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)$'(63 Amazônia Antropogênica Marcos Pereira Magalhães Organizador GOVERNO DO BRASIL Presidente da República Dilma Vana Rousseff Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Celso Pansera MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI Diretor Nilson Gabas Júnior Coordenadora de Pesquisa e Pós-Graduação Ana Vilacy Galúcio Coordenadora de Comunicação e Extensão Maria Emília da Cruz Sales Coordenador de Ciências Humanas Glen Shepard NÚCLEO EDITORIAL DE LIVROS Editora Executiva Iraneide Silva Editoras Assistentes Angela Botelho Tereza Lobão Editora de Arte Andréa Pinheiro Instituição filiada Museu Paraense Emílio Goeldi Amazônia Antropogênica Marcos Pereira Magalhães Organizador Produção Editorial Iraneide Silva Angela Botelho Projeto Gráfico e editoração eletrônica Andréa Pinheiro Capa Marcos Magalhães Revisão Laïs Zumero Nomalização Bibliográfica Andrea Abraham de Assis Ficha Catalográfica Coordenação de Informação e Documentação (CID/MPEG) Foto da capa Carlos Augusto Palheta Barbosa (Castanheira, Bertholletia excelsa) Impressão Gráfica e Editora Santa Cruz Belém-Pará Amazônia antropogênica / Marcos Pereira Magalhães, organizador. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2016. 429 p.: il. ISBN 978-85-61377-82-3 1. Arqueologia - Brasil – Amazônia . 2. Amazônia Antropogênica. 3. Estudos botânicos (Carajás). 4. Cultura Tropical. 5. Cultura Neotropical. I. Magalhães, Marcos Pereira. CDD 981.1 © Copyright por/by Museu Paraense Emílio Goeldi, 2016. Quando muitos homens passam por um caminho, faz-se uma estrada. Lu Hsum Quando um homem abre um caminho, faz-se a trilha da estrada amanhã. Onna Agaia APRESENTAÇÃO Ao longo dos últimos vinte anos, a arqueologia da Amazônia passou por uma revolução conceitual e metodológica que mudou tanto a visão cientifica quanto a imaginação popular sobre esta região diversa, complexa e vasta. Hoje sabemos que a Amazônia não foi um “falso paraíso” que limitava o desenvolvimento das sociedades pré-históricas. Entre o “Stonehenge” da Amazônia no Amapá, a “terra preta do índio” da Amazônia oriental, as estradas, represas e outras obras de terra no Alto Xingu, vastos conjuntos de agricultura elevada na costa das Guianas e os misteriosos “geoglifos” do Acre, cada investida de pesquisa sobre o passado das terras baixas das Américas revela novos e inéditos detalhes sobre as artes, as formas de organização social e os legados na paisagem dos povos pré-coloniais. No entanto, no momento atual existe um grande e caloroso debate cientifico sobre o grau dos impactos destes povos sobre a biodiversidade e as paisagens da Amazônia. Alguns biólogos e conservacionistas tradicionais veem a Amazônia como uma formação ecológica que existe há milhões de anos, com uma presença humana pré-histórica relativamente recente e pequena e, portanto, com mínimo grau de impacto sobre processos ecológicos de grande escala, até a chegada da modernidade. Por outro lado, a visão de “ecologia histórica” enxerga a Amazônia como uma vasta paisagem antrópica, onde grupos indígenas desde os caçadores-coletores arcaicos até os grandes cacicados da época de colonização exerceriam um efeito estruturante na biodiversidade e na formação e domesticação de paisagens. Uma visão mais informada pela arqueologia da região reconhece uma grande diversidade de formações sociais na Amazônia antiga, com graus diferentes de impacto sobre a biodiversidade e a paisagem em diferentes regiões e momentos no tempo. Portanto é com grande satisfação e orgulho que apresento esta obra, que trás dados empíricos e conceitos teóricos sobre os processos de domesticação da paisagem na região da Serra de Carajás, no sudeste do Pará, onde o organizador do livro, Marcos Pereira Magalhães, vem coordenando equipes de pesquisa há mais de vinte anos. O conjunto de pesquisa empírica e elaboração teórica aqui apresentado afirma a posição de vanguarda que ocupa o Museu Paraense Emílio Goeldi no campo da arqueologia atual. Apesar de abordar um esforço de pesquisa ainda em fase de desenvolvimento em campo, os autores apresentam, ao lado de conclusões analisadas e divulgadas no meio cientifico, um corpo de hipóteses e conceitos que esta sendo aplicado para testar, confirmar e aperfeiçoar as demais análises em andamento. O livro transcende as disciplinas tradicionais, tratando da influência humana sobre a seleção e distribuição de espécies vegetais usadas e manejadas por populações nativas desde milhares de anos atrás. Contando com dados arqueológicos, pedológicos e botânicos da região de Carajás, os autores mostram que a antropização da Amazônia teria começado há muitos milênios atrás, por populações que não praticavam sequer uma economia agrícola intensiva. A ideia mestra do livro é que elementos importantes da flora amazônica foram distribuídos e manejados por populações humanas pré- coloniais (aliás, termo que o organizador contesta). Essa ação tornou-se fundamental para a fixação humana na região, levando a construção de florestas antropogênicas. Ao apontar um início — ou seja, uma antropogênese — este argumento passa a ser a principal contribuição do livro. Nesta visão, a história humana da Amazônia assume um outro aspecto, que vai além de sua antiguidade, originalidade, ou grau de complexidade social. Ao entender paisagem, história e sociedade como um conjunto integrado, entendemos a dimensão da tragédia ecológica atual — uma riqueza genética e socioambiental fabulosa que está sendo destruída, desmembrada ou simplesmente esquecida — mas também enxergamos possibilidades para sua preservação e uso racional: tanto a antropogênese como o antropoceno, afinal, dependem de nós. Glenn H. Shepard Jr. Antropólogo Coordenador de Ciências Humanas do MPEG SUMÁRIO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO 1. ARQUEOLOGIA ........................................................................................................... 21 A Ciência da Arqueologia ........................................................................................ 23 Marcos Pereira Magalhães 2. SIMULTANEIDADE GENERALIZADA DOS ACONTECIMENTOS ................................ 45 A rede de conexão Temporal da natureza .............................................................. 47 Marcos Pereira Magalhães 3. A ARQUEOLOGIA DA AMAZÔNIA ............................................................................. 93 A Arqueologia da Amazônia pela perspectiva inter-relativa .................................. 95 Marcos Pereira Magalhães 4. POLIFONIA METODOLÓGICA .................................................................................. 119 A Formação de Terra Preta: Análise de Sedimentos e Solos no Contexto Arqueológico ................................ 121 Morgan J. Schmidt Aspectos teóricos e metodológicos no uso de modelos arqueológicos preditivos: uma abordagem na Amazônia brasileira............................................ 177 João Aires da Fonseca Estudos botânicos realizados em Carajás e as perspectivas para uma abordagem Etnobiológica e Paleoetnobotânica .................................. 199 Ronize da Silva Santos, Pedro Glécio Costa Lima, Márlia Coelho-Ferreira, Ana Luisa Kerti Mangabeira Albernaz, Ana Lícia Patriota Feliciano, Rita Scheel-Ybert Sítios Arqueológicos em cavidades na Amazônia: escolhas e usos ................... 215 Carlos Augusto Palheta Barbosa 5. A CULTURA TROPICAL ........................................................................................... 239 A Cultura Tropical e a gênese da Amazônia antropogênica ................................ 241 Marcos Pereira Magalhães Carajás .................................................................................................................... 259 Marcos Pereira Magalhães, Carlos Augusto Palheta Barbosa, João Aires da Fonseca, Morgan J. Schmidt, Renata Rodrigues Maia, Kelton Mendes, Amauri Matos, Gabriela Maurity 6. A CULTURA NEOTROPICAL .................................................................................... 309 A Cultura Neotropical e a Amazônia Antropogênica ........................................... 311 Marcos Pereira Magalhães, Vera Guapindaia, Gizelle Chumbre, Ronize da Silva Santos, Pedro Glécio Costa Lima, Jéssica de Paiva Estado e poder na Amazônia Antropogênica ...................................................... 339 Marcos Pereira Magalhães 7. ELOQUÊNCIA DAS INEVITÁVEIS CONSEQUÊNCIAS ............................................ 381 Argumentos Finais ................................................................................................. 383 Marcos Pereira Magalhães REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 395 LISTA DE AUTORES ................................................................................................ 428 INTRODUÇÃO Desde o final do século passado que estudos da etnobotânia e da ecologia histórica têm alcançado resultados importantes sobre como as antigas culturas amazônicas influenciaram a formação e distribuição de recursos vegetais ainda hoje disponíveis e úteis para as populações contemporâneas (BALÉE, 1987, 1989, 1994; POSEY, 2002). Esses mesmos estudos consagraram o termo antropogênico para as florestas que apresentam níveis consideráveis de antropização (HECKENBERGER et al., 2003; JUNQUEIRA et al., 2011; Levis et al., 2012; BALÉE et al., 2014, CLEMENT et al., 2015). Muito longe de negar a importância desses trabalhos, nosso objetivo neste livro será mostrar o quanto a influência sobre os recursos naturais é antiga e complexa. Ou seja, considerar a floresta amazônica ou parte dela, como sendo de origem antropogênica, nos faz pensar que em algum tempo muito recuado e segundo modos práticos diversos, ela teve uma antropogênese para que hoje muitas de suas espécies sejam consideradas resultado da seleção cultural, mesmo em matas primárias autônomas. Em resumo, a ideia de que só florestas naturais primárias se desenvolvem em ambientes sem influência humana, não se sustenta pois haveria florestas de origem cultural que também se desenvolvem como florestas primárias. Por serem antropogenicamente consolidadas, as ações antrópicas teriam surgido em períodos históricos muito recuados e hoje essas florestas se sustentariam e multiplicar-se-iam naturalmente, sem a necessidade da intervenção consciente ou inconsciente do ser humano. Contudo, quando falam de ação antrópica, não se está afirmando que esta ação seja exercida através de atos planejados ou conscientes. Atos como simplesmente jogar ou largar sementes aleatoriamente no espaço de ocupação, seja ele um acampamento, uma moradia sazonal ou permanente, ou a trilha de um acesso de circulação, também são ações antrópicas. Mas essas ações são muito semelhantes ao que aves e roedores fazem, são inconscientes. As ações inconscientes, por outro lado, não são necessariamente cegas ou casuais, elas podem estar sendo movidas pela intuição ou pelo instinto. Contudo, no Homem, quando a ação intuitiva (e/ou seus efeitos) é compreendida pela razão, ela se torna consciente e um saber que pode ser transmitido e multiplicado culturalmente. Então aquela ação antrópica, que era aparentemente aleatória, torna-se uma ação antropogênica (gênico = que causa), conscientemente planejada ou executada. Neste livro vamos mostrar que as atividades humanas sobre o meio são sistêmicas e muito mais antigas do que se imaginava. Também vamos considerar que muitos dos atos inconscientes, especialmente aqueles relacionados aos instintos, mas também aqueles relacionados à intuição foram herdados. E essa herança pode ser, inclusive, pré-sapiens. Deste modo, muito provavelmente, o Homo sapiens não deve ter levado muito tempo para perceber o conhecimento embutido em seus atos intuitivos. Pode ter levado muito tempo para entender esse conhecimento, mas não para ter consciência dele. Assim, se considerarmos a antiguidade de seus atos, mais a capacidade que o Homo sapiens sapiens sempre teve de querer entendê-los, muito provavelmente, quando uma população se consolidava territorialmente em um determinado espaço de uma região, suas ações eram Amazônia Antropogênica movidas por atos conscientes. Com isto, suas ações não seriam meramente antrópicas, mas desde muito cedo, antropogênicas. As afirmações acima envolvem complexas questões, cujas perspectivas podem interferir no entendimento sobre a ocupação humana pretérita na Amazônia, especialmente quando buscamos compreendê-la através da pesquisa arqueológica, mais especificamente, da arqueologia da paisagem segundo uma perspectiva sistêmica. Portanto este livro vai mostrar como a arqueologia pode compreender a inter-relação entre o Homem e a natureza amazônica. Por tratar-se de um livro sobre a arqueologia da Amazônia e sobre a dispersão e distribuição de espécies pela ação humana, possivelmente despertará a fascinação de muitos e a desconfiança de outros tantos. De fato, o tema é complexo e traiçoeiro. Complexo, porque envolve diferentes períodos históricos, muitas vezes justapostos, mas sem estruturas monumentais ou legados documentais que relatem a ascensão e queda das sociedades pioneiras que floresceram nela. Na verdade, a maior contribuição da Amazônia para o conhecimento arqueológico não está na admirável cultura material deixada por suas sociedades nativas ou na antiguidade de suas evidências, mas justamente na sua “cultura imaterial”. E, traiçoeira, porque o que se sabe sobre a dispersão antropogênica de espécies está em plena construção e muitas coisas ainda estão para ser descobertas, o que torna instável qualquer teoria ou narrativa sobre o tema. Por isto falar sobre a arqueologia da Amazônia e a seleção cultural de espécies é um risco, porém um risco necessário. Enfim, trataremos de um assunto talvez ainda considerado polêmico, todavia imprescindível para a compreensão profunda da história humana na Amazônia e das consequências disto sobre a interpretação possível da natureza. Isto é, trataremos da inteiração* da cultura com a natureza e a formação histórica de alguns dos ecossistemas amazônicos, até então tidos como naturais. Daí a perspectiva sistêmica. Todavia a ideia de uma Amazônia antropogênica, isto é, de uma Amazônia com matas conscientemente cultivadas há algum tempo vem sendo, direta ou indiretamente, cada vez mais partilhada por pesquisadores de diferentes áreas, especialmente daqueles de reconhecida competência, tais como Anna Roosevelt (1996), Eduardo Neves (2006), Denise Schaan (2007), Michael Heckenberger (2008), Charles Clement (2015) e outros. Nossa missão neste livro será apresentar as consequências teóricas e metodológicas de uma arqueologia que compreende os nichos humanos como artefatos sociais (ecofatos) e a Amazônia como palco e resultado de experiências históricas e culturais milenares. Mas como esta missão será realizada segundo a perspectiva sistêmica da arqueologia da paisagem, haverá consequências teóricas e metodológicas no modo como podemos compreender a história das relações humanas na Amazônia e os efeitos disto sobre sua natureza. Fundamentalmente, porque a história conceitual e teórica da arqueologia da Amazônia foi construída nas ultimas décadas sob a chancela da cultura material, em particular, da cerâmica indígena. Mas, como diria Mrozowski (2006), o estudo da cultural material na Amazônia foi realizado sem qualquer relação com as “dimensões * 12 Nesta publicação optou-se pela utilização do termo “inteiração” no sentido de “tornar-se inteiro”. Este livro tem várias finalidades, todas relacionadas ao modo como podemos compreender a paisagem e os cenários socialmente montados para as mais diversas atividades. Portanto, em primeiro lugar, é preciso esclarecer com qual conceito de paisagem trabalharemos. Existem muitos conceitos para paisagem. Na verdade, os pesquisadores continuam empregando múltiplas referências sobre paisagem, enfatizando diferentes aspectos naturais (por exemplo, ecológicos, geomorfológicos, hidrológicos) e culturais (por exemplo, tecnológica, organizacional e cosmológicas) do ambiente humano. Amazônia Antropogênica biológicas” das culturas que as produziram. E aqui, além de considerarmos as dimensões biológicas das culturas amazônicas, procuraremos compreendê-las segundo suas dimensões espaciais e temporais. A abundância de terminologias e abordagens sobre o uso dos conceitos de paisagem em arqueologia não é simplesmente o resultado do emprego inadequado de conceitos tomados de outras disciplinas (ANSCHUETZ et al., 2001); mas, fundamentalmente, o resultado da interpretação das relações entre as pessoas e os espaços segundo a dicotomia cultura/natureza. Dicotomia esta que, além de definir natureza e cultura como dois conceitos lógicos contrários, ainda esgota a extensão de ambos. Da nossa parte, estamos fechando com um conceito de paisagem que elimina essa dicotomia, mas que reconhece as paisagens como manifestações culturais (DEETZ, 1990; INGOLD, 1993, P 152; TUAN, 1977; THOMPSON, 1995; só para mostrar como esta discusão vem de longo tempo). Paisagens são espaços físicos transformados em lugares especiais, pelas atividades diárias, crenças e valores (TAÇON, 1999). As paisagens são o palco de todas as atividades de uma comunidade, são construções humanas feitas para sua sobrevivência e sustento. Elas apresentam um padrão contextual dinâmico e interconectado, que se reconfigura conforme os mapas cognitivos das gerações que se sucedem. Enfim, elas incorporam princípios organizadores fundamentais para os meios e modos das atividades das pessoas e das estruturas sociais, os quais comunicam as informações culturais como um tipo de texto histórico (HUGILL; FOOT, 1995; ANSCHUETZ et al., 2001). Por isto, para entender a paisagem em toda a sua potencialidade, fomos até a origem do termo. A palavra paisagem encontra-se relacionada com o período medieval, quando definia uma área de uso comum e cotidiano em certa comunidade agrária. O termo derivou do francês paysage; cuja origem está na palavra “pays”, que pode ser definida, em resumo, como regiões de ocupação humana que apresentam relativa homogeneidade física e registram a história. Um pouco mais tarde esta palavra ficou intimamente ligada a um gênero específico de pintura pós-iluminista do século XVII. Com vários sentidos, desde qualquer quadro representando uma região, ou uma reprodução pictórica de uma vista, normalmente como fundo de uma tela. Na Inglaterra, William Kent (1685-1748) foi um dos inventores do “jardim paisagístico” inglês. As ideias dele e dos colegas sobre que aspecto a natureza deveria ter e quais os padrões de beleza paisagística deveriam seguir, foram derivadas da pintura de Claude Lorrain (1600-1682), estudioso da paisagem campesina italiana (GOMBRICH, 2009). Mas foi ainda no século XVII, com o dicionário de Furetière, que a palavra paisagem ficou descrita como o aspecto de uma região, o território que se estende até onde a vista pode 13 Amazônia Antropogênica alcançar. Apesar de a palavra paysage ter sentido equivalente ao termo landshaft, de origem alemã (e de onde deriva a palavra inglesa landscape), o sentido de cada uma delas é ontologicamente distinto: enquanto o conceito no francês se associa ao olhar que se coloca sobre uma região, o conceito alemão abrange dimensões de toda uma região com suas complexidades morfológicas, e não se limitando, portanto, ao sentido estrito daquilo que o olhar alcança. Será a fusão dessas duas definições que vai se aproximar do que hoje temos no senso comum. Inclusive a associação aos pays vai marcar o desenvolvimento da paisagem como conceito científico, traçando uma grande proximidade com o conceito de região, de suma importância para a geografia. Contudo, na geografia, paisagem também é tudo aquilo que podemos perceber por meio de nossos sentidos (audição, visão, olfato e tato), com destaque para a visualização da paisagem. Por ser tudo aquilo que está ao alcance de nossa percepção, a paisagem sempre será uma herança, ou seja, ela também vai fazer parte da memória, sendo uma espécie de memória do passado. Assim, as paisagens ganham sentidos e aparências na relação com as pessoas que as habitam e as pessoas desenvolvem habilidades, conhecimentos e identidades na relação com as paisagens onde se encontram (FAGUNDES, 2014). Consequentemente, a paisagem não pode ser considerada uma constante meramente física. Esta varia subjetivamente em relação constante com os seus habitantes, os seus movimentos, as suas necessidades e os seus sentidos. A paisagem encontra-se assim sob constante mutação em todas as suas superfícies nos fluxos temporais: o sol, a chuva, vento, etc. e culturais: relações sociais, cerimoniais, estruturais, etc. O solo não é a superfície da materialidade, mas um composto de diversas texturas materiais que crescem, são depositadas e tecidas juntamente como um jogo dinâmico através da interface permeável entre o meio e as substâncias com que este entra em contato. A cor das matas, das águas, o vento, a presença de vales, montanhas, as grutas, as casas, as roças, os muros, os acampamentos, e os valores atribuídos a cada um deles, tudo isso muda a percepção da paisagem (MARQUES DA SILVA, 2014). Segundo as perspectivas acima, a paisagem “arqueológica” não é a mera caracterização geoambiental da área da pesquisa porque possui, na sua essência, muito mais subjetividade do que se possa supor. Como já observou Fagunes (2014), as análises ambientais (e paleoambientais) são fundamentais para o entendimento das relações inter-sítios de uma área, mas a caracterização geoambiental (em seus aspectos evolutivos, fisiográficos, geomorfológicos, biogeográficos, hidrográficos ou climatológicos) não é suficiente para os estudos arqueológicos. A paisagem nos sítios arqueológicos (e seus conteúdos) deve ser compreendida como inserida no ambiente, mas segundo seu dinamismo humano e histórico. Já cenário (a cena) não deve ser interpretado como um mero sinônimo de paisagem. Ele tem a sua particularidade, que é muito mais dinâmica do que a da paisagem. O conceito original de cenário é proveniente do teatro e derivado das palavras latinas coena (ceia) e ário (ofício). Ou seja, todo cenário apresenta uma dinâmica prática que não pode ser comparada à dinâmica subjetiva da paisagem. Por esta perspectiva, ao serem cotidianamente montados, os cenários sociais comutam com os ambientes, transformando-os em locais familiares. Esses locais, subespaços, lugares ou áreas focais 14 Amazônia Antropogênica diversas – conforme os indivíduos apreendem sensivelmente as condições de conservação de sua correspondência com o meio (MATURANA, 2001) – são os componentes do território cuja paisagem vai sendo lenta, porém, constante e simbolicamente autenticada. A autenticação não se fundamenta apenas no conceito atribuído ao cenário montado, mas principalmente na estrutura ou ações concretas que o ergueram e fizeram uso prático dele: a casa, sua construção e sua dinâmica de uso; a roça, sua abertura, cultivo e colheita; o acampamento de caça, seus acessos e esperas, etc. Contudo, tais conceitos serão interpretados sistemicamente segundo a inter-relatividade dos eventos nos acontecimentos arqueológicos, porém, sem a marcação de uma fronteira entre natureza e cultura, entre paisagem natural e humanizada. Isto porque, para nós, paisagem, em qualquer circunstância, será um artefato social, mas um artefato social esculpido juntamente com a natureza. Assim, a conceituação de acontecimento, a diferenciação entre o tempo físico e a duração histórica, a inteiração cultura/natureza, mais o estudo das paisagens arqueológicas através de diferentes disciplinas, além do próprio conceito de inter-relatividade, serão os meios que vão particularizar este texto. Mas tudo que será dito aqui tem por alicerce pesquisas básicas, e não a mera revisão bibliográfica. Tudo está alicerçado na investigação e compreensão de dados arqueológicos somados a dados derivados de estudos complementares e interdisciplinares, especialmente da etnobotânica, da modelagem espacial e da pedologia (Figura 1). No mais, estes estudos estão vinculados a um mesmo projeto de pesquisa base, que tem resultado em diferentes projetos de pós-graduação. Preventivamente, convém observar um fato que talvez confunda a leitura deste livro: aqui pode ser que haja aquilo que Kuhn (2006) chamava de incomensurabilidade entre léxicos. Para Kuhn, dada uma “taxinomia” lexical, há toda uma gama de diferentes enunciados que podem ser feitos, bem como um leque de teorias que podem ser desenvolvidas. Dada, porém, outra taxinomia, outros enunciados e teorias completamente distintos também podem ser elaborados, mas que não poderiam ser feitos na anterior e vice-versa. Ele observa, além disto, que enunciados e teorias serão mais verdadeiros ou falsos, apenas, no léxico com o qual foram desenvolvidas. Assim, entre diferentes taxinomias lexicais ocorreria uma incomensurabilidade e a comunicação entre ambas seria incompatível. Isto quer dizer que há episódios no desenvolvimento científico que envolvem uma mudança fundamental em algumas categorias taxinômicas e que, portanto, observadores à margem dessas mudanças confrontam com problemas semelhantes aos que os etnólogos enfrentam ao tentar entender outra cultura. Ou, conforme disse Feyerabend (1974) e concordou Criado Boado (1999) com relação às teorias arqueológicas: existe apenas uma tarefa que podemos perguntar legitimamente a uma teoria e esta se refere à correta descrição do mundo; ou seja, à totalidade dos acontecimentos, mas vistos apenas através dos seus próprios conceitos. Ou ainda, conforme alguns físicos realistas observam: a nossa realidade depende do modelo empregado, e um modelo bem construído cria a sua própria realidade. Considerando as perspicazes observações de Feyerabend, Kuhn, Criado e dos físicos realistas, eventuais dificuldades que arqueólogos e leigos possam vir a ter com a leitura deste livro podem estar relacionadas ao fato dos 15 Amazônia Antropogênica conceitos e enunciados apresentados não serem comuns à taxinomia empregada nas teorias mais conhecidas e recorrentes na arqueologia brasileira. Deve ficar claro, por outro lado, que este livro não tem a pretensão de reparar ou consertar conceitos ou teorias consagradas. Mesmo que se encontrem sob a pressão da realidade, elas tratam de verdadeiros “concertos” clássicos do pensamento arqueológico, os quais explicam o mundo de que tratam exemplarmente. Esses concertos teóricos não foram obra de uma só mente, mas resultado de décadas de empenho de diversas mentes brilhantes. Sendo assim, esses “concertos” não têm conserto. Por outro lado, até a década de 1960, acreditava-se que a arqueologia era uma disciplina fundamentalmente prática. Por conseguinte, o arqueólogo seria um profissional que deveria ter domínio das técnicas de escavação e das técnicas de análise para conhecer os objetos de investigação. A teoria era domínio de outras disciplinas, “mais preparadas”, onde a arqueologia ia buscar conceitos e parâmetros epistemológicos. Entretanto, desde Clarke (1968), Binford (1968) e posteriormente, Bapty e Yates (1990), Tilley (1990), Hodder (1991) e muitos outros, foram escritos texto arqueológicos que bebem na fonte da teoria científica. No Brasil, tradicionalmente, o caráter técnico da arqueologia é supervalorizado e qualquer profissional que tenha domínio das técnicas de análise e de equipamento de campo ou laboratório, é mais considerado do que aquele que transita pela teoria científica. Deveria ser equilibrado, mas não é. Para complicar existe uma “barreira linguística” no Brasil: assim como para Caetano Veloso só se deve filosofar em alemão, para muitos pesquisadores brasileiros só se deve teorizar em inglês. Felizmente, desde o fim do século passado, têm surgido diferentes grupos de arqueólogos brasileiros que buscam e propõem novas alternativas teóricas. Esses arqueólogos se espalham por vários recantos do Brasil, e talvez não estejam tão comprometidos com as antigas concepções da arqueologia e nem com seus principais preceitos acadêmicos, que no Brasil foram plantados sobre bases estritamente técnicas e de matriz conceitual estrangeira dominadora. Foram esses grupos que acabaram difundindo a curiosidade por novidades, especialmente aquelas provenientes de teorias que não abandonam a evolução histórica, mas tentam romper com o antigo historicismo linear universal e com o relativismo fragmentário sem sujeito e sem história das ciências sociais radicalmente modernas. Alguns nichos acadêmicos, inclusive, vêm exercendo papel importante através da discussão das teorias arqueológicas que rompem com as amarras positivistas do pensamento arqueológico brasileiro. Com isso, finalmente filósofos e pensadores como Foucault, Bourdieu, Derrida, Merleau-Ponti, Heidegger, Husserl, Deleuze e outros passam a ser citados e disseminados entre os arqueólogos, mas sem a necessidade de qualquer compromisso ideológico com eles. Entretanto o mais importante, nessa efervescência intelectual, é a clara disposição para a abertura às teorias de outras disciplinas, sejam elas humanas, naturais ou exatas, ainda que entre a maioria pese a falta do pleno domínio de seus preceitos. De todo modo, a atual situação é um estímulo para nos igualarmos à produção teórica latino-americana, bem mais original e consistente do que a nossa. Esta obra é, em certos termos, a combinação do avanço no interesse sobre o pensamento arqueológico com a vulgarização do conhecimento sobre os sistemas complexos, sobre 16 Amazônia Antropogênica o tempo físico, o histórico, o etno-botânico, o estudo dos solos e o cartográfico, mais os avanços nas teorias científicas, especialmente naqueles observados na matemática e na cosmologia, que estão na base para se entender o que são, afinal o tempo e o acontecimento arqueológico. E sob o impacto da luz das mudanças ocorridas nas teorias científicas foi feita uma revisão e complementação conceitual de conteúdo, tanto em termos de enunciados quanto de estrutura, da arqueologia da Carajás. Mas não se trata aqui de uma apresentação de resultados finais. Muito pelo contrário: os resultados estão em construção. Para mostrar até onde a Amazônia foi antropizada através de processos históricos desenvolvidos e vividos por culturas que lá surgiram e floresceram, elaboramos o PACA (Projeto Arqueológico Carajás). No PACA, a base teórica de sustentação apresenta hipóteses que vêm sendo testadas em diferentes projetos e áreas geográficas. Foi sobre os muitos resultados positivos alcançados nesses projetos que o PACA alicerça sua metodologia. A arqueologia de Carajás vem sendo estudada continuamente desde os anos de 1980. No entanto as abordagens, os métodos e interpretações derivados desses estudos apresentam linguagens diferentes, muitas vezes incompatíveis entre si. Além disto, ou por causa disto mesmo, sua importância no contexto arqueológico amazônico continua marginal. Este livro ainda apresentará resultados parciais e, por vezes, abordagens de pesquisas que ainda serão aplicadas ou ampliadas, porém dentro de um corpo teórico e conceitual que pretende enquadrar todos os resultados alcançados e por alcançar, em uma mesma estrutura de pensamento. Pelo menos do grupo de pesquisadores que participa deste livro e dos projetos que resultaram neste primeiro texto. Enfim, este livro não trata da apresentação de conclusões finais ou de provas definitivas. Porém, dos meios metodológicos e disciplinares usados para lapidar a teoria proposta. Aqui serão apresentados resultados parciais, mas de pesquisas que envolvem estudos arqueológicos, do solo, botânicos e geográficos, implicando diferentes especialidades, como a antracologia, a paleobotânica, o Sistema de Informação Geográfica (SIG), a pedologia, etc.. Além disto, essas pesquisas têm sinestesia com as demais realizadas na região e relação objetiva com as pesquisas anteriores realizadas pelo Museu Goeldi. De modo que a teoria geral que justifica as hipóteses que serão defendidas foi montada sobre resultados obtidos em pesquisas anteriores, cujos resultados já foram divulgados e discutidos. Portanto trabalhamos com muito mais resultados concretos do que aqueles que, com muito menos, têm proposto sínteses sobre a arqueologia da Amazônia continental, como se ela fosse um homogêneo espaço-temporal, que se encaixaria em uma suposta hierarquia universal. Neste livro serão discutidos a situação e a ação das populações antigas e seus processos históricos junto à evolução da natureza tropical amazônica que empreenderam a compreensão e a interpretação que fizeram de si mesmos no mundo. Embora as ideias a serem expostas sejam de origem indutiva, ou seja, de pesquisas feitas no campo e não sobre meras coleções ou teorias preliminares, talvez elas tenham (conforme Eduardo Neves já reclamou sobre os excessos teóricos da academia) certa intoxicação teórica. Mas no presente caso será necessário por conta dos rumos pretendidos. 17 Amazônia Antropogênica Inicialmente, foi dada atenção aos preceitos atuais da teoria científica. Com eles a arqueologia será apresentada buscando uma identidade própria no conhecimento desta segunda década do século XXI. De todo modo, desde o início da última década do século XX, não só a arqueologia como a própria sociedade mudou e essas mudanças se refletiram sobre o modo como o conhecimento é gerado e transmitido. Aqui, o objeto, o pano de fundo que justifica e alimenta os argumentos, é a arqueologia da Amazônia. Mas a arqueologia da Amazônia sob a perspectiva da natureza sintagmática e interativa de hoje que, promovendo uma profunda mudança no mundo, passou a representar a realidade de “visual” para “virtual”. Para a ciência acompanhar essas mudanças, as disciplinas transformam-se em transdisciplinas. E embora os argumentos a serem apresentados sejam voltados para a arqueologia amazônica, o alvo são os acontecimentos arqueológicos em si, sob o jugo de diferentes perspectivas disciplinares. O primeiro ponto é afirmar que, dentre todas as possíveis arqueologias, os acontecimentos históricos serão diferenciados do tempo físico através de uma arqueologia inter-relativista. Ela tem aportes nas Ciências Humanas, principalmente naquelas cujas particularidades são alcançadas nos profundos meios da atividade humana. O objetivo foi observar a arqueologia sob a perspectiva ontológica de seus fundamentos científicos e filosóficos e, então, verificar a sua capacidade para transformar a realidade. Em seguida, vamos tentar, mais uma vez1, compreender a perspectiva do tempo na arqueologia, especialmente no que diz respeito à duração dos acontecimentos. Isto é necessário, porque, apesar de o tema ser recorrente, ainda pairam costumes relacionados à interpretação do senso comum, que acabam confundindo o entendimento científico do tempo na arqueologia. Assim, vamos recapitular, segundo nossa orientação filosófica, que para a arqueologia o presente só pode ser definido por um conjunto de eventos e o passado não pode ter sua história definida por si só, porque depende da duração do conjunto de eventos que se definem no presente do arqueólogo. Isto quer dizer que todo acontecimento passado é uma duração composta por um conjunto de eventos, que só adquirem sentido quando são observados pelo arqueólogo através da perspectiva de acontecimentos presentes. Deste modo, passado e futuro são afetados pelos eventos que motivaram a observação. Isto é, não importa quão cuidadosa seja a nossa observação, o passado, assim como o futuro são indefinidos e existem somente como um espectro de possibilidades presentes. Como consequência, uma narrativa arqueológica só é boa quando o arqueólogo tem noção da sua e da posição do seu objeto de estudo na história. Além disto, quando reconhece que não é só ele que se encontra na duração, mas o objeto também, então se dá conta de que esse objeto é apenas um elemento de uma dinâmica espacial e temporal muito mais ampla. Com essa noção espera-se que o arqueólogo seja capaz de alterar o mundo naquilo que for necessário. Pois esta é a função da ciência! Mas não se espera que essas alterações sejam definitivas, até porque todos os modelos e teorias científicas são limitados e aproximados. 1 18 Assunto já tratado no “O Tempo Arqueológico” (MAGALHÃES, 1993) e no “A Physis da Origem” (MAGALHÃES, 2005). Amazônia Antropogênica Pode-se entender, entrelinhas, que os conceitos que vão explicar os eventos ocorridos na história das remotas sociedades amazônicas apresentam particularidades até aqui ignoradas, mas que precisam ser explicitadas. Elas deverão tornar evidente que a história dessas sociedades apresenta sentidos e direções que lhe são próprios e singulares. Consequentemente, que os cursos históricos possíveis a esses acontecimentos apresentam continuidades particulares, sem qualquer relação de contiguidade com a história do Ocidente, do Oriente ou da África, pelo menos até a conquista e o início da colonização europeia na América do Sul. E, por outro lado, que eles apresentam uma cronologia de eventos históricos de bases subjacentes e adjacentes. Isto é, locais, consecutivas e organizações particulares conforme ocorreram no tempo e no espaço próprio de sua existência. Assim foi a emergência local e o desenvolvimento regional dos eventos que definiram a evolução dos acontecimentos históricos na Amazônia. Mas aqui, a emergência deve ser entendida como as novas relações que surgem quando um nível superior de complexidade é atingido ao se reunir elementos materiais e imateriais dispersos nos processos históricos anteriores, mais simples. Como já foi observado, a metodologia geral empregada será apresentada através de uma abordagem focada em múltiplas disciplinas. Com ela será formatada uma teoria com conceitos e técnicas específicas. Entretanto deve-se entender método como um meio de se construir um modelo interpretativo que permita a elaboração de procedimentos específicos para se atingir os fins propostos. Em uma teoria, o método pode ser implícito ou explícito, mas não necessariamente deve apresentar um corpo metodológico que na verdade são os procedimentos práticos e técnicos que confirmam a teoria. Muito pelo contrário, a preocupação aqui será apresentar uma teoria arqueológica inter-relacional, conectiva e sistêmica, porém sem preocupações metodológicas unificadoras. Essa teoria tem por hipótese a ideia de que existem ligações que estabelecem conexões evolucionárias entre cultura e natureza e que nas sociedades humanas os processos históricos são coletivos e regionais, mas não se circunscrevem em um centro ou em uma periferia excludentes. Foram reunidas evidências de dois programas de pesquisas, ambos sintetizados no Projeto Arqueológico Carajás. O Projeto Arqueológico Carajás (PACA), por nós desenvolvido em Carajás, é a unificação de dois programas de pesquisa derivados de dois acordos técnicos científicos, ambos celebrados entre o Museu Paraense Emílio Goeldi, a Vale S.A. e a FADESP (Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa). Eles foram respectivamente denominados “Programa de Estudos Arqueológicos na Área Ferro Carajás – N1, N2 e N3”, relacionado à Serra Norte e “Programa de Estudos Arqueológicos na Área do Projeto Ferro Carajás S11D”, relacionado à Serra Sul. O PACA vem a ser a versão unificada desses Programas. A unificação desses Programas foi possível, porque as áreas de pesquisa dos mesmos envolvem serras da mesma Cordilheira de Carajás, apresentando características ambientais e geomorfológicas semelhantes que teriam resultado em ocupações humanas também semelhantes. Dentro do PACA, o primeiro Programa passou a ser nomeado PACA Norte e o segundo passou a ser nomeado de PACA Sul. Os resultados parciais dos estudos foram complementados por pesquisas realizadas por outros pesquisadores nas mesmas áreas e por nós mesmos em outros projetos de 19 pesquisa efetivados em áreas geográficas distintas. Por isto tivemos certa preocupação em interpretar os resultados obtidos sob a perspectiva mais ampla da arqueologia amazônica. O objetivo final, mais do que uma simples desconstrução de teorias antecedentes, foi a reconstrução delas, segundo uma perspectiva teórica que só pode ser explicada nos seus próprios termos, mas que pode abranger um campo bem mais amplo do que o de seus limites aparentes. Ou, talvez, essa teoria seja apenas o efeito de uma curiosidade multidisciplinar que vai além das fronteiras arqueológicas. Afinal, como dizia Heráclito (1992: 485), “os homens que amam a sabedoria devem ter conhecimento de muitas coisas diferentes”. Figura 1. Mapa com a localização de todas as áreas estudadas pelos autores do livro. Arqueologia Amazônia Antropogênica A CIÊNCIA DA ARQUEOLOGIA Marcos Pereira Magalhães MAIS QUE UMA REUNIÃO DE TÉCNICAS Neste primeiro capítulo a intensão é apresentar as consequências mais profundas de uma arqueologia sustentada por uma ciência onde o tempo é fundamental. Para tanto é necessário saber o que é ciência para depois saber como o tempo pode ser apreendido nela, como a arqueologia daí derivada pode ser estruturada e como o conhecimento regional pode ser elaborado através dela. Como é sabido, a evolução do pensamento arqueológico regularmente vem sendo narrada através dos progressos acumulados ao longo da história do conhecimento, especialmente no desenvolvimento das técnicas. Seria esse desenvolvimento que teria dado à arqueologia seu caráter disciplinar e epistemológico moderno. Tem-se, por ordem consecutiva, que a arqueologia resultou do produto da curiosidade mística do homem antigo, da ascensão do nacionalismo no mundo ocidental e do aproveitamento dos avanços teóricos e metodológicos de outras disciplinas. Segundo Salmon (1988) e Trigger (2004), a arqueologia seria resultado, principalmente, do sucessivo progresso nas técnicas de pesquisa (de campo e laboratório) obtido por antiquários e colecionadores, fossem particulares ou patrocinados por governos, museus e universidades. Desde os autores citados nada mudou. Porém pesquisas sociológicas recentes têm esclarecido que o desenvolvimento técnico não implica, necessariamente, mudanças na organização social ou na mentalidade humana. Portanto pode ser que a explicação para o surgimento da arqueologia enquanto disciplina científica seja outra. Se, por outro lado, também considerarmos as observações de Mithen (2002), de que a evolução do conhecimento se efetua pela conexão modular de experiências específicas representando etapas com níveis característicos; e ainda, que cada etapa exige a reorganização de um conjunto particular de conexões modulares provenientes de experiências previamente adquiridas, então podemos esperar que, na 23 Amazônia Antropogênica verdade, teria havido uma mudança na própria