Academia.eduAcademia.edu
.BOTÂNICA GONÇALO SAMPAIO DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO ÍNDICE 4 UMA (TERCEIRA) EXPOSIÇÃO. BOTÂNICA GONÇALO SAMPAIO 8 A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA DOMINGOS VANDELLI FÉLIX DE AVELAR BROTERO JOHANN HEINRICH LINK E JOHANN CENTURIUS VON HOFFMANNSEGG CORREIA DA SERRA JOÃO DE LOUREIRO 12 13 14 15 17 20 22 22 26 32 38 42 42 43 44 2 45 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL O LABORATÓRIO DE ANATOMIA-HISTOLOGIA VEGETAL O LABORATÓRIO DE SISTEMÁTICA-TAXONOMIA VEGETAL O LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA O ENSINO GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS SISTEMÁTICA MODERNA: OS FUNDADORES JÚLIO AUGUSTO HENRIQUES D. ANTÓNIO XAVIER PEREIRA COUTINHO GONÇALO SAMPAIO UMA (TERCEIRA) EXPOSIÇÃO BOTÂNICA GONÇALO SAMPAIO “Botânica – Gonçalo Sampaio” encerra a primeira edição do ciclo “Aventureiros, Naturalistas e Coleccionadores”. Partindo dos antropólogos e arqueólogos que se dirigiram para os territórios coloniais, passando pelos médicos que pacientemente montaram o primeiro museu universitário nacional desta área, e chegando, agora, aos naturalistas botânicos do final de 1800 que se ocuparam fundamentalmente do estudo e classificação da flora portuguesa, tivemos a ocasião de mostrar neste ciclo um pouco das personalidades científicas da Universidade do Porto que estiveram no centro destes processos de construção do conhecimento científico e, também, dos legados que constituíram. 4 Esta terceira exposição tem algumas características particulares relativamente às anteriores: em primeiro lugar, não partiu de um núcleo museológico formalmente constituído; em segundo lugar, foi objecto de um discurso explicativo de nível académico elaborado propositadamente para este evento; em terceiro lugar, relaciona-se directamente com o espaço envolvente que tem acolhido o ciclo, uma vez que amplifica o museu vivo – o Jardim Botânico – que circunda o edifício, dando-lhe o sentido histórico da construção do conhecimento botânico. Em “Botânica – Gonçalo Sampaio”, somos informados, logo de início, sobre o estado da botânica nos finais do séc. XVIII, e em que medida as concepções da época – sobre a fotossíntese e a circulação, ou sobre a estrutura e a função celular, ou sobre os mecanismos de reprodução – são alteradas ao longo do séc. XIX. É este, afinal, o pano de fundo em que se desenvolve a exposição ao longo dos seus três núcleos temáticos. O primeiro núcleo (A Fundação da Botânica Moderna) é dedicado aos botânicos – portugueses e estrangeiros que trabalharam sobre a flora lusitana – da segunda metade do séc. XVIII e primeira metade do séc. XIX. Também estudiosos de geologia, zoologia, geografia…, tentavam perceber a história e a ordem do mundo natural ao mesmo tempo que procuravam combater a irracionalidade do mundo humano. O segundo núcleo, dedicado ao conhecimento botânico tal como se apresentava no virar do séc. XIX para o XX, explicita as áreas em que este já se subdividia e mostra os processos de fazer ciência – as práticas, os meios de cultura, a utensilagem laboratorial, as obras de referência –, trazendo à luz o espólio diversificado que o Departamento de Botânica conservou. Neste núcleo, uma secção alerta-nos também para a progressiva importância do ensino da Botânica como disciplina autónoma. 6 A terceira parte da exposição centra-se em Gonçalo Sampaio e os seus contemporâneos, apresentando-nos as obras e a correspondência trocada entre os botânicos de uma geração que competia e cooperava no objectivo de conhecer exaustivamente a flora portuguesa. É nesta oposição entre cortesia epistolar e ferozes anotações críticas nas margens que nos despedimos da exposição. Ora, a ciência não é só espaço de reclusão e concentração, como nos ecoa de algum escrito de Gonçalo Sampaio, vítima de depressão, mas também espaço de liberdade e comunicação, de criatividade, de compreensão do mundo. Os jovens estudantes de Biologia que entram despreocupadamente no velho edifício e o verde luminoso e sussurrante que nos invade quando transpomos a porta de saída dão-nos a certeza disso. Ao longo dos meses em que nos propusemos organizar este ciclo de exposições, ficámos sempre satisfeitos por registar o gosto das “gentes da Universidade” em mostrar as áreas em que se empenham e à qual dedicaram a sua vida. A montagem desta exposição não foi diferente, a não ser no seu sentido mais positivo. É impossível não agradecer calorosamente ao Prof. João Cabral e à Dr.ª Elisa Folhadela todo o cuidado e trabalho que tiveram em investigar, classificar e conceber este todo, que não se limita a uma exposição de peças, mas é, antes de mais, um discurso sobre a ciência e os seus actores. Não poderíamos pensar em encerrar este ciclo de uma forma mais feliz. Queremos estender estas felicitações a todo o Departamento de Botânica, muito especificamente à sua direcção, na pessoa do Prof. José Pissarra, mas também a docentes, estudantes e funcionários não docentes. Esta também é a sua exposição. Finalmente, realcemos que este ciclo nunca teria sido possível sem o apoio da direcção da Faculdade de Ciências da U.Porto, nomeadamente do Prof. Baltazar Castro, e dos directores e funcionários dos museus de História Natural e de Medicina. O projecto Porto Cidade de Ciência, da Câmara Municipal do Porto, foi um parceiro valioso. Finalmente, não podemos deixar de relevar o papel que o designer Rui Mendonça teve em tornar estas exposições tanto um objecto de fruição estética como de fruição cognitiva. Mas o assinalável êxito desta mostra dos nossos “Aventureiros, Naturalistas e Coleccionadores” deve-se principalmente ao Dr. Paulo Gusmão, que soube assumir este projecto como seu e dar-lhe uma consistência e uma homogeneidade que merecem ser reconhecidas. JOSÉ FERREIRA GOMES VICE-REITOR DA UNIVERSIDADE DO PORTO A fisiologia vegetal era, no século XVIII, uma disciplina limitada pelos conhecimentos da química da época. J. I. Housz (1730-1790) propõe pela primeira vez, em 1779, uma interpretação do processo fotossintético – na presença de luz, a planta absorve o gás carbónico do ar, retém o carbono como nutriente e restitui o oxigénio ao ar. W. Cruiskshank (1745-1800) e N. de Saussure (1767-1845) apoiariam esta interpretação do processo fotossintético. Só em 1941 Ruben e seus colaboradores irão demonstrar, utilizando marcadores radioactivos, que o oxigénio que se liberta na fotossíntese não provém do CO2 absorvido, mas da água. T. A. Knight (1759-1838), no início do século XIX, utilizando o método dos líquidos corados, interpreta correctamente o princípio do funcionamento da circulação das seivas nas plantas, rejeitando definitivamente a velha interpretação de que a circulação nas plantas seria semelhante à dos animais. R. J. H. Dutrochet (1756-1847), utilizando soluções de diferentes concentrações, demonstra que as células vegetais vivas apresentam uma elevada pressão osmótica interna. A fisiologia vegetal irá dar um salto qualitativo com as contribuições muito posteriores da química moderna, já no século XX. M. J. Schleiden (1804-1881) escreve em 1838, lapidarmente, que todas as plantas superiores são conjuntos de unidades elementares individualizadas, designadas de células. As células são autónomas, mas interdependentes enquanto partes de um todo, que é a planta. T. Schwann (1810-1882) irá ser co-fundador da teoria celular, ao escrever que todos os organismos são constituídos pelos mesmos elementos unitários fundamentais, as células. Todos os organismos vivos formam-se a partir de uma célula inicial. A teoria celular entrava em contradição com as interpretações vitalistas, ao negar a existência de uma força imaterial que daria vida aos organismos. Todos os fenómenos vitais são resultantes de propriedades da matéria, regidos por leis naturais. H. von Mohl (1805-1872) escreve que o protoplasma é «um líquido turvo, pegajoso, misturado com corpúsculos de cor branca». No protoplasma encontra-se o núcleo celular, resultante da coagulação das Körnchen, revestido por uma membrana exterior ou «primordial» que não contacta directamente com a parede celular. C. W. von Naegeli (1817-1891) irá melhorar e aprofundar as observações de von Mohl. Em 1842, observa os cromossomas e descreve-os como «citoblastos efémeros». A primeira fase da teoria celular completa-se em 1867 com a síntese de Hofmeister (18241877): a célula é interpretada de um ponto de vista holístico – a forma, a estrutura e a fisiologia das células vegetais são a consequência lógica da sua participação no todo que é o organismo. A segunda fase da teoria celular irá direccionar-se para o conteúdo das células, de tal forma que, no início do século XX, a compreensão da estrutura da célula e dos tecidos vegetais era já relativamente profunda e avançada. A citologia e a anatomia vegetais eram mesmo, juntamente com a sistemática e a taxonomia, os dois pilares fundamentais dos estudos botânicos. Este facto é bem patente nos livros de texto de Botânica e nos programas do ensino universitário da Botânica apresentados nesta exposição. A TEORIA CELULAR A REPRODUÇÃO Robert Hooke e Grew, no século XVII, e Van Leeuwenhoek, no século XVIII, descrevem células vegetais, mas a compreensão do que era a célula viva só nasce na primeira metade do século XIX com os trabalhos de Mirbel, Dujardin, Schleiden e Schwann. Em 1808, C. F. B. de Mirbel (1776-1854) defende que todas as células vegetais têm uma parede celular, que no entanto pode ter forma e estrutura variáveis. Em 1809, descreve o núcleo, mas, no entanto, não lhe atribui grande importância. Em 1831, explicita que todos os órgãos de uma planta são constituídos por células com uma parede exterior rígida. F. Dujardin (1801-1860) estuda em pormenor os organismos unicelulares flagelados, escrevendo que as células têm um conteúdo viscoso transparente, uma «substância gelatinosa viva», que mais tarde será designada de protoplasma. O mecanismo de reprodução das plantas superiores é demonstrado em meados do século XVIII. Gleditsch (1714-1786) realiza uma polinização artificial numa palmeira, demonstrando que é necessário adicionar pólen a flores femininas para se obterem frutos. Deve-se a Kölreuter (1733-1805) uma interpretação do processo de polinização. O pólen pode ser transportado pelo vento e pelos insectos. Os grãos de pólen são os elementos masculinos na reprodução, e são transportados até ao estigma, o elemento feminino. Mas só no século XIX, com Hofmeister (1824-1877), a fecundação nas plantas é cabalmente compreendida. Em 1849, Hofmeister descreve em pormenor o processo de fecundação nas plantas superiores, baseado na observação comparativa de 40 espécies de mono e dicotiledóneas. A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA 8 A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA A FOTOSSÍNTESE E A CIRCULAÇÃO VEGETAL 10 A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA SISTEMÁTICA E TAXONOMIA A preocupação de organizar os diferentes organismos vivos em grupos é antiquíssima, e já encontramos sistemas de classificação dos seres vivos em civilizações pré-cristãs e mesmo pré-aristotélicas, mas é nos séculos XVI-XVII, com Luca Ghini, Césalpin e os irmãos Bauhin, que se inicia a sistemática vegetal científica. No fim do século XVII, início do século XVIII, assiste-se à tentativa de elaboração de uma linguagem universal para descrever e classificar as plantas. John Ray (1628-1705) afirma em 1692 que «os critérios para uma classificação não são nem o habitat, nem a utilização como alimento ou medicamento, nem o seu valor decorativo ou a utilidade técnica, mas a semelhança dos seus órgãos principais: a raiz, a flor, o cálice, e a semente». Ray tenta elaborar uma Flora universal, catalogando mais de 18.000 espécies (correspondendo a cerca de 6.000 espécies modernas). Tournefort (1656-1708) classifica as plantas de acordo com as características da flor, principalmente da corola. As plantas eram organizadas em 22 classes, por sua vez divididas em 122 secções, 698 géneros e mais de 10.000 espécies. Lineu (1707-1788) funda a moderna sistemática e taxonomia vegetais. Em 1737, irá formalmente anunciar o seu «sistema sexual» de classificação, baseado em caracteres das estruturas reprodutoras, se bem que já o usasse desde 1732. Em Genera plantarum, também de 1737, descreve e caracteriza todos os (935) géneros (como categoria taxonómica) então conhecidos de plantas. A 6.ª edição desta obra já enumerava 1.336 géneros. Em Classes plantarum (1738), Lineu organiza as plantas em 24 classes, baseadas no seu sistema sexual. A Philosophia botanica (1751) é considerada a fundação da terminologia da botânica sistemática moderna. Lineu define 26 caracteres primários da fructificatio, divididos por sete grupos: seis características do cálice, três da corola, dois dos estames, três do ovário, estilete e estigma, sete do fruto, dois da semente, e três de características gerais da flor. Lineu cria uma hierarquia natural em cinco patamares (categorias taxonómicas), classes, ordens, géneros, espécies e variedades. A regra da nomenclatura binomial ficará cristalizada na Species plantarum, publicada em 1753, que contém diagnoses de 5.900 espécies (distribuídas por 1.098 géneros), designadas por duas palavras – um binome. Funda-se a nomenclatura binomial das espécies (biológicas), terminando assim a fase multinomial, bem na moda na época. Willdenow, Link e Schwaegrichen irão publicar entre 1797 e 1830, após a morte de Lineu, uma edição da Species plantarum em seis volumes, que constitui de facto uma nova Flora mundial. Para A.