.BOTÂNICA
GONÇALO SAMPAIO
DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
ÍNDICE
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UMA (TERCEIRA) EXPOSIÇÃO. BOTÂNICA GONÇALO SAMPAIO
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A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA
DOMINGOS VANDELLI
FÉLIX DE AVELAR BROTERO
JOHANN HEINRICH LINK E JOHANN CENTURIUS VON HOFFMANNSEGG
CORREIA DA SERRA
JOÃO DE LOUREIRO
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A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS
A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL
O LABORATÓRIO DE ANATOMIA-HISTOLOGIA VEGETAL
O LABORATÓRIO DE SISTEMÁTICA-TAXONOMIA VEGETAL
O LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA
O ENSINO
GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS
SISTEMÁTICA MODERNA: OS FUNDADORES
JÚLIO AUGUSTO HENRIQUES
D. ANTÓNIO XAVIER PEREIRA COUTINHO
GONÇALO SAMPAIO
UMA (TERCEIRA) EXPOSIÇÃO
BOTÂNICA GONÇALO SAMPAIO
“Botânica – Gonçalo Sampaio” encerra a primeira edição do ciclo
“Aventureiros, Naturalistas e Coleccionadores”. Partindo dos antropólogos e arqueólogos que se dirigiram para os territórios coloniais, passando pelos médicos que pacientemente montaram o primeiro museu
universitário nacional desta área, e chegando, agora, aos naturalistas
botânicos do final de 1800 que se ocuparam fundamentalmente do estudo e classificação da flora portuguesa, tivemos a ocasião de mostrar
neste ciclo um pouco das personalidades científicas da Universidade
do Porto que estiveram no centro destes processos de construção do
conhecimento científico e, também, dos legados que constituíram.
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Esta terceira exposição tem algumas características particulares relativamente às anteriores: em primeiro lugar, não partiu de um núcleo
museológico formalmente constituído; em segundo lugar, foi objecto
de um discurso explicativo de nível académico elaborado propositadamente para este evento; em terceiro lugar, relaciona-se directamente com o espaço envolvente que tem acolhido o ciclo, uma vez
que amplifica o museu vivo – o Jardim Botânico – que circunda o
edifício, dando-lhe o sentido histórico da construção do conhecimento botânico.
Em “Botânica – Gonçalo Sampaio”, somos informados, logo de início,
sobre o estado da botânica nos finais do séc. XVIII, e em que medida as
concepções da época – sobre a fotossíntese e a circulação, ou sobre a estrutura e a função celular, ou sobre os mecanismos de reprodução – são
alteradas ao longo do séc. XIX. É este, afinal, o pano de fundo em que se
desenvolve a exposição ao longo dos seus três núcleos temáticos.
O primeiro núcleo (A Fundação da Botânica Moderna) é dedicado aos
botânicos – portugueses e estrangeiros que trabalharam sobre a flora
lusitana – da segunda metade do séc. XVIII e primeira metade do séc.
XIX. Também estudiosos de geologia, zoologia, geografia…, tentavam
perceber a história e a ordem do mundo natural ao mesmo tempo
que procuravam combater a irracionalidade do mundo humano.
O segundo núcleo, dedicado ao conhecimento botânico tal como se
apresentava no virar do séc. XIX para o XX, explicita as áreas em
que este já se subdividia e mostra os processos de fazer ciência – as
práticas, os meios de cultura, a utensilagem laboratorial, as obras de
referência –, trazendo à luz o espólio diversificado que o Departamento de Botânica conservou. Neste núcleo, uma secção alerta-nos
também para a progressiva importância do ensino da Botânica como
disciplina autónoma.
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A terceira parte da exposição centra-se em Gonçalo Sampaio e os seus
contemporâneos, apresentando-nos as obras e a correspondência trocada entre os botânicos de uma geração que competia e cooperava
no objectivo de conhecer exaustivamente a flora portuguesa. É nesta
oposição entre cortesia epistolar e ferozes anotações críticas nas margens que nos despedimos da exposição.
Ora, a ciência não é só espaço de reclusão e concentração, como nos
ecoa de algum escrito de Gonçalo Sampaio, vítima de depressão, mas
também espaço de liberdade e comunicação, de criatividade, de compreensão do mundo. Os jovens estudantes de Biologia que entram
despreocupadamente no velho edifício e o verde luminoso e sussurrante que nos invade quando transpomos a porta de saída dão-nos a
certeza disso.
Ao longo dos meses em que nos propusemos organizar este ciclo de
exposições, ficámos sempre satisfeitos por registar o gosto das “gentes da Universidade” em mostrar as áreas em que se empenham e à
qual dedicaram a sua vida. A montagem desta exposição não foi diferente, a não ser no seu sentido mais positivo. É impossível não agradecer calorosamente ao Prof. João Cabral e à Dr.ª Elisa Folhadela todo
o cuidado e trabalho que tiveram em investigar, classificar e conceber
este todo, que não se limita a uma exposição de peças, mas é, antes de
mais, um discurso sobre a ciência e os seus actores.
Não poderíamos pensar em encerrar este ciclo de uma forma mais feliz.
Queremos estender estas felicitações a todo o Departamento de Botânica, muito especificamente à sua direcção, na pessoa do Prof. José
Pissarra, mas também a docentes, estudantes e funcionários não docentes. Esta também é a sua exposição.
Finalmente, realcemos que este ciclo nunca teria sido possível sem
o apoio da direcção da Faculdade de Ciências da U.Porto, nomeadamente do Prof. Baltazar Castro, e dos directores e funcionários dos
museus de História Natural e de Medicina. O projecto Porto Cidade
de Ciência, da Câmara Municipal do Porto, foi um parceiro valioso.
Finalmente, não podemos deixar de relevar o papel que o designer
Rui Mendonça teve em tornar estas exposições tanto um objecto de
fruição estética como de fruição cognitiva. Mas o assinalável êxito
desta mostra dos nossos “Aventureiros, Naturalistas e Coleccionadores” deve-se principalmente ao Dr. Paulo Gusmão, que soube assumir
este projecto como seu e dar-lhe uma consistência e uma homogeneidade que merecem ser reconhecidas.
JOSÉ FERREIRA GOMES
VICE-REITOR DA UNIVERSIDADE DO PORTO
A fisiologia vegetal era, no século XVIII, uma disciplina limitada pelos conhecimentos da química da época. J. I. Housz (1730-1790) propõe pela primeira vez, em 1779,
uma interpretação do processo fotossintético – na presença de luz, a planta absorve
o gás carbónico do ar, retém o carbono como nutriente e restitui o oxigénio ao ar. W.
Cruiskshank (1745-1800) e N. de Saussure (1767-1845) apoiariam esta interpretação
do processo fotossintético. Só em 1941 Ruben e seus colaboradores irão demonstrar,
utilizando marcadores radioactivos, que o oxigénio que se liberta na fotossíntese não
provém do CO2 absorvido, mas da água.
T. A. Knight (1759-1838), no início do século XIX, utilizando o método dos líquidos corados, interpreta correctamente o princípio do funcionamento da circulação das seivas
nas plantas, rejeitando definitivamente a velha interpretação de que a circulação nas
plantas seria semelhante à dos animais. R. J. H. Dutrochet (1756-1847), utilizando soluções de diferentes concentrações, demonstra que as células vegetais vivas apresentam
uma elevada pressão osmótica interna.
A fisiologia vegetal irá dar um salto qualitativo com as contribuições muito posteriores
da química moderna, já no século XX.
M. J. Schleiden (1804-1881) escreve em 1838, lapidarmente, que todas as plantas superiores são conjuntos de unidades elementares individualizadas, designadas de células. As células são autónomas, mas interdependentes enquanto partes de um todo, que é a planta.
T. Schwann (1810-1882) irá ser co-fundador da teoria celular, ao escrever que todos
os organismos são constituídos pelos mesmos elementos unitários fundamentais, as
células. Todos os organismos vivos formam-se a partir de uma célula inicial. A teoria
celular entrava em contradição com as interpretações vitalistas, ao negar a existência
de uma força imaterial que daria vida aos organismos. Todos os fenómenos vitais são
resultantes de propriedades da matéria, regidos por leis naturais.
H. von Mohl (1805-1872) escreve que o protoplasma é «um líquido turvo, pegajoso,
misturado com corpúsculos de cor branca». No protoplasma encontra-se o núcleo celular, resultante da coagulação das Körnchen, revestido por uma membrana exterior ou
«primordial» que não contacta directamente com a parede celular.
C. W. von Naegeli (1817-1891) irá melhorar e aprofundar as observações de von Mohl.
Em 1842, observa os cromossomas e descreve-os como «citoblastos efémeros». A primeira fase da teoria celular completa-se em 1867 com a síntese de Hofmeister (18241877): a célula é interpretada de um ponto de vista holístico – a forma, a estrutura e
a fisiologia das células vegetais são a consequência lógica da sua participação no todo
que é o organismo.
A segunda fase da teoria celular irá direccionar-se para o conteúdo das células, de tal
forma que, no início do século XX, a compreensão da estrutura da célula e dos tecidos
vegetais era já relativamente profunda e avançada. A citologia e a anatomia vegetais
eram mesmo, juntamente com a sistemática e a taxonomia, os dois pilares fundamentais dos estudos botânicos. Este facto é bem patente nos livros de texto de Botânica e
nos programas do ensino universitário da Botânica apresentados nesta exposição.
A TEORIA CELULAR
A REPRODUÇÃO
Robert Hooke e Grew, no século XVII, e Van Leeuwenhoek, no século XVIII, descrevem
células vegetais, mas a compreensão do que era a célula viva só nasce na primeira metade do século XIX com os trabalhos de Mirbel, Dujardin, Schleiden e Schwann.
Em 1808, C. F. B. de Mirbel (1776-1854) defende que todas as células vegetais têm uma
parede celular, que no entanto pode ter forma e estrutura variáveis. Em 1809, descreve o
núcleo, mas, no entanto, não lhe atribui grande importância. Em 1831, explicita que todos
os órgãos de uma planta são constituídos por células com uma parede exterior rígida.
F. Dujardin (1801-1860) estuda em pormenor os organismos unicelulares flagelados,
escrevendo que as células têm um conteúdo viscoso transparente, uma «substância
gelatinosa viva», que mais tarde será designada de protoplasma.
O mecanismo de reprodução das plantas superiores é demonstrado em meados do
século XVIII. Gleditsch (1714-1786) realiza uma polinização artificial numa palmeira,
demonstrando que é necessário adicionar pólen a flores femininas para se obterem
frutos. Deve-se a Kölreuter (1733-1805) uma interpretação do processo de polinização.
O pólen pode ser transportado pelo vento e pelos insectos. Os grãos de pólen são os
elementos masculinos na reprodução, e são transportados até ao estigma, o elemento feminino. Mas só no século XIX, com Hofmeister (1824-1877), a fecundação nas
plantas é cabalmente compreendida. Em 1849, Hofmeister descreve em pormenor o
processo de fecundação nas plantas superiores, baseado na observação comparativa de
40 espécies de mono e dicotiledóneas.
A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA
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A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA
A FOTOSSÍNTESE E A CIRCULAÇÃO VEGETAL
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A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA
SISTEMÁTICA E TAXONOMIA
A preocupação de organizar os diferentes organismos vivos em grupos é antiquíssima,
e já encontramos sistemas de classificação dos seres vivos em civilizações pré-cristãs
e mesmo pré-aristotélicas, mas é nos séculos XVI-XVII, com Luca Ghini, Césalpin e os
irmãos Bauhin, que se inicia a sistemática vegetal científica. No fim do século XVII,
início do século XVIII, assiste-se à tentativa de elaboração de uma linguagem universal
para descrever e classificar as plantas. John Ray (1628-1705) afirma em 1692 que «os
critérios para uma classificação não são nem o habitat, nem a utilização como alimento
ou medicamento, nem o seu valor decorativo ou a utilidade técnica, mas a semelhança
dos seus órgãos principais: a raiz, a flor, o cálice, e a semente». Ray tenta elaborar uma
Flora universal, catalogando mais de 18.000 espécies (correspondendo a cerca de 6.000
espécies modernas).
Tournefort (1656-1708) classifica as plantas de acordo com as características da flor,
principalmente da corola. As plantas eram organizadas em 22 classes, por sua vez divididas em 122 secções, 698 géneros e mais de 10.000 espécies.
Lineu (1707-1788) funda a moderna sistemática e taxonomia vegetais. Em 1737, irá
formalmente anunciar o seu «sistema sexual» de classificação, baseado em caracteres
das estruturas reprodutoras, se bem que já o usasse desde 1732. Em Genera plantarum, também de 1737, descreve e caracteriza todos os (935) géneros (como categoria
taxonómica) então conhecidos de plantas. A 6.ª edição desta obra já enumerava 1.336
géneros. Em Classes plantarum (1738), Lineu organiza as plantas em 24 classes, baseadas no seu sistema sexual. A Philosophia botanica (1751) é considerada a fundação da
terminologia da botânica sistemática moderna. Lineu define 26 caracteres primários
da fructificatio, divididos por sete grupos: seis características do cálice, três da corola,
dois dos estames, três do ovário, estilete e estigma, sete do fruto, dois da semente, e três
de características gerais da flor. Lineu cria uma hierarquia natural em cinco patamares
(categorias taxonómicas), classes, ordens, géneros, espécies e variedades. A regra da nomenclatura binomial ficará cristalizada na Species plantarum, publicada em 1753, que
contém diagnoses de 5.900 espécies (distribuídas por 1.098 géneros), designadas por
duas palavras – um binome. Funda-se a nomenclatura binomial das espécies (biológicas), terminando assim a fase multinomial, bem na moda na época. Willdenow, Link e
Schwaegrichen irão publicar entre 1797 e 1830, após a morte de Lineu, uma edição da
Species plantarum em seis volumes, que constitui de facto uma nova Flora mundial.
Para A.-L. Jussieu (1748-1836) a frutificação contém os caracteres menos variáveis e
mais essenciais das plantas. O número, presença ou ausência de cotilédones são o critério primário de divisão das plantas em grandes grupos. As monocotiledóneas eram
divididas em três classes e as dicotiledóneas em onze. As acotiledóneas (fungos, algas,
líquenes, musgos e fetos) eram agrupadas em uma classe. Deve-se a Ehrenberg (17951877) a divisão das plantas em dois grandes grupos: talófitas (bactérias, fungos, algas e
líquenes) e cormófitas (musgos, fetos e espermatófitas), uma classificação que permanecerá até meados do século XX.