mentalidade, para que as técnicas e a percepção dos objetos na natureza convergissem para a produção de um conhecimento capaz de transformar os antiquários em cientistas. Para compreendermos esses argumentos, sem tropeços, precisamos desviar o olhar focado na história linear cumulativa, para a perspectiva mais arqueológica, porém descontínua, da evolução dos saberes que resultaram na disciplina arqueológica. Ou seja, foi necessário que diferentes saberes dominados por diferentes disciplinas convergissem para um mesmo domínio em que seus especialistas fossem reconhecidos como arqueólogos. Essa descontinuidade dos saberes retira das origens a posição de manifestação primeira a ser reconhecida, mas permite a unificação de saberes relacionados em um mesmo grupo com técnicas, questões e teorias científicas próprias, as quais buscam a originalidade dos acontecimentos na identificação e análise dos eventos que resultaram neles (MAGALHÃES, 2006). No século XIX, nem a invenção de novas técnicas para datação, nem a curiosidade sobre o paleolítico incentivada pela publicação de “A Origem das Espécies”, mas com fins nacionalistas, tornam os antiquários, principais “arqueólogos” da época, em cientistas de fato. Claro que a influência da busca romântica pelo espírito nativista levou muitos intelectuais em busca das origens culturais, todavia mais de caráter nacionalista do que universalista. Entretanto, essa busca não visava à construção de um conhecimento regular, mas o esforço político da consolidação de nações e a satisfação de uma curiosidade de gabinete. Quando muito, para o reforço das coleções dos museus em formação, especialmente de nações europeias, que incentivaram e financiaram diversos naturalistas, como Lande, Emílo Goeldi e outros, a percorrerem, tal como ocorreu no Brasil, diversos rincões do planeta em busca de peças exóticas e raras. A consequência disso foi uma arqueologia sem um corpo disciplinar reconhecido, porque a introdução de novas técnicas e de justificativas teóricas importadas da biologia, da geologia e até da política, não eram suficientes para darem existência científica a um conjunto de práticas dispersas e exercidas por estudiosos de diferentes áreas do conhecimento e com fins predominantemente não científicos. Não havia arqueólogo, mas paleontólogos, geólogos, historiadores, colecionadores, aventureiros, engenheiros e até políticos. Pior, funcionários de Estados em formação contratados para encontrarem evidências materiais que não só glorificassem as origens étnicas do povo, como justificassem a milenar ocupação territorial circunscrita pelas fronteiras nacionais (KOHL, 1998). Ou então, que garantissem saques monumentais como aqueles promovidos por Napoleão no Egito, para a glória do Estado imperialista ou colonial. De fato, a conexão entre as técnicas, as teorias e os objetivos disciplinares não foi estabelecida antes do século XX. Até lá, a arqueologia não podia ser compreendida em toda a sua potência, porque seus objetos só eram considerados quando eram materialmente percebidos pelo olhar da rapina ou da ganância política do governo sobre o povo ou sobre outras nações. Enfim, a arqueologia no século XIX não compunha um corpo disciplinar porque, falando claramente, ela não existia. Havia, contudo, uma série de elementos que seriam herdados e reunidos em uma disciplinariedade, cuja organização só seria reconhecida, enquanto tal, no século XX. É verdade que no início do século XX, 24 Amazônia Antropogênica os arqueólogos de então ainda agiam como os do século XIX, quer saqueando, tal como fizeram os “arqueólogos” nazistas de Hitler, quer inventando etnicidades e histórias como fizeram os “arqueólogos” soviéticos, quer territorializando ou desterritorializando etnias, tal como fizeram os “arqueólogos” funcionários dos governos pós-coloniais africanos e asiáticos. Mas foi como reação a tudo isto que a arqueologia acabou por se constituir uma disciplina científica. Todavia, por conta do passado político da arqueologia, alguns pesquisadores, como Binford (1988) – ainda que entre eles haja uma grande divergência de opiniões – acham que a arqueologia não é propriamente ciência. Particularmente, naquilo que se refere à ciência natural. Ou seja, como não têm condições de experimentação e nem de previsão, as Ciências Humanas (corpo disciplinar onde a arqueologia se identificaria), enfim, não seriam cientificamente qualificadas. Para completar, ainda que a arqueologia seja uma ciência social, há quem afirme que ela não tem independência e está, necessariamente, vinculada à antropologia ou à história. Às vezes a têm como disciplina independente, mas com vínculos tão estreitos com a história (HODDER, 1988) que seu nascimento só teria sido possível pela precedência desta última. O interessante nessas opiniões é que o problema maior, a questão fundamental, nem sequer é arranhado. Na subsuperfície dessas visões o problema da posição da arqueologia junto à ciência – assim como de todas as outras disciplinas – está na ausência do entendimento da natureza da ciência. Afinal, se a arqueologia é ou não ciência, o que é, por sua vez, ciência? A questão colocada acima pode suscitar diferentes respostas. Mas se formos considerar o estreito vínculo da ciência com a ideia que se tem de natureza, por um lado, e as mudanças de percepção da natureza que o Homem vem tendo ao longo da história, por outro, veremos (tal como já observado por LENOBLE, 1990) que ela não só é fruto dessas mudanças, como amadurece conforme mudamos a percepção que temos do nosso próprio mundo. Deste modo, entre aqueles que são a favor de uma arqueologia positivista (isto é, que busca a previsibilidade dos acontecimentos apoiados em leis fundamentais), é unânime que a excelência da ciência é o da ciência natural superespecializada, fundada na universalização de leis invariáveis. Para o positivismo representado pela arqueologia processualista, a cultura material é passiva e não passa de uma ferramenta para responder ao meio ambiente. Os seres humanos nada mais fazem do que responder às exigências do mundo que os rodeia e o conhecimento é alcançado apenas pela comprovação de teorias com informação independente e objetiva (HODDER, 2008). Entretanto esta ideia de que a ciência pode responder, com precisão, às questões que a natureza coloca à nossa frente, nada mais é do que o resultado da percepção do Homem em determinado lugar e época da história. A discussão sobre a cientificidade da arqueologia, independente da sua particularidade no campo do conhecimento, por conta disso, não pode ter por base uma suposta imutabilidade da ideia de ciência, tal como se ela já tivesse encontrado o seu fim definitivo e fosse um dogma ou a coisa mais bem estabelecida, mais bem-acabada e imutável na história do conhecimento. Por outro lado, a partir do momento em que compreendemos que a ideia de ciência é mutável, a questão de a arqueologia ser ou não uma ciência padrão, é completamente desprovida de sentido. Até porque, não existe nenhum padrão metodológico imutável para qualquer disciplina científica. 25 Amazônia Antropogênica A História pode fazer frente à poderosa aparência de imutabilidade da ciência, pois ela é capaz de mostrar que os preceitos e os conceitos diferem não só em qualidade e quantidade, como também se baseia na variabilidade do pensamento humano, seja no tempo seja no espaço. Mas a História para aceitar essa capacidade também passou por muitos percalços, inventando até um historicismo linear e invariável que em casos extremos a afastou das suas finalidades identificadoras. Na verdade, a história de qualquer coisa é a história dessa coisa no tempo, independente das histórias paralelas das outras coisas. Consequentemente, a mudança do conteúdo da história é a própria mudança do sentido da história no tempo. O caso é que o preceito mecânico-positivista, que alguns ainda defendem como um arquétipo paradigmático da ciência, há muito não tem força suficiente para sustentar seus alicerces em acelerado apodrecimento. Entretanto há quem resista desqualificando aqueles que propõem outros preceitos, enquanto retardam a discussão de um ponto ainda mais fundamental para a valoração do conhecimento científico: a finalidade ética de seus produtos (THOMAS, 2004). Em fins do século XIX e início do XX, enquanto as ciências positivistas tentavam frear suas vanguardas e, consequentemente, controlar sua modernidade, ciências paralelas ainda em nascimento avançavam sobre assuntos desconhecidos. Assuntos desconhecidos, esses, que já não eram sobre a matéria visível, mas sobre o inconsciente, sobre o imensamente grande, sobre o imensamente pequeno. Sobre objetos que não podiam ser visualizados nem com instrumentos ópticos de última geração. As discussões sobre o inconsciente desequilibraram todas as identificações, substituindo todas as crenças por um espaço infinito no tempo, onde sonhos, complexos e loucuras compunham um lugar de linguagens intertextuais e mágicas. Entretanto, se o desabrochar da psicanálise, com o seu objeto imaterial, para muitos não pode ser considerada uma ciência, é no próprio seio de uma das ciências fundamentais do conhecimento humano, que se confirmará essa mudança radical. Ou seja, na física, com o espaço-tempo relativístico e a incerteza quântica. Até Einstein acreditava-se que a mecânica de Newton descrevia a realidade com rigorosa exatidão. A ciência de então tinha por corolário a descrição ou explicação objetiva dos fenômenos. A teoria da relatividade geral recolocou precisamente esta ideia em questão. Ou seja, segundo Einstein, para elaborar a teoria, os cientistas não registram passivamente os dados sensoriais, e sim constroem uma moldura teórica com o auxílio de princípios e conceitos por eles mesmos escolhidos. É recorrendo aos seus próprios meios e às suas próprias experiências pessoais que as pessoas tentam forjar ferramentas intelectuais mais ou menos adequadas à “realidade”. Assim, a gênese das teorias científicas não dependeria apenas da lógica e da epistemologia, mas também da psicologia, da sociologia e da antropologia cultural (THUILLER, 1998: 25). Ainda que essa subjetividade passe a ser reconhecida na construção do conhecimento, ela não é completamente verdadeira ou praticada. Em primeiro lugar, porque ainda existem bolsões de resistência positivista, em que a ilusão da precisão tenta direcionar as pesquisas. Talvez isto ocorra por conta da imaturidade científica da arqueologia, que a leva a proclamar valores Iluministas completamente fora da história e de lugar. Em segundo, no caso em particular da arqueologia brasileira, regularmente temos teorias 26 Amazônia Antropogênica previamente molduradas pela hegemonia científica dos países centrais, onde o evolucionismo hierarquiza e a antropologia relativiza as culturas segundo métodos extremamente técnicos e objetivos, porém desprovidos de forma e conteúdo originais na inglória busca de universalidades ou de essencialidades. Entretanto as especulações da teoria da relatividade estavam muito longe de se basear na pura e simples objetividade. Para fundar a relatividade geral, Einstein partiu de vários pressupostos que não eram de modo algum evidentes. E além de serem inacessíveis aos nossos sentidos e ao bom senso, pareciam bizarros. Mas estavam lá: o Universo curvo e em expansão; a velocidade limite, estonteante e constante da luz; a realidade da diversidade temporal; a unificação entre o tempo a o espaço. Ainda mais radical do que a teoria da relatividade foi o desenvolvimento da física quântica. Nela foi demolida por completo a noção clássica de uma descrição determinista da natureza. Com ela as ideias de Laplace foram definitivamente enterradas, pois no mundo do muito pequeno, o observador tem papel importante na determinação da natureza física do que está sendo observado. Mais ainda, os resultados da experimentação só podem ser dados pela indeterminação da probabilidade. A certeza é substituída pela incerteza, o determinismo pelas probabilidades e os processos contínuos, pelos saltos quânticos. Além disso, o princípio da incerteza não depende apenas da maneira pela qual se observa a partícula. Na verdade, como foi colocada por Heisenberg, essa incerteza é uma propriedade fundamental, inescapável, do mundo. Com isto, não se pode mais predizer os eventos futuros com exatidão e nem mesmo o estado atual do Universo pode ser medido com precisão (Hawking, 2005). O interessante é que pouco antes da relatividade e da incerteza quântica, o determinismo já havia sido limitado pela própria matemática e física clássica, através da dependência hipersensível das condições iniciais. Este conceito, que foi posteriormente confirmado e popularizado com a teoria do caos, inicialmente foi formulado por Jacques S. Hadamard, Pierre Duhem e Henri Poincaré que mostraram que, em longo prazo, os eventos se tornavam impreditíveis (RUELLE, 1993). No entanto, com o sucesso e os desafios das questões quânticas, esse conceito precisou de algumas décadas para ser redescoberto e tratado experimentalmente. Pensadores como Bachelard (1967:38) dizia que “uma ciência que aceita as imagens é vítima das metáforas. O espírito científico deve lutar incessantemente contra as imagens, contra as metáforas.” Esta observação de Bachelard marcava uma ruptura com a ciência positivista, na qual a imaginação, plena e rigorosamente desenvolvida, conduz à geometrização e ao formalismo. Bachelard (1948:157/164) insistia que [...] a mão criadora, autônoma e por isso feliz, sonhando seus próprios sonhos e escapando à tirania da visão, enfrenta os desafios concretos do mundo concreto, levada pela vontade de poder, pelo poder da vontade... Expressa devaneios da força material, movida pelas duas grandes funções psíquicas: a vontade e a imaginação. Bachelard marca o início da compreensão do esgotamento total da visão na ciência e começo do entendimento no qual, é justamente na visão onde as ilusões e os simulacros habitam. Não em um sentido puramente negativista, porém numa alusão à potencialidade 27 Amazônia Antropogênica da imaginação e principalmente do pensamento, capazes de formar imagens e formas que ultrapassam a realidade, produzindo realidade. Afinal, na ciência contemporânea, nem tudo é o que parece ser. Na maioria das vezes, ainda que já esteja lá, nada existe até ser buscado; o enredo é desconhecido até ser escrito. Só existe para o eu o que é compreendido e é narrado. Assim, quando o olhar não é mais capaz de perscrutar a realidade, a mente de quem pensa o mundo responde por uma sensibilidade que pensa o mundo tal como o corpo o sente. Aí não há mais divisão entre iluminantes e iluminados, entre passado e futuro. O próprio presente se torna indeterminado, ou melhor, determinado pela ação do porvir multiplicado pela vigência do devir. Daí qualquer corpo de sensibilidade poder ser o eu ou o outro. Pois, quando todos são sujeitos da sensibilidade, não há mais sujeitos ou objetos isolados. Para completar, não há tempo que se explique fora do espaço, já que o único espaço experimentável é o tempo que o corpo vivencia em seu presente particular. O modo de expressão da realidade plural e fragmentária no início do século XXI apaga as fronteiras entre o racional e o irracional, o lógico e o ilógico, o intuitivo e o racional, entre o visível e o invisível e, fundamentalmente, entre o eu e o outro. É a emanação de um estado de espírito ao mesmo tempo coletivo e singular. Nessa realidade, a imaginação já não é apenas individual e nem se limita às formas exteriores. E da mistura das notas, cores e sensações, ela também se torna imanente e presente. Deste modo, tanto o passado quanto o futuro são realizados no presente e transformados em imagens virtuais coletivas interpretadas individualmente. Aí, a nossa única participação no tempo é na memória de que surgimos. Isto é, na memória coletiva que emerge no presente virtual e que as pessoas interpretam segundo suas próprias impressões. Então as imagens que formamos não são mais provenientes das paisagens externas e, consequentemente, o olhar deixa de ser o meio mais adequado de apreensão da realidade. O sujeito do conhecimento se materializa no objeto do conhecimento: a mente humana está dentro do mundo, que o constrói enquanto é construído por ele. Ou seja, nós estamos dentro do mundo e o mundo está dentro de nós naquilo que nos corresponde. O que nos corresponde é limitado pela nossa intencionalidade. Podemos dizer, tal como interpretado pelo neurocientista Miguel Nicolelis (2011: 53), que essa intencionalidade “é formada pela combinação da história evolutiva e individual da vida do cérebro, seu estado dinâmico global a cada momento no tempo e as representações internas que ele mantém do corpo e do mundo”. Ou, ainda segundo Nicolelis, a dinâmica do cérebro influencia profundamente a maneira pela qual o mundo exterior é percebido, bem como a imagem do corpo e o de existir. Entretanto toda produção simbólica da nossa sociedade contemporânea interativa elimina qualquer intervalo entre o momento em que as imagens são elaboradas e o momento em que elas se fazem ver (COUCHOT, 1997), uma vez que os circuitos neurais constituem redes de transmissão entrelaçadas que transmitem informações em todas as direções, simultaneamente. Como mais uma vez observou Nicolelis, isto acontece porque toda informação que chega ao cérebro do exterior é um processo ativo que começa na mente e não na periferia do corpo. A informação já está lá como uma possibilidade imanente e emergente. Assim tudo aquilo que não corresponde às expectativas da mente gera surpresa e estranhamento. Por outro lado, se todo entendimento humano é interpretação segundo uma intenção interna, nenhuma interpretação pode ser tida como 28 Amazônia Antropogênica definitiva, já que do mundo sempre podem surgir novas impressões. Isto é, na verdade toda intenção é inacabada e nenhuma interpretação é isolada: o sujeito interpreta o mundo segundo a sua própria intenção, mas toda intenção resulta da sensibilidade partilhada com o mundo em transformação. Para tanto o cérebro trabalha continuamente com o intuito de modelar a nossa autoimagem corpórea com base no incessante fluxo de informação vindo do mundo exterior. No fim das contas, em menos de um século, a principal atividade humana passou da produção mecânica de utensílios e objetos e transformou-se em algo invisível: a informação! Essa mudança, etimologicamente falando, é tão radical, que o valor atribuído à Revolução Industrial, como o principal paradigma de uma revolução social, perde o sentido em um planeta interativo. As novas tecnologias de comunicação transformaram radicalmente os princípios de combinação de ideias entre todos os campos. Mas a questão da informação não é só tecnologia. Segundo Azevedo Neto (2013), a informação é tudo aquilo que apresenta, em si, a possibilidade de alterar as estruturas cognitivas humanas. Além disto, a informação enquanto fenômeno social, permite e promove a interação dos atores sociais, em diferentes níveis e em suas estruturas. A ideia de que a arqueologia foi o resultado do aperfeiçoamento constante nas técnicas de pesquisa voltadas para o estudo de objetos materiais de valor para antiquários, museus e políticas nacionalistas, é uma simplificação da complexidade dos acontecimentos que promoveram mudanças na mentalidade e no modo como a natureza passou a ser encarada. Acontecimentos, esses, que ocorreram desde o século XIX, mas que se acentuaram profundamente no XX, a ponto de mudar completamente as características fundamentais do Universo e a compreensão da existência humana. O despontar de uma mentalidade capaz de mudar o modo como se compreende a natureza não é, simplesmente, o resultado do acúmulo secular de conhecimentos diversos. Fundamentalmente, uma nova mentalidade desponta porque esses conhecimentos chegam a um nível em que suas diferenças encontram pontos comuns de conexão, constituindo e fazendo emergir outro conjunto de conhecimento que reestrutura profundamente as perspectivas anteriores. Portanto foi preciso esperar que todos os avanços técnicos promovidos por antiquários, geólogos, antropólogos, geógrafos, préhistoriadores, paleontólogos, etc., etc., etc., encontrassem a mentalidade histórica adequada para que as conexões entre diferentes módulos técnicos, práticos, teóricos e de pensamento convergissem para a emergência de uma mesma ontologia disciplinar. Fato que ocorreu desde a primeira metade do século XX, mas que só recentemente vem sendo reconhecido – irregular e heterogeneamente, já que em ambientes acadêmicos pouco flexíveis, muitos ainda atrelam a arqueologia à antropologia ou à pré-história. Mesmo podendo dizer, sem sobressaltos, que a arqueologia é uma ciência voltada para o social, ela não se consolida como disciplina científica junto com as Ciências Sociais, tal como a sociologia, a antropologia ou quaisquer outras dessas contemporâneas. Como essas, ela é muito mais um poema do que um “matema”, mas a imaginação arqueológica (TILLEY, 1999) nada tem a ver com o imaginário antropológico. Ainda que a antropologia, ao desvendar outras formas de pensamento (cosmologias) das sociedades que estuda, questione a preponderância da razão ocidental e, neste sentido, faça emergir uma 29 Amazônia Antropogênica contestação pós-moderna ao racionalismo, a imaginação antropológica e suas contemporâneas foram forjadas no âmbito romântico da mentalidade modernista e Ocidental. Isto é, são demasiadamente dependentes da luz visível e do eu. Da luz que permite enxergar o outro de si mesmo. Já a arqueologia, muito pelo contrário, vai se consolidar como uma ciência do invisível, tal como a psicanálise, a cosmologia e a física quântica e, como essas últimas, é uma ciência pós-modernidade. Essas considerações vão além do pensamento de Julian Thomas (2004) por exemplo, que acha que a prática arqueológica emergiu no período moderno estando, portanto, conectada profundamente com os modos de pensamento, formas de organização, e práticas sociais que são distintamente modernas. Muito pelo contrário, o problema é que embora a arqueologia não seja da essência da modernidade, as pessoas que a imaginam estão demasiadamente ofuscadas pelo excesso de luz irradiada da modernidade. Daí tem-se um conflito entre a natureza da coisa e a imagem dada à coisa. Fato estabelecido porque a imaginação gerada não é à semelhança da coisa como ela é, mas à semelhança da imagem que o sujeito tem de si mesmo. Mesmo considerando que o objeto de estudo da arqueologia é, principalmente (mas não só), a cultura material, bastante concreta em si mesma, ela não se apresenta de modo imediato à sensibilidade, pois regularmente está camuflada pelo “desvio para o vermelho” que desvirtua no presente os acontecimentos passados, tal como acontece aos astros muito distantes no Universo. Ainda que parte do objeto seja aparentemente visível, seu sentido e sua realidade histórica intrínseca são completamente impermeáveis ao olhar. O arqueólogo pode identificar, catalogar, definir tipológica e cronologicamente o objeto material, mas não pode perscrutar a sua simbologia cosmogônica, nem o seu significante ou contexto cultural. Estes são não quantificáveis e a interpretação possível é meramente subjetiva. A percepção crítica do conhecimento gerado pela arqueologia é determinada por princípios subjetivos. Entretanto essa percepção não é de um sujeito isolado, mas de um sujeito cuja percepção está integrada com o mundo. Com o mundo presente. Consequentemente, a realidade da natureza do objeto arqueológico não é independente e nem objetiva, é algo que passa a existir através do próprio ato da cognição. Por outro lado, os significados, mitos ou representações que os objetos carregam, emergem de algo mais profundo que a cultura, pois se originam da fonte da própria natureza do inconsciente coletivo, que através da mente e da imaginação materializa no objeto a sua expressão diacrítica. Assim, além do arqueólogo ter de compreender que a sua interpretação do objeto arqueológico é subjetiva, mentalmente pré-condicionada e presente, ele deve tentar compreender a subjetividade diacrítica inerente ao objeto e que esta subjetividade está diretamente relacionada à natureza não presente (cultural e ambiental) com a qual ele foi produzido. É esta característica subjetiva original que garante ao objeto arqueológico a sua invisibilidade. Esta concepção de arqueologia está em sintonia com a epistemologia desenvolvida de diferentes modos por Goethe, Hegel, Steiner, Bachelard e outros. E, como disse Tarnas (2005), não deve ser entendida como uma mera regressão à ingênua participation mystique, um subjetivismo irresponsável, uma estupidez acadêmica. Na verdade, ela incorpora a compreensão pós-moderna do conhecimento e a ultrapassa. Ela é aquela que agrega ao caráter interpretativo e construtivo da cognição humana, tal como definido por Kant, o 30 Amazônia Antropogênica relacionamento íntimo, interpenetrante e totalmente permeante da natureza com o ser humano e sua mente. Isto quer dizer, por exemplo, que as teorias de Copérnico, Darwin ou Einstein refletem o fundamental parentesco da mente humana com o Cosmo, o seu papel essencial como veículo do significado do Universo e da vida. Suas teorias não resultam de um simples acúmulo de conhecimento, elas fazem parte de um processo evolutivo mais vasto: a evolução do conhecimento é a evolução da autorrevelação do mundo. Mas, diferente do que pensava Kant, só podemos entender do mundo aquilo que nos corresponde e o que nos corresponde, corresponde a nós e ao mundo. Não na sua totalidade, mas na parte que mental e historicamente nos cabe. Assim, a evolução da teoria arqueológica é a evolução da autorrevelação, espaço-temporal, dos arquétipos históricos que constituem o inconsciente coletivo do mundo, mas segundo as suas versões regionais. Ou seja, nenhuma versão arquetípica do mundo é universal, mas regional. Não obstante a realidade de todo acontecimento arqueológico sempre está no passado e o passado não pode ser vivenciado, sentido ou simplesmente contemplado de corpo presente por nenhum sujeito atual, porque é o passado que chega até nós, e não nós que vamos até ele. E quando chega, chega distorcido pelo tempo, pois o tempo em nós já não é mais o mesmo que um dia foi na produção do objeto observado e cuja narração evocamos. O corpo do observador que ocupa uma posição espacial de onde se contempla o passado no presente, involuntariamente, tem a mente imersa no inconsciente da sua coletividade sociocultural, cujos arquétipos em construção são distintos daqueles que definiram o passado onde o objeto foi produzido. A nossa realidade não passa de uma construção virtual gerada pela mente inconsciente no presente, a partir de dados sensoriais somados a complexas teorias adquiridas e congênitas sobre como interpretar novas informações. Se a arqueologia é da ordem das ciências do invisível então partilhará com elas a incapacidade de previsão. Não obstante, deve-se esclarecer que essa imprevisibilidade nas ciências do invisível não é da ordem das experiências e nem inviabiliza a objetividade. As experiências podem até ser feitas com precisão e objetivamente, porém para regularmente confirmar a imprevisibilidade dos resultados e a interpretação subjetiva dos mesmos. Na arqueologia, como ciência humana, a questão se apresenta de modo particular, já que nela não há experimentação. O problema está na questão do tempo. Os objetos da arqueologia por serem provenientes do passado, só podem ser compreendidos e ter seus sentidos originais revelados, segundo a sensibilidade e a capacidade intelectiva do observador poder apreender uma realidade virtual ainda presente. Assim, o arqueólogo é limitado ao observar o tempo passado, porque tudo que podemos observar dele (assim como prever para o futuro) são interpretações constituídas no momento mesmo das intenções e impressões do sujeito no presente. Consequentemente, a ideia de origem desloca-se do sentido essencialista de originário: manifestação primeira; para o sentido de originalidade: novo, peculiar ou singular. Isto está de acordo com a ideia inaugurada pelas ciências pós-modernistas, nas quais o conhecimento das causas iniciais é insuficiente para prever o desenrolar dos eventos em qualquer de suas fases. Como se sabe, a premissa de que o conhecimento das causas iniciais era o passaporte, para a previsão de todas as outras fases era o fundamento epistemológico das ciências clássicas e modernas. Mas na natureza consagrada após a 31 Amazônia Antropogênica emergência das ciências pós-modernistas (inteirativas e polifônicas), a imprevisibilidade ocorre, já que, entre uma fase e outra, o evento pode ser alterado por conta dos diferentes momentos da interpretação. Entretanto o arqueólogo pode se safar desta armadilha se compreender a natureza do tempo arqueológico. Um dos problemas que impediram o nascimento da arqueologia científica ainda no século XIX foi que o tempo histórico era compreendido como uma sucessão linear, segundo uma ordem progressiva e universal. Esse tempo não era novidade no mundo ocidental, embora se tenha consagrado definitivamente na ciência com o evolucionismo darwinista. O tempo linear, na história, foi consolidado com o cristianismo, opondo-se ao tempo pagão, que era essencialmente circular. Na verdade, desde a vitória religiosa, política e cultural do cristianismo, a linearidade do tempo, o expansionismo e a colonização do mundo, segundo a imagem do povo eleito, impuseram-se sobre tudo e todos. Entretanto a própria modernidade fragmentou o tempo linear que explodiu numa série quase infinita de histórias paralelas. A antropologia, ao rever a questão da linearidade do tempo, vai aprofundar, através do estruturalismo, a sua natureza relativista e consolidar o relativismo multicultural. Já a história, influenciada por esta, elimina o acontecimento com a dilatação do presente, que já não é mais pensado como antecipação do futuro, mas sim como campo de uma possível reciclagem do passado (DOSSE, 1999). Neste tempo, o futuro é amarrado a um equilíbrio presente chamado a repetir-se indefinidamente. Assim, na modernidade, temos uma multiplicação de tempos paralelos relativos, todos em presente perpétuo. Neles, a realidade é um processo em permanente desdobramento e multiplicação pluralista, é mais uma possibilidade relativa e falível do que um fato absoluto e seguro. Nessa realidade a vida humana seria de tal modo pré-estruturada, que a mente jamais poderia reivindicar acesso a qualquer realidade a não ser a determinada por sua forma local. Porém, para a ciência Iluminista, se algo não está alicerçado em toda parte, nada pode estar alicerçado em lugar nenhum; se a alteridade não for desconstruída, não haverá verdade a ser revelada. Daí o conflito entre a diversidade ativa do relativismo cultural e as ideias positivistas de mente como ponto imóvel do mundo e de cultura como passiva à natureza. O conceito de relativismo cultural foi elaborado contra as noções racistas em geral e, em especial, contra as noções de mentalidade primitiva – as que dividiam a humanidade entre civilizados e primitivos. Com isto o relativismo cultural apoiou a internalização, a preocupação com o provincianismo e suas manifestações culturais locais. Isto provocou calafrios nos positivistas que temiam o perigo de que a percepção do antropólogo fosse embotada, seu intelecto fosse encolhido e as simpatias restringidas pelas escolhas excessivamente internalizadas e valorizadas de sua própria sociedade (GEERTZ, 2001). Contudo o maior temor, o ponto fundamental da crítica positivista era contra o uso do relativismo cultural como um instrumento de crítica cultural e a consequente depreciação da Cultura Ocidental e da mentalidade que ela produziu. Para eles, a Cultura Ocidental era a única e legítima fonte de onde eram jorradas as essências cognitivas universais. Em síntese, os positivistas, apesar da extrema-unção anunciada para a ciência Iluminista, buscaram em desespero alguma coisa sólida, a Realidade última, a Razão que os salvaria dos ritos funerários selvagens. 32 Amazônia Antropogênica Por isto a própria antropologia relativista, dentro da infinidade de realidades possíveis, achou ser possível buscar em cada uma delas um arquétipo universal, uma essência além da história e do tempo. Acontece que os arquétipos tidos como universais, apesar de poderem ser percebidos particularmente, não surgiram isoladamente e nem um deles pode ser tido como a síntese do arquétipo universal. Por outro lado, na reformulação da relação do Homem com a natureza, na qual não há distinção dele com ela e nem posição externa ou isolada possível, emerge a compreensão de que espírito e matéria, consciente e inconsciente, intelecto e alma, indivíduo e coletivo são aspectos complementares da mesma realidade. Assim, a relatividade cultural é relativa porque cada uma das variáveis resultantes ocupa o seu próprio lugar em um espaço mais amplo onde todas estão incluídas e em relação entre si. A força da diversidade cultural é a sua capacidade de também negar a negação e mostrar que o mundo sempre tem uma parte alicerçada em algum lugar, que esse lugar é parte de um território, onde o intercâmbio possível, entre tudo e todos, gera a rede de circulação sociocultural. Por isto, esse território é parte de um espaço consolidado do próprio mundo, que só pode revelar sua totalidade através da diversidade. Mas este último aspecto não ficou claro para a modernidade. Por isto a tentativa da antropologia e da história em se adaptarem à nova natureza que se formatava no século XX revelou-se inconsistente. Para piorar, os intelectuais que tentaram essa empreitada esqueceram ou ignoraram a revolução maior submersa no abismo mais profundo do universo relativístico: que o que é relativo é relativo a outra coisa com a qual se relaciona e que é nessa relação onde a revolução quântica aparece. De fato, no universo quântico o tempo é não local, é mais virtual do que real e, além disto, é correlativo, multilinear e saltos entrelinhas de tempos diferentes é mais regra do que exceção. Como a arqueologia não é uma ciência que precisou se adaptar à nova natureza, já que é fruto mesmo do seu despontar, a representação geométrica do tempo histórico que ela interpreta é diferente do tempo circular dos antigos, do tempo linear judaico-cristão e do presente perpétuo modernista. Ou seja, a sua representação temporal não deixa de ser sucessiva, mas uma sucessão de diferenças simultâneas, em que o presente nunca permanece. Ou então, o presente permanece, mas sempre se modificando juntamente com outros presentes possíveis. Consequentemente o presente e o lugar são tão variáveis quanto o futuro e o passado. Ou melhor, o futuro e o passado mudam conforme muda o presente e o lugar onde os eventos acontecem. Por isto podemos vislumbrar outra geometria temporal da história que ocorre tanto no tempo quanto no espaço. Nessa outra geometria temporal da história por ser tanto pontual quanto linear, isto é, tanto particular quanto universal, há vórtices temporais compondo corpos individuais da mesma natureza que apresentam pontos coletivos que se conectam além do espaço local. A anomia filosófica que permeia o discurso científico atual e, em particular, a narrativa arqueológica, na ausência de qualquer perspectiva cultural abrangente e viável, continua validando, equivocadamente, os velhos pressupostos – proporcionando uma base cada vez mais inexequível para o pensamento criativo. O importante, porém, é que a realidade passada só pode ser compreendida quando penetramos o âmago das suas formas. Porém, quando o penetramos, descobrimos que ele não apresenta nenhuma solidez que sustente essas formas no presente e nem objetividade que as reproduzam no futuro. Senão vejamos: por que apesar de todo discurso favorável ao resgate do passado e da 33 Amazônia Antropogênica compreensão do presente pelo entendimento daquele, nenhum arqueólogo com esse discurso foi capaz de transformar a realidade? Era de se esperar que o resultado efetivo desse entendimento fosse este. Afinal, se uma ciência não é capaz de interferir na realidade, então, para que ela serve? Para que serve a apreensão do mundo se a ciência, em vez de ser crítica (a negação da negação, ou seja, do erro) for meramente contemplativa, ou pior no nosso caso, reprodutora dos sistemas colonialistas de domínio do saber? Obviamente, é de se esperar que qualquer ciência, inclusive as humanas, seja capaz de interferir no mundo e não apenas explicá-lo ou reproduzi-lo. Na América do Sul surgiram correntes como a arqueologia multiculturalista, a arqueologia marxista e a arqueologia relacional que não eram exatamente contrapontuais à academia dos países colonizadores, mas um modo de desenvolver uma arqueologia interventora e de melhor valorizar as culturas locais. Ainda que algumas propostas sejam bastante discutíveis e, no mais das vezes, independentes da operacionalidade das mesmas, não consiga sacudir a indiferença da sociedade de arqueólogos, isso mostra o quanto essa questão atual é ainda mal compreendida. Porém, a tarefa de explicação do mundo é função suficiente apenas para a mitologia. Ciência não é para criar mitos sobre a criação do Universo, mas sim para produzir artefatos que interfiram nele. E não é justamente isto o que acontece? Na própria ciência humana temos exemplos de tentativas de interferência sobre a realidade, como as propostas pelo marxismo e pelas teorias econômicas em geral. Essas tentativas de interferência, entretanto, fracassaram. Fato estabelecido, porque as propostas estavam relacionadas às premissas da ciência moderna demasiadamente impregnada pelos preceitos clássicos, que se baseavam na previsibilidade proporcionada pelo entendimento certeiro da realidade... Mas, da realidade “Ocidental”. Como o controle da natureza social não garante nem ordem e muito menos previsibilidade, as interferências geraram mais desconstrução do que construção, mais entropia do que ordem. As teorias sociais e econômicas elaboradas pela ciência modernista foram incapazes de refazer o mundo sobre o entulho das torres lançadas ao chão, porque desconheciam que a interferência sobre a realidade só é possível através da antecipação da realidade regional, e não da previsão da utopia universal. ALÉM DO RELATIVISMO CULTURAL A possibilidade de conhecer a alteridade segundo ela mesma surge quando o intelectual ocidental a desloca do reino da coisa dada, para o reino dos costumes, da evolução e da história. Foi assim que esse intelectual, especialmente através da antropologia, tornouse o primeiro a reconhecer a diferença. Mas sua percepção sempre se constituiu em um modo de definir o outro por uma pressuposta inferioridade inerente. Quer através do evolucionismo ou do funcionalismo, a antropologia, que se propunha ao conhecimento objetivo do outro, manteve segundo seus próprios termos, na ideia de “homem primitivo” com a qual operava, o etnocentrismo de sempre, agora organizando a alteridade por meio das diferenças raciais ao essencializá-la como tradição (MONTEIRO, 1997). Contudo contra a imposição do eu ocidental na interpretação do mundo, a arqueologia apresentou 34 [...] a autenticidade exigida aos indígenas pelos arqueólogos multiculturalista é sobrecarregada com a culpa ocidental, já que eles veem as comunidades nativas organicamente unidas com o seu passado (o autêntico) e como os atores capazes de recuperar e potencializar o sentido de unidade e de harmonia com a história, redimindo o mundo da depreciação temporal da pós-modernidade. Amazônia Antropogênica várias reações, especialmente nos países Sul americanos de língua espanhola. Mas neste esforço, essa arqueologia com proposta interventora seguiu a linha de raciocínio ocidental que acabou aprisionando as intenções nos processos identificadores judaico-cristãos e ou político-ideológicos dominantes. Como atesta Gnecco (2009: 19), Ou seja, essa arqueologia tolera e reconhece a diferença, mas ainda não conhece e nem aceita sua existência. Ela visa, entrelinhas, a buscar os elementos capazes de salvar o mundo ocidental da decadência, recuperando nas comunidades autênticas (sem influência moderna) os valores arquetípicos destruídos pela condição pós-moderna. Para tanto, parte-se do pressuposto que as comunidades nativas são o depositário de um mundo paralelo puro, localmente legítimo étnica e culturalmente; que elas detêm as bases de uma filosofia perene universal e que se opõem à sociedade nacional, reprodutora dos valores ocidentais colonialistas. Situação que no Brasil certos pensamentos colonizados se esforçam em reproduzir, segundo um modelo adaptado a identidades particulares, que infla o discurso político antinacionalista, tais como, quando se refere a comunidades tradicionais representadas por quilombos (supostamente de origem africana) e por sociedades indígenas (supostamente reservas da originalidade nativa). Contudo nenhuma delas pode ser tida como receptáculo de pureza e todas estão inseridas na “realidade misturada” da sociedade brasileira contemporânea. Ou seja, todas são miscigenadas e distintas cultural e socialmente daquelas tidas como originais. Mesmo assim, são feitos esforços para proteger essas comunidades em quilombos e reservas indígenas, significantemente contaminadas por missionários e vigaristas, na ilusão de que elas guardam, em algum secreto recanto do inconsciente, uma originalidade essencialista universal, que nos salvaria da homogeneização nacional. Tudo porque, para bancarem os inteligentes ocidentalmente envernizados, têm no Estado nacional atual e não na invasão e na colonização europeia, o culpado da exterminação de etnias, de culturas e da exploração de negros pelos brancos. Mas onde é que se encontram, em plena América do século XXI, populações predominantemente negras substituindo populações indígenas originais, governadas além-mar por lideranças políticas e econômicas brancas? Basta olhar as Guianas e a América Central. Porém, apesar desse descaramento político e hipocrisia intelectual, como veremos adiante, o problema fundamental está na incompreensão da relatividade que, para ser entendida na história tal como o foi para o Universo, deve-se considerar o eu não isolado do outro. Ou ainda que, na alteridade, o eu e o outro são faces diferentes da mesma realidade. Mas, para chegar onde planejamos temos que reconhecer que ocorreram esforços eficientes na tentativa de uma arqueologia livre da perspectiva colonialista. Este é o caso da arqueologia relacional, que bem menos impositiva para os valores ocidentais, parte do princípio de que as culturas são incomensuráveis e que, portanto, não podem ser explicadas pelos sistemas ocidentais. Segundo Gnecco (op. cit.), ela tenta compreender 35 Amazônia Antropogênica como as comunidades representam a si mesmas e não como o colonizador representa o colonizado. Ela retira da interpretação o efeito colateral do Romantismo traçado com o Iluminismo, no qual o popular, o tradicional, o nativo e o local têm sua fidelidade ligada a um passado rural ou primitivo ideal, independente da cegueira e da redefinição causadas pela imposição da sociedade industrial. A arqueologia relacional elabora estratégias participativas de investigação pertinentes aos contextos locais, na tentativa de fomentar conhecimentos alternativos relacionados aos saberes tradicionais e suas correspondentes visões de mundo. Ela entende que esses saberes podem gerar conhecimento através da relação entre o local e o global. Portanto um diálogo pode ser estabelecido, porém só quando a modernidade é descolonizada e despossuída da sua marcha rumo ao progresso, segundo a imagem e semelhança do mundo ocidental. No entanto a perspectiva relacional da arqueologia aceita o essencialismo ao compreender que reconhecer as relações tradicionais de poder é reconhecer o “eu” em detrimento da valorização do “outro”, segundo o entendimento daquele que não faz parte delas, mas mesmo assim tenta interpretá-las. Ou seja, reconhece o eu por ele mesmo, puro, essencial, sem qualquer condicionamento gerado pelo outro. Acontece que na cultura a essência não precede a sua existência, já que a cultura é um conjunto cujas partes relacionadas apresentam pontos de conexão entre si. Nela, o “eu” é vivificado no que está sendo e o que está sendo é o campo dinâmico onde todos os “eu(s)” vêm a ser coletivamente. Sabemos que na semente está a árvore, que no feto está Homem e na gema está a ave. Entretanto a cultura não possui nenhum ovo onde suas características estariam predeterminadas. É certo que na cultura tudo que está sendo é precedido pelo que vai ser. Porém a precedência é local e não local, presente e não presente, uma vez que os objetos e elementos materiais e não materiais da cultura não se reproduzem por si mesmos e nem estão isolados no tempo ou no espaço. Pelo contrário, eles só são replicados se forem historicamente agenciados no tempo e no espaço próprio dos eventos de um acontecimento que é produzido coletivamente. E isto tira da cultura qualquer capacidade de ser o que sempre foi e a qualifica como um gerúndio, uma ação em atividade cuja forma final é indeterminada. Sendo assim, as características de uma cultura só vêm a ser quando a cultura está sendo vivida e, quando ela está sendo vivida, ela emerge como uma obra coletiva onde o eu e o outro se misturam na integração do todo. É na emergência das características diacríticas que são impressas experiências de precedências diversas que podem alterar o modo como os costumes e as tradições eram compreendidos inicial ou “originalmente”. Por conseguinte, mesmo o “eu”, segundo a interpretação do próprio, certamente não é como o outro diria. Porém esse “eu” é, também, produto da situação daquele que vivencia coletivamente o presente e não o produto de uma essência determinista atemporal única. A arqueologia relacional parece muito próxima das vertentes de pensamento que surgiram do estruturalismo de Levi-Strauss, o qual tentou encontrar analogias universais familiares a todos nós, independente da cultura materna de cada um. Porém, além dessas analogias continuarem a ter por base o sujeito da cultura ocidental, elas eram estáticas e imutáveis no tempo. Pode-se compreender que as comunidades não devem ser guiadas pelo que os outros entendem do seu próprio mundo e nem pelas miragens dos arquétipos alheios. 