Lunau et
426 ⁞ Ecologia cognitiva da polinização
al. (2011). Beija-flores não apresentam tipo algum
de preferência floral inata quanto à cor, ainda que
visitem frequentemente flores vermelhas. No processo de divisão e compartilhamento de recursos na
natureza, uma hipótese foi criada tentando responder a esse comportamento: a de exclusão sensorial,
que, no caso dos beija-flores, é aplicada quando
assumimos que preferem flores vermelhas porque
estas são acromáticas para abelhas (abelhas não possuem fotorreceptores que as permitam discriminar
ou reconhecer “vermelho” através de mecanismos
cromáticos, mas ainda assim são potenciais visitantes
e competidores). Se essa hipótese estiver correta, devemos esperar que flores de outras cores polinizadas
por beija-flores também sejam acromáticas para as
abelhas. Para testar essa ideia, estes autores mediram
as cores de flores vermelhas e brancas polinizadas
por beija-flores com ajuda de um espectrofotômetro
de refletância (um instrumento capaz de medir a
curva de refletância para qualquer superfície). Para
que uma flor vermelha seja acromática para as abelhas, ela não deve apresentar refletância na faixa do
ultravioleta. Por outro lado, para que uma flor branca
seja acromática para as abelhas, ela deve refletir
todos os comprimentos de onda de igual maneira.
Nesse mesmo estudo também foi usado este mesmo
procedimento para medir flores vermelhas e brancas
polinizadas por abelhas. Neste caso, esperaríamos
um padrão inverso: flores melitófilas vermelhas
devem refletir também ultravioleta, enquanto as
flores melitófilas brancas não devem refletir esse
comprimento de onda. Esses foram justamente os
resultados que eles encontraram, confirmando a
hipótese de que as flores polinizadas por beija-flores
exploram um nicho de cor que só os beija-flores, ou
algum outro visitante floral com capacidade visual
para tal, podem enxergar, como um canal privado
de televisão!
Essências florais: vias de
produção, mecanismos de
percepção e polinização
Flores de muitas espécies de plantas emitem essências
capazes de atrair uma grande variedade de animais
polinizadores, principalmente insetos (Dudareva
& Pichersky 2000). Estas essências são tipicamente
uma mistura de pequenos voláteis orgânicos produzida por caminhos biossintéticos através de reações
anabólicas e catabólicas, que variam quanto a seu
peso molecular, polaridade e estado de oxidação.
Devido à ampla diversidade de compostos voláteis e
suas relativas abundâncias e interações, não existem
duas essências florais que sejam exatamente iguais.
Assim, essências florais são sinais que direcionam
polinizadores a uma flor em particular, atuando
principalmente como atrativos a longa distância,
facilitando sua localização (Capítulo 7).
Nos insetos, as antenas e geralmente parte da
mandíbula, possuem sensores químicos, responsáveis
por interceptar as moléculas de odor. Cada um desses
sensores apresenta de dois a cinco neurônios que se
conectam diretamente com o cérebro (Kaissling 1986).
Já nos vertebrados como morcegos, aves e humanos, o
epitélio nasal é o órgão responsável por interceptar as
moléculas de odor (Lancet 1986). Deste epitélio neurônios se projetam até os bulbos olfatórios no cérebro.
Independente do animal em questão, essas moléculas
de odor vão se ligar a proteínas específicas nessas regiões
que desencadearão uma reação que culminará com a
transmissão de um impulso nervoso até o cérebro, que
posteriormente interpretará a mensagem como um
odor específico (Dryer & Berghard 1999), inclusive
indicando sua concentração.
Plantas tendem a sincronizar suas emissões máximas com os horários de pico de visitação de seus polinizadores, assegurando, assim, a atração dos mesmos
Vinícius Brito
numa escala temporal que favorecerá a visitação das
flores que estarão prontas para serem exploradas.
Plantas que maximizam seu potencial durante o dia
são primariamente polinizadas por abelhas, moscas
ou borboletas, enquanto morcegos e mariposas seriam
os principais agentes de polinização para as flores
que apresentam máximas emissões voláteis durante
a noite. Um polinizador que reconhece um odor e
pode voar seguindo um gradiente de concentração
do mesmo poderá encontrar a próxima flor de uma
mesma espécie mais facilmente. Além dos odores
mais comumente presentes na natureza, como os
adocicados e frutais, também há a ocorrência de
odores que sugerem a presença de algo que de fato
não é: moscas são atraídas por aromas considerados,
segundo a percepção humana, putrefatos ou de fezes,
produzidos por determinadas plantas para atrair
visitantes e, assim, possíveis polinizadores.
Até o momento, pouco é conhecido sobre como
os insetos respondem a componentes individuais encontrados nas essências florais, mas está claro que eles
são capazes de distinguir entre complexas misturas.
Além de facilitar o processo de atração e indicação do
recurso, os voláteis florais são essenciais para facilitar
a discriminação entre flores de várias espécies ou
até mesmo entre indivíduos dentro de uma mesma
espécie. Por prover um sinal espécie-específico, as
fragrâncias florais facilitam o aprendizado de um
inseto visitante sobre um determinado recurso, aumentando sua eficiência de forrageio e a transferência de pólen, portanto a produção de buquês florais
diferentes e únicos pode atuar como um mecanismo
de isolamento entre as espécies de plantas, uma vez
que cada mistura atrairá potencialmente diferentes
visitantes florais.
Os seres humanos são capazes de distinguir mais
de 400 mil moléculas de odores e possuem trezentos receptores olfativos diferentes em seus epitélios
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Francismeire Telles
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427
nasais (Willmer 2011). Porém nós não somos os
melhores perceptores de perfumes florais. Em um
experimento realizado com 1.816 pares de odores
florais, as abelhas-do-mel (Apis melifera) foram capazes de distinguir 1.729 (Vareschi 1971). Além
disso, as abelhas são capazes de diferenciar odores
em concentrações que são imperceptíveis para nós e
até mesmo diferentes concentrações de um mesmo
odor. A disposição anatômica das duas antenas em
diferentes locais na cabeça das abelhas, e provavelmente de todos os insetos polinizadores, permite
uma percepção em “estéreo” dos odores no espaço,
levando a uma percepção fina de diferenças súbitas
na concentração dos odores florais e auxiliando na
movimentação desses insetos no espaço e localização
do recurso em questão (Mafra-Neto & Cardé 1994;
Willmer 2011).
Devido à imensa quantidade de tipos e subtipos
de moléculas relacionadas a essências florais, às diferentes misturas que podem ser produzidas entre elas e
à complexidade dos sistemas olfatórios de cada um dos
grupos de polinizadores, não existe, até o momento,
um modelo que permita entender melhor a relação
mediada pelo odor entre as flores e seus visitantes. De
forma geral, técnicas de ordenação, como análises de
componentes principais, permitem uma comparação
entre diferentes odores e preferências por visitantes,
mas nada que caracterize, especifique ou determine
grupos unicamente a partir do sistema olfatório do
polinizador, como ocorre no caso de modelos criados para estabelecer espaços visuais de percepção
de cores, com base na relação entre fotorreceptores,
sensibilidade espectral e capacidade de discriminação
visual (Raguso 2001).
De uma maneira geral, visitantes florais tendem a
preferir flores que apresentam essências sobre aquelas
sem nenhum tipo de atração volátil, o que nos dá uma
pista sobre o papel desses compostos na biologia das
428 ⁞ Ecologia cognitiva da polinização
plantas, sugerindo que essências florais podem ter um
significativo impacto sobre as taxas de visitação das
flores e a produção de sementes (Capítulo 7). Dito
padrão associativo pode ter profundas implicações no
nosso entendimento sobre a evolução de aromas florais
mediada por polinizadores – ou vice-versa (Majetic
et al. 2009). Há a possibilidade de que os sinais voláteis atuem de maneira crucial mediante situações
mais complexas, como a busca de um recurso num
dia nublado, identificação e reconhecimento de uma
planta que pouco contrasta com o seu plano de fundo,
ou, ainda, como possível chave na hora de identificar
espécies dentro de uma relação mimética. Esse uso
poderia desencadear interessantes questões sobre o
peso dado aos distintos mecanismos sensoriais em
diferentes e enigmáticas situações.
produzem estruturas especialmente desenhadas para
facilitar sua percepção em um espaço complexo.
Em um experimento de campo foi observado que
morcegos da família Glossophaginae são atraídos
pelos ecos gerados a partir do estandarte da flor de
Mucuna holtonii (Helversen & Helversen 1999). Esse
estandarte possui um formato côncavo que reflete
as ondas sonoras enviadas pelos morcegos. Quando
estes estandartes foram preenchidos com um pedaço
de algodão (não alterando a cor ou forma da flor), as
visitas florais reduziram drasticamente. Além disso,
esses pesquisadores demonstraram, utilizando sons
artificiais, que a flor intacta é capaz de enviar de volta
aos morcegos sinais sonoros mais fortes que botões
florais ou flores modificadas experimentalmente (com
pedaço de algodão no estandarte), demonstrando
que a estrutura floral original é fundamental para a
localização das flores pelos polinizadores.
Interações entre canais sensoriais:
ferramentas de comunicação
entre plantas e polinizadores
Existe também o caso de abelhas mamangavas
que são capazes de distinguir variações no campo
elétrico da flor através dos pelos que cobrem seu corpo
(Clarke et al. 2013). Essa capacidade ajuda a abelha a
perceber, no campo, quais flores de uma mesma espécie foram e quais não foram previamente visitadas, e
quais, provavelmente, oferecem maior quantidade de
recursos. Além disso, existem exemplos de interações
entre flores e polinizadores a partir de estímulos termais (Raguso 2004) e também gustatórios (Kessler
et al. 2008). Por exemplo, plantas como o café e os
cítrus (laranja, limão, tangerina etc.) produzem néctar
com cafeína e esse composto aumenta a capacidade
das abelhas de lembrarem um odor floral associado ao
recurso e aprendido previamente (Wright et al. 2013).
Ainda que as flores atraiam seus polinizadores, principalmente através de estímulos baseados na imensa
gama de cores e nas distintas fragrâncias florais,
devemos imaginar que as flores também “exploram”
outros sistemas sensoriais além da visão e do olfato,
como, por exemplo, o tato. Hoje sabemos que muitas flores melitófilas produzem uma epiderme com
células arredondadas que proporcionam estabilidade
às abelhas no momento do pouso (Kevan & Lane
1985; Whitney et al. 2009; Whitney et al. 2011). Além
disso, algumas flores possuem pelos ou filamentos
que podem estar associados à estimulação tátil de
seus polinizadores.
Em vertebrados temos como exemplo a comunicação entre morcegos e flores quiropterófilas através do sistema de ecolocação, no qual essas flores
Desta forma, cada flor pode ser entendida como
um verdadeiro mosaico sensorial, que produz diversos
sinais perceptíveis pelos diferentes sistemas sensoriais
e modulados pelo sistema cognitivo dos seus visitantes
(Raguso 2004). Além disso, devemos considerar que
Vinícius Brito
cada flor, ou qualquer outra unidade de atração, configura uma diferente estratégia evolutiva que interage,
através destes sinais, com seus visitantes, oferecendo-lhes em troca alguma recompensa (na maioria
dos casos, exceções na natureza existem, como no
caso de plantas miméticas ou aquelas que emitem
feromônios). Assim, de acordo com os pressupostos
das síndromes de polinização, esperaríamos que cada
uma destas estratégias estivesse bastante delimitada
em “espaços cognitivos”, ou seja, que não houvesse
sobreposição entre diferentes espécies de plantas na
forma em que interagem com os sistemas cognitivos
de seus polinizadores. Poderíamos pressupor também
que essas diferentes estratégias são consequência de
diferentes eventos de irradiação adaptativa entre flores
e polinizadores ao longo do tempo evolutivo, o que
explicaria a grande diversidade das angiospermas
(Lunau 2004; Crepet & Niklas 2009).
Esse não parece, porém, ser exclusivamente o
caso (Schiestl & Dötterl 2012; Schäffler et al. 2012).
Tomando como exemplo a cor das flores, sabemos
que a maioria delas está dentro do espectro visível
de diversos visitantes florais, como ultravioleta, azul,
branco (geralmente UV absorvente), rosa e amarelo
(geralmente UV absorvente também) (Waser et al.
1996; Chittka et al. 2001). Assim, apesar do nosso
entendimento comum de que sinais florais e a capacidade de identificação e percepção dos visitantes
estão mutuamente sintonizados pela ação da seleção
natural, devemos considerar também outras causas
envolvidas nessas interações, como restrições filogenéticas, exaptação (um novo uso para atributos
selecionados em um contexto evolutivo passado),
pleiotropia (seleção através de atributos correlacionados) e processos evolutivos randômicos, como a
deriva genética (Chittka et al. 2001). Um exemplo
para esta questão é o caso anteriormente citado dos
beija-flores e suas interações com flores vermelhas.
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429
Como vimos, a preferência dos beija-flores por estas
flores se justifica mais pela hipótese de exclusão sensorial das abelhas do que pela hipótese de coevolução.
Se os sinais florais como cor, odor, forma e tamanho são emitidos por duas espécies irmãs e posteriormente reconhecidos e não distinguidos entre si
por visitantes florais dessas duas espécies, isso provavelmente não se deve, a priori, a uma adaptação às
mesmas pressões seletivas nestas espécies. Imagine
dois grandes gêneros ocorrentes na Mata Atlântica
brasileira: Eugenia e Miconia. Estes dois grupos circunscrevem centenas de espécies que possuem flores
bastante similares entre si, sendo que as diferenças
taxonômicas são encontradas basicamente em suas
características vegetativas. Assim, poderíamos supor
que as características florais destas espécies sejam
resultado de restrições filogenéticas, dada a rápida
divergência dentro dos grupos, em vez de resultarem
de pressões de seleção nas características florais mediada pelo sistema cognitivo dos polinizadores. Essa
hipótese permanece sem ser testada, mas abordá-la
poderia ajudar no entendimento da conservação destas características florais nestes grupos.
A coloração amarela UV absorvente apresentada
geralmente pelos grãos de pólen é um exemplo que
ilustra exaptação de sinais florais. Segundo Osche
(1979), essa coloração já estava presente nos grãos de
pólen dos ancestrais anemófilos e tinha por função
a prevenção de mutações causadas pela radiação
UV. Posteriormente, animais que puderam reconhecer esta coloração foram beneficiados, uma vez
que o pólen é um valioso recurso proteico para os
visitantes florais. Isso teria favorecido o surgimento
de uma preferência inata por esta coloração. Muito
tempo depois, Heuschen et al. (2005), analisando
cento e sessenta e duas espécies de plantas com flores
e inflorescências multicoloridas, constataram que
as cores predominantes nas regiões centrais dessas
430 ⁞ Ecologia cognitiva da polinização
unidades atrativas eram menos variáveis que aquelas
apresentadas na periferia e que estas cores, surpreendentemente, eram muito similares à cor dos grãos
de pólen. Esse resultado sugere que a coloração de
muitas flores pode ser explicada como uma forma de
mimetismo batesiano, conhecida como mimetismo
de pólen. Assim, a recorrente coloração amarelada
encontrada em diversas flores teria sido selecionada
pela preferência inata dos visitantes florais em busca
de grãos de pólen, que, por sua vez, são amarelos
apenas por causa da proteção conferida pelos carotenoides contra a radiação UV (Lunau & Maier 1995).
Além disso, alguns autores sugerem que muitos dos
pigmentos florais, ou mesmo as vias bioquímicas que
levam à produção destes pigmentos, já existiam previamente como proteção contra herbívoros, radiação
UV, congelamento ou outros eventos que poderiam
interferir na sobrevivência das plantas (Levin &
Brack 1995; Armbruster et al. 1997; Fineblum &
Rausher 1997).
Um exemplo de como a deriva genética poderia
atuar na produção de novos padrões de sinais visuais
pelas flores é o caso de Nigella arvensis, uma espécie
que se distribui pelas penínsulas e ilhas do mar Egeu,
ocorrendo tanto na Grécia quanto na Turquia. A
diferença na localidade de ocorrência é acompanhada
por diferenças no padrão floral, na forma e na coloração entre as diferentes populações das ilhas, e isso
se deve provavelmente ao efeito gerado pelo processo
de deriva genética, uma vez que as ilhas são pequenas
e favoreceriam a fixação de alelos ao acaso (Chittka
et al. 2001).
Apesar dos exemplos e sugestões citados, ainda
existe uma enorme lacuna no entendimento dos processos, que não a seleção natural, os quais poderiam
gerar a grande diversidade de flores dentro das angiospermas e as interações destas com seus visitantes.
Complexidade floral
As flores utilizam uma grande variedade de sinais
para atrair e indicar a presença de recompensas aos
seus polinizadores. De forma geral, estes sinais frequentemente são transmitidos simultaneamente entre
as múltiplas modalidades sensoriais, incluindo as
visuais, olfatórias, gustatórias, táteis e, ainda, acústicas (Kaczorowski et al. 2012; Burger et al. 2012).
Mantendo em mente a flor (ou qualquer outra unidade de atração dos polinizadores que esteja relacionada à reprodução das plantas) como um mosaico
sensorial evolutivo que emite sinais para diferentes
canais perceptuais dos polinizadores (Raguso 2004),
podemos nos perguntar qual a funcionalidade dessa
extrema complexidade floral.
Segundo Leonard et al. (2011a), essa complexidade favoreceria evolutivamente a interação entre plantas e polinizadores através da capacidade
de aprendizado e memória do último grupo. Do
ponto de vista das plantas, há o favorecimento da
transferência de pólen entre flores de uma mesma
espécie e, consequentemente, a prevenção da perda de
grãos de pólen em estigmas não coespecíficos (Waser
1978). Nesse contexto, visitantes florais incapazes
de aprender e memorizar os estímulos apresentados
pelas flores seriam inconstantes e, portanto, estariam
diminuindo os níveis do recurso oferecido, interferindo no padrão de visitas daqueles polinizadores mais
efetivos (Feinsinger 1987). Do ponto de vista dos
polinizadores, a capacidade de aprender e memorizar
permitiria uma identificação mais acurada das flores,
promovendo uma maior eficiência no forrageio. Ao
mesmo tempo, estes polinizadores estariam menos
sujeitos à grande variação que existe na quantidade e
qualidade das recompensas florais (Raine & Chitkka
2007) e evitariam visitar flores que não oferecem recursos (Dafni 1984) ou que estes não sejam de igual
Vinícius Brito
ou superior qualidade. Junto a isso podemos entender
que essa complexidade floral, em seus distintos níveis,
atua como um filtro, repelindo, por um lado, interações com agentes antagonísticos (Junker & Blüthgen
2008) e favorecendo interações com mutualistas não
polinizadores (Gonzálvez et al. 2013).
Existem duas maneiras de se entender como o
conjunto de sinais emitidos pelas flores influencia o
aprendizado e a memória dos seus visitantes (Leonard
et al. 2011a). O primeiro deles é que cada sinal (como
cor, odor, estímulos táteis etc.) atua de forma independente. Esse paradigma sem dúvida configura
a arcabouço teórico em que a maioria dos estudos
sobre ecologia cognitiva da polinização foi conduzida, uma vez que estes consideram a influência de
apenas um estímulo e a resposta que o mesmo produz
nos visitantes quando em situações experimentais
(Leonard et al. 2011b). Para ilustrar como seria a
ação independente dos estímulos florais vamos citar
um exemplo teórico. Imagine uma flor que oferece
uma recompensa ao seu visitante e que possui cor
amarela e odor adocicado e outra flor que não oferece
recompensa e que emite sinais diferentes, como cor
azul e odor lavanda. Segundo a hipótese de ação
independente dos estímulos florais, esperaríamos
que os polinizadores fizessem escolhas mais acuradas quando estes dois estímulos ocorressem juntos
do que quando ocorressem separados (como uma
nova flor de cor amarela e odor lavanda). Assim, o
componente adicional apenas provê mais informação
sobre a identidade floral (Leonard et al. 2011a). Por
outro lado, podemos imaginar que os estímulos florais
interagem entre si e que o aprendizado de um facilita
o aprendizado do segundo estímulo. De fato, abelhas
mamangavas que aprenderam a discriminar flores
artificiais com e sem recurso através da cor conjugada
com a presença de algum odor fazem distinção entre
essas flores artificiais mais corretamente que abelhas
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Klaus Lunau ⁞
431
que aprenderam a discriminar as mesmas flores na
ausência de odor (Leonard et al. 2011b).
Como essa interação entre sinais pode facilitar
o aprendizado e a memória dos polinizadores? Para
responder a esta questão, primeiro devemos entender e
diferenciar o que é aprendizado e o que é memória. Em
um contexto cognitivo podemos definir aprendizado
como a capacidade de adquirir novas informações e
memória, como a capacidade de armazenar e posteriormente resgatar informações adquiridas (Leonard et
al. 2011a). A memória dos animais pode ser dividida
em dois tipos (mencionados anteriormente): memória de trabalho (muitas vezes também chamada de
memória de curto prazo, que pode ser estocada por
alguns segundos ou minutos) e memória de longo prazo
(também chamada de memória de referência, que pode
ser estocada por alguns dias ou mesmo por toda a vida
do animal). Podemos imaginar como isso funciona em
nós, humanos. Quando em determinadas situações
precisamos guardar um número de telefone para em
seguida o inserirmos em nossa agenda e não dispomos
de outro recurso para fazê-lo naquele exato momento,
senão a memória, durante essas frações de segundos
entre o memorizar e o guardar estamos fazendo uso
da nossa memória de trabalho. Quando procuramos
um edifício e nos equivocamos de número e logo alguém nos diz a numeração correta e saímos em busca
do mesmo, memorizando a informação até encontrar
o número que buscamos, também é outro exemplo
do uso da memória curta, já que provavelmente não
voltaremos àquele lugar ou não armazenaremos esta
informação por não considerarmos relevante. Porém
cada um de nós é capaz de se lembrar de números de
telefone que talvez nem mais utilizemos (como o número da casa onde morávamos). Essa última é a nossa
memória de longo prazo, determinada por eventos e
informações que consideramos de suma relevância,
independente da sua natureza.
432 ⁞ Ecologia cognitiva da polinização
Os diferentes sinais emitidos pelas flores podem, quando recebidos em conjunto, facilitar o
aprendizado e a memória dos polinizadores de três
maneiras (Leornard et al. 2011a; Hebbets & Papaj
2005). Uma possibilidade é que um determinado
estímulo previamente analisado atue como base ou
fonte de informação na hora de descrever outro. Por
exemplo, algumas espécies de beija-flores exibem
coloração vermelha em suas plumagens e tendem a
preferir, como vimos, flores vermelhas. As entradas
de ninhos de abelhas muitas vezes são similares, em
forma, tamanho e coloração, a flores comumente
visitadas por elas. Assim, sinais florais podem atrair
polinizadores explorando vieses sensoriais já existentes e, de fato, flores parecem usar essa estratégia
mais comumente para enganar seus polinizadores
do que para mimetizar outras flores (Schaefer &
Ruxton 2010).
Outra possibilidade é a conjunção de sinais florais, por meio da qual um deles aumenta a atenção
dada pelo polinizador a um segundo sinal, ou seja,
a detecção do primeiro sinal traz para a memória de
trabalho a “imagem” do segundo sinal inicialmente
associado a ele. Um experimento ilustra como isso
ocorre em abelhas (Reinhard et al. 2004): na fase de
treinamento, abelhas-do-mel foram alimentadas em
bebedouros amarelos com odor de rosas e em bebedouros azuis com odor de limão. Na fase de teste,
os bebedouros ficaram sem odor, mas as cores foram
mantidas. Quando o odor previamente associado a
um dos bebedouros foi novamente inserido (mas
agora dentro da colmeia, estimulando as abelhas),
as abelhas visitaram preferencialmente o bebedor
da cor respectiva. Assim, os odores, além de serem
usados para diferenciar entre flores de diferentes espécies (ver itens anteriores) podem também manter
as abelhas focadas na procura de uma determinada
fonte de recurso.
A complexidade floral também pode facilitar o
aprendizado e a memória por não permitir que outros
estímulos sejam trazidos da memória de longo prazo
para a memória de curto prazo dos polinizadores. Por
transmitir um estímulo múltiplo (que envolve cor,
odor, forma, textura etc.), as flores garantem que seus
polinizadores não se lembrarão de outros estímulos
positivos que induzam a mudança de rota ou da espécie de flor aprendida. Isso aumenta as chances de
que o polinizador permaneça fiel as suas flores, um
fenômeno bastante conhecido e chamado de constância floral que será desenvolvido no próximo item.
Constância floral
Quando um polinizador sobrevoa um campo à procura de recurso, geralmente ele se depara com muitas
plantas em flor. Durante esta tarefa ele precisa comparar os sinais percebidos com sua memória prévia de
outros sinais florais e dos recursos oferecidos outrora
por essas flores, diferenciando flores entre aquelas que
oferecem recursos adequados daquelas que são desconhecidas ou pouco recompensadoras (Waser 1986;
Chittka et al. 1999). Assim, geralmente ele escolhe
e restringe suas visitas a apenas poucas espécies de
plantas, ignorando a existência de outras, ainda que
estas sejam energeticamente iguais ou até mais recompensadoras (Hill et al. 1997). Dessa forma, podemos
imaginar que ocorre constância floral quando existe
preferência por parte de um dado polinizador por
um ou múltiplos sinais emitidos pelas flores (como
cor, forma, odor, estímulos táteis etc.), seja essa preferência inata ou aprendida. Essa constância floral
interfere diretamente na reprodução das plantas por
facilitar a transferência de pólen entre coespecíficos
(Waser 1978). Além disso, como já vimos, visitantes
inconstantes diminuiriam os níveis do recurso oferecido pelas flores, interferindo no padrão de visitas
Vinícius Brito
de polinizadores mais efetivos (Feinsinger 1987).
Porém as vantagens do comportamento de constância
para os polinizadores não estão totalmente claras. É
importante aqui ressaltar a diferença entre visitantes
florais constantes e visitantes florais oligoléticos. O
primeiro termo é atribuído ao indivíduo de uma
espécie, enquanto o segundo é um conceito relacionado à espécie como um todo, podendo envolver o
comportamento de vários indivíduos.
Existem várias explicações para a ocorrência de
constância floral e por que esse tipo de comportamento seria favorável do ponto de vista dos polinizadores.
A primeira delas, e talvez a mais debatida, é que
constância floral ocorre basicamente porque existe
uma limitação na capacidade de memorização dos
polinizadores. Segundo Chittka et al. (1999), uma
explicação simples, mas não suficiente, é a de que
polinizadores (nesse caso específico, insetos) seriam
capazes de memorizar apenas uma simples tarefa
como reconhecer ou manipular uma flor complexa e
não muitas ao mesmo tempo, entretanto, pelo menos
para as abelhas, esse parece não ser o caso.
Abelhas possuem uma capacidade incrível de
memorizar o espaço por onde transitam durante sua
vida, podendo sempre retornar aos seus ninhos ou a
fontes de recursos. Assim, a capacidade da memória de
longo prazo parece ser bastante grande para, sozinha,
explicar a constância floral das abelhas (Chitkka et al.
1999). Por outro lado, abelhas treinadas em apenas
uma tarefa são mais eficientes que aquelas que aprenderam mais de uma em um curto espaço de tempo.
Elas cometem menos erros, apresentam um tempo
menor de manuseamento das flores, corrigem erros
rapidamente e as transições entre flores da mesma
espécie são inicialmente mais rápidas (Chitkka &
Thomson 1997). Por exemplo, quando uma abelha
é treinada a visitar um tipo de flor A, seguido de
um segundo tipo B, e tem que voltar depois de um
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determinado tempo a eleger A outra vez, ela demorará
muito mais tempo em reaprender a como visitar a flor
A (Woodward & Laverty 1992). Além disso, se dois
estímulos usados durante o treinamento (como cor
e odor) são substituídos por dois novos estímulos da
mesma natureza, a memória para os dois primeiros
parece ser apagada (Menzel 1979), portanto dois
novos estímulos não podem ser estocados simultaneamente na memória de trabalho das abelhas. Esse
padrão também é comprovado em estudos de campo
para abelhas: nos primeiros segundos de voo depois de
uma visita floral, a probabilidade de a abelha visitar
uma nova flor da mesma espécie é extremamente
alta, mesmo quando flores de outras espécies estão
presentes na mesma área (Chittka et al. 1997).
O enfraquecimento, ou mesmo a completa eliminação, da memória de trabalho quando uma segunda
tarefa é aprendida por um animal ficou conhecido
como “hipótese de interferência”. Sua relação com a
constância floral foi primeiramente atribuída ao próprio Darwin (Woodward & Laverty 1992; Goulson
et al. 1997). Segundo ele,
“É de grande importância para as plantas
que insetos permaneçam visitando flores
da mesma espécie... mas ninguém suporia
que este comportamento é realizado para o
benefício das plantas. A causa está, provavelmente, no aumento da capacidade dos
insetos para trabalhar mais rápido. Eles
apenas aprenderam como permanecer na
melhor posição na flor, e quanto e em qual
direção inserir suas probóscides. Eles agem
com o mesmo princípio de um artesão que
precisa construir uma dúzia de engenhos e
que poupa tempo fazendo primeiro cada
uma das rodas e depois cada uma das outras
partes.”
434 ⁞ Ecologia cognitiva da polinização
Fica evidente que Darwin não se referiu à existência de uma interferência entre capacidades para
executar tarefas simples, mas, sim, a que insetos são
mais efetivos quando trabalhando em apenas uma
tarefa.
Concluindo essa discussão, Chitkka et al. (1999)
dizem que essa limitação na memória de trabalho
poderia explicar por que abelhas se especializam em
poucos tipos florais e propõem um cenário: depois de
conhecer as flores, as abelhas são capazes de estocar
mais de uma imagem floral e seus atributos cognitivos
em sua memória de curto prazo. Mas a memória de
flores familiares que não foram visitadas recentemente fica num estado de dormência na memória
de longo prazo e seu acesso pode levar certo tempo.
Assim, segundo esses autores, a constância floral
pode ser mais um problema de processamento de
informação do que da capacidade de armazenamento
propriamente dita. Uma vez que toda informação
estocada previamente não está continuamente disponível na natureza, as abelhas devem preferir flores
que foram encontradas mais recentemente em sua
história de vida.