No fim do século XVIII, no tempo de Vandelli, Correia da Serra, João de Loureiro e
Brotero, referenciados nesta exposição, a sistemática e a taxonomia vegetais já têm instrumentos e métodos de trabalho sólidos e bem definidos. O conhecimento das plantas
superiores é já razoável, mas o dos «vegetais inferiores» mais pobre, sobretudo o das
talófitas, tanto a nível mundial como da flora portuguesa. Só no fim do século XIX se
atingirá, na sistemática das talófitas, um conhecimento comparável ao das cormófitas
no fim do século XVIII.
Os fungos, as algas, os líquenes, os musgos e os fetos eram designados por Ray de
Imperfectae porque nunca formavam frutos. Lineu apelidou-os de Cryptogamia e colocou-os em uma única classe do seu sistema de classificação das plantas. A.-L. Jussieu
designou-as de acotiledóneas, como já referimos.
A micologia moderna inicia-se com P. A. Micheli (1679-1737), que em 1729 descreve
900 géneros de fungos (Lineu descrevera unicamente dez). C. H. Persoon (1763-1836)
publica em 1801 a Synopsis methodica fungorum, que, de acordo com o Código Internacional de Nomenclatura Botânica actualmente em vigor, marca o início da publicação
válida para diversos grupos de fungos.
Elias M. Fries (1794-1878) é um dos fundadores da micologia como disciplina autónoma dentro da Botânica. A sua obra Systema mycologicum, publicada entre 1821 e 1832,
constitui outro dos inícios da publicação válida de taxa de fungos (para a maioria dos
grupos não abrangidos na Synopsis) de acordo com o Código de Nomenclatura Botânica. Fries descreve, em termos breves e claros, cerca de 5.000 espécies de fungos. É também notável o seu estudo dos Hymenomycetes europeus, publicado em 1874, onde são
descritas 1.860 espécies. Synopsis methodica fungorum e Systema mycologicum formam
assim os pilares fundamentais da sistemática e taxonomia micológica. Como micologistas notáveis do século XVIII, refira-se ainda J. H. Leveillé (1796-1870), A. K. J. Corda
(1808-1849), os irmãos Tulasne (L.-R. Tulasne 1815-1885, e C. Tulasne 1817-1884) e H. A.
de Bary (1831-1888). O estudo pormenorizado das algas só se iniciará no século XIX.
A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA
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DOMINGOS VANDELLI
(PÁDUA, 8.7.1730 – LISBOA, 27.6.1816)
FÉLIX DE AVELAR BROTERO
(SANTO ANTÃO DO TOJAL, 25.11.1744 – ALCOLENA DE BELÉM, 4.8.1828)
Domingos Vandelli doutorou-se em Filosofia na Universidade de Pádua, onde seu pai era lente. Entre 1761
e 1764 percorreu a região de Modena e da Lombardia,
colhendo espécimes de história natural, que mais tarde ofereceu à Universidade de Coimbra. Manteve correspondência com Lineu entre 1759 e 1773.
Convidado a ensinar em Portugal, foi em 1772 nomeado professor de História Natural e Química da
Universidade de Coimbra. Em Coimbra, participou
na direcção dos primeiros trabalhos para a criação
do Jardim Botânico, cujo projecto, considerado ambicioso e caro pelo Marquês de Pombal, foi executado
só parcialmente. Vandelli jubilou-se em 1793, sendo
então nomeado director do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda, em Lisboa.
Vandelli preocupou-se em formar discípulos que pudessem explorar os territórios ultramarinos numa
perspectiva científica, no quadro das “expedições
filosóficas” promovidas pela coroa portuguesa nos
finais do séc. XVIII. Foi o caso de Alexandre Rodrigues Ferreira, o afamado explorador do Brasil, de
Manuel Galvão da Silva, que procedeu ao reconhecimento de Goa e Moçambique, e provavelmente também de Joaquim José da Silva e João da Silva Feijó,
que fizeram colheitas respectivamente em Angola e
Cabo Verde.
Personagem hábil e arguta, Domingos Vandelli soube captar as simpatias e a benevolência de destacadas personagens do Estado. Acusado de simpatia
com as tropas francesas invasoras de Junot, foi pre-
so em 1810, já com 80 anos de idade, e deportado
para a Terceira. No entanto, graças à interferência da
Royal Society de Londres, pode refugiar-se em Inglaterra, onde residiu até 1815, regressando a Portugal
após a derrota final de Napoleão Bonaparte. Vandelli
morrerá alguns meses depois.
Vandelli elaborou vários trabalhos originais de Botânica, entre os quais avultam: «Dissertatio de Arbore Draconis» (1768), «Sobre a utilidade dos Jardins
Botânicos» (1770), «Fasciculus plantarum, cum novis
generibus et speciebus» (1771), «Florae Lusitanicae
et Brasiliensis specimen» (1788) e o «Dicionário dos
Termos Técnicos de História Natural» (1788), presente nesta exposição. Em 1789, reeditou o «Viridarium»
de Grisley, originalmente publicado em 1661 e que
era uma das poucas obras da altura dedicadas à flora
lusitana, estabelecendo Vandelli a correspondência
das espécies aí identificadas com as da nomenclatura
binomial de Lineu (que atribui a cada ser vivo uma
identificação com duas palavras latinas).
Entre 1789 e 1812, publicou nas Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa alguns
trabalhos, entre os quais: «Sobre o sal virgem da Ilha
de Cabo Verde», «Sobre as águas de Lisboa», «Sobre
produtos naturais do Reino e das Colónias».Vandelli
é também reputado pela sua actividade na indústria:
fundou uma fábrica de faiança em Coimbra, à qual
se deve o florescimento conquistado pela indústria
de cerâmica conimbricense no virar do século.
Órfão desde os primeiros anos de idade, Brotero
vivia amparado por um tio de modestos recursos.
As suas ideias filosóficas e a amizade que o ligava
a Filinto Elísio (poeta português, defensor de ideias
enciclopedistas e liberais) tornaram-no suspeito do
Santo Ofício, tendo os dois exilado-se em França,
Brotero contava então 33 anos de idade. Em Paris,
assistiu ao curso de História Natural de Valmont de
Bomare e às lições de Botânica no Colégio de Farmácia. Foi discípulo de Buffon, Jussieu, Aubenton
e Lamarck. Doutorou-se na Escola de Medicina de
Reims. Publicou em Paris, em 1788, o «Compêndio
de Botânica».
Brotero regressa a Lisboa em 1790. Pela reputação
que já ganhara, foi nomeado em 1791 lente de Botânica e Agricultura na Universidade de Coimbra.
Era imperioso proceder-se à elaboração de uma Flora do nosso país. Brotero inicia então herborizações
(recolha de plantas para estudo) em diversos locais,
ao mesmo tempo que se ocupava do ensino e da
instalação do Jardim Botânico de Coimbra. O facto
de saber que os botânicos alemães Hoffmannsegg
e Link preparavam também uma Flora de Portugal
levou Brotero, embora contrariado por não a considerar completa, a publicar em 1804 a sua «Flora Lusitanica», que apresentamos nesta exposição.
Com as invasões francesas, viu a sua casa incendiada, desaparecendo a sua livraria e o seu herbário.
Depois de jubilado, em 1811, Brotero foi nomeado
director do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda,
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em Lisboa, sucedendo a Vandelli. Aí prosseguiu os
seus trabalhos sobre a flora de Portugal, elaborando
os dois magníficos tomos da «Phytographia Lusitaniae selectior», publicados respectivamente em 1816
e 1827. Brotero também publicou trabalhos sobre a
flora do Brasil.
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A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA
JOHANN HEINRICH LINK E JOHANN CENTURIUS VON HOFFMANNSEGG
(HILDESHEIM, 2.2.1767 – BERLIM, 1.1.1851) E (DRESDEN, 23.8. 1766 – DRESDEN, 13.12.1849)
Após ter terminado os seus estudos em Medicina
e Ciências Naturais em Göttingen, Link leccionou
em Rostock (1792), Breslau (1811) e Berlin (1815).
Elaborou resumos sobre a história da Botânica, incluídos nas 6.ª e 7.ª edições de «Grundriss» («Plano
arquitectural»), de Willdenow (1792).
Na companhia do conde von Hoffmannsegg (grande mecenas e apaixonado pelos estudos botânicos),
Link viajou em Portugal e na Grécia nos anos de
1797-1799. O relato da viagem a Portugal aparece
numa obra em três volumes, aqui apresentada nesta
exposição. Como resultado dessas explorações foi
publicada a monumental «Flore Portugaise», que
acabou por ficar incompleta. Esta edição de luxo,
em dois volumes, é ornada de magníficas estampas.
Parte dos desenhos foram feitos em Portugal por
von Hoffmannsegg a partir de plantas frescas. Os
restantes foram executados na Alemanha por um
dos melhores pintores da especialidade, a partir de
plantas de herbário.
Link publicou em 1807 um dos seus trabalhos inovadores, «Grundlehren der Anatomie und Physiologie der Pflanzen» («Princípios fundamentais da
anatomia e fisiologia das plantas»), debruçando-se
sobre a anatomia das plantas: estrutura dos vasos,
das glândulas excretoras e dos estomas. Demonstra a
existência de células independentes nas plantas, por
oposição a uma massa vegetal homogénea.
Director do Jardim Botânico de Berlim de 1815 a
1851, Link publicou ainda três fascículos sobre a
anatomia das plantas entre 1837 e 1847. Adquiriu
uma reputação durável de anatomista, de fisiologista
e de sistemata, e estudou tanto talófitos como plantas vasculares.
CORREIA DA SERRA
(SERPA, 6.6.1750 – CALDAS DA RAINHA, 11.11.1823)
Filho de médico, Correia da Serra emigra na sua infância para Itália, onde segue a carreira eclesiástica.
Aí, estuda Botânica e línguas: francês, inglês, alemão,
árabe, grego, italiano, latim e espanhol.
Em 1777 regressa a Portugal e, juntamente com o
Duque de Lafões – que conhecera em Roma e com
quem viajara – e outros notáveis, entre os quais Domingos Vandelli, funda em 1779, com aprovação
régia, a Academia das Ciências de Lisboa. O Duque
de Lafões será o primeiro presidente da Academia e
Correia da Serra um dos primeiros secretários.
Em 1786 parte para Paris, regressando a Portugal em
1791. Na sequência da protecção que dá ao naturalista Broussonet, mal vista pelas autoridades portuguesas, exila-se em Inglaterra em 1795, onde permanece
seis anos, prosseguindo os seus trabalhos botânicos.
É eleito membro da prestigiada Royal Society e da
Linnean Society. Contudo, um conflito com o embaixador português leva-o a trocar em 1801 Londres por
Paris. Neste período, trabalha no Jardin des Plantes
e estabelece relações com destacados naturalistas
como A.-P. de Candolle, A.-L. de Jussieu, George
Cuvier ou Alexander von Humboldt. É eleito para a
Société Philomatique e torna-se membro correspondente do Institut de France.
Em 1813, Correia da Serra parte para a América do
Norte. Na Universidade de Filadélfia, ocupa a cadeira
de Botânica e contacta com os mais notáveis homens
da ciência e da política daquela nação, como Thomas
Jefferson ou John Quincy Adams, sendo feito membro
da American Philosophical Society e da Academy of
Natural Sciences. Em 1816, é nomeado ministro plenipotenciário português junto do governo americano.
O abade Correia da Serra regressa a Portugal em
Agosto de 1821. Na sequência da revolução liberal, é
eleito deputado às cortes constituintes de 1822 pelo
círculo de Beja, mas falece no ano seguinte.
Correia da Serra deixou escritos de natureza diversa,
ora sobre história e actualidade política e económica,
ora naturalista, ocupando-se de botânica e geologia.
Nos “Archives litteraires de l’Europe”, Correia da Serra publicou estudos como: “Sur l’état des sciences et
des lettres en Portugal à la fin du 18me siècle”, “Sur
l’agriculture des arabes en Espagne” e “Sur les vrais
successeurs des Templiers et sur leur état actuel”. Em
1812, publicou na “The American Review of History
and Politics”, um extenso estudo “General considerations upon the past and future state of Europe”.
Publicou ainda dois trabalhos de geologia nas “Philosophical Transactions” e em “Transactions of the
American Philosophical Society”.
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A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA
JOÃO DE LOUREIRO
(LISBOA, 1710 – LISBOA, 18.9.1791)
No que diz respeito à botânica, publicou em 1786,
também nas «Philosophical Transactions», o trabalho «On the fructification of the submerged algae».
Pela primeira vez apresenta uma hipotése explicativa para a reprodução nas algas Fucus, em cujo
processo se pensava que estavam envolvidos grãos
de pólen. Segundo Correia da Serra era a substância
mucilaginosa que envolvia os oogónios de Fucus, a
responsável pela fecundação. Actualmente sabe-se
que esta hipótese não é válida. A descrição correcta
só foi feita por Thuret em 1854.
Nos «Annales du Museum d’Histoire Naturelle»,
publicou, em 1807, o trabalho «Vues carpologiques
– Observations carpologiques» sobre a estrutura
e fisiologia de frutos e sementes. Apresenta ideias
novas em relação às de Gaertner, então especialista
deste assunto. Faz a crítica dos termos empregues
por Gaertner, substitui alguns termos por outros
que considera mais exactos, e toma em consideração
novos elementos para uma completa descrição dos
frutos e das sementes.
Publicou ainda nos «Annales du Museum d’Histoire
Naturelle» um trabalho – «Memoire sur la germination du Nelumbo». Trata-se de um estudo anatómico-fisiológico da semente do Nelumbo e do modo
como se efectua a germinação. Nas «Transactions of
the Linnean Society», descreveu três novos géneros
– Doryanthes, oriundo da Nova Zelândia, Aegle, e
Feronia.
Nos «Annales du Museum», publicou «Observations
sur la famille des orangers et sur les limites qui la
circonscrivent». Neste trabalho indica de modo rigoroso quais os caracteres que devem ser tomados em
consideração para a formação das famílias vegetais,
dos quais o primeiro é a simetria comum das partes
da frutificação, seguido do porte geral das espécies
e todos os caracteres que possam ser observados.
Apresenta uma divisão da família das auranciaceas
em diversos géneros.
João de Loureiro estudou no colégio de Santo Antão,
em Lisboa, e vestiu o hábito de jesuíta em 1732.
Foi enviado em missão especial à Cochinchina (zona
meridional do Vietnam, a leste do Camboja, mais
especificamente o delta do rio Mekong) em 1742. O
rei local tomou-o ao seu serviço como matemático e
naturalista, tendo sido director de estudos físicos e
matemáticos da corte, mas proibiu-o de missionar
em lugares públicos.