36 Amazônia Antropogênica Mas, complementarmente, elas devem entender que tantos os seus quantos os arquétipos alheios fazem parte de um Mundo que é a soma de todos os mundos a que pertencem. E mais que esses mundos influenciam uns aos outros e estão em permanente transformação. O relativismo cultural relativiza as culturas, reconhecendo que todas elas são únicas e verdadeiras, mas busca nelas arquétipos universais imutáveis. Esforço inútil, pois apesar dos arquétipos serem aspectos particulares intransferíveis do coletivo, também estão em constante mudança por conta das constantes relações sociais, econômicas e políticas que os indivíduos vivem ao longo do tempo e do espaço. É isto que impõe à história as transformações da vida cultural. Porém temos que ter em conta que as sociedades estudadas pela arqueologia na Amazônia, já que são elas de quem tratamos neste livro, são ascendentes daquelas que distinguem muito bem a diferença entre o próximo e o distante na caracterização da sociabilidade. Além disto, como observou Viveiros de Castro (2002) também são aquelas que reconhecem a predominância da residência sobre a descendência e a contiguidade espacial sobre a continuidade temporal. Para Viveiros de Castro, o mundo indígena é perspectivista e povoado de intencionalidades. Isto é, ele é permeado pela ideia de uma multiplicidade de posições e intenções subjetivas, mas cujas representações são as mesmas para todos os seres. Em outras palavras, todos veem o mundo da mesma maneira, o que muda é o mundo que eles veem. Todos representam o mundo do mesmo modo, mas possuem diferentes perspectivas, de modo que todos têm uma perspectiva particular que muda o mundo conforme sua natureza. Mas, quando ele fala de todos, ele está falando de todos os seres, humanos ou não. Esse mundo é multinaturalista e antropomorfo, pois tem por base a humanidade e não a animalidade. No início, todos eram gente e com o tempo, alguns foram perdendo a sua forma humana, assumindo as diversas formas animais existentes. Aqui se compreende que o ser é o ser do outro, já que, na essência, todos são humanos em si mesmos. Mas já que todos são potencialmente humanos, não há essência, apenas formas corporais diferentes. E nada é relativo, já que o que o outro vê é o que você vê de si mesmo. Isto não quer dizer que o outro te vê como humano, porém que o outro – seja bicho, gente, amigo ou inimigo – vê a si mesmo como humano. Obviamente que o perspectivismo é a representação simbólica da relação caçador/presa sobre os mitos, independente, culturalmente, de qualquer dependência ecológica ou da economia que sustenta suas sociedades. Como as sociedades das terras baixas americanas não domesticaram qualquer animal, de modo que não tiveram sobre os bichos que consumiam, aparentemente, qualquer tipo de influência, compreenderam o mundo como uma unidade preenchida por diferentes formas de si mesmos, as de caça e as de caçador. A relação caça/caçador, que é interpenetrante e intercambiante, foi a “fortuna” herdada pelas populações agricultoras, cujo mundo, por conta disto, está mais para a luta e a troca do que para o domínio das coisas e a produção. Mas acontece que apesar das representações mitológicas, não era exatamente isso o que realmente acontecia. Na verdade, a maior parte dos mitos interpretados pela etnologia é proveniente de sociedades agricultoras que tiveram, sim, influência direta sobre a distribuição e evolução de espécies biológicas representadas por diversas 37 Amazônia Antropogênica plantas. Talvez por isto a interpretação animista de Marie-Françoise Guédon sobre a cosmologia dos Tsimshiam da Costa Nordeste e citada pelo próprio Viveiros de Castro, observe um fato que não foi salientado por ele: “De acordo com os mitos principais, o mundo, para o ser humano, tem o aspecto de uma comunidade humana circundada por um domínio espiritual, o que inclui um reino animal onde todos os seres levam a vida de acordo com suas características e interferem na vida dos demais seres.” (apud VIVEIROS DE CASTRO, 2002: 376). Ou seja, eles viviam a vida segundo as suas características, mas... interferindo na vida dos demais seres! Além disto, a própria simbologia da relação caça/caçador ou presa/predador é interpenetrante, pois quem é caça em certo momento também pode ser predador em outro. Deste modo, arqueologicamente falando, não importa o que eles diziam de si, porém o que faziam de fato. E o fato é que os indígenas interferiam no mundo conforme se inteiravam com ele. Eles interferiam na natureza que, segundo sua perspectiva mitológica, era conforme a sua mesma natureza humana. E é a esta interferência, na verdade mútua, que vamos chamar de inter-relatividade. Assim, diferente do relativismo cultural, a inter-relatividade é a compreensão de que nada que faz parte do social está isolado no mundo e que neste intercâmbio permanente há troca e interferência mútua. Por outro lado, a incapacidade de boa parte da arqueologia de perceber que o tempo passado não pode ser retomado tal como ele teria sido; o conformismo (de outra parte) com um mero entendimento da realidade (entendimento que não é possível porque tentam fazer isto através da explicação de um passado isolado ou associado a uma evolução hierárquica universal); e a ausência de uma preocupação com o curso da história em que vivemos devem-se à incompreensão que boa parte dos arqueólogos têm da natureza do objeto próprio dela. Aliás, é bastante provável que menos de 10% dos arqueólogos que intitulam suas pesquisas com a palavra resgate, em algum lugar da oração, têm noção exata do que estão dizendo. Por outro lado, a noção exata não basta. É preciso entender também que a natureza desse objeto só permite interferência na realidade pela antecipação de eventos futuros, que já pululavam tanto no passado quanto no presente. Ou seja, são eles próprios virtuais, mas com os quais podemos manter relações interativas na nossa realidade presente. Portanto não é nem pelo simples entendimento do passado e nem por qualquer capacidade de previsão do futuro que interferimos no presente. Nada que esteja aquém ou além do observador presente pode ser inferido. O entendimento incorreto da natureza gera toda sorte de desvio no pensamento. Na história da literatura brasileira, por exemplo, os seus primórdios estavam severamente atrelados aos ditames da literatura europeia. O que era nativo era completamente desprovido de valor literário ou artístico, de modo que escritor decente era aquele que se despia de qualquer originalidade regional e se esforçava para repetir os padrões artísticos europeus. Consequentemente, nossos escritores estavam regularmente atrasados em termos de tendência artística, porque estavam sempre a reboque das tendências intelectuais internacionais e suas demandas. Durante uns dois séculos, os acadêmicos ignoraram a discussão sobre a sua incapacidade para valorizar a arte nativa, porém gastaram rios de saliva discutindo as razões do atraso da literatura brasileira frente aos ditames da moda literária e artística provenientes de Paris. 38 Amazônia Antropogênica Na arqueologia brasileira atual, infelizmente, o nível das discussões parece estar na dos acadêmicos da literatura brasileira do século XIX, não sobre o local ou o provincial em si, mas sob que perspectiva a discussão deve ser orientada. Entretanto, enquanto a arqueologia científica no Brasil dava seus primeiros passos, ainda nas décadas de 1940 e 50, paralelamente à própria formação da disciplina no resto do mundo, certos cientistas sociais e outros representantes do panorama científico dos países hegemônicos geravam aberrações acadêmicas que acabaram justificando o holocausto. Enfim, há sempre uma defasagem, um hiato de tempo, entre o que a matriz dita e o arqueólogo nativo aplica. Este é o preço que os acadêmicos pagam por se sustentarem sobre as bases do edifício metafísico da modernidade. Eles não cuidam de expurgar da disciplina a ontologia colonialista que impede a construção de nossas próprias agendas e suas bases filosóficas. Muito pelo contrário, eles parecem se orgulhar de levantar as flâmulas dos valores colonizadores, sejam processuais, pós-processuais ou evolucionistas. Na década de 1950, por exemplo, quando Betty Meggers treina arqueólogos brasileiros para que esses possam efetivar suas pesquisas, a fundamentação teórica introduzida, o neoevolucionismo, além de ser fruto do século XIX, já era questionada por muitos outros arqueólogos (TRIGGER, 2004.). Mais que isto. Lévi-Strauss, crítico ferrenho do neoevolucionismo e cientista modernista, já havia lecionado na Universidade de São Paulo entre os anos de 1934/37 e passou quatro anos lecionando nos Estados Unidos nos anos de 1950/54. Portanto, quando Meggers chegou com o seu neoevolucionismo antirromântico, os princípios do estruturalismo já exerciam forte influência entre os antropólogos brasileiros. O estruturalismo virou “moda” intelectual nos anos 1960 e 70, entretanto não entre os arqueólogos. Anos depois chega ao Brasil Anna Roosevelt, em fins da década de 1980 e início da seguinte. Fazendo uma crítica ferrenha às falhas derivadas da ausência da necessidade de se usar dados arqueológicos para estudar aspecto não materiais de sistemas culturais, observadas nas pesquisas de Meggers, ela tenta restaurar o neoevolucionismo na teoria arqueológica amazônica. Apesar do sucesso inicial, Roosevelt não obteve a confirmação das suas proposições teóricas. Mas na época, suas ações foram muito festejadas e desejadas por intelectos nativos. Por outro lado, desde a última década do século passado, arqueólogos se voltaram para o estruturalismo, especialmente na sua vertente histórica. Mas justamente agora que o relativismo cultural tem tropeçado em seus limites e encontrado superação em outras concepções filosóficas, é que aparecem trabalhos na arqueologia, geralmente relacionados a iconografias regionais e distribuição linguística. Trabalhos sujeitos a críticas pela ausência de uma perspectiva de acontecimento e de duração. Isto está associado à falta de uma perspectiva original independente e à permanência dos modismos teóricos provenientes das metrópoles. Daí a sensação de incompletude, de insatisfação teórica, que poderia ser uma motivação para uma discussão mais profunda sobre a teoria arqueológica na Amazônia, mas não é. E no meio deste mar de pasmaceira científica os arqueólogos acabam retornando aos ancoradouros das ideias de Meggers ou Lathrap. 39 Amazônia Antropogênica Entretanto o maior desafio dos arqueólogos é reconhecer que a Arqueologia só tem valor científico quando trata de artefatos materiais e não materiais deslocados no tempo, não diferenciando mais entre si Homem e cultura, cultura e natureza; é reconhecer que seu objeto distorcido pela temporalidade só pode ser interpretado no espaço ocupado pelo observador; é reconhecer que o único tempo sensível é o tempo presente na duração; quando reconhece que seu objeto faz parte de um conjunto dinâmico ao qual está ligado, interferindo e sendo interferido. Sobretudo, reconhecer que a arqueologia é ciência, mas não é Ciência Moderna. O arqueólogo pode ir além do interesse de saber de onde as coisas vêm a fim de saber onde elas estão e para onde estão convergindo. Para tanto ele precisa se tornar hábil em capturar do passado algo coletivo ainda manifesto no presente, capaz de interferir positivamente no futuro, não em um sentido meramente instrumental, mas no sentido significante que o passado-presente pode ter para nós hoje-amanhã. Aí ele não prevê, antecipa, ele faz existir concretamente o que antes era só aparência. Nessa arqueologia, a intuição com sua disposição para a absorção do inconsciente que habita, quer os indivíduos, quer as sociedades, pode produzir um conhecimento “antecipativo” através da investigação de durações contíguas. A arqueologia pode desmascarar o efeito saturado do sujeito que, ao ver o outro, se confunde com a imagem daquilo que gostaria de ser. O efeito próprio dessa confusão de imagens é trocar a imagem do ser das coisas pela imagem do desejo. A temporalidade arqueológica revela que podemos encontrar nas linhas do passado um devir extinto que constitui o seu próprio sentido, mas também um devir virtualmente ativo cujo sentido ainda pode ser compartilhado no presente. A arqueologia, ao mergulhar no passado, viaja pelo interior da história, alterando e diferenciando o seu mundo, tornando-o estranho para si mesmo. Assim, neste sentimento de estranheza, de “alheamento”, distância e duração, seu mundo não se estreita, se abre; não se bloqueia, mas experimenta a vertigem da desestruturação que impõe à história a alteridade do mundo e as alterações do tempo. A arqueologia guarda um vínculo umbilical com o tempo e tem, portanto, muito a aprender com ele, desde que renuncie a “instrumentalizá-lo”, a tomá-lo como mera condição do contato com memórias esquecidas ou como reconstituição de outra – externa – realidade. Ela deve procurar, no tempo, os objetivos menos nítidos de um acontecimento que se projeta no passado e no futuro, mas que lhe permite não só encontrar-se no sentido próprio dele, bem como transformar o presente e a sua realidade. Assumir a natureza invisível dos objetos arqueológicos é reconhecer um tempo presente cuja atividade confere ao saber arqueológico a capacidade de antecipar o futuro. Esta é a diferença em relação àqueles que, no fim das contas, buscam algum meio de previsão e de controle social. O que está sendo colocado é a possibilidade da antecipação do que está por vir. E a novidade é esta, visto que o tempo presente é vivenciado interativamente e é nele que se encontra o ponto de intercessão entre o passado e o futuro, então tudo que podemos projetar para depois, é porque já pode ser vivenciado aqui e agora, coletivamente. 40 Temos visto que a arqueologia não é fruto das causas que fizeram surgir as ciências naturais, a história e as ciências sociais. A arqueologia tem as suas próprias causas e estas não são iluministas. A positividade da arqueologia, se ela quiser cumprir algum papel histórico para a ciência, é despojar-se de todo e qualquer vínculo cumulativo, insensível e obstruído com o mundo, relacionado à percepção das ciências baseadas na observação visual da natureza. Por isto, antes de entrar na questão a ser abordada neste subcapítulo e já prenunciado no anterior, vamos reforçar um pouco mais a questão central do capítulo, que é a arqueologia enquanto ciência e, portanto, capaz de intervir na realidade. Amazônia Antropogênica ARQUEOLOGIA INTER-RELACIONAL Todo pensamento, sentido ou percepção é uma imagem psíquica, e o mundo em si só existe quando produzimos uma composição psíquica dele. Uma realidade arqueológica sem uma força inconsciente, sem uma imagem ou uma revelação psíquica, é inútil. Sem esta força a arqueologia fica desprovida de sentido e não pode transformar a realidade. Toda ciência deve ser capaz de transformar a realidade, portanto o pensamento arqueológico deve produzir uma noção consequente com força suficiente para transformar o real. Até mesmo a matéria é uma hipótese, pois quando se diz “matéria” realmente se está criando um símbolo de algo desconhecido. Na verdade, o princípio científico e filosófico da unicidade do ser, da vida e do cosmos, é indivisível em “mental” e “corporal”, “espiritual” e “material” e em “natureza” e “cultura”. A única realidade é a que está aqui e agora; verdades passadas nunca escreverão este texto, ou o lerão, ou pensarão nessas coisas; nem existem verdades futuras – elas ainda estão em gestação, e escreverão e lerão textos distintos e terão outra compreensão de mundo e pensamentos, provavelmente mais intricados, mas certamente diferentes. Portanto a arqueologia que conceitua o passado com mera referência no presente, acaba por correr o risco de criar símbolos já conhecidos, mas inúteis, uma vez que eles estão vazios dos conteúdos psíquicos e sensíveis do mesmo passado nomeado por ela. A solução para esse problema aparece quando se buscam as forças e expressões psíquicas do passado investigado, fazendo ressurgir uma aura até então ausente de cor e vibração, mas ainda ativa, pois preservou no tempo e no espaço uma duração que atravessa o presente. Desse modo, não é qualquer acontecimento arqueológico que fornece conteúdo psíquico e sensível atuante. Distinguir entre as manifestações arqueológicas, aquela duração cujas expressões guardam uma força inconsciente ainda adequada e ativa – no presente da sociedade contemporânea – deve ser a tarefa do arqueólogo. Das ciências, a arqueologia é aquela que responde às necessidades interiores da história. Ela é meia-irmã da psicanálise, visto que é filha da mesma mãe. A arqueologia não é uma disciplina qualquer, ela possui uma especificidade muito particular, exclusiva. No máximo ela pode ser comparada à psicanálise, mas enquanto esta trata das pulsões íntimas individuais, a arqueologia trata dos fluxos socioculturais no interior da história. A motivação da arqueologia é o movimento de interiorização na história, implícito na vontade humana de saber e poder ir além do visível. Contudo, nas pulsões recorrentes no interior da história, as relações socioculturais são providas de elos conectivos ativos, 41 Amazônia Antropogênica que fazem com que todo evento histórico seja inteirativo e componente de um acontecimento que tem intensidade, sentido e duração. Certamente o espetáculo arqueológico não é o que se desenrola à frente das vistas do arqueólogo, mas aquele que se oferece ao recolhimento de algo que brota de dentro da história e não se deixa aprisionar pelo passado e nem pode ser congelado por uma geometria temporal que se repete eternamente ou se alonga até o infinito. E isto está de acordo com o monumental na arqueologia brasileira, que não se revela em nenhuma engenharia estrutural, mas sim na arte e na organização política e social dos povos nativos. Mas essa arte e essa política devem ser entendidas como fruto de relações sociais de culturas em rede, onde os seres humanos não só estão em conexão com eles mesmos e agindo uns sobre os outros, como também com o mundo que os cerca. As relações sociais de culturas em rede fazem com que a manipulação da cultura material e da cultura cognitiva seja uma atividade intencional que não só resulta em mudanças sociais, transformações ideológicas e cosmológicas pelas quais as pessoas interpretam o mundo, como também na reconstrução do próprio mundo. Na cultura em rede, os seres humanos e o mundo não são marionetes da cultura ou da natureza, mas expressões diferenciadas da natureza agindo como um conjunto, de modo que um refaz o outro toda vez que eles se relacionam. Ou seja, quando o eu e o outro interagem não há mais o eu ou o outro que se reconheça sozinho. Hoje, não é só a história que se encontra subtraída à visibilidade, mas a própria visibilidade como expressão da ciência. O que faz a arqueologia avançar não é a evidência intelectual das interpretações propostas pelo passado, mas um movimento ao interior desse mesmo passado, que além de não se deixar descrever em termos de atos de visão, faz com que aquele que o investiga absorva um sentido até então julgado inexistente em si mesmo, mas que no presente ainda está vivo e ativo. O impulso ao interior e ao ‘ex-secreto’ acaba levando a mentalidade a uma busca de comunhão com a natureza. Esta busca se desespera na medida em que se constata que a natureza se reduz no urbano e no social à natureza não tão evidente das bactérias, dos vírus e do próprio Homem. Mas esta busca da natureza traz o retorno da diferença, onde a cultura nunca permanece a mesma, mas sempre é aquela que emerge na nossa apreensão. Porque a natureza é o reduto onde a vida habita e se manifesta amorosamente e a cultura é a ferramenta com a qual se planeja a recriação permanente da vida e do amor, potencializando a natureza. Pois todo aquele que ama sabe que o amor é aquilo que une, e tudo que é unido pelo amor supera o ego e o eu. A recriação da vida não se dá pela busca da verdade, mas pela incessante invenção do mundo. Ou seja, não existe uma verdade absoluta só verdades inventadas pela reinterpretação incessante da verdade absoluta. A interpretação permite que os indivíduos com distintos interesses sociais reconstruam o passado de forma igualmente diferente. Isto tira da essência o caráter monopolista, pois ela é constantemente transfigurada pela cultura, que faz existir o que antes não havia na natureza. Ao fazer isto, o que não existia passa a existir na verdade absoluta que então se transforma em outra verdade. Além do mais, reforça a indeterminação e a ambiguidade no processo científico da arqueologia, já que a interpretação objetiva é também uma variável. Mas tudo que vem a ser no mundo 42 Amazônia Antropogênica não vem isolado. O que está no mundo não está como unidade desunida, mas como parte de um contínuo conjuntivo, cujos componentes sempre apresentam uma realidade inter-relacional. Nos acontecimentos, a realidade das inter-relações está naquilo em que os eventos se correspondem. Esta correspondência é inteirativa, visto que na realidade contínua da natureza, as dualidades e diversidades de mundos são inter-relacionais. Isto é, a relação entre elas é emaranhada e constitui um todo mutuamente cambiante. A inteiratividade, o tornar-se inteiro, é uma relação entre dois ou mais sujeitos, em que a ação de um não anula a do outro. Esta é uma relação de complementação, de modo que ela nunca é uma via de mão única, mas uma via de mão múltipla em que o agente é, simultaneamente, transmissor e receptor de toda ação. A arqueologia inter-relacional reconhece uma natureza em que tudo interage com tudo, constituindo um contínuo espaço-temporal dividido por múltiplos acontecimentos inteirativos. Sendo assim, a arqueologia inter-relacional não é tanto da ordem da cultura quanto o é da ordem das relações sociais, econômicas, políticas ou religiosas. Na perspectiva da arqueologia inter-relacional, além dos eventos serem da ordem das relações, os arquétipos locais não representam os arquétipos regionais e nem os regionais representam os arquétipos universais. Os elementos semelhantes que as culturas compartilham, conforme as relações que se estabelecem, mudam a perspectiva e o desenvolvimento histórico de cada uma. Fundamentalmente, se as culturas possuem arquétipos semelhantes, é porque as relações entre elas convergem para uma mesma noção comum compartilhada. Pode-se dizer que o mundo é o produto dos diferentes modos como é apreendido e compreendido e nele não há inatividade e nem hierarquia, mas mudança, diferença e convergência. Ou seja, as sociedades modernas da economia globalizada podem aniquilar as histórias locais possíveis, mas essas histórias não só fazem parte do conjunto de todas as sociedades, bem como também têm seus próprios processos de criação e aniquilação. Nenhuma história é isolada e estática no tempo. O tempo interage, se expande, se manifesta... e cada instante é um instante que nunca mais se recupera, mas sempre se sucede no lugar onde se altera. A arqueologia no momento em que sente o mundo, a ecologia e o indivíduo como uma só expressão, torna-se subjetiva e política. Contudo, é preciso que a arqueologia sinta o indivíduo sincronicamente ligado ao social, ao cultural e à natureza, a um universo que responde por ele e por muitos. Um universo que não é nem único e nem infinito, mas particular e paralelo a muitos outros com os quais pode deter pontos de conexão. E isto vai além dessa perspectiva, visto que também é preciso que o arqueólogo compreenda esta propriedade imanente aos seus objetos de estudo. Só assim teremos a recuperação da aura da História. Mas para se compreender a inter-relatividade arqueológica em todas as suas causas e efeitos, para que se tenha a dimensão exata das questões que esta ideia acarreta é preciso compreender o tempo, o tempo enquanto realidade física e representação filosófica. E questione: no tempo, onde se insere a história dos eventos inteirativos? O que isto quer dizer? Que arqueologia pode ser vislumbrada quando entendemos que todos os eventos de um acontecimento se desenvolvem interagindo uns com os outros? E, em particular: 43 Amazônia Antropogênica 44 como foram construídas na história das antigas sociedades amazônicas as inter-relações socioculturais regionais? Como interpretar essas inter-relações e alçar o objetivo final do conhecimento que é transformar a realidade? De fato, tentaremos mostrar adiante que o objetivo final do conhecimento arqueológico não é a simples recuperação de técnicas e práticas passadas, porém a lapidação da alma coletiva do Homem no presente do seu próprio espaço histórico. Ao se pretender encontrar experiências passadas potencialmente ainda ativas hoje e admitir que toda relação é inteirativa, é de se esperar que, em vez da sociedade nacional impor os seus padrões às sociedades tradicionais, as sociedades tradicionais é que têm saberes, práticas e técnicas que devem ser incorporadas à sociedade nacional. Claro que nesse ato, no fim das contas, tanto uma como as outras não permanecerão as mesmas e se fundirão em outro novo mundo, porém comum a todas. Todavia, se a arqueologia lida com o invisível e nela o passado não pode ser experimentado e nem o futuro pode ser previsto, como ela acontece no tempo? Que tempo conectivo, enfim, é este? Simultaneidade Generalizada dos Acontecimentos Amazônia Antropogênica A REDE DE CONEXÃO TEMPORAL DA NATUREZA Marcos Pereira Magalhães A TEIA ENTRELAÇADA DO TEMPO O capítulo anterior foi encerrado com a defesa de uma arqueologia inter-relacional e que o melhor meio para compreendê-la seria entendendo a natureza do tempo. Será, pois, o entendimento do tempo que apresentará toda dinâmica, toda dimensão, toda inteiratividade, que além de fazer da arqueologia uma das ciências do contínuo espaçotemporal, poderá fazer dela uma das principais ciências do invisível. No entanto, para entendermos o tempo, necessariamente temos que mergulhar fundo nas insólitas águas das estruturas cósmicas da matéria. E hoje, não há nada mais cientificamente representativo e ao mesmo tempo impalpável, do que as disciplinas científicas que estudam as entranhas do Universo. Não existe nenhuma outra fora do conjunto dessas disciplinas (física, química, astronomia, matemática, etc.) mais equipada técnica e teoricamente para o entendimento do tempo. Portanto, será sobre os ombros delas que apresentaremos a ideia de tempo como o fundamento móvel dos acontecimentos históricos. A trajetória do pensamento arqueológico será levada para além do senso comum, onde o estranho e o subjetivo são mais regra geral do que exceção. Nessa trajetória, a química, a matemática, a física e a comunicação explicarão a relação do tempo com a história, muito mais do que se poderia explicar com simples sequências estratigráficas ou cadeias operatórias de cultura material. A exposição a seguir poderá parecer complicada demais, mas ela apenas tentará mostrar que há várias escalas e meios para interpretarmos o mesmo fenômeno. Como disse Schopenhauer, assim como uma circunferência de 1 cm e uma de mil metros de diâmetro gozam das mesmas propriedades geométricas, os processos históricos dos antigos povos amazônicos e do mundo ocidental, por exemplo, são essencialmente os mesmos, e em um e noutro pode-se estudar e conhecer a 47 Amazônia Antropogênica humanidade. Porém o conhecimento que um determinado povo nos permite alcançar por suas representações do mundo, só pode ser aquele proveniente de seus próprios olhos. De fato, a humanidade não tem uma única história, mas muitas histórias possíveis, cada uma com a sua própria narrativa. E tudo que podemos ver e compreender dessas histórias é aquilo que, estando nelas, está simultaneamente em nós. Em princípio o uso concomitante de termos da física e da história para o tempo implicou a ausência de dados concretos que sintetizassem ambos em uma só definição. Isto não era o objetivo central deste capítulo, porém a ausência desses dados foi suprida pela presença do conhecimento intuitivo. Esse conhecimento se expressa não pela busca exata das medidas e das formas racionalmente definidas, mas pelo caminho mais provável e plausível que o pensamento deve seguir para a apresentação certeira da ideia. O problema é que nem sempre a intuição é capaz de perscrutar as entranhas da natureza, por isto também é necessário acrescentar uma boa dose de imaginação. Talvez isto possa parecer bizarro para quem procura identidades conceituais puras e realistas. Entretanto, como visamos ao entendimento das ideias de tempo através dos conceitos espaço-temporais na abstração do pensamento arqueológico, foram utilizadas as ferramentas disponíveis ao conhecimento. Enfim, seja através das ciências naturais ou das ciências humanas, o objetivo final foi mostrar a simultaneidade generalizada dos acontecimentos na temporalidade arqueológica. Ou seja, mostrar que todos os acontecimentos são simultâneos, independentemente do tempo ou do espaço vigente, enfim, são singulares. Por isto, conceitos físicos, funções matemáticas e narrativas arqueológicas não serão excludentes aqui. Pois, como temos defendido, a natureza, através de suas múltiplas faces, revela-se na mente humana segundo aquilo que corresponde a ambos. Se por um lado nossa existência impõe regras determinando de onde e em que momento é possível para nós observarmos o Universo, por outro, a ocorrência do nosso ser restringe as características do tipo de ambiente no qual nos encontramos. Mas a interpretação humana da natureza é verdadeira porque, filosoficamente falando, a natureza fala pela boca do Homem, já que a nossa existência impõe regras que selecionam, entre todos os possíveis ambientes, somente aqueles com as características compatíveis com a nossa vida. Nesta perspectiva, podemos afirmar que a evolução do conhecimento humano é a evolução da autorrevelação do mundo, mas do mundo antrópico. As diferentes versões que os diferentes saberes e narrativas históricas produzem são versões complementares de uma mesma natureza: seja física ou cultural. Mas aqui cabe uma advertência: como reflexo da separação iluminista entre o Homem e a natureza, todo o desenvolvimento científico se baseou na ideia de que os fenômenos físicos e o comportamento social, cultural e psicológico das pessoas no mundo são coisas distintas. Tanto cientistas naturais quanto cientistas humanos não admitem inferências mútuas. Para ambos existem leis: os primeiros cantam loas para suas leis invioláveis e imutáveis; já os segundos se conformam com suas leis jurídicas e morais, violáveis e mutantes. Na sua prepotência objetiva os físicos não admitem a possibilidade de que os fenômenos naturais mais profundos tenham qualquer relação com os fenômenos que ocorrem na história e na cognição humana. Físicos e matemáticos são capazes de perscrutar e representar o imensamente pequeno e o imensamente grande, de descobrir uma ligação entre ambos, mas sem qualquer vergonha da ignorância que os embota, 48 Amazônia Antropogênica acreditam que a história habita um limbo onde nada do que acontece no Universo tem a ver com pessoas, comunidades ou sociedades, só com forças, átomos e galáxias. Já para antropólogos, historiadores, sociólogos, arqueólogos e outros, a cultura além de não fazer parte do mundo físico, é oposta à natureza. Entretanto, entre os seres humanos, a noção de tempo, individual e social nos qualifica e distingue de outras espécies, pois nós usamos o tempo como referência para atividades sociais, assim como, coletivamente falando, para a própria construção da história. Desta forma, o tempo serve como um meio de orientação no universo social e é um regulador da coexistência. Além disto, a percepção do tempo está associada às alterações externas e, no caso das sociedades, também está relacionada com o seu próprio desenvolvimento cultural e social. Por outro lado, a humanidade vem mostrando a multiplicidade da história e a capacidade espetacular que as culturas têm de se transformar e de fazer com que as sociedades compreendam o mundo e o tempo de modos sempre diferentes, mas igualmente verdadeiros. A percepção temporal de cada sociedade, ao longo da história, invariavelmente, tem a sua própria estrutura. Consequentemente, isto nos leva a reconhecer que a perspectiva antrópica do universo é um atributo da diversidade de nossa existência no mundo. Pois, inegavelmente, somos muitos, mas fazemos parte do Universo, somos filhos das estrelas e feitos de átomos de carbono. E para completar fomos nós, os seres humanos, e mais ninguém, quem construiu a história social e cultural onde tudo isso foi pensado, testado e aprovado. Portanto, se alguns estudiosos estão sendo capazes de unificar a gravitação com a incerteza quântica, então não é possível que os demais fiquem incólumes, encastelados em sua soberba ou indiferença, enquanto involuntariamente são jogados no vácuo coletivo da história, à mercê dos erros políticos, econômicos e religiosos que se multiplicam como pragas violando a harmonia do planeta. Ainda que para os físicos a natureza se apresente em diferentes escalas para as quais existem leis específicas, não podemos nos conformar que tenha sobrado para a nossa escala de existência justamente o limitado universo newtoniano, além do qual não nos é permitido avançar. Na verdade, no nível mais profundo, as teorias que explicam o Universo, aliás, o Multiverso, são suficientemente abrangentes para envolver todas as escalas. É aí que está o ponto a ser atingido. Mesmo que a teoria a ser apresentada seja heurística, isto é, hipotética, ela também é um instrumento investigativo que pode levar a descobertas significativas. Ela não é uma mera viagem alucinógena fantasiando a realidade, porém uma viagem pelo pensamento que percorre diversos e até antagônicos caminhos, todos convergindo para a representação de um mundo irreversível, que se revela nos átomos, nas galáxias, na história e em nós. UMA PERSPECTIVA MATEMÁTICA DO MUNDO Como se sabe, químicos como Prigogine (1996) demonstraram, efetivamente, que a matéria animada (a vida) é resultado da irreversibilidade da natureza. Ou seja, seus sistemas dinâmicos instáveis não podem voltar para estados anteriores. Em outras palavras, nada retorna para a condição anterior. Além disto, que os estados da matéria não são da ordem das partículas individuais, mas do conjunto das partículas. Recentemente, 49 Amazônia Antropogênica físicos, como Hawking (2011) vêm confirmando que a observação presente afeta o passado; que não existe uma história única para o Universo; e nem mesmo uma existência independente para as suas partes. Ora, isto implica reconhecer que o tempo avança, mas não recua. E que nada do que se vê está isolado de quem vê. Porém isto é ainda mais profundo e há anos conhecido. Afinal, na matemática, Listing (1847) já havia definido a topologia como o estudo das características qualitativas das formas espaciais, ou as leis da conectividade, da posição mútua (homeomorfa – noção natural de equivalência entre superfícies) e da ordem dos pontos. Reimann (1892) havia demostrado que todo espaço com curvatura positiva constante é necessariamente finito e que grandes círculos são necessariamente fechados. E mais, que duas superfícies que são a mesma de um ponto de vista topológico podem ser muito diferentes do ponto de vista geométrico; na física, Einstein, em 1905, demostrou que o tempo não é o mesmo para todos, mas é flexível e pessoal; que sua realidade depende da velocidade e da posição do corpo no espaço; que espaço não se diferencia de tempo e que o campo gravitacional da massa do corpo curva o espaço e o tempo; em seguida, ainda na matemática, Simplícios (apud O’SHEA, 2009) argumentou, em 1921, que o universo não tem fronteiras (isto é, não tem borda, contorno ou margem), mas tem fim e que ele, tal como a superfície da Terra, se curva diferentemente em pontos diferentes; Poincaré (1952), por sua vez, questionara que se o Universo inclui todas as coisas, como poderia haver outra coisa sobre o qual ele se curvasse? Na década de 1960, o teorema de John Bell mostrou que há um entrelaçamento quântico por meio de variáveis ocultas não locais, no qual as partículas trocam informação a respeito de seus estados, independentemente do tempo e do espaço entre elas. Finalmente, contemporaneamente, entre 2002 e 2003, Perelman (PERELMAN, 2002, 2003a e 2003b; MORGAN, 2006) provou, pela noção de entropia, que não haveria colapso na conjectura de Poincaré. Isto é, que apesar da esfera tridimensional ser a única variedade compacta em que todo caminho fechado pode se contrair em um ponto, em um conjunto de variedades tetradimensionais, um pequeno número de caminhos fechados (esferas), além de ter curvatura positiva, as ligações entre cada ponto são conexas em diferentes resoluções independentes do tempo. Portanto o Universo seria multiplamente conexo com diferentes topologias em diferentes escalas onde o tempo não é parâmetro. Nele, as variáveis temporais não são paralelas, porém, simultâneas. Isto é, como toda paralela sobre uma superfície fechada se cruza, todo ponto se liga a outro em algum lugar do espaço e do tempo, no qual não importa a grandeza da distância, mas sim a escala. E assim, além de paralelos os tempos se cruzam, o que torna o vigente singular. Por outro lado, neste caso nem existem objetos individuais e nem sequer existência independente, eles existem apenas como parte de um conjunto de muitos objetos. Como consequência, não haveria nem passado nem futuro, apenas possibilidades de histórias diversas que toda observação do estado presente afeta, sejam as possibilidades passadas ou as futuras de cada uma delas. A singularidade do tempo deve ser entendida como um horizonte que, como nos buracos negros, torna infinitos tanto o espaço como o tempo, de modo que todos os espaços e tempos possíveis estão contidos nele. Cantor, ainda no século XIX, demonstrara que a potência da soma dos subconjuntos é maior que o próprio conjunto que os contém. E que, inclusive, a potência da soma dos 50 Amazônia Antropogênica subconjuntos de cada subconjunto do conjunto, também é maior que o subconjunto onde estão contidos e, assim, sucessivamente. Sobre isto, até pouco tempo atrás, alguns matemáticos achavam que ou Cantor ou a própria matemática estava completamente errada. Mas hoje poucos ainda pensam assim. Na verdade, e concordando com a afirmação do parágrafo anterior, como a geometria de cada subconjunto cósmico pode apresentar, localmente, curvatura constante positiva (ângulo maior que 180º) ou negativa (ângulo menor que 180º), o conjunto de todos os subconjuntos do Universo promove uma curvatura inconstante, que associada à potência da soma dos subconjuntos faz com que o Universo se curve sobre si mesmo e em todas as direções espaço-temporais. Com isto, em um Universo com diferentes topologias e escalas diferentes e com uma potência maior que si mesmo, todos os pontos de qualquer subconjunto apresentam um laço simplesmente conexo (ou seja, que pode ser contraído a um ponto) em um local homeomorfo fora da superfície dos pontos. Esse laço, ponto de contração comum, é a conexão externa (fora da posição original de cada um dos pontos) que se estabelece entre todos os corpos do Universo, independentemente da posição ou distância de cada um deles no Universo tetradimensional (espaço-temporal). Considerando a organização em conjunto das manifestações individuais e que a soma delas é maior que o próprio conjunto que as contém, então se deve ter em mente que mesmo que não possamos ter a compreensão da totalidade do Universo, ao acessarmos parte dos subconjuntos desse total estaremos muitos mais próximos da realidade do Universo do que se observarmos qualquer uma de suas partes individualmente, ou se tentarmos compreendê-lo através de sua totalidade. Por outro lado, desde Einstein e Poincaré, tem sido demonstrado que além do tempo poder ser definido pela posição e a velocidade do corpo no espaço e que apesar de diferentes, todos são reais, os sistemas dinâmicos possuem histórias diversas imprevisíveis, mas simétricas e seguindo a direção da entropia do nosso Universo: passado/presente/ futuro. Portanto, se o Universo é multiplamente conexo e o tempo não é parâmetro, isto quer dizer que a flecha do tempo corre quando o evento acontece em relação a outros eventos com os quais está em interação, mas cujo conjunto nenhum tempo em particular pode definir1. Pensando na perspectiva da história, ainda que a nossa consciência só possa vivenciar o presente, temos o senso comum de que o tempo corre do passado 1 Na interatividade conectiva da matéria, a reação desencadeada e a nova informação gerada são diferentes em toda parte. Já a estrutura da matéria, que pouco seria se não fosse elemento de um conjunto em correspondência com outros conjuntos materiais, além de tetradimensional seria uma trigonotela (Trigono do grego ‘trígonos’, que quer dizer espaço triangular; tela do latim ‘tela’, que quer dizer teia). A estrutura trigonotelária do Universo organiza os corpos materiais tetradimensionalmente em todas as suas escalas. A posição tetradimensional de todos os corpos no Universo constituiria uma rede espacial cujo conjunto apresenta uma forma geométrica trigonotelária extremamente complexa. Mas como esta teia é formada por conglomerados de subconjuntos variáveis subatônicos e cósmicos, a tetradimensionalidade formal do Universo é uma função. A própria estrutura material do Universo, enfim, seria uma “função trigonotelária”. A função trigonotelária é a estrutura da matéria organizada em uma rede complexa de grafos que se conectam através de pontos compartilhados, independentes do espaço, do tempo e da dimensão particular de cada um deles. É possível chegar às conexões formais das redes materiais, desde que apliquemos a matemática que considere que a função trigonotelária seja uma inter-relação entre conjuntos em que a dependência entre eles se dá em diferentes dimensões, mas independente do tempo, do espaço e da natureza do elemento. Isto é, na teoria da comunicação deve-se considerar a teoria das funções, a entropia, o terço médio de Cantor, as variáveis não locais e a geometria dos sistemas complexos. Se demonstrada corretamente, a função trigonotelária deve eliminar qualquer intervalo de tempo existente entre uma informação e outra: nela, todas as informações são simultâneas e derivadas delas mesmas, já que o tempo e a distância entre os conjuntos e os subconjuntos são iguais a zero (MAGALHÃES, 2008a). 