-L. Jussieu (1748-1836) a frutificação contém os caracteres menos variáveis e mais essenciais das plantas. O número, presença ou ausência de cotilédones são o critério primário de divisão das plantas em grandes grupos. As monocotiledóneas eram divididas em três classes e as dicotiledóneas em onze. As acotiledóneas (fungos, algas, líquenes, musgos e fetos) eram agrupadas em uma classe. Deve-se a Ehrenberg (17951877) a divisão das plantas em dois grandes grupos: talófitas (bactérias, fungos, algas e líquenes) e cormófitas (musgos, fetos e espermatófitas), uma classificação que permanecerá até meados do século XX. No fim do século XVIII, no tempo de Vandelli, Correia da Serra, João de Loureiro e Brotero, referenciados nesta exposição, a sistemática e a taxonomia vegetais já têm instrumentos e métodos de trabalho sólidos e bem definidos. O conhecimento das plantas superiores é já razoável, mas o dos «vegetais inferiores» mais pobre, sobretudo o das talófitas, tanto a nível mundial como da flora portuguesa. Só no fim do século XIX se atingirá, na sistemática das talófitas, um conhecimento comparável ao das cormófitas no fim do século XVIII. Os fungos, as algas, os líquenes, os musgos e os fetos eram designados por Ray de Imperfectae porque nunca formavam frutos. Lineu apelidou-os de Cryptogamia e colocou-os em uma única classe do seu sistema de classificação das plantas. A.-L. Jussieu designou-as de acotiledóneas, como já referimos. A micologia moderna inicia-se com P. A. Micheli (1679-1737), que em 1729 descreve 900 géneros de fungos (Lineu descrevera unicamente dez). C. H. Persoon (1763-1836) publica em 1801 a Synopsis methodica fungorum, que, de acordo com o Código Internacional de Nomenclatura Botânica actualmente em vigor, marca o início da publicação válida para diversos grupos de fungos. Elias M. Fries (1794-1878) é um dos fundadores da micologia como disciplina autónoma dentro da Botânica. A sua obra Systema mycologicum, publicada entre 1821 e 1832, constitui outro dos inícios da publicação válida de taxa de fungos (para a maioria dos grupos não abrangidos na Synopsis) de acordo com o Código de Nomenclatura Botânica. Fries descreve, em termos breves e claros, cerca de 5.000 espécies de fungos. É também notável o seu estudo dos Hymenomycetes europeus, publicado em 1874, onde são descritas 1.860 espécies. Synopsis methodica fungorum e Systema mycologicum formam assim os pilares fundamentais da sistemática e taxonomia micológica. Como micologistas notáveis do século XVIII, refira-se ainda J. H. Leveillé (1796-1870), A. K. J. Corda (1808-1849), os irmãos Tulasne (L.-R. Tulasne 1815-1885, e C. Tulasne 1817-1884) e H. A. de Bary (1831-1888). O estudo pormenorizado das algas só se iniciará no século XIX. A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA 12 1 2 DOMINGOS VANDELLI (PÁDUA, 8.7.1730 – LISBOA, 27.6.1816) FÉLIX DE AVELAR BROTERO (SANTO ANTÃO DO TOJAL, 25.11.1744 – ALCOLENA DE BELÉM, 4.8.1828) Domingos Vandelli doutorou-se em Filosofia na Universidade de Pádua, onde seu pai era lente. Entre 1761 e 1764 percorreu a região de Modena e da Lombardia, colhendo espécimes de história natural, que mais tarde ofereceu à Universidade de Coimbra. Manteve correspondência com Lineu entre 1759 e 1773. Convidado a ensinar em Portugal, foi em 1772 nomeado professor de História Natural e Química da Universidade de Coimbra. Em Coimbra, participou na direcção dos primeiros trabalhos para a criação do Jardim Botânico, cujo projecto, considerado ambicioso e caro pelo Marquês de Pombal, foi executado só parcialmente. Vandelli jubilou-se em 1793, sendo então nomeado director do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda, em Lisboa. Vandelli preocupou-se em formar discípulos que pudessem explorar os territórios ultramarinos numa perspectiva científica, no quadro das “expedições filosóficas” promovidas pela coroa portuguesa nos finais do séc. XVIII. Foi o caso de Alexandre Rodrigues Ferreira, o afamado explorador do Brasil, de Manuel Galvão da Silva, que procedeu ao reconhecimento de Goa e Moçambique, e provavelmente também de Joaquim José da Silva e João da Silva Feijó, que fizeram colheitas respectivamente em Angola e Cabo Verde. Personagem hábil e arguta, Domingos Vandelli soube captar as simpatias e a benevolência de destacadas personagens do Estado. Acusado de simpatia com as tropas francesas invasoras de Junot, foi pre- so em 1810, já com 80 anos de idade, e deportado para a Terceira. No entanto, graças à interferência da Royal Society de Londres, pode refugiar-se em Inglaterra, onde residiu até 1815, regressando a Portugal após a derrota final de Napoleão Bonaparte. Vandelli morrerá alguns meses depois. Vandelli elaborou vários trabalhos originais de Botânica, entre os quais avultam: «Dissertatio de Arbore Draconis» (1768), «Sobre a utilidade dos Jardins Botânicos» (1770), «Fasciculus plantarum, cum novis generibus et speciebus» (1771), «Florae Lusitanicae et Brasiliensis specimen» (1788) e o «Dicionário dos Termos Técnicos de História Natural» (1788), presente nesta exposição. Em 1789, reeditou o «Viridarium» de Grisley, originalmente publicado em 1661 e que era uma das poucas obras da altura dedicadas à flora lusitana, estabelecendo Vandelli a correspondência das espécies aí identificadas com as da nomenclatura binomial de Lineu (que atribui a cada ser vivo uma identificação com duas palavras latinas). Entre 1789 e 1812, publicou nas Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa alguns trabalhos, entre os quais: «Sobre o sal virgem da Ilha de Cabo Verde», «Sobre as águas de Lisboa», «Sobre produtos naturais do Reino e das Colónias».Vandelli é também reputado pela sua actividade na indústria: fundou uma fábrica de faiança em Coimbra, à qual se deve o florescimento conquistado pela indústria de cerâmica conimbricense no virar do século. Órfão desde os primeiros anos de idade, Brotero vivia amparado por um tio de modestos recursos. As suas ideias filosóficas e a amizade que o ligava a Filinto Elísio (poeta português, defensor de ideias enciclopedistas e liberais) tornaram-no suspeito do Santo Ofício, tendo os dois exilado-se em França, Brotero contava então 33 anos de idade. Em Paris, assistiu ao curso de História Natural de Valmont de Bomare e às lições de Botânica no Colégio de Farmácia. Foi discípulo de Buffon, Jussieu, Aubenton e Lamarck. Doutorou-se na Escola de Medicina de Reims. Publicou em Paris, em 1788, o «Compêndio de Botânica». Brotero regressa a Lisboa em 1790. Pela reputação que já ganhara, foi nomeado em 1791 lente de Botânica e Agricultura na Universidade de Coimbra. Era imperioso proceder-se à elaboração de uma Flora do nosso país. Brotero inicia então herborizações (recolha de plantas para estudo) em diversos locais, ao mesmo tempo que se ocupava do ensino e da instalação do Jardim Botânico de Coimbra. O facto de saber que os botânicos alemães Hoffmannsegg e Link preparavam também uma Flora de Portugal levou Brotero, embora contrariado por não a considerar completa, a publicar em 1804 a sua «Flora Lusitanica», que apresentamos nesta exposição. Com as invasões francesas, viu a sua casa incendiada, desaparecendo a sua livraria e o seu herbário. Depois de jubilado, em 1811, Brotero foi nomeado director do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda, 2 em Lisboa, sucedendo a Vandelli. Aí prosseguiu os seus trabalhos sobre a flora de Portugal, elaborando os dois magníficos tomos da «Phytographia Lusitaniae selectior», publicados respectivamente em 1816 e 1827. Brotero também publicou trabalhos sobre a flora do Brasil. 3 14 A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA JOHANN HEINRICH LINK E JOHANN CENTURIUS VON HOFFMANNSEGG (HILDESHEIM, 2.2.1767 – BERLIM, 1.1.1851) E (DRESDEN, 23.8. 1766 – DRESDEN, 13.12.1849) Após ter terminado os seus estudos em Medicina e Ciências Naturais em Göttingen, Link leccionou em Rostock (1792), Breslau (1811) e Berlin (1815). Elaborou resumos sobre a história da Botânica, incluídos nas 6.ª e 7.ª edições de «Grundriss» («Plano arquitectural»), de Willdenow (1792). Na companhia do conde von Hoffmannsegg (grande mecenas e apaixonado pelos estudos botânicos), Link viajou em Portugal e na Grécia nos anos de 1797-1799. O relato da viagem a Portugal aparece numa obra em três volumes, aqui apresentada nesta exposição. Como resultado dessas explorações foi publicada a monumental «Flore Portugaise», que acabou por ficar incompleta. Esta edição de luxo, em dois volumes, é ornada de magníficas estampas. Parte dos desenhos foram feitos em Portugal por von Hoffmannsegg a partir de plantas frescas. Os restantes foram executados na Alemanha por um dos melhores pintores da especialidade, a partir de plantas de herbário. Link publicou em 1807 um dos seus trabalhos inovadores, «Grundlehren der Anatomie und Physiologie der Pflanzen» («Princípios fundamentais da anatomia e fisiologia das plantas»), debruçando-se sobre a anatomia das plantas: estrutura dos vasos, das glândulas excretoras e dos estomas. Demonstra a existência de células independentes nas plantas, por oposição a uma massa vegetal homogénea. Director do Jardim Botânico de Berlim de 1815 a 1851, Link publicou ainda três fascículos sobre a anatomia das plantas entre 1837 e 1847. Adquiriu uma reputação durável de anatomista, de fisiologista e de sistemata, e estudou tanto talófitos como plantas vasculares. CORREIA DA SERRA (SERPA, 6.6.1750 – CALDAS DA RAINHA, 11.11.1823) Filho de médico, Correia da Serra emigra na sua infância para Itália, onde segue a carreira eclesiástica. Aí, estuda Botânica e línguas: francês, inglês, alemão, árabe, grego, italiano, latim e espanhol. Em 1777 regressa a Portugal e, juntamente com o Duque de Lafões – que conhecera em Roma e com quem viajara – e outros notáveis, entre os quais Domingos Vandelli, funda em 1779, com aprovação régia, a Academia das Ciências de Lisboa. O Duque de Lafões será o primeiro presidente da Academia e Correia da Serra um dos primeiros secretários. Em 1786 parte para Paris, regressando a Portugal em 1791. Na sequência da protecção que dá ao naturalista Broussonet, mal vista pelas autoridades portuguesas, exila-se em Inglaterra em 1795, onde permanece seis anos, prosseguindo os seus trabalhos botânicos. É eleito membro da prestigiada Royal Society e da Linnean Society. Contudo, um conflito com o embaixador português leva-o a trocar em 1801 Londres por Paris. Neste período, trabalha no Jardin des Plantes e estabelece relações com destacados naturalistas como A.-P. de Candolle, A.-L. de Jussieu, George Cuvier ou Alexander von Humboldt. É eleito para a Société Philomatique e torna-se membro correspondente do Institut de France. Em 1813, Correia da Serra parte para a América do Norte. Na Universidade de Filadélfia, ocupa a cadeira de Botânica e contacta com os mais notáveis homens da ciência e da política daquela nação, como Thomas Jefferson ou John Quincy Adams, sendo feito membro da American Philosophical Society e da Academy of Natural Sciences. Em 1816, é nomeado ministro plenipotenciário português junto do governo americano. O abade Correia da Serra regressa a Portugal em Agosto de 1821. Na sequência da revolução liberal, é eleito deputado às cortes constituintes de 1822 pelo círculo de Beja, mas falece no ano seguinte. Correia da Serra deixou escritos de natureza diversa, ora sobre história e actualidade política e económica, ora naturalista, ocupando-se de botânica e geologia. Nos “Archives litteraires de l’Europe”, Correia da Serra publicou estudos como: “Sur l’état des sciences et des lettres en Portugal à la fin du 18me siècle”, “Sur l’agriculture des arabes en Espagne” e “Sur les vrais successeurs des Templiers et sur leur état actuel”. Em 1812, publicou na “The American Review of History and Politics”, um extenso estudo “General considerations upon the past and future state of Europe”. Publicou ainda dois trabalhos de geologia nas “Philosophical Transactions” e em “Transactions of the American Philosophical Society”. 