Depois de ter obtido de um capitão de um navio inglês a «Genera Plantarum» e outras obras de Lineu,
prosseguiu os seus estudos de Botânica durante os
36 anos que permaneceu na Cochinchina. Através
dos indígenas, tomou conhecimento das plantas medicinais da região e das suas aplicações. De regresso
a Portugal, demorou-se três meses em Moçambique.
Durante a sua estadia asiática, preparou a sua «Flora Cochinchinensis», presente nesta exposição.
Completada em 1788, foi publicada pela Academia
de Ciências de Lisboa em 1790. Nesta Flora foram
descritos 185 géneros e 1.300 espécies novas para a
ciência, tendo causado grande sensação nos meios
botânicos europeus. Três anos depois, Willdenow
(um dos primeiros fitogeógrafos, director do Jardim
Botânico de Berlim) publica em Berlim uma segunda edição, adicionando-lhe umas breves notas.
Foi eleito sócio da Academia de Ciências de Lisboa em
1782. A Royal Society de Londres, de que era sócio, inseriu alguns dos seus trabalhos nas suas «Memórias».
18
A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA
1
01. «DICCIONARIO DOS TERMOS TECHNICOS
DE HISTORIA NATURAL»
DOMINGOS VANDELLI. 1788
Vandelli recebeu o benéfico influxo epistolar de Lineu durante
o período em que se dedicou à colheita de minerais, fósseis,
plantas e animais no norte de Itália, e esta obra reflecte o
profundo conhecimento de Vandelli pela «história natural». Na
introdução à obra, é bem patente a admiração pela natureza, e
o conceito do naturalista completo, como sábio enciclopédico
e multidisciplinar. «O saber pois somente o nome das plantas
naõ he ser Botanico, o verdadeiro Botanico deve saber álem
disso a parte mais difficultoza, e interessante, que he conhecer as
suas propriedades, usos economicos, e medicinaes; saber a sua
vegetaçaõ, modo de multiplicar as mais uteis, os terrenos mais
convenientes para isso, e o modo de os fertilizar (...) Naõ consiste
pois o estudo da Historia Natural, na simples nomeclatura; mas
nas observaçoens, e nas experiencias para conhecer as relaçoens,
a ordem da Natureza, sua economia, policia, a formaçaõ da Terra,
e revoluçoens, que soffreo, e emfim as utilidades, que se pódem
tirar das producçoens naturais além das conhecidas».
Vandelli apresenta a terminologia dos animais, das plantas e
dos minerais. Seguem-se 20 estampas notáveis, que começam
com crânios de mamíferos e acabam com a estrutura da flor
em vários grupos. As figuras das estampas ilustram alguns
dos termos do dicionário. O livro ainda contém um texto
sobre jardins botânicos. Finalmente, uma pequena Flora de
plantas lusitânicas e do Brasil, também ilustradas, e cópias da
correspondência que Vandelli teve com Lineu.
Este exemplar tem especial significado para a Academia
Polytechnica. Tem a assinatura de José de Parada e Silva Leitão,
«lente proprietario da 8a. cadeira por carta regia de 1838».
02. «FLORA LUSITANICA»
F. AVELLAR BROTERO. 1804
Publicada em 1804, em dois volumes, nesta obra são
descritas 1900 espécies, dispostas segundo um sistema que,
embora paralelo ao de Lineu, tem muito de original. A Flora
de Brotero constitui um pilar primordial no estudo da flora
portuguesa. Totalmente escrita em latim, seria contudo de
acesso muito restrito. Saliente-se a abismal diferença entre
o conhecimento actual e o da altura das nossas plantas
vasculares e criptogâmicas. No tempo de Brotero, no nosso
país, conheciam-se apenas 9 géneros de algas, 15 de fungos, e
algumas dezenas de espécies de líquenes.
3
4
03. «VOYAGE AU PORTUGAL»
EDIÇÃO ORIGINAL ALEMÃ.
LINK E VAN HOFFMANNSEGG. 1801/ 1804
A obra «Voyage au Portugal», em três tomos, relata a
experiência da viagem a terras lusas, da qual resultou a
publicação da monumental «Flore Portugaise». Apresenta-se
aqui a versão original desta obra, em alemão. Link e o Conde
de Hoffmannsegg passam grande parte do ano de 1798 em
Portugal. Link regressa a Hamburgo em 1799, enquanto
Hoffmannsegg permaneceu em Portugal, continuando as
viagens e explorações no nosso país.
Os dois primeiros volumes da “Voyage au Portugal” referem-se
à viagem conjunta de Link e Hoffmannsegg. O terceiro volume
relata as explorações de Hoffmannsegg. Estes exemplares
apresentam o carimbo da Biblioteca de Hamburgo.
04. «FLORA COCHINCHINENSIS»
JOÃO DE LOUREIRO. 1790
Completada em 1788, esta obra foi publicada pela Academia
de Ciências de Lisboa em 1790. Nesta Flora foram descritos
185 géneros e 1.300 espécies novas para a ciência, tendo
causado grande sensação nos meios botânicos europeus. Três
anos depois, Willdenow (um dos primeiros fitogeógrafos,
director do Jardim Botânico de Berlim) publica em Berlim uma
segunda edição, adicionando-lhe umas breves notas.
A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS
20
A Botânica é a disciplina da Biologia que se ocupa
do estudo das plantas. Contudo, o conceito de planta
tem sofrido grandes alterações nas últimas décadas
e, há cem anos, era muito mais abrangente do que é
hoje. Os organismos vivos eram então divididos em
dois grandes grupos – plantas e animais.
Na Botânica do fim do século XIX, as plantas eram
definidas como os organismos vivos que apresentavam as seguintes características principais:
1. Células com um revestimento celulósico.
2. Nutrição a partir de materiais inorgânicos – água,
ácido carbónico e amoníaco.
3. Tendência marcada para a formação de colónias
de indivíduos semelhantes.
4. Forte influência do meio circundante, apresentando os vegetais inferiores uma distribuição mais
vasta do que os superiores.
5. Ausência de sensibilidade e movimentos voluntários.
Estas características das plantas opunham-se às dos
animais: organismos sem celulose na parede celular,
que se nutriam de «alimentos já organizados pelos
vegetais», com tendência para o «individualismo»,
não sendo muito influenciados pelo meio circundante e apresentando «sensibilidade e locomoção
voluntária».
Consideravam-se assim como plantas as bactérias, os
fungos, as algas, os líquenes, os musgos e as plantas
vasculares. Os vírus não eram ainda conhecidos. Hoje
sabemos que as bactérias (a grande maioria) e os fungos não correspondem a esta definição de planta,
dado que, não sendo fotossintéticos, não se nutrem
«a partir de materiais inorgânicos», o carbono que
assimilam não provém do CO2 atmosférico, mas,
pelo contrário, de moléculas orgânicas absorvidas
(organismos heterotróficos para o carbono). Por outro lado, quer as bactérias quer a grande maioria dos
fungos não apresentam celulose na parede celular.
Bactérias, fungos, algas e líquenes eram designados
de talófitos, dado que o seu soma vegetativo é um
talo – sem raiz, caule, folhas, flores e frutos. Hoje, o
termo planta tem um significado muito mais restrito: não inclui bactérias, fungos, líquenes e a maioria
das algas. Estes organismos são distribuídos por vários grandes grupos de organismos vivos (Divisões
taxonómicas).
A botânica de há cem anos subdividia-se nas seguintes áreas temáticas e laboratoriais: anatomia e
histologia; sistemática e taxonomia; fisiologia; microbiologia; paleontologia vegetal; botânica aplicada à
agricultura, indústria e medicina. A fisiologia vegetal
era uma área pouco desenvolvida. Também a ecologia
era uma disciplina incipiente na qual se estudava a
distribuição dos grupos vegetais pelo mundo – «geografia botânica». A microbiologia estabelecia-se como
área distinta, com métodos e princípios próprios.
9
5
A anatomia e histologia vegetais de há cem anos
abordavam os seguintes tópicos:
1. Estrutura da célula. Organitos celulares. Substâncias de reserva. Substâncias dissolvidas. Modificações morfológicas das células.
2. Classificação dos principais tecidos.
3. Morfologia e anatomia da raiz, caule e folha. Modificações e adaptações.
4. Morfologia e estrutura da flor. A fecundação.
5. Morfologia e estrutura do fruto e da semente.
6. Desenvolvimento nos musgos, fetos, angiospérmicas e gimnospérmicas.
7. Estrutura e reprodução nos fungos, líquenes e algas.
As observações utilizavam material inteiro ou material seccionado em cortes finos. O material inteiro podia ser observado fresco ou fixado. O material
fresco podia ser seccionado em cortes semi-finos,
utilizando um micrótomo de mão. Um utilizador experiente conseguia obter cortes de alguns micras de
espessura. Para a obtenção de cortes finos ou muito
finos era necessário impregnar o material em parafina e cortar os blocos de parafina resultantes com um
micrótomo de mesa. Podiam assim obter-se secções
com 1 a 5 micras de espessura. Apresentamos nesta
exposição alguns exemplares de micrótomos.
A técnica da parafina era omnipresente no laboratório de anatomia-histologia vegetal de há cem anos. A
técnica seguia as seguintes etapas principais:
1. Fixação. O material fresco era fixado por tratamento com reagentes químicos, como o formol (formaldeído), o ácido acético, crómico, ósmico e pícrico, o
álcool etílico, o bicloreto de mercúrio e o bicromato
de potássio. O objectivo era «fixar» as estruturas celulares de tal forma que se mantivessem inalteradas ou
pouco alteradas durante os procedimentos seguintes.
2. Desidratação. Após a fixação, o material era banhado sequencialmente em etanol cada vez mais
puro, até a série atingir o teor alcoólico de 100%.
3. Clarificação. Antes da imersão em parafina era necessário colocar o material num líquido compatível
com este meio de inclusão. Usava-se o clorofórmio,
benzol ou xilol. O material era transferido do etanol,
passando por soluções etanol-xilol de concentração
progressiva de xilol, até atingir os 100%.
4. Impregnação. Ao material em xilol adicionava-se
lentamente parafina. No fim, colocava-se o material
em parafina pura, derretida numa estufa que se
mantinha aquecida.
5. Inclusão. O material era transferido para nova parafina, também derretida. Após solidificação, obtinha-se
um bloco de parafina com o material no seu interior.
6. Corte. O bloco de parafina era desbastado até se delimitar o material a ser seccionado. O bloco de parafina
preparado era cortado num micrótomo de mesa, sendo
possível regular a espessura do corte.
22
A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL
A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL
O LABORATÓRIO DE ANATOMIA-HISTOLOGIA VEGETAL
Os progressos técnicos da microscopia revelaram
um mundo novo – a célula. No fim do século XIX,
o microscópio tinha já atingido um grau de qualidade e sofisticação tal que permitia um estudo relativamente pormenorizado da célula e dos tecidos.
A organização estrutural dos fungos e dos líquenes
podia ser examinada com excelente detalhe. As leveduras, fungos unicelulares, eram já descritas com
pormenor. Contudo, a observação de bactérias era
ainda limitada. Organismos com dimensões da ordem de alguns micras (milésimo do milímetro) eram
os menos conhecidos citologicamente. No entanto,
a invenção da objectiva apocromática no fim do
século XIX (apresentamos nesta exposição alguns
exemplares destas objectivas) melhorou significativamente a observação da morfologia e estrutura da
célula bacteriana.
A invenção de novos tipos de vidros e a introdução
de conceitos teóricos da Física no desenho e construção dos aparelhos ópticos tinha efectivamente elevado o microscópio a níveis de qualidade notáveis. Para
este progresso muito contribuiu a firma alemã Zeiss,
líder da excelência óptica da época. Em associação
com esta firma, destacam-se os nomes de Ernst Abbe
e Otto Schott. Saliente-se ainda a contribuição do médico italiano Pacini na construção de microscópios
vocacionados para a observação de microrganismos.
7. Montagem. Os cortes em parafina eram colocados
(e colados) em lâminas de vidro. Seguia-se a desparafinação, colocando as lâminas com os cortes num
solvente orgânico da parafina, como, por exemplo, o
xilol. Após remoção total da parafina podia-se adicionar logo o meio de montagem, como a resina (bálsamo do Canadá), ou podiam ser efectuadas colorações
antes da montagem definitiva. Neste caso, era necessário passar o material do xilol para etanol, corá-lo
com corantes alcoólicos, voltar a passá-lo para xilol
e, finalmente, proceder à montagem. Se o corante
fosse aquoso, o processo era mais moroso. Existiam
colorações específicas para determinadas estruturas
celulares, como a parede e o núcleo, e para substâncias de reserva, como o amido. Alguns metais também podiam ser detectados por reacções coloridas.
24
A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL
8
05. MICRÓTOMO DE MESA
DE PEQUENAS DIMENSÕES
INÍCIO DO SÉCULO XX
Era utilizado para cortar secções finas em blocos de parafina.
Era certamente uma presença universal nos laboratórios de
anatomia no início do século XX. A inclusão do material em
parafina era morosa e trabalhosa, e exigia a manipulação de
substâncias que hoje sabemos serem tóxicas, como o xilol,
mas permitia a obtenção de cortes extremamente finos. Uma
boa faca podia fazer cortes de poucos micras de espessura.
A remoção da parafina dos cortes e inclusão em bálsamo era
também morosa e laboriosa, mas permitia obter preparações
de excelente qualidade, duráveis por décadas.
06. CALDEIRAS PARA AQUECIMENTO
FIM DO SÉCULO XIX – INÍCIO DO SÉCULO XX
No interior coloca-se água quente.
Utilizadas para aquecer lâminas e preparações microscópicas.
07. PLACA DE AQUECIMENTO
INÍCIO DO SÉCULO XX
Este tipo de placas de aquecimento destinava-se geralmente
ao aquecimento de lâminas, para fins diversos. Era certamente
um objecto presente em todos os laboratórios de botânica
do início do século XX. Podia ser aquecida por baixo com
uma lamparina. Num laboratório de microbiologia, esta placa
metálica era utilizada, por exemplo, na coloração específica de
bactérias ácido-resistentes, como a bactéria da tuberculose.
Estas bactérias não são coráveis pelos corantes normais a
frio, sendo necessário aplicar fucsina fenolizada até que se
libertem vapores das lâminas. Esta placa era também muito
utilizada nos laboratórios de anatomia para confeccionar
preparações definitivas com gelatina glicerinada. A gelatina
glicerinada é sólida à temperatura ambiente, mas derrete com
um ligeiro aquecimento. As lâminas eram colocadas na placa
de aquecimento, aplicava-se uma gota da gelatina glicerinada, e
o objecto que se pretendia conservar no interior. A placa era
então aquecida, a gelatina derretia e colocava-se a lamela por
cima. Ao arrefecer, a preparação tornava-se definitiva.