51 Amazônia Antropogênica para o futuro. Mas os processos dessa corrida, apesar de terem uma direção definida, não são os mesmos para todo mundo. Além disto, do mesmo modo que o futuro não pode ser determinado, o passado também não pode ser retornado, pois ambos se encontram fora da história em construção, em um evento comum externo. Isto está de acordo com a entropia do tempo físico, à qual a perspectiva da história está submetida. Apesar de serem coisas distintas, são, pois, os diversos tempos que dão direção particular às diferentes histórias. O tempo está em toda matéria, desde que ela esteja em movimento e interagindo com outra em algum lugar. Porém, no âmago mais profundo da estrutura da matéria, nem o espaço e nem o tempo podem ser pré-definidos, porque a definição depende das interações estabelecidas fora do horizonte de singularidade. Apesar de na escala dimensional em que existimos o tempo ser simétrico para todas as histórias, como cada uma delas é dinâmica e tem uma realidade particular, é o tipo de instabilidade ou assimetria entre elas que define as particularidades e aonde as conexões são possíveis. Em outras palavras, quando dois ou mais eventos se tornam conexos, eles passam a ser acontecimentos contíguos apenas através das particularidades que os unem. Por outro lado, como a ligação entre eles ocorre em várias escalas exteriores, ela pode ocorrer entre eventos não locais e nem contemporâneos. Assim, a ligação generalizada entre diferentes conjuntos de eventos históricos os torna simultâneos. Como a simultaneidade é singular, situações históricas não simétricas podem alterar a ordem dos eventos, impondo ao sentido da duração, outra dinâmica histórica. Em síntese, na natureza como na vida humana, há evidências de que todos os eventos pontuais são simultâneos e conexos, mas não necessariamente sincrônicos; que na vida humana só há integração histórica quando diversos eventos conectam diferentes indivíduos ou instituições de diferentes conjuntos de acontecimentos socioculturais, com sentido, intensidade e duração particulares; que entropias diversas podem criar instabilidades na ordem histórica estabelecida, mudando seus rumos e, consequentemente, alterando suas intensidades, sentidos e duração. Enfim, entre tempo e história, a diferença fundamental, assim como entre natureza e cultura, é de escala: um é fenomenal, o outro é arte-factual; mas ambos são antrópicos. Considerando o lugar para definir a posição dos eventos na história e a relação deles com eventos de outros lugares e tempos (tal como se define o tempo segundo a posição das partículas no espaço e o entrelaçamento topológico não local delas) podem-se considerar quatro coisas: 1- existem diversos centros históricos possíveis, porque cada conjunto de relações sociais ocupa um lugar de onde a história é vivenciada, produzida e narrada; 2existem lugares paralelos e, portanto, diferentes histórias que ocorrem simultaneamente; 3- existe uma inter-relação entre os diferentes centros históricos, que é tanto mais intricada se partilharem uma mesma região ou território, respectivamente; 4- na inter-relação a ação de todo evento implica uma ação simultânea que se manifesta segundo o lugar e o tempo particular de cada qual. Deste modo, cada lugar é um centro de produção da história possível, que é gerada pelo produto coletivo das inter-relações individuais que ocorrem em um território ou região. Os diferentes centros possuem acontecimentos com ritmos, características e velocidades diversas e compõem um conjunto onde todos então inseridos. Mas, tal como na evolução termodinâmica da matéria, além de seguirem sempre 52 Segundo uma observação certeira de Maturana (2001), as relações humanas são comutativas, o que torna os centros históricos não excludentes, pois sempre são componentes de um conjunto mais amplo e geral. Por outro lado, nessa comutação, os eventos que são homeomorfamente conexos em determinado momento histórico, só se repetem na diferença. Ou seja, o sentido da expressão cultural própria de um lugar, quando se repete em outro lugar ou tempo se repete apenas através da diferenciação. Deste modo, o mesmo evento histórico pode se manifestar, simultaneamente, em outro lugar do espaço compartilhado, mas expressando-se segundo a compreensão e sensibilidade específica daqueles que fazem a história vir a ser o que é nesse outro lugar. Na natureza múltipla e diferenciada da história, a cultura se diversifica variando no tempo e no espaço. Mantendo elos que são conexos e inter-relacionais, compõe com outras manifestações culturais o mesmo conjunto. Assim, não é só o surgimento, a mudança e o colapso de uma cultura que contam, mas também o espaço contíguo de sua vivência inter-relacional, que implica diferentes estratégias de relações sociais e econômicas. Em síntese, existem diferentes centros históricos e esses centros geradores de eventos, por sua vez, são componentes atratores de uma teia global formada por um conjunto contíguo, composto de muitos outros subconjuntos ocupando posições espaço-temporais distintos, mas interrelacionados. Amazônia Antropogênica a mesma direção de tempo: passado, presente, futuro; conectam-se exteriormente uns aos outros com os quais são correspondentes, formando um conjunto de acontecimentos históricos composto de muitos subconjuntos com durações e territórios distintos. A afirmação de que tudo na história se repete na diferença implica uma perspectiva de temporalidade diversa daquela atribuída ao tempo linear. Para melhor entender isto, será mostrado, adiante, qual é a natureza desse outro tempo histórico. Tempo histórico que, apesar de diferenciado, não pode ser demonstrado completamente isolado do tempo físico na natureza. Na física dos sistemas instáveis, o tempo não depende de nossa consciência, e mundos paralelos existem independentes do nosso conhecimento, uma vez que o tempo precede à história. Na relatividade geral, por sua vez, tempo e espaço não se separam, mas cada posição no espaço tem seu próprio tempo. Já para a matemática, além de poderem ser conexos, os tempos dos mundos são simultâneos em um horizonte singular. Estes são fatos que se refletem na própria estrutura do cérebro. Segundo Miguel Nicolelis (2011), os neurônios são capazes de estabelecer um grande número de conexões com outros neurônios, tanto localmente como a distância. São redes entrelaçadas que transmitem informações em todas as direções. Por sua vez, Milton Santos (2002) ajuda a evitar qualquer paradoxo de tempo na história ao esclarecer que o espaço é o conjunto dos objetos organizados e utilizados conforme uma lógica que, ao confundir-se com a lógica da realização das ações históricas, assegura-lhe a continuidade. Deste modo, a história se realiza através do espaço que, por ser composto de lugares diferenciados, não é harmônico e nem preestabelecido, pois cada vez produz uma nova síntese e cria uma nova unidade. “Assim ele (o espaço) redefine os objetos técnicos, apesar de suas vocações originais, ao incluí-los num conjunto coerente onde a contiguidade obriga a agir em conjunto e solidariedade” (op. cit.: 40/41). Tempo e história, pois, mesmo sendo coisas que não se confundem, reagem de modo semelhante. 53 Amazônia Antropogênica E mais. Para Milton Santos, como o espaço geográfico não é homogêneo, evoluindo de modo particular em cada território, a originalidade do tempo histórico dos objetos não é, tal como já foi afirmado antes, a mesma em toda parte. Isto garante múltiplas continuidades históricas particulares, pois as possibilidades de diferentes usos dos objetos em territórios distintos implicam diversas possibilidades evolutivas. Isto é, ainda que a direção da flecha do tempo seja a mesma para todos os territórios, a sua natureza na história é presente e local quando analisado isoladamente, mas é não presente e não local, quando visto em conjunto. Devemos compreender então que mesmo apresentando perspectivas diferentes, há uma intercessão entre a história e o tempo, de modo a fazer coexistirem no espaço eventos locais e não locais, presentes e não presentes, paralelos ou simultâneos, na evolução dos acontecimentos históricos. Para reforçar os argumentos apresentados acima convém lembrar que, segundo o teorema de Bell (1987), mesmo quando não há ninguém observando, a realidade pode ser não local. Isto é, haveria alguma coisa na natureza transmitindo um efeito causal instantaneamente a grandes distâncias. Porém, nesta ação a distância, segundo David Bohm, não haveria um efeito meramente “causal” entre partes distantes (apud BERKOVITZ, 1998). Eventos distantes poderiam estar “correlacionados”, exibindo propriedades semelhantes, sem que houvesse uma causa comum para este comportamento semelhante. Ou seja, duas coisas poderiam passar a ter certo valor ao mesmo tempo, de maneira não local, sem que houvesse algo comum que “causasse” este valor. Na história também percebemos isto, pois eventos semelhantes não locais ocorrem simultaneamente mesmo que os agentes sociais que os produziram se desconheçam, tenham chegado ao mesmo resultado por caminhos e processos históricos diferentes e não atribuam a eles o mesmo valor ou significado. Isto é mais comum em um território2, onde os eventos locais evoluem em conjunto, ainda que não haja um plano coletivo consciente e nem um local central que controlaria todos os eventos não locais. Afinal, como veremos mais adiante, território é uma área com diversos locais com tipos de uso e funções sociais diferentes, habitualmente usados por uma população para a subsistência e práticas cotidianas ou especiais. Além disto, nas fronteiras (geográficas ou culturais) dos territórios existem áreas comuns para populações distintas, onde podem ocorrer trocas e influências diversas. Seriam justamente nessas áreas fronteiriças que ocorreriam as conexões homeomorfas, onde eventos locais e não locais se encontrariam e traçariam elos comuns de comutação. Contudo, nas sociedades atuais, as áreas comuns de comutação não residiriam apenas e nem principalmente nas fronteiras, porém na rede virtual da informação que não possui qualquer localidade central de conexão. Observando que todo acontecimento é um conjunto de eventos e que cada conjunto apresenta contiguidade espaço-temporal, essa propriedade de não localidade da propagação dos eventos elimina o risco de fragmentação infinita da história. A história é a singularidade do tempo percebido pelo Homem. Portanto é múltipla, contínua e finita e seus eventos seguem sempre a mesma direção, de modo diverso e não hierarquizado. Ou 2 54 Espaço geográfico composto por diferentes áreas de recursos naturais, de habitação, de cerimônias, etc., que sociedades de uma nação ou etnia exploram e/ou ocupam. Amazônia Antropogênica seja, a singularidade da história está no fato de todos os processos e eventos estarem contidos nela em todo espaço onde se manifesta. Mas segundo os processos e eventos que a fazem emergir no lugar onde se manifestam. Contudo, ilimitada nas suas expressões locais e comutações históricas, os eventos quando se conectam a eventos não locais excedem ao próprio acontecimento onde estão contidos, podendo com isto fazer emergir outro processo histórico. Assim, pode-se afirmar que o que caracteriza dada história e a liga a outras, tanto no espaço quanto no tempo (isto é, tanto em termos de extensão geográfica focal, quanto de desenvolvimento local), é o fato da contiguidade histórica se firmar como um conjunto resultante das ações coletivas dos seus submúltiplos, que excedem o focal e o local. Este conjunto, obviamente, seria justamente o múltiplo de todos os submúltiplos espaço-temporais da sociedade. Isto nos leva a reconhecer que a potência da soma de suas próprias diversidades componenciais caracteriza a situação coletiva. Por outro lado, que seria outra a situação se os indivíduos que as compõem tivessem comportamentos particulares diferentes. Isto é: se apresentassem desenvolvimento histórico distinto. Por fim, eventos históricos simultâneos podem ocorrer em diferentes locais e momentos, já que as ações coletivas estão sujeitas à soma das ações individuais que excedem para além de qualquer localidade particular ou instante presente. Por conseguinte, o menor tempo histórico possível é o evento e não o momento ou a fração de um instante qualquer. Isto acontece porque todo tempo histórico não isolado está inserido em um conjunto de instantes cuja soma produz eventos que resultam em um acontecimento maior que o conjunto desses mesmos eventos. Esta característica espaço-temporal dos eventos históricos define a evolução das sociedades, já que é a emergência local do desenvolvimento regional dos eventos que dá sentido, intensidade e duração aos acontecimentos. Mas a duração é um movimento em que a entropia está permanentemente presente, desde a emergência do acontecimento até o seu colapso. Enquanto o acontecimento existe, a duração é móvel e está em constante mudança. Por ser móvel, nenhum evento em si representa a duração, já que nada que seja imóvel está na duração. Por outro lado, um evento isolado é como uma semente que não germina. Diante disto, como podemos identificar o tempo histórico, na Amazônia, por exemplo? O tempo histórico na Amazônia, por ser construído em um espaço regional particular, distinto de todo outro e compor um conjunto cujas partes se relacionam apenas com elas mesmas, necessariamente, deverá apresentar uma periodização específica. E essa periodização será diferente daquela atribuída à divisão do tempo baseada na história das civilizações ocidentais, conforme imposto pelos países judaico-cristãos colonizadores. E ainda deverá ser construída segundo a natureza da história no lugar e ser capaz de apresentar uma contiguidade temporal de tal modo integrada, que a coisa-que-é suceda apenas a coisa-que-está-sendo na duração de sua própria existência. Como disse Benedito Nunes (2000), antes de se apresentarem como seres determinados, mesmo as coisas chamadas naturais ou artificiais, são, antes de tudo, entes disponíveis, instrumentais, no mundo circundante. Isto quer dizer que além de uma natureza particular, essa natureza não é fruto de gerações espontâneas, ela é fruto de uma situação anterior que criou as condições necessárias para que ela viesse a existir tal como ela vai sendo organizada na duração. Caso a situação fosse outra, as condições também seriam outras. 55 Amazônia Antropogênica As condições que as fizeram existir não vieram de uma condição essencial determinante, mas sim dos encontros que estabeleceram a situação determinante. Segundo a interpretação dos conceitos de tempo e de história em apresentação, os argumentos que focarão a história remota na Amazônia, anterior à interrupção causada pela conquista europeia, indiretamente implicarão a revisão do uso indiscriminado do prefixo “pré”. Afinal, será que o uso equivocado do prefixo “pré”, que aqui vamos definir, segundo consta nos dicionários, “o que dispõe segundo o que antecede”, não compromete as demais tentativas de se compreender o tempo arqueológico amazônico? Não será este o motivo pelo qual, apesar de se tratar de um curso contíguo, a história remota da Amazônia, além de ter sido subdividida em Fases e Tradições alinhadas sucessiva e hierarquicamente, hoje é chamada de “pré-colonial” em um espaço-tempo universal unilateral? Entendemos que a não compreensão do tempo arqueológico no espaço próprio de suas manifestações compromete, sim, o entendimento das seriações históricas pelas quais passaram os povos amazônicos. Por isto defendemos a ideia de que a história remota da Amazônia teve a sua própria duração, sentido e intensidade. Além disto foi regional, contígua e seguiu seus próprios passos, desde sua gênese há milhares de anos, até a conquista europeia, mas nada relacionado aos processos da história interrupta que a sucedeu e nem aos processos históricos paralelos que ocorriam em outras partes do mundo. Ou seja, como veremos mais adiante, o tempo histórico na Amazônia remota divide-se em dois processos distintos: o da Cultura Tropical e o da Cultura Neotropical. UMA BEM BREVE HISTÓRIA DO TEMPO HISTÓRICO Para compreender melhor a divisão do tempo histórico da Amazônia remota deve-se compreender como ele pode ser representado. Essa representação não é contínua e nem homogênea. Muito pelo contrário: as ideias acerca do tempo, segundo Whitrow (2005), retrocederam, reproduziram e mudaram de direção ao longo da história. Nasceram e morreram, foram formuladas, reformuladas e moldadas conforme cada cultura, religião, filosofia, ciência, arte e pessoa. Mas o tempo também é um aspecto fundamental do Universo e por isto nenhuma faculdade de conhecimento isolada, em si só, é capaz de explicar a sua natureza. Portanto, dentro das considerações particulares do conceito de inter-relatividade segundo o acontecimento e a duração, a questão fundamental é não só reconhecer que as culturas amazônicas tiveram, cada uma delas ou em conjunto, um tempo histórico próprio regional inter-relacionado que deveríamos identificar e contar, bem como também reconhecer que o Universo possui um fluxo de tempo que abrange e direciona todo e qualquer evento, sempre do mais simples para o mais complexo. A rota a seguir será a concepção de tempo que evoluiu segundo a tradição científica ocidental, que é a que hoje nos situa no mundo. Porém, a base será o conjunto universal de todos os eventos históricos que, seguindo uma mesma direção de tempo, implica uma força coletiva diversificada e singular, onde todos seguem o mesmo rumo sem qualquer tipo de ordem centralizada ou padrão histórico determinante. Portanto, apesar de a Amazônia ter seu próprio tempo histórico e essa história ser simultânea às histórias das demais regiões do mundo, ela, no fim das contas, também segue uma direção mais ampla, que é comum a todas às outras, mas que não se resume em nenhuma delas. 56 Amazônia Antropogênica Pode-se dizer que a noção de tempo foi despertada quando ainda não se tinha qualquer ideia sobre ele, mas apenas a intuição do seu fluir. Apesar da forte impressão que temos hoje de que o tempo é uma espécie de progressão linear medida pelo relógio e pelo calendário, no início a impressão maior era de que vivíamos em um presente perpétuo, não como no tempo pós-moderno, mas no sentido de que não havia um antes e nem um depois, só a impressão do imediato determinado pela necessidade. Contudo o fato de o homem poder acumular saber e transmiti-lo aos seus descendentes abriu caminho para a intuição da passagem do tempo ser lentamente conscientizada. Isto não quer dizer que essa consciência tenha levado diretamente à progressão temporal. As primeiras ideias que surgiram, e isto ainda entre os caçadores-coletores, cujas variáveis culturais eram relativamente homogêneas entre si, foram sobre a circularidade do tempo. Essa circularidade estava diretamente relacionada à observação da natureza, porém, da natureza observada pelos caçadores-coletores: o ciclo de fruição das plantas, da caça e das estações. Foi graças ao alcance dessa percepção de tempo que o Homem foi capaz de domesticar as plantas e, fundamentalmente, de fundar sociedades agricultoras, já que ele tinha por certo que o ciclo se repetiria e o cultivo resultaria em produto, o produto em satisfação, a satisfação em força de trabalho e esta em novo cultivo e assim, sucessiva, circular e eternamente. Os agricultores herdaram e aprofundaram essa ideia de circularidade do tempo. No Ocidente e no Oriente Médio, especialmente em termos místicos, chegou até o apagar da Antiguidade. Por outro lado, também foi entre os agricultores e os pastores que as ideias de tempo começaram a se diversificar histórica e culturalmente. E foi entre as civilizações urbanas da Antiguidade que o tempo linear começou a despontar, especialmente entre os povos monoteístas, tais como os hebreus e os iranianos. Finalmente, foi graças à ascensão, ao apogeu e ao universalismo do cristianismo que a ideia de tempo linear se impôs. Para o cristianismo, a doutrina central da crucificação era um evento único no tempo, não sujeito à repetição, implicando assim que o tempo deva ser linear, progressivo, e não cíclico. Santo Agostinho foi o primeiro pensador a se debruçar sobre a questão do tempo. Combatendo ferozmente a concepção cíclica pagã (o Eterno Retorno), a concepção cristã do tempo atinge a sua primeira formulação madura nele. Ao longo da Idade Média os tempos cíclicos e lineares conviveram em permanente conflito, pois, na essência, o tempo místico ainda não havia sido suplantado pelo tempo científico. Fato que começa a acontecer com o mercantilismo, quando o tempo passa a ser contado em horas e a sua mobilidade passa a ser um requisito fundamental da economia e da circulação de riquezas. Com isto, a morosidade observada na passagem do tempo cíclico vai sendo paulatinamente substituída pela velocidade cada vez maior do tempo linear, cujo clímax é alcançado com o avanço global do capitalismo e o espírito científico iluminista. Não obstante, isto não quer dizer, cientificamente falando, que o tempo linear tenha sido imposto assim que houve a ascensão do capitalismo e das suas sociedades industriais. No século XVII, em 1602, enquanto Francis Bacon dava lugar ao novo conceito de progresso linear em um trabalho intitulado “O Nascimento Masculino do Tempo”, Isaac Newton, em 1675, ainda comentava no “Livro das Revelações e Livro de Daniel” (publicado após sua morte), que o mundo já havia completado seu ciclo e estava chegando ao fim. O que se tem por certo, porém, é que nessa época os pensadores ainda confundiam tempo com história, já que para Newton o tempo era absoluto e único. 57 Amazônia Antropogênica Foi a partir de Descartes que a ideia da evolução cósmica, embutida na linearidade do tempo, passa a dominar o pensamento moderno. Ao contrário de Newton, que usou a teoria da gravitação para explicar como os movimentos orbitais dos planetas e dos satélites podiam manter-se, Descartes defendeu a ideia de que originalmente o mundo era cheio de matéria distribuída de maneira mais uniforme possível, e esboçou qualitativamente uma teoria de formação sucessiva do Sol e dos planetas. Sua ideia de um Universo evoluindo por processos naturais inspirou uma sucessão de teorias de evolução cósmica. Mas foi Kant, em 1755, partindo da própria teoria da gravitação de Newton, quem admitiu, pela primeira vez, que nós vivemos em um universo evolucionário ou em desenvolvimento, no sentido de que o passado é essencialmente mais simples que o presente. Também foi ele quem começou a demarcar a fronteira entre tempo e história. Entretanto, segundo Kant, o espaço e o tempo não viriam da experiência, mas estariam pressupostos nela. Jamais seriam observados como tais, mas constituiriam o contexto em que todos os eventos são observados. Para Kant, enfim, não seria possível considerar espaço e o tempo como características do mundo, pois seriam em si contribuições ao ato da observação humana. Isto é, tempo e história seriam diferentes, mas apenas pelo motivo do tempo só existir a partir da observação do Homem na história. Quer dizer: o tempo não existiria como uma entidade independente, seria apenas uma abstração da mente. Na interpretação de Whitrow, muito próxima de Kant, já não é o tempo que produz os efeitos da sua passagem, mas o que ocorre no tempo. Ele não é uma simples sensação, pois depende dos processos de organização mental que unem os pensamentos à ação. Por outro lado, em nossos dias os pensadores também acreditam que o senso do tempo é produto da evolução humana, e que a percepção dos fenômenos temporais não é um processo puramente automático como pensava Kant, mas uma atividade por atos de atenção sucessivos. Para Kant, o mundo só podia ser explicado porque já estava ordenado no próprio aparato cognitivo da mente. O Homem só conheceria a realidade objetiva exatamente até onde esta se adapta às estruturas fundamentais da mente: o mundo vivenciado pelo Homem seria, necessariamente, determinado pelas predisposições de sua mente. Com isto, os eventos que o Homem percebe na história não estariam fundamentados no tempo físico, mas em sua mente que organizaria o mundo segundo a organização de sua própria mente. A humanidade, enfim, só poderia conhecer as coisas segundo a aparências delas, não como seriam em si; poderia conhecer o seu universo, não o Universo. Em parte isto é verdade, entretanto, considerando a realidade da natureza da vida – em outras palavras, que tempo e história fazem parte da natureza – quando o Homem pensa o mundo ele pensa o mundo em si mesmo porque ele é parte deste mundo. Não pensa o mundo todo, mas a parte do mundo que pensa é a parte com o qual compartilha, a qual lhe corresponde. Consequentemente, interfere na realidade desse mundo porque esta realidade é uma extensão do corpo do próprio observador. E só então o mundo se reorganiza na mente de quem o pensou. Isto é: o mundo deixa de ser o mesmo após ser percebido pelo homem, pela mulher, ou seja, lá por quem for, mas o tempo percebido e transformado por cada um destes é um tempo real, que está nele e no mundo percebido. Todas as faculdades mentais, culturais, psicológicas, biológicas, técnicas, sociais, linguísticas, etc., interferem no ato da observação porque só se pode observar aquilo 58 Amazônia Antropogênica que é correspondente e porque o sistema nervoso central incorpora o mundo como se fosse um artefato que faz parte do próprio corpo do observador. O mundo antes da observação era outro, mas era alguma coisa que também estava no Homem que o observara. O Homem não se isola nem da natureza e nem do tempo e ambos expressam seu significado através da consciência humana. Mas mesmo que o Homem não tenha consciência do mundo e por isto não expresse o seu significado, o tempo existe e segue seu rumo deixando marcas significantes nos arquétipos inconscientes da mente humana. Isto só é possível porque, na verdade, o que é do indivíduo é do coletivo e está na natureza e o que está na natureza está no tempo. A fragmentação do tempo na modernidade, além de inventar o presente perpétuo, alternativamente, também construiu a ideia de que o presente não existe. Para a modernidade, o instante presente seria a linha ideal que separaria o passado, que já não é, do futuro, que ainda vai ser. Mas a duração resolve este problema, uma vez que hoje a peculiaridade geométrica do tempo histórico assume uma forma que é, grosso modo, a síntese do tempo circular e do tempo linear: uma espiral. O que isto quer dizer? Antes de qualquer coisa devemos reconhecer que apesar do sucesso na ciência, desde o Iluminismo, da concepção linear onde tão bem se encaixava a flecha do tempo (passado/presente/ futuro), a história circular, através da ideia do Eterno Retorno, ainda conta com fiéis defensores. Mas o grande mérito dos defensores modernos do eterno retorno, como Nietzsche e Heidegger, foi mostrar justamente, que a história é uma plêiade de acontecimentos. Acontecimentos cujas durações fazem com que eles se repitam apenas na diferença, já que para cada duração haverá uma extensão e um rumo diferentes. Deleuze (1988: 386) esclareceu que para Nietzsche, se [...] nos Antigos o eterno retorno pressupunha a identidade em geral daquilo cujo retorno se deva estabelecer, as ciências modernas mostraram que o eterno retorno na astronomia, por exemplo, supõe apenas uma relação muito geral, onde a repetição na posição dos astros só determina semelhanças grosseiras aos fenômenos que eles regem. Ora, em Nietzsche, o eterno retorno de modo algum é o retorno de um mesmo, de um igual ou a uma essência original. Por conta disto, Deleuze conclui que a ausência do mesmo no retorno do tempo histórico é apenas a afirmação de uma qualidade diferenciada, porque a diferença é a condição emergencial do eterno retorno. Ele quer dizer com isto que tudo retorna, mas apenas na diferença; que a identidade daquilo que retorna na história apresenta outra qualidade, outro sentido, outra intensidade e, por conseguinte, outro rumo e extensão. Enfim, retornar é emergir na diferença. E assim ele chega à ideia do eterno retorno da diferença, na qual a representação geométrica do tempo deixa de ser círculo e linha, para se tornar uma espiral. Mas essa espiral do tempo histórico é tetradimensional, onde cada curva da linha temporal ocupa uma escala espacial diferente. Desse modo ela pode ser mais bem representada como uma mola espiralada composta por diferentes seguimentos modulares de duração. E, como toda espiral, o tempo histórico tem um ponto central, o atrator (a singularidade), para o qual todas as histórias paralelas convergem. Podemos sustentar, por outro lado, que a história é apenas a imagem móvel do tempo e que, somente por isso, podemos viver todas as experiências sucessivamente, segundo a 59 Amazônia Antropogênica termodinâmica da natureza. Na verdade, o presente na história está na duração, conjunto de eventos, e não em um instante qualquer. Isto é, o processo histórico é uma duração composta de diversos instantes, que é a própria movimentação do tempo. Isto não é a mera ordenação deles numa sequência linear, mas algo que está além do senso comum e do lugar: a compreensão de que um evento é apenas uma parte de um acontecimento maior no tempo e no espaço, composto por outros inúmeros eventos, nenhum, isoladamente, capaz de representar o conjunto de todos em si mesmo. Podemos experimentá-la unicamente através da ação, não necessariamente como se o acontecimento fosse uma fileira linear de eventos nos quais os posteriores estariam prefigurados nos anteriores causalmente. Mas sucessivamente, considerando que o acontecimento é um conjunto de eventos em correspondência em uma teia ramificada em inúmeras opções, onde todos estão conectados, recebendo as mesmas informações e caracterizados pelas atividades que executam. Enfim, todas as possibilidades determinadas durante uma ação estão implícitas nela, porém, no presente enquanto duração, a história posterior que a ação fará triunfar é indeterminada pela possibilidade de ser qualquer uma das variáveis vivenciáveis, que dependem das correspondências estabelecidas e da capacidade de replicação delas. Fato estabelecido porque toda ação está contida em um acontecimento composto por vários eventos inter-relacionais, cuja duração coletiva ultrapassa o tempo de cada um dos eventos quando vistos separadamente. Portanto os atores que escrevem o enredo simultaneamente enquanto atuam são aqueles que estão em correspondência. Por conta disto, toda qualidade representa uma mudança, os atores mudam a história enquanto atuam, mas achar a mudança na coisa que muda é tarefa inglória, pois são vários os eventos que convergem para a promoção da mudança. Não importa em que escala, se está na base ou no topo da pirâmide, ninguém está livre das armadilhas sociais, nem os atores, nem a plateia. Se há correspondência entre elas, então todos são a seta e o alvo, Homens ou Deuses, reis ou plebeus, magnatas ou mendigos, todos são agentes no palco do teatro dos hábitos sociais. A sucessão do tempo, percebida pela mente, pode não ser a expressão completa do tempo físico, que é múltiplo e simultâneo em certa escala e absolutamente ausente em outra. Entretanto, ainda que o tempo que percebemos seja antrópico, ele também é da ordem da natureza bem como são o Homem e sua mente. Tempo e Homem são fenômenos naturais e, portanto, apresentam conexões que garantem canais comuns de comunicação ainda que dentro de certa escala de manifestação. A existência do Homem se dá em um mundo cujos elementos fundamentais são comuns, senão em todos os tempos da evolução do Universo, pelo menos em todas as direções e dimensões do Universo atual, cujo princípio, em nós, só pode ser percebido antropicamente. Por isto que, quando o Homem observa uma coisa no mundo, essa coisa é realidade no seu universo e no Universo. Realmente, não do Universo todo, mas da parte ou partes do Universo que lhe corresponde. Porém tudo que se corresponde interage inteirativamente, de modo que a causa de um é o efeito do outro. E no Universo atual há tantos espaços e tempos quanto possíveis serem observados. E o que se observa inclui a certeza de que antes do Homem, sextilhões de estrelas nasceram e morreram dentro de um Universo cuja existência é ainda muito mais ampla e extensa que a nossa. Porém, não é só o tempo que passa a existir revelado na consciência apenas quando é pensado, mas a história também. 60 Amazônia Antropogênica A história é produto do Homem, mas como o tempo antecede à história, a mente só percebe sucessão no tempo, porque a história é vivenciada sucessivamente. Em termos sociológicos, a história vivida por uma sociedade não é absoluta. Ela é espacial e temporalmente particular, porém simultânea a muitas outras que são tão verdadeiras quanto aquela que vivificamos e vivenciamos. São todas as histórias simultâneas que compõem a singularidade, cujo tempo só pode ser percebido relativamente, segundo o sentido, a intensidade e a duração de cada acontecimento. Por isto podemos atender a dois acontecimentos simultâneos e percebê-los, claramente, quando eles apresentam alguma conexão que remeta a experiências comuns. E é neste ponto conectivo que pensamos dar saltos de um nível da espiral para outro, quando, na verdade, estamos apenas seguindo uma direção cheia de bifurcações causadas pela simultaneidade generalizada dos acontecimentos. E também é neste ponto que ocorre a inteiração que garante a inter-relatividade. Assim, existem histórias simultâneas, cujos agentes sociais seguem projetos e técnicas diferentes na construção de suas experiências particulares, mas que convergem para uma mesma experiência coletiva universal, interferindo uns nos outros conforme seus elos de correspondência. E neste ato de convergência e correspondências, toda vez que mais experiências são vivenciadas com outros significados relacionais, nem mesmo o conteúdo e a forma do absoluto (conjunto de todos os acontecimentos) onde se expressam permanecem como antes. Ou seja, a singularidade não é eterna. Ela muda de forma e conteúdo, conforme a natureza dos eventos que para ela convergem. A história é múltipla e é o corpo coletivo da sua multiplicidade que dá extensão e sentido aos seus eventos e, vice-versa. Além disto, ao ocorrerem simultaneamente, todos os eventos regionais estão de tal modo emaranhados dentro de um acontecimento que, mesmo espacial e temporalmente separados, não operam autonomamente. No acontecimento não existe um evento mais especial que outro, pois todos contribuem para que a história tenha aquele sentido e não outro. Mas um acontecimento terá mais intensidade quanto mais eventos inter-relacionados estiverem envolvidos na sua duração. Assim, a intensidade pode ser relacionada ao grau de extensão da complexidade. Contudo esses eventos precedem o acontecimento, de modo que ele só tem mais intensidade porque foram criadas condições para que assim o fosse. E nem mesmo é necessário que todos os eventos se inter-relacionem para que haja mudança no todo. De fato, eventos isolados não alteram os rumos da história, mas se um grupo de eventos apresentar uma intensidade intrínseca diferente da média, ele pode influenciar o sentido geral do acontecimento e assim alterar a sua duração e, enfim, o rumo da história. Considerando, por outro lado, que uma sociedade constitui um conjunto, não necessariamente local ou presente, mas multiplamente conexo, é nas relações sociais, sejam míticas, concretas, subjetivas ou reais onde as informações emergem e a história em curso é potencializada. Quer dizer: a história emerge do conjunto da sociedade onde as relações sociais constituem a teia interativa entre todas as instituições e os indivíduos. Mas uma vez que a emergência de uma informação pode alterar a correspondência que une as redes sociais alterando assim a relação de cada uma delas, obviamente que a potencialidade do conjunto da unidade também é alterada. Sendo assim, a história geral das sociedades humanas não é uma média, mas um produto que excede a soma de toda relação que a 61 Amazônia Antropogênica contém e que se altera conforme os eventos locais em correspondência são alterados. E não há um número máximo de possibilidades possíveis, mas somente a força inercial da entropia social reorganizando as relações nos lugares próprios de sua emergência. Em resumo, a informação potencial da entropia contida nas relações sociais não flui, mas emerge generalizadamente, conforme o modo como os eventos se manifestam na história local, que é simultânea a todas as outras que constituem a rede histórica regional. Cada subconjunto correspondente, a história local, por conseguinte, compartilha, no espaço regional, a mesma informação com todas as outras histórias locais, independentemente do tempo e do espaço de cada qual. Enfim, a concepção da história como uma rede de relações dinâmicas, onde os eventos estariam conectados em teia, implica a ocorrência de acontecimentos inteirativos, independentes de distâncias espaço-temporais. Por conta do modo como os eventos emergentes são apreendidos na rede das relações sociais locais, o tempo histórico além de não ser linear, é irregular e excede o próprio conjunto das partes, conforme as conexões estabelecidas nas diferentes relações sociais. A estrutura temporal da história não seria, então, um mero conjunto de fatos, mas uma complexa teia repleta de fatos com características econômicas, culturais e sociais particulares, cujos eventos produzem, conforme as relações estabelecidas e os agenciamentos engendrados, uma informação que lhe é própria e cuja potência da soma das informações de todos os eventos é comum a todos os agentes, mas inversamente proporcional à natureza e posição de cada qual. Isto é, essa informação é resultado dos agenciamentos que ocorrem no interior das sociedades e da relação conectiva entre elas. Em princípio, é um efeito e não um plano. Todavia a informação geral compartilhada simultaneamente por todos possui uma potência auto-organizadora absorvida por cada um dos agentes sociais que, por ser particular, responde com outra informação similar, mas diferente da informação geral emergente, já que cada sujeito transmite a informação absorvida, a particularidade social mítica ou histórica, cultural e psíquica do seu agenciamento. Como na interatividade conectiva dos agenciamentos sociais sobre as informações emergentes são desencadeadas reações diversas, a nova informação gerada é diferente em toda parte, mas comum a todos na sua expressão geral. Ou seja, a autoorganização não é homogeneizadora, mas geradora de diferença. A concepção de uma história dinâmica, em que os eventos estariam conectados em teia, implica, portanto, a ocorrência de acontecimentos diferenciados, mas inteirativos. Consequentemente, ainda que existam histórias paralelas e que os acontecimentos apresentem, para cada um de seus eventos, o seu próprio tempo emergindo no lugar do seu espaço social, elas são simultâneas e interagem uma sobre as outras, independentes do tempo e do espaço. Isto resulta que as ações simultâneas não são necessariamente sincrônicas e nem exatamente iguais, mas semelhantes. De fato, todos os eventos de um acontecimento se ligam através de pontos comuns em diferentes escalas, até mesmo a eventos provenientes de outros acontecimentos espaço-temporalmente distintos. Ou seja, apesar da particularidade que os eventos assumem ao emergirem em outro espaço ou tempo da história, nenhum evento por mais original que seja está isolado. Dentro de uma duração, ele pode estar conectado a eventos que ainda estão por vir ou que já se sucederam há muito tempo. 