4 16 A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA JOÃO DE LOUREIRO (LISBOA, 1710 – LISBOA, 18.9.1791) No que diz respeito à botânica, publicou em 1786, também nas «Philosophical Transactions», o trabalho «On the fructification of the submerged algae». Pela primeira vez apresenta uma hipotése explicativa para a reprodução nas algas Fucus, em cujo processo se pensava que estavam envolvidos grãos de pólen. Segundo Correia da Serra era a substância mucilaginosa que envolvia os oogónios de Fucus, a responsável pela fecundação. Actualmente sabe-se que esta hipótese não é válida. A descrição correcta só foi feita por Thuret em 1854. Nos «Annales du Museum d’Histoire Naturelle», publicou, em 1807, o trabalho «Vues carpologiques – Observations carpologiques» sobre a estrutura e fisiologia de frutos e sementes. Apresenta ideias novas em relação às de Gaertner, então especialista deste assunto. Faz a crítica dos termos empregues por Gaertner, substitui alguns termos por outros que considera mais exactos, e toma em consideração novos elementos para uma completa descrição dos frutos e das sementes. Publicou ainda nos «Annales du Museum d’Histoire Naturelle» um trabalho – «Memoire sur la germination du Nelumbo». Trata-se de um estudo anatómico-fisiológico da semente do Nelumbo e do modo como se efectua a germinação. Nas «Transactions of the Linnean Society», descreveu três novos géneros – Doryanthes, oriundo da Nova Zelândia, Aegle, e Feronia. Nos «Annales du Museum», publicou «Observations sur la famille des orangers et sur les limites qui la circonscrivent». Neste trabalho indica de modo rigoroso quais os caracteres que devem ser tomados em consideração para a formação das famílias vegetais, dos quais o primeiro é a simetria comum das partes da frutificação, seguido do porte geral das espécies e todos os caracteres que possam ser observados. Apresenta uma divisão da família das auranciaceas em diversos géneros. João de Loureiro estudou no colégio de Santo Antão, em Lisboa, e vestiu o hábito de jesuíta em 1732. Foi enviado em missão especial à Cochinchina (zona meridional do Vietnam, a leste do Camboja, mais especificamente o delta do rio Mekong) em 1742. O rei local tomou-o ao seu serviço como matemático e naturalista, tendo sido director de estudos físicos e matemáticos da corte, mas proibiu-o de missionar em lugares públicos. Depois de ter obtido de um capitão de um navio inglês a «Genera Plantarum» e outras obras de Lineu, prosseguiu os seus estudos de Botânica durante os 36 anos que permaneceu na Cochinchina. Através dos indígenas, tomou conhecimento das plantas medicinais da região e das suas aplicações. De regresso a Portugal, demorou-se três meses em Moçambique. Durante a sua estadia asiática, preparou a sua «Flora Cochinchinensis», presente nesta exposição. Completada em 1788, foi publicada pela Academia de Ciências de Lisboa em 1790. Nesta Flora foram descritos 185 géneros e 1.300 espécies novas para a ciência, tendo causado grande sensação nos meios botânicos europeus. Três anos depois, Willdenow (um dos primeiros fitogeógrafos, director do Jardim Botânico de Berlim) publica em Berlim uma segunda edição, adicionando-lhe umas breves notas. Foi eleito sócio da Academia de Ciências de Lisboa em 1782. A Royal Society de Londres, de que era sócio, inseriu alguns dos seus trabalhos nas suas «Memórias». 18 A FUNDAÇÃO DA BOTÂNICA MODERNA 1 01. «DICCIONARIO DOS TERMOS TECHNICOS DE HISTORIA NATURAL» DOMINGOS VANDELLI. 1788 Vandelli recebeu o benéfico influxo epistolar de Lineu durante o período em que se dedicou à colheita de minerais, fósseis, plantas e animais no norte de Itália, e esta obra reflecte o profundo conhecimento de Vandelli pela «história natural». Na introdução à obra, é bem patente a admiração pela natureza, e o conceito do naturalista completo, como sábio enciclopédico e multidisciplinar. «O saber pois somente o nome das plantas naõ he ser Botanico, o verdadeiro Botanico deve saber álem disso a parte mais difficultoza, e interessante, que he conhecer as suas propriedades, usos economicos, e medicinaes; saber a sua vegetaçaõ, modo de multiplicar as mais uteis, os terrenos mais convenientes para isso, e o modo de os fertilizar (...) Naõ consiste pois o estudo da Historia Natural, na simples nomeclatura; mas nas observaçoens, e nas experiencias para conhecer as relaçoens, a ordem da Natureza, sua economia, policia, a formaçaõ da Terra, e revoluçoens, que soffreo, e emfim as utilidades, que se pódem tirar das producçoens naturais além das conhecidas». Vandelli apresenta a terminologia dos animais, das plantas e dos minerais. Seguem-se 20 estampas notáveis, que começam com crânios de mamíferos e acabam com a estrutura da flor em vários grupos. As figuras das estampas ilustram alguns dos termos do dicionário. O livro ainda contém um texto sobre jardins botânicos. Finalmente, uma pequena Flora de plantas lusitânicas e do Brasil, também ilustradas, e cópias da correspondência que Vandelli teve com Lineu. Este exemplar tem especial significado para a Academia Polytechnica. Tem a assinatura de José de Parada e Silva Leitão, «lente proprietario da 8a. cadeira por carta regia de 1838». 02. «FLORA LUSITANICA» F. AVELLAR BROTERO. 1804 Publicada em 1804, em dois volumes, nesta obra são descritas 1900 espécies, dispostas segundo um sistema que, embora paralelo ao de Lineu, tem muito de original. A Flora de Brotero constitui um pilar primordial no estudo da flora portuguesa. Totalmente escrita em latim, seria contudo de acesso muito restrito. Saliente-se a abismal diferença entre o conhecimento actual e o da altura das nossas plantas vasculares e criptogâmicas. No tempo de Brotero, no nosso país, conheciam-se apenas 9 géneros de algas, 15 de fungos, e algumas dezenas de espécies de líquenes. 3 4 03. «VOYAGE AU PORTUGAL» EDIÇÃO ORIGINAL ALEMÃ. LINK E VAN HOFFMANNSEGG. 1801/ 1804 A obra «Voyage au Portugal», em três tomos, relata a experiência da viagem a terras lusas, da qual resultou a publicação da monumental «Flore Portugaise». Apresenta-se aqui a versão original desta obra, em alemão. Link e o Conde de Hoffmannsegg passam grande parte do ano de 1798 em Portugal. Link regressa a Hamburgo em 1799, enquanto Hoffmannsegg permaneceu em Portugal, continuando as viagens e explorações no nosso país. Os dois primeiros volumes da “Voyage au Portugal” referem-se à viagem conjunta de Link e Hoffmannsegg. O terceiro volume relata as explorações de Hoffmannsegg. Estes exemplares apresentam o carimbo da Biblioteca de Hamburgo. 04. «FLORA COCHINCHINENSIS» JOÃO DE LOUREIRO. 1790 Completada em 1788, esta obra foi publicada pela Academia de Ciências de Lisboa em 1790. Nesta Flora foram descritos 185 géneros e 1.300 espécies novas para a ciência, tendo causado grande sensação nos meios botânicos europeus. Três anos depois, Willdenow (um dos primeiros fitogeógrafos, director do Jardim Botânico de Berlim) publica em Berlim uma segunda edição, adicionando-lhe umas breves notas. A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS 20 A Botânica é a disciplina da Biologia que se ocupa do estudo das plantas. Contudo, o conceito de planta tem sofrido grandes alterações nas últimas décadas e, há cem anos, era muito mais abrangente do que é hoje. Os organismos vivos eram então divididos em dois grandes grupos – plantas e animais. Na Botânica do fim do século XIX, as plantas eram definidas como os organismos vivos que apresentavam as seguintes características principais: 1. Células com um revestimento celulósico. 2. Nutrição a partir de materiais inorgânicos – água, ácido carbónico e amoníaco. 3. Tendência marcada para a formação de colónias de indivíduos semelhantes. 4. Forte influência do meio circundante, apresentando os vegetais inferiores uma distribuição mais vasta do que os superiores. 5. Ausência de sensibilidade e movimentos voluntários. Estas características das plantas opunham-se às dos animais: organismos sem celulose na parede celular, que se nutriam de «alimentos já organizados pelos vegetais», com tendência para o «individualismo», não sendo muito influenciados pelo meio circundante e apresentando «sensibilidade e locomoção voluntária». Consideravam-se assim como plantas as bactérias, os fungos, as algas, os líquenes, os musgos e as plantas vasculares. Os vírus não eram ainda conhecidos. Hoje sabemos que as bactérias (a grande maioria) e os fungos não correspondem a esta definição de planta, dado que, não sendo fotossintéticos, não se nutrem «a partir de materiais inorgânicos», o carbono que assimilam não provém do CO2 atmosférico, mas, pelo contrário, de moléculas orgânicas absorvidas (organismos heterotróficos para o carbono). Por outro lado, quer as bactérias quer a grande maioria dos fungos não apresentam celulose na parede celular. Bactérias, fungos, algas e líquenes eram designados de talófitos, dado que o seu soma vegetativo é um talo – sem raiz, caule, folhas, flores e frutos. Hoje, o termo planta tem um significado muito mais restrito: não inclui bactérias, fungos, líquenes e a maioria das algas. Estes organismos são distribuídos por vários grandes grupos de organismos vivos (Divisões taxonómicas). A botânica de há cem anos subdividia-se nas seguintes áreas temáticas e laboratoriais: anatomia e histologia; sistemática e taxonomia; fisiologia; microbiologia; paleontologia vegetal; botânica aplicada à agricultura, indústria e medicina. A fisiologia vegetal era uma área pouco desenvolvida. Também a ecologia era uma disciplina incipiente na qual se estudava a distribuição dos grupos vegetais pelo mundo – «geografia botânica». A microbiologia estabelecia-se como área distinta, com métodos e princípios próprios. 9 5 A anatomia e histologia vegetais de há cem anos abordavam os seguintes tópicos: 1. Estrutura da célula. Organitos celulares. Substâncias de reserva. Substâncias dissolvidas. Modificações morfológicas das células. 2. Classificação dos principais tecidos. 3. Morfologia e anatomia da raiz, caule e folha. Modificações e adaptações. 4. Morfologia e estrutura da flor. A fecundação. 5. Morfologia e estrutura do fruto e da semente. 6. Desenvolvimento nos musgos, fetos, angiospérmicas e gimnospérmicas. 7. Estrutura e reprodução nos fungos, líquenes e algas. As observações utilizavam material inteiro ou material seccionado em cortes finos. O material inteiro podia ser observado fresco ou fixado. O material fresco podia ser seccionado em cortes semi-finos, utilizando um micrótomo de mão. Um utilizador experiente conseguia obter cortes de alguns micras de espessura. Para a obtenção de cortes finos ou muito finos era necessário impregnar o material em parafina e cortar os blocos de parafina resultantes com um micrótomo de mesa. Podiam assim obter-se secções com 1 a 5 micras de espessura. Apresentamos nesta exposição alguns exemplares de micrótomos. A técnica da parafina era omnipresente no laboratório de anatomia-histologia vegetal de há cem anos. A técnica seguia as seguintes etapas principais: 1. Fixação. O material fresco era fixado por tratamento com reagentes químicos, como o formol (formaldeído), o ácido acético, crómico, ósmico e pícrico, o álcool etílico, o bicloreto de mercúrio e o bicromato de potássio. O objectivo era «fixar» as estruturas celulares de tal forma que se mantivessem inalteradas ou pouco alteradas durante os procedimentos seguintes. 2. Desidratação. Após a fixação, o material era banhado sequencialmente em etanol cada vez mais puro, até a série atingir o teor alcoólico de 100%. 3. Clarificação. Antes da imersão em parafina era necessário colocar o material num líquido compatível com este meio de inclusão. Usava-se o clorofórmio, benzol ou xilol. O material era transferido do etanol, passando por soluções etanol-xilol de concentração progressiva de xilol, até atingir os 100%. 4. Impregnação. Ao material em xilol adicionava-se lentamente parafina. No fim, colocava-se o material em parafina pura, derretida numa estufa que se mantinha aquecida. 5. Inclusão. O material era transferido para nova parafina, também derretida. Após solidificação, obtinha-se um bloco de parafina com o material no seu interior. 6. Corte. O bloco de parafina era desbastado até se delimitar o material a ser seccionado. O bloco de parafina preparado era cortado num micrótomo de mesa, sendo possível regular a espessura do corte. 22 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL O LABORATÓRIO DE ANATOMIA-HISTOLOGIA VEGETAL Os progressos técnicos da microscopia revelaram um mundo novo – a célula. No fim do século XIX, o microscópio tinha já atingido um grau de qualidade e sofisticação tal que permitia um estudo relativamente pormenorizado da célula e dos tecidos. A organização estrutural dos fungos e dos líquenes podia ser examinada com excelente detalhe. As leveduras, fungos unicelulares, eram já descritas com pormenor. Contudo, a observação de bactérias era ainda limitada. Organismos com dimensões da ordem de alguns micras (milésimo do milímetro) eram os menos conhecidos citologicamente. No entanto, a invenção da objectiva apocromática no fim do século XIX (apresentamos nesta exposição alguns exemplares destas objectivas) melhorou significativamente a observação da morfologia e estrutura da célula bacteriana. A invenção de novos tipos de vidros e a introdução de conceitos teóricos da Física no desenho e construção dos aparelhos ópticos tinha efectivamente elevado o microscópio a níveis de qualidade notáveis. Para este progresso muito contribuiu a firma alemã Zeiss, líder da excelência óptica da época. Em associação com esta firma, destacam-se os nomes de Ernst Abbe e Otto Schott. Saliente-se ainda a contribuição do médico italiano Pacini na construção de microscópios vocacionados para a observação de microrganismos. 7. Montagem. Os cortes em parafina eram colocados (e colados) em lâminas de vidro. Seguia-se a desparafinação, colocando as lâminas com os cortes num solvente orgânico da parafina, como, por exemplo, o xilol. Após remoção total da parafina podia-se adicionar logo o meio de montagem, como a resina (bálsamo do Canadá), ou podiam ser efectuadas colorações antes da montagem definitiva. Neste caso, era necessário passar o material do xilol para etanol, corá-lo com corantes alcoólicos, voltar a passá-lo para xilol e, finalmente, proceder à montagem. Se o corante fosse aquoso, o processo era mais moroso. Existiam colorações específicas para determinadas estruturas celulares, como a parede e o núcleo, e para substâncias de reserva, como o amido. Alguns metais também podiam ser detectados por reacções coloridas. 24 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL 8 05. MICRÓTOMO DE MESA DE PEQUENAS DIMENSÕES INÍCIO DO SÉCULO XX Era utilizado para cortar secções finas em blocos de parafina. Era certamente uma presença universal nos laboratórios de anatomia no início do século XX. A inclusão do material em parafina era morosa e trabalhosa, e exigia a manipulação de substâncias que hoje sabemos serem tóxicas, como o xilol, mas permitia a obtenção de cortes extremamente finos. Uma boa faca podia fazer cortes de poucos micras de espessura. A remoção da parafina dos cortes e inclusão em bálsamo era também morosa e laboriosa, mas permitia obter preparações de excelente qualidade, duráveis por décadas. 