Além das limitações nas memórias de longo e
curto prazos, também existem outras hipóteses que
podem explicar o fenômeno da constância floral
(Chitkka et al. 1999). Por exemplo, o aprendizado
de uma nova capacidade cognitiva, como manipular uma nova flor, pode ser desvantajoso pelo alto
custo em tempo e energia. Outra possibilidade é
que polinizadores constantes não procuram outras
flores por não conhecerem os atributos qualitativos
referentes aos recursos florais possíveis de serem
encontrados. Assim, permanecer visitando uma
flor que garante um retorno conhecido quanto
aos seus recursos seria mais vantajoso que correr o risco da troca. Além disso, existe a ideia de
que organismos sociais, como é o caso de algumas
abelhas, evitariam competição entre indivíduos de
uma mesma colônia, permanecendo constantes em
flores de diferentes espécies. Ou seja, o retorno em
recursos para a colônia como um todo seria maior
quando seus indivíduos forrageiam e se especializam, temporalmente, em várias espécies. De fato,
entre abelhas sociais, geralmente existem poucos
indivíduos especializados em procurar novas fontes
de recursos que serão informadas às operárias e
estas forragearão constantemente naquela fonte de
recurso para a qual foram recrutadas.
Em biologia da polinização é comum o pensamento de que a morfologia floral está diretamente
associada à morfologia de seus polinizadores, levando
à ideia da especialização como um fim evolutivo para
tais sistemas (Futuyma & Moreno 1988; Tripp &
Manos 2008). Essa é uma das consequências do paradigma das síndromes de polinização (Faegri & Van
Der Pijl 1979), porém a compreensão das causas que
levam à constância floral, ainda que em sua maioria
estudada apenas em insetos, propõe um novo cenário
explicativo para a enorme diversidade das angiospermas. Nesse sentido, formas florais complexas, por
favorecer visitantes florais mais constantes, teriam
vantagens sobre formas florais mais comuns em que os
visitantes seriam menos constantes, levando a maior
perda de gametas (Chittka et al. 1999). Esse cenário
levaria a uma rápida irradiação adaptativa, o que de
fato ocorreu na história evolutiva das plantas com
flores (Lunau 2004; Crepet & Niklas 2009). Além
disso, essa hipótese não reivindica que as interações
plantas-polinizadores atuais ocorram par a par, que
suas morfologias sejam complementares e que sejam
resultado de adaptação darwiniana. Ainda, as especiações por favorecimento da constância floral poderiam
ocorrer em simpatria, enquanto a especialização deve
ocorrer mais provavelmente em alopatria (Wilson &
Thomson 1996).
Vinícius Brito
Conclusão
Em um novo contexto de estudo em biologia da
polinização, podemos entender que plantas e polinizadores (co)evoluíram a partir da capacidade
sensorial e cognitiva desse último grupo (Shafir et
al. 2003). Sabemos agora que o comportamento de
preferência e de constância floral afetam o sucesso
reprodutivo das plantas de forma significativa e que
estes comportamentos são resultado das capacidades
sensoriais (como visão, olfato, tato etc.) e processos
(como memória e aprendizado) cognitivos dos polinizadores. Por outro lado, o sucesso reprodutivo dos
polinizadores também está, direta ou indiretamente,
relacionado a atratividade e recursos oferecidos pelas
plantas. Assim, ditas capacidades e processos inerentes
dos polinizadores atuam como um filtro subjetivo
da realidade, mediando as possíveis interações e estipulando os diferentes níveis dentro dos quais elas
podem ocorrer.
Além disso, podemos agora imaginar que, assim como para nós, humanos (Varela et al. 1993),
essas capacidades sensoriais estão incorporadas nos
polinizadores e não há outra interação (ou outra
realidade) além daquela que ocorre entre as características florais, as vias sensoriais e a capacidade cognitiva desses vetores de transferência de informação
genética. Isso afeta sobremaneira a forma como o
pesquisador descreve os padrões e os processos geradores dessas interações. O que importa, dentro da
ecologia cognitiva da polinização, não é interpretar
unicamente e sobremaneira as características florais
como o centro e a resposta a todos os processos evolutivos, mas, sim, como algo manifesto dentro de
um espaço compartilhado entre plantas e visitantes
florais. Assim, os estudos em biologia da polinização
devem partir do princípio de que cada visitante floral
possui uma capacidade de representação particular
♦
Francismeire Telles
♦
Klaus Lunau ⁞
435
e complexa do mundo à sua volta. Conhecer ditas
capacidades e entender como as características florais
são representadas e interpretadas dentro desse espaço
(seja visual, olfativo ou de qualquer outra natureza
sensorial) é fundamental nos avanços em biologia
da polinização.
Agradecimentos
Aos mestres, por serem fonte infinita de inspiração
em cada experiência particular apreendida através
dos processos cognitivos, transformando ações, pensamentos e palavras em realidades libertadoras.
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Foto: André Rodrigo Rech
*
Capítulo 20
*
Genética nos estudos com polinização
Jaqueliny Zocca Canuto1, Alessandro Alves-Pereira2 e Marina Corrêa Côrtes3
1
Departamento de Biologia, Faculdade Presidente Antônio Carlos de Aimorés – CEP: 35200-970 – Aimorés-MG – Brasil.
2
Departamento de Genética, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Universidade de São Paulo – CEP: 13418-900 –
Piracicaba-SP – Brasil.
3
Departamento de Ecologia, Universidade Estadual Paulista – CEP: 13506-900 – Rio Claro-SP – Brasil. e-mail: mccortes@rc.unesp.
br
N
esse capítulo pretendemos iniciar com a apresentação de conceitos básicos utilizados em análises genéticas, discutindo a importância da polinização para os padrões de diversidade populacional e fazendo
inferências sobre como diferentes modos de polinização podem afetar aspectos contemporâneos e históricos
em populações de uma espécie. Na sequência, descreveremos a importância das características das espécies
(envolvendo síndrome de polinização e sistema reprodutivo), suas populações (agregação espacial de plantas) e
indivíduos (produção de flores e fenologia) para os processos associados à estruturação genética das populações
e progênies e ainda a dispersão genética via pólen. São apresentados com maior riqueza de detalhes aspectos
conceituais, metodologias de campo, de laboratório e análises estatísticas, além da análise de estudos de caso
que abordam o sistema reprodutivo (estrutura da progênie) e dispersão genética através da polinização (distância
de polinização e caracterização espacial). Ao longo do texto palavras-chaves são destacadas e reunidas em um
glossário para a maior familiarização dos conceitos para aqueles menos acostumados com os termos usados
em pesquisas de genética geral e genética de populações. Por fim, discutimos as perspectivas para o campo de
genética de populações e oportunidades para se entender como os processos ecológicos e genéticos podem ser
afetados diante das mudanças globais (fragmentação florestal, mudança climática, corte seletivo de árvores).
440 ⁞ Genética nos estudos com polinização
Introdução
A genética é a ciência dos genes, hereditariedade e
variação em todos os seus níveis, desde as moléculas
até as populações. Uma disciplina dentro da genética
que se preocupa com as mudanças herdáveis que
ocorrem dentro de populações ao longo do tempo e
do espaço é conhecida como genética de populações
(Griffiths et al. 2009; Hedrick 2011). A composição
genética de grupos ou populações é definida pelos
conjuntos de alelos e genótipos. As frequências em
que estes conjuntos de alelos e genótipos ocorrem
são resultado da ação conjunta de processos microevolutivos, entre eles mutações gênicas, migração,
seleção e deriva. Esses processos variam no espaço
e no tempo produzindo variação genética que se
consolida em vários níveis de organização, como,
exemplo, entre populações geográficas distintas,
entre grupos discretos de indivíduos e até mesmo
entre progênies.
Os padrões genéticos observados constituem
a estrutura genética particular de cada nível de organização. O fundamento dos estudos de estrutura
genética parte do teorema de Hardy-Weinberg. Esse
modelo assume, sob certas premissas, que a abundância relativa dos alelos não muda de uma geração para
outra; a única mudança na composição genética da
população é a redistribuição das frequências genotípicas nas gerações subsequentes (Ridley 2006). Assim,
forças microevolutivas e eventos casuais podem gerar
desvios no equilíbrio de Hardy-Weinberg e, portanto,
na formação e manutenção da estrutura genética
(Hamrick 1983; Loveless & Hamrick, 1984). De
maneira simplista, a ausência de estrutura genética
ocorre quando não há variação espacial em alguma
força evolutiva. Nesse caso, populações em áreas
distintas ao longo da distribuição de uma espécie são
igualmente relacionadas geneticamente.
Na realidade, os processos evolutivos naturalmente variam e são condicionados a outros fatores ambientais e populacionais (Hartl 2008). Por
exemplo, a deriva genética pode ser influenciada pela
densidade populacional, enquanto a seleção pode ser
fortemente afetada pelas condições ambientais agindo sobre caracteres das plantas que conferem valor
adaptativo aos indivíduos. Outra força evolutiva, a
migração, resulta na redistribuição de alelos entre
populações de plantas. Assim, a migração efetiva de
genes através de pólen e sementes entre populações,
processo também conhecido como fluxo gênico, pode
modificar os padrões gerados pela deriva genética e
seleção. Vários fatores bióticos e abióticos podem
influenciar os processos microevolutivos. No caso do
fluxo gênico, a distância entre as plantas e populações
é um fator primordial, mas outros fatores podem ser
igualmente importantes, como presença de barreiras
ou restrições para migração, diferenças fenológicas
entre indivíduos ou populações, mecanismos de dispersão de pólen e sementes (Jarvis et al. 2005).
De maneira geral, características ligadas a reprodução e dispersão das plantas são particularmente
importantes para determinar a diversidade e estrutura
genética (De Lacerda et al. 2008; Dick et al. 2008),
porque a reprodução é o processo que permite a propagação dos genótipos para as gerações futuras e a
disseminação de pólen e sementes é o processo que
determina os padrões de dispersão genética dentro e
entre populações (Loveless & Hamrick 1984). Para
a polinização efetiva ocorrer, a informação contida
no gameta masculino deve ser dispersa duas vezes:
a primeira vez, via pólen, a partir da planta doadora
para a planta receptadora, e a segunda, através da
semente, como complemento do genoma nuclear
do embrião (Hamrick et al. 1993). Esse processo
duplo de disseminação genética via pólen confere,
pelo menos em parte, maior variância na distância
Jaqueliny Zocca Canuto
♦
de dispersão efetiva de pólen em relação à dispersão
de sementes (Hamrick et al. 1993), tanto em escala
histórica (Petit et al. 2005) quanto contemporânea
(Ashley 2010). A reprodução e a dispersão de plantas, por sua vez, são diretamente determinadas por
uma série de características intrínsecas das plantas
que também variam no tempo e no espaço, mais
especificamente: sistema reprodutivo, modo de reprodução, ciclo de vida, síndrome de polinização
e síndrome de dispersão de sementes (Loveless &
Hamrick 1984).
Impactos humanos sobre os ambientes naturais
podem alterar processos ecológicos relacionados à
reprodução das plantas que são chave para a manutenção genética de populações. A fragmentação
florestal, destruição de habitats (Jump & Peñuelas
2006), corte seletivo e extrativismo (Murawski et al.
1994; Lowe et al. 2005; Degen et al. 2006; Cloutier
et al. 2007; Carneiro et al. 2011), caça e mudanças
climáticas (Aldrich & Hamrick 1998) podem elevar
o nível de endogamia entre indivíduos, intensificar a
deriva genética devido à redução do tamanho efetivo
populacional e reduzir o fluxo gênico entre populações. Esses processos podem ser detrimentais, levando
a erosão da diversidade e alta estruturação genética.
Estudar os mecanismos que determinam a diversidade e estrutura genética das plantas é, portanto, um
importante passo para desvendar os processos que
levam a persistência, expansão, especiação e adaptação
das plantas em suas mais variadas formas.
Neste capítulo apresentamos algumas abordagens
do campo de genética de populações que permitem
analisar os padrões e a importância dos processos
reprodutivos e da dispersão de pólen na manutenção
da estrutura e diversidade genética de plantas em
populações naturais. Por fim, discutimos algumas
perspectivas dos estudos genéticos da polinização.
Alessandro Alves-Pereira
♦
Marina Corrêa Côrtes ⁞
441
Reprodução
As plantas com flores, ao longo de sua evolução, desenvolveram uma grande variedade de mecanismos
de polinização, e a grande e bela variação de estruturas florais, cores, formatos, tamanhos e padrões de
estruturas está intimamente ligada ao modo como as
espécies de plantas realizam a polinização (Raven et
al. 2001; Richards 1997). Estas características florais
e as interações de plantas com outras espécies, ou
fatores abióticos para a realização da polinização,
são conhecidas como síndromes de polinização. As
plantas desenvolveram adaptações em suas flores
para que elas pudessem ser polinizadas por diferentes
animais pertencentes a diferentes grupos. Muitas
plantas aquáticas desenvolveram adaptações para que
seu pólen pudesse ser transportado das anteras para
os estigmas através da água. Ainda, muitas espécies
de angiospermas e a maioria das gimnospermas podem ser polinizadas pelo vento (Raven et al. 2001).
Os agentes de polinização viabilizam a polinização
cruzada, isto é, realizada entre indivíduos diferentes.
A polinização cruzada facilita a fertilização cruzada,
o que, por sua vez, colabora para que novas combinações do material genético sejam formadas, auxiliando
a manutenção e o aumento da diversidade genética nas
populações de plantas comparadas com as populações
que apresentam autofecundação (Nybom 2004).
A autofecundação acarreta altos níveis de endogamia na população. A endogamia não altera as
frequências alélicas da população, mas aumenta a
proporção de homozigose de todos os lócus em um
indivíduo, levando a uma menor diversidade genética
individual. A fertilização de plantas geneticamente
similares também leva a maiores níveis de endogamia,
nesse caso chamado de endogamia biparental. A
endogamia via autofecundação pode ocorrer nos indivíduos hermafroditas ou monoicos, que representam
442 ⁞ Genética nos estudos com polinização
cerca de 95% das angiospermas (Richards 1997). Já
as populações de espécies dioicas podem apresentar
endogamia biparental devido à reprodução sexuada
ser necessariamente cruzada. Indivíduos homozigotos
ou com baixa diversidade genética podem apresentar
menor probabilidade de sobrevivência e, eventualmente, reprodução. A morte de indivíduos é o resultado
mais extremo dos efeitos deletérios resultantes de
autofecundação ou cruzamento de plantas aparentadas, o que é chamado de depressão endogâmica. Em teoria, a depressão endogâmica é mais forte
em plantas com reprodução predominante cruzada
do que em plantas com autofecundação, porque as
mutações recessivas deletérias são expurgadas mais
efetivamente em populações altamente endogâmicas
à medida que genótipos deletérios são expostos à
seleção natural (Charlesworth et al. 1990; Lande &
Schemske 1985). Essas predições são corroboradas
por estudos empíricos (Husband & Schemske 1996;
Sletvold et al. 2013).
Os mecanismos de autoincompatibilidade podem
ocorrer tão logo o grão de pólen seja depositado no
estigma floral, evitando que genótipos homozigotos
sejam formados (Griffiths et al. 2009; Richards 1997).
Este mecanismo possui controle genético através do
qual grãos de pólen que possuem um alelo em comum
com o óvulo (autoincompatibilidade gametofítica),
ou grãos de pólen que possuem alelos com o mesmo
grau de dominância do óvulo (autoincompatibilidade
esporofítica), são impedidos de desenvolver o tubo polínico, impossibilitando a fertilização. Isto resulta em
indivíduos exocruzados e colabora para a manutenção
da variação genética nas populações. Os mecanismos
de autoincompatibilidade podem ocorrer tanto em
espécies que realizam autopolinização como polinização cruzada entre indivíduos com certa similaridade
genética (Ramalho et al. 2012). Também é comum
que o nível médio de heterozigosidade populacional
aumente ao longo da vida das plantas em função da
mortalidade de plantas em estágios avançados de
plântulas e jovens com genótipos homozigotos, que
geralmente possuem menor vantagem adaptativa
(Collevatti & Hay 2011).
As plantas desenvolveram uma grande diversidade de estratégias pelas quais os seus sistemas reprodutivos podem controlar os padrões de diversidade e
estrutura genética de suas populações (Hamrick et al.
1979; Loveless & Hamrick 1984; Hamrick & Godt
1989). Os sistemas reprodutivos das plantas estão
sob controle genético e comumente são dinâmicos,
capazes de responder às pressões seletivas exercidas
pelo meio.
Sistema reprodutivo
Assexuado
Plantas assexuadas são aquelas que não apresentam
reprodução sexual. Elas podem produzir sementes
sem que haja a fertilização (p. ex., apomixia), ou
apresentar outros mecanismos de propagação clonal, como perfilhamento, por meio de rizomas etc.
(Raven et al. 2001). Plantas híbridas entre diferentes
espécies também podem ser assexuadas simplesmente
por serem estéreis. Além disso, mesmo plantas com
reprodução sexuada podem apresentar a capacidade
de reproduzir-se assexuadamente. Desta maneira,
algumas plantas são capazes de criar estruturas modulares que, apesar de serem cópias de si mesmas,
são também fisiologicamente independentes. Um
indivíduo formado a partir de um único zigoto (geneta) pode ser constituído por vários outros módulos
fisiologicamente independentes (rameta), que são
gerados por reprodução assexuada a partir de um
indivíduo originado de reprodução sexuada (Futuyma
2005; Richards 1997). O pinheiro Wollemi (Wollemia
Jaqueliny Zocca Canuto
♦
nobilis) é uma espécie australiana que foi descoberta
em 1994 e que apresenta este tipo de reprodução.
A espécie era conhecida apenas no registro fóssil e
conta com uma população de menos de cem árvores,
das quais muitas podem ser rametas de um mesmo
geneta (Peakall et al. 2003).
Espera-se que populações de espécies assexuadas
sejam geneticamente idênticas, a menos que sejam
formadas por conjuntos de genetas diferentes, ou que
mutações somáticas tenham ocorrido em tecidos que
se diferenciaram em módulos independentes, os quais
tiveram a mutação imediatamente fixada. Apesar de se
esperar uma baixa variabilidade genética, populações
deste tipo podem ainda guardar variação na forma
de indivíduos heterozigotos. Em termos evolutivos, a
falta de diversidade genética, ou sua baixa variação,
pode fazer que a população possua um baixo potencial
adaptativo, isto é, a capacidade de resposta a mudanças espaciais e temporais. As primeiras avaliações com
marcadores moleculares revelaram níveis de diversidade genética extremamente baixos em plantas com
propagação clonal. De fato, a diversidade genética
para a maioria dos lócus de marcadores avaliados foi
nula para os indivíduos do pinheiro Wollemi (Peakall
et al. 2003). Um estudo que avaliou populações de
duas subespécies de Banksia ionthocarpa com modos
de reprodução distintos constatou que a subespécie
que apresentava apenas reprodução clonal possuía
níveis de diversidade genética inferiores e maior endogamia em comparação com a subespécie que se
reproduz sexualmente (Millar et al. 2010).
Apesar da pequena variação entre indivíduos,
muitas plantas com propagação vegetativa ou apomítica podem ainda guardar diversidade genética
na forma de indivíduos heterozigotos. Isto pode ser
marcante quando os indivíduos que possuem genótipo
heterozigoto apresentam maior potencial adaptativo
do que genótipos homozigotos, o que é chamado
Alessandro Alves-Pereira
♦
Marina Corrêa Côrtes ⁞
443
de heterose ou vantagem do heterozigoto (Futuyma
2005). A heterose pode ser encontrada em plantas
cultivadas que são propagadas vegetativamente. Um
exemplo é a mandioca, cultivo originário da Bacia
Amazônica, em que plantas com genótipos heterozigotos apresentam maior tamanho, são preferidas
pelos agricultores e, por isso, têm maior sobrevivência
(Pujol et al. 2005), acarretando altos índices de diversidade genética dentro das variedades cultivadas
(Elias et al. 2004).
Autógamo
São plantas, geralmente hermafroditas, que se reproduzem predominantemente por autofertilização
(autogamia). A extensão da autopolinização depende
da extensão da separação espacial e temporal entre a maturação e liberação dos grãos de pólen e a
receptividade destes pelos estigmas florais. Mesmo
plantas monoicas que realizam polinização cruzada
podem apresentar fertilização entre flores diferentes
de um mesmo indivíduo ou de um mesmo geneta
(geitonogamia) (Richards 1997). Em estudos genéticos, plantas autógamas apresentam menos de
5% de fertilização cruzada (Fig. 20.1). A autogamia
tende a reduzir a variabilidade genética e aumentar
os níveis de endogamia da população (Frankham
et al. 2008).
Como para espécies assexuadas, espera-se que
as populações apresentem pouca variação genética
e, como consequência, uma alta proporção de lócus
gênicos em homozigose, ao contrário das espécies
assexuadas. A maior parte da variação genética,
em geral, é encontrada entre diferentes populações
que podem conter diferentes conjuntos gênicos em
resposta às diferenças ambientais, ou simplesmente
devido ao acaso. Assim como espécies de reprodução
assexuada, o potencial adaptativo de populações de
444 ⁞ Genética nos estudos com polinização
5%
95%
0%
100%
Autógama
Alógama
Mista
Preferencialmente
autógama
Preferencialmente
alógama
Figura 20.1 Representação esquemática da classificação dos sistemas reprodutivos com base nas taxas de fecundação cruzada
estimadas em estudos genéticos com estrutura de progênies. Populações são consideradas alógamas caso apresentem taxa de cruzamento superior a 95%, e autógamas quando esta proporção é inferior a 5%. Populações que apresentem valores intermediários
são consideradas com sistema reprodutivo misto.
espécies autógamas pode ser prejudicado pela falta
ou pelo menor grau de variação entre indivíduos de
uma população.
Baixas taxas de cruzamento foram encontradas
para três populações de Oryza glumepatula, uma
espécie de arroz selvagem que é utilizada em cruzamentos com Oryza sativa para o melhoramento do
cultivo (Marines et al. 2007). Uma das populações
apresentou pouco mais de 1% de cruzamentos, indicando que nesta população quase todos os indivíduos
avaliados resultaram de autofecundação. As demais
apresentaram taxas de cruzamento de 16% e 22%,
podendo o modo de reprodução ser considerado misto, preferencialmente autógamo. As grandes taxas de
autofecundação nestas populações de arroz selvagem
resultaram em baixas estimativas de diversidade genética (especialmente para a população com a taxa de
cruzamento de 1%) e elevados valores de endogamia
e diferenciação genética entre populações.
Alógamo
Plantas alógamas são aquelas que se reproduzem predominantemente por fertilização cruzada (alogamia).
Em estudos genéticos, são plantas que apresentam
mais de 95% de fertilização cruzada (Fig. 20.1). A
extensão de polinização cruzada depende da dispersão do pólen entre flores, do número de indivíduos
geneticamente diferentes (genetas) e da quantidade
de flores abertas em cada geneta. Isto porque a polinização cruzada pode ocorrer entre flores diferentes,
mas de um mesmo indivíduo, ou entre rametas de um
mesmo geneta, resultando em geitonogamia. Todas as
famílias de uma população de cupuaçu (Theobroma
grandiflorum) apresentaram uma taxa de cruzamento
multilócus de 100%, sugerindo que o cupuaçu pode
ser uma espécie perfeitamente alógama (Alves et
al. 2003). O mesmo comportamento foi observado
em quatro populações naturais de palmito-juçara
(Euterpe edulis) avaliadas com marcadores microssatélites e alozimas, sendo que ambos os marcadores
apresentaram uma estimativa de taxa de cruzamento
de 100% (Conte et al. 2008). Já para o maracujádoce (Passiflora alata) foram encontradas estimativas
de taxa de cruzamento um pouco diferentes entre
marcadores moleculares, contudo estes resultados
indicam que o maracujá-doce é uma espécie alógama
(Ferreira et al. 2010).
Jaqueliny Zocca Canuto
♦
Espera-se encontrar um maior nível de variação
entre indivíduos dentro de uma população do que
entre populações, devido à possibilidade de fecundação cruzada e combinação de diferentes alelos e
que também seja encontrada uma grande proporção
de lócus em heterozigose, e que estes sejam mais
variáveis entre indivíduos (apresentem maior grau
de polimorfismo genético). Isto foi observado nas
populações de palmito-juçara avaliadas por Conte
et al. (2008), as quais apresentaram estimativas de
heterozigosidades observadas próximas às esperadas
e, consequentemente, baixos valores de endogamia
populacional e baixas estimativas de diferenciação
genética entre as populações. Como consequência
da grande variação populacional espera-se que estas
populações tenham maior capacidade de responder
às mudanças ambientais e que, portanto, possuam
um maior potencial adaptativo.
Misto
Estudos genético-moleculares têm revelado que
muitas espécies vegetais (talvez a maioria) possuem
sistema reprodutivo misto, pois apresentam taxas
intermediárias de autofertilização e fertilização cruzada. Desta forma, as espécies com sistema reprodutivo misto são aquelas que apresentam taxas de
fertilização cruzada ou de autofertilização que não
alcançam pelo menos 95% (Fig. 20.1). A espécie de
mogno das Américas Central e do Sul (Swietenia
macrophylla) (Lemes et al. 2007), a sumaúma das
florestas tropicais da Costa Rica (Ceiba pentandra)
(Lobo et al. 2005) e a cagaiteira da região central do
Brasil (Eugenia desynterica) (Telles et al. 2003) são
exemplos de estudos com base genético-molecular
que apresentam sistema reprodutivo misto. Para o
mogno foi estimada uma taxa de cruzamento de
94%, indicando que pode ocorrer autogamia. As
Alessandro Alves-Pereira
♦
Marina Corrêa Côrtes ⁞
445
duas populações de sumaúma avaliadas apresentaram
estimativas de taxa de cruzamento contrastantes
(90% e 40%), porém ambas indicando a ocorrência
de cruzamentos e autogamia em diferentes níveis
nas populações. Similarmente, as dez populações de
cagaiteira avaliadas apresentaram estimativas da taxa
de cruzamento que variaram de 68% a 95%, sendo
o valor médio de 83,5%, indicando que a espécie
pode reproduzir-se tanto por fecundação cruzada
como por autofecundação.
Amostragem e análises
A análise genética do sistema reprodutivo de plantas
remonta aos trabalhos realizados com tomateiros,
por Jones (1916), e leguminosas, por Fyfe & Bailey
(1951), em estudos baseados nos padrões de transmissão de marcadores genéticos de pais para suas
progênies (Ritland 2002). Fyfe & Bailey (1951)
propuseram o modelo clássico de cruzamentos mistos, que assume a possibilidade de ocorrência de
autofertilização e de fertilização cruzada ao mesmo tempo. Este modelo baseava-se em apenas um
lócus gênico e serviu como ponto de partida para
o surgimento de modelos mais complexos. Com o
desenvolvimento de novos marcadores genéticos,
novos modelos foram propostos. Brown & Allard
(1970) e Clegg et al. (1978) propuseram a avaliação
de progênies para se estimar taxas de autofecundação e colaboraram para a popularização da análise
de sistemas reprodutivos em plantas com base no
uso de marcadores codominantes. Extensões do
modelo de cruzamentos mistos foram elaboradas
por Shaw et al. (1980) e por Ritland & Jain (1981)
para acomodar a análise de mais de um lócus simultaneamente, melhorando as estimativas das taxas
de autofertilização e de endogamias biparental e
uniparental.
446 ⁞ Genética nos estudos com polinização
Atualmente a disponibilidade de vários e novos
tipos de marcadores moleculares, associada à diversificação dos estudos ecológicos e genético-evolutivos do
sistema reprodutivo de plantas, fez que modelos mais
sofisticados de estimação das taxas de cruzamento
estejam disponíveis (Ritland 2002). Isto possibilita
a análise genética do sistema reprodutivo de plantas para espécies com diferentes graus de ploidia,
por meio do uso de diferentes tipos de marcadores
moleculares, com maior ou menor número de lócus
gênicos informativos e com diferentes esquemas de
amostragem para a estimação das taxas de cruzamento e autofecundação.
de indivíduos por progênie, e também o número
de marcadores avaliados, podem ser variáveis. Na
descrição do método, Ritland & Jain (1981) fazem
uma série de simulações e sugerem que um número
ao redor de duzentos indivíduos, distribuídos em um
número variável de famílias, sendo avaliados com
cinco lócus de marcadores codominantes, é suficiente
para a obtenção de estimativas com precisão satisfatória. Espera-se ainda que, à medida que se aumente o
número de lócus avaliados, estimativas mais precisas
sejam obtidas, sem necessariamente aumentar o número de indivíduos e progênies avaliados (Ritland
& Jain 1981; Ritland 2002).
Para o estudo genético do sistema reprodutivo
de plantas, a abordagem que atualmente vem sendo mais utilizada é a proposta por Ritland & Jain
(1981), que é conhecida como estrutura de progênies
ou de famílias. Essa abordagem se baseia no modelo
de cruzamentos mistos, em que se assume que uma
fração de uma progênie é derivada de eventos de
autofertilização e que a fração restante provém de
cruzamentos aleatórios entre indivíduos da população
original. Neste esquema de análise vários lócus de
um marcador podem ser avaliados simultaneamente,
o que confere menor variância (e, consequentemente, maior consistência) às estimativas das taxas de
fecundação cruzada (Ritland 1990).
Uma vez conhecidos os genótipos dos indivíduos
de uma progênie e de sua respectiva planta-mãe,
podem então ser estimados os parâmetros incluídos
no modelo. As taxas de autofertilização e de cruzamento aleatório são obtidas, de maneira simplista,
pela comparação dos genótipos dos indivíduos de uma
progênie com o genótipo da planta-mãe. A taxa de
autofertilização é representada por s, enquanto a taxa
de reprodução cruzada, por t, que pode ser resultado
de cruzamentos aleatórios dentro da população ou
ocorrer em função da reprodução entre plantas geneticamente aparentadas (endogamia biparental). A taxa
de exocruzamento é indicada por tm e o estimador
indica qual é o modo de reprodução preferencial das
progênies avaliadas (Fig. 20.1). Pode-se estimar ainda
a taxa de endogamia biparental, que é representada
pela diferença entre as estimativas multilócus (tm) e
lócusúnicos (ts), sendo um indicativo de autofertilização devido à endogamia biparental.
A análise da taxa de cruzamento em plantas com
estrutura de progênies inicia-se com a amostragem
de folhas ou outro tecido de uma dada planta-mãe
(matriz) e de suas sementes. As sementes podem ser
analisadas diretamente ou plantadas em um ambiente controlado pelo pesquisador, e aquelas que
germinarem passam a formar a progênie de uma
determinada matriz. Os indivíduos das progênies e
as plantas matrizes têm seu DNA extraído e avaliado
com os conjuntos de marcadores que se têm à disposição. Tanto o número de matrizes como o número
Outro parâmetro que pode ser estimado é a
correlação de paternidade exocruzada (rp). Este estimador pode ser obtido levando-se em consideração
apenas um grupo dos indivíduos de uma progênie
(p. ex., sementes provenientes de um mesmo fruto
ou de uma mesma planta-mãe). A correlação de
Jaqueliny Zocca Canuto
♦
paternidade representa, então, a probabilidade de
que duas sementes do mesmo grupo sejam irmãs
germanas.