08. SUPORTE PARA LÂMINAS
OU PREPARAÇÕES
Peça muito utilizada no laboratório de anatomia e histologia.
Acomodava várias lâminas ou preparações num espaço
reduzido, que assim podiam ser facilmente colocadas numa
estufa para secagem, por exemplo.
09. APARELHO DESTINADO À LUTAGEM
DE PREPARAÇÕES DEFINITIVAS
INÍCIO DO SÉCULO XX
No início do século XX, a confecção de preparações
definitivas era uma das técnicas mais vulgares nos laboratórios
de botânica, em particular no de anatomia e histologia. A
«definitização» de uma preparação montada em glicerina
exigia que se selassem as margens da lamela, caso contrário,
ao fim de um certo tempo a glicerina evaporar-se-ia e a
preparação secava, tornando-se inútil. Uma das formas
de tornar uma preparação com glicerina definitiva era a
«lutagem». Após limpeza cuidadosa das margens da lamela
aplicava-se uma substância própria, cerosa ou resinosa,
dissolvida em um solvente orgânico como o álcool, o xilol,
o clorofórmio ou a essência de terebintina. A substância
era aplicada na margem da lamela várias vezes seguidas, de
forma a formar um rebordo com 3 a 4 milímetros. Estas
mesas com prato giratório permitiam aplicar a substância
selante uniformemente à volta da lamela. Podem observar-se
preparações lutadas na colecção de diatomáceas de Tempère,
aqui também expostas.
10. APARELHO DESTINADO À LUTAGEM
DE PREPARAÇÕES DEFINITIVAS
«LEITZ». INÍCIO DO SÉCULO XX
11. MICROSCÓPIO
«KORISTKA», MODELO IVA. INÍCIO DO SÉCULO XX
Microscópio encomendado por Gonçalo Sampaio. A firma
Koristka foi fundada em Milão em 1880 por Francesco
Koristka, italiano de ascendência polaca. Com autorização
de Abbe, da firma Zeiss, Koristka construiu excelentes
microscópios e objectivas para máquinas fotográficas segundo
as patentes da Zeiss. Em 1929, a firma Koristka foi comprada
pela «Officine Galileo» de Florença.
14
26
A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL
O LABORATÓRIO DE SISTEMÁTICA-TAXONOMIA VEGETAL
Num laboratório de sistemática vegetal do início do
século passado veríamos microscópios, lupas, floras,
folhas de herbário e preparações microscópicas.
A identificação de plantas vasculares era baseada na
observação da morfologia externa dos seus órgãos
– raiz, caule, folha, flor e fruto – utilizando como referência as Floras de Gonçalo Sampaio, Júlio Henriques ou Pereira Coutinho. Apresentamos nesta exposição exemplares destas Floras. A confirmação final
era feita pela comparação com material de herbário,
já correctamente determinado por especialistas.
A identificação dos talófitos era baseada essencialmente na morfologia, recorrendo ao microscópio óptico. Em alguns grupos atendia-se à morfologia das
estruturas vegetativas, noutros às estruturas reprodutoras. Na identificação, utilizavam-se monografias
dos grupos em estudo. Contudo, ao contrário das
plantas vasculares, a bibliografia nacional era escassa, excepto para os líquenes. Assim, o investigador
utilizaria maioritariamente monografias publicadas
por naturalistas espanhóis, italianos, franceses, germânicos ou britânicos. Para os talófitos «macroscópicos» usavam-se herbários de macromicetos, líquenes e macroalgas. Os fungos parasitas de plantas
estavam representados por folhas de herbário com
a planta parasitada pelo fungo.
Para a preparação das folhas de herbário, as plantas
(vasculares ou talófitas) eram secas, prensando-as
entre papel absorvente para evitar a sua deterioração
por fungos saprofíticos. Depois de secas, eram coladas
a folhas de papel branco, desinfectadas e guardadas
em local seco e ao abrigo de animais destruidores.
Para os talófitos «microscópicos», como bactérias,
fungos e algas, os herbários eram substituídos por
colecções de preparações definitivas.
14
28
A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL
15
12. MALA DE COLECTOR
As herborizações constituíam uma parte importante do
trabalho do sistemata botânico. Gonçalo Sampaio passou
muitos dias fora do Porto a recolher plantas pelo país. As
plantas eram guardadas nesta mala de folha de Flandres
que evitava o emurchecimento do material. Deveriam ser
prensadas antes de secas, para ficarem lisas e planas, facilitando
a observação.
13. PRENSA DE SECAGEM
As plantas têm de ser prensadas antes de secas para ficarem
lisas e planas e permitir uma melhor observação. Na prensa, as
plantas são colocadas entre papéis tipo mata-borrão e devem
estar devidamente referenciadas com um etiqueta.
14. LUPA DE DISSECÇÃO
«ZEISS», MODELO I. FIM DO SÉCULO XIX
Com apoios em madeira para facilitar observações
prolongadas.
15. MICROSCÓPIO
«ZEISS», MODELO I. INÍCIO SÉCULO XX
A firma Carl Zeiss foi fundada em Jena, em 1846, por Carl
Zeiss (1816-1888). A firma Zeiss era especializada no fabrico
de microscópios, intrumentos ópticos para laboratório,
instrumentos para astronomia e lentes para óculos. Em 1857
fabrica o primeiro microscópio composto. Ernst Abbe (18401905), professor de Física e Matemática da Universidade de
Jena, é contratado com apenas 26 anos, em 1866, pela firma
Zeiss. Abbe revolucionou a óptica dos aparelhos Zeiss. As
lentes até então fabricadas, utilizando modelos empíricos
de tentativa-erro, passaram a ser baseadas em cálculos
matemáticos e leis físicas. Otto Schott (1851-1935) era
um especialista na ciência e tecnologia do vidro. Em 1884
estabelece-se uma cooperação entre a Zeiss e a fábrica de
vidros de Schott. Deve-se a esta parceria a invenção e o
início do fabrico, em 1886, das objectivas apocromáticas,
uma revolução na qualidade óptica dos microscópios. Com o
desaparecimento de Carl Zeiss em 1888 e com o desinteresse
do seu filho pela firma, Abbe torna-se proprietário da
companhia. Após a II Guerra Mundial, a firma Zeiss é dividida
em duas, uma situada na Alemanha Oriental e outra na
Alemanha Ocidental. Após a reunificação da Alemanha, as
duas firmas são reunidas novamente numa única grande
fábrica de instrumentos ópticos e de precisão.
O modelo apresentado tem o número de série 45367, o
que indica que o microscópio foi fabricado antes de 1910,
provavelmente em 1906 ou 1907.
16. LANTERNA DE ILUMINAÇÃO
Utilizada para iluminar lupas e microscópios.
15
17. CARTA DA FIRMA J. TEMPÈRE (PARIS)
19 DE SETEMBRO DE 1911
A carta é assinada por Tempère e, apesar de não endereçada,
terá muito provavelmente sido dirigida a Gonçalo Sampaio.
Nesta data, por motivo de doença de Amândio Gonçalves,
Gonçalo Sampaio estaria já a dirigir o Gabinete de Botânica. A
firma Tempère era uma importantíssima firma de confecção
de preparações microscópicas. J. Tempère (1847-1926) era
ainda um microscopista reputado que dirigia as revistas «Le
Micrographe Préparateur» e «Le Diatomiste», onde publicava
sobre assuntos tão variados como a técnica da parafina, a
morfologia das desmídias, a confecção de preparações de
diatomáceas, a realização de preparações de insectos, as
espículas das esponjas. A carta acompanhava uma encomenda
de 48 preparações de algas de água doce. Gonçalo Sampaio
realizou alguns estudos sobre as algas desmídias, tendo
publicado um trabalho em 1920, em que são descritas
cinco novas espécies de desmídias. As desmídias são algas
verdes (clorófitas), unicelulares, coloniais ou filamentosas,
exclusivamente de água doce. Seriam as preparações de
Tempère de exemplares de desmídias? Tempère publicou
em «Le Micrographe Préparateur» diversos artigos sobre a
morfologia de muitos géneros de desmídias, e a sua firma teria
certamente para venda colecções de preparações definitivas
destas algas microscópicas. Terá querido Gonçalo Sampaio
esclarecer alguma dúvida sobre as desmídias que tinha
observado?
18. PREPARAÇÕES DEFINITIVAS
DE DIATOMÁCEAS
PARIS. FIM DO SÉCULO XIX
Colecção de 200 preparações da edição 1 da obra
«Diatomées du monde entier», de Tempère e Peragallo.
Maurício Alexandre Peragallo (1853-1921) e Frederico
Peragallo (1851-1921) eram militares de carreira, mas distintos
estudiosos de diatomáceas. Os irmãos Peragallo escreveram
a importante monografia «Diatomées marines de France
et des districts maritimes voisins». Publicaram diversos
artigos nas revistas dirigidas pelo microscopista J. Tempère,
reputadíssimo fabricante de um impressionante número
preparações microscópicas que abrangiam todos os campos
da história natural. O seu catálogo de 1910-11 oferecia 5.600
preparações. A especialização em diatomáceas era notável.
A firma Tempère vendia, além de diversos conjuntos de
preparações definitivas, os próprios sedimentos tratados para
que o comprador pudesse ele próprio fazer as preparações de
diatomáceas. Os irmãos Peragallo trabalharam com J. Tempère
nas famosas colecções de diatomáceas. Escreveram os textos
e desenharam as ilustrações, enquanto Tempère produzia as
preparações. A firma Tempère terá produzido cerca de 100
exemplares de cada uma destas colecções de preparações.
O exemplar em exibição é o conjunto das preparações #1
a #200, da edição 1 de «Diatomées du monde entier».
Esta edição foi publicada em Paris entre 1889 e 1895. Era
constituída por um total de 625 preparações definitivas
de diatomáceas, acompanhadas de um texto explicativo, e
um índice de localidades e de taxa. A grande maioria das
preparações eram de sedimentos fósseis (a maioria dos
depósitos fósseis conhecidos estavam representados), de
recolhas marinhas, de água doce e pelágicas, provenientes de
todas as partes do mundo.
30
A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL
26
São descritos seis novos taxa; existem 30 nomes de novos
taxa, mas sem descrição; existem ainda 21 novas combinações.
Desta obra será feita uma edição 2, com 1.000 preparações
definitivas de diatomáceas, obra rara e valiosa. Muitas
das preparações contendo novas espécies para a ciência
constituem hoje os tipos nomenclaturais destas espécies.
Para o sistemata de algas, este tipo de colecções é o equivalente
de um herbário de plantas. Apesar das identificações poderem
ser feitas por comparação com descrições e ilustrações, a
observação directa de preparações é preciosa para uma
correcta identificação dos exemplares.
25
19. EXEMPLAR DE FUNGO PARASITA
HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO
Trata-se de um dos fungos que Gonçalo Sampaio enviou para o
seu colega espanhol Romualdo Fragoso em Madrid, que veio a
identificá-lo como Dothiorella asparagi, uma espécie nova para a
ciência. O fungo encontra-se a parasitar um caule de aspárago.
Gonçalo Sampaio teve uma frutuosíssima colaboração com R.
Fragoso, tendo enviado para este distinto micologista espanhol
largas dezenas de fungos, a maioria parasitas de plantas que
vieram a ser identificados como espécies novas para a ciência.
A colaboração entre Gonçalo Sampaio e Romualdo
Fragoso iniciou-se em 1921 e durou até à morte do notável
micologista espanhol, ocorrida em 1928.
21. EXEMPLAR DE LÍQUENE
HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO
Gonçalo Sampaio foi um especialista em sistemática de
líquenes e um dos expoentes da liquenologia do início do
século XX. Este é um exemplar de Usnea florida. Gonçalo
Sampaio descreveu largas dezenas de espécies novas de
líquenes e um género novo para a ciência.
20. EXEMPLAR DE GASTEROMICETO
HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO
Gonçalo Sampaio não foi especialista em fungos, mas recolheu
alguns exemplares como este: um basidiocarpo de um Bovista
plumbea, um gasteromiceto.
23. EXEMPLAR DE RODÓFITA
HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO
Gonçalo Sampaio também não foi especialista em algas, mas
recolheu alguns exemplares, como esta alga vermelha, uma
rodófita, Polysiphonia urceolata.
22. EXEMPLAR DE MUSGO
HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO
Gonçalo Sampaio recolheu este exemplar de Campylopus
polytrichioides em Ponte de Lima, região por si bem conhecida
e onde fez muitas herborizações.
24. EXEMPLAR DE PTERIDÓFITA
HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO
Gonçalo Sampaio recolheu alguns exemplares de fetos, como
este Pteridium aquilinum. Foi recolhido num dos locais mais
bem estudados por Gonçalo Sampaio – S. Gens, Póvoa de
Lanhoso.
25. EXEMPLAR DE UMA ESPÉCIE DE RUBUS
HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO
Gonçalo Sampaio publica em 1904 uma revisão dos Rubus
portugueses, vulgarmente designados por «silvas». Tem então
39 anos e é naturalista do Gabinete de Botânica. Gonçalo
Sampaio propõe um corte drástico com a sistemática em
vigor deste género dificílimo de rosáceas. Brotero, na sua
Flora de 1804, só considerava duas espécies espontâneas no
nosso país. O Conde de Ficalho e A. X. Pereira Coutinho, em
trabalho publicado no fim do século XIX, consideraram 16
espécies. Gonçalo Sampaio considera 32 espécies com diversas
variedades e formas híbridas. Uma das novas espécies descritas
por Sampaio é o Rubus henriquesii, de que aqui se apresenta um
exemplar, baptizado em homenagem ao seu colega e amigo
Júlio Henriques, professor de Botânica em Coimbra.
26. «MANUAL DA FLORA PORTUGUESA»
GONÇALO SAMPAIO. 1914
Trata-se da obra fundamental publicada, em vida, por Gonçalo
Sampaio, sobre a flora vascular portuguesa. A obra foi
inicialmente publicada em fascículos, iniciados em 1909, tendo
o último saído em Dezembro de 1914. Esta obra estuda 115
das 131 famílias de plantas vasculares existentes em Portugal.
A última família tratada é Plantaginaceae. Diversas famílias
tratadas neste Manual (Orchidaceae a Celtidaceae, Phaseolaceae
a Ericaceae) foram incorporadas na edição de 1946 da «Flora
Portuguesa».