62 Amazônia Antropogênica Na evolução dos acontecimentos da história humana, os eventos que precedem, ao que está sendo, emergem simultaneamente como uma ordem generativa, que dá sentido, direção e vigência ao que está por vir. Portanto, a nossa existência na natureza implica que cada sociedade humana está no tempo porque produz acontecimentos cujos eventos se organizam em uma rede inteirativa que tem sentido (direção), intensidade e duração. Nesta rede, cada sociedade ocupa o seu próprio lugar no conjunto de sociedades ao qual pertencem histórica e/ou culturalmente. Sendo assim, podemos fazer a seguinte abstração de ordem geral: em um conjunto organizado todos os corpos estão intrinsecamente conectados, de modo que toda ação, independente do tempo e do espaço, é simultânea e influi na ação do outro naquilo que lhe corresponde e segundo as diferentes relações que apresentam. A mudança do conjunto é produzida pela entropia das ações que alteram os seus pontos comuns de conexão e reorganizam a ordem geral do conjunto em outra escala de emergência. Como consequência da definição dada, quando um conjunto entra em colapso causado pela desorganização antrópica da rede inter-relacional dos subconjuntos, se um grupo de subconjuntos estabelecer conexão, em outro nível, com outros subconjuntos do mesmo conjunto ou de outro conjunto externo, esse grupo gera uma mudança na qualidade informacional do conjunto original, alterando suas características gerais, independentemente dos demais subconjuntos componentes não correspondentes. A INTENSIDADE, O SENTIDO E A DURAÇÃO DE UM ACONTECIMENTO Independentemente do modo como as diferentes histórias do mundo se organizam, desde os primórdios de cada uma delas, uma série incontável de eventos ocorreu e vem ocorrendo, constituindo diferentes acontecimentos com as mais diversas escalas de durações e intensidades. Esses acontecimentos vão desde aqueles cuja potência é o simples ato de despertar em um dia qualquer, até a potência transformadora resultante do catastrófico choque entre civilizações. Entre esses existem acontecimentos muito longos, mas perceptíveis e contabilizáveis pela memória humana, os quais são simultâneos a uma infinidade de outros, acontecendo no suceder das durações extremas. Como exemplo podemos citar aqueles que alteram os modos de produção em uma sociedade e aqueles que dão existência aos modismos na história. Os acontecimentos são compostos por eventos que são fenômenos que ocorrem tanto na natureza (descoberta de recursos naturais, mudanças climáticas, catástrofes naturais, etc.) quanto nas relações e produções humanas e cujos efeitos geram informações. Com isto os acontecimentos são modelados pela intensidade, sentido e duração provenientes das informações que emergem dos eventos. Ou seja, todo acontecimento é um conjunto de eventos que tem intensidade, sentido e duração e em todos eles os eventos podem se combinar de diferentes modos. Portanto, além de nenhum acontecimento resultar de uma causa específica, mas sim de um conjunto de causas, nenhum conjunto de eventos é aleatório, infinito ou invariante. O sentido é o rumo, a direção que os eventos seguem e fazem com que a história resulte em um acontecimento e não noutro. É ainda o conjunto dos efeitos das relações culturais, sociais e políticas, que fazem com que as estruturas sejam constituídas ao seu próprio 63 Amazônia Antropogênica modo. O sentido, enfim, é o meio como os movimentos se dão e assim qualificam o acontecimento e a ordem geral dos eventos. Mas como o acontecimento tem duração e os eventos que ocorrem ao longo dessa duração podem estar no início, no meio ou no fim, consequentemente, o sentido precede a forma não só no plano, como também na mudança. Já a duração é a evolução do acontecimento, o seu desenvolvimento desde o início até o fim. Um acontecimento não é eterno, ele tem duração, mas a duração não é imóvel, ela é dinâmica e está em constante movimento de modo que, enquanto dura, o acontecimento não tem uma forma inicial igual à final, pois esta está em constante construção. Ou seja, no acontecimento, a história é desenvolvida ao longo da duração, e nem no início, no meio ou no fim poderíamos destacar um evento que a singularizaria. Pois toda vez que um evento fosse imobilizado pela observação, ele seria retirado da duração e, portanto, não tendo movimento, não representaria a mudança, a duração e muito menos o acontecimento. Tal como observou Bergson (2009) para a forma, o fato no evento seria apenas uma fotografia tirada durante uma transição. É na duração que os agentes de transformação se desenrolam numa entropia constante, fazendo com que os eventos mudem o sentido do acontecimento. Por outro lado, não conseguimos imaginar qualquer acontecimento que não tenha um efeito. Principalmente se esse acontecimento é resultado de eventos gerados por ações humanas. Em princípio, segundo Stevem Pinker (2008), na linguística sempre se percebe a causa que antecede imediatamente o efeito. Porém, segundo a consciência conquistada pela ciência e pela matemática do século XX sabe-se que, na realidade, os acontecimentos são conjuntos causados por eventos combinados, cujos efeitos podem estar no início, no meio ou no fim do acontecimento. Um acontecimento pode, ainda, dar origem a vários acontecimentos. Concomitantemente, só um acontecimento pode gerar outro acontecimento. Além disto, um acontecimento pode estar associado a diversos conjuntos de eventos, constituindo um conjunto maior de grupos com diferentes eventos espaço-temporais, transmitindo diferentes informações. Cada acontecimento possui uma duração definida pela sucessão combinada de seus eventos que, além de também definir sua intensidade e sentido, orienta todos os sistemas da organização interna do acontecimento, simultaneamente. Os eventos são interconexões contínuas de informações que nunca se repetem, que constituem diversas escalas de acontecimentos com diferentes durações, inícios e fins. Não obstante, como na história pode haver uma plêiade de acontecimentos espaço-temporalmente independentes, mas relativamente interconectados entre si, é o conjunto desses acontecimentos que acaba definindo a ordem geral dos eventos. Eles, os eventos, possuem uma ordem que se formata junto ao acontecimento através de suas correlações intrarrelacionantes. Assim, apesar dos eventos de um acontecimento apresentarem diferentes tipos de informação, como eles estão inseridos em um conjunto mais amplo onde interagem entre si, as informações geradas transferem conhecimento organizado, mesmo que individualmente diferenciados, gerando um padrão comum compartilhado. A reprodução, organização, articulação, busca e recuperação da informação, tal como foi observado por Azevedo Neto (2013), está intimamente associada ao seu componente significativo. Mas segundo a qualidade e uso dela pelo sujeito social, 64 Os eventos de um acontecimento estão conectados através de situações simultâneas correspondentes. Isto ocorre justamente porque todo acontecimento tem uma duração e qualquer duração de um acontecimento é maior que os instantes que o compõem. E é a ordem que emerge do encontro entre os eventos que dá duração e sentido ao acontecimento, seja no passado, no presente ou no futuro. É por conta disto que a simultaneidade não implica, necessariamente, sincronia temporal ou espacial. Já o tempo de duração do acontecimento depende da capacidade dos eventos, em conexão, perseverarem o sentido do evento. De todo modo, os pontos de conexão provêm da potência organizativa subjacente aos eventos reunidos em um acontecimento, cujo corpo é integrado através dos pontos de interseção da ordem compartilhada, que reproduz em cada evento e de modo cada vez mais intricado, a estrutura imanente do conjunto. Amazônia Antropogênica que é seu interprete final. Portanto, no próprio acontecimento existem eventos associados com eventos de outros acontecimentos paralelos, neles transitando e estabelecendo pontos de conexão informacionais inter-relacionados, que os associam em uma nova organização com um mesmo padrão comum compartilhado. Ainda que a impressão de cada um de nós seja a de que todo efeito é gerado por uma causa específica, a capacidade de ordenação coletiva deste modelo de acontecimentos retira da história a sujeição à casualidade determinista. Ele lança os eventos para além da localidade, integrando-os a um corpo escalonado e coletivo mais amplo, no qual mente e matéria são aspectos correlatos, assim como espaço e tempo: os eventos partem do individual, mas são interdependentes e unificados em um todo cuja realidade não pode ser considerada fato ou consciência isoladamente. O dado mais importante dessa questão é que onde há ordem há informação e onde há informação há intencionalidade e toda intensão é produto e/ou efeito de um pensamento. Sendo assim, por analogia com o funcionamento da mente, do mesmo modo que os estados neurais não precederiam as experiências subjetivas, porque o que se pensa só pode ser pensado porque, simultaneamente, já estava na experiência e nos estados neurais (NICOLELIS, 2011); na história evolutiva e perceptual acumulada que resume os múltiplos encontros prévios nas relações sociais, a habilidade adaptativa dos sujeitos permite modificar suas expectativas internas, porque as experiências inter-relacionais só ocorrem quando há correspondência simultânea entre o sujeito e o social. Com isto os agentes sociais devem ser considerados um ativo sempre em processo de adaptação e aptos a expressarem pensamentos a partir de seu próprio ponto de vista. Mas as expectativas sobre o mundo exterior, mesmo antes que qualquer informação sobre esse mundo seja conscientizada, ocorrem porque os agentes e o mundo possuem vínculos comutativos em permanente inteiração. Portanto podemos afirmar que os acontecimentos exercem sobre os sistemas de pensamento, como um atrator da teia, uma influência modeladora. Essa atração modeladora faz com que todos os eventos históricos convirjam para uma noção comum compartilhada de autossimilaridade, ainda que todos eles também apresentem padrões particulares de organização. Ora, entre as pessoas em sociedade isto ocorre porque a mente e a história possuem, obviamente, pontos de comutação. Por outro lado, como os acontecimentos possuem diferentes extensões temporais, a intensidade da informação 65 Amazônia Antropogênica e a sua potência de emergência dependem da duração do acontecimento. Acontecimentos muito longos possuem, assim, maior capacidade de organização sobre a rede, seja ela mental ou social, porque seu sentido é mais constantemente replicado pelos eventos indutores de intencionalidade. Pode-se dizer que existem dois planos agindo sobre a história: um é aquele cujos eventos ocorrem no interior de dado sistema (subconjunto) e cujos efeitos se refletem, espacialmente, no seu campo de influência imediato; outro é aquele que constitui o conjunto onde todos os efeitos provenientes de todos os sistemas (subconjuntos) se juntam, emergindo, temporalmente, como uma potência que caracteriza o conjunto. No primeiro, os acontecimentos de dado subconjunto serão simultâneos somente com aqueles subconjuntos com os quais tiverem relações contemporâneas. No segundo, como abrange acontecimentos de vários subconjuntos, eles serão simultâneos a todos com quem compartilham o conjunto ao longo do tempo. Portanto há uma diferença de escala entre os eventos de um subconjunto e os eventos do conjunto de subconjuntos. Ou seja, dentro do conjunto histórico de um acontecimento, ainda que a maioria dos eventos observados seja coisa do passado, eventos sociais, culturais, econômicos e políticos (subconjuntos) não observáveis no momento podem estar ocorrendo e emergindo seu sentido organizador aqui e agora. Os subconjuntos são simultâneos e apresentam uma ordem comum compartilhada por todos, relativamente. Mais uma vez, isto implica o contrário do a priori kantiano, pois a ordem proveniente do conjunto, inicialmente imprevista, ao entrar em contato com a ordem interna de um subconjunto, gera as potências reorganizadoras desse mesmo subconjunto, preparando desde já, o que ele poderá “vir-a-ser no por-vir”. Portanto o a priori não antecede a coisa que está sendo, ele só acorre na duração e é simultâneo a ela. Isto é, o plano do conjunto não antecede o plano particular de cada um de seus subconjuntos, eles são simultâneos; é no encontro dos dois que nova ordem é formada. Por tudo isto, não importa se temos ou não consciência da história, os eventos que constituem acontecimentos cuja duração ainda estamos vivendo, estão organizando o mundo em que vivemos. É justamente por conta disto, que o aqui e o agora na história, apesar de ser um mar de energia inconsciente, também têm um sentido que tem ordem e direção. Pois, tal como o social, o cultural, a política e a economia na história, o inconsciente compartilha da mesma organização estrutural. Assim como em um livro e principalmente em uma novela de tv, onde a introdução de uma nova informação pode alterar o sentido original da obra, a emergência de eventos carregados de informações novas também pode desencadear a alteração do sentido do acontecimento onde eles estão inseridos. E essa alteração, por mais estranho que pareça, altera tanto o que está por vir, quanto o que um dia foi. Assim, o que acontece, aqui e agora, na frente dos nossos olhos, não só tem influência sobre o futuro, como também tem sobre o passado, pois ao alterarmos o sentido da história hoje, não só alteramos o que iria acontecer, como também o que aconteceu. No acontecimento, tanto o futuro quanto o passado dependem do modo como os eventos se organizam na duração no ato da observação presente, e só assim um acontecimento tem sentido. Consequentemente, toda duração cujos eventos estão fora da observação, não tem sentido consciente. 66 Amazônia Antropogênica Portanto, na duração, os eventos de um acontecimento não precisam ser presentes, mas necessariamente, virtualmente presentes. Isto é, tiveram um início anterior ao presente, mas compartilham do mesmo sentido que os eventos futuros organizados no presente. Organizam e seguem, enfim, a mesma direção do sentido que emerge no devir de um acontecimento. A nossa própria experiência do presente não é um instante infinitesimal. Ela abrange uma duração mínima na qual apreendemos não só o “agora” instantâneo, mas também um pouquinho do passado recente e um pouquinho do futuro por vir. Assim, a unidade de composição de nossa percepção do tempo é a duração que, como um rio cujas águas seguem um fluxo, tem margem direita, margem esquerda, nascente e foz. Ou uma canoa, uma lancha ou um transatlântico que, independentemente do tamanho, sempre tem popa e proa. Ou seja, toda duração tem limites e direção – sentido. Por isto que toda alteração do sentido de um acontecimento presente (como quando se altera o fluxo de um rio) altera o sentido desse acontecimento, seja no futuro ou no passado. Por isto que não é só o futuro que é indeterminado, o passado também é. Ou melhor, não é só o futuro de um acontecimento que é construído no presente, pois toda vez que se constrói o futuro, o passado é reconstruído. Na história nem o futuro e nem o passado são únicos. As observações que fizermos em algum aspecto do presente são apenas observações de um aspecto do presente e não do presente de todos os eventos da história. Mas isto acaba por afetar todo o passado, porque apesar do presente não ser perpétuo e nem único, todos seus aspectos estão em conexão em uma duração e qualquer informação gerada pela observação que temos do acontecimento nessa duração, afeta esse acontecimento. Na evolução humana existem diversas séries de histórias possíveis, cada qual com a sua duração e probabilidades. Entretanto o modo como observamos os eventos no presente determina suas possibilidades na duração afetando o passado do acontecimento, porque neste ato, nos inserimos no centro dos fatos enquanto eles acontecem. Fato estabelecido porque quando a duração de um acontecimento se desenrola de determinada maneira, os eventos apresentam aspectos persistentes que se replicam no ontem, no hoje e no amanhã desse acontecimento. O aspecto persistente na duração de um acontecimento, portanto, é o mesmo ontem, hoje e amanhã. É nesse aspecto persistente onde moram o sentido, o plano e a identidade histórica de um acontecimento. Assim, se hoje percebemos o aspecto de um acontecimento de determinado modo, será deste mesmo modo que o ontem e o amanhã desse acontecimento serão percebidos. Ou seja, em termos concretos não é o passado e nem o futuro que são alterados, mas a nossa percepção sobre eles, pois é ela (a percepção) quem está no presente da duração. Assim, se estamos observando um acontecimento, não importa se esse acontecimento está no início, no meio ou no fim de sua duração, ele está sendo observado tal como é, no presente. Na história, a variação entre os acontecimentos e mesmo a evolução e mudança deles impõem-se pelo fato da entropia não estar ligada determinantemente a um processo anterior, mas nas características marcadas nos processos em andamento. Ora, isto implica a impossibilidade de podermos retraçar seus sentidos e processos de causação, a partir de princípios ou estruturas “originais”. Isto reforça a ideia de que toda noção que temos 67 Amazônia Antropogênica do mundo é um sentido presente, já que não podemos pensar causalmente um sentido que não tem princípio e nem fim determinados. Mas como está sendo exposto, isto não quer dizer que esse presente seja um contínuo eterno ou uma infinita sucessão de instantes. Muito pelo contrário, ele permanece apenas pela sua capacidade de nunca se repetir na duração de um acontecimento. Quando o acontecimento chega ao fim, não há mais presente e nem eternidade, pois, como diria Vinício de Morais, o presente só é eterno enquanto dura. Isto quer dizer que só podemos viver o momento, mas todo momento faz parte de um acontecimento cuja duração é maior que qualquer das frações de instantes vividas nele. Em contrapartida, tudo que precede ou sucede a duração do acontecimento são instantes inalcançáveis em qualquer momento do presente. Os arqueólogos devem ficar atentos à aplicação que fazem do hábito e da teoria da prática na interpretação da rotina observada nas ocorrências arqueológicas. Os costumes e atitudes que determinam os valores de sexo e gênero, a divisão do trabalho, a classe e o status, a moralidade e os gostos têm a ver com o sentido dos acontecimentos no presente. E mesmo considerando que o próprio hábito não é eterno e pode mudar de uma geração para outra, porque toda duração tem início, meio e fim, o que importa aqui é entender como os acontecimentos devem ser observados. E os acontecimentos só podem ser observados na duração que esteja de acordo com o presente do observador. Cabe ao observador distinguir o que é presente, tanto para ele quanto para o acontecimento observado, simultaneamente. Só o que é presente, em ambas as durações, e que, portanto, é um acontecimento partilhado, tem significado científico. Consequentemente, trata-se de um presente virtual e não atual. Assim, como o tempo físico, a história possui durações nas quais podemos vivenciar presentes virtuais, independentes do momento atual. Desde que os eventos vivificados façam parte de um acontecimento histórico, cuja duração ainda não se esgotou. Apesar de só podermos viver o instante presente (o aqui/agora) do tempo físico e o seu passado e o seu futuro serem inalcançáveis, pelo fato de vivenciarmos e vivificarmos o durante do tempo histórico, são os presentes virtuais que se alongam desde o passado avançando até o futuro, além do instante em que vivemos. É a virtualidade desses presentes que garantem a possibilidade de serem observados. São presentes não presentes no presente que se apresenta de imediato, mas presente na duração de um presente virtual interativo que se alonga do passado ao futuro desse mesmo presente imediato. Deste modo, se pensarmos os acontecimentos como conjunto de eventos interrelacionados, além de verificarmos que eles fazem parte de uma rede onde se conectam e interferem um nos outros, simultaneamente, verificaremos que os eventos compartilhados têm início e fim, mas que só emergem no presente virtual da duração. Assim, a evolução da história se alimenta de acontecimentos coletivos com sentidos e intensidades diferentes, mas com todos convergindo para um ponto de atração comum subjacente na duração de sua emergência, onde vivificam o presente virtual. Na verdade, a direção termodinâmica, passado-presente-futuro na história, é apenas conceptual, uma vez que o tempo do sujeito na história só pode ser vivenciado no presente e pouco importaria se ele corresse do futuro para o passado. Deste modo, para 68 Amazônia Antropogênica todo e qualquer sujeito ou evento da história, o presente é a única realização possível, já que tudo aquilo que pertence ao passado ou ao futuro encontra-se fora da história e pertence à eternidade, está na singularidade. Porém todo presente tem uma duração não presente e não local, isto é, uma duração contígua que não depende do aqui/agora. Se assim não fosse, tudo seria passado e a arqueologia, a história, a antropologia, a sociologia, a política e a economia só poderiam lidar com o presente se fossem capazes de aprisioná-lo congelado em algum instante perpétuo, que então se tornaria modelo para todo instante futuro. E, por outro lado, na sucessão do tempo, a fugacidade instantânea do presente impossibilitaria a história se vivêssemos eventos ausentes de qualquer duração. A SOCIOLOGIA E O TEMPO HISTÓRICO Em As Regras do Método Sociológico (2001:102), Émile Durkheim escrevera: “o todo não é idêntico à soma de suas partes: o todo é alguma coisa diferente e suas propriedades (externa e pública) não são iguais às das partes (aos indivíduos) que o compõem”. Mas isto nada tem a ver com a teoria dos conjuntos de Cantor. Na verdade, Durkheim definiu o social segundo uma das noções básicas da matemática de Euclides (300 a.C.) descrita em Os Elementos, segundo o qual o todo é maior que a parte. Porém, como vimos, o terço médio de Cantor mostrou que a soma das partes é maior que o todo. De fato, se por um lado tem-se por certo de que as partes vistas individualmente são assimétricas ao todo e, em boa medida, assimétricas entre si, por outro a autonomia da dimensão sincrônica é mais do que evidente. Por conseguinte, as partes não são meras peças de fantoche de um teatro com um enredo previamente ensaiado: são atores que escrevem o enredo simultaneamente enquanto atuam. Assim, nenhuma parte representa o todo, contudo, a potência do produto do todo é o resultado do modo como as partes se organizam. Ela, a potência do todo, a ação coletiva das partes dá, segundo o arranjo de cada uma delas no todo, o rumo que faz a história coletiva vir a ser o que é e gerar a entropia que deve superar. Em outras palavras: as partes estão sujeitas às regras potenciais do todo, mas são as partes do conjunto que escrevem as regras que superam entropias onde elas existiam e geram entropias onde elas não subsistiam. Portanto, ao colocar as partes sujeitas ao exterior e ao público, mas sem qualquer influência sobre estes, Durkheim só teria visto um aspecto incompleto da realidade. Essa é a solução mais clara que se pode ter para as paradoxais ideias de tempo, história e memória que, ao serem reunidas em uma mesma linha de raciocínio forjado no olhar, tornaram-se contraditórias. Hoje, a história além-olhar não é mais o progresso linear no interior de um grupo, e muito menos a ação evolutiva de um todo sobre a parte, tal como defendido por Cardoso (1988). No entanto, também não é o todo progressivamente desenhado pela parte e pela ação das partes, forjando uma percepção de agentes sociais dotados de alta autonomia e extrema individualidade, tal como sugerido por Neiva (2003). A vida natural, na qual o Homem está incluído, caracteriza-se pela liberdade, mas tanto o mundo natural quanto o mundo cultural são universos de uma construção coletiva completa e integrada. Construção, esta, que é feita pelo modo como se organiza e se 69 Amazônia Antropogênica inter-relaciona cada uma das partes do todo. Mas sempre lembrando que a inter-relação entre as partes não é absoluta, pois cada parte compõe com outra apenas aquilo em que estão de acordo. O que entre duas pode estar acordado pode não estar com uma terceira. Em compensação, essa terceira parte pode estar de acordo com alguma outra coisa de uma das duas. É assim que a rede social se estabelece: inteirativa, mas assimetricamente. Os Homens são os agentes sociais que movimentam e dão forma ao mundo onde vivem (BARRETT, 2001), mas também replicam e são agenciados por esse mesmo mundo coletivo naquilo que lhes corresponde. A impressão de que é o social que carrega os indivíduos ocorre porque a soma das atividades dos indivíduos excede o social, de modo que o indivíduo é carregado pelo que ele mesmo cria, mas junto à criação dos outros indivíduos inter-relacionados. Isto é diferente do que Bourdieu afirmava, quando dizia que os agentes sociais, por mais liberdade que tenham, são motivados por forças que os animam à ação sem que tenham consciência disso. Pois se, em Bourdieu (1988), o sujeito se movimenta em uma verdade que não lhe pertence, aqui ele é o próprio construtor dessa verdade de várias versões igualmente verdadeiras. Mesmo que, necessariamente, não saiba disto, cada sujeito em ação individual acaba interagindo com muitos outros com os quais estão de acordo. Acordo que se modifica com o tempo, justamente por conta da dinâmica dessa inter-relação. O acordo é como um corpo inteiro, inteirativo, onde as partes se integram e mudam de aparência e massa física conforme se alimenta da dinâmica de suas próprias ações em correspondência. Ou seja, o problema não é ser inconsciente das forças que aninam a sociedade, mas achar que está à margem ou no controle dessas forças. E isto está de acordo com o próprio Bourdier, quando, por outro lado, ele afirmava que a noção de estrutura remete ao conceito de habitus, entendido como estruturas mentais ou cognitivas elaboradas para guiar-se pelo mundo social, e ao conceito de campo, concebível como redes de relações entre posições objetivas (BOURDIER, 1996). Habitus e campo são noções relacionais, interligadas, que aparecem nos pressupostos bourdieusianos mutuamente referentes entre si, numa relação de cumplicidade ontológica e não de antinomia sujeito/matéria. Inclusive, na arqueologia existe uma corrente apoiada na chamada Antropologia Simétrica e na Ecologia Política que defende, em particular, a almejada simetria entre o material e o social. Essa Arqueologia Simétrica permitiria discutir aspectos de sociabilidade entre humanos e não-humanos, acompanhando a produção de seus coletivos (NEUMANN, 2008). Assim, podemos afirmar que em uma sociedade não existe agente social isolado, ele sempre está contido em um grupo (familiar, de caçadores, de artesãos, etc.) e em um meio natural constituindo, então, um subconjunto inteirativo. Por sua vez, todo subconjunto de agentes sociais inter-relaciona suas correspondências, inteirativa e assimetricamente, com outros subconjuntos sociais, tanto no espaço quanto no tempo. Enfim, o habitus supõe que o indivíduo possa em maior ou menor grau modificar as regras sociais, respeitando, entretanto, o momento e a posição que ocupa dentro do espaço de relações no qual está inserido, pois, pela interiorização de múltiplas estruturas externas, orienta a ação coerentemente frente àquilo que requer o campo, como um conjunto de relações históricas objetivas. Deste modo, os subconjuntos sociais são grupos inter-relacionais de um conjunto sociocultural mais amplo. Isto ocorre porque, se por um 70 Mas é na zona dos excessos coletivos inconscientes (o total arquetípico da soma das ações locais e não locais dos indivíduos) onde os sujeitos agenciam e interagem consciente ou inconscientemente com sujeitos de outros conjuntos socioculturais. Portanto, ainda que sem eles não exista e dependa do modo como se organizam, toda sociedade é composta por agentes sociais cujas atividades excedem não só o conjunto da sociedade e os habitus, bem como qualquer individualidade ou subconjuntos institucionais. Ou seja, nem indivíduos, instituições, maiorias ou minorias representam o todo, mas são dele sua força organizadora. Amazônia Antropogênica lado os agentes individuais interagem no subconjunto local onde estão contidos, os próprios subconjuntos do conjunto sociocultural interagem entre si levando os agentes para além da localidade através dos hábitos sociais relacionais. De fato, segundo Badiou demostrou (1988), toda sociedade organizada possui uma situação de ordem geral que extrapola as suas manifestações quer pessoais ou mesmo coletivas. Esse estado social é, antes de qualquer coisa, o múltiplo de todos os submúltiplos da sociedade. Badiou (1988, 2006) demonstra, matemática e filosoficamente, a característica múltipla e conjuntiva da sociedade organizada, que ele chama de estado da situação social. Para ele, o estado da situação social, enquanto conjunto da sociedade, é a garantia de que a sociedade é o resultado de todas as suas partes componentes, e não da consideração de indivíduos ou mesmo de organizações institucionais ou de classes. Ele é um múltiplo de múltiplos, de múltiplos. Ele é a garantia de que o indivíduo não apenas pertence à sociedade, como é aquele que está incluído nela. Maturana (2002: 43) sintetiza esta ideia dizendo “que se é indivíduo na medida em que se é social, e o social surge na medida em que seus componentes são indivíduos”. Considerando que instituições e organizações governamentais e não governamentais, sejam civis ou militares, mas o universo dos indivíduos de uma sociedade organizada são componentes do estado da situação social, mas não são, em qualquer situação de seus termos, a sua representação unívoca, logo a nenhum deles poderia ser dado o poder da representação estatal. O estado da situação é o que excede ao produto das relações sociais de um conjunto sociocultural e no qual qualquer modo de representação é deficitário. Ou seja, o todo não representa a parte e nem a parte representa o todo. No entanto, no âmbito da evolução histórica, é o conjunto das partes que define o todo e o extrapola, reorganizando ou desestruturando o estado da situação social. Claro está que Badiou se baseou na teoria dos conjuntos de Cantor. O estado da situação social, por sua vez, pode ser entendido como o Estado, porém, completamente diferente do Estado de Leviatã, assunto que veremos em outro capítulo. No momento nos importa compreender que, no desenrolar da evolução histórica, o que se vê é uma incessante reorganização estrutural das sociedades humanas, promovendo as renovações. De um lado, o que se tem é o reconhecimento inevitável de que os produtos da cultura humana e inclusive os diversos estados da situação social são constantemente modificados na duração (que sempre está em movimento), através de atos sociais inter-relacionados; caso contrário, não haveria diversidade de costumes, invenções e desenvolvimentos paralelos, e instituições através das culturas. 71 Amazônia Antropogênica De outro lado, o mesmo acontece, ainda que a um ritmo diferenciado e mais lento, no reino da natureza. Assim como os outros animais, nós e cada organismo vivo carregamos e fazemos avançar a história de cada uma de nossas espécies, em uma constante atividade inter-relacional coletiva com a natureza. Com isto poderemos compreender, sob tais condições gerais, como a história reinterpreta, através das ações humanas coletivas, as técnicas e conceitos herdados ou absorvidos e, como consequência, compreende a linha termodinâmica do tempo. Se admitirmos que as impressões e ações sociais no mundo não passam de fruto das nossas sensações individuais coletivamente correspondidas; se compreendermos que cada qual pensa o seu próprio mundo a partir do lugar e do momento que ocupa, vivencia e se corresponde, e que por isto esse mundo é o mundo coletivo que podemos perceber em nós, então podemos aceitar que a única coisa que existe para o nosso eu, é aquilo que sentimos do mundo. A única coisa que podemos sentir e compreender do mundo é aquilo que existe no mundo e em nós. Nosso sentimento do mundo é uma impressão compartilhada, pois nosso “eu” sempre está de acordo com muitos outros “eus”, sejam locais ou não locais, presentes ou não presentes. Por conseguinte, as únicas informações que vivenciamos são aquelas que nos atingem através de nossas sensibilidades e emoções compartilhadas que resultam das diferentes relações e percepções do nosso eu no mundo coletivo em que vivemos. E isto ocorre além do olhar e do corpo, visto que não sentimos apenas com a visão ou o tato, mas com muito mais, e sobre coisas que nem mesmo a luz pode alcançar ou a consciência pode distinguir. Assim, de tudo que existe no mundo, existimos e fazemos existir apenas a parte do mundo que nos cabe. Esta parte é muito mais que podemos ver, mas esta parte é apenas uma fração da realidade total do mundo. Em termo gerais, sendo a subdivisão temporal da história o exercício da nossa capacidade de fluir no espaço de nossa vivência, podemos supor muitas séries históricas relacionadas entre si, posteriores, anteriores ou contemporâneas umas às outras, de modo a haver muitas histórias distintas, que não são necessariamente, nem anteriores, nem posteriores, nem contemporâneos. São séries históricas distintas existindo em lugares sociais diversos que se constituíram em diferentes épocas e espaços regionais. Com isso podemos repetir Jorge Luiz Borges (1989) ao afirmar que cada um de nós vive uma série de fenômenos particulares e que esta série é paralela a outras. E ao mesmo tempo corrigi-lo, ao afirmar que as séries de fenômenos sempre apresentam correspondência com outras séries e que nessa correspondência nenhuma se mantém isolada ou permanece imóvel e muito menos como era antes. Enfim, cada um de nós tem uma realidade, mas imerso em um mundo coletivo, onde a vida é conformativa e conformada segundo tudo que conhecemos. Em outras palavras: todas as histórias paralelas de uma região compartilham símbolos de uma noção comum subjacente ao se encontrarem em algum lugar do curso dos acontecimentos. É desse encontro que emerge a informação que organiza o acontecimento localmente. Desse modo, a história possível a uma sociedade de tão particular e espaço-temporalmente inter-relacionada só pode ser representação do espaço regional quando a história do lugar, juntamente com todas as outras partes do território compartilhado, compõem essa mesma história regional. O sujeito da história está 72 HISTÓRIA EM DINÂMICA Amazônia Antropogênica diretamente ligado ao contexto espaço-temporal da sua existência, mas esse contexto apresenta-se, simultaneamente, para todos os sujeitos que interagem numa região, como a noção comum compartilhada. Aqui já não temos apenas uma alteração na dinâmica geométrica do tempo histórico, que de linear passa para espiral. A questão é mais profunda. Dissemos que a diferença é uma intensidade e que a intensidade é uma extensão. O que é extenso possui uma distância entre, no mínimo, duas extremidades na linha do tempo – a duração. Esse intervalo temporal, sempre em movimento por estar no devir, implicará um conjunto de eventos contíguos, que será a evolução que o acontecimento gasta ao longo da sua existência, desde seu começo até o seu fim. Diz-se assim, que a história não é um motocontínuo, mas uma dimensão contígua descontínua que possui acontecimentos com começos e fins diversos. Cada acontecimento compõe-se de intensidade, sentido e duração particulares e é a constante movimentação gerada pela combinação de eventos emergentes que o transforma. Isto posto, observemos que na história não são as durações, os sentidos e nem as intensidades que retornam, mas os acontecimentos que, ao retornarem, retornam com durações, intensidades e sentidos diferentes. A intensidade, como disse Carlos Drummond de Andrade no seu poema “Reverência ao Destino”, “é uma eternidade petrificada em uma fração de segundo, que nenhuma força pode resgatar”. Considerando, tal como observado por Deleuze (1988), que a intensidade não é uma mera fração de segundo, mas uma extensão temporal que imprime sentido à duração de um acontecimento, a originalidade desse acontecimento, conforme a eternidade petrificada de Drummond de Andrade, também não pode ser resgatada. Repetindo, um acontecimento não é um simples instante. Ele é uma duração, seguimento inter-relativo de instantes contíguos em correspondência. Nele, portanto, o presente pode ter uma duração virtual muito maior que o de meros instantes ou mesmo de uma geração. Porém, quando as informações modulares em interação alteram a organização estrutural de um acontecimento, ao conectar distintos tipos de informações reconhecidas, mas até então isoladas, os eventos que daí afloram já não apresentam mais a antiga ordem interna e fazem emergir a organização de um novo acontecimento. Dentro da duração de um acontecimento todo evento é resultado de uma série de outros eventos relacionados. Um evento pode fazer parte de diferentes subconjuntos de eventos que resultam em diferentes outros eventos. Mas nenhum evento pode ser resultado de apenas um ou ser a causa isolada de apenas um outro, porque ele nunca está fora do conjunto de eventos que emergem no devir da duração. Eventualmente, um subconjunto de eventos pode gerar um evento com tanto potencial de entropia, que ele acaba interagindo com um número muito maior de eventos do que aqueles que o geraram, daí resultando na própria reestruturação da ordem interna do acontecimento. Ou seja, um evento não muda a história, mas seu potencial pode gerar um subconjunto composto por tantos eventos, que as informações daí geradas acabam por alterar o próprio rumo da história até então vigente. 73 Amazônia Antropogênica A reestruturação da ordem interna de um acontecimento é a demanda de informações que supera a entropia de sua própria reestruturação. É essa demanda que faz emergir no interior do acontecimento a sua nova organização, com intensidade, sentido e duração diferentes. Em resumo, todo acontecimento é dinâmico, inteirativo e possui intensidade, sentido e duração e é maior que os instantes que separa o passado do futuro e, ainda que se repita, sempre apresentará intensidade, sentido e duração diferentes. Com isto, além do presente não se repetir, ele é a parte fracionada de uma duração, cujo passado e futuro não estão nem no início e ou no fim do evento ao qual ele pertence, mas no desenvolvimento e vir a ser do acontecimento em cuja duração os eventos ocorrem. Em Deleuze (1988), a intensidade além de ser uma extensão é uma diferença. O que isto quer dizer? Para chegar a esta ideia, ele parte da conceituação filosófica e não poética do termo. Nele, toda diferença é uma intensidade porque possui uma potência emergente que caracteriza o seu sentido e dá tamanho à sua extensão. Portanto a intensidade está relacionada ao espaço. Quanto mais intenso for um acontecimento no tempo, mais extenso é no espaço. Daí um acontecimento poder extrapolar não só a duração de um conjunto de eventos, bem como a sua emergência local. É no espaço que as intensidades se diferenciam. Neste caso, o que diferencia as intensidades são os modos possíveis como elas podem ser vivenciadas segundo a história em movimento e a subjetividade perceptiva do sujeito, na fugacidade particular de fruição de seus instantes. Essa distinção se verifica quando, na emergência do diferente, suas qualidades determinantes definem sua potência e seu propósito: a potência é a intensidade e a duração do acontecimento; o propósito, o seu sentido. Não obstante, enquanto a intensidade se diferencia apenas no espaço, a duração se diferencia no tempo e no espaço numa sucessão particular de mudanças de instantes que se prolongam horizontal e verticalmente. O sentido do acontecimento emerge justamente quando a intensidade adquire significantes espaciais que se prolongam no tempo através de um conjunto de práticas e costumes que os reforçam social e culturalmente, constituindo, assim, uma duração. Mas o sentido também faz a duração mudar no espaço. Pois o sentido de um acontecimento são os significantes sociais e culturais organizados segundo sua emergência e o modo como o corpo apreende e materializa as informações distribuídas no espaço. Portanto eventos diferentes de uma mesma duração acontecem em diferentes espaços de uma intensidade sociocultural. Como a duração é movimento e este movimento também ocorre ao longo do espaço, um acontecimento pode apresentar uma grande diversidade de eventos acontecendo simultaneamente em diferentes lugares. Ou seja, a mudança também ocorre no horizonte espacial do acontecimento. Assim, o acontecimento, seja espacial ou temporalmente, mesmo que retorne, não retorna com a mesma duração e nem o sentido pode ser o mesmo de outro, porque cada evento de um acontecimento possui uma intensidade e, portanto, ocorre em diferentes lugares, que têm tempos e sentidos relativos. Isto é, o acontecimento tem uma extensão espacial e uma sucessão de eventos particulares, cuja organização cultural é definida conforme o desenvolvimento da sensibilidade e da capacidade comutativa do sujeito na sociedade ao longo da duração de sua existência (Figura 1). 74 d c b Amazônia Antropogênica a e Figura 1. Urnas antropomorfas, Maracá (a) Guarita (b) ambas do acervo do Museu Goeldi; Caviana (c) da coleção do Museu Barbier-Mueller; Rio Napo (d) do Museu CICAME e Magdalena (e) Museu da Colômbia. Como se pode observar, elas apresentam a semelhança que diferencia. Fonte, Barbosa, 2011. 