Todos os exemplos de análises genéticas do sistema reprodutivo citados anteriormente neste item
fizeram uso da estrutura de progênies para estimação
das taxas de cruzamento nas populações de suas
respectivas espécies. Diferentes esforços amostrais
e número de marcadores foram utilizados. Alves
et al. (2003), por exemplo, utilizaram apenas uma
população de cupuaçu, na qual amostraram oito
matrizes, sendo uma com cinco e as demais com
dez indivíduos por progênies, perfazendo um total
de setenta e cinco plantas avaliadas com oito lócusmicrossatélites. Por outro lado, para o mogno, Lemes
et al. (2007) amostraram vinte e cinco plantas-mãe
e progênies com dezesseis indivíduos, perfazendo
um total de quatrocentas plantas avaliadas com oito
marcadores microssatélites.
Além do esforço amostral, número e tipo de
marcadores utilizados, o trabalho de Telles et al.
(2003) chama atenção a outro fato. Os autores usaram oito lócus de alozimas e amostraram um total
de setecentas e quatro plantas de cagaiteira (Eugenia
dysenterica) distribuídas em cento e doze progênies
e provenientes de dez populações diferentes. Como
apresentado, as estimativas de taxa de cruzamento
variaram de 68% a 95%, o que ressalta a importância
de se ter em mente que, apesar de muitos estudos
apresentarem estimativas de taxas de cruzamento
na forma de média entre populações, os sistemas
reprodutivos de plantas podem ser extremamente
dinâmicos, uma vez que podem estar sujeitos a fatores ambientais e, portanto, diferir entre indivíduos
dentro das populações (Ritland 2002).
Softwares e plataformas de análise: MLTR
(Ritland 2002).
Alessandro Alves-Pereira
♦
Marina Corrêa Côrtes ⁞
447
Polinização e fluxo gênico
Um fator importante para a manutenção da estrutura
genética é o mecanismo pelo qual os genes migram.
O fluxo gênico em plantas ocorre principalmente de
duas formas: por meio de movimento de pólen e de
sementes (Ennos 1994; McCauley 1994). Ao movimentar a informação genética contida nos gametas
(pólen) e nos embriões (sementes), o fluxo gênico
promove a homogeneização da diversidade genética,
a propagação de mutações e a criação de genótipos
diferentes, resultado de novas combinações alélicas
(Nason 2002; Kaufman et al. 1998). A estrutura
genética, portanto, se intensifica com a maior limitação espacial da dispersão genética tanto do pólen
quanto das sementes.
O movimento do pólen pode ser caracterizado
pela distância e direção e determinado pelo sistema
reprodutivo, características dos agentes polinizadores,
distribuição espacial das plantas, fenologia e condições
ambientais abióticas (Dick et al. 2008; Ghazoul 2005;
Ward et al. 2005). A polinização é importante, pois
define o tamanho efetivo da vizinhança reprodutiva (Ruckelshaus 1996; Wright 1946), determina a
conectividade entre grupos de plantas e populações
(Lander et al. 2010; Sork & Smouse 2006; White
et al. 2002) e influencia os níveis de hibridização e
introgressão genética entre espécies nativas (Ellstrand
2003), cultivadas (Ellstrand et al. 1999) e exóticas
(Abbott et al. 2003; Largiadèr 2007).
A dispersão de propágulos, sejam eles pólen ou
sementes, geralmente se refere ao movimento que
aumenta a distância entre os organismos e os seus
gametas ou propágulos (Neigel 1997); já o fluxo gênico se refere à dispersão efetiva, isto é, que se reflete
em mudanças na distribuição genética da população
(Broquet & Petit 2009; Neigel 1997). O termo dispersão também é mais comumente empregado para
448 ⁞ Genética nos estudos com polinização
designar o movimento de pólen dentro de populações
contínuas, enquanto o termo fluxo geralmente se
refere ao movimento entre populações (Neigel 1997).
Como previamente mencionado, a dispersão genética deve ocorrer em duas etapas para a informação
contida no gameta masculino ser transmitida para
as gerações futuras: a primeira via (polinização) e a
segunda via (dispersão de sementes) (Hamrick et al.
1993). Desta maneira, a contribuição da polinização
para a estrutura genética pode ser estudada para cada
um desses dois componentes. Ainda assim, a maioria
dos estudos é composta por estudos de polinização e
poucos avaliam a contribuição da polinização para
a estrutura genética das plantas recrutadas (Ashley
2010).
O estudo do movimento de pólen apresenta desafios principalmente logísticos, já que a marcação
e o rastreamento de grãos de pólen são, na prática,
uma tarefa difícil. Nesse âmbito, existem estudos que
aplicam técnicas indiretas para caracterizar o movimento da polinização que envolve o monitoramento
das atividades de animais polinizadores e a marcação
das fontes de pólen com corantes para identificar os
sítios de deposição desses grãos em estigmas de outras
plantas (Eguiarte et al. 1993; Murawski & Gilbert
1986; Parra et al. 1993). No entanto estudos que apenas aplicam essas técnicas não capturam o resultado
efetivo da polinização, não conseguem distinguir a
contribuição de diversas fontes para a fecundação e
não fornecem medidas de fluxo ou dispersão genética
(Campbell 1991).
O estudo do movimento contemporâneo de pólen pode ser mais precisamente mensurado a partir
da aplicação de marcadores moleculares para caracterizar geneticamente as progênies em populações
de plantas. O marcador molecular atualmente mais
utilizado para conduzir análises de paternidade é
o microssatélite (Pemberton 2008). A essência da
análise de fluxo gênico contemporâneo via polinização é a estimativa da distância percorrida pelo grão
de pólen desde o doador até a planta maternal. As
distâncias de polinização podem ser representadas
de maneiras distintas: 1) de modo discreto, a partir
de uma distribuição de frequências de distâncias
percorridas da qual se extrai a média ou mediana,
distância máxima e mínima (Carneiro et al. 2009;
De Lacerda et al. 2008; Gaino et al. 2010); e 2) a
partir de um modelo ajustado aos dados empíricos
para representar uma curva de polinização (Côrtes et
al. 2013; Oddou-Muratorio et al. 2005). Para isso a
modelagem se dá através de uma função de densidade
de probabilidade que relaciona a posição final do grão
de pólen à posição do adulto doador de pólen (i.e.,
pai) (Austerlitz et al. 2004). Além da distância da
polinização, outras métricas ajudam a caracterizar os
processos de fluxo gênico contemporâneo, incluindo: o número efetivo de doadores de pólen, taxa de
imigração e direção do movimento de pólen (García
et al. 2007; Streiff et al. 1999).
Alternativamente, dependendo da escala temporal e espacial de interesse, pode-se avaliar a influência
relativa do fluxo histórico de pólen e sementes na estruturação e diferenciação genética entre populações.
Essa abordagem é desenvolvida através da comparação
dos resultados usando concomitantemente marcadores moleculares com diferentes tipos de heranças:
materna (cpDNA, genoma do cloroplasto na maioria
das angiospermas e mtDNA, da mitocôndria em
muitas gimnospermas), paterna (cpDNA, do cloroplasto de muitas gimnospermas) e biparental (genoma
nuclear) (Petit et al. 2005). Marcadores de genoma
paternal são passados através do pólen, enquanto
os de genoma maternal, somente da dispersão de
sementes. Pode-se mensurar a importância relativa
da polinização e dispersão de sementes calculandose a razão entre as taxas estimadas de imigração de
Jaqueliny Zocca Canuto
♦
pólen e de sementes, utilizando os valores de Fst (ou
análogos) para os marcadores com heranças distintas
(Ennos 1994). Marcadores herdados maternalmente
geralmente revelam maior estruturação genética do
que marcadores herdados biparentalmente (por dispersão tanto de pólen quanto de sementes). Petit et al.
(2005), por exemplo, demonstraram que marcadores
de herança materna apresentaram quase 66% da variação total entre populações, em comparação com
apenas 16% para marcadores de herança biparental,
indicando que fluxo gênico histórico via pólen é,
geralmente, mais eficiente do que dispersão de sementes. Esse padrão também tem sido corroborado
por estudos mais recentes, como, por exemplo, para
a espécie epífita de orquídea Epidendrum firmum nos
complexos montanhosos da Costa Rica (Kartzinel
et al. 2013). Assim, os genomas de cloroplastos e
os genomas nucleares podem exibir marcadamente
diferentes padrões de estrutura genética espacial, em
particular nas espécies em que o pólen e os padrões
de dispersão de sementes são diferentes.
Amostragem e análises
De maneira geral, existem dois tipos de abordagem
para a avaliação do fluxo gênico contemporâneo: 1)
análise de paternidade (Meagher & Thompson 1987),
que permite a avaliação direta da distância, direção
e padrões espaciais de polinização e caracterização
da contribuição relativa de múltiplas fontes para a
população e planta; e 2) estrutura genética da nuvem
de pólen (conhecida como TwoGener), que permite
extrair o número efetivo de doadores e a distância da
dispersão de pólen (Smouse et al. 2001). Para cada
tipo de abordagem foram desenvolvidas análises e
modelos estatísticos para se inferir o pai de sementes
de mães conhecidas através da análise de genótipos multilócus ou estimar parâmetros de interesse,
Alessandro Alves-Pereira
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Marina Corrêa Côrtes ⁞
449
baseando-se em análise da estrutura genética da
nuvem de pólen fertilizando determinadas mães.
Algumas sínteses de fluxo gênico contemporâneo
via pólen podem ser encontradas para espécies polinizadas por vento (Bittencourt & Sebbenn 2007), para
análises de paternidade (Ashley 2010), para árvores
tropicais (Dick et al. 2008), para fluxo gênico e sistema reprodutivo (Ward et al. 2005), hibridização e
fluxo gênico entre plantas domesticadas e populações
naturais (Ellstrand 2003).
Análise de paternidade
A análise de paternidade é a atribuição ou alocação
da progênie (i.e., sementes ou plântulas) às fontes
doadoras de pólen (i.e., pais) que fertilizam um grupo
de plantas maternais. Para isso é necessário delimitar
uma área para o estudo. As dimensões da área vão
depender principalmente da espécie estudada, com
base na sua densidade natural e escala esperada da
polinização. Dentro dessa área devem-se mapear
e coletar amostras da progênie e respectiva planta
maternal, assim como todos os potenciais pais dentro
dessa área. Entre as diversas maneiras de se conduzir
as análises de paternidade, a mais simples é a exclusão
(Dow & Ashley 1998; Ellstrand & Marshall 1985;
Stacy et al. 1996). Nesse caso, o haplótipo paternal
de cada progênie (obtido através da subtração do
genótipo maternal) é comparado aos genótipos de
todos os potenciais pais na área de estudo. Qualquer
candidato que não compartilhar pelo menos um alelo
com a progênie em foco é excluído do grupo dos
candidatos (Jones et al. 2010). Na realidade, vários
estudos impõem um número maior de diferenças
alélicas para considerar possíveis erros de genotipagem
e mutações. Assim, uma vez obtidas a identificação e
a localização do pai, é possível traçar a distância entre
o doador (pai) e o receptador (mãe) do grão de pólen,
450 ⁞ Genética nos estudos com polinização
no entanto nem sempre a total exclusão é alcançada ou necessária (Marshall et al. 1998; Meagher &
Thompson 1987). Nesse caso o método de alocação
categórica pode ser usado para identificar o mais
provável pai entre os candidatos que não foram excluídos. As análises são conduzidas dentro de uma
abordagem de máxima verossimilhança em que, de
acordo com as regras de Mendel, se descreve a probabilidade de uma progênie obter certo genótipo a
partir do genótipo de um certo candidato a pai (Jones
et al. 2010). Esse método tem a vantagem de permitir a inclusão de erros associados à genotipagem de
microssatélites (erro de identificação de alelos e alelos
nulos), além de associar a identificação de parentesco
a um nível de confiança conhecido (Marshall et al.
1998). Esse método é um dos mais utilizados entre
os estudos de fluxo gênico contemporâneo via pólen
(Jha & Dick 2010; Kalinowski et al. 2007; Kenta
et al. 2004; Marshall et al. 1998; Ottewell et al.
2012) e tem sido bastante utilizado para caracterizar
a dispersão de pólen em espécies brasileiras, como a
araucária Araucaria angustifolia, que apresentou uma
distância média de polinização de 102 m dentro da
área amostrada (Bittencourt & Sebbenn 2008); a
árvore dioica Myracrodruon urundeuva, que apresentou uma distância média de polinização de 252 m
(Gaino et al. 2010); e o baru, Dypterix alata, árvore
do Cerrado polinizada por insetos que apresentou
uma longa distância de polinização, com média de
610 m (Tarazi et al. 2010).
Um dos problemas associados com análise de
paternidade é quando o número de potenciais pais
é muito alto, fazendo que aumente a chance de duas
plantas não aparentadas compartilharem o mesmo
genótipo. Fluxo gênico críptico é quando uma semente ou plântula é atribuída a um parental dentro
da parcela amostrada, mas que na verdade o pólen imigrou de fora da área de estudo. Caso não
considerado, o fluxo gênico total é subestimado. A
probabilidade de atribuir parentesco a uma planta
não aparentada pode ser estimada para cada relação
progênie-pai utilizando-se as frequências alélicas da
população (Dow & Ashley 1996). Alternativamente, é
possível incluir a probabilidade de imigração de pólen
explicitamente em modelos de análise de paternidade,
como os descritos a seguir.
Uma abordagem integrativa é a análise completa
de probabilidade de parentesco. Essa abordagem permite mensurar a contribuição relativa da dispersão de
pólen e semente para a estrutura genética de plantas
recrutadas, e desta maneira é mais indicada para se
avaliar a dispersão genética efetiva. Essa análise é
feita dentro de uma abordagem de modelagem em
que tanto as relações de paternidade quanto outros
parâmetros populacionais de interesse são estimados
simultaneamente utilizando-se informações genéticas
e ecológicas e incorporando-se incertezas ao redor
dos valores obtidos (Hadfield et al. 2006; Jones et al.
2010; Moran & Clark 2011). Essa abordagem tem se
mostrado cada vez mais informativa para se entender
como os processos ecológicos influenciam os padrões
genéticos da polinização. Alguns modelos específicos têm sido desenvolvidos para acomodar uma
série de variáveis importantes na descrição do fluxo
gênico por pólen e também sementes. Por exemplo,
o modelo de vizinhança utiliza uma abordagem de
máxima verossimilhança para estimar parâmetros
reprodutivos que descrevem padrões de parentesco
de progênies distribuídas espacialmente em uma área
de estudo (Burczyk et al. 2006). De maneira geral,
a probabilidade de se observar um genótipo de uma
progênie em um determinado local vai depender do
genótipo dos pais candidatos dentro da parcela, da
frequência alélica da população, taxas de imigração
e autofecundação, além de outros parâmetros que
descrevam o movimento de pólen e sementes e o
Jaqueliny Zocca Canuto
♦
sucesso reprodutivo dos parentais. O movimento
de pólen e sementes é geralmente definido a partir
dos parâmetros das curvas de densidade de probabilidades da dispersão (Austerlitz et al. 2004) e o
sucesso reprodutivo é relacionado com características
fenotípicas das plantas, como tamanho da planta,
produção de pólen e fenologia (Burczyk et al. 2006;
Chybicki & Burczyk 2010b; Moran & Clark 2011;
Oddou-Muratorio et al. 2005). Essa abordagem flexível e integrativa permite uma análise mais realista
dos processos de dispersão genética, no entanto ainda
é pouco utilizada para caracterizar a polinização de
espécies brasileiras. Um exemplo é o estudo feito
com a espécie de sub-bosque amazônico Heliconia
acuminata, polinizada por beija-flores. Informações
genéticas, fenológicas e a posição espacial das plantas
foram levadas em consideração para avaliar a variação
na polinização e dispersão de sementes em relação
à variação na densidade de plantas reprodutivas ao
longo de uma paisagem experimentalmente fragmentada (Côrtes et al. 2013).
Análise de nuvem de pólen
Historicamente, com o intuito de conduzir análises
completas de paternidade (quando cada progênie é
atribuída a um único pai), muitos estudos focaram
em populações pequenas e isoladas para facilitar a
amostragem completa dos potenciais pais. No entanto
grande proporção de pólen provém de fontes localizadas fora das parcelas de estudo. Embora a análise
de paternidade permita obter a taxa de imigração,
em muitos casos não é possível estimar com precisão
de onde o pólen imigrante está vindo (Smouse &
Sork 2004). Esse enfoque mais local pode inviabilizar a análise mais detalhada da cauda da dispersão
(eventos de longa distância e imigração de pólen) e
os estudos em escala de paisagem (Sork et al. 1999).
Alessandro Alves-Pereira
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Marina Corrêa Côrtes ⁞
451
Outros modelos foram desenvolvidos e requerem um
poder menor de resolução da bateria de marcadores
genéticos, além de possibilitar a análise de fluxo de
pólen através de uma menor amostragem de indivíduos na área de estudo. Esse método baseia-se na
análise da heterogeneidade das nuvens de pólen que
chegam a plantas reprodutivas e mescla a análise
de paternidade com a análise da estrutura genética
(Chybicki 2013; Smouse et al. 2001). Embora essa
análise não forneça a identificação e a localização
específica do pai, é possível estimar o número médio
efetivo de doadores de pólen, o tamanho efetivo da
vizinhança e, através dessas informações, modelar
a curva de dispersão de pólen de acordo com uma
função de probabilidade-densidade (Austerlitz &
Smouse 2002; Smouse et al. 2001).
A ideia é que plantas maternais distribuídas
no ambiente amostrem composições parcialmente
ou completamente diferenciadas de grãos de pólen,
como se essas plantas fossem armadilhas de pólen.
Para avaliar a composição e sobreposição de genótipos paternais entre mães diferentes, é ideal que um
grupo de sementes seja amostrado de cada planta e
que essas plantas estejam distribuídas de maneira
representativa na população (plantas espaçadas e
também agrupadas) (Smouse et al. 2001). Assim,
analisa-se a heterogeneidade das contribuições paternais nas sementes entre diferentes plantas-mãe,
de maneira que a amostragem de potenciais pais não
é necessária, como na análise de paternidade. Essa
abordagem, por amostrar plantas bem distribuídas
espacialmente, permite a análise em uma escala mais
ampla e muitas vezes mais representativa dos processos
ocorrendo na população (Smouse & Sork 2004; Sork
& Smouse 2006).
A maneira mais comumente utilizada para analisar a heterogeneidade da nuvem de pólen é aplicando a abordagem TwoGener (Austerlitz & Smouse
452 ⁞ Genética nos estudos com polinização
2001; 2002; Smouse et al. 2001). O primeiro passo
da análise é computar a distância genética entre todos os haplótipos paternais encontrados na amostra
de progênies. Os haplótipos paternais são obtidos
da mesma maneira que na análise de paternidade:
subtraindo-se o genótipo maternal do genótipo
da progênie. A distância genética é uma matriz de
número de alelos não compartilhados entre os dois
pais para todos os lócus utilizados. A estruturação
da composição de pólen é representada pela fração
da variação genética devido à subdivisão maternal
relativa à variação total na população. Tal avaliação
é feita através de uma análise molecular de variância (AMOVA) utilizando-se a matriz de distância
genética (Excoffier et al. 1992). Essa métrica de
estruturação de pólen (Φft) pode ser convertida em
uma estimativa de número médio de doadores de
pólen para a população (Nep) (Austerlitz & Smouse
2001). O número médio de doadores de pólen é
geralmente menor do que o de pais amostrados
no estudo devido à heterogeneidade reprodutiva
entre os doadores de pólen (Oddou-Muratorio et al.
2005). É possível também obter a distância média
de polinização (δ) utilizando-se Nep e a ideia de que
a divergência entre mães (probabilidade de que dois
gametas amostrados de duas mães diferentes provêm
de um mesmo doador) é associada com a distância
física entre elas e a distribuição das distâncias de
polinização. Para isso uma função de probabilidadedensidade deve ser adotada (Austerlitz & Smouse
2001; 2002).
O grau de coancestralidade e a estruturação genética espacial desses doadores de pólen podem inflar
os resultados de estruturação de pólen (Smouse &
Sork 2004), no entanto existem maneiras de avaliar
os efeitos dos gradientes ecológicos, demográficos e
ambientais na estruturação genética de pólen que
permitem não apenas descrever padrões gerais de
dispersão, mas também de testar hipóteses sobre
quais fatores influenciam os processos genéticos da
polinização (Dyer et al. 2004).
Assim como a atribuição categórica, a caracterização da nuvem de pólen tem sido feita para algumas espécies brasileiras. Por exemplo, Carneiro et al.
(2007) utilizaram modelos exponenciais para estimar
o número efetivo de doadores de pólen, densidade de
plantas reprodutivas e distância de polinização para
a árvore amazônica Symphonia globulifera em dois
anos consecutivos. Encontraram um baixo número
de doadores e uma maior distância de polinização no
primeiro em comparação ao segundo ano (444 m e
154 m, respectivamente) devido à menor densidade
de plantas reprodutivas no primeiro ano (Carneiro
et al. 2007). Outras espécies brasileiras analisadas
utilizando a abordagem TwoGener são Dinizia excelsa (Dick et al. 2003), Bagassa guianensis (Silva et
al. 2008) e Araucaria angustifolia (Bittencourt &
Sebbenn 2008).
Perspectivas para o campo de
genética da polinização
O Brasil tem sofrido drásticas modificações ambientais, com altas taxas de desmatamento devido
à expansão do agronegócio e à urbanização, assim
como intensa extração de recursos naturais por meio
de caça, extrativismo e corte seletivo de árvores para
exploração madeireira (Canale et al. 2012; Whitmore
1997). Os ambientes, agora altamente dominados
pelo homem, modificam a maneira pela qual os organismos respondem às mudanças globais e como
interagem entre si. Nesse contexto, um dos maiores
desafios dos estudos de ecologia, biologia e genética
da conservação é entender como esses organismos
persistem frente a essas alterações e, por conseguinte,
Jaqueliny Zocca Canuto
♦
Alessandro Alves-Pereira
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Marina Corrêa Côrtes ⁞
453
aplicar esse conhecimento para manejar populações
e comunidades, assim como os serviços que eles proveem para o ecossistema.
migração, fluxo gênico e de proporção de mistura em
indivíduos e populações que sofreram introgressão
(Allendorf et al. 2010).
As perspectivas para o campo de genética da
polinização são várias. Precisamos de mais estudos
de base para aumentar nosso conhecimento sobre a
história natural da diversa flora brasileira, mas também necessitamos de mais estudos interdisciplinares,
que aprofundem a compreensão sobre os processos
ecológicos e genéticos em múltiplas escalas temporais
e espaciais.
Além de desenvolver marcadores, NGS pode
ajudar no descobrimento de genes candidatos para
características de plantas (Bräutigam & Gowik
2010) e mecanismos associados à polinização, principalmente em plantas não modelos (Arabidopsis
thaliana). Isso é possível através de várias técnicas,
como o sequenciamento de várias regiões do genoma e a comparação entre diferentes indivíduos para
uma mesma característica. Essa comparação pode
indicar os lócus associados com aquela característica (Davey & Blaxter 2011). Esse tipo de questão
é especialmente importante frente às rápidas mudanças ambientais, levando a mudanças rápidas na
distribuição da frequência alélica, fenologia, sistema
reprodutivo e características fenotípicas (Holtsford
& Ellstrand 1992; Roels & Kelly 2011; Shimizu et
al. 2011). Dentro desse contexto, algumas questões
se destacam, como, por exemplo, quais são as bases
moleculares e genéticas das variações fenotípicas,
como morfologia, coloração, produção de néctar e
perfume floral? Como a perda, redução e mudança
comportamental de polinizadores afetam o sistema
reprodutivo, a dispersão genética e a estrutura genética
de populações?
O contínuo avanço tecnológico, computacional
e analítico tem permitido que muitas questões sejam
respondidas de maneira mais eficiente e, sobretudo,
tem aberto novos caminhos para pesquisas inovadoras
(Andrew et al. 2013). Um grande avanço recente é
referente às tecnologias genômicas no sequenciamento
de nova geração (NGS), que possuem importantes
aplicações para a ecologia molecular e genética da
conservação (Ouborg et al. 2010; Tautz et al. 2010;
Allendorf et al. 2010). De maneira geral, tecnologias
de NGS permitem a análise de muitas sequências
de DNA. Algumas das vantagens são a descoberta
e a utilização de centenas de marcadores (p. ex.,
microssatélites e SNPs) em populações de plantas
não modelo (Davey & Blaxter 2011; Gardner et al.
2011). A observação simultânea de vários marcadores
em vários indivíduos pode permitir uma análise mais
eficiente, rápida e acurada de paternidade e endogamia
em populações naturais (Allendorf et al. 2010). Por
exemplo, podem-se determinar com grande precisão
os doadores específicos dos grãos de pólen na carga de
pólen em um único estigma devido ao grande poder
de resolução que centenas de marcadores fornecem
(ver Karron et al. 2012, para uma revisão sobre novas
perspectivas para estudos sobre a evolução de sistemas
reprodutivos). Uma bateria maior de marcadores
também permite uma melhor estimativa de taxa de
A genética e a genômica da paisagem constituem um ramo da ecologia molecular que usa os
padrões de variação neutra e adaptativa ao longo
do genoma para quantificar os efeitos dos atributos
da paisagem no fluxo gênico e a variação genética
espacial (Manel et al. 2010; Sork et al. 2013). Essa
abordagem é interessante, pois leva em consideração
as características ambientais e a posição espacial dos
indivíduos e populações, geralmente distribuídos
em paisagens ao longo de um gradiente de seleção.
Nessa abordagem, algumas questões pertinentes a
454 ⁞ Genética nos estudos com polinização
serem trabalhadas são: quais são as consequências
evolutivas para populações localizadas em ambientes
altamente modificados (pós-fragmentação florestal,
extirpação de polinizadores, corte seletivo de árvores)? Como varia o sistema reprodutivo, polinização
e conectividade genética entre populações de acordo
com variáveis da paisagem (e.g., cobertura florestal,
conectividade estrutural)?
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O campo de genética da polinização é vasto e
pode se beneficiar da integração entre diversas disciplinas (ecologia molecular, ecologia da polinização,
genética da paisagem, botânica, comportamento animal, modelagem). Uma boa pesquisa vai depender da
colaboração entre trabalho de campo (observacional
e experimental), assim como do trabalho laboratorial. Mas, sobretudo, é essencial que a pesquisa seja
fundamentada sobre uma base teórica e analítica
adequada que permita não apenas descrever padrões,
mas também compreender os mecanismos que geram
esses padrões.
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Glossário
Alelos – formas variantes de um gene localizadas em
um mesmo lócus de cromossomos homólogos do
genoma das espécies. Em genética de populações
também são formas variantes de uma determinada
sequência, marcador molecular ou, ainda, de uma
mesma posição nucleotídica.
Autoincompatibilidade gametofítica – a autoincompatibilidade (AI) é a incapacidade de uma planta
fértil formar sementes quando fertilizada por seu
próprio pólen. É um mecanismo fisiológico, com
base genética, que promove a alogamia. Na autoincompatibilidade gametofítica, os tubos polínicos
só irão crescer e só irá ocorrer fecundação se o alelo
presente no grão de pólen não estiver presente no
tecido diploide do estilete.
Autoincompatibilidade esporofítica – na autoincompatibilidade esporofítica, a especificidade do pólen
é determinada pelo genótipo diploide do esporófito,
Alessandro Alves-Pereira
♦
Marina Corrêa Côrtes ⁞
459
isto é, da planta-mãe, Portanto, o que determinará
a ocorrência ou não de AI não será o alelo que o
pólen carrega, mas, sim, os alelos presentes no tecido
diploide da planta.
Deriva – flutuação aleatória nas frequências alélicas de
uma população com o passar das gerações, devido
aos efeitos da amostragem aleatória.
Exocruzamentos – em genética de populações, é o oposto do endocruzamento, ou seja, cruzamento entre
indivíduos geneticamente não aparentados ou distantemente aparentados.
Fst (ou análogos) – A estimativa de Fst é a proporção
da variância genética entre populações dentro de
uma região em relação à variância total (revisão em
Holsinger & Weir 2009). Os índices de fixação Fst
e seus análogos (Gst, R st) variam de 0 (panmixia
entre todas as subpopulações) a 1 (completo isolamento entre subpopulações). Nesse caso, valores de
Fst iguais a zero indicam que não há diferenciação
entre grupos, sugerindo que a classificação, a priori,
de subpopulações é arbitrária e apenas representa
uma amostra do conjunto genético total.
Genótipo – conjunto de alelos para um mesmo lócus
apresentado por um indivíduo.
Haplótipo – conjunto de um dos alelos revelados pela
genotipagem para todos os marcadores moleculares
microssatélites, considerados um único bloco, e que
representam os alelos herdados de uma das linhagens parentais. Para marcadores cloroplastidiais, é o
conjunto de alelos revelados por todos os marcadores
avaliados.
Lócus – referente a uma determinada posição ao longo
do genoma.
Marcadores codominantes – marcadores moleculares são
definidos como todo e qualquer fenótipo molecular
oriundo de um gene expresso ou de um segmento específico de DNA (correspondente a regiões expressas
ou não do genoma). Os marcadores codominantes
conseguem distinguir o genótipo heterozigótico do
homozigótico dominante.
460 ⁞ Genética nos estudos com polinização
Migração – em genética populacional, a migração, o
movimento (permanente) de genes para dentro ou
fora de uma população.
Mutações gênicas – quando o DNA parental é copiado para formar nova molécula, normalmente
ele é copiado com exatidão. Mutação é qualquer
mudança na nova molécula de DNA em relação
à molécula parental. As mutações podem alterar
uma única base ou nucleotídeos, ou curtos segmentos de bases.
Ploidia – a ploidia pode ser definida como número de
pares de cromossomos homólogos (cromossomos
que têm informação para os mesmos genes e têm o
mesmo tamanho) que cada célula apresenta.
Seleção – sobrevivência e reprodução diferencial entre indivíduos dentro de populações de uma mesma espécie.
Síndrome de polinização – conjunto de características morfológicas, anatômicas e químicas que estão
relacionadas com a forma e o comportamento do
agente polinizador.