30
34
32
A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL
O LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA
Há cem anos a microbiologia estabelecia-se como
área disciplinar independente, embora ainda no seio
da Botânica. Definiam-se métodos e procedimentos
próprios de trabalho e criavam-se rotinas. Na sua
fundação e estabelecimento como disciplina autónoma foram fundamentais as figuras de F. Cohn, Beijerinck, Hansen, Omeliansky, R. Kock, Miquel, Pacini,
L. Pasteur, Roux e Vinogradskij.
Na microbiologia de então estudavam-se as bactérias
e as leveduras, mas não se incluíam os fungos micelianos e as algas microscópicas, que eram estudados
juntamente com os musgos, fetos e espermatófitas.
O estudo das fermentações por bactérias e leveduras
ocupava um lugar destacado: a fermentação alcoólica
pelas leveduras e a sua própria morfologia foram estudadas com notável pormenor por L. Pasteur. A motivação para estes estudos era fundamentalmente prática,
uma vez que estas fermentações originavam o vinho e
a cerveja, ou a transformação do vinho em vinagre.
A componente microbiológica do ciclo do azoto era
já razoavelmente conhecida. Isolavam-se e cultivavam-se bactérias nitrificantes e desnitrificantes. Os
rizóbios eram já conhecidos, bem como o seu papel
simbiótico na fixação do azoto atmosférico e assimilação pelas plantas.
TÉCNICAS
Meios de cultura
Utilizavam-se meios de cultura extremamente diversos, uns líquidos, outros solidificados, outros ainda
propriamente sólidos, como a batata ou cenoura. A
maioria dos meios de cultura era confeccionada à
base de produtos naturais.
No estabelecimento e criação dos métodos e procedimentos da microbiologia operou-se uma revolução com a utilização do agar-agar (ou gelose) para
a «solidificação» (gelificação) dos meios de cultura.
Até então, os meios eram solidificados com gelatina, que derrete a temperaturas relativamente baixas.
Por exemplo, não era possível incubar nestes meios
as bactérias isoladas do homem, a 37 °C. Outra limitação da gelatina era a sua fácil degradação por
microrganismos. A descoberta do agar-agar em algumas algas marinhas vermelhas (rodófitas) deve-se a
Payen, em 1854, e pouco tempo depois já era utilizado em meios de cultura.
Esterilização e Assepsia
A esterilidade e a assepsia são dois requisitos indispensáveis na microbiologia, e já tinham sido estabelecidos há cem anos. Uma semi-esterilização dos
meios de cultura obtinha-se por aquecimento em
água fervente, que não conseguia eliminar alguns
esporos bacterianos.
Uma melhoria foi conseguida pela esterilização por
calor repetido, inventada por Tyndall e aperfeiçoada
por Koch, que consistia no aquecimento em intervalos sucessivos e era por vezes totalmente eficaz,
uma vez que os esporos que resistiam ao primeiro
aquecimento germinavam, sendo destruídos pelo
aquecimento posterior.
Mas a revolução dá-se com a esterilização pelo calor
húmido no autoclave de Chamberland, que não era
mais do que uma marmita de Papin aperfeiçoada. No
autoclave, totalmente fechado, a água atingia facilmente 120 °C, sendo o meio totalmente esterilizado.
Para a esterilização de vidros e peças metálicas usavase a esterilização pelo calor seco, em estufas, sendo o
aquecimento feito por gás. O forno de Pasteur permitia manter a temperatura na ordem de 170-180 °C.
As substâncias que se alterassem pelo calor eram
esterilizadas por filtragem. Filtros de porcelana, por
exemplo, permitiam esterilizar líquidos como o leite.
Para forçar a passagem das substâncias por filtros
com poros de reduzida dimensão, criava-se vácuo no
recipiente inferior através de uma bomba de vácuo.
Recipientes e utensílios de cultura
Os microrganismos eram cultivados em meios de
cultura contidos em recipientes de vidro: tubos de
ensaio, tubos de Roux, matrazes de Pasteur, balões
de Erlenmeyer, caixas de Roux e caixas de Petri. Os
tubos, matrazes e balões eram tapados com rolhas
de algodão.
Os microrganismos eram transferidos entre meios
de cultura por repicagem com agulhas próprias. Estas agulhas de repicagem tinham um cabo de material não condutor do calor e um fio metálico na
extremidade. Este fio era aquecido ao rubro antes da
repicagem para assegurar a esterilidade da agulha.
As culturas eram incubadas em estufas. No início do
século XX existiam já estufas de incubação que mantinham uma temperatura constante, com pequenas
oscilações, o que era indispensável para um crescimento adequado de, por exemplo, bactérias isoladas
do homem.
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A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL
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Coloração
Os microrganismos eram observados frescos ou corados. Podiam ser observados em culturas puras, ou
directamente no substrato em que se encontravam,
como o sangue, pus, escarros, mosto de uva ou de
malte. No início do século XX, o microbiologista já
dispunha de duas técnicas valiosíssimas para a coloração de bactérias.
A coloração inventada por Gram permitia separar
as bactérias em dois grandes grupos, as designadas
de Gram-positivas e as Gram-negativas. Aplicava-se
violeta fénico ou violeta de anilina, depois um soluto com iodo e, finalmente, a descoloração era feita com etanol absoluto ou etanol-acetona. No final
do processo, as Gram-positivas apresentavam-se de
azul-violeta e as Gram-negativas ficavam descoloradas, podendo depois ser-lhes aplicadas um corante
final de fucsina.
A coloração de Ehrlich-Ziehl permitia evidenciar
bactérias como o bacilo da tuberculose (doença de
elevada incidência na época), designadas de ácido-resistentes. Depois da aplicação a quente da fucsina de Ziehl, seguia-se uma descoloração com ácido
clorídrico diluído e, finalmente, uma coloração com
azul de metileno. O bacilo da tuberculose apresentava-se corado de vermelho, enquanto que a maioria
das bactérias ficariam azuis. Existiam também colorações específicas para observar o flagelo, o esporo e
a cápsula bacteriana.
PROCEDIMENTOS
Para o isolamento e quantificação de bactérias presentes em substratos naturais líquidos como a água
ou o leite, faziam-se diluições sucessivas do substrato
em meio de cultura liquefeito, colocando as últimas
diluições em caixas de Petri. Após solidificação do
meio de cultura e incubação, obtinham-se colónias
isoladas dos microrganismos presentes, cada uma
constituindo uma cultura pura de uma dada espécie.
Para o isolamento e quantificação de bactérias presentes em substratos sólidos, como por exemplo o
solo, procedia-se a uma lavagem do solo com água, e
esta água era tratada da forma atrás referida.
Realizando diluições exactas e contando o número
de colónias formadas, era possível estimar a concentração de bactérias presentes na amostra. Também
se procedia ao isolamento de bactérias de substratos
naturais pela técnica de riscado directo em meio de
cultura gelificado.
Existiam procedimentos para a cultura de bactérias
anaeróbias, assim como se isolavam e quantificavam
bactérias da água, mas a pesquisa e isolamento de
bactérias patogénicas como o agente da febre tifóide
e da cólera eram pouco fiáveis. Não se usavam meios
selectivos: recorria-se à adição de substâncias como
o ácido fénico, o verde de malaquite e o ácido fosfórico, que inibiam ou eliminavam tudo o que se não
pretendia isolar. O isolamento diferencial de vários
grupos metabólicos de bactérias do solo também tinha procedimentos definidos.
Já eram conhecidos processos de isolamento de microrganismos da atmosfera, recorrendo a instrumentação como a desenvolvida por Miquel – matraz borbulhador, vaso cónico, filtro de sulfato de sódio – ou
o aspirador cilíndrico de Sainte-Claire Deville.
Também se isolavam e cultivavam bactérias e fungos patogénicos das plantas. Determinavam-se ainda algumas características fisiológicas das bactérias:
temperatura óptima de crescimento; resistência ao
calor; crescimento na peptona, gelatina, batata e no
leite; produção de indol; acção na albumina; redução
dos nitratos. Algumas destas características culturais
e bioquímicas seriam mais tarde utilizadas na identificação bacteriana.
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A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL
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27. AGAR-AGAR
O agar-agar é extraído de algas marinhas vermelhas
(rodófitas). A sua utilização em microbiologia para solidificar
meios de cultura foi revolucionária, dado que, ao contrário
da gelatina, só liquefaz a temperaturas muito elevadas, perto
da ebulição. A quantidade de agar-agar necessária para
«solidificar» um meio de cultura é muitíssimo inferior (cerca
de 10 vezes menor) à de gelatina. Os meios com agar-agar
podem ser portanto utilizados para cultivar microrganismos a
praticamente qualquer temperatura de incubação.
Os meios de cultura continham, além do agar-agar, substâncias
como extracto de carne, peptona, levedura, malte.
29. FUNIL METÁLICO,
AQUECIDO COM ÁGUA QUENTE
Este funil permitia a filtragem de líquidos a quente. Era
utilizado nos laboratórios de microbiologia quando se
pretendia filtrar um meio de cultura que contivesse, por
exemplo, gelatina. Estes meios são líquidos a quente mas
solidificam a frio. A filtragem a quente evitava a solidificação
do meio enquanto decorria a filtragem. Era também utilizado
no laboratório de anatomia-histologia para filtrar a parafina.
A parafina que sobrava na técnica da inclusão podia ser reutilizada, se fossem removidos os detritos e as impurezas por
filtragem a quente.
31. CAIXA DE PETRI
Inventada pelo italiano Petri no século XIX, foi um elemento
chave para o estabelecimento da microbiologia como
disciplina autónoma. Invenção genial, de uma simplicidade
desconcertante, permite cultivar e manipular microrganismos
de uma forma tão simples e eficaz que até hoje não foi
superada como recipiente corrente para colocar meios de
cultura de bactérias ou fungos.
28. GELATINA
Um dos ingredientes mais usados na confecção de meios
de cultura utilizados em microbiologia. Dissolve-se em água
morna. Apresenta o inconveniente de derreter a temperaturas
relativamente baixas, não podendo ser utilizado para cultivar
organismos termofílicos, ou mesmo mesofílicos a temperaturas
moderadas. Muitas bactérias hidrolisam a gelatina, liquefazendo
o meio de cultura. O tipo de hidrólise era utilizado na
identificação das bactérias.
30. AUTOCLAVE A GÁS
«ADNET». FIM DO SÉCULO XIX – INÍCIO DO SÉCULO XX
Autoclave do tipo Chamberland, utilizado para esterilizar vidros
e meios de cultura por calor húmido. No interior do autoclave
colocava-se um determinado volume de água e, por cima,
sob um suporte, o material que se pretendesse esterilizar. A
tampa era fechada e o autoclave aquecido por meio de um
bico de gás situado por baixo do aparelho. Dado que a água
se evaporava num recipiente fechado, a pressão aumentava
e concomitantemente a temperatura. A uma atmosfera de
pressão, a temperatura era de aproximadamente 120°C.
O aquecimento de qualquer meio de cultura a esta
temperatura durante 30 minutos garantia a eliminação de
todas as formas microbianas, ou seja, a sua esterilidade.
Mesmo para a microbiologia do século XIX, o autoclave
já era indispensável em qualquer laboratório, dado que só
excepcionalmente se não trabalhava com meios estéreis.
32. SUPORTE PARA TUBOS DE ENSAIO
EM MADEIRA
INÍCIO DO SÉCULO XX
Peça universal no laboratório de microbiologia para colocar
tubos de ensaio com culturas, a incubar.
33. CENTRÍFUGA MANUAL, DE MESA
PRESUMIVELMENTE INÍCIO DO SÉCULO XX
As centrífugas são aparelhos em que, como o nome indica,
a força centrífuga é utilizada para sedimentar partículas
em suspensão. Uma centrifugação permitia, por exemplo,
sedimentar células de bactérias, de fungos ou de algas em
poucos minutos, no fundo de um tubo. O aparelho exposto
tem uma tampa de protecção que permitia a segurança do
operador em caso de avaria – em que o tubo ou o líquido
saltassem da centrífuga. Os tubos de vidro que se utilizavam
eram cónicos no fundo, facilitando a deposição das partículas.
Apesar de movidas à mão, as centrífugas podiam atingir
velocidades de 3.000 rotações por minuto.
34. ESTUFA DE INCUBAÇÃO, DE MESA
«ADNET». FIM DO SÉCULO XIX – INÍCIO DO SÉCULO XX
Estufa para incubação de culturas ou para utilizar na técnica
da inclusão em parafina. Podia ser utilizada até 110°C. Era
aquecida por uma chama colocada no compartimento inferior.
As flutuações de temperatura eram apreciáveis. Esta estufa é
em cobre, com a porta superior com vidro.
35. CONJUNTO DE OBJECTIVAS
APOCROMÁTICAS
«ZEISS». FIM DO SÉCULO XIX, PROVAVELMENTE 1886-1889
As objectivas apocromáticas resultam da investigação em
óptica de Abbe e da experimentação em novos vidros
de Schott. A produção inicia-se em 1886 na firma alemã
Zeiss. Constituíram uma revolução na qualidade óptica das
objectivas, e concomitantemente na definição da imagem
observada ao microscópio, por comparação com as objectivas
acromáticas então em uso. A invenção das objectivas
apocromáticas contribuiu certamente para um grande avanço
na microbiologia, em particular na observação de bactérias e
fungos, dadas as dimensões exíguas destes microrganismos. Os
exemplares aqui apresentados, pelo formato do logótipo «Carl
Zeiss», são seguramente anteriores a 24 de Junho de 1904. A
partir desta data é inscrito no material Zeiss um novo logotipo
desenhado por Erich Kuithan (1875-1917), e que pode ser
observado nos microscópios presentes nesta exposição.
36. MICROSCÓPIO
«ZEISS», MODELO V. INÍCIO SÉCULO XX
O modelo apresentado tem o número de série 79498, o que
indica que o microscópio foi fabricado muito provavelmente
em 1922.
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38
A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. O ENSINO
O ENSINO
O ensino da Botânica em Portugal data da reforma
dos estudos pelo Marquês de Pombal em 1772. A Botânica era antes ensinada na Faculdade de Medicina.
Também na segunda metade do século XVIII são
criados os Jardins Botânicos de Lisboa e Coimbra,
tendo como um dos seus objectivos apoiar as aulas
práticas de Botânica.
A Botânica é introduzida no ensino liceal em meados do século XIX, já com conteúdos avançados. Em
17 de Novembro de 1836 era aprovado o «Plano dos
Liceus Nacionais», em que se determinava que o curso dos liceus deveria incluir uma disciplina sobre os
«princípios de história natural dos três reinos da natureza», e que deveria haver «em cada um dos liceus
um jardim experimental destinado às aplicações de
Botânica (...) e um gabinete que terá três divisões
correspondentes às aplicações da Física e da Mecânica, da Zoologia e da Mineralogia».