06. CALDEIRAS PARA AQUECIMENTO FIM DO SÉCULO XIX – INÍCIO DO SÉCULO XX No interior coloca-se água quente. Utilizadas para aquecer lâminas e preparações microscópicas. 07. PLACA DE AQUECIMENTO INÍCIO DO SÉCULO XX Este tipo de placas de aquecimento destinava-se geralmente ao aquecimento de lâminas, para fins diversos. Era certamente um objecto presente em todos os laboratórios de botânica do início do século XX. Podia ser aquecida por baixo com uma lamparina. Num laboratório de microbiologia, esta placa metálica era utilizada, por exemplo, na coloração específica de bactérias ácido-resistentes, como a bactéria da tuberculose. Estas bactérias não são coráveis pelos corantes normais a frio, sendo necessário aplicar fucsina fenolizada até que se libertem vapores das lâminas. Esta placa era também muito utilizada nos laboratórios de anatomia para confeccionar preparações definitivas com gelatina glicerinada. A gelatina glicerinada é sólida à temperatura ambiente, mas derrete com um ligeiro aquecimento. As lâminas eram colocadas na placa de aquecimento, aplicava-se uma gota da gelatina glicerinada, e o objecto que se pretendia conservar no interior. A placa era então aquecida, a gelatina derretia e colocava-se a lamela por cima. Ao arrefecer, a preparação tornava-se definitiva. 08. SUPORTE PARA LÂMINAS OU PREPARAÇÕES Peça muito utilizada no laboratório de anatomia e histologia. Acomodava várias lâminas ou preparações num espaço reduzido, que assim podiam ser facilmente colocadas numa estufa para secagem, por exemplo. 09. APARELHO DESTINADO À LUTAGEM DE PREPARAÇÕES DEFINITIVAS INÍCIO DO SÉCULO XX No início do século XX, a confecção de preparações definitivas era uma das técnicas mais vulgares nos laboratórios de botânica, em particular no de anatomia e histologia. A «definitização» de uma preparação montada em glicerina exigia que se selassem as margens da lamela, caso contrário, ao fim de um certo tempo a glicerina evaporar-se-ia e a preparação secava, tornando-se inútil. Uma das formas de tornar uma preparação com glicerina definitiva era a «lutagem». Após limpeza cuidadosa das margens da lamela aplicava-se uma substância própria, cerosa ou resinosa, dissolvida em um solvente orgânico como o álcool, o xilol, o clorofórmio ou a essência de terebintina. A substância era aplicada na margem da lamela várias vezes seguidas, de forma a formar um rebordo com 3 a 4 milímetros. Estas mesas com prato giratório permitiam aplicar a substância selante uniformemente à volta da lamela. Podem observar-se preparações lutadas na colecção de diatomáceas de Tempère, aqui também expostas. 10. APARELHO DESTINADO À LUTAGEM DE PREPARAÇÕES DEFINITIVAS «LEITZ». INÍCIO DO SÉCULO XX 11. MICROSCÓPIO «KORISTKA», MODELO IVA. INÍCIO DO SÉCULO XX Microscópio encomendado por Gonçalo Sampaio. A firma Koristka foi fundada em Milão em 1880 por Francesco Koristka, italiano de ascendência polaca. Com autorização de Abbe, da firma Zeiss, Koristka construiu excelentes microscópios e objectivas para máquinas fotográficas segundo as patentes da Zeiss. Em 1929, a firma Koristka foi comprada pela «Officine Galileo» de Florença. 14 26 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL O LABORATÓRIO DE SISTEMÁTICA-TAXONOMIA VEGETAL Num laboratório de sistemática vegetal do início do século passado veríamos microscópios, lupas, floras, folhas de herbário e preparações microscópicas. A identificação de plantas vasculares era baseada na observação da morfologia externa dos seus órgãos – raiz, caule, folha, flor e fruto – utilizando como referência as Floras de Gonçalo Sampaio, Júlio Henriques ou Pereira Coutinho. Apresentamos nesta exposição exemplares destas Floras. A confirmação final era feita pela comparação com material de herbário, já correctamente determinado por especialistas. A identificação dos talófitos era baseada essencialmente na morfologia, recorrendo ao microscópio óptico. Em alguns grupos atendia-se à morfologia das estruturas vegetativas, noutros às estruturas reprodutoras. Na identificação, utilizavam-se monografias dos grupos em estudo. Contudo, ao contrário das plantas vasculares, a bibliografia nacional era escassa, excepto para os líquenes. Assim, o investigador utilizaria maioritariamente monografias publicadas por naturalistas espanhóis, italianos, franceses, germânicos ou britânicos. Para os talófitos «macroscópicos» usavam-se herbários de macromicetos, líquenes e macroalgas. Os fungos parasitas de plantas estavam representados por folhas de herbário com a planta parasitada pelo fungo. Para a preparação das folhas de herbário, as plantas (vasculares ou talófitas) eram secas, prensando-as entre papel absorvente para evitar a sua deterioração por fungos saprofíticos. Depois de secas, eram coladas a folhas de papel branco, desinfectadas e guardadas em local seco e ao abrigo de animais destruidores. Para os talófitos «microscópicos», como bactérias, fungos e algas, os herbários eram substituídos por colecções de preparações definitivas. 14 28 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL 15 12. MALA DE COLECTOR As herborizações constituíam uma parte importante do trabalho do sistemata botânico. Gonçalo Sampaio passou muitos dias fora do Porto a recolher plantas pelo país. As plantas eram guardadas nesta mala de folha de Flandres que evitava o emurchecimento do material. Deveriam ser prensadas antes de secas, para ficarem lisas e planas, facilitando a observação. 13. PRENSA DE SECAGEM As plantas têm de ser prensadas antes de secas para ficarem lisas e planas e permitir uma melhor observação. Na prensa, as plantas são colocadas entre papéis tipo mata-borrão e devem estar devidamente referenciadas com um etiqueta. 14. LUPA DE DISSECÇÃO «ZEISS», MODELO I. FIM DO SÉCULO XIX Com apoios em madeira para facilitar observações prolongadas. 15. MICROSCÓPIO «ZEISS», MODELO I. INÍCIO SÉCULO XX A firma Carl Zeiss foi fundada em Jena, em 1846, por Carl Zeiss (1816-1888). A firma Zeiss era especializada no fabrico de microscópios, intrumentos ópticos para laboratório, instrumentos para astronomia e lentes para óculos. Em 1857 fabrica o primeiro microscópio composto. Ernst Abbe (18401905), professor de Física e Matemática da Universidade de Jena, é contratado com apenas 26 anos, em 1866, pela firma Zeiss. Abbe revolucionou a óptica dos aparelhos Zeiss. As lentes até então fabricadas, utilizando modelos empíricos de tentativa-erro, passaram a ser baseadas em cálculos matemáticos e leis físicas. Otto Schott (1851-1935) era um especialista na ciência e tecnologia do vidro. Em 1884 estabelece-se uma cooperação entre a Zeiss e a fábrica de vidros de Schott. Deve-se a esta parceria a invenção e o início do fabrico, em 1886, das objectivas apocromáticas, uma revolução na qualidade óptica dos microscópios. Com o desaparecimento de Carl Zeiss em 1888 e com o desinteresse do seu filho pela firma, Abbe torna-se proprietário da companhia. Após a II Guerra Mundial, a firma Zeiss é dividida em duas, uma situada na Alemanha Oriental e outra na Alemanha Ocidental. Após a reunificação da Alemanha, as duas firmas são reunidas novamente numa única grande fábrica de instrumentos ópticos e de precisão. O modelo apresentado tem o número de série 45367, o que indica que o microscópio foi fabricado antes de 1910, provavelmente em 1906 ou 1907. 16. LANTERNA DE ILUMINAÇÃO Utilizada para iluminar lupas e microscópios. 15 17. CARTA DA FIRMA J. TEMPÈRE (PARIS) 19 DE SETEMBRO DE 1911 A carta é assinada por Tempère e, apesar de não endereçada, terá muito provavelmente sido dirigida a Gonçalo Sampaio. Nesta data, por motivo de doença de Amândio Gonçalves, Gonçalo Sampaio estaria já a dirigir o Gabinete de Botânica. A firma Tempère era uma importantíssima firma de confecção de preparações microscópicas. J. Tempère (1847-1926) era ainda um microscopista reputado que dirigia as revistas «Le Micrographe Préparateur» e «Le Diatomiste», onde publicava sobre assuntos tão variados como a técnica da parafina, a morfologia das desmídias, a confecção de preparações de diatomáceas, a realização de preparações de insectos, as espículas das esponjas. A carta acompanhava uma encomenda de 48 preparações de algas de água doce. Gonçalo Sampaio realizou alguns estudos sobre as algas desmídias, tendo publicado um trabalho em 1920, em que são descritas cinco novas espécies de desmídias. As desmídias são algas verdes (clorófitas), unicelulares, coloniais ou filamentosas, exclusivamente de água doce. Seriam as preparações de Tempère de exemplares de desmídias? Tempère publicou em «Le Micrographe Préparateur» diversos artigos sobre a morfologia de muitos géneros de desmídias, e a sua firma teria certamente para venda colecções de preparações definitivas destas algas microscópicas. Terá querido Gonçalo Sampaio esclarecer alguma dúvida sobre as desmídias que tinha observado? 18. PREPARAÇÕES DEFINITIVAS DE DIATOMÁCEAS PARIS. FIM DO SÉCULO XIX Colecção de 200 preparações da edição 1 da obra «Diatomées du monde entier», de Tempère e Peragallo. Maurício Alexandre Peragallo (1853-1921) e Frederico Peragallo (1851-1921) eram militares de carreira, mas distintos estudiosos de diatomáceas. Os irmãos Peragallo escreveram a importante monografia «Diatomées marines de France et des districts maritimes voisins». Publicaram diversos artigos nas revistas dirigidas pelo microscopista J. Tempère, reputadíssimo fabricante de um impressionante número preparações microscópicas que abrangiam todos os campos da história natural. O seu catálogo de 1910-11 oferecia 5.600 preparações. A especialização em diatomáceas era notável. A firma Tempère vendia, além de diversos conjuntos de preparações definitivas, os próprios sedimentos tratados para que o comprador pudesse ele próprio fazer as preparações de diatomáceas. Os irmãos Peragallo trabalharam com J. Tempère nas famosas colecções de diatomáceas. Escreveram os textos e desenharam as ilustrações, enquanto Tempère produzia as preparações. A firma Tempère terá produzido cerca de 100 exemplares de cada uma destas colecções de preparações. O exemplar em exibição é o conjunto das preparações #1 a #200, da edição 1 de «Diatomées du monde entier». Esta edição foi publicada em Paris entre 1889 e 1895. Era constituída por um total de 625 preparações definitivas de diatomáceas, acompanhadas de um texto explicativo, e um índice de localidades e de taxa. A grande maioria das preparações eram de sedimentos fósseis (a maioria dos depósitos fósseis conhecidos estavam representados), de recolhas marinhas, de água doce e pelágicas, provenientes de todas as partes do mundo. 30 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL 26 São descritos seis novos taxa; existem 30 nomes de novos taxa, mas sem descrição; existem ainda 21 novas combinações. Desta obra será feita uma edição 2, com 1.000 preparações definitivas de diatomáceas, obra rara e valiosa. Muitas das preparações contendo novas espécies para a ciência constituem hoje os tipos nomenclaturais destas espécies. Para o sistemata de algas, este tipo de colecções é o equivalente de um herbário de plantas. Apesar das identificações poderem ser feitas por comparação com descrições e ilustrações, a observação directa de preparações é preciosa para uma correcta identificação dos exemplares. 25 19. EXEMPLAR DE FUNGO PARASITA HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO Trata-se de um dos fungos que Gonçalo Sampaio enviou para o seu colega espanhol Romualdo Fragoso em Madrid, que veio a identificá-lo como Dothiorella asparagi, uma espécie nova para a ciência. O fungo encontra-se a parasitar um caule de aspárago. Gonçalo Sampaio teve uma frutuosíssima colaboração com R. Fragoso, tendo enviado para este distinto micologista espanhol largas dezenas de fungos, a maioria parasitas de plantas que vieram a ser identificados como espécies novas para a ciência. A colaboração entre Gonçalo Sampaio e Romualdo Fragoso iniciou-se em 1921 e durou até à morte do notável micologista espanhol, ocorrida em 1928. 21. EXEMPLAR DE LÍQUENE HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO Gonçalo Sampaio foi um especialista em sistemática de líquenes e um dos expoentes da liquenologia do início do século XX. Este é um exemplar de Usnea florida. Gonçalo Sampaio descreveu largas dezenas de espécies novas de líquenes e um género novo para a ciência. 20. EXEMPLAR DE GASTEROMICETO HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO Gonçalo Sampaio não foi especialista em fungos, mas recolheu alguns exemplares como este: um basidiocarpo de um Bovista plumbea, um gasteromiceto. 23. EXEMPLAR DE RODÓFITA HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO Gonçalo Sampaio também não foi especialista em algas, mas recolheu alguns exemplares, como esta alga vermelha, uma rodófita, Polysiphonia urceolata. 22. EXEMPLAR DE MUSGO HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO Gonçalo Sampaio recolheu este exemplar de Campylopus polytrichioides em Ponte de Lima, região por si bem conhecida e onde fez muitas herborizações. 24. EXEMPLAR DE PTERIDÓFITA HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO Gonçalo Sampaio recolheu alguns exemplares de fetos, como este Pteridium aquilinum. Foi recolhido num dos locais mais bem estudados por Gonçalo Sampaio – S. Gens, Póvoa de Lanhoso. 