Tamanho efetivo da vizinhança reprodutiva – tamanho
efetivo da vizinhança reprodutiva (Nb): representado
pela área em que as plantas parentais de uma unidade
pan-mítica dentro de uma população podem ser
amostradas aleatoriamente. O centro da área é localizado em uma planta-mãe determinada. Também se
pode estimar o número efetivo de parentais dentro
da vizinhança reprodutiva (Nep).
Foto: Márcia Maués
*
Capítulo 21
*
Economia e polinização:
custos, ameaças e alternativas
Márcia Motta Maués
Embrapa Amazônia Oriental, Laboratório de Entomologia – Trav. Dr. Enéas Pinheiro, s/n – CEP: 66095-105 – Belém-PA – Brasil.
e-mail: marcia.maues@embrapa.br
A
polinização é um dos serviços ambientais essenciais para o bem-estar do homem, pois um terço dos
principais produtos agrícolas que consumimos depende da ação dos polinizadores. Os requerimentos
específicos de polinização e a proporção de autopolinização ou polinização cruzada variam de acordo com as
espécies vegetais ou variedades cultivadas. Entre os agentes polinizadores, as abelhas se destacam por dominarem a polinização em áreas agrícolas, e muito se tem discutido sobre o possível declínio de suas populações
naturais devido a uma série de fatores ambientais, fitossanitários e de manejo inadequado. A abordagem mais
recente sobre a valoração dos serviços prestados pelos polinizadores estimou em €153 bilhões por ano, ou 9,5%
de toda produção agrícola mundial, e, se for calculada a perda de excedente para os consumidores em termos
de bem-estar da população, esses valores estariam entre €190 e €310 bilhões respectivamente. Estudos advertem que na ausência de polinizadores, haveria um impacto de 3% a 8% de decréscimo na produção agrícola
mundial, afetando sua quantidade e diversidade. A pressão pela abertura de novas áreas agrícolas como forma
de compensar o déficit de polinizadores aumentaria a fragmentação do habitat, causando inúmeros impactos
negativos para esses animais. Para que haja uma população viável de agentes polinizadores nas áreas cultivadas,
é importante haver fontes de povoamento desses agentes nas redondezas e condições favoráveis para que esses
animais permaneçam nas proximidades dos plantios.
462 ⁞ Economia e polinização: custos, ameaças e alternativas
A importância da polinização
A polinização é um dos serviços ambientais fundamentais para o homem, uma vez que um terço dos
principais produtos agrícolas que fazem parte direta
ou indiretamente da alimentação humana depende da
ação dos polinizadores (McGregor 1976; Klein et al.
2007). Espécies vegetais de importância econômica
podem ser autoférteis (autocompatíveis), produzindo
frutos e sementes com seu próprio pólen por meio
de autofertilização, autoestéreis (autoincompatíveis),
necessitando receber pólen de outras plantas da mesma espécie em um processo chamado de polinização
cruzada, ou, ainda, não depender da fertilização para
o desenvolvimento dos frutos, produzindo-os quase
sempre sem sementes, de forma natural ou artificialmente induzida (partenocárpicas). Determinadas
espécies autocompatíveis são polinizadas automaticamente com pólen de suas flores (autopolinização),
mas muitas vezes a estrutura morfológica das flores
apresenta barreiras, impedindo que o pólen seja naturalmente transferido das anteras ao estigma da
mesma flor sem a intervenção de agentes externos,
aqui representados pelos polinizadores, que podem
ser abióticos (vento, água e gravidade) e/ou bióticos
(animais). Além disso, as plantas autoférteis podem
produzir frutos ou sementes em maior quantidade e
com melhor qualidade quando recebem a polinização cruzada e não somente a autopolinização (Free
1993). No caso das plantas autoestéreis, elas dependem integralmente dos polinizadores para atuarem
como mediadores do transporte de pólen necessário à
fecundação e à formação de frutos e sementes viáveis,
uma vez que, na condição de indivíduos sésseis, as
plantas não podem, por si sós, buscar seus parceiros
sexuais como fazem os animais.
As interações planta/polinizador podem ser
consideradas as mais importantes do ponto de vista
econômico, entre todas as interações planta/animal
(Kearns et al. 1998), já que promovem a diversidade
genética vegetal, incrementando a resiliência dos
ecossistemas terrestres, além de proverem benefícios
na produção de alimentos, fibras e medicamentos
(através dos princípios ativos encontrados nas plantas) (Millenium Ecosystem Assessment 2005). Das
cerca de 352 mil espécies válidas de angiospermas no
mundo, um total de 308.006 espécies, que representam 87,5% daquele conjunto, depende dos agentes
de polinização para se reproduzir, e esse número irá
variar entre 78% nas comunidades distribuídas em
zonas temperadas e 94% nas comunidades tropicais
(Ollerton et al. 2011). Considerando apenas as plantas
cultivadas polinizadas por animais, Roubik (1995)
aponta que 70% de um total de 1.330 cultivos nas regiões tropicais produzem frutos e sementes em maior
quantidade e com melhor qualidade, enquanto na
Europa 85% de duzentos e sessenta e quatro cultivos
também são beneficiados pelos serviços prestados
pelos polinizadores (Williams 1994). Esses números
são confirmados pelo trabalho feito por Klein et al.
(2007) sobre a importância dos polinizadores para
os principais cultivos agrícolas listados pela Food
and Agriculture Organization (FAO) até 2004 em
duzentos países, representando até 99% da produção
total de alimentos no mundo (cento e trinta e sete
culturas), mostrando que oitenta e sete (63%) dos
frutos, vegetais e sementes consumidos pelo homem
são dependentes ou beneficiados pelos polinizadores,
e outros vinte e oito (20%) dependem da polinização
abiótica, restando apenas 17% de plantas que não
dependem da polinização cruzada, aqui incluídas
plantas partenocárpicas e autógamas.
Por outro lado, ao se comparar a produção global de alimentos em volume, observa-se que “tão
somente” 35% (um terço) dependem da ação dos
polinizadores (Klein et al. 2007). Há quase quarenta
Márcia Motta Maués ⁞
anos, McGregor (1976) listou doze cultivos como
responsáveis por 90% de todo o alimento consumido no mundo, incluindo cereais como arroz, trigo,
milho, sorgo, milheto, centeio e cevada; tubérculos
como batata, batata-doce, mandioca; e frutas como
banana e coco. Uma vez que os grãos são polinizados
pelo vento ou produzidos por autopolinização – o
coqueiro é uma planta ambófila (polinizada pelo
vento e por insetos) e as outras plantas são propagadas
assexuadamente ou por paternocarpia –, aparentemente a polinização entomófila pouco contribuiria
para suprir a demanda por alimento no mundo.
Porém nem só de grãos, batata, mandioca, banana
e coco vive o homem. Para uma vida saudável recomenda-se que tenhamos uma alimentação balanceada
e, para atender ao bem-estar do homem, promover
hábitos alimentares diversificados e garantir riqueza gastronômica regional, nossa dieta reúne grãos,
frutas, vegetais, legumes, especiarias, oleaginosas,
além da proteína animal, que indiretamente dependem de plantas beneficiadas pelos polinizadores. A
diversidade de alimentos que colocamos na mesa
corre riscos se houver um declínio nas populações
de polinizadores (Steffen-Dewenter et al. 2005). A
abordagem mais recente sobre a valoração dos serviços prestados por estes agentes está estimada em €153
bilhões por ano, ou 9,5% de toda a produção agrícola
mundial (Gallai et al. 2009), e se for calculada a
perda de excedente para os consumidores em termos
de bem-estar da população, esses valores estariam
entre €190 e €310 bilhões com base na elasticidade
média dos preços de 1,5 a 0,8, respectivamente (ou
seja, o quanto seria pago pelo homem para substituir
os serviços que são prestados sem custo monetário
pelos polinizadores). Os autores mencionam ainda
que, para se produzir uma tonelada de alimento nas
culturas que não dependem da polinização entomófila, o custo é de €151 bilhões, enquanto naquelas
dependentes dos polinizadores o valor estimado
463
é de €761 bilhões em média, ou seja, cinco vezes
mais. Numa situação hipotética de ausência total
de polinizadores, haveria um impacto de 3% a 8%
de decréscimo na produção agrícola mundial, afetando a quantidade e diversidade, de acordo com
uma análise de quarenta e seis anos de dados sobre
oitenta e sete plantas cultivadas (Aizen et al. 2009).
Além disso, haveria uma pressão para ampliação de
áreas agrícolas como forma de compensar o deficit
de polinizadores, causando maiores impactos em
nível de comunidades e fragmentação do habitat.
Os requerimentos específicos de polinização e a
proporção de autopolinização ou polinização cruzada
variam de acordo com as espécies vegetais ou variedades. Juntamente com a fitossanidade, a polinização
adequada é condição sine qua non para garantir a
boa produtividade e proporcionar maior ou menor
recompensa ao produtor. Assim, qualquer declínio na
abundância dos polinizadores pode comprometer a
produção agrícola global e a integridade dos ecossistemas naturais, levando a prejuízos incomensuráveis
(Kearns et al. 1998; Kremen & Ricketts 2000).
O papel dos polinizadores na
agricultura
Segundo a FAO (2004), aproximadamente 73% das
espécies vegetais cultivadas no mundo são polinizadas
por alguma espécie de abelha, 19% por moscas, 6,5%
por morcegos, 5% por vespas, 5% por besouros, 4%
por pássaros e 4% por borboletas e mariposas.
Em escala global, a abelha-europeia ou abelhamelífera, Apis mellifera Linnaeus 1758, vinha sendo
considerada a principal responsável pela polinização
de plantas agrícolas (Free 1993; McGregor 1976;
Corbett et al. 1991). Porém, mais recentemente, diversos autores vêm contestando essa afirmação, pois
464 ⁞ Economia e polinização: custos, ameaças e alternativas
novos estudos revelaram que a grande diversidade
de abelhas silvestres sociais, como as mamangavas
do gênero Bombus e as abelhas indígenas sem ferrão
(Apidae: Meliponina), bem como as abelhas solitárias dos gêneros Xylocopa, Osmia, Nomia, Megachile,
Epicharis, Peponapis, Centris, entre outros, são, de
fato, os principais polinizadores de plantas cultivadas
e naturais (Kremen 2005; Potts et al. 2010; Ollerton
et al. 2012). A grande vantagem da A. mellifera em
relação à maioria das outras abelhas é a sua criação
racional, o que facilita o manejo e o uso na polinização, além do aproveitamento dos produtos da colmeia
– mel, pólen, própolis (Free 1993). Entretanto seu
papel na polinização pode estar sendo superestimado, como apontado por Ollerton et al. (2012), com
base nos estudos realizados por Breeze et al. (2011)
no Reino Unido. No Brasil, onde A. mellifera é uma
espécie exótica conhecida pelo nome de abelha-africanizada, abelha-europa ou abelha melífera, apesar
de sua enorme contribuição para a polinização de
diversas culturas igualmente não nativas como a
maçã (Malus domestica Linnaeus) (Fig. 21.1 E), a
laranja (Citrus sinensis [Linnaeus] Osbeck), o melão
(Cucumis melo Linnaeus) e a canola (Brassica napus
Linnaeus e Brassica rapa Linnaeus) (De Jong et al.
2006; Gonçalves & De Jong 2007), seu papel na polinização de plantas nativas é controverso, pois, como
esta abelha foi introduzida, não foram estabelecidas
as legítimas interações planta-polinizador esperadas
para indivíduos que evoluíram juntos.
um novo tipo de negócio da indústria entomológica,
prevendo um giro de até U$ 1.000.000,00 por ano
entre gastos e benefícios.
As abelhas representam uma enorme diversidade
de espécies (cerca de 20 mil), de comportamento e
níveis de sociabilidade (Michener 2000). Além do uso
em larga escala da abelha melífera (A. mellifera), o
manejo de abelhas silvestres para fins de incremento
de produção agrícola é uma atividade recente, que
vem sendo incentivada desde a década de 1970, como
relatado por Bohart (1972), que a descrevia como
Iniciativas para a criação de mamangavas europeias do gênero Bombus na Nova Zelândia datam
de 1880, com a introdução de colônias em cultivos
de trevo (Rhizobium trifolii Dangeard) com ótimos
resultados (Bohart 1972). Abelhas do gênero Bombus
polinizam mais de vinte e cinco espécies de plantas
cultivadas no mundo todo, incluindo mirtilo, oxicoco, morango, ameixa, melão, melancia, abobrinha,
Na região Neotropical as abelhas que têm sido
criadas desde a época pré-colombiana são as abelhas indígenas sem ferrão, ou meliponíneos (Apidae,
Meliponina) (Posey 1986). Seu papel na polinização
das angiospermas é indiscutível, com grande participação na polinização de plantas agrícolas (Heard
1999), e sua eficiência está relacionada à interdependência entre essas abelhas e os recursos florais
ofertados, como néctar, pólen, resina, óleo, auxiliada
pelas adaptações morfológicas para exploração desses
recursos, sua fisiologia e comportamento (Silveira et
al. 2002). O uso das abelhas sem ferrão, apesar de
incipiente, já demonstra grande potencial. A espécie
Scaptotrigona mexicana (Guérin-Meneville, 1845)
tem sido usada para a polinização do abacate (Persea
americana Miller) no México, na Austrália e em Israel,
para onde é exportada (Imperatriz-Fonseca 2005).
No Brasil e Japão, a iraí (Nannotrigona testaceicornis
[Lepeletier, 1836]) e a jataí (Tetragonisca angustula
[Latreille, 1811]) são utilizadas em cultivos protegidos
de morango (Fragaria X ananassa Duch.) (Maeta et
al. 1992; Malagodi-Braga & Kleinert 2004; Antunes
et al. 2007). A jandaíra (Melipona subnitida Ducke,
1910) e a boca-de-sapo (Partamona cupira [Smith,
1863]) já foram também usadas com sucesso na polinização de pomares de goiaba (Psidium guajava
Linnaeus) (Alves & Freitas 2006).
Márcia Motta Maués ⁞
465
A
B
C
D
E
F
Figura 21.1 Polinizadores de plantas cultivadas: (A) Apis mellifera L. visitando flor de cajueiro (Anacardium occidentale). (B)
Centris sp. em aproximação à flor de aceroleira (Malpighia emarginata). (C) Xylocopa frontalis visitando a flor do maracujazeiro
(Passiflora edulis). (D) Apis mellifera em flor de soja (Glicine max). (E) Apis mellifera em flor de macieira (Malus domestica). (F)
Melipona subnitida em flor de urucuzeiro (Bixa orellana). A, B, C e F: crédito de Breno M. Freitas. D: crédito de Marcelo Milfont.
E: crédito de Rodrigo Rocha.
466 ⁞ Economia e polinização: custos, ameaças e alternativas
pimentão, tomate, alfafa, trevo, algodão e girassol
(Evans 2010). Como se adaptam muito bem em
casas de vegetação, já existem empresas que comercializam colônias de Bombus impatiens Cresson,
1863, B. terrestris Linnaeus, 1758 e B. occidentalis
Greene, 1858, para uso nessas condições, mas a falta
de cuidados para evitar que essas abelhas escapem
dos ambientes protegidos e passem a colonizar na
natureza tem levado a situações que as tornaram
espécies invasoras. O primeiro registro de B. terrestris
na Argentina está relacionado à importação dessas
abelhas pelo Chile em 1998. De alguma forma elas
escaparam e colonizaram livremente, atravessando
a cordilheira dos Andes e chegando até a Patagônia,
em 2006 (Torretta et al. 2006), onde competem
por recursos florais com as abelhas nativas, tendo a
grande vantagem de se adaptarem a temperaturas
que variam entre -10°C e 32°C e não dependerem
da radiação solar para forragear, sendo capazes de
coletar recursos florais até mesmo em dias nublados ou chuvosos (Winter et al. 2006). Saraiva et al.
(2012) traçaram as rotas possíveis para migração
dessa espécie na América do Sul, especialmente no
Brasil, e o cenário mostra que os estados das regiões
Sul e Sudeste podem ser perfeitamente colonizados
por essa espécie. Ainda não há metodologias bem
estabelecidas para o manejo de espécies nativas de
Bombus no Brasil, onde existem seis espécies, todas
pertencentes ao subgênero Fervidobombus: atratus
Franklin, 1913, bellicosus Smith, 1879, brasiliensis
Lepeletier, 1836, brevivillus Franklin, 1913, morio (Swederus, 1787) e transversalis (Olivier, 1789)
(Moure & Sakagami 1962)
Entre as abelhas solitárias, os polinizadores de
alfafa (Medicago sativa) são abelhas gregárias das espécies Megachile rotundata (Fabricius, 1793) e Nomia
melanderi Cockerell, 1906 que constroem seus ninhos escavando o solo, sendo muito exigentes quanto
ao tipo e às condições de solo, aceitando nidificar
apenas em solos aerados, ligeiramente úmidos, sem
camada superficial de sal e em áreas com cobertura
vegetal esparsa ou ausente. Sua distribuição geográfica
abrange parte dos EUA e do México, não ocorrendo
no Brasil (Free 1993). Algumas práticas vêm sendo
adotadas por produtores de alfafa, entre as quais a
preservação de locais de nidificação naturais próximos aos seus cultivos, o estabelecimento de plantios
nas vizinhanças de agregações de ninhos naturais,
a manutenção de áreas limpas no entorno das áreas
cultivadas para incentivar a nidificação espontânea,
ou mesmo a criação de locais artificiais de nidificação,
escavando grandes segmentos de solo inadequados
para a nidificação dessas abelhas ou substituindo-os
por materiais favoráveis à nidificação (O’Toole &
Raw 1991; Free 1993; Cane 2008).
No Japão e nos EUA, as abelhas cortadeiras do
gênero Osmia são manejadas para a polinização de
amêndoa (Prunus amygdalus Batsch), cereja (Prunus
avium L.), ameixa (Prunus domestica L.), pera (Pyrus
communis L) e maçã (Malus domestica Borkh) (Torchio
1976; 1979; 1984; Bosch & Kemp 1999).
No Brasil, as abelhas solitárias, como as dos
gêneros Xylocopa, Epicharis, Eulaema e Centris,
são polinizadores muito importantes do cajueiro
(Anacardium occidentale Linnaeus) (Fig. 21.1 A),
muricizeiro (Byrsonima crassifolia [Linnaeus] Rich)
e aceroleira (Malpighia emarginata DC) (Fig. 21.2
B) (Freitas & Pereira 2004; Vilhena & Augusto
2007), bem como do maracujazeiro (Passiflora spp.)
(Fig. 21.1 C) (Freitas & Oliveira-Filho 2003) e da
castanheira-do-brasil (Bertholletia excelsa Bonpland)
(Figs. 21.3 A-C) (Maués 2002; Cavalcante et al.
2012). O manejo de Centris e Xylocopa para a polinização de muricizeiro e aceroleira, como proposto por
Buchmann (2004), já foi comprovado com estudos
experimentais (Magalhães & Freitas 2013) apenas
Márcia Motta Maués ⁞
em plantios de aceroleira, mas não há registros de sua
utilização por agricultores. As áreas cultivadas com
castanheira-do-brasil ainda são escassas e restritas
ao bioma Amazônia. O cumprimento da lei sobre a
proteção da vegetação nativa (Lei nº 12.651/2012),
com área de reserva legal de 80% na propriedade rural e não mais que 20% de área agricultável,
além de cuidados como intercalar blocos de plantio
com faixas de vegetação nativa, como observado
na Fazenda Aruanã (Itacoatiara, AM), é suficiente
para manter elevada riqueza de polinizadores, com
até dezesseis espécies de polinizadores (Cavalcante
et al. 2012).
Uma análise realizada por Freitas & Nunes-Silva
(2012) nas bases de dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) identificou que as
principais plantas cultivadas no Brasil atualmente
são o tomate (Lycopersicom sculentum Mill), que vem
sendo produzido em 90% dos estados brasileiros,
seguido por mamão (Carica papaya Linnaeus), limão
(Citrus spp.), laranja (C. sinensis), feijão (Phaseolus
spp.), melancia (Citrullus spp.), maracujá (Passiflora
spp.), goiaba (Psidium gayava), manga (Mangifera
indica Linnaeus), soja (Glycine max Linnaeus), cocoda-bahia (Cocos nucifera Linnaeus), urucum (Bixa
orellana Linnaeus) (Fig. 21.1 F), abacate (Persea
americana Mill.), uva (Vitis spp.), café (Coffea spp.),
algodão herbáceo (Gossypium hirsutum [L.] Merrill)
e mamona (Ricinus communis Linnaeus), cujas safras
variaram entre 35 milhões de toneladas (feijão) a 147
mil toneladas (abacate) nos anos de 2008 a 2009.
Quase todas essas culturas dependem da polinização
cruzada (exceto a soja e a mamona, que têm diferentes
níveis de autofecundação) mediada principalmente
por abelhas, portanto sua presença é imprescindível para garantir ou melhorar a safra agrícola (Free
1993; Nunes-Silva et al. 2010; Rizzardo et al. 2012,
Milfont et al. 2013).
467
Na falta de condições e oportunidades para o
manejo racional de colônias, práticas amigáveis à conservação dos polinizadores nativos, que incluam a manutenção de áreas de vegetação natural em Reservas
Legais (RLs) e Áreas de Proteção Permanente (APPs),
como preconizado na lei sobre a proteção da vegetação nativa (Imperatriz-Fonseca & Nunes-Silva
2010), são medidas que contribuem para o sucesso
da polinização em agroecossistemas.
Apesar de a maioria das plantas cultivadas ser
polinizada por abelhas, existem plantas de grande
importância econômica mundial cujos polinizadores
são outros insetos, como é o caso do cacau (Theobroma
cacao Linnaeus) e do dendê ou óleo de palma (Elaeis
guineensis Jacq.).
O cacaueiro tem flores diminutas e caulifloras
(Fig. 21.4 A) e seus frutos (Fig. 21.4 B) são apreciados
no mundo inteiro por serem usados para a fabricação
do chocolate. Os principais polinizadores são pequeninos insetos das famílias Forcypomidae (Forcipomyia
quasiingrami Macfie, 1939 e Lasiohela nana Macfie,
1939) e Cecydomiidae, com a esporádica participação de outros insetos, como formigas (Crematogaster
spp.), afídeos (Aphis gossypii Glover, 1877 e Toxoptera
spp.), tripes (Frankliniella parvula Hood) e abelhas
silvestres (McGregor 1976; Young 1994). Para Klein
et al. (2007), o cacaueiro está entre as treze principais
plantas cultivadas em escala mundial que podem sofrer perdas de até 90% na ausência dos polinizadores.
A fragmentação do habitat é apontada por Kevan
& Philips (2001) como uma das causas do deficit de
polinização em plantios de cacau, ressaltando a importância da integridade da paisagem como fonte de
povoamento dos polinizadores. Entretanto Frimpong
et al. (2011) discordam baseados em um estudo que
avaliou a dinâmica de polinizadores em plantios de
cacau com base familiar situados em um cinturão
de floresta semidecídua em Gana. De acordo com
468 ⁞ Economia e polinização: custos, ameaças e alternativas
A
B
C
Figura 21.2 Polinização do híbrido entre Elaeis guineenses e Elaeis oleifera: (A) Polinização assistida. (B) Planta adulta com
inflorescência protegida. (C) Cacho com frutos em desenvolvimento. Créditos: Márcia M. Maués.
Márcia Motta Maués ⁞
469
A
B
C
Figura 21.3 Principais polinizadores da castanheira-do-brasil (Bertholletia excelsa): (A) Xylocopa frontalis, (B) Eulaema mocsaryi
e frutos (C). A e C: crédito de Márcia M. Maués. B: crédito de Marcelo. C: Cavalcante.
esses autores, não houve diferenças na população de
polinizadores ou na formação de frutos entre plantios com maior ou menor proximidade de áreas de
floresta, ao contrário do registrado nos plantios de
cacau consorciados com banana, mostrando que a
existência de locais adequados à criação de ceratopogonídeos dentro dos plantios é mais importante
que no entorno.
E. guineesis é uma palmeira monoica, de origem africana, totalmente dependente da polinização cruzada (Adam et al. 2005). Na República dos
Camarões, onde o dendê é nativo, a produção de
cachos é satisfatória e os principais polinizadores
são curculionídeos dos gêneros Elaeidobius (p.ex., E.
kamerunicus Faust 1878; E. subvittatus Faust, 1898;
E. plagiatus [Fåhraeus, 1844]; E. singularis [Faust,
470 ⁞ Economia e polinização: custos, ameaças e alternativas
1898]), nitidulídeos do gênero Microporum e um
estafilinídeo do gênero Atheta spp. (Syied 1979). Na
região neotropical, Mariau & Genty (1988) demonstraram que os principais polinizadores pertencem às
famílias Nitidulidae (Mystrops costaricensis Gillogly
1972) e Curculionidae (Elaeidobius subvittatus), esta
provavelmente introduzida neste continente no século XVI.
Quando o dendê foi introduzido no Brasil, foi
constatado deficit de polinização pela ausência dos polinizadores legítimos. Em 1985, a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Amazônia
Oriental liderou um programa de introdução dos
polinizadores de dendê nos estados do Pará, Amapá
e Amazonas, com as espécies Elaeidobius plagiatus,
E. kamerunicus e E. singularis que foram trazidas da
África para complementar o trabalho da espécie E.
subvittatus já existente aqui. Esta iniciativa foi replicada pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura
Cacaueira (CEPLAC) em 1994, no estado da Bahia
e, dez anos depois, foi feita uma avaliação da taxa
de fecundação dos dendezeiros, determinando-se
flutuação populacional, distribuição espacial, influência de fatores meteorológicos sobre E. kamerunicus e
E. subvittatus, comportamento de visitas e fluxo de
pólen mediado por estes curculionídes polinizadores
(Moura et al. 2008). Observou-se que, nas áreas onde
prevalece E. kamerunicus, a taxa de polinização é 19%
maior do que naquelas onde E. subvittatus predomina,
comprovando o efeito benéfico da introdução desses
curculionídeos nos plantios. Hoje em dia a introdução
de espécies exóticas tem regulamentação específica
para minimizar possíveis impactos ao meio ambiente
(Decreto 4.339, de 22/08/2002, e artigo 31 da Lei
9.605/1998).
Há quase vinte anos, entretanto, as plantações
de dendê foram acometidas por uma enfermidade
chamada amarelecimento fatal (AF) que provoca o
amarelecimento dos folíolos basais das folhas mais
jovens, resultando na seca total da planta e sua morte
A
B
Figura 21.4 (A) Flores hermafroditas e caulifloras de cacau (Thebroma cacao). (B) Fruto maduro de cacau. Créditos: Márcia M.
Maués.
Márcia Motta Maués ⁞
(Souza et al. 2000), gerando grandes perdas. Somente
no estado do Pará, mais de 5 mil hectares foram
dizimados em função dessa doença (Venturieri et al.
2009). Por esse motivo foram desenvolvidos híbridos interespecíficos (HiEs) entre o E. guineenses e a
espécie nativa da Amazônia, Elaeis oleifera H.B.K.,
o caiuaé, que são resistentes ao AF e pragas, mas
em contrapartida apresentam baixa produtividade.
Atualmente a polinização assistida é praticada em
plantios comerciais para que a cultura torne-se rentável, mas os custos para realizar a polinização assistida
dos HiEs (Figs. 21.2 A-C) são muito elevados. O
desafio para não comprometer a produtividade dos
híbridos interespecíficos é não mais depender da
polinização assistida, buscando formas de atrair e
manter polinizadores nos plantios.
A polinização como um serviço
ambiental
Sistemas ecológicos e econômicos apresentam características comuns e ambos são redes complexas
de componentes ligados por processos dinâmicos
com elementos bióticos e abióticos que interagem
entre si, abertos a intercâmbios além dos seus limites
(Limburg et al. 2002). Do ponto de vista econômico,
ecossistemas são considerados capital ativo, fornecedores de serviços e fontes de reserva (Myers 2003).
Estoques de capital assumem formas identificáveis que
incluem o capital natural (plantas, minerais, ecossistemas, atmosfera, entre outros) e formas intangíveis
como a informação armazenada em computadores
e no cérebro humano, bem como aquela contida
nas espécies e ecossistemas (Costanza et al. 1997).
As funções ecossistêmicas referem-se ao habitat, a
propriedades biológicas ou sistêmicas ou a processos
do ecossistema. Os bens e serviços do ecossistema
representam benefícios que o homem obtém, direta
471
ou indiretamente, das funções do ecossistema. Assim,
serviços ecossistêmicos ou ambientais são fluxos de
matérias, energia e informação do capital natural,
associados aos serviços capitais humanos e manufaturados, que promovem o bem-estar do homem
(Costanza et al. 1997). Na década de 1990, ecólogos
e economistas começaram a quantificar os impactos
das alterações na biodiversidade e no fornecimento de
serviços ambientais, atribuindo-lhes valor monetário
(Chapin III et al. 2000). Nessa primeira avaliação, o
valor estimado dos serviços ecossistêmicos para toda
a biosfera variava de US$ 16 a US$ 54 trilhões, com
uma média de US$ 33 trilhões por ano (Costanza et
al. 1997). Cerca de 63% desse valor correspondiam
aos ecossistemas marinhos (US$ 20,9 trilhões/ano) e
38% aos terrestres, principalmente florestas (US$ 4,7
trilhões/ano) e áreas alagáveis (US$ 4,9 trilhões/ano).
A ciclagem de nutrientes seria o serviço com maior
valor (US$ 17 trilhões/ano) e os serviços prestados
pelos polinizadores, cerca de US$ 70 bilhões/ano.
Outra abordagem mais conservadora aponta o valor
de US$ 54 bilhões/ano (Kenmore & Krell 1998) e,
mais recentemente, os estudos feitos por Gallai et al.
(2009) elevaram para estratosféricos €153 bilhões os
serviços prestados pelos polinizadores. Uma avaliação
dos serviços prestados pelos polinizadores de alfafa
no Canadá estimou em US$ 6 milhões canadenses
por ano (Kevan & Phillips 2001). No Brasil ainda são
escassos os estudos que abordam esse tema. Marco
& Coelho (2004) mencionam que, quando o café é
plantado em sistema de agrossilvicultura e próximo
a remanescentes de mata nativa em Minas Gerais,
a formação de frutos de melhor qualidade aumenta
em 14,6%, em comparação com uma área de monocultivo em larga escala, o que equivale a um valor
agregado de US$ 1.860,00 ou R$ 3.960,00/hectare
ao ano. A produtividade dos pomares comerciais
de maracujá no Brasil aumentou de 9 mil kg/ha,
em 1998, para 13.500 kg/ha, em 2004; entretanto,
472 ⁞ Economia e polinização: custos, ameaças e alternativas
com o uso de técnicas adequadas de polinização
e outros tratos culturais, é possível atingir entre
40 mil e 45 mil kg/ha (Imperatriz-Fonseca 2005).