A Escola Politécnica de Lisboa é criada no ano seguinte, em 11 de Janeiro de 1837. Determinava-se que a
9.ª cadeira seria de «Botânica e Princípios de Agricultura» e que a escola teria «um gabinete de História
Natural» e «um jardim botânico». Em 4 de Janeiro de
1839 é aprovado o programa do curso de «Introdução
à História Natural dos Três Reinos» da Escola Politécnica de Lisboa, que devia abordar os seguintes temas:
«Botânica: ramos em que se divide; características das
plantas; tecidos vegetais; órgãos: raiz, caule, folha, flor,
fruto e semente; fisiologia vegetal; taxonomia: sistema de Lineu; métodos de Tournefort, e Jussieu».
A reforma do ensino de Costa Cabral, aprovada em
20 de Setembro de 1844, fazia regredir o ensino da
Botânica nos liceus, já que determinava que só nos
estabelecimentos das capitais dos distritos poderia
existir uma «Introdução à História Natural dos Três
Reinos». O ensino da Botânica a nível liceal tornava-se, portanto, facultativo e restrito a algumas cidades
do país. Nesta mesma reforma se determinava que
na Universidade de Coimbra a Botânica seria ensinada no 4.º ano da Faculdade de Filosofia. Para a Academia Politécnica da cidade do Porto, autorizava-se o
governo a «estabelecer (...) o Jardim Botânico e experimental», o que não viria a concretizar-se.
Em 10 de Setembro de 1885 é aprovada uma reforma da Academia Politécnica do Porto, que seria a
última desta instituição. O programa da 10.ª cadeira,
Botânica, era constituído por uma 1.ª parte de Botânica geral, com três lições semanais, e uma 2.ª parte
de «Botânica industrial. Matérias primas de origem
vegetal», com uma lição semanal. Era uma disciplina
muito importante, dado que fazia parte do currículo
de todos os cursos versados na Academia.
Uma das primeiras grandes transformações da República foi a criação em 1911 das universidades do
Porto e de Lisboa e respectivas faculdades de Ciências
(entre outras escolas). A Academia Politécnica do Porto dava assim origem à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Na nova organização, a 3.ª Secção,
Ciências histórico-naturais, incluía no 2.º Grupo as
«Ciências biológicas: Botânica e Zoologia». Mais se
determinava que estas faculdades deveriam ter, como
anexo, um jardim, museu e laboratório botânicos.
Neste mesmo ano, Gonçalo Sampaio assume o ensino da Botânica na Faculdade, por doença de Amândio Gonçalves. Concorre ao lugar de professor, tendo
sido isento das respectivas provas graças ao seu excepcional currículo.
O programa de Botânica Geral organizado por Gonçalo Sampaio era um programa moderno. As lições
teóricas organizavam-se segundo os seguintes temas:
– Estrutura da célula vegetal. Células diferenciadas.
– Tecidos vegetais.
– Estrutura interna e morfologia externa da raiz,
caule, folha, flor e fruto.
– Fisiologia vegetal.
– Reprodução e ciclos de vida nas plantas vasculares.
– Classificação das plantas. Características gerais dos
principais grupos de plantas: talófitos, briófitos, pteridófitos e espermatófitos. Morfologia, reprodução e
ciclos de vida.
– Geografia botânica.
– Paleontologia vegetal.
– História da Botânica. As contribuições de Aristóteles, Gesner, Cesalpino, J. Ray, Tournefort, Lineu,
Jussieu e Hofmeister. A Botânica em Portugal. As
contribuições de Garcia da Horta, Clusio, Grisley,
Tournefort, Vigier, Domingos Vandelli, João de Loureiro, Correia da Serra, Link e Hoffmannsegg e Welwitsch. A importância da Sociedade Broteriana e do
seu fundador, Júlio Henriques.
O programa dos trabalhos práticos era constituído
pelos seguintes tópicos:
– Microscopia. Sistema óptico e sistema iluminador.
Acessórios. Imagens. Aberração de esfericidade.
Aberração cromática. Imagem da objectiva. Imagem
da ocular. Ocular de Huyghens. Utilização prática do
microscópio. Micrómetros. Câmara clara. Polarizador e luz polarizada.
– Micrótomos. Técnica histológica com inclusão em
parafina: fixação, inclusão, corte, coloração e montagem. Preparações simples. Preparações com cortes à
mão. Prática de microfotografia.
– Morfologia externa de plantas vasculares. Determinação específica de fetos e espermatófitas da flora
portuguesa por meio de flora analítica. Excursões e
herborizações. Colheita de plantas e sua preparação
para herbário.
37
37. «ATLAS DE BOTANICA»
A. X. PEREIRA COUTINHO. 1898
Apesar de Pereira Coutinho ser mais reputado pela sua «Flora
de Portugal», publicada em 1913, também dedicou especial
atenção ao ensino da Botânica, mesmo a níveis elementares.
Publicou livros de instrução primária e secundária e numerosas
obras destinadas ao ensino da Botânica e da Agricultura nos
liceus e escolas primárias. Este «Atlas de Botanica, mandado
organisar para uso dos lyceus (I, II, III e IV classes)» e publicado
em 1898, é notável pela qualidade das suas figuras a cores e
pelo seu conteúdo. Percorre os temas clássicos da botânica
do fim do século XIX. Morfologia – raiz, caule, flor e fruto.
Angiospérmicas e Gimnospérmicas, Dicotiledóneas e
Monocotiledóneas. Exemplos de famílias, géneros e espécies.
Talófitas (criptogâmicas) – algas, fungos e líquenes. Morfologia
e reprodução. Não são mencionadas bactérias. A célula
vegetal. Tecidos vegetais. Anatomia vegetal – a estrutura da
raiz, caule, folha e flor. Não falta a fisiologia vegetal, à qual é
dedicada a última página. A que distância está o actual ensino
básico e secundário da Botânica...
39. MICRÓTOMO DE MÃO
«NACHET». INÍCIO DO SÉCULO XX
Os micrótomos são aparelhos que permitem efectuar
cortes finos do objecto. Eram aparelhos indispensáveis nos
laboratórios de anatomia e histologia (tanto vegetal como
animal) no início do século XX. Os aparelhos que permitiam
obter cortes mais finos eram de mesa, como um exemplar
apresentado nesta exposição. Este modelo é de mão. O
objecto que se pretende seccionar era colocado no interior
do tubo e fixado por aperto. Ao rodar uma das partes, a peça
era deslocada para cima, em movimentos muito pequenos.
Uma faca afiada aplicada à superfície permitia fazer cortes
de espessura relativamente reduzida, embora a regularidade
não se pudesse comparar com a do micrótomo de mesa.
Enquanto este exigia a inclusão das peças em parafina, o
micrótomo de mão permitia cortar objectos frescos.
A firma Nachet foi fundada em Paris, em 1839, por Camille
Sébastien Nachet (1799-1881). Foi a mais importante fábrica
francesa de microscópios do século XIX, permanecendo em
actividade durante grande parte do século XX.
38. «MANUEL D’HISTOIRE NATURELLE
MEDICALE. I. BOTANIQUE MEDICALE»
J.-LL. DE LANESSAN. 1885
Livro de texto de Botânica que se usava no início do século
XX na Academia Politécnica.
40. LUPA DE DISSECÇÃO
«ZEISS», MODELO IV. FIM DO SÉCULO XIX
42. MODELO DO FUNGO CLAVICEPS PURPUREA
«LENOIR & FORSTER». INÍCIO DO SÉCULO XX
Claviceps purpurea é o fungo que causa a cravagem do
centeio. Na espiga do centeio forma-se um esclerócio (corpo
negro, comprido). O esclerócio contém substâncias alcalóides.
Se o pão for feito com farinha de sementes contaminadas será
muito tóxico. A sua ingestão causava uma patologia designada
de «fogo-de-Santo-Antão», dado que as pessoas se sentiam
queimadas por dentro. Estas intoxicações eram vulgares
na Idade Média. O modelo mostra o esclerócio a germinar
formando estromas.
43. COLECÇÃO DE MODELOS DE COGUMELOS
INÍCIO DO SÉCULO XX
O ensino da botânica sistemática no início do século XX
recorria com frequência aos modelos de flores, frutos e
plantas, fabricados por R. Brendel, de Berlim. Os modelos
expostos são frutificações de ascomicetos e basidiomicetos,
bastante perfeitos e com pormenor.
41. APARELHO PARA DESENHAR
«ZEISS». FIM DO SÉCULO XIX
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A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. O ENSINO
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GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS
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SISTEMÁTICA MODERNA:
OS FUNDADORES
JÚLIO AUGUSTO HENRIQUES
(CABECEIRAS DE BASTO, 17.1.1838 – 8.5.1928)
A famosa «Flora Lusitanica» de Brotero, já com um
século de publicação, obviamente não satisfazia as
necessidades da botânica sistemática do início do século XX. A tarefa de a substituir coube à geração de
três notáveis figuras, Júlio Henriques, Pereira Coutinho e Gonçalo Sampaio. Professores e investigadores nas três universidades portuguesas da época, estas personalidades fundam os estudos modernos da
flora portuguesa, contribuindo tanto para o avanço
da ciência botânica como para o seu ensino universitário. Esta dupla função do verdadeiro universitário
mantém-se hoje como indiscutivelmente necessária.
A força desta geração provém do génio individual,
mas também da colaboração e troca de ideias destes
três investigadores que, embora almejando o mesmo
objectivo – tendo conseguido cada um deles a elaboração de uma Flora moderna de Portugal – mantiveram, no entanto, a sua originalidade própria. O
estudo da correspondência trocada entre Gonçalo
Sampaio, Júlio Henriques e Pereira Coutinho (de que
apresentamos alguns exemplares nesta exposição)
comprova esta ideia.
Júlio Henriques formou-se em Direito e doutorou-se
em Filosofia, em 1865, pela Universidade de Coimbra.
É nomeado professor substituto aos 28 anos, e sete
anos mais tarde, em 1874, catedrático, sendo-lhe então
confiada a direcção do Jardim Botânico de Coimbra.
Em 1880 cria a Sociedade Broteriana e funda o Boletim
da Sociedade Broteriana, tendo ambos sido importantíssimos instrumentos de divulgação dos estudos florísticos e taxonómicos portugueses.
Deve-se também a Júlio Henriques a compra do valiosíssimo herbário de Willkomm, então professor
em Praga. Este herbário era constituído por 100.000
exemplares representando 10.000 espécies, principalmente da região mediterrânea, e tinha servido
de base ao «Prodromus Florae Hispanicae», trabalho
basilar de Willkomm sobre a flora portuguesa.
Em 1906, Júlio Henriques inicia a publicação, em
fascículos, do seu «Esboço da Flora da Bacia do Mondego», que aparecerá como volume independente
em 1913. São enumeradas 1.515 espécies dispostas
segundo o sistema proposto por Engler. Júlio Henriques rodeia-se de colaboradores competentes e
dedicados – Joaquim de Mariz e os incomparáveis
colectores Adolfo Frederico Moller e Manuel Ferreira. Estudou ainda a flora das serras da Estrela, Caramulo, Buçaco, Lousã, Gerês e Marão, e a flora de São
Tomé e Príncipe.
Descreveu diversas espécies novas para a ciência
tanto do continente como das colónias, e foram-lhe
dedicadas também numerosas espécies e mesmo o
género Henriquesia.
GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS
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D. ANTÓNIO XAVIER PEREIRA COUTINHO
(LISBOA, 11.6.1851 – ESTORIL, 27.3.1939)
GONÇALO SAMPAIO
(S. GENS DE CALVOS, PÓVOA DE LANHOSO, 29.3.1865 – PORTO, 27.7.1937)
Formado em 1874 pelo Instituto Geral de Agronomia,
Pereira Coutinho começa a trabalhar como agrónomo em Bragança, em 1875, e estuda a flora espontânea da região. Estas herborizações foram certamente
decisivas na sua orientação como naturalista.
Iniciou a sua vida de professor no Instituto de
Agronomia de Lisboa em 1880. É lente catedrático
em 1882, e em 1883 rege a cadeira de Silvicultura
e Economia Florestal, transitando em 1886 para a
cadeira de Química Agrícola e posteriormente para
a de Botânica.
Em 1890, é proposto pelo Conde de Ficalho para o
cargo de naturalista adjunto da Secção de Botânica
do Museu Nacional de Lisboa, anexo à Escola Politécnica, cargo que ocupa de 1890 até 1921, quando
atingiu o limite de idade. Em 1903, ascende ao lugar
de professor proprietário da 9.ª cadeira, a quem incumbia a direcção do Jardim Botânico anexo à Politécnica.
Contudo, não abandona o Instituto de Agronomia.
Assim, em 1891 Pereira Coutinho desempenhava
cumulativamente três lugares: lente do Instituto
de Agronomia e Veterinária, naturalista do Museu
Nacional de Lisboa e professor substituto da Politécnica. No Instituto leccionava Botânica Agrícola, Fisiologia Vegetal e Taxologia das Plantas e na Escola
Politécnica, Botânica e Princípios de Agricultura.
No período que decorre de 1905 a 1912 dedicou-se à
redacção da «Flora de Portugal», cuja 1.ª edição foi
publicada em 1913 (apresentada nesta exposição). A
Flora desactualizou-se rapidamente e a sua 2.ª edição, editada já postumamente, enumerava 799 géneros e 2.845 espécies, mais 12 e 110, respectivamente,
do que a 1.ª edição.
Pereira Coutinho publicou, de 1914 a 1930, as «Notas da Flora de Portugal», que reuniu em 1935 no
«Suplemento da Flora de Portugal». Em 1936, surgiu
a 2.ª edição do seu «Esboço de uma Flora Lenhosa».
Pereira Coutinho também se dedicou ao estudo dos
líquenes. Publica «Lichenum Lusitanorum Herbarii Universitatis Olisiponensis Catalogus» (1916) e
respectivo suplemento (1917), dois trabalhos fundamentais de que apresentamos exemplares nesta
exposição. A última fase da sua vida foi dedicada ao
estudo dos fungos basidiomicetos.
É importante referir a atenção que Pereira Coutinho
dedicou ao ensino da Botânica a nível liceal e primário, publicando numerosas obras destinadas a estes
níveis de ensino – apresentamos aqui uma destas
edições. Era sócio efectivo da Academia de Ciências
de Lisboa. Foi um dos fundadores da Sociedade Broteriana em Coimbra.
Depois de desistir da frequência da Faculdade de Matemática em Coimbra, Gonçalo Sampaio matricula-se
em 1891 na Academia Politécnica do Porto, onde cursou Química Mineral, Botânica e Zoologia, embora
não tenha terminado o curso. Ainda estudante, Gonçalo Sampaio revela já excepcionais aptidões para o
estudo das plantas, organizando um herbário a pedido
do seu professor de Botânica, Amândio Gonçalves.