25. EXEMPLAR DE UMA ESPÉCIE DE RUBUS HERBÁRIO DE GONÇALO SAMPAIO Gonçalo Sampaio publica em 1904 uma revisão dos Rubus portugueses, vulgarmente designados por «silvas». Tem então 39 anos e é naturalista do Gabinete de Botânica. Gonçalo Sampaio propõe um corte drástico com a sistemática em vigor deste género dificílimo de rosáceas. Brotero, na sua Flora de 1804, só considerava duas espécies espontâneas no nosso país. O Conde de Ficalho e A. X. Pereira Coutinho, em trabalho publicado no fim do século XIX, consideraram 16 espécies. Gonçalo Sampaio considera 32 espécies com diversas variedades e formas híbridas. Uma das novas espécies descritas por Sampaio é o Rubus henriquesii, de que aqui se apresenta um exemplar, baptizado em homenagem ao seu colega e amigo Júlio Henriques, professor de Botânica em Coimbra. 26. «MANUAL DA FLORA PORTUGUESA» GONÇALO SAMPAIO. 1914 Trata-se da obra fundamental publicada, em vida, por Gonçalo Sampaio, sobre a flora vascular portuguesa. A obra foi inicialmente publicada em fascículos, iniciados em 1909, tendo o último saído em Dezembro de 1914. Esta obra estuda 115 das 131 famílias de plantas vasculares existentes em Portugal. A última família tratada é Plantaginaceae. Diversas famílias tratadas neste Manual (Orchidaceae a Celtidaceae, Phaseolaceae a Ericaceae) foram incorporadas na edição de 1946 da «Flora Portuguesa». 30 34 32 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL O LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA Há cem anos a microbiologia estabelecia-se como área disciplinar independente, embora ainda no seio da Botânica. Definiam-se métodos e procedimentos próprios de trabalho e criavam-se rotinas. Na sua fundação e estabelecimento como disciplina autónoma foram fundamentais as figuras de F. Cohn, Beijerinck, Hansen, Omeliansky, R. Kock, Miquel, Pacini, L. Pasteur, Roux e Vinogradskij. Na microbiologia de então estudavam-se as bactérias e as leveduras, mas não se incluíam os fungos micelianos e as algas microscópicas, que eram estudados juntamente com os musgos, fetos e espermatófitas. O estudo das fermentações por bactérias e leveduras ocupava um lugar destacado: a fermentação alcoólica pelas leveduras e a sua própria morfologia foram estudadas com notável pormenor por L. Pasteur. A motivação para estes estudos era fundamentalmente prática, uma vez que estas fermentações originavam o vinho e a cerveja, ou a transformação do vinho em vinagre. A componente microbiológica do ciclo do azoto era já razoavelmente conhecida. Isolavam-se e cultivavam-se bactérias nitrificantes e desnitrificantes. Os rizóbios eram já conhecidos, bem como o seu papel simbiótico na fixação do azoto atmosférico e assimilação pelas plantas. TÉCNICAS Meios de cultura Utilizavam-se meios de cultura extremamente diversos, uns líquidos, outros solidificados, outros ainda propriamente sólidos, como a batata ou cenoura. A maioria dos meios de cultura era confeccionada à base de produtos naturais. No estabelecimento e criação dos métodos e procedimentos da microbiologia operou-se uma revolução com a utilização do agar-agar (ou gelose) para a «solidificação» (gelificação) dos meios de cultura. Até então, os meios eram solidificados com gelatina, que derrete a temperaturas relativamente baixas. Por exemplo, não era possível incubar nestes meios as bactérias isoladas do homem, a 37 °C. Outra limitação da gelatina era a sua fácil degradação por microrganismos. A descoberta do agar-agar em algumas algas marinhas vermelhas (rodófitas) deve-se a Payen, em 1854, e pouco tempo depois já era utilizado em meios de cultura. Esterilização e Assepsia A esterilidade e a assepsia são dois requisitos indispensáveis na microbiologia, e já tinham sido estabelecidos há cem anos. Uma semi-esterilização dos meios de cultura obtinha-se por aquecimento em água fervente, que não conseguia eliminar alguns esporos bacterianos. Uma melhoria foi conseguida pela esterilização por calor repetido, inventada por Tyndall e aperfeiçoada por Koch, que consistia no aquecimento em intervalos sucessivos e era por vezes totalmente eficaz, uma vez que os esporos que resistiam ao primeiro aquecimento germinavam, sendo destruídos pelo aquecimento posterior. Mas a revolução dá-se com a esterilização pelo calor húmido no autoclave de Chamberland, que não era mais do que uma marmita de Papin aperfeiçoada. No autoclave, totalmente fechado, a água atingia facilmente 120 °C, sendo o meio totalmente esterilizado. Para a esterilização de vidros e peças metálicas usavase a esterilização pelo calor seco, em estufas, sendo o aquecimento feito por gás. O forno de Pasteur permitia manter a temperatura na ordem de 170-180 °C. As substâncias que se alterassem pelo calor eram esterilizadas por filtragem. Filtros de porcelana, por exemplo, permitiam esterilizar líquidos como o leite. Para forçar a passagem das substâncias por filtros com poros de reduzida dimensão, criava-se vácuo no recipiente inferior através de uma bomba de vácuo. Recipientes e utensílios de cultura Os microrganismos eram cultivados em meios de cultura contidos em recipientes de vidro: tubos de ensaio, tubos de Roux, matrazes de Pasteur, balões de Erlenmeyer, caixas de Roux e caixas de Petri. Os tubos, matrazes e balões eram tapados com rolhas de algodão. Os microrganismos eram transferidos entre meios de cultura por repicagem com agulhas próprias. Estas agulhas de repicagem tinham um cabo de material não condutor do calor e um fio metálico na extremidade. Este fio era aquecido ao rubro antes da repicagem para assegurar a esterilidade da agulha. As culturas eram incubadas em estufas. No início do século XX existiam já estufas de incubação que mantinham uma temperatura constante, com pequenas oscilações, o que era indispensável para um crescimento adequado de, por exemplo, bactérias isoladas do homem. 34 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL 35 Coloração Os microrganismos eram observados frescos ou corados. Podiam ser observados em culturas puras, ou directamente no substrato em que se encontravam, como o sangue, pus, escarros, mosto de uva ou de malte. No início do século XX, o microbiologista já dispunha de duas técnicas valiosíssimas para a coloração de bactérias. A coloração inventada por Gram permitia separar as bactérias em dois grandes grupos, as designadas de Gram-positivas e as Gram-negativas. Aplicava-se violeta fénico ou violeta de anilina, depois um soluto com iodo e, finalmente, a descoloração era feita com etanol absoluto ou etanol-acetona. No final do processo, as Gram-positivas apresentavam-se de azul-violeta e as Gram-negativas ficavam descoloradas, podendo depois ser-lhes aplicadas um corante final de fucsina. A coloração de Ehrlich-Ziehl permitia evidenciar bactérias como o bacilo da tuberculose (doença de elevada incidência na época), designadas de ácido-resistentes. Depois da aplicação a quente da fucsina de Ziehl, seguia-se uma descoloração com ácido clorídrico diluído e, finalmente, uma coloração com azul de metileno. O bacilo da tuberculose apresentava-se corado de vermelho, enquanto que a maioria das bactérias ficariam azuis. Existiam também colorações específicas para observar o flagelo, o esporo e a cápsula bacteriana. PROCEDIMENTOS Para o isolamento e quantificação de bactérias presentes em substratos naturais líquidos como a água ou o leite, faziam-se diluições sucessivas do substrato em meio de cultura liquefeito, colocando as últimas diluições em caixas de Petri. Após solidificação do meio de cultura e incubação, obtinham-se colónias isoladas dos microrganismos presentes, cada uma constituindo uma cultura pura de uma dada espécie. Para o isolamento e quantificação de bactérias presentes em substratos sólidos, como por exemplo o solo, procedia-se a uma lavagem do solo com água, e esta água era tratada da forma atrás referida. Realizando diluições exactas e contando o número de colónias formadas, era possível estimar a concentração de bactérias presentes na amostra. Também se procedia ao isolamento de bactérias de substratos naturais pela técnica de riscado directo em meio de cultura gelificado. Existiam procedimentos para a cultura de bactérias anaeróbias, assim como se isolavam e quantificavam bactérias da água, mas a pesquisa e isolamento de bactérias patogénicas como o agente da febre tifóide e da cólera eram pouco fiáveis. Não se usavam meios selectivos: recorria-se à adição de substâncias como o ácido fénico, o verde de malaquite e o ácido fosfórico, que inibiam ou eliminavam tudo o que se não pretendia isolar. O isolamento diferencial de vários grupos metabólicos de bactérias do solo também tinha procedimentos definidos. Já eram conhecidos processos de isolamento de microrganismos da atmosfera, recorrendo a instrumentação como a desenvolvida por Miquel – matraz borbulhador, vaso cónico, filtro de sulfato de sódio – ou o aspirador cilíndrico de Sainte-Claire Deville. Também se isolavam e cultivavam bactérias e fungos patogénicos das plantas. Determinavam-se ainda algumas características fisiológicas das bactérias: temperatura óptima de crescimento; resistência ao calor; crescimento na peptona, gelatina, batata e no leite; produção de indol; acção na albumina; redução dos nitratos. Algumas destas características culturais e bioquímicas seriam mais tarde utilizadas na identificação bacteriana. 33 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. A INVESTIGAÇÃO E O TRABALHO LABORATORIAL 36 29 35 27. AGAR-AGAR O agar-agar é extraído de algas marinhas vermelhas (rodófitas). A sua utilização em microbiologia para solidificar meios de cultura foi revolucionária, dado que, ao contrário da gelatina, só liquefaz a temperaturas muito elevadas, perto da ebulição. A quantidade de agar-agar necessária para «solidificar» um meio de cultura é muitíssimo inferior (cerca de 10 vezes menor) à de gelatina. Os meios com agar-agar podem ser portanto utilizados para cultivar microrganismos a praticamente qualquer temperatura de incubação. Os meios de cultura continham, além do agar-agar, substâncias como extracto de carne, peptona, levedura, malte. 29. FUNIL METÁLICO, AQUECIDO COM ÁGUA QUENTE Este funil permitia a filtragem de líquidos a quente. Era utilizado nos laboratórios de microbiologia quando se pretendia filtrar um meio de cultura que contivesse, por exemplo, gelatina. Estes meios são líquidos a quente mas solidificam a frio. A filtragem a quente evitava a solidificação do meio enquanto decorria a filtragem. Era também utilizado no laboratório de anatomia-histologia para filtrar a parafina. A parafina que sobrava na técnica da inclusão podia ser reutilizada, se fossem removidos os detritos e as impurezas por filtragem a quente. 31. CAIXA DE PETRI Inventada pelo italiano Petri no século XIX, foi um elemento chave para o estabelecimento da microbiologia como disciplina autónoma. Invenção genial, de uma simplicidade desconcertante, permite cultivar e manipular microrganismos de uma forma tão simples e eficaz que até hoje não foi superada como recipiente corrente para colocar meios de cultura de bactérias ou fungos. 28. GELATINA Um dos ingredientes mais usados na confecção de meios de cultura utilizados em microbiologia. Dissolve-se em água morna. Apresenta o inconveniente de derreter a temperaturas relativamente baixas, não podendo ser utilizado para cultivar organismos termofílicos, ou mesmo mesofílicos a temperaturas moderadas. Muitas bactérias hidrolisam a gelatina, liquefazendo o meio de cultura. O tipo de hidrólise era utilizado na identificação das bactérias. 30. AUTOCLAVE A GÁS «ADNET». FIM DO SÉCULO XIX – INÍCIO DO SÉCULO XX Autoclave do tipo Chamberland, utilizado para esterilizar vidros e meios de cultura por calor húmido. No interior do autoclave colocava-se um determinado volume de água e, por cima, sob um suporte, o material que se pretendesse esterilizar. A tampa era fechada e o autoclave aquecido por meio de um bico de gás situado por baixo do aparelho. Dado que a água se evaporava num recipiente fechado, a pressão aumentava e concomitantemente a temperatura. A uma atmosfera de pressão, a temperatura era de aproximadamente 120°C. O aquecimento de qualquer meio de cultura a esta temperatura durante 30 minutos garantia a eliminação de todas as formas microbianas, ou seja, a sua esterilidade. Mesmo para a microbiologia do século XIX, o autoclave já era indispensável em qualquer laboratório, dado que só excepcionalmente se não trabalhava com meios estéreis. 32. SUPORTE PARA TUBOS DE ENSAIO EM MADEIRA INÍCIO DO SÉCULO XX Peça universal no laboratório de microbiologia para colocar tubos de ensaio com culturas, a incubar. 33. CENTRÍFUGA MANUAL, DE MESA PRESUMIVELMENTE INÍCIO DO SÉCULO XX As centrífugas são aparelhos em que, como o nome indica, a força centrífuga é utilizada para sedimentar partículas em suspensão. Uma centrifugação permitia, por exemplo, sedimentar células de bactérias, de fungos ou de algas em poucos minutos, no fundo de um tubo. O aparelho exposto tem uma tampa de protecção que permitia a segurança do operador em caso de avaria – em que o tubo ou o líquido saltassem da centrífuga. Os tubos de vidro que se utilizavam eram cónicos no fundo, facilitando a deposição das partículas. Apesar de movidas à mão, as centrífugas podiam atingir velocidades de 3.000 rotações por minuto. 34. ESTUFA DE INCUBAÇÃO, DE MESA «ADNET». FIM DO SÉCULO XIX – INÍCIO DO SÉCULO XX Estufa para incubação de culturas ou para utilizar na técnica da inclusão em parafina. Podia ser utilizada até 110°C. Era aquecida por uma chama colocada no compartimento inferior. As flutuações de temperatura eram apreciáveis. Esta estufa é em cobre, com a porta superior com vidro. 