Essas estimativas representavam um valor mínimo,
podendo aumentar com estudos adicionais sobre
valoração de ecossistemas e com a incorporação de
dinâmicas de ecossistemas e interdependência mais
realistas (Costanza et al. 1997). O valor econômico
da polinização de plantas cultivadas pode ser medido comparando-se a perda de produção na ausência
desses agentes de polinização com a produtividade
em condições normais de presença dos polinizadores,
ou seja, avaliando-se quaisquer custos adicionais para
manter a mesma produtividade sem a ajuda dos polinizadores (Southwick & Southwick 1992). Qualquer
redução na oferta dos serviços de polinização afeta
diretamente a produção das plantas que dependem
de polinização cruzada (Hein 2009).
À medida que o capital natural e os serviços
ecossistêmicos se tornassem mais explorados e
escassos, esperar-se-ia um aumento no seu valor.
Consequentemente, um fator crítico para a sustentabilidade seria a manutenção de estoques apropriados de
recursos ambientais que garantissem o fluxo adequado
de serviços ecossistêmicos (Batabyal et al. 2003).
Em função da importância da polinização para a
agricultura, a Conferência das Partes da Convenção
sobre Diversidade Biológica (CDB) aprovou a criação
de uma Iniciativa Internacional para a Conservação
e o Uso Sustentável dos Polinizadores (IPI) (Decisão
V/5) no âmbito do Programa de Trabalho Temático
sobre Diversidade Biológica Agrícola (instituído pela
Decisão III/11), bem como um Plano de Ação para
sua implementação (Decisão VI/5). Desde então a
temática da conservação e do uso sustentável dos polinizadores faz parte da agenda de diversos países que
apoiam projetos de pesquisa e transferência de tecnologia no âmbito da polinização em agroecossistemas.
O Brasil tem discutido a importância dos polinizadores por meio de debates científicos e consultas
nacionais com a participação de diversos setores da
sociedade. Nesse cenário, em 1998 foi produzido o
documento The São Paulo Declaration on Pollinators
(Dias et al. 1999) como resultado da reunião
“Conservação e Uso Sustentável dos Polinizadores
na Agricultura, com Ênfase nas Abelhas”, sendo
um elemento chave para a CDB no programa temático de Diversidade Biológica na Agricultura.
Em 2005, foi criado um Comitê de Assessoramento
da Iniciativa Brasileira dos Polinizadores (IBP), estabelecido por portaria interministerial (Ministério
do Meio Ambiente [MMA], Ministério da Ciência
e Tecnologia [MCT] e Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento [MAPA]) com o objetivo de
coordenar iniciativas no Brasil visando: a) monitorar
o declínio de polinizadores, sua causa e seu impacto
sobre os serviços de polinização; b) superar a falta
de informações taxonômicas sobre polinizadores; c)
avaliar o valor econômico da polinização e o impacto
econômico do declínio dos serviços de polinização; d)
promover a conservação, a restauração e o uso sustentável da diversidade de polinizadores na agricultura
e em ecossistemas relacionados (Imperatriz-Fonseca
et al. 2007).
Em junho de 2008 foi aprovado o projeto “Conservação e Manejo de Polinizadores para
Agricultura Sustentável através de uma Abordagem
Ecossistêmica”, uma iniciativa da FAO com a participação de sete países: África do Sul, Brasil, Gana,
Índia, Nepal, Paquistão e Quênia, com apoio do
Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF), com o
objetivo, em longo prazo, de promover a conservação,
a restauração e o uso sustentável da diversidade de polinizadores em agroecossistemas, de forma a garantir
a segurança alimentar e o sustento de agricultores.
A curto prazo pretende-se aferir os benefícios dos
Márcia Motta Maués ⁞
serviços de polinização prestados pela biodiversidade
para a subsistência humana e agricultura sustentável
através de uma abordagem ecossistêmica.
Ameaças à manutenção dos
serviços de polinização
Até recentemente, a principal ameaça à integridade
dos polinizadores era a fragmentação do habitat, seja
para obras de infraestrutura, habitação ou agricultura. A conversão de formações vegetais para sistemas
agrícolas, sem o devido cuidado com a preservação
de fontes de povoamento dos polinizadores (ou seja,
os remanescentes de vegetação nativa, corredores
ecológicos e áreas que permitam a nidificação e sobrevivência desses animais fora das áreas cultivadas),
aliada a práticas agrícolas como o desmatamento raso
e grandes extensões de monocultivo, causa desequilíbrio ecológico ao meio ambiente e reduz drasticamente a biodiversidade, promovendo um declínio na
população de polinizadores (McGregor 1976; Kearns
et al. 1998; Imperatriz-Fonseca & Nunes-Silva 2010;
Potts et al. 2010). A remoção da vegetação reduz a
disponibilidade de alimentos e locais de nidificação
das abelhas, além de dificultar a mobilidade desses
insetos pela falta de conectividade entre os fragmentos
(Biesmeijer et al. 2006; Kremen et al. 2007).
Além disso, o uso inadequado de agrotóxicos
para o controle de pragas e doenças também atinge
diretamente os agentes de polinização, pois alguns
inseticidas de nova geração podem ter componentes
com ação neurotóxica que potencializam seus efeitos
(Freitas & Pinheiro 2012). A remoção da vegetação
herbácea por meio da capina ou herbicidas também
elimina fontes de forrageamento, refúgio e nidificação
(Osborne et al. 1991). A aplicação de agrotóxicos para
controle químico de pragas e patógenos, com alta
473
toxicidade aos polinizadores e sem observar o seu
horário de visitas, pode levar à morte, atuar como
repelente e ainda provocar efeitos tóxicos subletais
(desorientação de voo, redução na produção de crias,
entre outros) (Freitas & Pinheiro 2012).
As mudanças climáticas globais, seja por alterações bruscas na temperatura do ar, precipitação,
nebulosidade e outros fenômenos meteorológicos,
podem promover alterações na distribuição geográfica
das espécies de abelhas e plantas. Além disso, podem
mudar seus ciclos reprodutivos, e, nos casos mais
drásticos, levar à ruptura das interações abelha-planta
(Hegland et al. 2009).
A polinização adequada melhora a produtividade dos pomares e garante a produção de frutos e
sementes de boa qualidade, com melhores chances de
competitividade no mercado consumidor (McGregor
1976; Free 1993). Além disso, aumenta a produção
de óleo em sementes de girassol (Helianthus annuus
Linnaeus) e cártamo ou açafrão-bastardo (Carthamus
tinctorius linnaeus), de óleo de lavanda na Lavandula
angustifolia Mill. (Free 1993) e mamona (R. communis) (Rizzardo et al. 2012).
Desde 2006, a imprensa internacional começou
a relatar casos chamados de desaparecimento de abelhas europeias (A. mellifera) entre os apicultores dos
Estados Unidos da América. O mesmo fenômeno foi
reportado também na Europa, Ásia, África, Austrália,
no Oriente Médio (Neumann & Carreck 2010) e
no Brasil (Gonçalves 2012), chamando a atenção da
opinião pública. Os casos relatavam que as abelhas
saíam da colônia para forragear e não mais regressavam, restando poucas operárias adultas para cuidar
das tarefas internas e coletar alimento, com o que,
então, a colônia perecia. O fenômeno recebeu o nome
de colony collapse disorder (CCD) ou síndrome do
desaparecimento das abelhas e, desde então, cientistas
474 ⁞ Economia e polinização: custos, ameaças e alternativas
em diversos países vêm se dedicando a entender as
causas e buscar alternativas para seu controle (Pettis
& Delaplane 2010). Vários motivos vêm sendo apontados como os responsáveis pela CCD, como: surgimento de novos vírus que contaminam as abelhas, um
novo tipo de Nosemose (uma parasitose provocada
pelos microsporídeos Nosema apis ou N. ceranae, que
se alojam no intestino da abelha provocando graves
distúrbios digestivos, principalmente diarreia); baixa
variabilidade genética e seleção das abelhas; manejo
inadequado de colônias usadas na apicultura migratória, incluindo alimentação deficiente; abuso no uso
de fungicidas que afetam a alimentação suplementar
fornecida às colônias; falta de higiene e estresse no
transporte; envenenamento por agrotóxicos e até
alterações no ácaro Varroa destructor Anderson &
Trueman, 2000, que teria se tornado mais agressivo na
colonização. Enfim, fala-se até em imunossupressão
nas abelhas (Ratnieks & Carreck 2010). Entre esses
motivos destaca-se o uso de inseticidas do grupo
dos neonicotinoides (Clotianidina, Imidacloprido e
Tiametoxam), apontados com grande destaque na
mídia científica e popular em 2010.
Na Europa, a Comisão Europeia (CE), através
da agência European Food Safety Authority’s (EFSA)
restringiu o uso dos produtos à base de neonicotinoides
por dois anos, a partir de maio de 2013, para tratamento de sementes, aplicação no solo (grão) e tratamento
foliar em plantas atrativas às abelhas. O uso desses
produtos para outras finalidade seria permitido apenas
para aplicação por profissionais autorizados, com limitação para aplicação em casas de vegetação ou após o
período de floração (Maxim & Arnold 2014). Houve
intenso debate no meio acadêmico, setor produtivo e
sociedade em geral, mostrando como é difícil aplicar
medidas para evitar danos causados por inseticidas às
abelhas nativas quando o agronegócio exerce pressão
nos tomadores de decisão.
Por outro lado, Oldroyd (2007) mostrou que
perdas excessivas de colônias não são incomuns ao
longo de séculos nos EUA, Irlanda e Inglaterra, mas
que a preocupação sobre as perdas de colônias nos
EUA chamou a atenção pelo papel vital dessas abelhas na agricultura, especialmente na polinização da
indústria de amêndoas na Califórnia, avaliada em
U$ 3 bilhões por ano, que, para mediar a troca de
pólen necessária à polinização cruzada, utiliza até 1
milhão de abelhas, que são transportadas de costa
a costa em veículos pesados (apicultura migratória).
Para Rucker et al. (2012), a crescente importância
da abelha melífera na agricultura dos EUA tem dois
motivos principais: o declínio das populações ferais
dessas abelhas que habitavam áreas periféricas, em
função do aumento das áreas de monocultivos, e a
infestação pelo ácaro Varroa, que dizimou inúmeras
colônias a partir da década de 1980. A chamada crise
da polinização dividiu a opinião dos cientistas, com
correntes que a sustentam (Steffan-Dewenter 2005;
Neumann & Carreck 2010) com base no declínio das
abelhas melíferas, e outras que a contestam (Ghazoul
2005; Potts et al. 2010), respaldadas pela maior relevância das abelhas nativas para a polinização.
Com base em todos os fatos ocorridos nos EUA
e na Comunidade Europeia, o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA)
formou um grupo para estudar os neonicotinoides e,
visando à proteção dos polinizadores, publicou um
comunicado no Diário Oficial da União (DOU 2012a)
desautorizando, em caráter cautelar, a modalidade de
aplicação por pulverização aérea, em todo o território
nacional, dos agrotóxicos contendo os ingredientes
ativos imidacloprido, tiametoxan, clotianidina ou fipronil. Essa medida afetou especialmente os cultivos
de cítrus, cana-de-açúcar, soja, milho, algodão, arroz e
trigo. Uma parte dos agricultores e empresas que produzem agrotóxicos contendo essas substâncias apelou
Márcia Motta Maués ⁞
ao Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento
e conseguiu flexibilizar essa medida por meio do Ato
Conjunto nº 1, de 02 de outubro de 2012 (DOU
2012b) e da Instrução Normativa Conjunta nº 1, de
28 de dezembro de 2012 (DOU 2013 – esta instrução
revogou o ato anterior, de 02/10/12), gerando uma
grande polêmica na comunidade científica. O IBAMA,
respaldado pela Lei nº 7.802/89, regulamentada pelo
Decreto nº 4.074/2002, estabeleceu o processo de
reavaliação ambiental dos ingredientes ativos: imidacloprido (DOU 2012a), tiametoxan e clotianidina
(DOU 2014). Assim que for possível, será estabelecida
a reavaliação do fipronil. Os técnicos vêm se dedicando a buscar uma solução que atenda aos diferentes
setores, sendo assim imprescindível encontrar uma
resposta conjunta para o problema, a fim de evitar
medidas extremas, que, em curto prazo, podem ter
consequências negativas para a agricultura brasileira.
A agricultura em larga escala, com monoculturas,
cultivo intensivo do solo, uso de maquinário agrícola,
irrigação, variedades vegetais geneticamente melhoradas, aplicação de fertilizantes inorgânicos e agrotóxicos para controle químico de pragas e patógenos,
foi alavancada na década de 1970 com a revolução
verde que modernizou e transformou a agricultura
em atividade industrial. Entretanto, apesar de sua
indiscutível importância para a segurança alimentar
da população mundial, essas práticas podem afetar
negativamente as populações naturais de polinizadores, pois, com o avanço tecnológico, o tamanho
das áreas agrícolas aumentou significativamente e as
áreas de vegetação nativa remanescente, que são fontes
de recursos alimentares nos períodos que a cultura
não estiver florescendo e também de ambiente para
nidificação, não são mais suficientes para suprir essa
demanda, levando à necessidade de se implementar
práticas amigáveis à manutenção dos polinizadores nos sistemas agrícolas e adjacências e/ou partir
475
para o manejo direto dos polinizadores nos cultivos
(Mader et al. 2010). A busca do equilíbrio entre o
desenvolvimento e a conservação da natureza, ou da
sustentabilidade, também deve incluir a proteção aos
polinizadores.
Para que haja uma população viável de agentes
polinizadores nas áreas cultivadas é importante haver
fontes de povoamento desses agentes nas redondezas e condições favoráveis para que esses animais
permaneçam nas proximidades dos plantios. Um
dos primeiros estudos a documentar a importância de abelhas nativas para a polinização de plantas
cultivadas foi realizado por Kremen et al. (2002)
em propriedades rurais que variavam em tamanho,
tratos culturais (cultivos orgânicos e convencionais)
e distância das áreas de habitat natural. Os autores
verificaram que, nas fazendas com cultivo orgânico, as comunidades de abelhas solitárias supriam
completamente os serviços de polinização, mesmo
naquelas que demandavam maiores requerimentos de
polinização, como no caso dos cultivos de melancia
(Citrullus lanatus [L.] Kuntze). Em contrapartida,
as fazendas com cultivo convencional apresentavam
baixas significativas na diversidade e abundância
de abelhas nativas, refletindo em deficits na polinização. Infelizmente o uso de abelhas solitárias para
polinização de plantas cultivadas ainda é restrito a
poucas espécies, como Nomia melanderi, Megachile
rotundata, Osmia spp. e algumas espécies de Xylocopa
(Freitas & Oliveira-Filho 2003; Sadeh et al. 2007;
Sampson et al. 2009; Keasar 2010).
As causas para o declínio dos polinizadores são
complexas e multifacetadas. A perda ou alteração do
habitat, assim como a expansão da fronteira agrícola
combinada ao uso de agroquímicos e infestação por
patógenos e pragas, têm levado à redução na diversidade e abundância dos polinizadores nativos (Kremen
et al. 2002; Freitas et al. 2009).
476 ⁞ Economia e polinização: custos, ameaças e alternativas
Alternativas para incrementar os
serviços de polinização e práticas
amigáveis aos polinizadores
Práticas amigáveis à sustentabilidade da diversidade dos polinizadores nos agroecossistemas são um
conjunto de ações que protegem os polinizadores e/
ou favorecem a atração e permanência de polinizadores em áreas cultivadas, vegetação nativa e no seu
entorno, o que é fundamental para manter o sucesso
reprodutivo das plantas cultivadas. Entre as práticas
amigáveis aos polinizadores podemos destacar as
seguintes (Imperatriz-Fonseca & Nunes-Silva 2010;
Mader et al. 2010):
▪▪ Conhecer os polinizadores presentes na
propriedade rural e os locais onde eles
nidificam;
▪▪ Evitar o uso de agrotóxicos, especialmente os
inseticidas com maior toxicidade às abelhas,
dando preferência ao manejo integrado e
controle biológico para controle de pragas e
doenças;
▪▪ Evitar o uso do fogo/queimadas na limpeza de
áreas;
▪▪ Manter áreas de floresta e vegetação secundária
(APPs e reserva legal), bem como plantas
complementares, usadas na alimentação e
nidificação das abelhas;
▪▪ Oferecer locais para nidificação das abelhas
(troncos de árvores, blocos de madeira,
entrenós de bambu, moirões de cerca,
barrancos e árvores de grande porte);
▪▪ M a nt e r a c o n e c t i v i d a d e d a s á r e a s
remanescentes de vegetação nativa – para
facilitar o fluxo de polinizadores: corredores
ecológicos.
De forma resumida, é essencial conhecer os polinizadores das culturas agrícolas, avaliar sua disponibilidade na área, sua biologia, espécies alternativas
usadas para coleta de recursos florais no período em
que a cultura não estiver florescendo, seus hábitos
de nidificação e buscar meios de fixar esses polinizadores nos sistemas agrícolas. No caso de espécies
que permitam sua criação racional, como a abelha
melífera e meliponíneos, seu manejo para a polinização é facilitado, mas, no caso de abelhas solitárias,
ou daquelas para as quais as técnicas de criação ainda
não estão bem desenvolvidas, é importante tornar o
ambiente atrativo à sua conservação.
A criação de abelhas que produzem mel é uma
ótima alternativa para diversificar a renda do produtor, seja pela venda dos produtos da colônia (mel,
pólen, própolis) ou pela própria comercialização de
colônias (venda ou aluguel). No Brasil já existem
alternativas para uso de A. mellifera na polinização
de macieiras (Wiese 1981; Paranhos et al. 1998) e
melões (Sousa 2003; Trindade et al. 2004) nas regiões
Sudeste e Nordeste. O uso de abelhas para polinização
de pomares de maçã nos estados de Santa Catarina
e Rio Grande do Sul tem movimentado centenas de
colmeias. Não há um consenso sobre o número de
colmeias necessário para assegurar uma polinização
eficaz. Há estudos que sugerem de dois a doze por
hectare, mas o mais adotado são cinco colmeias/
hectare (Wiese 1981; Mayer 1983, Paranhos et al.
1998), a um custo de R$ 40,00 a R$ 50,00 cada
(números da década de 1980).
Nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte
também já se faz uso do aluguel de colônias de A. mellifera para a polinização do melão. A maioria dessas
ações consiste na introdução de colônias de A. mellifera nas áreas de cultivo sem haver um manejo específico dos polinizadores para o serviço de polinização,
nem a preocupação com o papel dos polinizadores
Márcia Motta Maués ⁞
nativos. Em 2004 cerca de 10 mil colônias da abelha
melífera foram alugadas ao custo médio de R$ 30,00/
unidade para a polinização de meloeiros no Nordeste
do Brasil (Freitas & Imperatriz-Fonseca 2005). Em
Santa Catarina, 45 mil colônias foram alugadas ao
custo de R$ 40,00/unidade, o que representa um
custo total de R$ 1.800.000,00 em 2004 (Freitas
& Imperatriz-Fonseca 2005). Em valores atuais, o
aluguel de colmeias em Santa Catarina está por volta
dos R$ 60,00 reais (FAEP 2014).
Algumas plantações de café (Coffea arabica
Linnaeus), laranja (Citrus sinensis) e caju (Anacardium
occidentale) no Brasil vêm recebendo colônias de A.
mellifera, porém o interesse do produtor é a produção
de mel e o ganho com a polinização é indireto, pois
essas culturas acabam se beneficiando com os serviços
de polinização prestados pelas abelhas (Freitas &
Imperatriz-Fonseca 2005). Além dessas culturas, a
soja (Glicine max) pode aumentar sua produtividade
quando recebe colônias de A. mellifera (Fig. 21.1
D). Por ser uma planta autofértil, teoricamente não
faria diferença na produtividade a ocorrência ou
não de visitantes florais e polinizadores nas flores
da soja, entretanto Milfont et al. (2013) registraram um aumento de 6,34% na colheita da soja em
áreas com livre acesso de polinizadores e 18,09%
quando houve a introdução de colônias da abelha
melífera, comprovando que a cultura se beneficia
dos polinizadores.
De um modo geral, ainda há muito que se conhecer sobre as interações planta-polinizador em plantas
cultivadas em escala global, logicamente havendo
estudos mais consolidados na Europa e nos EUA, e,
ainda, um vasto campo a ser descoberto nas Américas
do Sul e Central, África, Ásia e Oceania. O que
existe em termos de informações sobre a polinização de plantas cultivadas e silvestres já nos permite
fazer algumas inferências sobre o valor econômico
477
dos serviços de polinização, mas essas aproximações
ainda devem estar subestimadas. O que se sabe é que
os polinizadores são fundamentais para garantir a
segurança alimentar e a diversidade de alimentos
consumidos pelo homem, e práticas não amigáveis
à manutenção desses agentes nos agroecossistemas
podem levar a prejuízos na balança comercial do
agronegócio.
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Foto: Günter Gerlach
*
Capítulo 22
*
Polinização e demografia de espécies vegetais
Silvana Buzato
Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo – Rua do Matão, travessa 14, 321 – CEP: 05508090 – São Paulo-SP. e-mail: sbuzato@usp.br
I
nterações planta-animal são elementos comuns às populações vegetais e podem inf luenciar os
componentes associados ao desempenho da planta. Por exemplo, para a formação de sementes, a
maioria das angiospermas depende de polinização. No entanto, a produção de sementes representa um
dos componentes de desempenho do indivíduo, visto que correlações entre parâmetros da história de
vida determinam o desempenho final. Neste sentido, a análise conjunta da fecundidade, crescimento
e sobrevivência dos indivíduos seria muito mais adequada para representar o desempenho das plantas.
Resultados indicam que, na presença de conflitos na alocação de recursos entre crescimento e reprodução
ou quando a população se encontra muito acima da capacidade de suporte, o aumento na polinização e
produção de sementes compromete o crescimento e a reprodução futura, reduzindo a taxa de crescimento
populacional (λ). Adicionalmente, sob condições de escassez de sítios para germinação de sementes e
recrutamento das plântulas, o aumento na polinização e produção de sementes não aumentaria o λ.
No Brasil, informações sobre história natural e polinização devem auxiliar a seleção de sistemas de
estudo para abordar temas de grande interesse da ecologia, integrando observações sobre polinização
e fecundidade aos demais componentes do ciclo de vida da planta, a fim de estimar os efeitos dessas
variações sobre o λ. Tal abordagem iniciará uma nova fase nos estudos entre planta e polinizadores
na qual os efeitos da polinização não serão restritos à produção de sementes/flores, mas estendidos às
populações vegetais.
484 ⁞ Polinização e demografia de espécies vegetais
Introdução
Em sua maioria, plantas são organismos estáticos,
uma vez que vivem fixas ao substrato, sendo suas
abundâncias reguladas pelas condições locais do
ambiente (Bradshaw 1972; Harper 1977). Interações
entre plantas e animais são comuns às populações
vegetais, sendo vários componentes associados ao
ciclo de vida das plantas determinados por interações
biológicas (Schemske & Horvitz 1988; Doak 1992;
Passos & Oliveira 2002). Para as angiospermas podemos mencionar dois momentos críticos no ciclo
de vida da planta nos quais animais influenciam o
desempenho do indivíduo ao deslocar, no espaço,
estruturas reprodutivas – a polinização e a dispersão
de sementes (Herrera 2002; Pellmyr 2002). Distinta
da dispersão de sementes, a polinização é caracterizada
pela transferência de grãos de pólen (micrósporo) a
sítios altamente específicos (superfície do estigma),
sendo esta uma etapa preliminar à ocorrência da
fertilização do saco embrionário e ao desenvolvimento do óvulo em semente (Proctor et al. 1996).
As discussões sobre os mecanismos de polinização
e o papel dos dispersores de pólen na evolução dos
sistemas reprodutivos e na diversidade das angiospermas têm sido muito fomentadas pela necessidade de
precisão na transferência de pólen para a produção
de sementes (Wilson & Thomson 1996; Alcantara
& Lohmann 2010; Christianini et al. 2013; Van der
Niet et al. 2014).
Apesar de estimativas indicarem que aproximadamente 90% das espécies de angiospermas dependem de animais para polinização (Buchmann
& Nabhan 1996; Ollerton et al. 2011), esta é um
processo cheio de incertezas, sendo que somente
uma pequena quantidade de pólen removido das
flores pelos visitantes florais alcança os estigmas
de flores coespecíficas (Harder & Johnson 2008;
Richards et al. 2009). Quantidade e/ou qualidade
inadequadas de pólen transferido ao estigma podem reduzir o sucesso reprodutivo das plantas via
redução na quantidade e/ou qualidade de sementes
– fenômeno conhecido como limitação polínica
(Bierzychudek 1981; Horvitz & Schemske 1988;
Burd 1994; Ashman et al. 2004). Entre as possíveis
causas para a ocorrência de limitação polínica estão
a carência e/ou ineficiência dos visitantes florais, a
coleta e o uso de pólen para alimentação da prole
por várias espécies de visitantes florais, a deposição
de pólen em estruturas florais distintas do estigma
e a baixa sobrevivência do pólen ou tubos polínicos
depositados no estigma (Murcia & Feinsinger 1996;
Wilcock & Neiland 2002; Lopes & Buzato 2007;
Harder & Aizen 2010).
A comparação da frutificação e/ou produção
de sementes entre flores com adição de pólen sobre o estigma e as mantidas sob condições naturais de polinização indica que aproximadamente
60% das espécies estudadas estão sob efeitos de
limitação polínica (Burd 1994; Larson & Barrett
2000; Ashman et al. 2004). A variação na produção
de sementes oriunda de limitação polínica, por
ser mediada pela interação com os polinizadores,
oferece condições únicas para que ocorra seleção
de características florais e de sistemas reprodutivos (Capítulos 2 e 3) (Jain 1976; Morgan et al.
2005; Harder & Johnson 2008; Muchhala et al.
2010), determinando o grau de dependência entre
as plantas e seus polinizadores (Feinsinger 1983;
Vanhoenacker et al. 2013).
Os efeitos da polinização na produção de sementes podem ser quantificados em diversos níveis
– flor, indivíduo, população e comunidade (Kotliar
& Wiens 1990; Burd 1994) –, no entanto são ainda raros os estudos que envolvem grandes escalas
espaciais e/ou temporais (Burd 1994; Ashman et al.
Silvana Buzato ⁞
2004; Wolowski et al. 2013). Este fato tem contribuído para manter lacunas de conhecimento sobre
a importância da polinização na dinâmica e persistência das populações vegetais ou estruturação de
comunidades (Calvo 1993; Bond 1994; Aizen &
Rovere 2010), havendo fortes recomendações para
aumentar o número de estudos sobre polinização e
demografia de espécies vegetais (Ashman et al. 2004;
Knight et al. 2005). Estas recomendações se sustentam no fato de que a produção de sementes é somente
um dos componentes determinantes do fitness do
indivíduo. Correlações positivas ou negativas entre
diferentes parâmetros da história de vida poderiam
afetar o equilíbrio entre reprodução atual e futura
dos indivíduos e/ou reprodução atual e crescimento
e sobrevivência dos indivíduos. Este fato tem suporte
no pressuposto central da teoria de história de vida
dos organismos, que considera existir limitação na
quantidade de recursos disponíveis às diferentes funções (crescimento, reprodução e sobrevivência). Como
consequência, conflitos na alocação de recursos entre
funções são previstos (Stearns 1992). Portanto, para
que o efeito da polinização seja conhecido nos níveis
de indivíduo e população, deveríamos considerar as
possíveis correlações positivas ou negativas entre os
diferentes componentes que caracterizam a história
de vida das plantas e que determinam o fitness total
(Metcalf & Pavard 2006).
O elo de ligação entre o indivíduo
e a população estabelecido pelo
ciclo de vida
A fim de incorporar os efeitos da polinização que
ocorre nas flores de um indivíduo sobre a dinâmica
das populações, todo o ciclo de vida da planta deve
ser considerado (Ashman et al. 2004). Como descrito por Caswell (2001), o ciclo de vida é a unidade
485
fundamental para descrição de um organismo e
pode ser representado graficamente e transposto
a uma das ferramentas mais usadas em estudos
populacionais – a matriz de projeção populacional
(Fig. 22.1). Para construir a caracterização gráfica
do ciclo de vida é necessário: 1) definir os estádios
morfológicos ou de tamanho que descrevem o ciclo
de vida do organismo (i.e., i-estádios); 2) definir o
intervalo de projeção (i.e., a unidade de tempo em
que serão repetidas as amostragens para avaliar as
mudanças demográficas (t, t+1); 3) delimitar cada
estádio em um compartimento (N), numerando-os
de 1 a n, sendo que, frequentemente, o primeiro
compartimento é atribuído às sementes ou plântulas;
4) inserir entre os compartimentos uma seta se um
indivíduo no estádio i no tempo t contribuir com
indivíduos (por crescimento ou reprodução) para o
estádio j no tempo t+1; e um arco se um indivíduo
no estádio i no tempo t contribuir com indivíduos
para o estádio i no tempo t+1; 5) denominar cada
arco ou seta por um coeficiente – o coeficiente aij
de Nj para Ni indica o número de indivíduos no
estádio i no momento t+1 por indivíduos no estádio
j no tempo t. Estes coeficientes são as probabilidades de transição ou os resultados da reprodução
(fecundidade).
O diagrama de descrição do ciclo de vida pode ser
representado na matriz de projeção populacional A, na
equação n(t+1)=An(t), onde: n(t) é o vetor de todos os
indivíduos na população no momento t, classificados
por estádios; n(t+1) é o vetor de todos os indivíduos no
próximo intervalo de tempo. A é a matriz que mostra
como os indivíduos em um dado estádio e, em um
dado momento, contribuem com indivíduos para cada
compartimento em uma unidade de tempo posterior.
As colunas da matriz mostram os estádios no tempo
t e as linhas, os estádios no tempo t+1 (Fig. 22.1).
Como exemplo, para a leitura da matriz, menciono
486 ⁞ Polinização e demografia de espécies vegetais
Cenário Atual
1
Cenários Alternativos
G1
Semente
Plântula
Juvenil
G2
P2
Adulto
F4
G3
P3
P4
P1
2
G1
G1
G2
G2
F4
G3
P2
P2
F4
G3
P3
P4
P3
P4
P1
P1
Ciclo de vida e a matriz de projeção populacional correspondente,
ressaltando a ligação entre a polinização e a matriz.