Em 1895, Gonçalo Sampaio publica o seu primeiro trabalho botânico – «Flora Vascular Portugueza.
Quadro dichotomico para a determinação das famílias». Em 1901, é nomeado naturalista adjunto de
Botânica e, no ano seguinte, encarregado de dirigir
os trabalhos práticos da disciplina. Em 1909, inicia
a publicação do «Manual da Flora Portuguesa», cujo
último fascículo sairá em 1914. Apesar de não abranger todas as famílias de plantas vasculares da flora do
continente, é a obra fundamental sobre a flora portuguesa publicada, em vida, por Gonçalo Sampaio.
Em 1910, G. Sampaio assume a regência da cadeira
de Botânica, por motivo de doença de Amândio Gonçalves. Contudo, partidário de João Franco, refugia-se
brevemente na Galiza por ocasião da proclamação
da República. Regressado a Portugal, é nomeado em
1912 professor de Botânica da recém-criada Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e, no ano
seguinte, director do Gabinete de Botânica.
Depois da efémera monarquia do Norte (Janeiro-Fevereiro de 1919), movimento de restauração monárquica surgido na sequência do assassinato de Sidónio
Pais, Gonçalo Sampaio é acusado de ter contribuído
para a organização do batalhão académico. Perseguido e encerrado no Aljube durante vários meses,
escreve durante este período a «Epítome da Flora
Portuguesa», uma Flora abreviada para uso no ensino da botânica sistemática, onde são tratadas todas
as famílias de plantas vasculares existentes em Portugal Continental, que infelizmente nunca chegou a
publicar. Apresenta-se nesta exposição o manuscrito
desta obra. Libertado e restituído à sua actividade
docente, vê o Gabinete de Botânica que dirige elevado à categoria de instituto de investigação científica.
Renomeado Instituto de Botânica, ser-lhe-á acrescentado o seu nome, em homenagem, no ano em que
abandona a docência universitária (1935).
Como docente, Gonçalo Sampaio distinguia-se pela
sua exposição clara, precisa e original. Salientou-se
especialmente pela maneira como organizou, desenvolveu e dirigiu o ensino prático da Botânica no
período de transição entre a Academia Politécnica e
a Faculdade de Ciências. Familiarizou-se no estrangeiro com a técnica histológica e aplicou estes ensinamentos nas suas aulas práticas.
Como investigador, Gonçalo Sampaio notabilizou-se
sobretudo como sistemata, mas também nomenclaturista distinto, particularmente na flora de plantas
vasculares e de líquenes.
46
GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS
56 e 55
Nas plantas vasculares, descreveu cerca de 50 novas
espécies para a ciência, salientando-se a sua monografia dos Rubus portugueses, publicada em 1904,
ainda no início da sua carreira de investigador. Obra
meticulosa e original – Gonçalo Sampaio utiliza na
sistemática deste género Rubus novos parâmetros,
como a morfologia das varas estéreis, os turiões ou
ladrões. Esta obra estabelece Gonçalo Sampaio como
um dos grandes sistematas botânicos do início do
século XX. Refira-se também o rico herbário que organizou, notável no que respeita a espécies do continente português.
No que diz respeito à liquenologia, Sampaio publica um catálogo de líquenes de Portugal continental,
com referência a muitas centenas de espécies, e, em
associação com Luiz Crespi, de Madrid, estudará a
flora liquenológica galega. Organiza uma exsiccata de
líquenes portugueses e descreve perto de 70 espécies
novas para a ciência, e um género novo – Carlosia.
Gonçalo Sampaio ainda dedicou uma parte da sua
atenção às algas microscópicas desmídias, identificando cinco novas espécies.
No início do século XX procurava-se estabelecer
regras internacionais a que todos os investigadores
aderissem, e Gonçalo Sampaio participou activamente no estabelecimento destas regras. A sua contribuição ficará cristalizada no Congresso Luso-Espanhol
do Porto, realizado pelas duas Associações Peninsulares para o Progresso das Ciências, em 1921. Na
conferência que proferiu, propôs e fez aprovar algu-
57
mas alterações às regras da nomenclatura botânica
vigentes (estabelecidas no congresso de Viena de
1905). Apresenta-se nesta exposição o manuscrito
da sua comunicação.
Gonçalo Sampaio manteve contacto com botânicos
proeminentes seus contemporâneos, estrangeiros e
nacionais, sendo de realçar a sua colaboração com Júlio Henriques e A. X. Pereira Coutinho no estudo da
flora do continente português. Das suas trocas epistolares se apresentam exemplos nesta exposição.
Outro exemplo é a sua colaboração com o micologista espanhol Romualdo Fragoso, a quem Sampaio
enviou exemplares de fungos, na sua maioria parasitas de plantas, e que permitiu a Fragoso a descrição
de várias espécies anteriormente desconhecidas. A
retribuição de Fragoso a Gonçalo Sampaio, e a Portugal, é clara – o género – Sampaioa, e oito espécies
têm nomes dedicados a Gonçalo Sampaio, uma
é dedicada a A. Pires de Lima, Phoma Piresii, uma
espécie é dedicada a Ruy Palhinha, outra a Macedo
Pinto, uma outra a Júlio Henriques, e duas espécies
dedicadas a Portugal. Gonçalo Sampaio retribui a
homenagem a Fragoso, dedicando-lhe duas espécies
novas de líquenes, Chiodecton Fragasoi e Leciographa Fragasoi.
Quando morreu aos 72 anos de idade, Gonçalo Sampaio deixou dois manuscritos (quase completos no
que respeita às famílias da flora vascular do continente), que irão servir de base para a edição póstuma, de 1946, da «Flora Portuguesa», publicada sob a
direcção de A. Pires de Lima. Apresentamos nesta exposição os manuscritos originais destas duas obras.
De referir, finalmente, a paixão de Gonçalo Sampaio
pela música. O violino era o seu instrumento predilecto, que estudou como autodidacta. Folclorista,
recolheu no seu «Cancioneiro Minhoto» cerca de
duzentas canções tradicionais.
48
GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS
45
44. CARTA DE JÚLIO HENRIQUES
4 DE NOVEMBRO DE 1902
Júlio Henriques envia para Gonçalo Sampaio a transcrição de
uma diagnose de uma espécie de Rubus. Gonçalo Sampaio
publica vários trabalhos sobre os Rubus portugueses de 1902
a 1904. Em 1902, Gonçalo Sampaio terá pedido ao seu
colega de Coimbra estes elementos de estudo, assim como
o endereço de Focke. Nesta exposição é apresentado um
bilhete postal deste naturalista germânico que indica que, de
facto, foi contactado por Gonçalo Sampaio.
45. CARTA DE JÚLIO HENRIQUES
24 DE NOVEMBRO DE 1902
Gonçalo Sampaio dedica duas espécies novas de Rubus aos
seus colegas de Lisboa e Coimbra, A. X. Pereira Coutinho e
Júlio Henriques, Rubus coutinhi Samp. e Rubus henriquesii Samp.,
respectivamente. Rubus henriquesii é publicado em 1903.
Gonçalo Sampaio terá informado Júlio Henriques desta sua
espécie nova antes da publicação, dado que Júlio Henriques
escreve nesta carta, «Muito agradeço a sua amabilidade de me
dedicar um Rubus». É muito interessante a frase seguinte, «Bom
será que seja uma espécie firme». O problema da sinonímia,
ou melhor, a publicação de espécies que afinal já tinham sido
descritas é, de facto, uma das grande dificuldades do trabalho
do taxonomista. As espécies que são propostas como novas
devem ser muito bem estudadas, ponderadas e verificadas
antes da publicação. No entanto, nem sempre se pode aceder
aos herbários onde existem os tipos nomenclaturais das
espécies já descritas.
52
46. CARTA DE JÚLIO HENRIQUES
11 DE DEZEMBRO DE 1908
Trata-se de uma carta totalmente dedicada a problemas
da nomenclatura botânica, que é um dos aspectos mais
importantes do trabalho de um sistemata. Sem regras bem
definidas, a sistemática e a nomenclatura entrariam num caos.
Gonçalo Sampaio sempre se preocupou com as questões da
nomenclatura botânica, tendo proposto alterações às regras
vigentes. Em 1905 realizou-se um Congresso de Botânica
em Viena e, em 1910, em Bruxelas, tendo Gonçalo Sampaio
estado presente como representante de Portugal e da
Academia Politécnica.
47. CARTA DE JÚLIO HENRIQUES
9 DE AGOSTO DE 1917
Carta onde são abordados diversos assuntos. São
interessantes as frases, «Hoje mando um Rubus que recebi
das proximidades de Paredes de Coura. Que espécie será? Não
me entendo com tais plantas». Gonçalo Sampaio era um
especialista neste dificílimo género de rosáceas.
48. «SUBSIDIO PARA O CONHECIMENTO
DA FLORA PORTUGUEZA»
J. A. HENRIQUES. 1905
49. CARTA DE A. X. PEREIRA COUTINHO
1 DE FEVEREIRO DE 1904
Carta muito interessante para a compreensão do trabalho
de Gonçalo Sampaio sobre os Rubus portugueses. Em 1904,
Sampaio propõe uma nova espécie de Rubus, R. coutinhi
Samp., que como o nome indica, dedica ao seu colega de
Lisboa. A. X. Pereira Coutinho escreve na sua carta, «a
amavel lembrança de V. Exa., dedicando-me o novo Rubus que
estudou». Pereira Coutinho e o Conde de Ficalho tinham
publicado em 1899 uma monografia sobre as rosáceas de
Portugal, onde estes naturalistas reconheceram 16 espécies
de Rubus em Portugal. Gonçalo Sampaio, na introdução à sua
monografia «Rubus Portuguezes» publicada também em 1904,
chama a atenção para as limitações do trabalho de Pereira
Coutinho e do Conde de Ficalho sobre os Rubus, dado que
era baseado em exemplares que não possuíam os caules
estéreis, nem tinham indicação da cor, forma e comprimento
dos órgãos florais. O carácter preliminar do estudo dos
Rubus por Coutinho e Ficalho era reconhecido na introdução
do próprio trabalho e, volta a ser reconhecido nesta carta
de Pereira Coutinho para o seu colega do Porto. Pereira
Coutinho escreve «acredito que, principalmente, no genero
Rubus, o exame das plantas vivaz é de primeira importancia para
a clarificação; e acho que V. Exa. presta um assignalado serviço
á nossa Flora proseguindo no estudo de um genero composto de
especies, tão criticas e tão confusas». A seguir Pereira Coutinho
escreve «peço desde já que não se esqueça de me enviar um
exemplar do seu artigo», indicando que Gonçalo Sampaio terá
informado o seu colega de Lisboa da sua intenção de publicar
a nova espécie de Rubus.
50. CARTA DE A. X. PEREIRA COUTINHO
25 DE MAIO DE 1909
Mais uma carta onde se discutem os Rubus portugueses.
Pereira Coutinho pede a Gonçalo Sampaio que lhe envie
duplicados de exemplares de herbário que possuía, para
enriquecer o herbário da Escola Politécnica. Em seguida
discute alguns aspectos da nomenclatura de algumas espécies
deste género.
51. CARTA DE A. X. PEREIRA COUTINHO
15 DE JULHO DE 1909
Ainda outra carta em que discutem os Rubus portugueses.
Pereira Coutinho escreve dizendo que lhe enviava dois
exemplares de Rubus recolhidos em Sintra. Um dos
exemplares parece a Coutinho ser uma subespécie do Rubus
coutinhi Samp., mas Coutinho pede opinião ao seu colega do
Porto: «mas a este respeito é que muito desejo a sua opinião».
Seguidamente, Coutinho discuta mais problemas associados à
nomenclatura e taxonomia deste género.
52. «A FLORA DE PORTUGAL»
A. X. PEREIRA COUTINHO. 1913
Extensamente anotada por Gonçalo Sampaio.
50
GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS
57
53. «LICHENUM LUSITANORUM HERBARII
UNIVERSITATIS OLISIPONENSIS. CATALOGUS».
1916. «SUPPLEMENTUM PRIMUM». 1917
A. X. PEREIRA COUTINHO. ANOTADO POR G. SAMPAIO
O herbário de líquenes portugueses da Universidade de
Lisboa era, no início do século XX, constituído principalmente
pelos exemplares colhidos por Welwitsch. Alguns exemplares
tinham sido identificados pelo seu colector, outros por
Nylander, e outros não se encontravam identificados.
A. X. Pereira Coutinho procede então a colheitas de
líquenes, principalmente nos arredores de Cascais. Recebe
exemplares recolhidos por R. Palhinha, por funcionários
do herbário da Universidade e outros oferecidos por Júlio
Henriques. Reorganiza a colecção, revê identificações e
publica este catálogo e seu suplemento. Apesar de A.
X. Pereira Coutinho se ter notabilizado pela sua Flora de
Portugal (de plantas vasculares), o presente catálogo e outros
obras aqui apresentadas mostram o carácter multifacetado
deste naturalista, como aliás também dos seus colegas Júlio
Henriques e Gonçalo Sampaio.
59
54. FOTOGRAFIA ORIGINAL
DE ROMUALDO FRAGOSO
27 DEZEMBRO 1922. COM DEDICATÓRIA A G. SAMPAIO
Romualdo Fragoso, investigador em Madrid, foi uma figura
cimeira da micologia do século XX e um dos estudiosos da
flora micológica ibérica, de micromicetos. Romualdo Fragoso
conheceu Sampaio no I Congresso Luso-Espanhol para o
Progresso das Ciências, realizado no Porto em Junho-Julho
de 1921. Logo estabelecem correspondência e troca de
exemplares botânicos. Gonçalo Sampaio não era especialista
de fungos (micromicetos), mas nas suas herborizações
observava e recolhia muitas plantas parasitadas por fungos
fitopatogénicos. De 1921 a 1924, Gonçalo Sampaio envia
largas dezenas destas plantas parasitadas para Romualdo
Fragoso, que as estuda e descobre dezenas de taxa novos
para a ciência. As cartas que Fragoso envia para Gonçalo
Sampaio revelam enorme gratidão do micologista espanhol
para com o botânico português, e também imensa admiração.
No verso da fotografia pode ler-se: «ao ilustre botânico e
querido amigo, Prof. Dr. G. Sampaio, afectuosa recordação,
Romualdo Gonzalez Fragoso, Museu Nacional de Ciencias
Naturais, Madrid, 27-XII-922».