35. CONJUNTO DE OBJECTIVAS APOCROMÁTICAS «ZEISS». FIM DO SÉCULO XIX, PROVAVELMENTE 1886-1889 As objectivas apocromáticas resultam da investigação em óptica de Abbe e da experimentação em novos vidros de Schott. A produção inicia-se em 1886 na firma alemã Zeiss. Constituíram uma revolução na qualidade óptica das objectivas, e concomitantemente na definição da imagem observada ao microscópio, por comparação com as objectivas acromáticas então em uso. A invenção das objectivas apocromáticas contribuiu certamente para um grande avanço na microbiologia, em particular na observação de bactérias e fungos, dadas as dimensões exíguas destes microrganismos. Os exemplares aqui apresentados, pelo formato do logótipo «Carl Zeiss», são seguramente anteriores a 24 de Junho de 1904. A partir desta data é inscrito no material Zeiss um novo logotipo desenhado por Erich Kuithan (1875-1917), e que pode ser observado nos microscópios presentes nesta exposição. 36. MICROSCÓPIO «ZEISS», MODELO V. INÍCIO SÉCULO XX O modelo apresentado tem o número de série 79498, o que indica que o microscópio foi fabricado muito provavelmente em 1922. 38 42 38 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. O ENSINO O ENSINO O ensino da Botânica em Portugal data da reforma dos estudos pelo Marquês de Pombal em 1772. A Botânica era antes ensinada na Faculdade de Medicina. Também na segunda metade do século XVIII são criados os Jardins Botânicos de Lisboa e Coimbra, tendo como um dos seus objectivos apoiar as aulas práticas de Botânica. A Botânica é introduzida no ensino liceal em meados do século XIX, já com conteúdos avançados. Em 17 de Novembro de 1836 era aprovado o «Plano dos Liceus Nacionais», em que se determinava que o curso dos liceus deveria incluir uma disciplina sobre os «princípios de história natural dos três reinos da natureza», e que deveria haver «em cada um dos liceus um jardim experimental destinado às aplicações de Botânica (...) e um gabinete que terá três divisões correspondentes às aplicações da Física e da Mecânica, da Zoologia e da Mineralogia». A Escola Politécnica de Lisboa é criada no ano seguinte, em 11 de Janeiro de 1837. Determinava-se que a 9.ª cadeira seria de «Botânica e Princípios de Agricultura» e que a escola teria «um gabinete de História Natural» e «um jardim botânico». Em 4 de Janeiro de 1839 é aprovado o programa do curso de «Introdução à História Natural dos Três Reinos» da Escola Politécnica de Lisboa, que devia abordar os seguintes temas: «Botânica: ramos em que se divide; características das plantas; tecidos vegetais; órgãos: raiz, caule, folha, flor, fruto e semente; fisiologia vegetal; taxonomia: sistema de Lineu; métodos de Tournefort, e Jussieu». A reforma do ensino de Costa Cabral, aprovada em 20 de Setembro de 1844, fazia regredir o ensino da Botânica nos liceus, já que determinava que só nos estabelecimentos das capitais dos distritos poderia existir uma «Introdução à História Natural dos Três Reinos». O ensino da Botânica a nível liceal tornava-se, portanto, facultativo e restrito a algumas cidades do país. Nesta mesma reforma se determinava que na Universidade de Coimbra a Botânica seria ensinada no 4.º ano da Faculdade de Filosofia. Para a Academia Politécnica da cidade do Porto, autorizava-se o governo a «estabelecer (...) o Jardim Botânico e experimental», o que não viria a concretizar-se. Em 10 de Setembro de 1885 é aprovada uma reforma da Academia Politécnica do Porto, que seria a última desta instituição. O programa da 10.ª cadeira, Botânica, era constituído por uma 1.ª parte de Botânica geral, com três lições semanais, e uma 2.ª parte de «Botânica industrial. Matérias primas de origem vegetal», com uma lição semanal. Era uma disciplina muito importante, dado que fazia parte do currículo de todos os cursos versados na Academia. Uma das primeiras grandes transformações da República foi a criação em 1911 das universidades do Porto e de Lisboa e respectivas faculdades de Ciências (entre outras escolas). A Academia Politécnica do Porto dava assim origem à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Na nova organização, a 3.ª Secção, Ciências histórico-naturais, incluía no 2.º Grupo as «Ciências biológicas: Botânica e Zoologia». Mais se determinava que estas faculdades deveriam ter, como anexo, um jardim, museu e laboratório botânicos. Neste mesmo ano, Gonçalo Sampaio assume o ensino da Botânica na Faculdade, por doença de Amândio Gonçalves. Concorre ao lugar de professor, tendo sido isento das respectivas provas graças ao seu excepcional currículo. O programa de Botânica Geral organizado por Gonçalo Sampaio era um programa moderno. As lições teóricas organizavam-se segundo os seguintes temas: – Estrutura da célula vegetal. Células diferenciadas. – Tecidos vegetais. – Estrutura interna e morfologia externa da raiz, caule, folha, flor e fruto. – Fisiologia vegetal. – Reprodução e ciclos de vida nas plantas vasculares. – Classificação das plantas. Características gerais dos principais grupos de plantas: talófitos, briófitos, pteridófitos e espermatófitos. Morfologia, reprodução e ciclos de vida. – Geografia botânica. – Paleontologia vegetal. – História da Botânica. As contribuições de Aristóteles, Gesner, Cesalpino, J. Ray, Tournefort, Lineu, Jussieu e Hofmeister. A Botânica em Portugal. As contribuições de Garcia da Horta, Clusio, Grisley, Tournefort, Vigier, Domingos Vandelli, João de Loureiro, Correia da Serra, Link e Hoffmannsegg e Welwitsch. A importância da Sociedade Broteriana e do seu fundador, Júlio Henriques. O programa dos trabalhos práticos era constituído pelos seguintes tópicos: – Microscopia. Sistema óptico e sistema iluminador. Acessórios. Imagens. Aberração de esfericidade. Aberração cromática. Imagem da objectiva. Imagem da ocular. Ocular de Huyghens. Utilização prática do microscópio. Micrómetros. Câmara clara. Polarizador e luz polarizada. – Micrótomos. Técnica histológica com inclusão em parafina: fixação, inclusão, corte, coloração e montagem. Preparações simples. Preparações com cortes à mão. Prática de microfotografia. – Morfologia externa de plantas vasculares. Determinação específica de fetos e espermatófitas da flora portuguesa por meio de flora analítica. Excursões e herborizações. Colheita de plantas e sua preparação para herbário. 37 37. «ATLAS DE BOTANICA» A. X. PEREIRA COUTINHO. 1898 Apesar de Pereira Coutinho ser mais reputado pela sua «Flora de Portugal», publicada em 1913, também dedicou especial atenção ao ensino da Botânica, mesmo a níveis elementares. Publicou livros de instrução primária e secundária e numerosas obras destinadas ao ensino da Botânica e da Agricultura nos liceus e escolas primárias. Este «Atlas de Botanica, mandado organisar para uso dos lyceus (I, II, III e IV classes)» e publicado em 1898, é notável pela qualidade das suas figuras a cores e pelo seu conteúdo. Percorre os temas clássicos da botânica do fim do século XIX. Morfologia – raiz, caule, flor e fruto. Angiospérmicas e Gimnospérmicas, Dicotiledóneas e Monocotiledóneas. Exemplos de famílias, géneros e espécies. Talófitas (criptogâmicas) – algas, fungos e líquenes. Morfologia e reprodução. Não são mencionadas bactérias. A célula vegetal. Tecidos vegetais. Anatomia vegetal – a estrutura da raiz, caule, folha e flor. Não falta a fisiologia vegetal, à qual é dedicada a última página. A que distância está o actual ensino básico e secundário da Botânica... 39. MICRÓTOMO DE MÃO «NACHET». INÍCIO DO SÉCULO XX Os micrótomos são aparelhos que permitem efectuar cortes finos do objecto. Eram aparelhos indispensáveis nos laboratórios de anatomia e histologia (tanto vegetal como animal) no início do século XX. Os aparelhos que permitiam obter cortes mais finos eram de mesa, como um exemplar apresentado nesta exposição. Este modelo é de mão. O objecto que se pretende seccionar era colocado no interior do tubo e fixado por aperto. Ao rodar uma das partes, a peça era deslocada para cima, em movimentos muito pequenos. Uma faca afiada aplicada à superfície permitia fazer cortes de espessura relativamente reduzida, embora a regularidade não se pudesse comparar com a do micrótomo de mesa. Enquanto este exigia a inclusão das peças em parafina, o micrótomo de mão permitia cortar objectos frescos. A firma Nachet foi fundada em Paris, em 1839, por Camille Sébastien Nachet (1799-1881). Foi a mais importante fábrica francesa de microscópios do século XIX, permanecendo em actividade durante grande parte do século XX. 38. «MANUEL D’HISTOIRE NATURELLE MEDICALE. I. BOTANIQUE MEDICALE» J.-LL. DE LANESSAN. 1885 Livro de texto de Botânica que se usava no início do século XX na Academia Politécnica. 40. LUPA DE DISSECÇÃO «ZEISS», MODELO IV. FIM DO SÉCULO XIX 42. MODELO DO FUNGO CLAVICEPS PURPUREA «LENOIR & FORSTER». INÍCIO DO SÉCULO XX Claviceps purpurea é o fungo que causa a cravagem do centeio. Na espiga do centeio forma-se um esclerócio (corpo negro, comprido). O esclerócio contém substâncias alcalóides. Se o pão for feito com farinha de sementes contaminadas será muito tóxico. A sua ingestão causava uma patologia designada de «fogo-de-Santo-Antão», dado que as pessoas se sentiam queimadas por dentro. Estas intoxicações eram vulgares na Idade Média. O modelo mostra o esclerócio a germinar formando estromas. 43. COLECÇÃO DE MODELOS DE COGUMELOS INÍCIO DO SÉCULO XX O ensino da botânica sistemática no início do século XX recorria com frequência aos modelos de flores, frutos e plantas, fabricados por R. Brendel, de Berlim. Os modelos expostos são frutificações de ascomicetos e basidiomicetos, bastante perfeitos e com pormenor. 41. APARELHO PARA DESENHAR «ZEISS». FIM DO SÉCULO XIX 40 A BOTÂNICA HÁ CEM ANOS. O ENSINO 39 40 42 GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS 45 SISTEMÁTICA MODERNA: OS FUNDADORES JÚLIO AUGUSTO HENRIQUES (CABECEIRAS DE BASTO, 17.1.1838 – 8.5.1928) A famosa «Flora Lusitanica» de Brotero, já com um século de publicação, obviamente não satisfazia as necessidades da botânica sistemática do início do século XX. A tarefa de a substituir coube à geração de três notáveis figuras, Júlio Henriques, Pereira Coutinho e Gonçalo Sampaio. Professores e investigadores nas três universidades portuguesas da época, estas personalidades fundam os estudos modernos da flora portuguesa, contribuindo tanto para o avanço da ciência botânica como para o seu ensino universitário. Esta dupla função do verdadeiro universitário mantém-se hoje como indiscutivelmente necessária. A força desta geração provém do génio individual, mas também da colaboração e troca de ideias destes três investigadores que, embora almejando o mesmo objectivo – tendo conseguido cada um deles a elaboração de uma Flora moderna de Portugal – mantiveram, no entanto, a sua originalidade própria. O estudo da correspondência trocada entre Gonçalo Sampaio, Júlio Henriques e Pereira Coutinho (de que apresentamos alguns exemplares nesta exposição) comprova esta ideia. Júlio Henriques formou-se em Direito e doutorou-se em Filosofia, em 1865, pela Universidade de Coimbra. É nomeado professor substituto aos 28 anos, e sete anos mais tarde, em 1874, catedrático, sendo-lhe então confiada a direcção do Jardim Botânico de Coimbra. Em 1880 cria a Sociedade Broteriana e funda o Boletim da Sociedade Broteriana, tendo ambos sido importantíssimos instrumentos de divulgação dos estudos florísticos e taxonómicos portugueses. Deve-se também a Júlio Henriques a compra do valiosíssimo herbário de Willkomm, então professor em Praga. Este herbário era constituído por 100.000 exemplares representando 10.000 espécies, principalmente da região mediterrânea, e tinha servido de base ao «Prodromus Florae Hispanicae», trabalho basilar de Willkomm sobre a flora portuguesa. Em 1906, Júlio Henriques inicia a publicação, em fascículos, do seu «Esboço da Flora da Bacia do Mondego», que aparecerá como volume independente em 1913. São enumeradas 1.515 espécies dispostas segundo o sistema proposto por Engler. Júlio Henriques rodeia-se de colaboradores competentes e dedicados – Joaquim de Mariz e os incomparáveis colectores Adolfo Frederico Moller e Manuel Ferreira. Estudou ainda a flora das serras da Estrela, Caramulo, Buçaco, Lousã, Gerês e Marão, e a flora de São Tomé e Príncipe. Descreveu diversas espécies novas para a ciência tanto do continente como das colónias, e foram-lhe dedicadas também numerosas espécies e mesmo o género Henriquesia. GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS 44 49 67 D. ANTÓNIO XAVIER PEREIRA COUTINHO (LISBOA, 11.6.1851 – ESTORIL, 27.3.1939) GONÇALO SAMPAIO (S. GENS DE CALVOS, PÓVOA DE LANHOSO, 29.3.1865 – PORTO, 27.7.1937) Formado em 1874 pelo Instituto Geral de Agronomia, Pereira Coutinho começa a trabalhar como agrónomo em Bragança, em 1875, e estuda a flora espontânea da região. Estas herborizações foram certamente decisivas na sua orientação como naturalista. Iniciou a sua vida de professor no Instituto de Agronomia de Lisboa em 1880. É lente catedrático em 1882, e em 1883 rege a cadeira de Silvicultura e Economia Florestal, transitando em 1886 para a cadeira de Química Agrícola e posteriormente para a de Botânica. Em 1890, é proposto pelo Conde de Ficalho para o cargo de naturalista adjunto da Secção de Botânica do Museu Nacional de Lisboa, anexo à Escola Politécnica, cargo que ocupa de 1890 até 1921, quando atingiu o limite de idade. Em 1903, ascende ao lugar de professor proprietário da 9.ª cadeira, a quem incumbia a direcção do Jardim Botânico anexo à Politécnica. Contudo, não abandona o Instituto de Agronomia. Assim, em 1891 Pereira Coutinho desempenhava cumulativamente três lugares: lente do Instituto de Agronomia e Veterinária, naturalista do Museu Nacional de Lisboa e professor substituto da Politécnica. No Instituto leccionava Botânica Agrícola, Fisiologia Vegetal e Taxologia das Plantas e na Escola Politécnica, Botânica e Princípios de Agricultura. No período que decorre de 1905 a 1912 dedicou-se à redacção da «Flora de Portugal», cuja 1.