A
P1
0
0
F4
G1
P2
0
0
0
G2
P3
0
0
0
G3
P4
3
G1
G2
P2
F4
G3
P3
P4
P1
Figura 22.1 Lado esquerdo em cinza: diagrama de um ciclo de vida de uma planta hipotética, ilustrando os estádios envolvidos
na dinâmica de populações: sementes, plântulas, indivíduos jovens e adultos em um cenário atual. As setas representam as probabilidades de transição de um estádio para outro ou de manutenção em um mesmo estádio. A matriz de projeção correspondente
está representada abaixo do ciclo de vida. Lado direito: diagrama de um ciclo de vida de uma planta hipotética, ilustrando três
cenários alternativos devido: (1) redução na abundância de polinizadores, mas sem alteração na produção de sementes e nos demais
elementos do ciclo de vida da planta. Sob tais condições, λcenário atual poderia ser igual ao λcenário alternativo; (2) redução na abundância
de polinizadores e na produção de sementes, mas demais elementos do ciclo de vida da planta se mantêm inalterados. Sob tais
condições, λcenário atual poderia ser igual ao λcenário alternativo; (3) redução na abundância de polinizadores, na produção de sementes e
nos demais elementos do ciclo de vida da planta. Sob tais condições, λcenário atual poderia ser maior que o λcenário alternativo.
a segunda linha, primeira coluna (célula G1), que
apresenta a transição de sementes para plântulas e
que envolve os eventos de dispersão, sobrevivência das
sementes no solo e germinação. A matriz de transição
é uma forma de resumir as condições demográficas
para um dado ambiente, visto que os parâmetros de
análise da matriz (autovetores e autovalores) podem
ser interpretados biologicamente. A matriz resume
como o ambiente atua na população, ao longo do
tempo, mudando o número e a distribuição relativa
de indivíduos nos diferentes estádios. Por exemplo,
o autovalor dominante corresponde à taxa de crescimento populacional (λ), uma medida de desempenho
médio dos indivíduos e do sucesso demográfico da
Silvana Buzato ⁞
espécie em um dado ambiente. Valores de λ > 1,
< 1 e = 1 indicam, respectivamente, o aumento, o
decréscimo e a estabilidade no tamanho da população. Adicionalmente, os valores de sensibilidade
e estabilidade medem como mudanças absolutas
ou proporcionais em elementos da matriz afetam a
taxa de crescimento populacional. Para descrições
adicionais sobre análise e interpretação biológica dos
modelos matriciais, consultar Horvitz & Schemske
(1995), Caswell (2001) e Crone et al. (2011).
A coleta de dados para avaliar
os efeitos demográficos da
polinização
Em estudos demográficos, é comum a delimitação de
parcelas em locais que apresentam variações ambientais associadas a fatores bióticos e abióticos. Dentro
de cada parcela, todos os indivíduos são marcados e
numerados, sendo posteriormente mapeados usando-se um sistema de coordenadas geográficas. Estas
parcelas são acompanhadas por pelo menos três intervalos de projeção, podendo estes ser de meses ou
anos, dependendo das características do ciclo de vida
da planta. Em cada censo as plântulas são contadas
e mapeadas, bem como são realizadas medidas de
tamanho e reprodução de todos os indivíduos na
parcela. Tais informações são usadas para gerar as
estimativas de sobrevivência, crescimento e reprodução na população. A classificação dos estádios
para caracterizar a estrutura da população é feita a
partir das mudanças de tamanho dos indivíduos entre
censos, bem como da relação entre o tamanho do
indivíduo e a reprodução. A definição do número de
estádios varia de espécie para espécie, porém é comum
encontrarmos pelo menos quatro estádios: sementes,
plântulas, indivíduos vegetativos não reprodutivos e
indivíduos reprodutivos (Fig. 22.1).
487
Dentro de tais parcelas, o elo entre a polinização e a demografia é estabelecido através da
produção de sementes (fecundidade). Mudanças
na abundância de polinizadores e polinização poderiam experimentalmente ser produzidas pelo
ensacamento das flores, sendo suas consequências
quantificadas na produção de sementes dos indivíduos. Essas variações na produção de sementes
poderiam afetar o número de plântulas, bem como
o crescimento e a reprodução dos indivíduos em
censos posteriores, afetando os demais componentes
do ciclo de vida da planta e os valores de λ (Fig.
22.1, cenários alternativos). Para exemplos detalhados de estudos semelhantes, consultar Lopes
(2007) e Price et al. (2008).
Os efeitos conhecidos da
polinização sobre a demografia
Ainda são raros os estudos sobre os efeitos da polinização na demografia das plantas (Tab. 22.1).
Segundo a descrição dos sistemas de estudos, a
maioria das espécies estudadas é herbácea, ocorre
em regiões temperadas e apresenta sistema reprodutivo autoincompatível e dependência de polinizadores (abelhas) para a produção de sementes.
Adicionalmente, a importância do estádio de sementes para a demografia é reforçada pela ausência
de propagação clonal. A produção de sementes é
também limitada pela polinização, sendo esperado
que um aumento na polinização aumente a produção
de sementes e tenha consequências positivas para o
crescimento populacional.
Considerando os resultados destes estudos, temos a indicação de que conflitos na alocação de
recursos entre os componentes da história de vida
do organismo, escassez de sítios para germinação
Araceae
Fabaceae
Fabaceae
Fabaceae
Primulaceae
Orchidaceae
Fabaceae
Fabaceae
Melanthiaceae
Arisaema triphyllum
(L.) Schott 1
Cytisus scoparius
(L.) Link 2
Cytisus scoparius
(L.) Link 3
Lathyrus vernus
L. Bernh. 4
Primula veris L. 5
Tolumnia variegata
(Sw.) Braem 6
Trifolium
dasyphyllum
Torr. & A. Gray 7
Trifolium parryi
A. Gray 8
Trillium grandiflorum (Michx.)
Salisb. 9
TE
TE
TE
TR
TE
TE
Intro. USA
Intro. USA
TE
floresta
campo
campo
floresta
campo
floresta
urbano
campo
floresta
Distribuição Ambiente
erva
erva
erva
erva
erva
erva
arbusto
arbusto
erva
ausente
ausente
ausente
presente
ausente
ausente
ausente
ausente
presente
Propagação
clonal
autoincompatível
autoincompatível
autoincompatível
autoincompatível
autoincompatível
autocompatível
autocompatível
autocompatível
autoincompatível
Sistema
reprodutivo
abelhas
abelhas
abelhas
abelhas
abelhas
abelhas
abelhas
abelhas
moscas
Polinizadores
lAP = lNP
lAP ≈ lNP
lAP = lNP
lAP > lNP
lAP = lNP
lAP < lNP
lAP > lNP
lAP > lNP
lAP > lNP
Polinização e
demografia
lAP vs. lNP
Referências: 1 Bierzychudek 1982; 2-3 Parker 1997; 4 Ehrlen & Eriksson 1995; 5 Garcia & Ehrlen 2002; 6 Calvo 1993; 7-8 Geib & Galen 2012; 9 Knight 2004.
Intro: introduzida; TE: temperada; TR: tropical. Polinização: lAP: adição de pólen ou polinizadores, lNP: condições naturais de polinização.
Família
Espécie
Forma
de vida
Tabela 22.1 Ocorrência, características biológicas e efeitos demográficos da polinização para oito espécies vegetais
488 ⁞ Polinização e demografia de espécies vegetais
Silvana Buzato ⁞
de sementes e recrutamento das plântulas podem
reduzir as chances de encontrar efeitos positivos
da polinização sobre a demografia (Calvo 1993;
Ehrlén & Eriksson 1995; Price et al. 2008). Por outro lado, em populações com número de indivíduos
abaixo de seus valores de capacidade de suporte, o
aumento na polinização poderia ter consequências
positivas para o λ (Parker 1997). Considerando a
complexidade de respostas oriundas das relações entre
polinizadores, polinização e produção de sementes
(Waites & Agren 2004; Price et al. 2005; Harder
& Routley 2006; Richards et al. 2009), bem como
entre a produção de sementes e demografia (Horvitz
& Schemske 1995; Price et al. 2008; Horvitz et al.
2010), podem ser raros os momentos no espaço e
no tempo em que concomitantemente polinizadores
afetam positivamente a produção de sementes e a
produção de sementes afeta positivamente as taxas
de crescimento populacional. O desenvolvimento
teórico e analítico dos modelos demográficos tem
aumentado o poder de revelar tais momentos (veja
Horvitz et al. 2010).
Conclusão
Sabemos que a compreensão dos sistemas biológicos
depende muito de nossa habilidade em determinar
o quanto interações biológicas impõem limites à
ocorrência e à distribuição dos organismos (Janzen
1970; Leigh et al. 2004). Tal assunto se torna ainda
mais relevante em regiões tropicais, uma vez que a
origem e a manutenção da biodiversidade podem
ser fortemente mediadas por interações biológicas
(Janzen 1970; Schemske et al. 2009).
A compreensão dos efeitos da polinização sobre
a demografia de plantas está apenas em seu início.
Até este momento, as semelhanças nas características biológicas das espécies estudadas inviabilizam
489
análises comparativas ou inferências sobre a importância relativa dos diferentes sistemas sexuais ou
polinizadores sobre a taxa de crescimento populacional (λ). Para alterar esse contexto precisamos
ampliar as escalas espaciais e temporais dos estudos
sobre polinização.
No Brasil, temos excelentes estudos sobre biologia
reprodutiva e polinização de espécies que favorecem
a escolha de sistemas de estudo adequados para investigar os efeitos demográficos da polinização. Tal
investigação poderia ser usada para testar hipóteses e
aprofundar o conhecimento sobre questões clássicas
na área. Por exemplo, utilizando sistemas de polinização compostos por várias espécies de polinizadores
poderíamos verificar se diferenças nas eficiências de
polinização entre os vetores seriam traduzidas na
demografia. Há indícios de que mesmo pequenas
diferenças no regime de polinização (composição e
abundância) tenham o potencial de produzir efeitos
demográficos mensuráveis (Herrera 2000). Tais efeitos
certamente influenciariam o perfil dos sistemas de
polinização quanto ao grau de dependência entre
as plantas e seus polinizadores (Feinsinger 1983;
Vanhoenacker et al. 2013).
Agradecimentos
À Patrícia Gabryela Moreira e Joice Iamara Nogueira,
pela leitura prévia deste manuscrito. Aos editores,
André Rech, Isabel Cristina Machado, Kayna Agostini
e Paulo Eugênio Oliveira, por terem organizado este
livro e me fornecido a oportunidade de participar. A
Marlies e Ivan Sazima, por terem fornecido condições
adequadas de trabalho que valorizam a importância
do conhecimento sobre História Natural, favorecendo
os questionamentos e a produção de conhecimento
sobre a interação planta-polinizador.
490 ⁞ Polinização e demografia de espécies vegetais
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Foto: André Rodrigo Rech
*
Capítulo 23
*
Conservação dos polinizadores
Isabel Alves dos Santos1, Marcelo Aizen2 e Cláudia Inês da Silva3,4
1
Departamento de Ecologia, IB-USP – Rua do Matão, 321, trav. 14 – CEP: 05508-900 – São Paulo-SP – Brasil. e-mail: isabelha@
usp.br
2
Laboratorio Ecotono, Universidad Nacional del Comahue, Centro Regional Universitario de Bariloche – Quintral, 1.250 –
Bariloche, 8.400 – Rio Negro – Argentina. e-mail: marcelo.aizen@gmail.com
3
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP – Avenida dos Bandeirantes, 3.900 – CEP: 14040-901– Ribeirão
Preto-SP – Brasil.
4
Universidade Federal do Ceará – Avenida Mister Hull, s/n – CEP: 60455-970 – Fortaleza-CE – Brasil. e-mail: claudia.silva@ufc.br
A
polinização é um processo ecológico fundamental para as plantas que necessitam da transferência dos
grãos de pólen para fertilizar e se reproduzir. Na natureza isso é verdadeiro para maioria das plantas
com flores, incluindo muitas espécies cultivadas. Assim, os polinizadores são nossos parceiros, aumentando a
produção de muitos frutos e sementes consumidos pelo homem. Mas esta fauna, como quase toda biota, está
ameaçada pelo intenso e descuidado uso da terra. Já existem relatos de polinizadores extintos e dos prejuízos
subsequentes. Entretanto, para a natureza, o maior problema está nas reações em cadeia que são provocadas
quando elementos chave de uma rede de interação são excluídos. Neste capítulo apresentamos os problemas
mais críticos que ameaçam a fauna de polinizadores, as consequências que podem advir do declínio desta
fauna e, por fim, indicamos algumas medidas que podem atenuar em favor da manutenção dos mesmos. Entre
as causas do declínio de polinizadores destacamos a perda, fragmentação e degradação de habitat, a introdução de espécies invasoras e o uso de agrotóxicos. Esperamos com este texto esclarecer e sensibilizar para a
necessidade de se preservar nossos polinizadores nativos e assim garantir a polinização que eles desenvolvem.
494 ⁞ Conservação dos polinizadores
Introdução
Na lista de polinizadores estão incluídos animais
de diferentes histórias de vida, como, por exemplo,
morcegos que precisam de cavernas para se abrigar
e borboletas que precisam de determinadas plantas
para alimentar suas larvas. Assim, a melhor estratégia
para conservar os agentes polinizadores, como um
todo, seria manter os ecossistemas intactos. Em outras
palavras, seria necessário preservar as áreas naturais
onde esses animais vivem. Mas, no mundo moderno
e real, temos que conviver com as necessidades e alterações antrópicas que modificam, transformam e
degradam o ambiente, portanto precisamos encontrar
maneiras de associar as necessidades da população
humana com a preservação do ambiente natural,
onde as outras espécies selvagens, incluindo os polinizadores, vivem.
As expansões das cidades e fronteiras agrícolas avançam sobre as áreas naturais em velocidade
incompatível com nossa capacidade de estudar a
fauna e flora de tais ambientes. A redução do habitat
para forrageamento e nidificação representa uma das
maiores ameaças aos polinizadores, pois divide e
reduz suas populações aos fragmentos remanescentes.
Há um consenso entre os especialistas de que a
fauna de polinizadores está em declínio, mas quantificar essa perda é tarefa difícil. Mais difícil ainda
é estimar as consequências para toda a biota devido
às redes de interações complexas que são formadas
a partir de um único membro funcional dentro das
redes. Um exemplo muito simples que pode ilustrar
esta dificuldade seria a relação da abelha mamangava-de-toco (do gênero Xylocopa) com o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus): que tipo de relação pode
existir entre estes dois animais, uma abelha e um lobo?
As abelhas do gênero Xylocopa polinizam as flores
da lobeira (Solanum lycocarpum) (Oliveira-Filho &
Oliveira 1988), cujos frutos são muito importantes na
dieta do lobo, representando até 50% da sua dieta. O
fruto da lobeira tem ação terapêutica contra o verme
gigante dos rins (Dioctophyma renale), geralmente
fatal para o lobo-guará (Duarte et al. 2013), mas
as mamangavas dependem ainda de outras plantas para a sua sobrevivência, como, por exemplo, a
laranjinha-do-cerrado (Styrax ferrugineus e Styrax
camporum), de onde elas coletam exclusivamente o
néctar (Saraiva et al. 1988). Flores de Styrax, por sua
vez, são visitadas por muitas outras abelhas, como,
por exemplo, Euglossini, para a coleta de pólen. Ao
coletar o pólen essas abelhas polinizam as flores de
Styrax, permitindo a formação dos frutos. Os frutos
de Styrax servem de alimento para muitas espécies
de animais, especialmente aves (Lorenzi 1992). Estas
aves dispersam as sementes destes frutos e assim por
diante. Pronto, está formada uma rede de interações,
com vários atores e diferentes graus de dependência
entre eles. Voltando ao início desta rede, ao protegermos as abelhas do gênero Xylocopa e suas plantas
estaremos contribuindo para a sobrevivência do maior
canídeo da América do Sul: o lobo-guará.
Existem muitos exemplos nessa linha com redes
bem mais complexas que nos dão ideia da dificuldade,
complexidade, imprevisibilidade e responsabilidade
para avaliar os efeitos e consequências de qualquer
alteração nas redes de interações. A exclusão (ou diminuição) de um dos atores da rede pode causar impactos
indiretos e comprometer muitos dos participantes.
Ameaças que envolvam interações entre espécies muitas vezes têm um efeito cascata de extinção, que irá
atingir outros níveis tróficos (Anderson et al. 2011).
Neste capítulo idealizamos fornecer argumentos para sensibilizar os leitores acerca da importância dos visitantes florais que prestam um serviço
ecossistêmico fundamental para a manutenção da
biodiversidade e toda a cadeia alimentar (incluindo
Isabel Alves dos Santos
a humana). Os grupos brasileiros de polinizadores
são numerosos (centenas de vertebrados e milhares
de insetos) (Imperatriz-Fonseca et al. 2012). Estudos
mais aprofundados em cada grupo de polinizadores
não alcançam a casa das centenas. É consensual que
o nosso primeiro desafio para preservar os polinizadores é conhecer essa fauna, tanto aumentando as
amostragens em muitas regiões como aprimorando o
conhecimento sobre sua biologia e necessidades. Esta
tarefa é necessária, mas também é demorada. Então,
como temos urgência, é crucial detectar as principais
ameaças aos polinizadores e tomar providências para
amenizar as perdas. Apresentamos também alguns
números sobre prejuízos com a perda do serviço de
polinização e casos relatados de extinção de polinizadores. Por fim, propomos medidas que auxiliam
na manutenção e conservação desta preciosa fauna.
Ameaças
As ameaças aos polinizadores são muitas, mas com
certeza a destruição dos habitats naturais, seja por
fragmentação e degradação dos mesmos, seja por
uso excessivo de agrotóxicos e influência de espécies
invasoras, é o problema mais crítico. Existem alguns
estudos que tratam destes aspectos, mas ainda estamos
tentando entender a dimensão das consequências e
buscando maneiras para reverter as ameaças.
Fragmentação de habitat
A fragmentação dos habitats naturais acompanha a
expansão do uso da terra em razão do rápido crescimento da população humana e das medidas políticas
internacionais que transferem a responsabilidade de
produção agrícola primária aos países em desenvolvimento, quase todos na região tropical, onde coincidentemente está também a maior concentração de
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Marcelo Aizen
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495
biodiversidade. O processo de fragmentação resulta
na formação de manchas de habitat de diferentes tamanhos, formas e distância entre elas (Fahrig 2003).
Estudos sobre conservação e ecologia da paisagem
são unânimes sobre os efeitos primários que resultam
da fragmentação: 1) a quantidade total de habitat
diminui; 2) o número de fragmentos aumenta; 3) a
quantidade de borda de habitat aumenta; 4) o tamanho médio do fragmento diminui; 5) o isolamento
do fragmento aumenta, pois a matriz entre os fragmentos aumenta e se torna mais contínua (Fahrig
2003; Tscharntke & Brandl 2004; Ribeiro et al.
2009; Laurance et al. 2011). Em geral, a matriz de
ambientes alterados é homogênea e inóspita (Umetsu
et al. 2008), comprometendo a conectividade da paisagem (Moilanen & Hanski 1998) (Figs. 23.1 A-C).
Mas como estes resultados afetam a biodiversidade de um modo geral? Os efeitos negativos mais
óbvios são: 1) a riqueza diminui, pois áreas menores
contêm menos espécies; 2) o fragmento pode ser pequeno demais para sustentar populações (dependendo
das espécies) e isolado demais para receber colonizadores, ameaçando, assim, a viabilidade das populações (Tilman et al. 1994; Bender et al. 2003; Ewers
& Didham 2006; Sabatino et al. 2010). Animais
pequenos não voadores, por exemplo, têm baixa capacidade de dispersão ou de ocupação de habitat
perturbado e raramente se movimentam por longas
distâncias, resultando em redução da diversidade
genética e conectividade das populações (Templeton
et al. 1990; Dixo et al. 2009). Obviamente os efeitos
são sentidos de maneiras distintas, dependendo das
características das espécies, como: grau de especialização, tamanho corpóreo, tamanho populacional,
entre outros (Chacoff & Aizen 2006). Em uma comunidade temos espécies que atuam estrategicamente
em diferentes escalas espaçotemporais (Tscharntke
& Brandl 2004). Öckinger et al. (2010) verificaram
496 ⁞ Conservação dos polinizadores
Animais
Plantas
Animais
A
Animais
B
C
D
E
G
I
Plantas
J
Plantas
K
F
H
Animais
L
M
Figura 23.1 (A-C) Fragmentação de habitats. Paisagem típica do interior paulista, com matriz de cana-de-açúcar e pequenos
remanescentes, que sofrem intenso efeito de borda com a manipulação da cultura principal (durante plantio, colheita e queimada). (D) Duas espécies de abelhas coletoras de óleo floral (Centris e Tetrapedia) visitando flores de Angelonia (Foto: Paulo César
Fernandes). (E) paisagem favorável à conservação dos polinizadores, com oferta abundante de recursos na presença de flores da
vegetação periférica e plantas ruderais. (F) Criação racional de abelhas sem ferrão em meliponário em Bragança no Pará (Foto:
Giorgio Venturieri); ninho de abelha-solitária (Tetrapedia diversipes) construído em gomo de bambu oferecido artificialmente.
(G-J) Representação das redes planta-polinizador. Na parte superior encontram-se duas redes representadas em forma matricial
(G,H) e, na parte inferior, as mesmas redes estão representadas em forma gráfica (I,J). A matriz da esquerda (G) representa uma
rede qualitativa ou binária, onde se registram as interações observadas (1) e não observadas (0) entre um grupo de seis espécies de
plantas (linhas) e dez espécies de animais antófilos (colunas). Na representação gráfica desta mesma rede (I), as linhas indicam
as interações (links) observadas entre as espécies (“nós”), que, nesse caso, estão representadas por retângulos. O comprimento
da base destes retângulos é proporcional ao número de espécies com as quais cada uma delas interage. A matriz da direita (H)
representa uma extensão quantitativa da matriz da esquerda (G), onde os valores indicam uma medida da intensidade de cada
Isabel Alves dos Santos
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Marcelo Aizen
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497
interação (p. ex., o número de indivíduos de cada uma das espécies de animais observadas nas flores de cada uma das espécies de
plantas da rede). Na representação gráfica desta rede quantitativa (J), a largura de cada um dos links é proporcional à frequência
de cada interação indicada na matriz. Nesse caso, o comprimento da base de cada um dos “nós” indica a frequência total de
interação correspondente a cada uma das espécies, isto é, as somas marginais da matriz. (K-M) Representação gráfica do conceito de aninhamento de uma rede de interação planta-polinizador. Ilustra-se uma rede hipotética formada por cinco espécies
de orquídeas e quatro espécies de abelhas euglossinas. Esta assembleia de espécies e interações está perfeitamente aninhada, já
que as espécies mais especialistas de orquídeas são visitadas por uma subamostra das espécies de abelhas que visitam quaisquer
das outras espécies mais generalistas (K), enquanto as espécies mais especializadas de abelhas visitam somente uma subamostra
das espécies de orquídeas. Isso determina uma rede de interações (M) onde as espécies especialistas, sejam de orquídeas ou de
abelhas, interagem somente com espécies generalistas (círculos azuis), enquanto as interações entre generalistas (círculos vermelhos) formam o “coração” desta rede.
que borboletas com baixa mobilidade, nicho trófico
estreito e taxa reprodutiva baixa são mais fortemente
afetadas pela perda de habitat (para maiores detalhes
sobre os efeitos da fragmentação de habitat nas interações biológicas, ver Hagen et al. 2012).
Outro aspecto importante no contexto de fragmentação está relacionado à transferência de pólen
entre as plantas, que é determinada pelo nível de
dificuldade do movimento dos polinizadores na paisagem, isto é, a conectividade funcional da paisagem.
A maioria dos polinizadores precisa de um suprimento
seguro e confiável de néctar espaçotemporalmente
distribuído entre as manchas de plantas ou populações de espécies que vão visitar (Corbet 1995). A
distribuição espacial dos recursos auxilia o movimento
dos agentes polinizadores, garantindo localmente este
serviço ecossistêmico (Kremen et al. 2007; Hadley
& Betts 2011). Experimentalmente, Townsend &
Levey (2005) demonstraram que borboletas, abelhas
e vespas usam corredores para se movimentar entre
as manchas de plantas preferidas e que estes insetos
transferem significativamente mais pólen em comparação com os polinizadores em manchas sem conexão.
Cranmer et al. (2012), da mesma forma, atestaram
que cercas vivas e recursos atrativos artificiais podem
influenciar as direções do voo de abelhas do gênero
Bombus, aumentando a atividade do polinizador e a
deposição de pólen em Salvia pratensis (Lamiaceae) nas
manchas com mais conexões. Hadley & Betts (2009)
verificaram que a trajetória de retorno de beija-flores
fica mais longa e tortuosa em paisagens perturbadas,
como, por exemplo, matrizes agrícolas. Morcegos até
conseguem se movimentar por longas distâncias na
paisagem fragmentada ou terras desmatadas, mas o
risco de predação é maior e os recursos de flores na
matriz alterada são menores (Law & Lean 1999).
A fragmentação afeta negativamente as árvores
que possuem estratégias mais dependentes de movimento de dispersão e fluxo do pólen, resultando em
redução da diversidade funcional. Girão et al. (2007)
registraram a falta de três sistemas de polinização em
espécies arbóreas de fragmentos de Mata Atlântica no
nordeste brasileiro: polinização por pássaros, moscas e
mamíferos não voadores, além da redução dos índices
da polinização por mariposas, morcegos e vertebrados
de um modo geral, em comparação com as áreas
florestais mais contínuas. Na Usina Serra Grande,
em Alagoas, Lopes et al. (2006) encontraram valor
zero para população de esfingídeo no menor e no
mais isolado fragmento (Ibateguara e São José da
Lage). No Chaco serrano, na Argentina, Aizen &
Feisinger (1994) verificaram um declínio abrupto na
diversidade e abundância de polinizadores nativos
associado à fragmentação florestal.
498 ⁞ Conservação dos polinizadores
A fragmentação também reduz a qualidade do
habitat natural. Quanto menor o fragmento, mais
próximo da borda se estará em qualquer ponto do
habitat. As espécies das bordas sofrem mais com as
interações antagonistas com outras espécies que vivem na matriz (p. ex., ataques de parasitas, doenças,
herbívoros). A taxa de mortalidade na borda é muito
maior do que no meio da floresta, promovendo a
substituição de espécies vegetais tolerantes à sombra
de crescimento lento por espécies colonizadoras de
crescimento rápido e invasão de espécies exóticas.
Indivíduos que se dispersam pela matriz (p. ex., machos que buscam fêmeas para acasalar) estão sujeitos
a um maior risco de predação durante o tempo de
exposição (Ewers & Didham 2006).
Muitos eventos de remoção dos sistemas naturais ocorrem em função das fronteiras agrícolas. A
agricultura moderna converte áreas enormes originalmente diversas em monoculturas que não oferecem
oportunidades para forrageamento ou nidificação.
Imaginemos, por exemplo, a substituição de uma área
com fisionomia de cerrado por um extenso cultivo
de cana-de-açúcar: Que tipo de recurso os agentes
polinizadores vão encontrar para forragear ou nidificar nesta monocultura anemófila? Milet-Pinheiro
& Schlindwein (2005) demonstraram a redução
da riqueza e abundância de machos de Euglossini
em áreas de canavial na região Nordeste, sugerindo
que a borda da mata seria a barreira natural para a
maioria das espécies.
A expansão urbana também causa perda de
habitat. Por exemplo, na Costa Oeste dos Estados
Unidos, três espécies de borboletas foram extintas
(entre elas a famosa Glaucopsyche xerces – the xerces
blue butterfly) e as populações de outras três foram
drasticamente reduzidas devido à ocupação, no
ecossistema, de dunas na Califórnia (Powell 1981;
Groombridge 1994) (http://www.iucnredlist.org/)
(Stein et al. 2000). Martins et al. (2013) registraram
a redução de 22% da riqueza de abelhas e desaparecimento de espécies primordialmente abundantes
em São José dos Pinhais, no Paraná, ao comparar
resultados de três inventários realizados em momentos distintos ao longo de quarenta anos. Neste
caso, os fatores responsáveis foram a urbanização,
o crescimento populacional (o número de habitantes em de S. J. Pinhais aumentou dez vezes ao
longo deste período) e a expansão agrícola na região
(Martins et al. 2013).
Dados alarmantes foram apresentados recentemente sobre a fragmentação da Mata Atlântica em
função da expansão agrícola e urbana. Dos 150 milhões de hectares originais deste bioma restam entre
11,4% e 16%, sendo a maioria (80%) em fragmentos
menores que 50 hectares (Ribeiro et al. 2009).
Na região amazônica, a exploração madeireira é
um dos fatores responsáveis pela fragmentação florestal. Maués & Oliveira (2010) apresentam dados sobre
as taxas de desflorestamento e demonstram preocupação com o empobrecimento das florestas. A saúde
reprodutiva das árvores nativas fica comprometida
pela redução do número efetivo de indivíduos de uma
população (Cascante et al. 2002; Fuchs et al. 2003).
Os números de doadores de pólen e da quantidade
de pólen compatível depositada nos estigmas das
flores também tendem a diminuir, reduzindo a taxa
de frutificação (Aizen & Feisinger 1994; Rocha &
Aguilar 2001; Quesada et al. 2003; Harris & Johnson
2004). Os processos de desflorestamento podem
ainda conduzir ao declínio indireto na população dos
agentes polinizadores (Aizen & Feisinger 1994) ou
afetá-los diretamente, por exemplo, com a derrubada
de árvores que abrigam colônias de abelhas em ocos
(Eltz et al. 2003) ou ninhos de abelhas solitárias em
cavidades menores.
Isabel Alves dos Santos
Degradação da qualidade do
habitat
Compreender os efeitos da degradação de habitats
sobre populações ou comunidades é fundamental
para uma restauração eficiente. A degradação de
habitats naturais pode reduzir a biodiversidade local
em função, principalmente, da perda de fontes de
recursos alimentares e de sítios para a nidificação das
espécies (Hagen et al. 2012), o que significa a falta
de recursos necessários para completar seus ciclos de
vida (Roulston & Goodell 2011).