75 Amazônia Antropogênica No retorno, o acontecimento se diferencia porque a sua nova intensidade particulariza a duração em uma expressão cujo sentido também se particulariza no próprio lugar de sua emergência. É no lugar, em síntese, que o acontecimento se distingue. É nele onde a história é vivenciada, particularizada e vivificada. Por outro lado, ao dar uma extensão durável ao acontecimento, onde o passado e o futuro são contíguos na mesma série, a intensidade não dispõe de qualquer atualidade, pelo motivo do presente, nesta duração, ser pura virtualidade. Em outras palavras: na duração o presente se configura como virtual porque os acontecimentos em estado de emergência abrem percursos que possibilitam outros modos de existir na inter-relatividade dos eventos. Essa inter-relatividade, por sua vez, gera sempre uma informação cujo início e fim são, simultaneamente, anteriores e posteriores ao atual. É certo que o presente virtual tem uma extensão maior que a instantaneidade momentânea dos eventos, mas como o acontecimento é um conjunto de eventos emergenciais, cujo sentido é definido pela informação gerada durante a inteiratividade dos diferentes corpos do conjunto, os quais, consequentemente, compartilham uma mesma noção comum, a atualidade de qualquer evento também é potencialmente virtual. O presente, portanto, que é mais virtual do que atual, é anterior e posterior a qualquer um de seus instantes. Vejamos um exemplo arqueológico que ilustra bem o que está sendo afirmado. Segundo Barbosa (2011), o corpo humano é um agente de construção social e é usado como suporte para adornos e grafismos carregados de significados, que representam experiências cotidianas e valores tradicionais de um grupo, materializados em um conjunto de elementos decorativos que identificam particular e socialmente um indivíduo. A forma das ornamentações corporais desempenha um importante papel de agente organizador de uma sociedade. Por sua vez, enquanto materialização simbólica das relações humanas, as ornamentações podem ser reproduzidas ritualisticamente, em artefatos e representações gráficas, marcando o papel que elas desempenham na cultura e as diferentes situações e funções sociais que os sujeitos onde elas estão corporalmente representadas, ocupam. Em termos regionais essas representações são reproduzidas no espaço segundo a particularidade histórica que cada sociedade desenvolve no lugar onde se manifesta, em uma incessante releitura de forma e conteúdo. Assim, apesar da repetição de elementos culturais regionalmente reconhecidos, suas formas e conteúdos só retornam se diferenciando no tempo e no espaço, o que mantém a identidade cultural e social particular das sociedades territorialmente relacionadas. E isto ocorre mesmo quando a repetição desses elementos é recorrente e espacialmente simultânea. Isto é, mesmo quando ocorre generalizadamente em diferentes lugares durante acontecimentos históricos paralelos. Pois que, efetivamente, na evolução cultural, antes da invenção contínua de novas formas, a mudança do sentido precede a mudança das mesmas. A SIMULTANEIDADE NO ESPAÇO E NO TEMPO A noção de simultaneidade generalizada dos acontecimentos foi introduzida na arqueologia brasileira no ano de 1993, na primeira edição de O Tempo Arqueológico (Magalhães, págs. 67, 70, 78, 83, 84 e 189). No ano de 2002, o geógrafo Milton Santos 76 Amazônia Antropogênica apresentou, em “A Natureza do Espaço”, estes mesmos termos, mas separadamente e relacionando-os, principalmente, ao espaço (págs. 159, 160 e 162). Assim, enquanto no primeiro as dimensões espaciais são relacionadas às temporais, no segundo é priorizado apenas o espaço. Para Santos, a simultaneidade generalizada dos acontecimentos compreende, grosso modo, a simultaneidade de acontecimentos históricos paralelos, no espaço. Isto é, outros eventos ocorreram ao mesmo tempo em que estas palavras foram escritas, ainda que um dos outros nada se soubesse. Mas sua noção é mais sofisticada do que a observação acima. Para Santos, é no espaço que os acontecimentos se globalizam. E são nos seus diferentes lugares, organizados em diferentes territórios, onde os sistemas sucessivos do acontecer social distinguem diferentes períodos, sejam passados ou presentes: o eixo das sucessões. Em cada lugar, o tempo das diversas ações e dos diversos atores e a maneira como utilizam o tempo social não são os mesmos. No viver comum de cada instante, os eventos não são sucessivos, mas concomitantes: o eixo das coexistências. Portanto, no espaço regional, se as temporalidades não são as mesmas para as suas diversas sociedades, elas, todavia, se dão de modo simultâneo (SANTOS, 2002). Complementarmente, é no espaço regional, justamente, onde os domínios das intensidades culturais se estendem. Não obstante, se por um lado não há nenhum espaço onde a construção do tempo histórico seja idêntica para todos, é a simultaneidade das diversas temporalidades dos acontecimentos sociais sobre uma determinada área geográfica que constitui o domínio de um espaço regional. Por isto podemos dizer que, no regional, a sucessão dos acontecimentos é abstrata e que a simultaneidade generalizada dos acontecimentos é o tempo concreto da vida real de todos, sob uma noção comum subjacente. O espaço geográfico é um conjunto, mas um conjunto regional de sub-regiões paralelas particulares, com seus próprios padrões culturais constituintes de uma mesma noção comum compartilhada. Ou seja, do mesmo modo que há o espaço geográfico tropical amazônico, existem os espaços antártico, andino, saariano, etc. O conjunto de territórios são seus componentes sub-regionais. Esses territórios, áreas particularizadas de usos e práticas sociais diárias, são cultural, política e socialmente definidos pela inteiração histórica do Homem com a natureza dos seus diversos lugares componentes. Além disto, eles representam um espaço social construído, constituindo um padrão cultural particular. Os subconjuntos dos territórios são os lugares onde o tempo histórico vivificado se desenvolve. Portanto a territorialidade é definida pelas inter-relações sociais e históricas do homem em determinado conjunto de lugares (sítios) por ele ocupado. Nas sub-regiões culturais do conjunto do espaço regional, se há territórios sociais paralelos, portanto, há desenvolvimento histórico simultâneo. Mas sendo o espaço geográfico o universo onde essas histórias se dão, é nesse espaço que elas coexistem e se influenciam convergindo para uma mesma noção comum. Deste modo, no conjunto espacial regional o desenvolvimento das diferentes histórias compartilha uma noção comum que, por conseguinte, é subjacente. O espaço regional se caracteriza pelo fato de os atores sociais comutarem correspondências, que criam uma noção comum subjacente aos padrões culturais dos diferentes territórios componentes das diversas sub-regiões onde eles agenciam suas inter-relações. 77 Amazônia Antropogênica Para exemplificar podemos fazer, ao modo do ex-presidente Lula, a seguinte analogia: imagine um jogo de futebol do campeonato brasileiro. Imagine que este jogo ocorra num domingo. Como se sabe um jogo de futebol tem a duração de 90 minutos dividida em dois tempos de 45 minutos cada e mais 15 minutos de intervalo entre um tempo e outro. No nosso exemplo, o jogo é um acontecimento com 105 minutos de duração. Esse acontecimento de 105 minutos de duração, por sua vez, não acontece sozinho. Durante esse jogo outros jogos, em outros lugares, estão acontecendo ao mesmo tempo. Todos esses jogos ocorrem simultaneamente. A noção comum é a disputa do campeonato. Digamos agora que alguns jogos começarão às 16h e que outros iniciarão somente às 17h. Deste modo, todos esses acontecimentos (jogos), independentes da hora que comecem, compartilharão o mesmo tempo, no mínimo, durante 30 minutos. Durante 30 minutos todos os acontecimentos serão simultâneos ainda que os times de um jogo não tenham, necessariamente, consciência dos outros jogos. O jogador ou torcedor, durante quaisquer dos instantes de um desses jogos sabe que o resultado só será definido quando o juiz soar o apito final. Durante o jogo todos os jogadores interagem em diferentes correspondências, mas nele nada está definido e nenhum dos momentos jogados é a atualidade do jogo. O presente virtual do jogo é a duração da partida. A duração do jogo, portanto, é não presente e é maior que qualquer um dos minutos jogados e nem se divide entre antes ou depois de qualquer momento atual da partida. Por outro lado, o resultado de cada jogo, cuja duração, no fim das contas, pode variar segundo uma série de imprevistos, é imprevisível e afeta o resultado de todos os outros. Fato estabelecido porque, apesar de ocorrerem independentemente, todas as partidas compartilham o mesmo objetivo relacionado à posição de cada time na tabela de classificação do campeonato em disputa (Figura 2). O exemplo visa a mostrar que, nos eventos históricos paralelos, o presente atual se diferencia do presente virtual, porque a realidade vinculada à linha do tempo se desenvolve na duração. Na atualidade, o presente ou é perpétuo ou é só um instante que já não é e que ainda vai ser. Entretanto, como todo tempo tem início e fim, ou seja, compõe um acontecimento, todo tempo presente tem a sua própria duração que é maior que qualquer um de seus instantes. Por isto que todo presente que se realiza na duração é virtual e faz parte de um acontecimento, cujo processo histórico possui o seu próprio sentido e intensidade. A realidade do tempo presente está associada ao desenvolvimento de eventos que se sucedem em um acontecimento iniciado em um instante passado e que se estende até um instante futuro final. No acontecimento não importa se o instante presente está no início, no meio, no fim ou em qualquer outro evento intermediário, pois todo instante anterior, posterior ou vigente faz parte da mesma duração e por isto são virtuais. Ora, se vários acontecimentos de distintos espaços e com diferentes durações, tal como as partidas de futebol do campeonato brasileiro, são interceptados, em qualquer de seus instantes, pelo presente atual da linha do tempo, temos então um presente virtual que conecta diferentes acontecimentos em diferentes estágios de evolução. Mas todo acontecimento cujo fim é anterior ao presente atual não possui mais qualquer virtualidade. 78 (_________) acontecimento 3 Amazônia Antropogênica Linha do tempo –> Passado Presente Futuro ___________+___________ (onde + é o instante do presente atual) (____+_______) acontecimento 1 (___________+___) acontecimento 2 Figura 2. As durações espacialmente paralelas dos acontecimentos 1 e 2 começam em tempos diferentes e, como o acontecimento 3, têm durações também diferentes. Mas o ponto + intercepta o instante do presente atual, que é definido pela linha do tempo passado, presente, futuro. Esses acontecimentos, portanto, são virtualmente presentes para qualquer observador que seja contemporâneo a eles. Porém, o acontecimento 3 começa e termina no passado do presente atual, que não pode assim compartilhar nenhuma virtualidade com ele e não pode ter dele nenhum sentido original. Como além de duração o acontecimento tem intensidade e sentido, se há virtualidade ainda há intensidade no espaço de sua manifestação e sentido histórico para a realidade presente. Portanto, mesmo tendo iniciado no passado, um acontecimento virtual apresenta correspondências não locais e pode transformar a realidade presente e indicar os rumos do futuro possível. Muito diferente da situação do acontecimento 3, que não sendo mais virtual (pois sua duração já se esgotou), também não tem mais nem intensidade e muito menos sentido para a história atual. O estudo do passado é capaz de transformar a realidade e antecipar o futuro desde que esse passado faça parte de um acontecimento que ainda não se esgotou para a história e, portanto, seja virtualmente presente. Por outro lado, nenhum acontecimento cuja duração, intensidade e sentido se esgotaram tem correspondência, comutação ou conexão com qualquer evento atual e por isto não pode ter influência sobre a história. Consequentemente, não pode transformar a realidade e nem antecipar o futuro. Nesses, como no acontecimento 3 da Figura 2, tudo ficou no passado, pois nós só podemos viver o instante atual da linha do tempo. É na atualização incessante dos instantes que os sentidos são vivificados e diferenciados de modo a ganhar qualidade e significância diferenciada. Mas como a história é uma sucessão de eventos, quando eles vão passando, vão se passando com eles os sentidos que os justificavam. Assim, novo evento, novo sentido e tudo que pudermos ver do passado será através do olhar condicionado pelo sentido replicado que emerge na atualidade. Por outro lado, conjuntos de acontecimentos, de eventos, de técnicas, e de comportamentos distribuídos no espaço e compartilhados simultaneamente no tempo, não perdem suas particularidades. Elas se transformam, mas não acabam. Pois, além das partes do conjunto se compartilharem assimetricamente, para cada lugar onde símbolos diversos de outros lugares sejam compartilhados, sempre haverá uma intensidade, um sentido e uma duração particular. Pois é na unidade mínima do espaço geográfico do lugar que a história é construída; é em um dado território (conjunto de lugares diversos de captação de recursos, habitação, rituais, etc.) que as informações imanentes interagem e se desenvolvem; e é de dada sub-região (conjunto de territórios socialmente relacionados, onde ocorrem trocas diversas especialmente nas zonas de fronteira) que a história se torna subjacente e emerge para o universo regional. Inversamente, é da região que se configuram histórias universais; são nas sub-regiões que elas passam a ser territorialmente partilhadas; e são nos lugares que elas multiplicam sua 79 Amazônia Antropogênica particularidade. No lugar, nenhuma comunidade pode reproduzir a si mesma sem se relacionar com outras de outros lugares do espaço regional, mediante várias formas de interação e reciprocidade. Mas é como esse relacionamento e os seus símbolos são interpretados que se garante a particularidade da história do lugar. De fato, a inter-relatividade regional explica o ser humano em função das relações entre os numerosos atributos e modelos de comportamento que aparecem divididos por todos os espectros humanos, em distintos lugares e em diferentes épocas, em certas ocasiões de forma organizada e em outras de maneira intuitiva. Portanto, se nossas histórias particulares estão sujeitas ao mundo globalizado, o mundo globalizado está sujeito às nossas histórias particulares. A história está ligada ao espaço, portanto, só pode ser vivenciada no lugar das relações diacríticas. De cada lugar do espaço os processos históricos emanam uma potência particular irradiadora de eventos. De modo que qualquer lugar é um centro relativo de produção histórica, concomitantemente aos demais lugares do espaço global. Assim, a seriação histórica pode partir de um lugar, de um território, de uma sub-região com diversos centros e periferias, estar alinhada com a noção comum subjacente de uma região, mas estar desalinhada com a tal da História Universal: centralizada, hierarquizada e linear. E também da tal da história multicultural: múltipla, mas essencial e individualizada. Como no mundo temos diversas regiões geográficas paralelas organizadas segundo diferentes configurações territoriais e em cada um de seus lugares de vivência são traçadas as linhas evolutivas de uma história original, convergindo para uma mesma noção comum subjacente, pode-se dizer, então, que é assim que na história vivemos a simultaneidade generalizada dos acontecimentos. Nela, a duração de cada acontecimento é particular, mas além de acontecer simultaneamente a muitas outras, cada duração possui uma potência generativa de autossimilaridade. Isto é, as histórias são simultâneas: 1- por estarem, contemporaneamente, distribuídas em diferentes territórios; 2- por serem o resultado da evolução inteirativa de eventos diversos, com diferentes intensidades, sentidos e durações; 3- porque na inteiratividade dos acontecimentos históricos, cada evento se torna inteiro ao se ligar a cada evento, em diferentes escalas de intensidade, sentido e duração; 4- por apresentarem conexão além do lugar onde cada um dos seus eventos particulares ocorre. O sentido de cada uma das histórias possui uma ordem organizadora que toca e interfere um nos outros, sendo tocado e interferido pelos mesmos até mudar, consequentemente, o seu próprio curso inicial. Mas, simultaneamente, mudando o curso coletivo dos acontecimentos. Além disto, a simultaneidade generalizada dos acontecimentos é simultânea em uma singularidade para a qual todos os acontecimentos convergem. Essa singularidade inteirativa não pode ser compreendida simplesmente como o ponto de onde todas as histórias particulares partem, mas como o ponto atrator coletivo para onde todas elas convergem, tornam-se autossimilares e compartilham a mesma noção comum. Mas de nenhuma das histórias particulares é possível traçar o ponto final, porque este ponto final é traçado enquanto elas (todas) emergem na duração. Na ideia de simultaneidade generalizada dos acontecimentos, no plano espacial, está associada o conceito de noção comum subjacente. Este conceito diz que o espaço regional, cujos componentes culturais apresentam traços comuns dispersos por seus 80 Entretanto não podemos conceber o espaço sem o tempo. Nem mesmo simplesmente como coisas conectadas ou paralelas. Por isto reintroduzimos o tempo físico. Como sabemos, espaço e tempo são uma só e mesma coisa. Ao entendermos o conjunto espaço como um total de lugares, onde cada unidade tem a sua própria história, entendemos que o tempo de um espaço total, por sua vez, é uma potência de eventos distintos, relativamente compartilhados espaço-temporalmente. Em resumo: para cada lugar uma expressão; para cada expressão um sentido; para cada sentido uma duração. Mas a potência dos distintos eventos históricos, que constituem a história do conjunto dos diferentes lugares de um espaço regional, por sua vez, é o produto de todos os eventos, de todos os acontecimentos, passados, futuros e presentes acontecendo simultaneamente. Como não se pode identificar em qualquer dos eventos o início ou o final dessa história regional, logo a história não pode anteceder os acontecimentos e nem os eventos à história. Existindo um, o outro existe, simultaneamente. Amazônia Antropogênica diferentes territórios, é constituído por um conjunto de elementos organizados por esses mesmos componentes que, por seu turno, potencializam uma informação compartilhada e vivificada por todos, mas segundo o padrão cultural de cada qual. A noção comum é o excedente (a potência) do produto dos submúltiplos culturais. Em contrapartida, se no espaço, a história é construída na horizontal e no tempo ela é transformada na vertical (ao longo da sucessão temporal) temos daí dois vetores espaçotemporais que se cruzam: um horizontal e outro vertical. O ponto de intercessão vetorial, o zero que divide o anterior e o posterior (o passado/presente/futuro mais o espaço/ lugar/território), é o tempo do observador que só é concebível no presente de um determinado local historicamente compreendido. Assim, se no plano horizontal a simultaneidade generalizada dos acontecimentos ocorre no mesmo vetor espaçotemporal, consequentemente, no vetor vertical do espaço-tempo, todos os acontecimentos também serão generalizadamente simultâneos. A intensidade, o sentido e a duração de cada um deles serão particulares e, portanto, além de não apreenderem a realidade do mesmo modo e em um mesmo tempo, o presente virtual dependerá da capacidade de eles manterem, independentemente de qualquer contemporaneidade, correspondência uns com os outros. O acontecimento que mantém correspondências modulares, mesmo tendo história iniciada há muitas gerações é virtualmente presente e, portanto, é capaz de alterar a realidade. Mas aquele que não apresenta qualquer correspondência com os demais acontecimentos contemporâneos está em colapso e incapacitado de alterar a realidade. Corroborando os argumentos apresentados, dizemos que todos os eventos históricos particulares não só são simultâneos no espaço como também o são no tempo, independente da contemporaneidade deles. Deste modo, é no presente atual vivenciado em cada lugar do espaço, que o devir e o porvir coexistem e particularizam os acontecimentos históricos no tempo. Assim, no campo territorial dos acontecimentos históricos, sincronia e diacronia socioculturais são ritmos diferentes do mesmo evento. Agora podemos apresentar a simultaneidade generalizada dos acontecimentos do seguinte modo: imagine vários acontecimentos paralelos no espaço, com os quais você está conectado no presente virtual; como mencionado anteriormente, todo 81 Amazônia Antropogênica acontecimento possui intensidade, sentido e duração particulares que, ao ocorrerem cada qual no lugar próprio do acontecimento que compõe, cada um passa a constituir uma história particular e simultânea no espaço. Porém, nesse mesmo espaço, emergiram diversas durações de outros acontecimentos não necessariamente contemporâneos. Por exemplo: as luzes de algumas estrelas que chegam até nós, podem ser de estrelas que já não existem mais; existem cidades erguidas sobre os escombros de outras cidades, às vezes, milhares de anos mais antigas e, no entanto, algumas das infraestruturas erguidas pelas mais antigas continuam sendo usadas pelas atuais. Sem dúvida, a intensidade é o caráter espacial do acontecimento e a duração é o caráter temporal do mesmo. Sendo assim, como cada acontecimento tem a sua própria duração, do mesmo modo que ele pode ser simultâneo a outros no espaço, também o pode ser no tempo, independentemente de qualquer contemporaneidade. O que garante a simultaneidade dos acontecimentos é a virtualidade manifesta de eventos que conecta acontecimentos ocorridos em diferentes épocas, mesmo que estas, aparentemente, sejam subordinadas apenas às particularidades históricas que as fizeram existir. Agora voltemos ao campeonato brasileiro de futebol (Figura 3). Numa rodada de fim de semana há jogos aos sábados e domingos. No primeiro exemplo vimos que durante o domingo ocorrem jogos simultâneos e que o resultado de cada um afeta a posição de todos os times na tabela. Mas não são só os resultados dos jogos de domingo que determinam a tabela. Os resultados dos jogos de sábado também afetam a posição dos times que jogam no domingo, bem como os de domingo afetam a posição dos times que jogaram no sábado. A isto podemos chamar de efeito não presente, observando que neste caso o não presente implica outro tempo de um mesmo acontecimento. Ou seja, um resultado de ontem afetando um resultado de amanhã e o de amanhã afetando o resultado de ontem, do mesmo acontecimento que é o campeonato brasileiro. Esses exemplos são bastante óbvios, mas devem ser entendidos profunda e sutilmente para se compreender as ações não locais e não presentes da simultaneidade generalizada dos acontecimentos na história. No caso em questão, o acontecimento é o campeonato brasileiro de futebol e os jogos são os eventos. Como se sabe, há um campeonato por ano, mas os eventos (jogos) que definem o acontecimento (campeonato) são apenas aqueles relativos ao ano no qual o campeonato está sendo disputado. Resultados de jogos (eventos) ocorridos nos campeonatos (acontecimentos) já terminados não têm qualquer efeito sobre a posição dos times na tabela do campeonato em andamento. O resgate do resultado de qualquer jogo ocorrido no campeonato anterior é absolutamente inútil. Uma vez que todo acontecimento tem uma duração com começo e fim particulares e ainda que se repita nunca é o mesmo, ele não pode ter seu sentido resgatado. Simplesmente porque o sentido de um acontecimento (bem como sua intensidade e duração) é particular, não se replica. Consequentemente, de nenhum acontecimento, cuja duração já se esgotou, é possível recuperar o sentido. Porque, em qualquer situação dada, o sentido de qualquer acontecimento só existe em estado de emergência e só pode ser inferido no desenvolvimento da sua própria duração. Por outro lado, toda história ativa, isto é, que não se esgotou, será virtual ao curso dos acontecimentos vivenciados pelos sujeitos no presente. Pois são os sujeitos no presente virtual que potencializam a 82 Amazônia Antropogênica intensidade, vivenciam o sentido e estendem a duração dos acontecimentos. Os acontecimentos só existem durante a sua manufaturação; durante a emergência dos eventos que lhe fazem existir de determinado modo e não de outro. Contudo, fora do presente virtual, não é possível vivenciar a história, só contemplá-la e narrá-la sob a comoção do instante atual, cujo acontecimento já não é mais o mesmo e muito menos vai voltar a ser o que era antes. Por isto, na tentativa de se resgatar o acontecimento, o máximo que se consegue é “atualizar” seu sentido através de outra narrativa, contemporânea ao narrador e, portanto, completamente diferente daquela que um dia identificava sua originalidade. SIMULTANEIDADE GENERALIZADA DOS ACONTECIMENTOS Passado Presente Futuro _________________+________________ (linha do tempo) (_______+__________) 1 (______________) 2 (_+_______________) 3 (_________________+______________) 4 Figura 3. Os acontecimentos 1, 2, 3 e 4 têm extensões e durações distintas, mas no ponto + do presente atual da linha do tempo, as linhas 1, 3 e 4 ocorrem simultaneamente no tempo do presente virtual. Já a linha do acontecimento 2 não tem qualquer correspondência com os demais. Pense numa sequência seriada, onde cada linha corresponde a um padrão cultural que varia no tempo e no espaço. O + é o ponto que conecta as interrelações dos elementos culturais em correspondência, independente do espaço e do tempo histórico de cada padrão. O acontecimento 2, por não ter qualquer correspondência, é apenas a intrusão de um tempo esgotado e fora da temporalidade dos demais acontecimentos, não tendo exercido qualquer influência e vice-versa. O resgate não leva à atualização da história presente, mas à atualização do passado segundo o olhar condicionado pelo sentido do presente. O tempo no resgate é como o cachimbo de Magritte. Isto é, não é duração, não é, respectivamente, um cachimbo, mas apenas uma representação apreendida pela imaginação. Os arqueólogos que habitam a epiderme mais superficial do pensamento e repetem, em várias línguas, o mesmo discurso do senso comum se esquecem de que o que se resgata é um bem de valor comercial, que varia segundo o mercado. Mas o tempo histórico não possui valor de troca e por isto é irresgatável! Por outro lado, no presente virtual, é possível extrair de um acontecimento o sentido de uma duração histórica ainda ativa e, assim, antecipar o futuro e transformar o presente. Nota-se, que esse sentido ativo é real porque a sua potência de experienciação ainda repercute no curso dos eventos históricos a intensidade das informações que emergem na sua duração. Mudanças no curso dos eventos históricos relacionados a um acontecimento podem transformar a realidade presente, visto sua duração, plena de sentido, ainda gerar os significantes que identificam as expressões socioculturais que reproduzem nas coisas e nas pessoas esses mesmos eventos. Os acontecimentos não têm durações homogêneas e apresentam posições e extensões variadas, mas, em boa parte, dependem do recorte que o arqueólogo realiza. Deste modo, existem acontecimentos de curta, longa e extensa duração definida pela intenção objetiva 83 Amazônia Antropogênica da observação. Em um corte objetivo da história, definido pela percepção subjetiva do observador, enquanto em algumas durações os eventos há muito perderam a sua potência de emergência, em outras ainda podem estar em plena atividade e desenvolvimento, apesar de eles terem iniciado muito antes do observador formular suas ideias, de ter consciência dos fatos e, até mesmo, de nascer. Existem exemplos bastante claros disto, como por exemplo, a curta duração de um evento esportivo e a extensa duração das estruturas familiares na história do Ocidente. Porém existem acontecimentos que podem assumir características muito sutis e completamente fora do alcance do senso comum, como por exemplo, a longa duração na organização das relações de poder, dos sentimentos intuitivos em estruturas religiosas e do uso de certas técnicas de manejo e seleção cultural. Concomitantemente, a partir do instante que se compreende que o acontecimento é um conjunto de eventos que constitui apenas um seguimento da história; que esse conjunto, por sua vez, é composto por um número indeterminado de eventos, com princípios e fins identificáveis, mas variáveis; que existem tantos acontecimentos quantas forem as durações possíveis, sejam conscientes ou não; entende-se que a origem, ela mesma, também está no curso dos acontecimentos e não em um suposto ponto inicial de tudo. Ora, deduz-se daí, que um evento cuja origem está em um acontecimento de duração esgotada, não tem mais originalidade e sua própria origem não tem mais sentido para nós hoje. Sem dúvida, é a ideia de que a origem está fora da duração que gera a ilusão de se poder resgatar o tempo. Tanto a ilusão de se resgatar o tempo, quanto a de se poder atualizar o presente através do conhecimento passado vem do discurso platônico sobre a origem. Para o platonismo pagão do eterno retorno e para o neoplatonismo cristão do tempo linear, tudo é cópia de uma manifestação primeira ou de uma criação original. As cópias eram semelhantes aos originais, mas cujos sentidos foram alterados pela deterioração promovida pelo passar do tempo. No eterno retorno a degradação em relação à origem levava à decadência absoluta e ao consequente retorno da manifestação primeira. No tempo linear, a degradação levava ao afastamento cada vez maior da origem primeira e ao seu consequente aniquilamento. Tem-se, na origem do tempo linear, uma duração tão longa e de origem tão distante, que só nos resta procurar identificar onde foi o seu começo absoluto e qual será o seu fim definitivo. Já sabemos que no acontecimento os eventos se desenrolam ao longo da duração, no espaço próprio de sua emergência histórica e, como já foi apresentado na Phýsis da Origem (MAGALHÃES, 2005), o sentido da origem tem caráter muito mais de originalidade do que de manifestação primeira. Dizemos que a origem está no curso da duração e não no início do acontecimento. Quer dizer, o sentido tem uma gênese, mas são os meios como ele é apreendido e os modos como é manifestado que definem a sua qualidade na duração e, portanto, a sua originalidade potencial. Por outro lado, também foi mencionado que se o acontecimento já esgotou sua duração então não há qualquer emergência, não há originalidade possível. Isto pode parecer estranho e contrário à ideia que se tem de memória, pois a valorização que se faz das memórias na história está baseada na suposição de durabilidade do sentido primeiro e de sua superioridade sobre as suas pseudo-versões posteriores. Não é o que ocorre. 84 Amazônia Antropogênica Lévi-Strauss (2004) disse, em relação aos mitos, que todos eles são por natureza uma tradução. Todo mito emerge em outro mito proveniente de uma população vizinha, mas estrangeira, ou em um mito anterior da mesma população, porém pertencente a outra subdivisão social que um ouvinte trata de demarcar, traduzindo-o a seu modo, em sua linguagem pessoal e/ou tribal. Por sua vez, estudos neurológicos recentes têm mostrado que a mesma área do cérebro que processa imagens do passado processa imagens do futuro. Isto é, o exercício da memória gera a imaginação do passado que estimula os mesmos processos químicos e no mesmo local, daqueles que exercitam a imaginação do futuro. Assim, lembramos o passado do mesmo modo como planejamos o futuro: imaginando-o segundo impressões pessoais forjadas no presente. Por conseguinte, toda imaginação passa por mudanças quando imaginada pelo “eu” de outra pessoa, que seria o elemento básico da criação original. Isto dissolve a ideia de autoria, pois, ainda que determinada coisa seja obra do “eu” de um sujeito, essa mesma obra será outra coisa na imaginação do “eu” de outro sujeito. Jean Piaget (1987) mostrara, inclusive, que as brincadeiras infantis são permanentemente recriadas de uma geração para outra, através da reorganização das regras anteriormente estabelecidas. Também existe aquilo que Diamond (2005) chama de “amnésia de paisagem”. A amnésia de paisagem é o fato de os indivíduos de uma sociedade esquecerem, após algumas gerações, quão diferente era a paisagem do seu mundo circundante. Por tudo isto se pode concluir que a emergência dos eventos no acontecimento não é, necessariamente, precedida pela consciência; mas é esta que identifica e interpreta os mesmos. Assim, quando alguém identifica, em uma obra artística ou científica, trechos que o remetem a uma obra particular anterior, não se deve lê-la tal como foi produzida inicialmente, mas conforme se contextualiza no novo nicho, que a recicla na comunicação de outra metáfora. De certo modo, ela se torna um gene na literatura, que ao ser modificado se mantém vivo em diferentes formas (KUSAHARA, 1997). E é justamente isto o que acontece quando símbolos e representações diversas de uma sociedade são incorporadas por outra sociedade: elas adquirem outro valor, outro significado, seja na cultura material ou na iconográfica. Do mesmo modo, a memória de todo evento se transforma quando emerge em outro acontecimento, assumindo assim outro sentido. A história, enfim, é descontínua e permanentemente recontada. No entanto, diferente do que interpretou Lévi-Strauss, ao traduzir o mito em outro mito, o mito original já não é mais o original. O original passa a ser o outro dele derivado. Quando cada geração reproduz a lógica cultural herdada em novos contextos históricos, a própria lógica se altera. Por isto a invenção da escrita foi tão importante para a manutenção e ratificação constantes de regras de comportamento e de identidades etnocêntricas inflexíveis. Mas, mesmo os textos, com o tempo, apresentam diferentes possibilidades de interpretação. Na história, um acontecimento depende de um grande número de eventos atuando de forma coordenada para ter intensidade, duração e apresentar um sentido a partir das relações humanas. Por conta disto, grupos diferentes de eventos e lugares geram memórias que representam aspectos diferentes de um acontecimento, desde aquelas informações geradas de experiências gerais e abstratas sobre uma situação, até informações específicas geradas sobre o uso de técnicas e regras de comportamento em espaços 85 Amazônia Antropogênica sociais distintos. Assim, a coordenação das diversas e diferentes memórias que emergem nos eventos é que garante ao acontecimento o seu sentido coletivo subjacente e a descontinuidade da história. A ausência de uma memória essencial central ou absoluta permite que as diferentes versões das memórias individuais sejam aspectos complementares e legítimos da memória coletiva, mesmo que esta seja um arquétipo inconsciente em constante reconstrução. Mas, como era de se esperar, nenhuma memória em particular pode ser a síntese arquetípica da memória coletiva. Um evento específico pode ser uma experiência muito rica, desde que seja capaz de levar a outros com os quais se relaciona. Sua riqueza deve-se ao fato de ele comutar com outros eventos a mesma noção comum que contextualiza um acontecimento histórico significativo; e ainda, ao fato de compor com diferentes segmentos a construção da mesma informação. Isto é, os eventos de um acontecimento geram lembranças de si mesmos que influenciam as experiências em situações semelhantes e estendem, assim, a sua duração. Certos eventos, inclusive, servem como unidades funcionais que estimulam lembranças (imaginações) históricas, que são fortes o suficiente para conter informação do conjunto, mesmo se outras unidades já sofreram modificações e, aparentemente, não permitam o “encaixe” desses eventos. Porém, toda lembrança de um episódio fica sem sentido quando está fora do seu contexto original, ou da informação que lhe dá sentido. Contudo não são só as lembranças fora do contexto original que ficam sem sentido. Sistemas de lembranças são considerados arbitrários quando só podem ser entendidos em relação ao conjunto completo da memória. Como nenhuma parte pode representar o todo, então toda lembrança isolada do contexto aonde ela pode se inter-relacionar a outras não constitui uma memória. Mas toda ação tem uma dimensão simbólica e de significado que compreende várias unidades de lembrança. Por isto boa parte do que consideramos “real” ou “verdadeiro” só existe porque compreende um percentual do conjunto de signos. Isto é, para termos acesso à memória não precisamos da lembrança de todas as unidades funcionais que a formou, mas apenas de parte significativa delas. As unidades funcionais representadas por certos eventos podem ser explicadas pela psicologia da gestalt, na qual a percepção depende mais do todo que das partes. Isto é, a percepção procura o total e não a parte. Mas esse todo não é apenas a soma das partes, sua essência depende do modo como elas se configuram e estão relacionadas. É a noesis e o noema da fenomenologia, onde os objetos dos fenômenos psíquicos independem da existência de sua réplica exata no mundo real e onde a função das palavras não é nomear tudo que nós vemos ou ouvimos, mas salientar os padrões recorrentes em nossa experiência. A palavra, então, descreve, não uma única experiência, mas um grupo ou tipos de experiências. As condições reais do nosso mundo são típicas apenas dentro da faixa antropicamente permitida, onde florescem os ambientes e experiências que nos são compatíveis. Com isto, mesmo uma sentença escrita com as palavras embaralhadas ainda pode ser compreendida. O maeis increvil é qoe a semtenca, geralvente, é lead corretaente. Deste modo, as unidades funcionais podem ser apenas valores gerais, que disfarçam uma estrutura muito mais complexa, cujo sentido só pode ser entendido no contexto onde elas se organizam. Daí, do mesmo modo que não precisamos conhecer todo o Universo para entendê-lo, para se compreender o social, a cultura geral de um povo – ainda que o 86 Por outro lado, na duração, o desenvolvimento de um acontecimento faz surgir eventos virtuais modulares que não têm repercussão imediata sobre os sentidos, mas permanecem adormecidos esperando que circunstâncias específicas os façam aflorarem de modo generalizado. Esses eventos, ao conterem padrões recorrentes de experiência, mesmo que possam ser tidos como redundantes, além de emergirem generalizadamente, podem provocar mudanças na própria estrutura dos acontecimentos ao conectarem módulos técnicos, sociais ou cognitivos até então isolados. Os eventos virtuais recorrentes permanecem como relações diacríticas redundantes quando não possuem unidades funcionais suficientes em comutação com outras unidades relacionais, para comporem um conjunto com intensidade e sentidos capazes de exercerem influência sobre a duração geral do acontecimento. Há, contudo, situações heterotópicas (históricas, sociais, políticas, econômicas e até naturais) que potencializam a importância dessas relações, cujos eventos relacionados se multiplicam e fazem com que as informações contidas em seus sinais sejam plena e coletivamente vivenciadas, coordenando diversas ações antes independentes. Essa coordenação torna diferente a organização estrutural do conjunto de eventos. Assim, a alteração do potencial comutativo das ações, até então redundantes, pode, por sua vez, alterar as estruturas primeiras e o desenvolvimento histórico do acontecimento original. Amazônia Antropogênica conhecimento de apenas uma variável jamais leve ao todo – não é preciso conhecer todas as suas variáveis sociais ou culturais. Na verdade, é o conhecimento de um conjunto de variáveis sociais e culturais que nos leva à compreensão da totalidade histórica. Algumas vezes, porém, trata-se de ações específicas herdadas ou introduzidas, relacionadas a unidades funcionais isoladas, as quais ao terem seus traços bastante atenuados, não possuem capacidade de recorrência e potência agenciadora. Nesses casos, diríamos que estão fora do lugar, que não possuem mais atividade ou sinal reconhecível. Ou seja, nem virtualidade, nem padronização reconhecível. Tal como as lembranças de experiências de um acontecimento já esgotado pela entropia histórica, elas também não registram mais as informações que fizeram com que seus sentidos originais emergissem. Neste caso, mesmo que delas se tenham lembranças ou registros, elas não têm potência virtual de memória e, consequentemente, capacidade de emergência e desenvolvimento histórico. Seus módulos estão vazios de sinais significantes. Quando muito, são eventos memorizados que podem ser reelaborados e atualizados por experiências presentes, mas sem qualquer relação com seu padrão original e potência diferencial para influenciar o padrão histórico dominante. Em contrapartida, grupos de eventos que estimulam lembranças históricas (técnicas, comportamentais, cosmogônicas, etc.) consentem que os acontecimentos apresentem características-chave de episódios específicos e, ao mesmo tempo, uma informação geral de experiências passadas que pode ser aplicada a situações futuras, com as quais também podem compartilhar características essenciais, mas variar em detalhes de conteúdo e forma. Essa característica dos eventos históricos de gerar acontecimentos abstratos a partir de eventos diários permite que as culturas encontrem soluções para os problemas novos vivenciados pelas sociedades humanas em um mundo em mudança. Contudo, retira de cada um deles, qualquer potência essencial de centralização e capacidade de neutralizar o atributo organizativo dos demais. 