ª edição foi publicada em 1913 (apresentada nesta exposição). A Flora desactualizou-se rapidamente e a sua 2.ª edição, editada já postumamente, enumerava 799 géneros e 2.845 espécies, mais 12 e 110, respectivamente, do que a 1.ª edição. Pereira Coutinho publicou, de 1914 a 1930, as «Notas da Flora de Portugal», que reuniu em 1935 no «Suplemento da Flora de Portugal». Em 1936, surgiu a 2.ª edição do seu «Esboço de uma Flora Lenhosa». Pereira Coutinho também se dedicou ao estudo dos líquenes. Publica «Lichenum Lusitanorum Herbarii Universitatis Olisiponensis Catalogus» (1916) e respectivo suplemento (1917), dois trabalhos fundamentais de que apresentamos exemplares nesta exposição. A última fase da sua vida foi dedicada ao estudo dos fungos basidiomicetos. É importante referir a atenção que Pereira Coutinho dedicou ao ensino da Botânica a nível liceal e primário, publicando numerosas obras destinadas a estes níveis de ensino – apresentamos aqui uma destas edições. Era sócio efectivo da Academia de Ciências de Lisboa. Foi um dos fundadores da Sociedade Broteriana em Coimbra. Depois de desistir da frequência da Faculdade de Matemática em Coimbra, Gonçalo Sampaio matricula-se em 1891 na Academia Politécnica do Porto, onde cursou Química Mineral, Botânica e Zoologia, embora não tenha terminado o curso. Ainda estudante, Gonçalo Sampaio revela já excepcionais aptidões para o estudo das plantas, organizando um herbário a pedido do seu professor de Botânica, Amândio Gonçalves. Em 1895, Gonçalo Sampaio publica o seu primeiro trabalho botânico – «Flora Vascular Portugueza. Quadro dichotomico para a determinação das famílias». Em 1901, é nomeado naturalista adjunto de Botânica e, no ano seguinte, encarregado de dirigir os trabalhos práticos da disciplina. Em 1909, inicia a publicação do «Manual da Flora Portuguesa», cujo último fascículo sairá em 1914. Apesar de não abranger todas as famílias de plantas vasculares da flora do continente, é a obra fundamental sobre a flora portuguesa publicada, em vida, por Gonçalo Sampaio. Em 1910, G. Sampaio assume a regência da cadeira de Botânica, por motivo de doença de Amândio Gonçalves. Contudo, partidário de João Franco, refugia-se brevemente na Galiza por ocasião da proclamação da República. Regressado a Portugal, é nomeado em 1912 professor de Botânica da recém-criada Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e, no ano seguinte, director do Gabinete de Botânica. Depois da efémera monarquia do Norte (Janeiro-Fevereiro de 1919), movimento de restauração monárquica surgido na sequência do assassinato de Sidónio Pais, Gonçalo Sampaio é acusado de ter contribuído para a organização do batalhão académico. Perseguido e encerrado no Aljube durante vários meses, escreve durante este período a «Epítome da Flora Portuguesa», uma Flora abreviada para uso no ensino da botânica sistemática, onde são tratadas todas as famílias de plantas vasculares existentes em Portugal Continental, que infelizmente nunca chegou a publicar. Apresenta-se nesta exposição o manuscrito desta obra. Libertado e restituído à sua actividade docente, vê o Gabinete de Botânica que dirige elevado à categoria de instituto de investigação científica. Renomeado Instituto de Botânica, ser-lhe-á acrescentado o seu nome, em homenagem, no ano em que abandona a docência universitária (1935). Como docente, Gonçalo Sampaio distinguia-se pela sua exposição clara, precisa e original. Salientou-se especialmente pela maneira como organizou, desenvolveu e dirigiu o ensino prático da Botânica no período de transição entre a Academia Politécnica e a Faculdade de Ciências. Familiarizou-se no estrangeiro com a técnica histológica e aplicou estes ensinamentos nas suas aulas práticas. Como investigador, Gonçalo Sampaio notabilizou-se sobretudo como sistemata, mas também nomenclaturista distinto, particularmente na flora de plantas vasculares e de líquenes. 46 GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS 56 e 55 Nas plantas vasculares, descreveu cerca de 50 novas espécies para a ciência, salientando-se a sua monografia dos Rubus portugueses, publicada em 1904, ainda no início da sua carreira de investigador. Obra meticulosa e original – Gonçalo Sampaio utiliza na sistemática deste género Rubus novos parâmetros, como a morfologia das varas estéreis, os turiões ou ladrões. Esta obra estabelece Gonçalo Sampaio como um dos grandes sistematas botânicos do início do século XX. Refira-se também o rico herbário que organizou, notável no que respeita a espécies do continente português. No que diz respeito à liquenologia, Sampaio publica um catálogo de líquenes de Portugal continental, com referência a muitas centenas de espécies, e, em associação com Luiz Crespi, de Madrid, estudará a flora liquenológica galega. Organiza uma exsiccata de líquenes portugueses e descreve perto de 70 espécies novas para a ciência, e um género novo – Carlosia. Gonçalo Sampaio ainda dedicou uma parte da sua atenção às algas microscópicas desmídias, identificando cinco novas espécies. No início do século XX procurava-se estabelecer regras internacionais a que todos os investigadores aderissem, e Gonçalo Sampaio participou activamente no estabelecimento destas regras. A sua contribuição ficará cristalizada no Congresso Luso-Espanhol do Porto, realizado pelas duas Associações Peninsulares para o Progresso das Ciências, em 1921. Na conferência que proferiu, propôs e fez aprovar algu- 57 mas alterações às regras da nomenclatura botânica vigentes (estabelecidas no congresso de Viena de 1905). Apresenta-se nesta exposição o manuscrito da sua comunicação. Gonçalo Sampaio manteve contacto com botânicos proeminentes seus contemporâneos, estrangeiros e nacionais, sendo de realçar a sua colaboração com Júlio Henriques e A. X. Pereira Coutinho no estudo da flora do continente português. Das suas trocas epistolares se apresentam exemplos nesta exposição. Outro exemplo é a sua colaboração com o micologista espanhol Romualdo Fragoso, a quem Sampaio enviou exemplares de fungos, na sua maioria parasitas de plantas, e que permitiu a Fragoso a descrição de várias espécies anteriormente desconhecidas. A retribuição de Fragoso a Gonçalo Sampaio, e a Portugal, é clara – o género – Sampaioa, e oito espécies têm nomes dedicados a Gonçalo Sampaio, uma é dedicada a A. Pires de Lima, Phoma Piresii, uma espécie é dedicada a Ruy Palhinha, outra a Macedo Pinto, uma outra a Júlio Henriques, e duas espécies dedicadas a Portugal. Gonçalo Sampaio retribui a homenagem a Fragoso, dedicando-lhe duas espécies novas de líquenes, Chiodecton Fragasoi e Leciographa Fragasoi. Quando morreu aos 72 anos de idade, Gonçalo Sampaio deixou dois manuscritos (quase completos no que respeita às famílias da flora vascular do continente), que irão servir de base para a edição póstuma, de 1946, da «Flora Portuguesa», publicada sob a direcção de A. Pires de Lima. Apresentamos nesta exposição os manuscritos originais destas duas obras. De referir, finalmente, a paixão de Gonçalo Sampaio pela música. O violino era o seu instrumento predilecto, que estudou como autodidacta. Folclorista, recolheu no seu «Cancioneiro Minhoto» cerca de duzentas canções tradicionais. 48 GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS 45 44. CARTA DE JÚLIO HENRIQUES 4 DE NOVEMBRO DE 1902 Júlio Henriques envia para Gonçalo Sampaio a transcrição de uma diagnose de uma espécie de Rubus. Gonçalo Sampaio publica vários trabalhos sobre os Rubus portugueses de 1902 a 1904. Em 1902, Gonçalo Sampaio terá pedido ao seu colega de Coimbra estes elementos de estudo, assim como o endereço de Focke. Nesta exposição é apresentado um bilhete postal deste naturalista germânico que indica que, de facto, foi contactado por Gonçalo Sampaio. 45. CARTA DE JÚLIO HENRIQUES 24 DE NOVEMBRO DE 1902 Gonçalo Sampaio dedica duas espécies novas de Rubus aos seus colegas de Lisboa e Coimbra, A. X. Pereira Coutinho e Júlio Henriques, Rubus coutinhi Samp. e Rubus henriquesii Samp., respectivamente. Rubus henriquesii é publicado em 1903. Gonçalo Sampaio terá informado Júlio Henriques desta sua espécie nova antes da publicação, dado que Júlio Henriques escreve nesta carta, «Muito agradeço a sua amabilidade de me dedicar um Rubus». É muito interessante a frase seguinte, «Bom será que seja uma espécie firme». O problema da sinonímia, ou melhor, a publicação de espécies que afinal já tinham sido descritas é, de facto, uma das grande dificuldades do trabalho do taxonomista. As espécies que são propostas como novas devem ser muito bem estudadas, ponderadas e verificadas antes da publicação. No entanto, nem sempre se pode aceder aos herbários onde existem os tipos nomenclaturais das espécies já descritas. 52 46. CARTA DE JÚLIO HENRIQUES 11 DE DEZEMBRO DE 1908 Trata-se de uma carta totalmente dedicada a problemas da nomenclatura botânica, que é um dos aspectos mais importantes do trabalho de um sistemata. Sem regras bem definidas, a sistemática e a nomenclatura entrariam num caos. Gonçalo Sampaio sempre se preocupou com as questões da nomenclatura botânica, tendo proposto alterações às regras vigentes. Em 1905 realizou-se um Congresso de Botânica em Viena e, em 1910, em Bruxelas, tendo Gonçalo Sampaio estado presente como representante de Portugal e da Academia Politécnica. 47. CARTA DE JÚLIO HENRIQUES 9 DE AGOSTO DE 1917 Carta onde são abordados diversos assuntos. São interessantes as frases, «Hoje mando um Rubus que recebi das proximidades de Paredes de Coura. Que espécie será? Não me entendo com tais plantas». Gonçalo Sampaio era um especialista neste dificílimo género de rosáceas. 48. «SUBSIDIO PARA O CONHECIMENTO DA FLORA PORTUGUEZA» J. A. HENRIQUES. 1905 49. CARTA DE A. X. PEREIRA COUTINHO 1 DE FEVEREIRO DE 1904 Carta muito interessante para a compreensão do trabalho de Gonçalo Sampaio sobre os Rubus portugueses. Em 1904, Sampaio propõe uma nova espécie de Rubus, R. coutinhi Samp., que como o nome indica, dedica ao seu colega de Lisboa. A. X. Pereira Coutinho escreve na sua carta, «a amavel lembrança de V. Exa., dedicando-me o novo Rubus que estudou». Pereira Coutinho e o Conde de Ficalho tinham publicado em 1899 uma monografia sobre as rosáceas de Portugal, onde estes naturalistas reconheceram 16 espécies de Rubus em Portugal. Gonçalo Sampaio, na introdução à sua monografia «Rubus Portuguezes» publicada também em 1904, chama a atenção para as limitações do trabalho de Pereira Coutinho e do Conde de Ficalho sobre os Rubus, dado que era baseado em exemplares que não possuíam os caules estéreis, nem tinham indicação da cor, forma e comprimento dos órgãos florais. O carácter preliminar do estudo dos Rubus por Coutinho e Ficalho era reconhecido na introdução do próprio trabalho e, volta a ser reconhecido nesta carta de Pereira Coutinho para o seu colega do Porto. Pereira Coutinho escreve «acredito que, principalmente, no genero Rubus, o exame das plantas vivaz é de primeira importancia para a clarificação; e acho que V. Exa. presta um assignalado serviço á nossa Flora proseguindo no estudo de um genero composto de especies, tão criticas e tão confusas». A seguir Pereira Coutinho escreve «peço desde já que não se esqueça de me enviar um exemplar do seu artigo», indicando que Gonçalo Sampaio terá informado o seu colega de Lisboa da sua intenção de publicar a nova espécie de Rubus. 50. CARTA DE A. X. PEREIRA COUTINHO 25 DE MAIO DE 1909 Mais uma carta onde se discutem os Rubus portugueses. Pereira Coutinho pede a Gonçalo Sampaio que lhe envie duplicados de exemplares de herbário que possuía, para enriquecer o herbário da Escola Politécnica. Em seguida discute alguns aspectos da nomenclatura de algumas espécies deste género. 51. CARTA DE A. X. PEREIRA COUTINHO 15 DE JULHO DE 1909 Ainda outra carta em que discutem os Rubus portugueses. Pereira Coutinho escreve dizendo que lhe enviava dois exemplares de Rubus recolhidos em Sintra. Um dos exemplares parece a Coutinho ser uma subespécie do Rubus coutinhi Samp., mas Coutinho pede opinião ao seu colega do Porto: «mas a este respeito é que muito desejo a sua opinião». Seguidamente, Coutinho discuta mais problemas associados à nomenclatura e taxonomia deste género. 52. «A FLORA DE PORTUGAL» A. X. PEREIRA COUTINHO. 1913 Extensamente anotada por Gonçalo Sampaio. 50 GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS 57 53. «LICHENUM LUSITANORUM HERBARII UNIVERSITATIS OLISIPONENSIS. CATALOGUS». 1916. «SUPPLEMENTUM PRIMUM». 1917 A. X. PEREIRA COUTINHO. ANOTADO POR G. SAMPAIO O herbário de líquenes portugueses da Universidade de Lisboa era, no início do século XX, constituído principalmente pelos exemplares colhidos por Welwitsch. Alguns exemplares tinham sido identificados pelo seu colector, outros por Nylander, e outros não se encontravam identificados. A. X. Pereira Coutinho procede então a colheitas de líquenes, principalmente nos arredores de Cascais. Recebe exemplares recolhidos por R. Palhinha, por funcionários do herbário da Universidade e outros oferecidos por Júlio Henriques. Reorganiza a colecção, revê identificações e publica este catálogo e seu suplemento. Apesar de A. X. Pereira Coutinho se ter notabilizado pela sua Flora de Portugal (de plantas vasculares), o presente catálogo e outros obras aqui apresentadas mostram o carácter multifacetado deste naturalista, como aliás também dos seus colegas Júlio Henriques e Gonçalo Sampaio. 