De maneira geral, os polinizadores visitam as
flores para a coleta de recursos alimentares como
néctar, pólen e óleos florais (Capítulo 6), entretanto
a dieta de muitos deles é constituída também por
outros itens alimentares. Muitas espécies de morcegos, por exemplo, além do néctar e pólen, também
consomem uma diversidade de frutos e artrópodes
(Muller & Reis 1992; Galetti & Morellato 1994;
Mikich 2002; Arkins et al. 2006). Embora os morcegos consigam voar longas distâncias, os recursos
alimentícios tendem a ser menores na matriz alterada
(Law & Lean 1999). Beija-flores adultos consomem
grande quantidade de néctar (Buzato 1995; Buzato
et al. 2000; Machado et al. 2007), contudo a dieta
dessas aves é composta também por muitas espécies
de insetos, que são importantes fontes de proteínas
(Yanega & Rubega 2004). Além disso, muitas espécies de beija-flores são territorialistas e demarcam
as fontes de recursos alimentares distribuídas em
manchas. Espécies maiores são mais agressivas e
restringem o acesso às flores defendidas no território
(Mendonça & Anjos 2005). Assim, em áreas degradadas, com baixa diversidade de plantas ornitófilas,
os beija-flores maiores têm mais sucesso na conquista
por manchas, comprometendo a manutenção de
espécies menores.
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Marcelo Aizen
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499
Vespas adultas usam néctar das flores na sua dieta, mas seus imaturos se alimentam principalmente
de proteína animal, provenientes de aranhas e larvas
de outros insetos (Capítulo 13). Este é o caso da vespa social Polistes ferreri, que abastece suas crias com
larvas principalmente de Lepidoptera (Andrade &
Prezoto 2001). No caso de Lepidoptera, as borboletas
e mariposas dependem de fontes distintas de recursos
alimentares durante o seu ciclo de vida (Capítulo 10).
O néctar é uma fonte importante de água, açúcar e aminoácidos para as borboletas adultas e está relacionado
à longevidade e ao sucesso na postura de ovos (Boggs
1987; Boggs & Ross 1993; Holl 2006). Na fase larval,
os lepidópteros alimentam-se de folhas, partes florais
e outras partes das plantas (Capítulo 10) (Holl 2006).
Assim, fica clara a importância de o ambiente
suprir todos estes itens da dieta e garantir que estes
animais completem seus ciclos de vida. Mesmo para
aqueles animais que possam se deslocar por grandes
distâncias, o risco de predação em habitats degradados é maior.
A degradação dos habitats também compromete o ciclo de vida dos polinizadores por meio da
redução dos sítios para a sua nidificação. Muitas
espécies de abelhas, por exemplo, constroem seus
ninhos escavando os solos, barrancos, troncos de
árvores, madeira morta, entre outros (Roubik 1983;
Cane 1991; Michener 2007). Estes substratos são
imprescindíveis para a sobrevivência e manutenção
dessas abelhas. Práticas modernas de agricultura
são altamente danosas para espécies de abelhas que
nidificam em solos, pois a aragem constante da terra,
a compactação do solo, a remoção de barrancos e o
acúmulo de agrotóxicos no solo podem dificultar o
processo de nidificação ou causar a mortalidade nas
espécies. Da mesma forma, a remoção de substratos
como galhos e troncos também afeta as abelhas que
usam tais recursos para a nidificação.
500 ⁞ Conservação dos polinizadores
Outro aspecto importante da degradação de habitat está relacionado à remoção de plantas nativas
ruderais em campos agrícolas, que reduz a disponibilidade de recursos alimentares para as espécies de
polinizadores em escala local (Warren 1992; Winfree
et al. 2009; Cavalheiro et al. 2011). Isso promove migração de espécies para outras áreas, comprometendo
a manutenção das redes tróficas locais. Em cultivos
convencionais, muitas espécies de plantas ruderais são
consideradas pragas, invasoras, daninhas e altamente
agressivas, sendo frequentemente retiradas das áreas
pelos produtores rurais (Goulson et al. 2008). Silva
(2009) revelou que as mamangavas polinizadoras do
maracujá-amarelo apresentavam como parte fundamental de suas dietas grãos de pólen de espécies de
plantas ruderais, como, por exemplo, dos gêneros Senna
(mata-pasto) e Solanum (a lobeira e o juá). A remoção
de tais plantas ruderais no entorno dos cultivos do
maracujazeiro compromete localmente a manutenção
das mamangavas, pois as flores do maracujá são fontes
exclusivas de néctar e essas abelhas dependem também
de pólen para manter as suas crias (Silva et al. 2010).
Espécies invasoras
A presença de espécies exóticas pode trazer consequências diretas ou indiretas para espécies nativas. Muitas
espécies invasoras são agressivas, ou competidoras
fortes, dominando (ou excluindo) as espécies nativas.
Por exemplo, uma espécie de mariposa invasora dos
Estados Unidos visita a orquídea Platanthera praeclara para tomar néctar, mas não a poliniza, pois a
polínea não fica aderida na posição adequada para a
transferência e polinização. Porém, como suas visitas
ocorrem antes da mariposa nativa (a polinizadora
efetiva), a planta acaba não sendo polinizada e a
mariposa efetiva tem o recurso diminuído ou mesmo
esgotado pela invasora (Shepherd et al. 2003).
A introdução de Bombus terrestris e Bombus impatiens nas Américas tem sido palco de preocupação
em muitos aspectos, como transmissão de doenças
e novos patógenos, competição por recurso com espécies nativas e hibridização com espécies nativas
de Bombus (Winter et al. 2006; Meeus et al. 2011).
Até mesmo na Argentina, onde a invasão de Bombus
terrestris foi registrada no norte da Patagônia há menos
de dez anos (Torretta et al. 2006), os prejuízos com
doenças já são sentidos nas populações da espécie
nativa, Bombus dahlbomii, devido à ação de um novo
patógeno (Arbetman et al. 2012).
Adicionalmente, na Tasmânia Bombus terrestris
divide o forrageamento com os insetos nativos e com
pássaros nectarívoros em pelo menos sessenta e seis
plantas nativas (Hingston & McQuillan 1998). Por
sua vez, na Nova Zelândia, o Bombus europeu visita
quatrocentas espécies de plantas introduzidas, facilitando suas propagações (Donovan & Macfarlane
1984).
Espécies introduzidas também destroem polinizadores diretamente, como no caso do rato do
Pacífico (Rattus exulans), que chegou à Ilha de Páscoa
com os polinésios e é apontado como o responsável
pela extinção do papagaio Eunymphicus cornutus
(Psittaciformes), que polinizava a extinta palmeira
do gênero Jubaea (Arecaceae) (Robinet et al. 1998).
O rato destrói diretamente os ninhos do papagaio.
Inseticidas
Segundo a própria etimologia da palavra, “inseticidas” têm a ação de eliminar ou repelir insetos, mas
eles não eliminam apenas aqueles que são pragas.
Eles exterminam também insetos polinizadores,
ou aqueles que poderiam predar os insetos-pragas
naturalmente. Os inseticidas atuam diretamente
Isabel Alves dos Santos
ou indiretamente nos insetos, seja nos adultos ou
imaturos, podendo afetar as cadeias alimentares em
diferentes níveis tróficos.
Os lepidópteros, por exemplo, apresentam um
ciclo de vida relativamente longo, e isso faz que esses insetos estejam expostos a um número maior de
aplicações de inseticidas (Cuthbertson & Jepson
1988). Efeitos letais e subletais têm sido relatados,
principalmente para as larvas diurnas de borboletas,
diminuindo suas taxas de fecundidade e longevidade
(Longley & Sotherton 1997). Além da ação direta da
aplicação sobre os imaturos, os adultos de lepidópteros
também podem sofrer com resíduos de inseticidas
que permanecem no néctar e pólen das flores (Barker
et al. 1980; Choudhary & Sharma 2008). Muitos
inseticidas sistêmicos, como, por exemplo, os neonicotinoides, quando aplicados às culturas em fase de
floração, são translocados e passam a estar presentes
no pólen e no néctar. Assim, ao serem ingeridos,
causam a morte de adultos e imaturos por envenenamento (Desneux et al. 2007) ou por estimular o
sistema nervoso central, conduzindo a paralisia e
morte (Elbert et al. 2008). Por exemplo, operárias
de Apis mellifera alimentadas com doses subletais
de tiametoxam apresentam dificuldades de localizar
até mesmo sua própria colônia (Henry et al. 2012).
Para Bombus terrestris a aplicação de imidacloprido
(neonicotinoides) reduziu o crescimento da colônia,
causando uma queda de 85% na produção de rainha
em relação às colônias controle (Whitehorn et al.
2012), sendo que este mesmo produto pode repelir
moscas e besouros (Easton & Goulson 2013).
Além dos neonicotinoides, os inseticidas organoclorados atuam em canais de sódio e potássio de
neurônios, alterando o fluxo normal de entrada e saída
desses íons, o que afeta a transmissão de impulsos
nervosos (Nocelli et al. 2012). Entre os organoclorados, o dicloro-difenil-tricloroetano (DDT) foi o
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501
mais usado, mas atualmente é proibido em todo o
território brasileiro (D’amato et al. 2002). O inseticida
lindano (também organoclorado) causou 100% de
mortalidade em A. mellifera após quatro horas de
aplicação (Malaspina & Stort 1983).
Outra classe de inseticida, os piretroides, atua
nos sistemas nervosos central e periférico, alterando
a modulação dos canais de sódio e a polaridade da
membrana celular (Freitas & Pinheiro 2010). Segundo
Cox & Wilson (1984), operárias de A. mellifera,
quando expostas a permetrina, perdem sua capacidade de orientação, apresentam graves distúrbios de
comportamento, irritabilidade, excessiva autolimpeza, abdômen contraído, tremores e alterações na
capacidade de forrageio.
Na classe dos pesticidas, os inseticidas são geralmente os tóxicos mais agressivos, mas os herbicidas também podem apresentar riscos aos animais
(Aktar et al. 2009). A aplicação de herbicidas pode
afetar diretamente os polinizadores, como ocorre,
por exemplo, com oxadiazon, que é tóxico para as
abelhas, mas também pode afetar de forma indireta com a remoção de espécies de plantas ruderais,
consideradas daninhas, pois ocorre uma redução do
número de flores e, consequentemente, da disponibilidade de recursos florais usados pelos visitantes e/ou
polinizadores (Johansen & Mayer 1990), visto que a
maioria dessas plantas é atrativa aos insetos (Kiill et
al. 2000; Maia-Silva et al. 2012). Além disso, quando
as espécies ruderais tombam naturalmente, elas promovem a proteção e nutrição dos solos, funcionando
como facilitadoras para o estabelecimento de outras
espécies de plantas que também são importantes
para a alimentação dos polinizadores. Sendo assim,
o solo desprotegido e contaminado por herbicidas
pode exercer um efeito negativo sobre as espécies de
insetos que nidificam ou têm parte do ciclo no solo.
502 ⁞ Conservação dos polinizadores
Recentemente, revisões e estudos importantes foram publicados apresentando informações
sobre os danos irreparáveis dos pesticidas sobre
a fauna de polinizadores, com destaque para as
abelhas (Freitas & Pinheiro 2010; Pinheiro &
Freitas 2010; Nocelli et al. 2012 ; van der Valk
et al. 2012). Esses estudos alertam para os riscos
da aplicação indiscriminada dos pesticidas que
podem ter provocado o fenômeno denominado
colony collapse disorder (CCD) (VanEngelsdorp
et al. 2009). Nos Estados Unidos a CCD levou
à perda de 90% das colônias de Apis mellifera
(Oldroyd 2007). No Brasil, na região central do
estado de São Paulo, o uso de inseticidas esteve
relacionado à perda de mais de 5 mil colônias de
abelhas africanizadas (Nocelli et al. 2012).
A utilização de fertilizantes também pode ter
consequência nas características florais (Burkle &
Irwin 2010). Hoover et al. (2012) demonstraram,
na Nova Zelândia, que abelhas do gênero Bombus
podem reduzir a longevidade ao consumirem néctar
com concentração alta de nitrogênio.
Consequências e prejuízos do
declínio dos polinizadores
Se uma espécie-chave de planta perde seus polinizadores, toda a estrutura da comunidade poderá
mudar drasticamente (Kearns & Inouye 1997).
Por exemplo, em uma determinada comunidade
dominada por Ficus, 80% das espécies de vertebrados dependem de figo em suas dietas básicas (Bronstein et al. 1990; Kalko et al. 1996).
Nesse cenário, se os figos não frutificarem pela
falta de seus polinizadores específicos, a alimentação dos vertebrados de tal comunidade estará
comprometida.
Interferência nas redes de
interações ecológicas
As flores de muitas espécies de plantas são visitadas
por mais de uma espécie animal, enquanto muitas
espécies de animais antófilos, sejam invertebrados ou
vertebrados, obtêm alimento de flores de mais de uma
espécie de planta (Introdução Seção 3). Assim, em
uma comunidade, as espécies de plantas com flores
e os animais antófilos estão relacionados direta ou
indiretamente uns aos outros por meio de uma rede
de interações (Capítulo 17).
O conjunto de interações planta-polinizador de
uma assembleia em particular (p. ex. abelhas coletoras de óleos florais), forma um tipo de rede que se
denomina “bipartida”. Tal rede é formada por duas
classes de “nós”, representando, de um lado, as espécies
de plantas e, do outro lado, os animais antófilos que
visitam e eventualmente polinizam suas flores. As
ligações (links) entre eles representam as interações
planta-polinizador observadas (Bascompte & Jordano
2007; Jordano et al. 2009). As redes bipartidas podem
ser representadas tanto em forma matricial (Figs.
23.1 G,H), como também gráfica (Figs. 23.1 I,J). As
redes que somente indicam presença ou ausência da
interação são chamadas de “qualitativas” (Fig. 23.1
I), enquanto aquelas contendo alguma medida que
reflita a intensidade da interação (p. ex., a frequência
de visitas) se denominam “quantitativas” (Fig. 23.1 J).
As perspectivas de “rede” mudaram as visões
prévias antagônicas das interações planta-polinizador,
antes consideradas recíprocas e altamente especializadas (Faegri & van der Pijl 1979), passando a ser vistas
como difusas e altamente generalizadas (Introdução
Secção 3) (Waser et al. 1996). A análise de um grande
número de redes reais revelou uma série de propriedades das mesmas que são relevantes para a conservação
dos mutualismos planta-polinizador (Bascompte &
Isabel Alves dos Santos
Jordano 2007; Jordano et al. 2009). A primeira destas
propriedades é que as redes mutualísticas apresentam
uma estrutura “aninhada” determinada pela tendência
de espécies mais especialistas, seja de plantas ou animais, interagirem com um subconjunto de espécies
que interagem com espécies mais generalistas. Este
tipo de estrutura seria altamente estável e resiliente
a perturbações (Ashworth et al. 2004; Bascompte et
al. 2006; Okuyama & Holland 2008; Thébault &
Fontaine 2010), maximizando o número de espécies
que podem coexistir devido ao número determinado
de interações (Bastolla et al. 2009).
O aninhamento da rede implica a existência de:
1) um núcleo ou “coração” formado pelas espécies
de plantas e visitantes florais generalistas e a densa
trama de interações que se estabelecem entre eles
(Bascompte et al. 2003; Bascompte & Jordano 2007;
Jordano et al. 2009); e 2) especialistas que interagem
com estes generalistas mais que com os outros especialistas (Vázquez & Aizen 2004; Bascompte et al.
2006) (Fig. 23.1 M).
Desta forma, a extinção de uma espécie relativamente especialista (p. ex., uma abelha solitária
coletora de óleo) (Fig. 23.1 D) teria consequências
menores em termos de disparar outras extinções
secundárias (Memmott et al. 2004; Kaiser-Bunbury
et al. 2010), dada a baixa dependência que o parceiro
generalista teria do especialista (p. ex., uma espécie
de planta cujas flores são visitadas por outras espécies
de abelhas coletoras de óleo e pólen).
Dentro do “coração” da rede as interações seriam
de natureza difusa e redundante, em que a ruptura
de qualquer interação em particular não comprometeria a sobrevivência das outras espécies da rede
(Aizen & Vázquez 2006). Contudo percebe-se que
a integridade deste núcleo de interações é particularmente crítica em termos da dinâmica ecológica
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Marcelo Aizen
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503
e evolutiva das espécies de plantas e polinizadores
que formam a rede (Bascompte & Stouffer 2009;
Fang & Huang 2012).
Apesar de o aninhamento conferir estabilidade
e resiliência às redes mutualísticas, esta estrutura
não garante imunidade aos diferentes tipos de impacto de origem antrópica (Vázquez & Simberloff
2003; Memmott et al. 2007; Aizen et al. 2008; 2012;
Tylianakis et al. 2008; Spiesman & Inouye 2013),
embora tal estrutura possa determinar um atraso
na perda de espécies diante de uma perda acelerada
de interações (Tylianakis et al. 2008; Sabatino et al.
2010). O fato de que as perdas de interações ocorrem a uma taxa maior do que a perda de espécies e,
portanto, precede a extinção das mesmas, levanta a
seguinte questão: é possível prever a vulnerabilidade
das espécies à extinção em função das características
das suas interações?
Além dos efeitos estruturais das redes sobre a
sobrevivência das espécies, é de se esperar que as espécies envolvidas em interações mutualísticas possam
persistir por algum tempo após a separação de suas
interações, dependendo da longevidade individual,
abundância da população inicial, generalização no uso
dos parceiros mutualistas e do grau de dependência
do mutualismo em si mesmo para a sua sobrevivência
(Bond 1994; Williams et al. 2010). Nesse sentido, a
comparação de redes de interações provenientes de
doze formações de serras, com tamanhos variando
entre dezenas a milhares de hectares, estando essas
ilhadas por um “mar” de agricultura nos Pampas da
Argentina, forneceu uma resposta afirmativa a essa
questão (Sabatino et al. 2010; Aizen et al. 2012). A
análise comparativa destas redes mostrou que as interações mais vulneráveis são aquelas caracterizadas
por uma baixa frequência e que ocorrem entre espécies especialistas. Tais características contribuem de
forma aditiva à vulnerabilidade de uma interação, de
504 ⁞ Conservação dos polinizadores
tal forma que as interações “raras” e “especializadas”
deveriam ser fortemente monitoradas para garantir a
sobrevivência das espécies de plantas e polinizadores
envolvidas (Aizen et al. 2012).
Em adição, os distúrbios antrópicos poderiam
afetar a dinâmica das redes mutualísticas em escala
ecológica e evolutiva, além de seus efeitos sobre determinadas interações entre espécies (Bascompte et al.
2003; Kiers et al. 2010). Comparações entre as redes
nos Pampas mostram que as interações que ocorrem
com alta frequência, e entre espécies generalistas, são
mais resistentes à perda de habitat. No entanto essas
interações que formam o “coração” das redes em serras
maiores perdem seu papel central e estruturador de
redes em serras menores. Nessas últimas, a composição do “coração” está formada por interações entre
espécies oportunistas cuja ocorrência aparentemente
varia entre as serras (Aizen et al. 2012). A partir destes
resultados, pode-se prever que, em ambientes fragmentados, as pressões de seleção que determinariam
as trajetórias demográficas e evolutivas das espécies
seriam mais variáveis no tempo e no espaço, o que
poderia comprometer sua sobrevivência em curto
prazo e sua capacidade futura de adaptação.
Mudanças estruturais na organização de redes
mutualísticas podem também ser observadas nos
casos de introdução de espécies. Na ausência de mecanismos de regulação populacional, tanto espécies
de plantas com flores como de visitantes florais de
origem exótica podem alcançar abundâncias extremamente altas e “usurpar” as interações que se estabelecem entre espécies de plantas e polinizadores
nativos. Por exemplo, um estudo demonstrou que
as redes de áreas perturbadas nos bosques temperados da América do Sul estão caracterizadas por
um empobrecimento no número de interações entre
espécies nativas, apesar de a conectividade total da
rede permanecer invariável (Aizen et al. 2008). Neste
caso, as espécies invasoras convertem-se em “supergeneralistas”, formando complexos de mutualistas
invasores que ocupam o coração da rede, determinando, assim, sua dinâmica (Simberloff & von Holle
1999; Morales & Aizen 2006). As espécies nativas
permanecem na comunidade, interagindo de forma
altamente assimétrica com as espécies exóticas, o
que poderia afetar a demografia e futuras trajetórias
evolutivas das nativas.
Estes exemplos ilustram a importância de se
estudarem mutualismos planta-polinizador em um
contexto de redes de interações, quando se tratar
de conservação (Tylianakis et al. 2010). Uma consequência destes e de outros estudos sobre redes de
interações é que o foco das ações de conservação e
restauração deveria estar sobre as interações mais do
que sobre as próprias espécies, já que a restauração
das interações críticas garantiriam a sobrevivência a
longo prazo de espécies particularmente vulneráveis
(Menz et al. 2011). O entendimento da arquitetura
das redes de interação e como as mesmas são afetadas por distintos tipos é o primeiro passo para a
conservação das espécies.
Prejuízos econômicos
Os polinizadores não são apenas importantes para a
reprodução das plantas silvestres, mas também para
espécies cultivadas. Já em 1977, o Prof. Peter Kevan,
da Universidade de Guelph (Canadá), alertava para
as perdas milionárias no cultivo de mirtilo em New
Brunswick, no Canadá, devido à destruição de polinizadores nativos pelo uso e aplicação de inseticidas
(Kevan 1977). Recentemente uma avaliação global
estimou que o valor econômico global dos serviços
de polinização em 2005 foi da ordem €153 bilhões
(Gallai et al. 2009). Estes valores, locais ou globais,
nos alertam para reais prejuízos econômicos que a
Isabel Alves dos Santos
sociedade pode enfrentar com o declínio das populações de polinizadores. Klein et al. (2007) listaram
oitenta e sete plantas de interesse econômico e importantes para a alimentação humana que dependem
da polinização por animais. Mesmo aquelas espécies
que não dependem totalmente dos polinizadores aumentam significativamente a produção de sementes
com a participação dos mesmos.
O aumento da produtividade ou qualidade dos
frutos agrega um valor real e imediato ao produto.
Para ilustrar citaremos alguns casos bem conhecidos.
As abóboras (Cucurbita), de um modo geral (espécies
cultivadas ou selvagens), por possuírem flores com sexo
separado, precisam de agentes para a transferência de
pólen (McGregor 1976; Cane 2005). Sem eles não
há frutos e, com eles, além de ocorrer frutificação,
o tamanho, a massa e a quantidade de sementes dos
frutos aumentam (p. ex: Cucurbita maxima andreana,
na Argentina) (Ashworth & Galetto 2001). No caso do
maracujazeiro, as flores, além da hercogamia (separação espacial dos órgãos reprodutivos) e da protandria
(maturação do órgão masculino antes do feminino),
são autoincompatíveis, sendo a polinização obrigatoriamente cruzada nas espécies cultivadas (Camillo 2003;
Silva et al. 2010; Gaglianone et al. 2010). A polinização
nas flores do maracujazeiro é realizada por abelhas de
grande porte que, ao coletar o néctar, promovem a
polinização (Yamamoto et al. 2012). Da mesma forma,
as flores da castanha-do-brasil, Bertholletia excelsa,
Lecythidaceae, dependem de abelhas grandes capazes
de abrir as flores para a polinização (Maués 2002).
Nestes três exemplos citados, a falta de polinizadores
causa prejuízos concretos aos produtores. A castanheira,
mesmo ocorrendo em áreas com menor intensidade
da ação antrópica, já registra falhas na frutificação nas
populações fragmentadas (Mori 1992).
Na falta de polinizadores, os agricultores precisam recorrer à polinização manual e isso tem um
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Marcelo Aizen
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505
custo. Para o maracujá-amarelo (Passiflora edulis),
Pereira-Vieira et al. (2010) estimaram uma economia de mais de R$ 30 mil em uma área com 2,3 ha
a cada três anos, com o serviço gratuito fornecido
pelas abelhas do gênero Xylocopa. Para a produção de
baunilha, extraída das bagas da orquídea do gênero
Vanilla (natural do continente americano), os custos com a polinização manual representam 40% do
valor total do produto, já que os maiores produtores
(Indonésia e Madagascar) são países localizados em
continentes distantes das Américas, onde também
vivem os polinizadores efetivos (Gregory et al. 1967).
As perdas de polinizadores não afetam apenas as
plantas, que ficam com a sua produtividade aquém
do seu potencial, mas também a manutenção de
outros animais que dependem de frutos e sementes
para a sua sobrevivência. Nos últimos anos tem sido
bastante noticiado o fenômeno do desaparecimento
abrupto da abelha-do-mel, A. mellifera, principalmente no hemisfério norte (vanEngelsdorp et al.
2009; Kluser et al. 2010). A causa da mortalidade e
da diminuição drástica do número de colônias ainda
está sendo investigada, mas os prejuízos calculados
para polinização migratória estão entre US$ 15-20
bilhões anuais, além da perda de cerca de 30% das
colônias nos Estados Unidos (Morse & Calderone
2000; Johnson et al. 2010). No Brasil esta estimativa
nunca foi calculada para abelhas nativas ou não domesticadas, que certamente estão sofrendo os mesmos
problemas ambientais.
Para não adotar, entretanto, apenas um discurso pessimista sobre os prejuízos com o declínio dos
polinizadores, podemos falar de ganhos reais com a
presença dos mesmos ou lucros adicionais que os produtores podem ter por manterem iniciativas amigáveis
à fauna de polinizadores, conservando-as ou mesmo
reintroduzindo-as. Por exemplo, estudos apontam que
áreas cultivadas de café (Coffea arabica, Rubiaceae)
506 ⁞ Conservação dos polinizadores
próximas às florestas (~ 1 km) têm a produção aumentada em 14%-20% quando comparadas a áreas
distantes dos fragmentos (De Marco & Coelho 2004;
Olschewski et al. 2006). A melhoria se dá tanto na
produtividade como na qualidade dos grãos. Em países como Costa Rica e Equador produtores de café
recebem um certificado “amigo da biodiversidade”
por protegerem o mato amigo, que, além de refúgio
para inimigos e pragas, também é moradia dos polinizadores. O serviço da polinização para o café foi
estimado em cerca de US$ 60.000/ano (46-111 ha) na
Costa Rica (Ricketts 2004). Os produtores ganham
com o aumento da produtividade, com a qualidade
dos grãos e com a certificação.
Semelhantemente ao constatado para o café,
Chacoff & Aizen (2006) recomendam reflorestamento da borda em cultivos de grapefruit na Argentina
para promover os estoques de polinizadores. Eles
verificaram que na borda da floresta o número de
espécies visitantes florais nas flores da toranja (pomelo)
é duas a quatro vezes maior que 1.000 m dentro do
cultivo. Na África do Sul, Cavalheiro et al. (2010)
verificaram que nem a eliminação de pesticidas nem
a adição de Apis mellifera compensam o declínio da
fauna de visitantes florais (tanto em riqueza como
abundância) nas flores de manga, ao se distanciar das
áreas naturais. Mas a adição de plantas nativas ajudou
a reduzir os efeitos causados pela distância do habitat
natural, tendo efeitos positivos mais acentuados em
campos orgânicos (Cavalheiro et al. 2012).
Até mesmo para monoculturas, como é o caso da
alfafa Medicago sativa (leguminosa), com produção
global na ordem de 430 milhões de toneladas/ano,
principalmente na América do Norte, a produção de
sementes dobrou após a introdução da abelha solitária, Megachile rotundata (Megachilidae) nos cultivos.
Esta espécie de abelha foi manejada com muito sucesso desde a década de 1960 (Pitts-Singer & Bosch
2010). Os ninhos são colocados no meio dos extensos
campos de alfafa e mais de dois terços da produção
de sementes de alfafa provêm da polinização por M.
rotundata. Mas a introdução desta espécie poderia ter
sido dispensável se a abelha nativa Nomia melanderi
fosse adequadamente manejada para este fim (Cane
2008). Esta espécie forma extensas agregações em
solo livre de vegetação, preferencialmente úmido, e
persiste por muitos anos. Obviamente esta abelha é
suscetível a inseticidas.
Polinizadores extintos ou em
extinção
Alguns exemplos de espécies de polinizadores extintas
já foram mencionados anteriormente. Relatos sobre
extinção de insetos são relativamente raros, pois ainda
desconhecemos muito sobre esta fauna (suas biologias,
tamanhos populacionais ou até mesmo sobre suas
existências) para afirmar que desapareceram ou que
estão em declínio. No caso de vertebrados, as ocorrências são mais constantes. Barnosky et al. (2011)
discutem sobre as taxas alarmantes de extinção que
estamos vivendo na atualidade e fazem projeções para
os grupos mais vulneráveis, como mamíferos e aves.
Entre os morcegos, por exemplo, cerca de
um quarto das espécies (239/1.000) é considerado ameaçado de extinção pela International Union
for Conservation of Nature and Natural Resources
(IUCN) e doze estão extintas. O Brasil hospeda
cerca de 15% da fauna mundial de morcegos, contabilizando cento e sessenta e sete espécies (Paglia et
al. 2012). No Brasil, os morcegos polinizam muitas
plantas de interesse comercial, como pêssego, bananas
selvagens, palmeiras, pequi-do-cerrado (Caryocar
brasiliense) (Gribel & Hay 1993), piquiá-da-amazônia
(Caryocar villosum) (Martins & Gribel 2007) e muitas
Isabel Alves dos Santos
espécies da Mata Atlântica (Sazima et al. 1999) e da
Caatinga (Machado & Lopes 2004). Nas regiões
áridas das Américas do Sul e do Norte, a maioria
das espécies de cactos colunares e muitas espécies
de agave são polinizadas por morcegos (Petit & Pors
1996; Valiente-Banuet et al. 1995). Nas ilhas oceânicas, como Samoa, morcegos polinizam a maioria
das espécies arbóreas (Cox et al. 1991). Os morcegos
destacam-se pelo transporte do pólen para longas
distâncias em áreas florestais. Existem evidências de
fluxo polínico acima de 18 km entre as árvores de
mafumeira (Ceiba pentandra – Malvaceae) em uma
população na vizinhança de Manaus (Dick et al.
2007). Além de polinizadores, os morcegos também
promovem outros importantes serviços ambientais,
como dispersão de sementes, predação e controle de
insetos-pragas (Bernard et al. 2010).
No caso das aves, os riscos de extinção não são
igualmente distribuídos entre as linhagens (Bennett
& Owen 1997; Lees & Peres 2006; 2008). Além
da perda de habitat, ameaça comum aos outros polinizadores, a caça e a perseguição humanas, bem
como a introdução de espécies predadoras, também as
ameaçam (Owen & Bennett 2000). As espécies com
maior grau de especialização sofrem mais, como, por
exemplo, os beija-flores (Trochilidae). Historicamente
caçados por suas penas e devido ao comércio entre
colecionadores, os beija-flores possuem populações
pequenas, e várias espécies são territorialistas. Eles
sofrem também por envenenamento por concentração
de químicos no ambiente. Pelo menos vinte e seis espécies de beija-flores estão ameaçadas (Nabhan 1996),
e há relatos de duas espécies que se extinguiram no
passado recente: esmeralda-de-brace (Chlorostilbon
bracei) e esmeralda-de-gould (Chlorostilbon elegans).