87 Amazônia Antropogênica Sendo assim, podemos resumir a questão da origem do seguinte modo: no curso contíguo da história a origem de qualquer evento não está no início do acontecimento, mas no desenvolvimento histórico da sua duração, porque todo evento emerge na condição necessária da sua existência. Ou melhor, todo evento ocorre dentro de um contexto histórico inteirativo cuja organização possui uma informação que se processa durante a sua emergência. A condição necessária da origem é a sua capacidade de produzir informação no presente virtual do acontecimento e não na capacidade de manter a carga de herança memorial que carrega. Na história há situações em que o curso dos acontecimentos pode apresentar uma duração contígua ou interrupta. Isto é, no curso do desenvolvimento normal dos acontecimentos no qual eles estão correlacionados com acontecimentos autossimilares da mesma natureza, muitas vezes há interrupções causadas por eventos que nada tem com suas bases generativas de autossimilaridade e correspondência. Fato que ocorre no caso de catástrofes naturais, de crises ou mudanças sociais irreversíveis causadas por conquista ou domínio. Enfim, de entropias causadas por fatores externos. Nestes casos não há continuidade, mas a fundamentação de um novo processo que muda, radicalmente, o rumo dos acontecimentos históricos anteriores, provocando um salto de uma para outra escala da espiral do tempo histórico. Deste modo, em vez de um curso contíguo, tem-se um curso interrupto. Por conta disso, os termos de referência que definem os diferentes processos históricos pelos quais passaram os diferentes povos que habitaram esta grande região conhecida hoje como Brasil, devem levar em conta essas duas condições: o curso contíguo e o curso interrupto da história. Essas condições podem se suceder e também se combinar. De fato, podemos dizer que houve um período de curso contíguo, relacionado à história das sociedades anteriores à chegada do conquistador português. Contudo temos por certo que outro período histórico foi iniciado com a conquista portuguesa e a implantação do seu sistema colonial no Brasil que, inaugurando um novo, rompe radicalmente com os processos históricos anteriores. Portanto pré-colonial é o episódio histórico que antecede à colonização e que teve início com a ocupação portuguesa, cuja ordem gerada pelas informações que processava nada tinha com a ordem que substituiu. A afirmação de que na história a coisa-que-é só pode emergir na coisa-que-está-sendo; que ela só vem-a-ser acontecimento quando compartilha uma mesma noção comum regional; que determinada condição histórica local é fruto de uma duração que fez emergir as condições necessárias para que ela viesse a existir; e que, caso a organização regional fosse outra as condições locais também seriam outras – não deixa margem para dúvida no uso do prefixo “pré”. De fato, não há qualquer sentido em termos tais como “précolonial”, quando se refere a populações indígenas anteriores ao domínio português, já que indígenas e portugueses apresentavam realidades históricas desconectadas e não inter-relacionais. Não há sentido, portanto, porque não foi nenhum dos eventos relacionados às populações indígenas, nenhuma de suas inter-relações interativas, que criou as condições necessárias para que a colonização se tornasse uma realidade histórica. E tem menos 88 Amazônia Antropogênica sentido ainda termos tais como “pré-cabralino”, “pré-colombiano” ou “neo-brasileira” (para se referir à cerâmica não indígena, uma vez que ela podia ser nova, mas a sua antecessora não era brasileira). O termo pré-histórico poderia ser até bem empregado, desde que fôssemos capazes de identificar o primeiro hominídeo que se organiza em sociedade, desenvolve cultura e, fundamentalmente, que se tenha conscientizado de seu devir no tempo. Problema que, apesar de todo progresso no estudo da evolução humana, estamos muito longe de resolver. Nesta perspectiva é que foi formulada a hipótese de que além da antiguidade holocênica da presença humana na Amazônia ser milenar, eventos regionais inter-relacionados produziram uma ordem conformativa de longa duração, que fez emergir a formação histórica e sociocultural indígena, cuja complexidade mais tarde alcançada foi fruto da reorganização sucessiva e não linear de experiências técnicas e práticas culturais originais. Convém observar que essa reorganização não é determinada por progressos tecnológicos – embora possa ser por eles precedida – e nem por nenhuma região central de onde tudo teria sido difundido. De fato, progressos tecnológicos são apenas elementos modulares que só quando convergem e são cultural e socialmente inter-relacionados com outros módulos, de naturezas e locais diversos, conectam-se e complementam-se fazendo emergir, então, uma nova organização sociocultural. Mas, se o que está por vir só pode ser antecedido pelo conjunto de coisas que estão emergindo na vigência dos eventos – seja num lugar, território, ou região – logo, se identificamos acontecimentos históricos sem qualquer evidência de contiguidade e/ou continuidade regional, nem mesmo de elementos redundantes, é porque houve uma ruptura histórica. Portanto o início da história do Brasil é o fim da história que lhe antecedeu no espaço, pois a realidade das inter-relações entre acontecimentos está naquilo em que eles se correspondem. Não havendo correspondência entre histórias distintas, não há continuidade, inteiratividade ou inter-relatividade. Há outra coisa. E ponto! É importante repetir que, no tempo contíguo, sempre que a estrutura de uma cultura socialmente composta muda e sua organização continua invariante, a sua identidade permanece a mesma como membro de sua classe original. Contudo “toda vez que a estrutura de uma entidade cultural muda, de modo a alterar a organização de como a sua identidade era composta, ela se torna uma unidade cultural diferente, membro de outra classe, que só podemos identificar com outro nome” (MATURANA, 2002: 129). Observe que a mudança estrutural citada se refere a mudanças que ocorrem em uma história contígua, quando elementos modulares diversos e independentes passam a se inter-relacionar ocasionando outra organização da realidade histórica (Figura 4). Tudo indica, portanto, que os costumes e sistemas das populações indígenas agricultoras, nada mais seriam do que a reorganização e complexisação, pela intensificação das relações, das ações e das técnicas derivadas de práticas experimentadas e aperfeiçoadas ao longo de milhares de anos por antigos caçadores-coletores-pescadores. Mas cabe aqui uma observação: o que está sendo compreendido como população agricultora nada tem a ver com populações que usavam o arado para a produção sistemática de alimentos, baseada na monocultura. Independente do uso do arado e do plantio intensivo de um mesmo cultivo, a agricultura, mais generalizadamente, está sendo compreendida como o uso de técnicas 89 Amazônia Antropogênica diversas no manejo e cultivo de plantas também diversas, por parte de populações cuja economia delas dependem significatimente. Assim, como veremos mais detalhadamente em outro capítulo, que tratará de Carajás, na Amazônia foram os caçadores-coletorespescadores os pioneiros na exploração, manejo e experimentação dos recursos Neotropicais da floresta que os cercava, compondo a chamada “Cultura Tropical”. Deste modo, o que sucedeu à Cultura Tropical característica da história dos caçadorescoletores amazônicos só pode ser identificado por um nome diferente, mas relacionado, que chamamos de “Cultura Neotropical”. Daí, se temos um período que foi precedido por uma Cultura Tropical que criou as condições para que o período posterior o sucedesse, claro está que esse novo período, Neotropical, é uma contiguidade temporal transformada pela história. Além disto, o empréstimo deste termo da Biogeografia não é casual, pois além dos recursos vegetais serem provenientes da região Neotropical, as populações que fizeram uso desses recursos tiveram importante papel na distribuição de suas espécies, principalmente, desde o Holoceno inicial. SUB-REGIÃO CULTURAL No entanto é comum ouvirmos arqueólogos e até historiadores se referirem à história remota da Amazônia como sendo uma mera “Idade” (pré-colombiana) anterior à conquista europeia e não como um ciclo de contiguidade histórica local, territorial ou regional que tem nessa conquista o seu fim. Fato que ocorre por conta da ilusão de linearidade numa suposta história universal centrada no ocidentalismo. A ruptura ou a descontinuidade da história contígua com origens, acontecimentos, eventos e estruturas particulares, mas desenvolvida segundo processos coletivos regionais, resulta, impreterivelmente, em outro ciclo histórico. Ciclo histórico, cujas interrelações inteirativas são, por conseguinte, paralelas, mas completamente distintas das anteriores. Portanto, quando ocorre uma ruptura evolutiva em que os novos processos históricos que se instalam não comutam com nenhuma das estruturas anteriores, é porque houve um salto de tal monta que nada do que veio depois teria sido precedido pelo que havia antes. Foram esses saltos históricos, sem qualquer relação com a história original dos locais ocupados, que os europeus impeliram com a conquista do Novo Mundo. Isto implica a consideração, antes de qualquer coisa, de que um acontecimento só se torna o que está sendo, quando não há qualquer tipo de interferência externa impondo ao que vem a ser, outro modo de vir a ser. Contudo, tendo por base os critérios aqui propostos, nos quais o tempo opera de um modo completamente diferente da natureza newtoniana, podemos afirmar que a rede cultural formatada desde a chegada do Homem à Amazônia tem sua própria estrutura e ordem interna. Essa estrutura e ordem interna são compostas pela conexão das várias histórias que evoluíram localmente, mas que são regionalmente integradas. Por outro lado, em uma perspectiva mais ampla, a reestruturação causada pelo estabelecimento de novas correspondências culturais, sociais, cognitivas e técnicas baseadas em elementos anteriormente conquistados, adquiridos ou criados, altera os rumos históricos em novas 90 Territórios X1 Espaço de Circulação Territórios X2 Amazônia Antropogênica experiências sociais e culturais, mas segundo uma linguagem própria original. Enfim, na inter-relatividade arqueológica, trata-se de localizar o ponto de intercessão da rede horizontal do espaço com o do fluxo vertical da história e encontrar a sincronia espaçotemporal onde os eventos coletivos emergem na duração de um acontecimento. Para este modo de encarar o tempo, o mundo já não é mais triangular – uma pirâmide erguida aos deuses, uma santíssima Trindade – mas a tetradimensionalidade de um cubo. Assim, a arqueologia é justamente a apreensão das conexões comutativas ativas aqui e agora; a interpretação dos eventos históricos que emergem na topologia do nosso tempo especular. Espaço de Circulação Território Y Figura 4. Neste exemplo simplificado temos a representação do modo como os padrões culturais regionais convergem para uma noção comum compartilhada. Os ovais X1 e X2 são dois territórios sociais que pertencem a uma mesma sub-região cultural. A inter-relação de informações comutativas nos espaços comuns proporciona a troca e a padronização de elementos culturais, caracterizando um conjunto de territórios sociais com o mesmo padrão cultural. No entanto o mesmo acontece com os diferentes conjuntos territoriais dentro de uma região. Assim, um determinado elemento cultural típico de X acaba sendo absorvido por Y, que representa outra sub-região cultural com seus próprios territórios sociais, o qual ganha outra caracterização cultural. Como todos estão dentro de uma mesma região (a amazônica) onde as informações emergem em todos os sentidos e direções, as trocas generalizadas de elementos culturais (dos quais alguns podem permanecer redundantes) convergem todas as diferentes culturas para uma mesma noção comum compartilhada autossimilar. Vale notar que este mesmo modelo também justifica o predomínio de determinados elementos culturais dentro de um sítio. No entanto, quanto mais amplas são essas interrelações, mais complexas se tornam essas trocas, ainda que o modo comutativo seja o mesmo em todos os níveis. Percebe-se aí que a troca de elementos redundantes entre territórios gera uma correspondência funcional e que a rede comutativa entre os diferentes conjuntos territoriais vai constituir, assim, uma rede dinâmica espacialmente distribuída. 91 A Arqueologia da Amazônia Amazônia Antropogênica A ARQUEOLOGIA DA AMAZÔNIA PELA PERSPECTIVA INTER-RELATIVA Marcos Pereira Magalhães O objetivo deste capítulo é mostrar como uma arqueologia inter-relacional pode apreender o tempo das pretéritas sociedades amazônicas, sem repetir os cânones tradicionais da disciplina para a região. No entanto esta apresentação não pretende ser uma síntese da arqueologia amazônica e muito menos um tratado teórico. O foco ainda girará em torno das mudanças históricas frente ao tempo arqueológico que vem sendo apresentado, porém não tratará de classificação de culturas e sim do modo como podemos assinalar as mudanças e o surgimento e desenvolvimento de processos históricos de longa duração ou de civilizações na Amazônia. A problemática girará em torno do modo como um contínuo histórico foi capaz de mudar sua estrutura organizacional a partir de experiências e de práticas próprias, até ser interrompido pelo conquistador europeu e, posteriormente, parcialmente absorvido pela sociedade nacional. O HOMEM NA AMAZÔNIA Os fortes indícios arqueológicos implícitos nos estudos de Roosevelt (1986), Silveira (1995), Espitia (2006) e outros, de que os costumes e sistemas das populações indígenas agricultoras seriam a emergência regional de práticas experimentadas e aperfeiçoadas ao longo de milhares de anos, por antigos caçadores-coletores de floresta tropical, levamnos à consideração de que a formação histórica de nossa história remota resultou em um agenciamento civilizador de longa duração. Isto ocorreria porque, entre os padrões recorrentes de experiência implícitos nas expressões comportamentais, a população regional já possuiria o potencial de organização e a capacidade de domínio da informação para absorvê-los. Fato estabelecido, porque ao longo de sua duração os experimentaram intermitente e generalizadamente, mantendo-os redundantes até eles encontrarem os 95 Amazônia Antropogênica meios adequados para se inter-relacionarem e replicarem, no processo histórico em curso, a nova estrutura dominante (HOWELLS, 1997; MITHEN, 2002, 2008). Inclusive, certos conceitos evolucionários (TATTERSALL, 1995) e da arqueologia darwiniana (LEONARD, 2001; BAMFORTH, 2002; ANDRADE LIMA, 2006), sobre algumas evidências de cultura material tecnológica têm demonstrado que estímulos culturais e ou históricos fazem aflorar expressões comportamentais locais até então adormecidas, que emergem rapidamente em uma população regional, após longo tempo de gestação. Embora as relações culturais condicionem de muitas maneiras a experiência do mundo, elas possuem uma capacidade espantosa de reorganizar-se de acordo com a informação que recebe de fora. Vimos que quando essa reorganização atinge a própria estrutura da sociedade, fazendo com que suas relações sejam reestruturadas em novos comportamentos socioculturais, temos outro patamar histórico. Esse novo patamar histórico, na maioria das vezes, nada lembra o anterior embora seja dele derivado. Ele pode resultar em um novo modo de produção, com a reorganização das forças produtivas e das relações de produção anteriores, tal como teria sido a passagem dos caçadorescoletores1 tropicais para os agricultores tropicais, entendendo que a domesticação de plantas teria sido, antes de tudo mais, uma conquista de populações que não tinham no cultivo regular de plantas selecionadas a sua base de sustentação socioeconômica. Isto pode levar a algumas confusões interpretativas, como achar que a diferença notada seja uma evidência de descontinuidade histórica, um evento interrupto causado por causas externas, quando, na verdade, nada mais é do que o sintoma irregular, mas profundo, da mudança histórica ocorrida na organização interna da sociedade. Todavia as discussões sobre as sociedades amazônicas pretéritas, desde a primeira metade do século passado, além de privilegiar as sociedades ceramistas e sua cultura material, estão fundamentadas no evolucionismo cultural, na história social e no essencialismo tipológico para a definição de fases e tradições culturais. Com isto, as discussões se avolumam sobre se determinadas fases ou tradições possuem os diagnósticos classificatórios corretos, já que na prática são identificadas mais variáveis do que estas categorias poderiam comportar. Associada a esse quadro temos a interpretação processualista de que as mudanças sociais são o resultado de estratégias lançadas por atores com capacidade individual para influenciar as ações coletivas, enquanto a integração de processos históricos específicos e coletivos são ignorados ou deixados em terceiro plano. Julian Steward definiu o evolucionismo cultural2 no Handbook of the South American Indians publicado na década de 1940-50. Nesta obra, antropólogos e arqueólogos se uniram em torno da ideia de que a ecologia e a tecnologia eram as principais variáveis para a compreensão da distribuição das fórmulas sociais (hierarquizadas em bandos, 1 2 96 Caçador-coletor é um termo genérico que esconde uma grande heterogeneidade e diversidade na organização social e econômica de pequenos grupos humanos, não necessariamente nômades, que na Amazônia possivelmente estão na origem da domesticação de diversas plantas e no desenvolvimente de diferentes tecnologias. Não confundir com a arqueologia darwiniana. A diferença é que o evolucionismo cultural tem por base o evolucionismo progressista de Herbert Spencer e Lewis Henry Morgan, entre outros. Já para os arqueólogos darwinistas a base é próprio conceito de evolução de Darwin e assim, as evidências arqueológicas nada mais seriam do que um registro da evolução do comportamento humano (LEONARD, 2001). Amazônia Antropogênica tribos, chefias e Estado, tal como proposto por Service em 1962) por todo continente sul-americano. E ainda, que as instituições e as culturas das sociedades eram produto desse modo de adaptação. Por fim que as culturas existiriam para cumprir funções ecológicas, demográficas e de hierarquização do poder. No Brasil, este tipo de classificação foi utilizado de modo generalizado no estudo de largo espectro espacial e temporal da cerâmica arqueológica. Foi assim que os arqueólogos brasileiros adotaram para a classificação ceramista os conceitos de tipo, fase e tradição. A fase era definida como a unidade arqueológica que possui traços – tipos – suficientemente característicos para distingui-la de outras unidades de uma localidade ou região cronologicamente limitadas a intervalos de tempo relativamente breves (WILLEY; PHILLIPS, 1958). Já a tradição, grosso modo, representa a persistência temporal e a amplitude espacial de um conjunto de traços que caracterizam a tecnologia ceramista. Nas décadas de 1960 e 1970, sob influência dos pesquisadores formados pelo Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), de orientação norte-americana, foi usado em todas as regiões brasileiras. Porém, entre as décadas de 1970 e 1980, foi aplicado na Amazônia através de um projeto específico, conhecido como Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica (PRONAPABA). Assim, inspirado na nomenclatura proposta por Willey e Phillips (1958) e Meggers e Evans (1961), de orientação cultural evolucionista, o pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, Mário Simões (1983) propôs que a sequência histórica da Amazônia antiga evoluiu do seguinte modo: Coletores-Caçadores Pré-Cerâmicos (12000 a 2000 anos AP), sem Fases ou Tradição já que não produziam cerâmica; Coletores-Pescadores Ceramistas (5200 a 2200 AP.), representados – na cerâmica – pela Tradição Mina da Fase Mina; Agricultores Incipientes (3000 a 2200 AP), representados pela Tradição Hachurada Zonada das Fases Ananatuba e Jauari; Horticultores de Floresta Tropical (0 a 350 AP), representados pelas Tradições Borda Incisa das fases Mangueiras, Manacapuru e Caiambé; Incisa Ponteada, que comporta os complexos Cultura Santarém, Konduri e as Fases Mazagão, Paredão, Sanabani, Urucará, Jatapu, Diauarum, Ipavu e Tauá e outras tantas fases “flutuantes”; e, finalmente, Agricultores Subandinos (100 – 650 AP), compostos pela Tradição Policroma da Fase Marajoara e pela subtradição Guarita e suas diversas Fases. Pouco mais de dez anos depois, Anna Roosevelt (1996), ainda montada sobre o pilar erguido pelo evolucionismo cultural, realocou essas fases e tradições entre o Paleoíndio (13000 a 7000 AP), o Arcaico (7000 a 4000 AP), o Formativo (4000 a 2500 AP) e o Cacicado (1000 a 500 AP)3. A aplicação da classificação cultural evolucionista na região Amazônica, que, em síntese, resultou na definição das chamadas Tradições Hachurada Zonada, Borda Incisa, Inciso Ponteada e Policroma, respectivamente da mais antiga para a mais recente, ainda tem forte influência nas pesquisas do século XXI. Entretanto, as mudanças estruturais ocorridas na ideia de evolucionismo e até paradigmáticas, como no conceito de cultura através do estruturalismo, mais os óbvios progressos metodológicos e técnicos ocorridos na 3 Curiosamente, alguns arqueólogos substituem o termo paleoíndio (que é bastante indigesto) por pré-arcaico. Mas mantém a pseudo linearidade da história, mesmo sabendo que não é possível identificar claramente as fronteiras espaciais e temporais entre o pré e o pós arcaico e entre o arcaico e o formativo. 97 Amazônia Antropogênica arqueologia desde então, têm turvado este quadro e provocado revisões. Consequentemente, outras tradições e fases têm sido incorporadas ou sugeridas, como a Tradição Barrancoide ou a unificação das Fases Pocó e Açutuba na Tradição PocóAçutuba, (NEVES, 2006; NEVES et al., 2014). E revisões. A expansão da Tradição Barrancóide Amazônia adentro (HECKENBERGER, 2002), por exemplo, seria representada pela Tradição Borda Incisa mais recente e apenas como uma manifestação local. Todavia, pelas semelhanças que haveria entra ambas, são ignoradas as redundâncias, as variáveis locais do sentido na duração, o devir e o viger das inter-relações regionais, que são reinterpretadas como uma nova potência original. Já a proposta de uma Tradição PocóAçutuba muito colorida e com excisões geométricas, que seria de idade anterior à Policroma, e que foi recentemente relacionada às cerâmicas Barrancóides e Saladoides do baixo Orinoco e Caribe insular (NEVES et al., 2014) esbarra na curiosa contradição de ter justamente no berço da Fase Pocó, um sítio (o Cipoal do Araticum – GUAPINDAIA; AIRES DA FONSECA, 2012; CHUMBRE, 2014) em que ela se mistura e se confunde, cronológica e morfologicamente, com a Fase Konduri, da Tradição Incisa Ponteada. Enfim, possíveis e até óbvias intercontextualidades são ignoradas, já que as variáveis estilísticas e morfológicas da cerâmica são interpretadas fora da duração. Porém, as relações sociais, econômicas, políticas e culturais que conectam elementos até então marginais ou isolados, fazendo-os convergir coletiva e generalizadamente para um mesmo padrão comum, são ignorados. Por isto temos que reconhecer que prevalece na arqueologia da Amazônia, mesmo que sutilmente, a incompreensão de que as sucessões históricas percebidas em um lugar, além de terem nele as suas raízes, não seguem, necessariamente, uma sequência espaçotemporal linear ou homogênea, nem no tempo e nem mesmo no espaço. As sucessões se entrecruzam, migram, aparecem, desaparecem e reaparecem segundo perspectivas e significantes sempre diferentes, ao mesmo tempo mantendo e transformando valores para muito além de suas manifestações primeiras. Afora isto, ignora-se que as variáveis observadas podem ser da ordem dos movimentos emergentes que ocorrem na duração, os quais se entrelaçam em redes socioculturais diversas. Convém observar, também, que as fronteiras entre as diferentes sucessões apresentam inúmeras bifurcações e rugosidades, com avanços, recuos e colapsos, tudo ocorrendo heterogeneamente, segundo fatores sociológicos e culturais. Fato estabelecido porque origem, continuidade e ruptura emergem dos eventos que ocorrem na duração movimentada do acontecimento segundo fatores históricos locais. Por isto que a linha do tempo não pode ser esticada em um contínuo unilinear homogêneo generalizante, mas inerte. Apesar de toda crítica sofrida pelo evolucionismo cultural, através do estruturalismo, ainda na década de 1950, ele teve sobrevida na arqueologia até a década de 1960, quando finalmente a Nova Arqueologia ou Arqueologia Processual se apresenta como uma alternativa. Essa alternativa ainda é positivista, mas entendendo que a compreensão das causas da mudança cultural em distintos meios ambientes e culturas deveria ser o principal objetivo da arqueologia. Proposta que se opunha ao enfoque histórico-cultural da arqueologia, fundamentalmente pautado em uma suposta estabilidade da cultura, que só mudaria por forças difusionistas externas, cuja complexidade seria hierarquicamente disposta em uma mesma linha de tempo e sequência cronológica. Proposta que também 98 Amazônia Antropogênica se opunha à ideia de que, na Amazônia por questões de limitações ecológicas, as sociedades que nela viveram no passado seriam oriundas de levas migratórias de povos mais avançados social e culturalmente. Posteriormente, a Arqueologia Pós-Processual consolida a crítica sobre o difusionismo associado ao determinismo ecológico, que na Amazônia gerou o modelo degeneracionista e adaptacionista da Cultura de Floresta Tropical proposta por Stuwart (1948). Porém, de modo geral, a compreensão da evolução histórica das sociedades amazônicas continua seguindo, mas de modo adaptado, a proposta do evolucionismo cultural da primeira metade do século XX, segundo a qual o comportamento humano é a reprodução hierarquizada de tradições culturais unilineares. Assim, hoje se compreende que em vez de levas de forças migratórias culturalmente consolidadas, seriam as mudanças sociais e econômicas regionais que hierarquizariam os padrões materiais, técnicos e de organização das sociedades, tanto no tempo quanto no espaço. Infelizmente, essa visão atualizada do evolucionismo cultural permanece casada com a perspectiva newtoniana do tempo absoluto o qual, ao ser lido como um fenômeno histórico, é organizado como uma sucessão unilinear, socialmente hierarquizada espacial e temporalmente, sempre a partir de um centro de origem de onde as influências partem. As opções reformistas também apresentam, como linhas de pesquisa opcionais, por exemplo, algumas perspectivas estruturalistas, focando, por um lado, as iconografias e as organizações espaciais e ignorando, por outro, o objeto como um meio para se escapar da tipologia (BARRETO, 2006). Mas o abandono puro e simples da cultura material, que são os objetos, traria problemas incontornáveis para a interpretação arqueológica. Para evitar este problema, paradoxalmente, é comum manterem a seriação histórica elaborada pelo evolucionismo cultural, tais como o uso frequente, mas em outros termos, das definições de Fases e Tradições. Assim, por exemplo, ao mesmo tempo em que falam da linguagem simbólica nos padrões decorativos das cerâmicas e de urbanização em espaços comunitários, também falam de Fase Marajoara, Konduri e Tapajônica; de Tradição Policroma, Inciso Ponteada e/ou Barrancoide. Muitas vezes substituem o termo fase pelo termo cultura, mas sem qualquer revisão nos métodos e meios que resultaram no complexo cultural definido. Também há, atualmente, certa tendência, pouco popular, à mudança do status de alguns conceitos, como o de Fase, ao referir-se a coleções ceramistas arqueologicamente contextualizadas. Como, abandonar a ideia mais geral e imprecisa de uma Tradição Policroma para realçar apenas uma de suas Fases, como a Marajoara. Deste modo ela ganha em particularidade e em liberdade para ser correlacionada àquelas que as antecederam e ou sucederam localmente, buscando, assim, uma melhor precisão na identificação da cultura que as produziu e na compreensão da evolução dos processos históricos aí envolvidos (ROOSEVELT, 1997; SCHAAN, 2001). Com isto, hoje são comuns referências à Fase Marajoara, à Cultura Tapajós ou Santarém, todas famosas pela riqueza estilística de suas cerâmicas ritualísticas, sem a conotação de uma ideia de Tradição por trás delas, mas presas a uma história essencialmente local. Associado a esse essencialismo local, reclamam uma essência universal quando buscam elos com culturas situadas na periferia da Amazônia por conta de elementos semelhantes, 99 Amazônia Antropogênica mas com o risco de serem interpretados como se fossem a mera repetição do mesmo. A particularização estruturalista dos acontecimentos, entretanto, não pode condenar o sentimento de globalidade através da busca de arquétipos universais. Pois a sociedade não nasce do Homem: por mais longe que se retroceda na história, é ele que nasce simultaneamente a uma sociedade cujas estruturas estão sempre em transformação e variando conforme os grupos que se organizam no tempo e no espaço. Por outro lado, na duração, nenhuma semelhança garante o mesmo sentido, representação ou significado. Em termos de evolução, estudos mostram que, ao longo da vida das pessoas, não importa quantas vezes elas repitam determinado comportamento motor, na mente, o padrão fino de disparo neuronal espaço-temporal gerado para realizar esse comportamento nunca será o mesmo, porque sempre ocorrerão redundâncias que gerarão uma grande quantidade de padrões distintos. Ou seja, não importa o centro de origem e nem a extensão territorial de determinado padrão estilístico, seja ele representado por modelagens, policromias ou incisões, para cada grupo de representações iconográficas sempre haverá um sentido e variações locais particulares. Pela mesma razão é difícil associar uma tradição ceramista a uma etnia, como tentam fazer entre a Tradição Policroma e os Tupis-Guaranis. É óbvio que, regionalmente falando, evidências etno-históricas permitem associar determinados padrões da cultura material com certas etnias de comportamento migratórios ou troncos linguísticos expancionistas. Contudo, ainda que esses padrões apresentem fortes semelhanças, as variações se acumulam e se diferenciam cada vez mais conforme se afastam de seus lugares centrais de origem. Para driblar essa condição orgânica da estrutura mental, que sempre dá significado e valores novos a padrões antigos ou dominantes, Raymond, (1995) e Roosevelt (1997) também propuseram a criação de sequências cronológicas hipotéticas, segundo o método da análise modal, baseadas na linguística descritiva que concebe os modos cerâmicos como unidades mínimas, análogas aos fonemas. Proposta que foi recuperada da originalmente aplicada por Lathrap (1972), na Amazônia, que se inspirara nas definições estabelecidas por Rouse em 1960. Os tipos obtidos da análise modal impostos à coleção, tal como na tipologia quantitativa, também são produtos artificiais organizados a partir de centros de origem, entre os quais as redundâncias são eliminadas e as técnicas são hipervalorizadas. O propósito visa ao agrupamento, cronologicamente definido, mas fora da duração, de atributos técnicos significativos, segundo uma ordem linear atribuída à história. Assim, segundo Gomes (1999), essa metodologia tem por objetivo a percepção e a inserção de diferenças microestilísticas nos tipos definidos ou unidades já existentes. Portanto há uma clara manutenção da tipologia essencialista. Daí que ela não se diferencia em essência da ideia de fase e acaba por assumir o mesmo problema: a insuficiência de ambas para a narrativa histórica. O problema da seriação tipológica está na sua definição base, ou seja, no conceito de tipo, que na sua aplicação classificatória foi, para a arqueologia da Amazônia, um fim em si mesmo. Talvez a discussão sobre este sistema classificatório, obviamente relacionado ao Culturalismo Histórico, aparentemente se tenha esgotado. Como observou Eduardo Neves (2012), seus maiores críticos, os processualistas, mostraram-se excessivamente 100 Amazônia Antropogênica adaptacionistas e os pós-processualistas que os seguiram, epistemologicamente estéreis. Contudo tipo quer dizer representação, imagem, caráter. É um conceito popularizado no bojo da era industrial e refere-se a um modelo original invariável, que serve de matriz para ser reproduzido em série. Ele, em si, é por natureza um modelo de caráter essencial. Na seriação tipológica não há redundância porque toda diferença, quando não constitui outro tipo que se torne comum, é reprovada pelo ‘controle de qualidade’. Ela é simplesmente descartada como insuficiente para definir um padrão. Em geral, os objetos são reagrupados, segundo características diagnósticas, até que possam estabelecer um padrão tipo qualquer, de acordo com a expectativa da Fase, Tradição ou distribuição linguística que é reconhecida, cronologicamente, para a região onde a cerâmica (somente ela) foi encontrada. Portanto, os procedimentos técnicos descartam as diferenças e reagrupam as variáveis em grupos de semelhança hierarquicamente distribuídos no tempo e no espaço, segundo padrões intelectuais pré-estabelecidos e sem qualquer inter-relação com as demais evidências arqueológicas. Acontece que os objetos são provenientes de sociedades coletoras ou agrícolas, sem relação com os modos de produção industrial. Nessas sociedades os objetos não são produzidos em série, mas artesanalmente, de acordo com a habilidade individual do artesão e da subjetividade ideológica que eles representam social ou culturalmente. Isto é, eles são produto de um agenciamento social que mantém inúmeras relações e não de uma empreitada industrial. Eles são componentes de um contexto representado pelo conjunto de aspectos da sociedade e do indivíduo, que incluem desde relações ecológicas, até a economia, a organização social e política, a arte, a ideologia, a religião, relações familiares, aspectos psicológicos e cognitivos, o habitus, os quais são representados e reconhecidos material e simbolicamente. A malha intertextual dos objetos materiais é muito mais ampla que o espaço restrito do lugar onde se encontram ou mesmo do território onde se populariza. Essa malha é o meio de circulação de informações repletas de estilos, formas e conteúdos, não necessariamente unânimes ou homogêneos, que é a própria movimentação que alonga ou encurta durações diversas. Por isto, em arqueologia, o objeto só poder ser compreendido segundo seu contexto inter-relativo, porque o símbolo que ele representa não é o que aparenta, mas o que significa para o eu na sua relação com os outros. Esse símbolo se faz da individualidade e das relações sociais com os outros, daí ser coletivo. Ele é uma expressão de um contexto onde o elemento cultural emergiu. Portanto ele faz parte de um conjunto de elementos materiais e não materiais, no qual a cerâmica é apenas um astro isolado do universo cultural. Porém, enquanto signo individual, o símbolo não representa o conjunto de elementos emergentes onde ele se insere, mas sim a interpretação pessoal ou comunitária do coletivo que extrapola o lugar onde foi produzido. Nessa interpretação, indivíduos em lugares e tempos distintos podem apresentar múltiplas soluções culturais ao codificar o mesmo padrão, mas não podem representar em si o contexto coletivo onde se manifesta. O símbolo, por conseguinte, não representa um padrão tipo, porém, por admitir variações causadas pelas diferentes fontes de produção individual, familiar ou comunitária, pode ser agrupado, simbólica ou alegoricamente, dentro de um padrão típico. Assim, no contexto das evidências arqueológicas materiais e não materiais, o modelo padrão típico admite 101 Amazônia Antropogênica redundâncias e, inclusive, seria a fonte de transformação simbólica. Isto porque ele depende não só da dinâmica coletiva da sociedade, como também da sensibilidade e do universo individual do artesão. A redundância deve ser entendida como atributos e modelos territorialmente não dominantes em uma duração, os quais refletem comportamentos emergentes divididos entre os espectros materiais e não materiais produzidos pelo ser humano. As redundâncias ocorrem em distintos lugares e em diferentes épocas. O padrão típico, por outro lado, pode representar um modelo dominante, detentor de um sentido compartilhado, mas cuja unilateralidade não é sustentável porque ele é produto de relações intercontextuais. Pois inteirações intra e interculturais, intra e intersociais, intra e interterritoriais, isto é, locais e não locais, presentes e não presentes, não só interferem nos sentimentos, como inclusive podem gerar novos significantes e, assim, resultar em elementos redundantes no interior do modelo de onde emerge a simultaneidade generalizada de certos eventos de um acontecimento histórico. Os elementos redundantes emergentes podem circular entre os artesãos por conta das inter-relações sociais e territoriais e vir a ser coletivamente conhecidos, mas permanecer culturalmente secundários – isto é, não fundamentais – por muito tempo. Porém esses elementos podem passar a circular intraterritorialmente, em uma determinada sub-região cultural e, inclusive, inter-sub-regionalmente. Com o tempo, a combinação desses elementos marginais podem fazer emergir valores culturais, suplantando outros até então fundamentais. Todo esse processo não implica procedimentos invariáveis ou homogêneos lineares. Pelo contrário, a iconografia simbólica pode ser passada da pintura do corpo para a decoração da cerâmica, da cerâmica para as pinturas e gravações rupestres (PEREIRA, 2003) e dessas para estruturas físicas arquitetônicas, urbanas ou paisagísticas. Não há uma ordem necessária, muito menos hierárquica ou de homogeneidade nessa passagem, embora ela possa se manifestar simultaneamente em diversas situações e locais e épocas diferentes. Entretanto, quando fatores históricos ou culturais diversos, em uma sub-região ou territórios inter-relacionados, conectam elementos até então marginais ou isolados, eles emergem coletiva e generalizadamente, convergindo para um mesmo padrão comum. Isto quer dizer que, em vez de terem a origem como elemento central de mudança, é justamente o contrário: a mudança é definida pelo ponto de atração comum para onde diferentes elementos culturais convergem. Evolução! A multiplicidade e variabilidade que muitas vezes se identificam em certo território com diferentes evidências arqueológicas, também são a expressão diversificada de um mesmo conjunto de elementos culturais, definidos pelas diferentes atividades sociais, políticas e econômicas que uma mesma sociedade manifesta. Na arqueologia, gravuras ou pinturas rupestres, estilos e motivos decorativos cerâmicos, tecnologia lítica ou quaisquer outras manifestações culturais isoladas não representam a sociedade que as produziram. Porém, tal como na gestalt, a apreensão de um conjunto de elementos culturais locais e não locais inter-relacionados, ainda que não signifique a expressão absoluta de uma sociedade, permite a compreensão da sua totalidade. Com isto pode-se dizer que a arqueologia inter-relacional visa, na heterogeneidade regional, às interconexões típicas de um território através dos significantes materiais e não materiais dos numerosos atributos e modelos de comportamento da cultura dominante em distintos lugares. 102 Amazônia Antropogênica Entre os padrões típicos o modelo dominante sempre apresenta atributos que identificam um sentimento e uma mensagem e, portanto, um sentido no estado social que se reflete não só na matéria transformada, quanto na paisagem construída. O sentido será mais intenso, quanto mais os elementos forem popularmente intercontextualizados, tanto territorial quanto temporalmente. Por isto, quanto maior for a força de expressão social de um elemento, maior será a sua intensidade cultural, seu poder de comutação, atração e a capacidade da mensagem permanecer replicando as expressões significantes da informação. Essas expressões podem variar conforme a geração e o lugar, mas a carga cultural que elas carregam modelam de forma e modo semelhantes a matéria do mundo comum para onde todos convergem. Por outro lado, a estrutura não pode ser tida como algo invariável ou permanente. Muito menos carregada de signos fundamentais universais imutáveis e centrais. São os elementos emergentes periféricos que desencadeiam a reorganização das estruturas, São eles que funcionam como a entropia cultural que força a mudança do nível da complexidade social ou os próprios processos históricos singulares. Quando, nesta mudança, a sociedade não segue rumo a uma complexidade mais elevada ou, uma vez sob pressão, não recua estrategicamente, para modos sociais e econômicos anteriores, ela entra em colapso. Mas se a sociedade entra em colapso, isto não quer dizer que a potência cultural que a marcou desapareça. Como esta potência é, simultaneamente, compartilhada com muitas outras sociedades, ela pode emergir em outro lugar ou tempo. Os eventos geradores de mudança que ocorrem no interior da noção comum compartilhada replicam-se em uma região através da interação entre as suas diferentes sub-regiões culturais e os territórios sociais de onde eles emergem, através das redes sociais e econômicas existentes. São estradas e caminhos de circulação que conectam locais e territórios de onde vão e vêm mensagens e informações diversas (ver o texto de Schmidt no capítulo 4). Por conseguinte, na interação comutativa, temos uma dinâmica que retira de qualquer território social a hegemonia sobre a evolução das sub-regiões culturais. Essa dinâmica civilizacional implica um acontecimento coletivo de longa duração que é ao mesmo tempo múltiplo e heterogêneo, simétrico e assimétrico e cujas relações sociais são organizadas pela ação centrífuga da cultura regional, concomitantemente à ação centrípeta da história local. A ideia de dinâmicas não lineares na arqueologia embora não seja popular, não é nova. Em 1979, Renfrew e Cooke, baseados em estudos dos sistemas complexos feitos por diversos pesquisadores laureados com o Nobel, propuseram que o ritmo das transformações culturais é um processo não linear. Isto é: os sistemas complexos são potencialmente instáveis porque as interações existentes entre os numerosos processos que têm lugar nas sociedades sempre podem produzir transformações estruturais imprevisíveis. Para Kholer e Gumerman (2000) e, em particular, para Van Der Leeuw (2006), o enfoque nos sistemas complexos assume que os processos observados ao nível das macroescalas (na totalidade da sociedade) são o resultado de interações dinâmicas entre diversas entidades de escalas menores, como os indivíduos, as comunidades, as instituições e os outros elementos que constituem a sociedade. Muitas dessas interações tomam parte de processos de retroalimentação. Para esses pesquisadores, dado que as condições futuras sempre diferem das atuais, a adaptação ótima das condições atuais sempre será sub-ótima para as condições futuras. 