59 54. FOTOGRAFIA ORIGINAL DE ROMUALDO FRAGOSO 27 DEZEMBRO 1922. COM DEDICATÓRIA A G. SAMPAIO Romualdo Fragoso, investigador em Madrid, foi uma figura cimeira da micologia do século XX e um dos estudiosos da flora micológica ibérica, de micromicetos. Romualdo Fragoso conheceu Sampaio no I Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, realizado no Porto em Junho-Julho de 1921. Logo estabelecem correspondência e troca de exemplares botânicos. Gonçalo Sampaio não era especialista de fungos (micromicetos), mas nas suas herborizações observava e recolhia muitas plantas parasitadas por fungos fitopatogénicos. De 1921 a 1924, Gonçalo Sampaio envia largas dezenas destas plantas parasitadas para Romualdo Fragoso, que as estuda e descobre dezenas de taxa novos para a ciência. As cartas que Fragoso envia para Gonçalo Sampaio revelam enorme gratidão do micologista espanhol para com o botânico português, e também imensa admiração. No verso da fotografia pode ler-se: «ao ilustre botânico e querido amigo, Prof. Dr. G. Sampaio, afectuosa recordação, Romualdo Gonzalez Fragoso, Museu Nacional de Ciencias Naturais, Madrid, 27-XII-922». 55. BILHETE POSTAL DE ROMUALDO FRAGOSO 5 DE OUTUBRO DE 1922 Romualdo Fragoso diz que, nos fungos que Gonçalo Sampaio lhe enviou, encontrou 4 ou 5 espécies novas e um género novo, Sampaioa Rom. Frag., cujo nome portanto Fragoso dedicou a Gonçalo Sampaio. Fragoso termina enviando cumprimentos de este «seu amigo e admirador». 56. BILHETE POSTAL DE GONÇALO SAMPAIO PARA ROMUALDO FRAGOSO 23 DE MARÇO DE 1925. NÃO EXPEDIDO Gonçalo Sampaio escreve sobre o seu trabalho sobre a flora liquénica portuguesa, elogia o trabalho de Fragoso sobre a flora micológica ibérica e refere que o «seu estado de espírito é de bastante abatimento. Deus me dê forças e coragem para não desistir completamente do trabalho mental». 57. CADERNO DE REGISTO DE GONÇALO SAMPAIO Nas primeiras folhas deste caderno, Gonçalo Sampaio registou o nome dos colegas com quem trocava correspondência. Primeiro os colegas portugueses, onde se podem ler os nomes de Joaquim de Mariz, Julio Henriques, Luiz Wittnich Carrisso, Pereira Coutinho, Ricardo Jorge, Ruy Telles Palhinha. Seguidamente, de Espanha, Alphonse Luisier, Carlos Pau, Luis Crespi, Romualdo Fragoso, de França, Bouly de Lesdain, Jules Daveau, da Suíça, R. Chodat, da Aústria, Karl Fritsch e A. Zahlbruckner, da Alemanha, W. O. Focke, A. Engler e R. Wagner, da Bélgica, De Wildeman, da Inglaterra, A. Lorraine Smith, da Suécia, A. Magnusson, entre muitos outros. Os correspondentes de Gonçalo Sampaio incluíam os mais eminentes botânicos do início do século XX. Grande parte do caderno contém registos dos líquenes recolhidos por Gonçalo Sampaio, que foi um estudioso meticuloso da flora liquénica portuguesa. 58. CADERNO DE REGISTO DE FUNGOS DE GONÇALO SAMPAIO Neste caderno Gonçalo Sampaio registava os exemplares que enviava para identificação por Romualdo Fragoso, em Madrid. Quando recebia a identificação do seu colega espanhol, lançava o nome da espécie no respectivo número de registo. 59. MANUSCRITO E PROVA TIPOGRÁFICA DO TRABALHO DE GONÇALO SAMPAIO SOBRE O GÉNERO DE LÍQUENES CARLOSIA Trabalho apresentado ao Congresso de Salamanca, realizado em Junho de 1923, e publicado na revista «A Águia» no mesmo ano. Gonçalo Sampaio foi um expoente da liquenologia sistemática do início do século XX. Descreveu dezenas de espécies novas para a ciência e um género novo, precisamente, este género Carlosia, em memória do nosso monarca, e insigne naturalista, D. Carlos I. 60. COMPILAÇÃO DOS TRABALHOS DE LIQUENOLOGIA SISTEMÁTICA PUBLICADOS POR GONÇALO SAMPAIO Gonçalo Sampaio foi um notável sistemata de plantas vasculares e de líquenes. Organizou uma exsiccata de líquenes portugueses. Esta compilação dos trabalhos de Gonçalo Sampaio na área da sistemática de líquenes foi organizada por Arnaldo Rozeira e publicada em 1970 nas edições do então Instituto de Botânica «Dr. Gonçalo Sampaio». O primeiro trabalho incluído nesta compilação data de 1916 e o último de 1927. Este último, em colaboração com Luis Crespi, estuda a flora liquenológica de Pontevedra (Galiza). É um dos raros trabalhos de autoria de Gonçalo Sampaio sobre a flora que não a de Portugal continental. Luiz Crespi, de Madrid, esteve largos meses (de 1924 a 1925) a estagiar com Gonçalo Sampaio em liquenologia sistemática. Os exemplares estudados neste trabalho foram recolhidos pelo investigador espanhol e terão sido estudados pelos dois taxonomistas durante o estágio de Crespi. 52 GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS 63 61. MANUSCRITO DA CONFERÊNCIA REALIZADA POR GONÇALO SAMPAIO CONGRESSO LUSO-ESPANHOL DO PORTO. 1921 Gonçalo Sampaio preocupou-se com a nomenclatura botânica, em particular com as regras que se devem observar ao atribuir nomes aos taxa vegetais. As propostas de Gonçalo Sampaio foram aprovadas na sessão de 1 de Julho deste Congresso Luso-Espanhol do Porto, realizado pelas duas Associações Peninsulares para o Progresso das Ciências. Trata-se de um texto notavelmente conciso e claro. 62. RETRATO DE GONÇALO SAMPAIO ANTÓNIO CARNEIRO. 1928 Gonçalo Sampaio tinha então 63 anos e estava no auge da sua carreira como investigador e professor. Iria aposentar-se sete anos mais tarde. 63. «RUBUS PORTUGUEZES» GONÇALO SAMPAIO. 1904 Obra fundamental de Gonçalo Sampaio, publicada ainda no início da sua carreira de investigador e professor, que o estabelece como um dos grandes sistematas botânicos do início do século XX. De 1902 a 1904, Gonçalo Sampaio publica, em revistas, vários trabalhos sobre os Rubus portugueses, onde são propostas diversas novas espécies para a ciência. Esta obra de 1904 agrega as publicações anteriores. Trata-se assim de uma revisão das espécies portuguesas do género Rubus, plantas vulgarmente designadas de «silvas». Fruto de oito anos de trabalho de investigação, Gonçalo Sampaio revela já nesta obra o trabalho meticuloso e objectivo que deve caracterizar o labor do sistemata e taxonomista. Utiliza no estudo deste género novos parâmetros, como a morfologia das varas estéreis, os turiões ou ladrões. Na correspondência que Gonçalo Sampaio manteve com os colegas portugueses, é frequente o pedido de exemplares e constante a discussão sobre a sistemática e nomenclatura deste difícil género de rosáceas. 66 64. BILHETE POSTAL DE W. O. FOCKE 30 DE MARÇO DE 1905 Focke residia em Bremen, na Alemanha e era, como Gonçalo Sampaio, um estudioso dos Rubus. Tinha proposto Rubus macrostemon Focke, como espécie nova para a ciência. Este bilhete postal, escrito em francês, mostra que Gonçalo Sampaio enviou a Focke uma colecção de duplicados dos seus exemplares de Rubus, «Je vous remercie sincèrement pour la collection intéressante». Focke escreve que ainda não tinha tido tempo de examinar bem os exemplares, mas que lhe parecia que a espécie Rubus coutinhi Samp., espécie nova que Gonçalo Sampaio tinha criado em homenagem ao seu colega de Lisboa, A. X. Pereira Coutinho, lhe parecia ser afinal a espécie já existente Rubus Lepinassei Clavand. O trabalho de Gonçalo Sampaio, «Rubus Portuguezes» é publicado em 1904, portanto antes do envio destes exemplares para Focke. Não sabemos se terá sido Focke a pedir os exemplares a Gonçalo Sampaio ou se terá sido este investigador portuense a enviar voluntariamente o material para o investigador germânico. 65. «LISTA DAS ESPÉCIES REPRESENTADAS NO HERBÁRIO PORTUGUÊS» GONÇALO SAMPAIO. 1914. ANOTADO PELO AUTOR 66. «EPITOME DA FLORA PORTUGUESA» MANUSCRITO DE GONÇALO SAMPAIO. 1919 Dedicado a Manuel Amândio Gonçalves, lente de Botânica na Academia Politécnica desde 1890, e que, por motivo de doença é substituído por Gonçalo Sampaio em 1910. Gonçalo Sampaio escreve na capa a dedicatória a «meu professor de botânica na antiga Academia Politécnica do Porto, meu protector e amigo». No prefácio, Gonçalo Sampaio escreve que este livro (que no prefácio chama «livrinho») se destinava «para servir nos trabalhos práticos de classificação (...) nos cursos de botânica». Como é sublinhado por Gonçalo Sampaio tratava-se de um manual escolar, e não de um trabalho avançado de sistemática, «reduzi, além disto, as chaves quasi que à maior simplicidade, indicando apenas os caracteres diferenciais mais salientes dos diversos grupos (…) e pondo frequentemente de lado os caracteres clássicos para os substituir por outros que permitam uma mais fácil análise e uma mais rápida determinação». No fim do prefácio, Gonçalo Sampaio explicita mesmo como devem decorrer os trabalhos práticos, «o professor (...) deve explicar (...) o modo simples de usar esta Flora, classificando (...) uma planta de que haja distribuido exemplares a todos os alunos. Cada um destes, munido de uma Flora, de uma boa lupa e de um escalpelo, vai acompanhando o professor na leitura das chaves e no exame dos caracteres da planta, até à sua determinação final», «devendo o professôr ter o cuidado de começar pelos vegetais de flores relativamente grandes, e de classificação pouco difícil (...) de todas as espécies determinadas deve o aluno secar e preparar um exemplar para o seu harbário (...)». Gonçalo Sampaio termina o prefácio com uma observação interessante, «Devo notar, finalmente, que este género de trabalhos é ao princípio detestado pela maioria dos nossos estudantes, mas também posso afirmar, com a experiência de bastantes anos, que passado algum tempo constitui um verdadeiro prazer para todos eles». 54 GONÇALO SAMPAIO E OS SEUS CONTEMPORÂNEOS 67 Apesar de ser uma Flora simplificada, é o tratamento mais completo de Gonçalo Sampaio sobre a flora portuguesa, só faltando abordar algumas dezenas de géneros de Asteraceae. As restantes obras de Gonçalo Sampaio sobre a flora vascular portuguesa não são tão abrangentes. Infelizmente este manuscrito não foi publicado. Este trabalho tem um particular significado para a compreensão da vida e obra de Gonçalo Sampaio, e está directamente relacionado com a sua actividade política. O prefácio termina com, «Porto, Aljube, 27-5-1919». De facto, em 1919, a seguir à efémera Monarquia do Norte, foi perseguido e preso, estando no Aljube durante alguns meses. Terá este «Epítome» sido escrito na prisão, ou só parte? Foi finalmente solto e restituído à sua actividade de docência e investigação. 67. «FLORA PORTUGUESA» MANUSCRITO DE GONÇALO SAMPAIO. 1937 Obra manuscrita derradeira de Gonçalo Sampaio. A data de Março de 1937, na capa, será a data em que Gonçalo Sampaio terá terminado a redacção do texto. Viria a falecer alguns meses depois, em 27 de Julho do mesmo ano. Trata-se de um conjunto de cadernos de folhas tipo almaço, escritas com caligrafia e tinta muito variável ao longo do trabalho. As folhas estão escritas de ambos os lados, mas a numeração de Gonçalo Sampaio termina na folha 42. Uns cadernos de folhas estão completos e seguidos, outros incompletos. A obra teria, portanto, sido escrita em várias ocasiões. A Flora não está completa, faltando o tratamento de um número apreciável de famílias: Orchidaceae a Celtidaceae, Phaseolaceae a Ericacea, e Lamiaceae a Asteraceae. Este manuscrito, e o manuscrito sem data também apresentado nesta exposição, formaram a base da edição de 1946 da «Flora Portuguesa». 68. MANUSCRITO DE GONÇALO SAMPAIO SEM DATA O manuscrito é constituído por 66 páginas numeradas, de caligrafia homogénea. Apresenta o tratamento taxonómico de 12 famílias. Começa na família Lamiaceae e termina na família Asteraceae, género Bellis (esta família ficou portanto incompleta). As famílias abordadas neste manuscrito não tinham sido tratadas no «Manual da Flora Portugueza», nem se encontram no manuscrito de 1937, tendo sido incorporadas na edição de 1946 da «Flora Portuguesa». 69. «FLORA PORTUGUESA» GONÇALO SAMPAIO. 2.ª EDIÇÃO. 1946 Esta «Flora Portuguesa» de Gonçalo Sampaio foi publicada postumamente sob a direcção de A. Pires de Lima, que subscreve o prefácio da obra. A edição foi custeada pelo Instituto de Alta Cultura. A obra apresenta diversas figuras muito úteis na identificação dos especímenes. É apresentada como sendo a segunda edição da obra. Na realidade, a primeira edição foi a do «Manual da Flora Portugueza» publicado em 1914. Uma análise do manuscrito de Gonçalo Sampaio de 1937 e do manuscrito sem data, apresentados nesta exposição, e do «Manual da Flora Portugueza» permite traçar o percurso seguido na elaboração desta edição póstuma da Flora de Gonçalo Sampaio. O material base foi o do manuscrito de 1937, a que se adicionaram as famílias Lamiaceae a Asteraceae (até ao género Bellis) do manuscrito sem data. As restantes famílias foram transcritas do «Manual da Flora Portugueza» com algumas adaptações. Esta 2.ª edição da Flora de Sampaio é, assim, uma síntese do Manual de 1914 e de diversos manuscritos posteriores não-publicados. Os géneros Calendula a Hieracium da família Asteraceae, que Gonçalo Sampaio não tratou em nenhuma obra, foram elaborados por Arnaldo Rozeira. A ordenação do índice dos nomes específicos e da sinonímia foi também inteiramente de A. Rozeira. Esta edição encontra-se infelizmente esgotada há longo tempo. 69 COORDENAÇÃO REITORIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO COLECÇÕES DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO TEXTOS SELECÇÃO E ORGANIZAÇÃO DAS PEÇAS JOÃO PAULO CABRAL PROFESSOR ASSOCIADO. DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA ELISA FOLHADELA ASSESSORA. DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA EDIÇÃO PAULO GUSMÃO ISBN 10: 972-8025-52-1 13: 978-972-8025-52-6 DESIGN RUI MENDONÇA FOTOGRAFIA JORGE COELHO RUI MENDONÇA DATA E LOCAL JUNHO > SETEMBRO DE 2006 JARDIM BOTÂNICO DA UNIVERSIDADE DO PORTO 56 APOIO CMP – PORTO CIDADE DE CIÊNCIA UMA INICIATIVA UNIVERSIDADE JÚNIOR