Glaucis dohrnii, endêmica do sul da Bahia, é considerada ameaçada, e a espécie beija-flor-das-costas-violetas (Thalurania watertonii), endêmica do nordeste do
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Brasil, é considerada vulnerável na lista do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio) (Machado et al. 2005). Estas espécies sabidamente visitam e polinizam várias espécies de
bromélias (Buzato et al. 2000; Siqueira-Filho &
Machado 2001). Além das aves que adejam, como
os beija-flores, as que pousam também são numerosas
entre os polinizadores na região Neotropical e no
Brasil (Rocca & Sazima 2010; Buzato et al. 2012) e
são consideradas menos especializadas para o néctar
em comparação aos beija-flores. Em contrapartida,
dada a complementação da dieta com outros itens,
as aves que pousam acabam tendo papéis ecológicos
importantes também.
Segundo Hilton-Taylor (2000), a existência de
mais de 85% das espécies de aves e mamíferos da lista
de espécies ameaçadas do mundo se deve a fragmentação, perda e degradação de habitat.
Em condições naturais (isso vale para toda biota),
os riscos de extinção são maiores para populações
geograficamente limitadas e com baixa densidade,
pois estas sofrem com a menor probabilidade de
persistência da população (Jonas et al. 2003, para
morcegos). Populações pequenas e geograficamente
limitadas estão sujeitas a processos demográficos
estocásticos (p. ex., deriva genética), catástrofes locais
e endogamia (Purvis et al. 2000). Em ilhas, os efeitos
podem ser desastrosos, como, por exemplo, nas ilhas
Southwest Pacific, onde a redução da população de
morcegos levou a extinções em cascata (Cox et al.
1991). No Havaí há relatos de oito espécies de mariposas e cinquenta de abelhas possivelmente extintas
e várias outras espécies de borboletas criticamente
ameaçadas (Stein et al. 2000). Com isso as duas
espécies endêmicas de Campanulaceae do gênero
Brighamia já não possuem mais polinizadores e, atualmente, só produzem sementes com a intervenção
humana (Koob 2000).
508 ⁞ Conservação dos polinizadores
Da mesma forma, orquídeas raras da Inglaterra
sobrevivem porque biólogos estão fazendo a delicada transferência manual das políneas, pois as
abelhas polinizadoras destas plantas se extinguiram
localmente (seus ambientes para nidificar foram
destruídos). De fato, cerca de dois terços das espécies de Bombus da Inglaterra, até mesmo as mais
comuns, estão em declínio (Biesmeijer et al. 2006).
Bombus subterraneous, por exemplo, não é vista
desde 1998 e foi considerada extinta na Inglaterra
(Goulson 2003).
Ações favoráveis
Medidas para a conservação dos polinizadores
incluem atitudes de diferentes dimensões, desde
a educação e consciência ambiental até medidas
práticas como a criação de polinizadores (p. ex,.
Meliponicultura) visando repovoar e aumentar suas
populações em áreas alteradas. Algumas práticas
amigáveis ajudam a sensibilizar a opinião pública,
como, por exemplo, o estabelecimento de jardins
para polinizadores em ambientes urbanos (em residências, praças e parques) com plantas selecionadas
e adequadas aos polinizadores e ninhos para abelhas
solitárias (Freitas et al. 2007; Frankie et al. 2009;
Pawelek et al. 2009). Agricultores podem se beneficiar e aumentar seus lucros (melhores frutos e mais
sementes) ao manterem a diversidade de polinizadores nativos (Garibaldi et al. 2013) nas áreas naturais
próximas aos sistemas agrícolas, controlando o uso
de agrotóxicos nos seus cultivos. O grande desafio
que temos pela frente é garantir um ambiente diverso, que sustente numerosas espécies e mantenha
as populações saudáveis, identificando as condições
e recursos que compõem o nicho ecológico de tantos animais (Dicks et al. 2013). Políticas públicas
para incentivo da agricultura orgânica orientada
pelo tripé da sustentabilidade são urgentes e têm
um potencial enorme para garantir estoques de
polinizadores em áreas de produção de alimentos.
Conscientização e educação
ambiental
O velho ditado “para preservar é preciso conhecer” é
bastante pertinente. Apesar da “moda ambiental” que
se popularizou no nosso país, as taxas de destruição
dos ecossistemas naturais continuam muito elevadas,
aceleradas e vergonhosas (Millennium Ecosystem
Assessment 2005, Gonzalez et al. 2011), o que demonstra a distância que existe entre o discurso da
mídia e a prática, provavelmente por desconhecimento do público geral. Quantos brasileiros do Sul
do Brasil conhecem ou já pisaram na Caatinga? Esta
distância entre a população e os ambientes naturais
faz que notícias como “a caatinga está virando lenha
em pizzaria” cause indignação, mas não revolta o
suficiente para impedir tal absurdo.
Assim, nada como iniciar a educação ambiental
com as crianças. É um investimento em longo prazo,
mas muito seguro, pois muda a conduta de um país.
Gerações com este tipo de educação e consciência se
tornam mais exigentes, mais interessadas no assunto e
não aceitam políticas contrárias à proteção ambiental.
Desta forma, já na educação básica a natureza deveria
ser tratada mais próxima dos alunos e crianças. Além
disso, resultados obtidos em investigações científicas
precisam ser transmitidos ao público/sociedade de
maneira mais eficaz, mais clara e direta (Jacobson
2009).
Campanhas costumam ser muito eficientes na
divulgação de determinada causa (como a dos polinizadores). Por exemplo: em supermercados, folhetos
ou cartazes sobre a produção de frutas, legumes e
Isabel Alves dos Santos
grãos beneficiada com a polinização biótica podem alertar os consumidores leigos sobre o tema.
Em restaurantes (p. ex., sobre um buffet ou dentro
do cardápio), folhetos ilustrados e com linguagem
acessível podem apontar os alimentos que foram
produzidos com auxílio dos polinizadores, tornando-os conhecidos para o público geral.
Jardins particulares ou parques urbanos, com
plantas diversas (de preferência nativas) e desenhados para proporcionar alimento e abrigo o
ano todo, podem ajudar a sustentar populações
de polinizadores. No Jardim Botânico do Rio de
Janeiro, Freitas et al. (2007) criaram um Jardim dos
Beija-flores, com uma coleção de plantas ornitófilas
de Mata Atlântica, com o objetivo de sensibilizar
e proporcionar a contemplação de flores e beijaflores. A Universidade de Berkeley, na Califórnia,
disponibiliza um site (http://www.helpabee.org/
index.html) dedicado a informações sobre abelhas
urbanas, dicas sobre jardins, sazonalidade, entre
outros.
A organização norte-americana The Xerces
Society, especializada em conservação de invertebrados e seus habitats, disponibiliza no seu site
(http://www.xerces.org/) vários artigos, folhetos,
guias e instruções sobre a preservação e o manejo de
diferentes grupos de invertebrados. A Universidade
de Guelph, no Canadá, também possui um website
educativo com vários links para páginas sobre ações
amigáveis para polinizadores (http://www.pollinator.ca/guelph/). No Brasil necessitamos também
de material de divulgação em português, como
cartilhas para produtores, guias de campo, cartazes
ou mesmo um livro mais completo. Em 2010, um
número inteiro da revista Oecologia Australis (acessível on-line) reuniu vinte artigos de pesquisadores
brasileiros sobre a diversidade dos polinizadores e os
serviços por eles prestados (Alves dos Santos 2010).
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509
A obra The Forgotten pollinators, de Buchmann &
Nabhan (1997), foi vendida como um romance nas
livrarias dos Estados Unidos.
Restauração de habitats
Atender às particularidades de cada grupo de polinizador pode ser uma tarefa difícil, mas algumas ações
podem beneficiar estes agentes como um todo, entre
elas o enriquecimento da flora usada para alimentação
de polinizadores, poleiros e sítios para nidificação,
visando uma paisagem mais amigável aos polinizadores (Fig. 23.1 E).
Para promover o enriquecimento das plantas que
atraem e mantêm polinizadores em uma dada área
em restauração é preciso primeiramente conhecer a
flora original, a disponibilidade e distribuição dos
recursos florais e as interações estabelecidas entre as
espécies de plantas e seus polinizadores (Silva 2009;
Silva et al. 2010). Nesse sentido, as síndromes de
polinização (Introdução Seção 3) (Faegri & van der
Pijl 1979) podem ajudar muito na escolha das plantas
usadas no enriquecimento. Também é importante
contemplar espécies de plantas com diferentes hábitos, considerando toda a estratificação vertical.
Silva et al. (2012a) mostraram recentemente que
há uma variação na distribuição das síndromes de
polinização na estratificação vertical no cerrado em
sentido restrito. Determinados estratos apresentam
até 100% de dependência de um grupo de polinizador. Além disso, deve-se levar em consideração
também a necessidade de se ter espécies em floração
o ano todo, garantindo a disponibilidade do recurso,
não somente espacial, mas também temporalmente (Silva 2009). Lembrando a vulnerabilidade ou
fragilidade dos serviços ambientais, Jha & Kremen
(2013) sugerem, para a restauração de habitat, o uso
de plantas estruturais, aquelas que proveem recursos
510 ⁞ Conservação dos polinizadores
para sustentar um grande número de polinizadores
(espécies e indivíduos) e de plantas-ponte, ou seja,
aquelas que fornecem recursos alimentares durante
períodos de maior escassez.
De maneira geral, o processo de urbanização
promove a perda da riqueza e abundância de espécies
e a redução da complexidade dos habitats. Plantas em
toda a estratificação vertical, principalmente árvores
e arbustos, são removidas, diminuindo consideravelmente a disponibilidade de recursos alimentares
que atraem e mantêm a fauna de polinizadores
(Silva, obs. pes.). O solo impermeável também fica
indisponível para as plantas e animais. Blair &
Launer (1997), estudando borboletas em seis áreas
próximas a Palo Alto, na Califórnia, mostraram que
mais de 80% das áreas urbanas são cobertos por
asfalto e edifícios, deixando menos de 20% de área
vegetada, um cenário bastante comum nas cidades
(McKinney 2008).
A manutenção de polinizadores nas cidades,
contudo, tem sido foco de discussões em várias partes do mundo. Alguns estudos demonstram que as
áreas urbanas funcionam como zonas de refúgio e/ou
como corredores ecológicos importantes (McIntyre
2000; Chace & Walsh 2006; McKinney 2008),
como já mostrado para abelhas Euglossini (LópezUribe et al. 2008), Bombini (McFrederick & LeBuhn
2006), Meliponini (Oliveira et al. 2013) e também
abelhas solitárias (Silva et al. 2007). A difusão desse conhecimento faz que cada vez mais pessoas se
interessem pela conservação de espécies nativas e
por boas práticas de jardinagem em áreas urbanas
(Owen 1991; Buchanan 1999; Frey 2009). Com
um planejamento urbano cuidadoso, os moradores
podem atrair uma grande diversidade de espécies de
polinizadores em seus jardins (Tommasi et al. 2004;
Pawelek et al. 2009) e, portanto, contribuir para a
conservação da fauna local, especialmente quando
são utilizadas espécies de plantas nativas (Mclntyre
& Hostetler 2001; McKinney 2002; Lowry 2007).
Além disso, segundo Pawelek et al. (2009), os jardins
urbanos, ponto de encontro e recreação, promovem
indiretamente a educação ambiental.
No campus Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo, mais de 65% das plantas são nativos e
boa parte corresponde à flora original (Aleixo et al.
2014). Segundo os autores, a escolha das espécies
no paisagismo do campus foi muito feliz, pois estas
plantas mantêm polinizadores de diversos taxa, contemplando de maneira muito semelhante as síndromes
de polinização zoófilas (com predomínio da melitofilia) em mata estacional semidecidual, que consiste
na vegetação nativa da área do campus (Kinoshita et
al. 2006; Silva, obs. pes). Estudos sobre a dieta de
algumas espécies de abelhas da família Apidae deste
campus comprovam que é necessária uma diversidade
de espécies de plantas em floração ao longo de todo o
ano para manter tais abelhas: Scaptotrigona aff. depilis
utilizou oitenta e seis espécies de plantas diferentes
na sua dieta (Faria et al. 2012), Frieseomelitta varia
utilizou setenta e sete espécies (Aleixo et al. 2013) e
Centris analis foi vista em cinquenta e uma espécies
de plantas (Silva, obs. pes).
Em ambientes agrícolas, práticas de rotação de
cultura podem beneficiar os polinizadores no sentido
de manter a oferta de alimento. Obviamente a não
aplicação de inseticidas durante as floradas evita reduzir ou até mesmo dizimar as populações de insetos
polinizadores (Mader et al. 2010). Menz et al. (2011)
alertam que para restaurar o habitat é preciso conhecer
as exigências dos polinizadores e respeitar as diferenças regionais das paisagens, bem como seus ciclos
de vida (Winfree 2010). São inúmeros os benefícios
de se manter uma paisagem diversa no entorno dos
cultivos, mesmo em pequenas propriedades agrícolas
(Kennedy et al. 2013), permitindo a coexistência de
Isabel Alves dos Santos
algumas espécies ruderais que possam ser atrativas
para os polinizadores (Cavalheiro et al. 2011).
Na tentativa de auxiliar os produtores de maracujá-amarelo (Passiflora edulis: Passifloraceae), Silva
et al. (2012b) apresentaram algumas ações para minimizar os impactos causados no ambiente e, assim,
promover o aumento do número de polinizadores.
Silva et al. (2010) também sugeriram o plantio, o
enriquecimento e a restauração da flora do entorno
dos cultivos, apresentando mais de oitenta espécies
de plantas usadas na dieta das espécies de Xylocopa,
que podem servir para atrair e manter as mamangavas. Para o enriquecimento da vegetação e para
a manutenção de Eulaema nigrita (Apidae), abelha polinizadora do maracujá-doce (Passiflora alata:
Passifloraceae), que floresce apenas por alguns meses
e oferece apenas néctar, recomenda-se utilização de
plantas atrativas para esse polinizador e que floresçam
ao longo de todo o ano, principalmente plantas que
disponibilizam pólen, como Solanum lycocarpum
(Solanaceae), Rynchanthera grandiflora, Trembleya
parviflora, Cambessedesia hilariana (Melastomataceae)
(Silva et al. 2012c; Silva et al. 2012d) e Myrcia guianensis (Myrtaceae) (Gaglianone et al. 2010). No caso
destes polinizadores do maracujá, o uso de ninhos
-armadilha (com cavidades no seu interior) feitos
com gomos de bambu, troncos de madeira morta e
blocos de cimento pode auxiliar no estabelecimento
de ninhos das espécies (Garófalo et al. 2004; Silva
et al. 2012b, Silva et al. 2012c; Silva et al. 2014a).
Para espécies de polinizadores que nidificam
ou passam parte do ciclo de desenvolvimento no
solo, práticas na lavoura influenciam suas densidades populacionais. Julier & Rouston (2009) examinaram os efeitos de práticas comuns nas lavouras,
como plantio direto, rotação de cultura, irrigação
e propriedades do solo, na abundância de algumas
espécies de abelhas que residem no chão. Espécies
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Cláudia Inês da Silva ⁞
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que, por exemplo, preferem nidificar no meio da
plantação (p. ex., Peponapis: Apidae) podem ser
prejudicadas com aragens profundas nas lavouras
que destroem seus ninhos que estão a cerca de 30
cm de profundidade (Rozen & Ayala 1987; Krug et
al. 2010). Por outro lado, várias espécies de abelhas
também se beneficiam da irrigação do solo, pois este
fica mais fácil para ser escavado, como observado
por Greenberg (1982) para Lasioglossum sp. Cane
(2008) relatou que vários agricultores perderam as
agregações de Nomia melanderi (Halictidae), que é
a principal polinizadora da alfafa, por terem parado
de irrigar o solo. Conhecer a preferência dos animais
por certos tipos de solo quanto a composição, textura
e umidade pode auxiliar na restauração de habitats
degradados (Cane 1991).
Manejo e criação de polinizadores
O manejo é a forma mais indicada para aumentar a
população dos polinizadores. O primeiro passo para
manejar uma espécie é conhecer profundamente o
seu nicho. Por exemplo, para manejar uma espécie
de abelha é importante conhecer sua organização
social, o seu período de atividade, sua alimentação,
o local onde constroem os ninhos, quais materiais
usa para isso e quais seus inimigos naturais, entre
outros (Silva et al. 2014b).
Entre os diversos polinizadores, sem dúvida as
abelhas representam o maior número de espécies
domesticáveis. Globalmente a espécie A. mellifera
é o melhor exemplo de manejo ou domesticação de
um polinizador. Devido aos produtos apícolas, existe
um amplo e sólido conhecimento sobre a biologia
desta espécie. Nas Américas esta espécie é exótica e,
segundo as projeções de Aizen & Harder (2009), o
crescimento da apicultura é menor do que o necessário
para uma agricultura sustentável.
512 ⁞ Conservação dos polinizadores
Outra espécie de abelha criada em larga escala
é Bombus terrestris (Apidae). Na década de 1990 a
Bélgica e a Holanda dominaram o mercado de criação
dessa espécie (Velthuis & Van Doorn 2006), o que
foi possível após o conhecimento acerca da quebra
da hibernação das rainhas, permitindo criar colônias
durante o ano todo, e sobre as fontes alimentares
mais eficientes para a manutenção das colônias. Em
2005, o uso desta abelha na agricultura atingiu a cifra
de 1 milhão de dólares por ano, tornando-se uma
indústria bilionária (Velthuis & Van Doorn 2006).
As espécies de Bombus que ocorrem no Brasil são
bastante agressivas, o que torna o seu manejo inviável
(Garófalo et al. 1986).
O Brasil é rico em espécies de Meliponini, as
abelhas sem ferrão (Camargo & Pedro 2007), e a
meliponicultura cresce no país (Nogueira-Neto 1997),
dando sinais de ser o grupo com maior potencial
para manejo (Fig. 23.1 F). Recentemente, NunesSilva et al. (2013) demostraram a eficiência da abelha
Melipona fasciculata na polinização de berinjelas em
estufas, aumentando em 29% a produção. Abelhas do
gênero Melipona são capazes de vibrar as anteras das
flores de Solanaceae, sendo uma alternativa potencial
para as espécies de Bombus.
Entre as espécies de abelhas solitárias, as dos
gêneros Centris, Megachile e Tetrapedia são fortes
candidatas ao manejo em áreas cultivadas, assim
como as espécies parassociais do gênero Xylocopa.
Tais abelhas constroem seus ninhos em cavidades preexistentes naturais ou escavam em madeira
morta (Garófalo et al. 2004; Camillo & Garófalo
1982; Freitas & Oliveira-Filho 2003). Estas abelhas
são consideradas polinizadoras de diversas frutíferas importantes. Centris (Heterocentris) analis, por
exemplo, é a principal polinizadora da aceroleira
(Malpighia emarginata) (Freitas et al. 1999; Oliveira
& Schlindwein 2009; Vilhena et al. 2012) e aceita
facilmente ninhos-armadilha. Mas, como verificado
por Silva (obs. pes.) no espectro polínico da dieta desta
espécie de abelha, ela utiliza mais de cinquenta espécies de plantas. Assim, não basta oferecer os ninhos,
mas também é necessário manter uma diversidade
de plantas no local.
Como exemplificado, sem dúvida as abelhas estão
entre os polinizadores com maior possibilidade de
criação, mas, mesmo assim, é possível criar outros
polinizadores. A criação de borboletas monarcas
(gênero Danaus), por exemplo, pode ser otimizada
com cultivo de Asclepia (Asclepiadaceae), sua planta preferida, e transferência dos ovos ou larvas da
borboleta para recipientes, como um aquário com
papel toalha umedecido, e com o fornecimento de
folhas frescas da planta diariamente (Hellyer 2011)
(http://www.monarchlab.org/Lab/Rearing/). Moscas
sirfídeos também podem ser criadas em salas ou câmeras com umidade, temperatura e luz controladas,
oferecendo pedaços de carnes em recipiente com areia.
Para aves a instalação de poleiros e locais para abrigo
pode auxiliar as populações. De uma maneira geral,
a manutenção de habitats naturais ainda é a melhor
maneira de garantir a sobrevivência dos diversos
grupos de polinizadores.
Políticas favoráveis
Os fatores mencionados anteriormente responsáveis
pelo declínio das populações de polinizadores são
complexos. Decisões políticas privilegiam interesses econômicos e, na maioria das vezes, contrariam
propostas de conservação. Políticas globais e locais
em essência devem atacar os mesmos problemas,
mas obviamente em escalas bastante distintas, o que
requer conscientização em todos os níveis, desde as
crianças aos políticos, que podem mudar as leis.
Isabel Alves dos Santos
Em alguns países a polinização é considerada
fator de produção agrícola. Maneiras para valorar
economicamente os serviços da polinização (sobre
os ganhos reais) serão muito úteis para convencer
políticos e grandes agricultores acerca da importância dos polinizadores. Geralmente as discussões
concentram-se nos meios acadêmicos, entre pessoas
já bem esclarecidas sobre os problemas. Precisamos
extrapolar o discurso e divulgar a causa em outras
instâncias. Dado que o argumento econômico costuma prevalecer no sistema em que vivemos, urge
que evidenciemos os valores e as cifras dos serviços
de polinização. Por exemplo: quanto um agricultor
ganharia em sua lavoura de tomate se ele preservasse
parte da vegetação nativa intercalada em seus cultivos? Indiretamente o consumidor ganharia pagando
menos pelos tomates e estes seriam mais saborosos
e suculentos.
A ausência de polinizadores nativos nas culturas
geralmente está associada ao cultivo convencional, em que se usam pesticidas sem controle da
concentração e quantidade, horário de aplicação e
qualidade dos mesmos, especialmente inseticidas
genéricos, com amplo espectro de ação. O consumo de produtos orgânicos aumentou, havendo,
ainda, um enorme potencial de crescimento para
este mercado de consumo, mas os produtores orgânicos não recebem os mesmos benefícios que
os convencionais ou latifundiários, o que torna o
produto mais caro e, consequentemente, restrito a
um público específico (com maior poder aquisitivo
ou mais conhecimento). Leis regulamentando o
uso dos pesticidas e inseticidas são necessidades
urgentes e devem considerar a existência desta fauna
benéfica. Recomendações sobre boas práticas de
manejo dos pesticidas agrícolas podem ser consultadas em Freitas & Pinheiro (2010) e Pinheiro &
Freitas (2010), contudo ainda são poucos os estudos
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Marcelo Aizen
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513
que apresentam os impactos dos pesticidas sob as
populações de polinizadores e seus efeitos na cadeia trófica, incluindo a espécie humana. Sabe-se,
por exemplo, que há mortalidade na comunidade
de abelhas, mas a gravidade não é mensurada de
maneira cientificamente correta. Cada espécie de
abelha apresenta um grau de sensibilidade ou resistência a determinados pesticidas. As instruções
técnicas para aplicação dos pesticidas devem ser
transmitidas aos produtores e seu uso deve ser fiscalizado. Nesse sentido, as autoridades devem dar
mais atenção a esse problema, pois as empresas não
deixarão de produzir os defensivos, o comércio não
para e há uma necessidade urgente em relação à
sustentabilidade e à produção de alimento. Por que
determinados pesticidas são proibidos em alguns
países desenvolvidos e liberados no Brasil? A gravidade do problema não é a mesma? Quem são os
responsáveis por essa decisão?
Embora nem todas as instituições possuam
a disciplina sobre polinização em seus currículos,
seria fundamental que escolas agrícolas, cursos de
agronomia e engenharia florestal a incluíssem. Estes
profissionais estão muito próximos aos produtores
e podem ajudá-los a modificar o modo atual de
exploração do ambiente, fazendo-os compreender
melhor a real importânica do ambiente natural.
Nesse sentido, os pequenos agricultores, que usam
a prática de múltiplos cultivos associada a práticas
ambientalmente amigáveis, promovem, de fato, benefícios aos polinizadores.
Detectar o declínio dos polinizadores não é uma
tarefa fácil, pois na maioria das vezes faltam os dados
de tamanho populacional. Lebuhn et al. (2013) sugerem programas de monitoramento com estudos de
longo prazo ou com repetições. Diante da urgência
em propor medidas e da demanda de tempo para
conhecer tantas particularidades dos polinizadores
514 ⁞ Conservação dos polinizadores
podemos pensar em espécies indicadoras, ou guardachuva. Para tais espécies focais deveriam ser feitos
estudos detalhados sobre seu nicho, tamanho populacional, limitação de deslocamento, especialização
quanto ao recurso, de tal modo que permitisse inferir
sobre o manejo da paisagem a seu favor.
Considerações finais
Na Europa e na América do Norte o declínio da
fauna de polinizadores é bem documentado (exemplos para abelhas e sirfídeos na Inglaterra e Holanda
podem ser encontrados em Biesmeijer et al. 2006;
Potts et al. 2010). No Brasil, um país megadiverso
e com dimensões continentais, é difícil, de fato,
conhecer e mensurar nossas perdas, pois muitos
dos polinizadores ainda sequer são conhecidos pela
ciência. Mas é fácil perceber os danos que estamos
causando à natureza e, com isso, promovendo todas
as ameaças aos polinizadores mencionados nesse
capítulo (Kremen et al. 2002). Estudos revelam que
em habitats onde o uso da terra é moderado (menos
predatório) os resultados na fauna de polinizadores
são variáveis, podendo até ser positivos (Quintero
et al. 2010; Winfree et al. 2007; 2009; 2011). Até
mesmo Ghazoul (2005), que questiona sobre a real
existência de uma crise global para os polinizadores,
concorda que sistemas agroflorestais são preferíveis
às monoculturas.
Os polinizadores são espécies-chave, isto é, das
quais a persistência de grande número de espécies
depende. Eles são essenciais no ciclo reprodutivo da
maioria das plantas com flores e, consequentemente,
na manutenção do próprio ecossistema, pois sustentam populações de plantas que outros animais precisam para se alimentar ou abrigar. Se os polinizadores
desaparecerem, o efeito na saúde e viabilidade das
populações das plantas pode ser desastroso. Além
disso, a alimentação da espécie humana ficará bastante empobrecida em termos calóricos (nutricional
e culturalmente) (Steffan-Dewenter et al. 2005).
Em 2000, a Iniciativa Internacional dos
Polinizadores foi aprovada como um programa estratégico na V Conferência das Partes das Nações
Unidas. Em seguida, várias iniciativas foram criadas pelo mundo, e todas elas, incluindo a Iniciativa
Brasileira de Polinizadores (IBP), possuem programas
específicos para desenvolvimento e aplicação do conhecimento na área. Os polinizadores agregam valores
altos com a produção de frutos, sementes e maior
produtividade de um modo geral, além de promoverem a estabilidade dos ecossistemas na medida em
que garantem a produção de frutos que alimentam
uma gama enorme de outros animais (Kearns et al.
1998). Sendo assim, temos que aproveitar essa chance
para propor estratégias de mitigação dos impactos
ambientais e reverter o declínio das populações dos
polinizadores.
Agradecimentos
Dedicamos este capítulo à Profa. Marlies Sazima,
em reconhecimento a seu trabalho e admiração à
sua pessoa. Agradecemos aos editores deste livro a
oportunidade de expor e compartilhar nossa preocupação com os polinizadores. Agradecemos aos
colegas Paulo Cesar Fernandes e Giorgio Venturieri
pela permissão de uso das fotos (23.1 D e 23.1 F,
respectivamente). Somos muito gratos também às
nossas agências de fomento (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq],
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo [FAPESP], Consejo Nacional de Investigaciones
Científicas y Técnicas [CONICET]) por nos auxiliarem em nossas pesquisas sobre este tema.
Isabel Alves dos Santos
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Corpo editorial de revisão
A
qualidade da obra apresentada até aqui dependeu, em grande parte, das contribuições advindas das
revisões criteriosas feitas pelos membros do corpo editorial de revisão. Abaixo nominamos aqueles que
formalmente atuaram como revisores e com isso agradecemos a todos que contribuíram com críticas ou sugestões
para a apresentação dessa obra no formato em que foi feita. Cada um dos capítulos foi lido e revisado pelo
comitê organizador, pela revisora editorial Ceres Belchior e por dois assessores dentre os nominados abaixo,
os quais atuaram de forma consultiva, cabendo aos autores a responsabilidade final pela redação apresentada.
Alexandre Magno Sebbenn
Leici Maria Machado Reichter
Alexandre Somavilla
Leonardo Ré Jorge
André Rodrigo Rech
Luisa G. Carvalheiro
Antonio Carlos Webber
Marcelo Casimiro Cavalcante
Bianca Baccili Zanotto Vigna
Marcelo Carnier Dornelas
Carine Emer
Marcia Motta Maués
Carlos D´Apolito
Marília Dantas e Silva
Carlos Eduardo Pereira Nunes
Marina Wolowski
Carolina de Moraes Potascheff
Marlies Sazima
Diana Sampaio
Mauricio Fernández Otárola
Eduardo Leite Borba
Montserrat Arista
Eric de Camargo Smidt
Nelson S. Bittencourt-Jr.
Ester Serrão
Paulo Eugênio Oliveira
Fábio Pinheiro
Pedro Joaquim Bergamo
Felipe W. Amorim
Pedro L. Ortiz
Fernando Landa Sobral
Pietro Kiyoshi Maruyama
Franscismeire Jane Telles
Priscilla Kelly Silva Barros
Helder N. Consolaro
Roberta C. F. Nocelli
Hipólito Ferreira Paulino-Neto
Rogério Faria
Isabel Cristina Machado
Suzana Alcantara
Jeferson Vizentin-Bugoni
Tarcila de Lima Nadia
Kayna Agostini
Thaysa Nogueira de Moura
Laércio P. Amaral-Neto
Vinicius L. G. Brito
Este impresso foi produzido
com papel proveniente de
madeira certificada FSC® e
de outras fontes controladas,
garantindo o respeito ao meio
ambiente e aos trabalhadores
florestais (selo FSC® C071996).
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
E
sta publicação foi apoiada com recursos do projeto
“Conservação e Manejo de Polinizadores para uma
Agricultura Sustentável através de uma Abordagem
Ecossistêmica”. Este projeto é apoiado pelo Fundo
para o Meio Ambiente Global (GEF) e está sendo
implementado em sete países: África do Sul, Brasil,
Gana, Índia, Nepal, Paquistão e Quênia. O projeto é
coordenado em nível global pela Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(FAO), com apoio do Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente (PNUMA). No Brasil, é coordenado
pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), com apoio
do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO).
Projeto Polinizadores
VENDA
PROIBIDA