55. BILHETE POSTAL DE ROMUALDO FRAGOSO
5 DE OUTUBRO DE 1922
Romualdo Fragoso diz que, nos fungos que Gonçalo Sampaio
lhe enviou, encontrou 4 ou 5 espécies novas e um género
novo, Sampaioa Rom. Frag., cujo nome portanto Fragoso
dedicou a Gonçalo Sampaio. Fragoso termina enviando
cumprimentos de este «seu amigo e admirador».
56. BILHETE POSTAL DE GONÇALO SAMPAIO
PARA ROMUALDO FRAGOSO
23 DE MARÇO DE 1925. NÃO EXPEDIDO
Gonçalo Sampaio escreve sobre o seu trabalho sobre a flora
liquénica portuguesa, elogia o trabalho de Fragoso sobre a
flora micológica ibérica e refere que o «seu estado de espírito é
de bastante abatimento. Deus me dê forças e coragem para não
desistir completamente do trabalho mental».
57. CADERNO DE REGISTO
DE GONÇALO SAMPAIO
Nas primeiras folhas deste caderno, Gonçalo Sampaio registou o
nome dos colegas com quem trocava correspondência. Primeiro
os colegas portugueses, onde se podem ler os nomes de
Joaquim de Mariz, Julio Henriques, Luiz Wittnich Carrisso, Pereira
Coutinho, Ricardo Jorge, Ruy Telles Palhinha. Seguidamente, de
Espanha, Alphonse Luisier, Carlos Pau, Luis Crespi, Romualdo
Fragoso, de França, Bouly de Lesdain, Jules Daveau, da Suíça,
R. Chodat, da Aústria, Karl Fritsch e A. Zahlbruckner, da
Alemanha, W. O. Focke, A. Engler e R. Wagner, da Bélgica,
De Wildeman, da Inglaterra, A. Lorraine Smith, da Suécia,
A. Magnusson, entre muitos outros. Os correspondentes de
Gonçalo Sampaio incluíam os mais eminentes botânicos do início
do século XX. Grande parte do caderno contém registos dos
líquenes recolhidos por Gonçalo Sampaio, que foi um estudioso
meticuloso da flora liquénica portuguesa.
58. CADERNO DE REGISTO DE FUNGOS
DE GONÇALO SAMPAIO
Neste caderno Gonçalo Sampaio registava os exemplares que
enviava para identificação por Romualdo Fragoso, em Madrid.
Quando recebia a identificação do seu colega espanhol,
lançava o nome da espécie no respectivo número de registo.
59. MANUSCRITO E PROVA TIPOGRÁFICA
DO TRABALHO DE GONÇALO SAMPAIO
SOBRE O GÉNERO DE LÍQUENES CARLOSIA
Trabalho apresentado ao Congresso de Salamanca, realizado
em Junho de 1923, e publicado na revista «A Águia»
no mesmo ano. Gonçalo Sampaio foi um expoente da
liquenologia sistemática do início do século XX. Descreveu
dezenas de espécies novas para a ciência e um género novo,
precisamente, este género Carlosia, em memória do nosso
monarca, e insigne naturalista, D. Carlos I.
60. COMPILAÇÃO DOS TRABALHOS
DE LIQUENOLOGIA SISTEMÁTICA
PUBLICADOS POR GONÇALO SAMPAIO
Gonçalo Sampaio foi um notável sistemata de plantas
vasculares e de líquenes. Organizou uma exsiccata de líquenes
portugueses. Esta compilação dos trabalhos de Gonçalo
Sampaio na área da sistemática de líquenes foi organizada por
Arnaldo Rozeira e publicada em 1970 nas edições do então
Instituto de Botânica «Dr. Gonçalo Sampaio». O primeiro
trabalho incluído nesta compilação data de 1916 e o último
de 1927. Este último, em colaboração com Luis Crespi,
estuda a flora liquenológica de Pontevedra (Galiza). É um
dos raros trabalhos de autoria de Gonçalo Sampaio sobre
a flora que não a de Portugal continental. Luiz Crespi, de
Madrid, esteve largos meses (de 1924 a 1925) a estagiar com
Gonçalo Sampaio em liquenologia sistemática. Os exemplares
estudados neste trabalho foram recolhidos pelo investigador
espanhol e terão sido estudados pelos dois taxonomistas
durante o estágio de Crespi.
52
GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS
63
61. MANUSCRITO DA CONFERÊNCIA
REALIZADA POR GONÇALO SAMPAIO
CONGRESSO LUSO-ESPANHOL DO PORTO. 1921
Gonçalo Sampaio preocupou-se com a nomenclatura
botânica, em particular com as regras que se devem observar
ao atribuir nomes aos taxa vegetais. As propostas de Gonçalo
Sampaio foram aprovadas na sessão de 1 de Julho deste
Congresso Luso-Espanhol do Porto, realizado pelas duas
Associações Peninsulares para o Progresso das Ciências.
Trata-se de um texto notavelmente conciso e claro.
62. RETRATO DE GONÇALO SAMPAIO
ANTÓNIO CARNEIRO. 1928
Gonçalo Sampaio tinha então 63 anos e estava no auge da sua
carreira como investigador e professor. Iria aposentar-se sete
anos mais tarde.
63. «RUBUS PORTUGUEZES»
GONÇALO SAMPAIO. 1904
Obra fundamental de Gonçalo Sampaio, publicada ainda
no início da sua carreira de investigador e professor, que o
estabelece como um dos grandes sistematas botânicos do
início do século XX. De 1902 a 1904, Gonçalo Sampaio
publica, em revistas, vários trabalhos sobre os Rubus
portugueses, onde são propostas diversas novas espécies
para a ciência. Esta obra de 1904 agrega as publicações
anteriores. Trata-se assim de uma revisão das espécies
portuguesas do género Rubus, plantas vulgarmente designadas
de «silvas». Fruto de oito anos de trabalho de investigação,
Gonçalo Sampaio revela já nesta obra o trabalho meticuloso
e objectivo que deve caracterizar o labor do sistemata
e taxonomista. Utiliza no estudo deste género novos
parâmetros, como a morfologia das varas estéreis, os turiões
ou ladrões. Na correspondência que Gonçalo Sampaio
manteve com os colegas portugueses, é frequente o pedido
de exemplares e constante a discussão sobre a sistemática e
nomenclatura deste difícil género de rosáceas.
66
64. BILHETE POSTAL DE W. O. FOCKE
30 DE MARÇO DE 1905
Focke residia em Bremen, na Alemanha e era, como Gonçalo
Sampaio, um estudioso dos Rubus. Tinha proposto Rubus
macrostemon Focke, como espécie nova para a ciência.
Este bilhete postal, escrito em francês, mostra que Gonçalo
Sampaio enviou a Focke uma colecção de duplicados dos
seus exemplares de Rubus, «Je vous remercie sincèrement pour
la collection intéressante». Focke escreve que ainda não tinha
tido tempo de examinar bem os exemplares, mas que lhe
parecia que a espécie Rubus coutinhi Samp., espécie nova que
Gonçalo Sampaio tinha criado em homenagem ao seu colega
de Lisboa, A. X. Pereira Coutinho, lhe parecia ser afinal a
espécie já existente Rubus Lepinassei Clavand. O trabalho de
Gonçalo Sampaio, «Rubus Portuguezes» é publicado em 1904,
portanto antes do envio destes exemplares para Focke. Não
sabemos se terá sido Focke a pedir os exemplares a Gonçalo
Sampaio ou se terá sido este investigador portuense a enviar
voluntariamente o material para o investigador germânico.
65. «LISTA DAS ESPÉCIES REPRESENTADAS
NO HERBÁRIO PORTUGUÊS»
GONÇALO SAMPAIO. 1914. ANOTADO PELO AUTOR
66. «EPITOME DA FLORA PORTUGUESA»
MANUSCRITO DE GONÇALO SAMPAIO. 1919
Dedicado a Manuel Amândio Gonçalves, lente de Botânica
na Academia Politécnica desde 1890, e que, por motivo de
doença é substituído por Gonçalo Sampaio em 1910. Gonçalo
Sampaio escreve na capa a dedicatória a «meu professor de
botânica na antiga Academia Politécnica do Porto, meu protector
e amigo». No prefácio, Gonçalo Sampaio escreve que este livro
(que no prefácio chama «livrinho») se destinava «para servir nos
trabalhos práticos de classificação (...) nos cursos de botânica».
Como é sublinhado por Gonçalo Sampaio tratava-se de um
manual escolar, e não de um trabalho avançado de sistemática,
«reduzi, além disto, as chaves quasi que à maior simplicidade,
indicando apenas os caracteres diferenciais mais salientes
dos diversos grupos (…) e pondo frequentemente de lado os
caracteres clássicos para os substituir por outros que permitam
uma mais fácil análise e uma mais rápida determinação». No fim
do prefácio, Gonçalo Sampaio explicita mesmo como devem
decorrer os trabalhos práticos, «o professor (...) deve explicar (...)
o modo simples de usar esta Flora, classificando (...) uma planta
de que haja distribuido exemplares a todos os alunos. Cada um
destes, munido de uma Flora, de uma boa lupa e de um escalpelo,
vai acompanhando o professor na leitura das chaves e no exame
dos caracteres da planta, até à sua determinação final», «devendo
o professôr ter o cuidado de começar pelos vegetais de flores
relativamente grandes, e de classificação pouco difícil (...) de todas
as espécies determinadas deve o aluno secar e preparar um
exemplar para o seu harbário (...)». Gonçalo Sampaio termina
o prefácio com uma observação interessante, «Devo notar,
finalmente, que este género de trabalhos é ao princípio detestado
pela maioria dos nossos estudantes, mas também posso afirmar,
com a experiência de bastantes anos, que passado algum tempo
constitui um verdadeiro prazer para todos eles».
54
GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS
67
Apesar de ser uma Flora simplificada, é o tratamento mais
completo de Gonçalo Sampaio sobre a flora portuguesa, só
faltando abordar algumas dezenas de géneros de Asteraceae.
As restantes obras de Gonçalo Sampaio sobre a flora vascular
portuguesa não são tão abrangentes. Infelizmente este
manuscrito não foi publicado.
Este trabalho tem um particular significado para a
compreensão da vida e obra de Gonçalo Sampaio, e está
directamente relacionado com a sua actividade política.
O prefácio termina com, «Porto, Aljube, 27-5-1919». De
facto, em 1919, a seguir à efémera Monarquia do Norte, foi
perseguido e preso, estando no Aljube durante alguns meses.
Terá este «Epítome» sido escrito na prisão, ou só parte? Foi
finalmente solto e restituído à sua actividade de docência e
investigação.
67. «FLORA PORTUGUESA»
MANUSCRITO DE GONÇALO SAMPAIO. 1937
Obra manuscrita derradeira de Gonçalo Sampaio. A data
de Março de 1937, na capa, será a data em que Gonçalo
Sampaio terá terminado a redacção do texto. Viria a falecer
alguns meses depois, em 27 de Julho do mesmo ano. Trata-se
de um conjunto de cadernos de folhas tipo almaço, escritas
com caligrafia e tinta muito variável ao longo do trabalho. As
folhas estão escritas de ambos os lados, mas a numeração de
Gonçalo Sampaio termina na folha 42. Uns cadernos de folhas
estão completos e seguidos, outros incompletos. A obra teria,
portanto, sido escrita em várias ocasiões. A Flora não está
completa, faltando o tratamento de um número apreciável de
famílias: Orchidaceae a Celtidaceae, Phaseolaceae a Ericacea, e
Lamiaceae a Asteraceae. Este manuscrito, e o manuscrito sem
data também apresentado nesta exposição, formaram a base
da edição de 1946 da «Flora Portuguesa».
68. MANUSCRITO DE GONÇALO SAMPAIO
SEM DATA
O manuscrito é constituído por 66 páginas numeradas, de
caligrafia homogénea. Apresenta o tratamento taxonómico
de 12 famílias. Começa na família Lamiaceae e termina na
família Asteraceae, género Bellis (esta família ficou portanto
incompleta). As famílias abordadas neste manuscrito não
tinham sido tratadas no «Manual da Flora Portugueza»,
nem se encontram no manuscrito de 1937, tendo sido
incorporadas na edição de 1946 da «Flora Portuguesa».
69. «FLORA PORTUGUESA»
GONÇALO SAMPAIO. 2.ª EDIÇÃO. 1946
Esta «Flora Portuguesa» de Gonçalo Sampaio foi publicada
postumamente sob a direcção de A. Pires de Lima, que
subscreve o prefácio da obra. A edição foi custeada pelo
Instituto de Alta Cultura. A obra apresenta diversas figuras
muito úteis na identificação dos especímenes. É apresentada
como sendo a segunda edição da obra. Na realidade, a
primeira edição foi a do «Manual da Flora Portugueza»
publicado em 1914. Uma análise do manuscrito de Gonçalo
Sampaio de 1937 e do manuscrito sem data, apresentados
nesta exposição, e do «Manual da Flora Portugueza» permite
traçar o percurso seguido na elaboração desta edição
póstuma da Flora de Gonçalo Sampaio. O material base foi
o do manuscrito de 1937, a que se adicionaram as famílias
Lamiaceae a Asteraceae (até ao género Bellis) do manuscrito
sem data. As restantes famílias foram transcritas do «Manual
da Flora Portugueza» com algumas adaptações. Esta 2.ª edição
da Flora de Sampaio é, assim, uma síntese do Manual de
1914 e de diversos manuscritos posteriores não-publicados.
Os géneros Calendula a Hieracium da família Asteraceae,
que Gonçalo Sampaio não tratou em nenhuma obra, foram
elaborados por Arnaldo Rozeira. A ordenação do índice dos
nomes específicos e da sinonímia foi também inteiramente de
A. Rozeira. Esta edição encontra-se infelizmente esgotada há
longo tempo.
69
COORDENAÇÃO
REITORIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO
COLECÇÕES
DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA
FACULDADE DE CIÊNCIAS
DA UNIVERSIDADE DO PORTO
TEXTOS
SELECÇÃO E ORGANIZAÇÃO DAS PEÇAS
JOÃO PAULO CABRAL
PROFESSOR ASSOCIADO. DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA
ELISA FOLHADELA
ASSESSORA. DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA
EDIÇÃO
PAULO GUSMÃO
ISBN
10: 972-8025-52-1
13: 978-972-8025-52-6
DESIGN
RUI MENDONÇA
FOTOGRAFIA
JORGE COELHO
RUI MENDONÇA
DATA E LOCAL
JUNHO > SETEMBRO DE 2006
JARDIM BOTÂNICO
DA UNIVERSIDADE DO PORTO
56
APOIO
CMP – PORTO CIDADE DE CIÊNCIA
UMA INICIATIVA UNIVERSIDADE JÚNIOR