103 Amazônia Antropogênica Inversamente, o que é sub-ótimo nas condições atuais pode ser ótimo na condição futura. Entretanto temos visto que não é uma mera interação o que ocorre na dinâmica dos eventos históricos e sim uma inter-relação não local e não presente. É justamente a inter-relação que garante aos acontecimentos em microescala, a duração de um sentido cuja informação histórica gerada supera a imprevisibilidade. Em relação aos objetos materiais, existe um espaço mais amplo no qual o objeto arqueológico está inserido, que extrapola o seu contexto imediato. Esse espaço, por implicar vários outros contextos, é tido como intercontextual. A intercontextualidade do objeto arqueológico implica que o “texto” possível de ser lido dele é substancialmente polifônico. Isto é, possui vozes diversas que convergem para a sua própria composição. Essa polifonia compositiva, que por sua vez apresenta um discurso cujas ideias provêm do indivíduo e também do contexto social onde ele se manifesta, é que dá solução de continuidade à sua existência cultural. A solução de continuidade de um discurso polifônico, portanto, é a interferência que o objeto exerce sobre a realidade e por ela é interferida (BAKHTIN, 1981). Segundo esta ótica, a polifonia consequente é mais que uma multiplicidade de caracteres e finalidades identificáveis individualmente. Já que além desta qualidade, ela deve combinar as suas partes com as partes que lhe correspondem no mundo circundante, em uma unidade inteirativa cuja noção comum é inter-relacional. É isto que garante a polifonia cultural ao longo da duração de um acontecimento histórico. O discurso polifônico do objeto é a consciência que se tem da relação das coisas com elas mesmas ou do eu com o outro, dentro do mundo. Não de cada coisa isoladamente, encurralada em um contexto ilha, cercado de outras tantas ilhas contextuais, que nunca se interferem ou ao menos se tocam. Pelo contrário: a fusão do eu com o outro e do indivíduo com o mundo provoca a macro visão intercontextual, que nos transporta de nosso mundo particular para um coletivo onde inter-relacionamos elementos comuns de informação; é a composição de uma rede comum de interferência, onde nada se isola ou se movimenta inconsequentemente; é a composição de uma rede onde elementos culturais se reproduzem de modo diferente na superfície de um corpo, de uma pedra, de uma vasilha cerâmica, em um lugar-comum, em um lugar sagrado. Isto implica continuidade e inteiratividade, situação que apresentará sempre uma nova combinação a cada coisa inserida. Ou seja, uma nova combinação é o outro significado do significante, que implicará um sentido retornando na diferença. A inteiração polifônica dos objetos materiais implica eventos que, através do transporte de um objeto, de uma ideia ou de uma figura, para outro contexto, permanece, mas com outro sentido. Sentido esse que nada terá com o sentido primeiro e que dará ao objeto diferentes vozes, segundo os diferentes contextos onde ele se apresente. Os artefatos e os acontecimentos, portanto, estão contidos em um conjunto intercontextual o que garante a quaisquer deles, semelhança e discurso particulares. Em outras palavras, além do objeto permitir diferentes leituras segundo o contexto onde ele está inserido, são as inteirações locais virtualmente presentes com as do observador que permitem a leitura correta. Desse modo, o sentido do objeto não está propriamente no seu significado, porém naquilo com que se relaciona. O domínio do significante é algo extra objeto, mas que está nele como seta indicativa. Não é a sua imagem no outro, mas os outros possíveis 104 Amazônia Antropogênica em si; ou seja, o objeto não nos remete à sua própria imagem refletida nos outros, porém é ele que nos remete às imagens dos outros iluminados por ele. Porque tudo que o objeto pode iluminar do outro é a realidade subjacente refletida nele. Este é o campo de significação objetiva através do qual é possível chegar à história cultural de um dado território social, por meio dos preceitos e dos vínculos concretos existentes na intercontextualidade comutativa das representações e dos objetos com eles mesmos. Na perspectiva da história regional amazônica, onde diferentes padrões culturais convergiram para uma noção comum com grande poder de autossimilaridade, é possível identificar, cronologicamente, o período em que diversas sociedades – independentemente do nível de organização social e do aparato material particular que tenham tido – emergiram como uma potência civilizadora e processo histórico subjacente. Além disto, também é possível mostrar que a solução para o atrito existente entre a perspectiva cultural evolucionista e a estruturalista é, de modo simples, mas correto, entender que o espaço é a ordem das coexistências comutativas possíveis na duração; que o espaço regional é composto por sub-regiões culturais, compostas por territórios socialmente explorados, por sua vez compostos de assentamentos históricos diversamente ocupados, mas relacionados. E que, paralelamente, a evolução histórica não seria uma mera sucessão escalonada de diferentes níveis de complexidade social, porém a comutação simultânea e generalizada de seus diferentes cursos e representações materiais (Figura 1). Na Amazônia, a agregação social, mediada pela cultura, garantiu a inteiração comutativa das populações regionais a partir de seus territórios sociais, o que implicou em maior capacidade de expressão cultural. Pois, quanto mais integrados socialmente são os sujeitos de uma comunidade, maiores são as chances de sucesso material e cultural dessa sociedade. Essa integração social se verifica quando as informações afetivas, técnicas e ideológicas circulam dos espaços externos para os internos da sociedade e vice-versa, como um meio pedagógico de inclusão cultural. As ações pedagógicas não são, necessariamente, formais. Elas não se resumem à esfera familiar. Como observou Schaik (2003), elas também se realizam no círculo de relacionamento social do sujeito, producentes e predominantemente. Assim, quando diversas sociedades, de diferentes territórios, mantêm vínculos culturais comutativos através de uma complexa rede de relações sociais, econômicas, políticas e religiosas, temos um padrão histórico com uma noção comum subjacente modulando os diferentes padrões culturais dos territórios sub-regionais. Em resumo, o espaço regional amazônico foi um mosaico de territórios cujos artefatos culturais, além de fluírem de um para o outro, se particularizaram conforme os lugares onde se estabeleceram. Portanto a identificação da noção comum regionalmente subjacente, com seus diferentes padrões culturais, é a chave para entendermos a evolução das sociedades amazônicas mais complexas. Veja o caso da sub-região cultural circunscrita pela ilha do Marajó, mas que também pode incluir áreas do continente. Esta sub-região tem como expressão cultural mais conhecida a chamada Fase Marajoara, filiada à Tradição Policroma. Os estudiosos (SIMÕES, 1969; ROOSEVELT, 1991; SCHAAN, 2009) entendem que a cultura Marajoara se originou localmente, a partir de um processo de mudanças que ocorreu entre as comunidades que já habitavam a ilha desde 5000 anos atrás. Essas comunidades eram compostas por populações que viviam da pesca, caça e da coleta de moluscos e teriam se assentado na metade leste da ilha. 105 Amazônia Antropogênica Seus restos resultaram em sambaquis, que eram depósitos conchíferos construídos ao longo de séculos. Mas foi a partir de 3500 anos atrás que pequenas aldeias, de diferentes etnias, espalhadas ao norte, sudeste e ao centro da ilha, que exploravam diferentes nichos ecológicos (campos, florestas e áreas ribeirinhas), vivendo da caça, pesca, coleta e da agricultura itinerante, vieram a construir, gradualmente, a riqueza arqueológica da ilha de Marajó. O contato permanente entre as populações, com as trocas de produtos, ideologias e experiências permitiu o incremento e o sedentarismo populacional, a produção de alimentos e artesanal em larga escala e uma relação geopolítica interétnica, que acabou resultando em um padrão cultural sub-regionalmente compartilhado. Pois a existência e o conteúdo desse contato eram veículos de informação e permitiam a reinterpretação de si mesmos. Assim, embora exibissem organização social e política independentes, as sociedades marajoaras desenvolveram uma cosmogonia compartilhada, que evoluiu não só no tempo, mas também no território social de cada uma das sociedades. Essa cosmologia convergente emergiu através de complexas interações de múltiplas variáveis, desde a tecnológica e a econômica, até as institucionais e simbólicas. A sua evolução ficou refletida na produção ceramista, que os arqueólogos subdividiram em fases culturais, tais como a Ananatuba, Mangueiras, Formiga, Acauã, Marajoara e Aruã. E embora algumas delas tenham se sucedido, outras foram claramente contemporâneas e exerceram influência mútua. Em resumo temos o seguinte quadro: Região Amazônica Região civilizadora com noção comum subjacente Legenda: Região Sub-região cultural Território social Figura 1. A região é o grande espaço universal onde os processos civilizadores convergem todas as experiências locais para uma mesma noção comum subjacente. Ela se divide em sub-regiões culturais. As sub-regiões culturais são conjuntos de diferentes territórios sociais com padrões culturais compartilhados e autossimilares. Elas são simultâneas no espaço (contemporaneidade real) e no tempo (contemporaneidade virtual) e não possuem fronteiras políticas definidas. Elas ainda podem avançar umas sobre as outras, mas regularmente apresentam áreas neutras, onde a circulação de costumes e técnicas é coletiva. As subregiões dividem-se em territórios sociais, onde as tradições e as experiências são partilhadas e as técnicas e os costumes coletivos se particularizam. Mas são nos assentamentos (sítios – não representados no esquema) que subdividem os territórios, onde a história é vivenciada e diferenciada. 106 Amazônia Antropogênica Betty Meggers percebeu, muitos anos atrás, a diversidade nas técnicas decorativas para a Tradição Policroma e sugeriu que esta seria uma amalgamação de traços introduzidos de diferentes direções e combinados de diferentes maneiras. Mas para ela a observação de tal diversidade seria causada pela falha em identificar uma origem ancestral ou complexo fora da Amazônia e um núcleo local de desenvolvimento (MEGGERS, 1987). Agora pode-se dizer que esse amalgamento nada mais foi do que o resultado das manifestações locais, que exteriorizava e interiorizava, segundo a sua propria experiência histórica, a emergência de elementos culturais partilhados da noção comum regional. Esta ideia resulta da interpretação de que a inteiração comutativa das comunidades dos territórios sociais de uma sub-região com um mesmo padrão cultural se distribui e se individualiza entre seus diversos assentamentos históricos locais. É assim que as sub-regiões apresentam uma grande capacidade de expressão cultural, sem que haja um centro único de domínio social. Pois, todos os assentamentos históricos são potencialmente centrais e potencialmente marginais. Na verdade, eles são, simultaneamente, o meio e a margem, o centro e a periferia. Afinal, o produto dos assentamentos de uma sub-região é a emergência local das experiências que emanam do conjunto de todos os territórios de uma região. E é essa singularidade cultural que está em todos, mas não pertence a nenhum assentamento em particular. Considerando, por outro lado, que os domínios de um território vão muito além das áreas de assentamento, incluindo áreas tributárias exclusivas e áreas tributárias comuns, mais áreas focais distribuídas segundo a diversidade ecossistêmica do seu ambiente geográfico e as necessidades sociais, então concluímos que todos os assentamentos históricos são centrais e marginais em seu próprio território. A importância histórica de certos assentamentos sobre outros é que neles, ao longo da duração dos acontecimentos, emergiram eventos que apresentaram maior capacidade de comutação sub-regional ou mesmo regional, garantindo à sua organização intrínseca uma intensidade que se estendeu para além de suas fronteiras territoriais. No entanto, a formação histórica não é a mesma para todas as sociedades, ela varia e por isto se sub-regionaliza. O aumento da capacidade comutativa e a consequente multiplicação de elos com a rede regional, que na Amazônia podemos interpretar das evidências arqueológicas juntamente com as evidências etnológicas, dá-se em diferentes escalas. Essas escalas apresentam qualidades diferenciadas que não foram, necessariamente, alcançadas através de ações competitivas e, portanto, não devem ser interpretadas hierarquicamente. Considerando as sub-regiões com seus devidos padrões de assentamento, mas também as sazonalidades climáticas e a heterogeneidade ambiental, nada nos impede de pensar que existiram estratégias desenvolvidas por uma mesma estrutura sociocultural para ocupar e/ou explorar, por si só, diferentes locais, através de diferentes organizações sociais internas. Portanto, dentro de um mesmo território, uma ou mais comunidades podem ter diferentes áreas de capitação, assentamento e de manifestação cultural. Com isso quer se dizer que podemos substituir a incongruência técnica embutida na ideia de Tradição e suas Fases, não apenas por outra seriação histórica, como inclusive mostrar que uma rede histórica regional mais ampla, entendida como um processo civilizador com diferentes temporalidades e espaços transformados construiu e foi construída por experiências socioculturais locais. Pois, tal como sugerido por Hodder (2000) e Barrett (2001), são nos 107 Amazônia Antropogênica lugares ocupados, explorados ou venerados de um território, que os sujeitos agenciam e vivificam a sua história ou, mais precisamente, vivificam a multiplicidade diversificada de sua história. A ideia de civilização aqui deve ser entendida como o conjunto dos códigos e padrões que regulam a ação individual e coletiva do ser humano em uma região com determinada noção comum subjacente. Essa noção comum se distribui irregular e cronologicamente no espaço organizado dos territórios sociais, cujas condições de manutenção e transformação histórica de uma comunidade, nação ou etnia, resultam no aprimoramento sub-regional de seus próprios valores, instituições, criações, etc. Por conta disto, na Amazônia, até podemos afirmar que teria havido uma “Idade Tropical”, já que ela se refere a um período da condição histórica do Homem na Amazônia, em que as sociedades eram cultural e socialmente, mais (mas não completamente) homogêneas. Porém, o mesmo não se poderia dizer do período seguinte, o Neotropical. Historicamente, a Cultura Neotropical Amazônica apresentaria diversas Idades por possuir variações na organização e na duração histórica de suas diferentes sociedades componentes. Por isto, essas Idades variariam tanto no tempo quanto no espaço, de modo que só poderíamos nos referir às diferentes Idades particulares de uma sub-região cultural como aquelas definidas para o Marajó, que se dividiria em territórios sociais e estes, por sua vez, em assentamentos locais historicamente constituídos. As sub-regiões culturais seriam espaço-temporalmente simultâneas a outras e, por conta disto, partilhariam experiências comuns de largo aspecto regional. Ora, na verdade os conceitos de Cultura Tropical e de Cultura Neotropical não substituem, necessariamente, os de fase e tradição porque tratam de coisas distintas, não excludentes. Porém geram consequências. Afinal, não é apenas a troca de um termo por outro. São concepções temporais distintas. Tradição e Fase, Cultura Tropical e Cultura Neotropical tratam de situações nas quais as duas primeiras focalizam a evolução histórica e a distribuição geográfica de determinadas características da cultura material, relativamente homogêneas, em uma sequência temporal linear; as duas segundas focalizam a evolução e os processos históricos heterogêneos que emergem de uma potência civilizadora local e regional (material, cultural, econômico e político) e onde diversas expressões culturais convergem para uma mesma noção comum compartilhada. No entanto, ao ressaltar a diferença que a simultaneidade generalizada dos acontecimentos tem na interpretação histórica das sociedades amazônicas, relativamente à interpretação tradicional, fica claro não se tratar de uma mera reforma ou adaptação de conceitos, porém de perspectivas paradigmáticas distintas. Por isto, para que a incomensurabilidade não perdure indefinidamente, já que as duas concepções apresentam léxicos distintos, é necessário mais um esforço de pensamento. Felizmente existe um meio de superar esta incomensurabilidade, indo por outro caminho, que será nosso tema mais adiante, no qual, finalmente, os conceitos de Cultura Tropical e Cultura Neotropical Amazônica poderão ser plenamente entendidos. Esse meio vai atenuar as rugosidades existentes na transição de uma para a outra, visto que nenhuma transição histórica é ausente de avanços e recuos, de retornos ou saltos, já que na duração, as sociedades se manifestam através de um embaralhamento diversificado de relações sociais, econômicas e políticas. 108 Amazônia Antropogênica Portanto será a partir de então que entrará a contribuição da arqueologia da paisagem e de Carajás. E também será a partir daí que a Amazônia antropogênica será entendida em toda as suas consequências. Será a arqueologia de Carajás que representará a emergência e a duração do estado de uma situação histórico-social. Não que Carajás tenha qualquer significado na representação primeira da ocupação humana da Amazônia. Pelo contrário, Carajás apresenta um período de duração histórica bem definido. Ele é antigo, não necessariamente o mais antigo. E eis o que importa saber: Carajás apresenta as características básicas que mostram como a Cultura Tropical se desenvolveu, iniciou a antropogênese amazônica e pode ser conceitualmente definida. CONEXÕES EVOLUCIONÁRIAS Este subcapítulo tem a intenção de desenvolver a ideia de que na matéria animada (na vida) há processos evolucionários conectivos, que são coletivos e providos de desenvolvimento histórico, planos e sentidos, aos quais podemos chamar de conexões evolucionárias. Ou, ao modo como disse Pierre Lévy (2001, p. 179): tem a intenção de mostrar que todos os seres vivos são uma única vida, constituindo uma realidade mais concreta que a espécie. E ainda, que a vida é o processo de criação e destruição de mundos, que são subjetivamente sentidos e explorados na existência, ao mesmo tempo em que são engendrados. O conhecimento da vida aponta para a reorganização regulada das informações provenientes das redes biológicas em entropia, que são as unidades de mudança evolutiva ocorrendo durante o seu próprio desenvolvimento. Portanto, trata-se da construção de uma teoria baseada na história da ciência contemporânea, de modo que, de acordo com o proposto, não é uma simples narração explicativa, mas a invenção dessa mesma história. Essa teoria, ainda que não tenha a obrigação de se basear em fatos observáveis, pode e deve apresentar indícios de que estejam de acordo com a natureza. Assim, baseado na explicação de alguns indícios objetivos visamos aqui à construção, não necessariamente de um modelo, mas, antes de tudo, de um pensamento balizado na natureza observável, que justificará a Amazônia antropogênica. Por tudo isto, como contraponto objetivo, quando pensamos em uma arqueologia cujo foco é a integração do Homem ao espaço geográfico, ainda que devamos pensar na construção cultural desse espaço, também devemos considerar que esse espaço é o ‘palco’ natural de sua evolução. Para desenvolver um pensamento nesta linha, antes de qualquer coisa, é necessário superar preconceitos míticos firmemente enraizados nas bases do pensamento humanista. De fato, mesmo que o artifício humano recrudesça quanto mais urbanizada seja uma sociedade, as catástrofes naturais e as mudanças climáticas recordam-nos sempre que estamos dentro e não fora da natureza. Concomitantemente, ao pensarmos na natureza do espaço amazônico e suas paisagens ou em uma arqueologia que trata da domesticação e do manejo social e cultural de plantas, devemos pensá-la a partir da integração do conteúdo ao objeto, ou seja, da natureza ao Homem. Mesmo que os mitos da “Natureza Selvagem” e do “Paraíso Tropical” tenham encontrado solo fértil apenas no imaginário popular, foi comum na ciência pensar que a floresta 109 Amazônia Antropogênica amazônica teria se diversificado e expandido sem sofrer qualquer influência humana, até a ascensão das sociedades agricultoras. E que as antigas intervenções humanas, quando finalmente ocorreram, só teriam alcançado pontos isolados, em áreas reduzidas, localizadas às margens dos principais rios da região. A Amazônia seria uma região exclusivamente “natural”, não tocada e intocável, onde o Homem além de não fazer parte teria sido repelido pela dificuldade de se adaptar aos seus supostos parcos recursos não domesticáveis. Com isto consolidou-se a ideia de que o Homem não fazia parte da sua natureza. De que na Amazônia, tudo que seria adequado ou necessário ao Homem ou era ausente ou era escasso. A Amazônia seria, enfim, selvagemente “virgem”! A Amazônia quando foi percorrida, entre os séculos XVII e XIX, por naturalistas provenientes da Europa “civilizada” só fez aumentar a sua fama de inóspita e indomável. Eles ficavam chocados com a “decadência” dos povos nativos cujos hábitos sociais e culturais eram considerados um exemplo vivo da ruína da civilização em um meio hostil. Os arqueólogos abraçaram esta ideia que foi cristalizada no século XX, quando destinaram aos povos amazônicos o mero papel de coadjuvantes periféricos dos povos andinos e caribenhos. E o sucesso deles, como coadjuvantes, dependia da capacidade de dobrarem as condições ambientais locais, em si só degenerativas para toda e qualquer civilização avançada. E a inexistência de cidades, governos, religiões, leis e escrita era considerada a prova definitiva da inadequação da Amazônia para a evolução de toda e qualquer manifestação cultural humana. O que se ignorava ou não se aceitava então, era que qualquer cultura poderia superar barreiras naturais de toda ordem, potencializando a capacidade produtiva dos ambientes através de ações que se consolidam no comportamento da população. Isto acontece em períodos de longa duração, quando há tempo suficiente para que se conheçam os recursos disponíveis, a distribuição territorial dos melhores nichos e os meios e técnicas mais adequadas de manejo desses recursos. E também, para que esse conhecimento seja, através da aprendizagem cultural, incorporado aos habitus e agências da população, mudando e evoluindo conforme os desafios que se apresentam. Por isto a cultura pode ser tida como um sistema de padrões de comportamento, preferências e produtos da atividade humana que são socialmente transmitidos e que caracterizam uma dada população em determinado lugar. A cultura evolui e sua evolução pode ser definida como a mudança, ao longo do tempo e do espaço, na natureza e na frequência de preferências, padrões e produtos do comportamento socialmente transmitidos em uma população. A evolução cultural é em parte independente da variação genética das populações. Tal independência, entretanto, não dura para sempre, pois em algumas circunstâncias existe uma interação entre o sistema genético e o sistema cultural. As culturas transmitem informação através de aprendizagem social. Assim, o aprendizado socialmente mediado é uma mudança no comportamento que resulta de interações sociais com outros indivíduos, geralmente da mesma sociedade. Além disso, toda sociedade constrói um nicho culturalmente identificável através de símbolos, práticas e comportamentos. E não importa qual o ambiente que se ofereça, se técnicas adequadas são desenvolvidas ou conquistadas, todo ambiente pode ser 110 Amazônia Antropogênica transformado em um nicho humano. Esse nicho é construído no espaço de ocupação socioambiental, de modo que não só a sociedade possui informações que ajudam a determinar preferências e identidades, bem como o ambiente é modelado e tornado familiar segundo essas mesmas informações. Sendo assim, todo ambiente ocupado por uma população humana é um nicho culturalmente determinado, cuja herança é reforçada e transmitida às gerações futuras pela aprendizagem. As práticas e costumes de uma sociedade afetam o valor adaptativo das variações comportamentais das pessoas, cujos ambientes construídos deixam de ser um mero efeito da seleção natural. Ao modificar o ambiente segundo costumes culturalmente reforçados, o efeito dessa modificação pode estabilizar outros costumes os quais, por sua vez, podem constituir uma rede que, eventualmente, constrói um novo estilo de vida. A persistência das práticas e comportamentos relacionados a um determinado estilo de vida, não só reproduz os mesmos através de hábitos do cotidiano, como remodela o nicho, segundo as ações pedagógicas a eles relacionadas. Portanto, se houve uma população humana, culturalmente organizada, vivendo e interferindo na natureza amazônica desde um tempo muito recuado, claro está que, pelo menos em algumas áreas, a floresta não poderia ser virgem e nem a distribuição de espécies poderia ser exclusivamente natural. Datando do século XIX, as primeiras investigações arqueológicas na Amazônia ficaram restritas aos artefatos de grande apelo artístico, como urnas, utensílios e outros objetos cerâmicos, bem como estatuetas e pingentes feitos de rochas e cristais, atribuídos a povos de cultura complexa, mas sem uma agricultura intensiva provida de arado. Os pesquisadores pioneiros visavam, principalmente, à formação de coleções para os museus. Politicamente, eles se aliavam às ideias de superioridade das civilizações com arado e, com isso, negavam a condição de civilizados a todos aqueles que prescindiam da agricultura arada e da cultura material associada a ela, identificando-os com a preguiça, a barbárie e com a sujeição à natureza. Com uma identidade dessas, os possíveis caçadores-coletores por acaso existentes na Amazônia não apresentavam qualquer apelo para os acadêmicos de então. Nesse aspecto, os museus nada mais faziam do que reafirmar a “inferioridade” desses grupos humanos. Na verdade, como veio a se saber mais tarde, eles foram os formadores das mesmas sociedades, cujas culturas os naturalistas destacavam como uma das mais importantes das Américas. Fato estabelecido porque esses naturalistas eram atraídos pelo seu rico patrimônio artístico material (especialmente as cerâmicas ritualísticas finamente decoradas e de complexas formas e estilos decorativos), ainda que não fossem típicos agricultores. Essa situação poderia ter mudado, quando as pesquisas arqueológicas efetivamente científicas tiveram início com os pesquisadores norte-americanos Betty Meggers e Clinford Evans, ainda na primeira metade do século XX. Infelizmente, mesmo através de outra ótica, as técnicas de agricultura consagradas no Velho Mundo continuaram sendo referência, de modo que as evidências de cultivo dos povos amazônicos foram resumidas à simples prática de horticultura itinerante. Já os estudos voltados para os caçadorescoletores permaneceram escassos, sob o velho, mas ainda poderoso argumento de que a Amazônia seria um lugar inóspito para a adaptação humana e de que a presença do ser humano nela seria rarefeita e recente. 111 Amazônia Antropogênica Para justificar a ocorrência de ricos vestígios materiais e os relatos dos viajantes dos séculos XVI e XVII que registraram a existência de culturas formadas por complexas sociedades, que ocupavam extensos assentamentos habitados por milhares de pessoas, esses pesquisadores afirmaram que elas teriam migrado de outras regiões. Foram essas populações migrantes, cujas sociedades, longe das selvas, teriam desenvolvido culturas sofisticadas, que levaram para a Amazônia todas as tecnologias conhecidas pelos povos autóctones. Portanto, além das sociedades amazônicas não terem uma gênese nativa, elas não poderiam ter sido o resultado da evolução local de sociedades pioneiras, porque mesmo que estas tivessem existido, não teriam conseguido superar as barreiras naturais representadas pela selvagem floresta tropical. Na década de 1990, outra pesquisadora norte-americana, Anna Roosevelt, mostrou que as sociedades amazônicas tiveram um longo tempo de desenvolvimento local. Porém o palco principal desse desenvolvimento teria ficado restrito a áreas especiais, como as várzeas, ricas em recursos naturais favoráveis à exploração humana. Roosevelt (1992) argumentou que as conquistas sociais, materiais e espirituais das populações amazônicas complexas seriam o resultado do sucesso adaptativo de costumes e práticas a um ambiente mais favorável, de populações amazônicas precedentes. Para ela, a evolução sociocultural das populações amazônicas só foi possível graças à existência das várzeas, que eram ecologicamente favoráveis, supostamente, ao cultivo intensivo do milho. Ou seja, fora dali o Homem permaneceu no limite entre o selvagem e o civilizado, de modo que a expansão das sociedades complexas para além das várzeas era impossibilitada pela natureza indomável das terras firmes. Por outro lado, ela não foi capaz de reconhecer a excelência do cabedal técnico da agricultura praticada na Amazônia, propondo a existência de um cultivo especializado no cultivo de uma planta exótica (o milho), que nunca foi encontrada isolada nos restos arqueológicos das populações das terras baixas amazônicas, mas sempre em associação com outras plantas. Essas ideias nada mais foram do que a reafirmação tardia do divórcio renascentista entre o Homem e a natureza e também da impregnação da mitologia da natureza selvagem no inconsciente, que ainda predomina nas teorias científicas e que exerce influência não só nas ciências sociais, como também nas ciências da terra. Entretanto estudos recentes nas mais diversas partes do mundo vêm mostrando que a influência humana sobre a natureza não só é uma condição da sua existência, bem como condição da própria evolução coletiva das espécies (HOWELLS, 1997; MAYER, 2005). Jared Diamond (1997), por exemplo, acredita que alguns dos padrões mais importantes de migração e colonização humanas durante os últimos 15 mil anos resultaram da domesticação de plantas e animais, que tornaram algumas espécies parte inseparável do nicho ecológico humano. Consequentemente, como tem sido comprovado, se a evolução cultural das antigas populações Amazônicas resultou em sociedades organizadas por agentes que dominavam práticas e técnicas de manejo e cultivo de plantas domesticadas, é porque elas cumpriram uma jornada de longa duração em que acontecimentos históricos precedentes desenvolveram e conquistaram essas práticas e técnicas. E, como disse Philipp Descola (2014), ao contrário da imagem heroica do agricultor de cereais, o cultivador amazônico é um compositor que junta vegetais buscando sua convivência. 112 Amazônia Antropogênica Desde a última década do século XX, pesquisas arqueológicas vêm acumulando evidências de que a floresta tropical, mesmo há milhares de anos, nunca foi um fator restritivo para o progresso dos Homens que nela viveram. Isto é, uma restrição ao florescimento de novas e melhores possibilidades; uma barreira ao preenchimento de todo nicho disponível; um obstáculo ao desenvolvimento de organizações sociais cada vez mais complexas. Muito pelo contrário, muitos estudos têm confirmado que não havia uma diferença marcante na adaptação dos povos que habitavam a terra firme daqueles que habitavam as várzeas. Inclusive, hoje se descarta a ideia de que dois ecossistemas distintos e excludentes diferenciavam os povos amazônicos. Ainda na década de 1990, W. Denevan (1996) propôs a existência de uma relação complementar entre a várzea e a terra firme. Denevan observou que os assentamentos, em vez de nos aluviões das várzeas, estariam preferencialmente implantados nos topos dos terraços terciários, que são feições geomorfológicas muito comuns na Amazônia e próximas às várzeas. Consequentemente, os férteis aluviões das várzeas seriam explorados sazonalmente segundo o ciclo anual de cheia e baixa das águas dos rios. Isto possibilitava a exploração integrada dos recursos das várzeas com os das terras firmes. Portanto, na Amazônia, a exploração dos recursos naturais, por parte das populações antigas, incluiu um território com ecossistemas diferenciados, explorados complementarmente. Assim, na verdade, a ocupação territorial era o modo pelo qual tanto várzea, quanto interflúvios e terras firmes eram economicamente conectados e culturalmente integrados. Contudo estudos mais recentes vêm confirmando que as datações que indicam os assentamentos mais antigos estão justamente nos interflúvios, isto é, longe dos grandes rios e suas várzeas (ver Trombetas e Carajás nos próximos capítulos). Ou seja, a integração não teria começado das várzeas para as terras firmes, mas justamente ao contrário. De fato, a integração ocorreu porque os comportamentos socialmente constituídos, assim como os artefatos daí resultantes estão inseridos em uma rede de relações interdependentes conectadas cultural e também ambientalmente. Por outro lado, não só a sobrevivência de uma inovação depende da cultura existente, mas também sua geração e reconstrução. Todos são fatores interdependentes. Assim, a seleção, manejo, organização e domesticação do espaço, dos recursos e organismos naturais são aspectos gerais da cognição e da cultura. Não podem ser isolados uns dos outros, nem podem ser isolados dos sistemas econômicos, legais e políticos em que estão embutidos e são construídos, nem das práticas das pessoas que os constroem. Na inter-relação cultura/natureza, o intercâmbio entre os comportamentos e o ambiente é ecológico e simbólico. Por exemplo, quando as pessoas guardam em tempos de escassez e/ou transportam de um lugar para outro as sementes de suas plantas preferidas e os seus animais de estimação, elas acabam aumentando a chance de que esse comportamento seja preservado pelas gerações subsequentes, mas também que as sementes e animais transportados representem aspectos importantes de representações culturais tradicionais. Isso acontece porque, no caso das sementes, elas acabam se espalhando e germinado nos lugares por onde essas pessoas passaram, o que garante um estoque de alimentos para as gerações futuras e uma identidade de pertencimento a 113 Amazônia Antropogênica esses lugares. Por isso a probabilidade de que esse comportamento se repita nas gerações seguintes aumenta, pois são criados símbolos e pedagogias que preservam os hábitos e as práticas relacionadas a esse costume. Quando o Homem coloniza uma região ele pode manipular o ambiente de tal modo, que a persistência dessa ação afeta o desenvolvimento sociocultural de seus descendentes, bem como sua própria identidade cultural e a vida das espécies que seleciona. O Homem age, independente da complexidade cultural que ostente, como engenheiro ecológico, já que o produto das suas práticas se difunde no ambiente e o transforma, alterando o regime seletivo de seus vizinhos e descendentes bem como a sua própria identidade frente a eles. Os seres humanos, na verdade, são os maiores agentes seletivos do planeta Terra, e executam as mais drásticas construções do ambiente. Segundo a sagaz observação de Eva Jablonka e Marion Lamb (2010), na história humana a evolução adaptativa tem sido guiada pelo sistema cultural, que cria as condições necessárias nas quais os genes e o comportamento são expressos e selecionados. Para elas, o Homem não depende do sistema genético, cego e casual, para transmitir informações adaptativas adiante. Pelo contrário, sua capacidade adaptativa é induzida ou adquirida em resposta às condições de vida. E são as diferentes respostas culturais às diversas condições de vida que garantem aos grupos humanos a construção de paisagens e cartografias com cenários e símbolos socialmente organizados e cotidianamente reproduzidos. Assim, por exemplo, segundo Descola (2014), os Achuar da Amazônia equatoriana percebem a floresta como uma grande horta e as hortas são plantadas de maneira que pareçam, em sua disposição, composição e estrutura, uma floresta em miniatura. Quanto mais complexa for a organização cultural de uma sociedade, menos aleatória é a sua evolução histórica, pois comportamentos aprendidos interagem com todos os eventos recorrentes no desenvolvimento das mudanças. Então, se essas mudanças se refletem na construção dos nichos que os abrigam, elas não só são reforçadas pelas ações pedagógicas, bem como interferem na evolução das espécies a elas relacionadas. A capacidade do Homem de manipular a evolução é derivada da sua capacidade de pensar e de se comunicar por símbolos. Com o sistema simbólico o Homem pode planejar e prever e produzir efeitos sobre a evolução biológica. Entretanto, como na natureza todos os organismos, humanos ou não, formam uma complexa teia de inteirações, tudo interage, de modo que a evolução opera simultaneamente para todas as espécies inter-relacionadas de um ambiente. Ou seja, a ação do Homem sobre o ambiente é uma ação coevolutiva e por isto a consequência não pode ser prevista com antecedência, embora seus efeitos possam ser antecipados no dia a dia. DAS PRIMEIRAS EVIDÊNCIAS Sabe-se que a diversidade ecológica amazônica é muito rica e ampla (PIRES; PRANCE, 1985); que a várzea, assim como a terra firme, é bastante heterogênea (MORAN, 1993); hoje, acrescenta-se a este saber, o conhecimento mais significativo da ação histórica do 114 Amazônia Antropogênica Homem nativo sobre a ecologia da Amazônia. Estudos promovidos por Balée desde 1994 vêm mostrando que essa ação produziu um interessante padrão de manejo e uso de recursos naturais que teve fundamental importância na relação entre as sociedades humanas e seus meios ambientes circundantes, fazendo aumentar, ao invés de reduzir, a diversidade ecológica nas áreas onde viviam. Essa diversidade ecológica, como bem mostram as origens antrópicas das terras pretas arqueológicas (ver o texto de Schmidt no capítulo 4), foi o produto da ação humana ao longo de centenas e centenas de anos. Só quando, por entropias diversas, essa ação torna-se consciente através da conexão de experiências cognitivas provenientes das diversas especialidades acumuladas modularmente (M ITHEN , 2002, 2008), produzem-se estratégias antropogênicas, relacionadas ao manejo intensivo e ao cultivo de plantas domesticadas e à mudança do modo de produção, resultantes da ancestral inteiração coevolutiva entre plantas e Homens, desde o início do Holoceno (RINDOS, 1984; MAGALHÃES, 2005). A ecologia histórica, por seu turno, foi consolidada sobre estudos de manejo ambiental realizado por sociedades étnicas tradicionais contemporâneas. Foram trabalhos pioneiros como os de Posey junto aos Kayapó e Balée, junto às populações tradicionais em geral que descortinaram o potencial desses estudos. Posey (1987) mostrou que ao lado de espécies domesticadas/semidomesticadas, os Kayapó têm o hábito de transplantar várias espécies da floresta primária para os antigos campos de cultivo, ao longo de trilhas e junto às aldeias, formando os chamados ‘campos de floresta’. Esses nichos manejados foram denominados por Posey de ‘ilhas naturais de recursos’ e são aproveitados no dia a dia indígena, bem como no tempo das longas expedições de caça que duram vários meses. Já Balée (1995, 2006) demonstrou que a floresta secundária, ao longo de oitenta anos, tende a alcançar a primária, em termos de diversidade. E que essa diversidade, entre duas florestas no Alto Juruá, por exemplo, é semelhante em número de espécies: 360 na secundária e 341 na primária. Ele afirmou que os povos indígenas devem ter desencadeado esse fenômeno em diferentes partes da Amazônia antes da chegada dos portugueses e alterado, em até 10%, a composição atual da mata (também há propostas de 9% e até de 12%). No Alto Juruá, as pequenas alterações na natureza causadas pelo manejo humano também fazem o papel de pequenas catástrofes naturais, parecidas com o de enchentes e tempestades. O efeito dos roçados e caminhos abertos nos seringais é similar ao da morte de bambuzais ou da devastação provocada por grandes tempestades, fenômenos que abrem clareiras nas matas e criam novos refúgios para a vida. Segundo Balée, esse manejo implica a manipulação de componentes inorgânicos ou orgânicos do meio ambiente, o que traz uma diversidade ambiental líquida maior que a existente nas chamadas condições naturais primitivas, onde não há presença humana. Para os etnocientistas, o manejo realizado tanto por populações tradicionais indígenas, quanto não-indígenas pode resultar na seleção cultural de espécies. Balée afirma que em um ecossistema manejado, algumas espécies podem se extinguir como resultado dessa ação, ainda que o efeito total dessa interferência culmine em aumento real da diversidade ecológica e biológica de um lugar específico ou região. Isto ocorre porque, deliberadamente, são levadas para uma mesma determinada área de manejo, espécimes exógenos e outros 115 Amazônia Antropogênica que antes se encontravam dispersos em extensos territórios. Ele cita o caso dos Kaapó, em que o manejo tradicional indígena resultou em aumento de espécies de determinados hábitats, mesmo quando tal consequência não tinha sido buscada intencionalmente. Assim como outros (GÓMEZ-POMPA; KAUS, 1992; CLEMENT, 2006), Balée ressalta que além de terem conhecimento profundo dos diversos hábitats e solos em que ocorrem as espécies, os índios também manipulam esses ambientes – flora e fauna – inclusive por meio de práticas agrícolas, como a do pousio, resultando em uma maior diversidade de espécies nesses hábitats manipulados do que nas florestas consideradas nativas. Esses estudos têm atestado o grande cabedal de conhecimento das populações indígenas e tradicionais sobre o comportamento da floresta tropical e, principalmente, sobre a formação de alguns de seus ecossistemas. Gómez-Pompa e Kaus (Op. Cit.: 274) afirmam que sem as técnicas culturais de manejo desenvolvidas junto aos antigos hábitats humanos, muitas das espécies se perderiam para sempre. Eles acreditam que culturas e saberes tradicionais podem contribuir para a manutenção da biodiversidade de muitos ecossistemas amazônicos. E, como apontou, J. Bonnemaison, (1993 apud LEVEQUE, 1997: 55-56), se as sociedades tradicionais viveram até o presente no interior de uma natureza, aparentemente hostil, é essencialmente devido ao saber e ao saber-fazer acumulados durante milênios. Significativamente, direta ou indiretamente, os estudiosos também têm afirmado que, em numerosas situações, esses saberes são o resultado de uma coevolução entre as sociedades e seus ambientes naturais, permitindo um equilíbrio criativo entre ambos (MARQUES, 1995). Entretanto, apesar da ecologia histórica já ter se consolidado nas etnociências, esses estudos pouco foram além das sociedades contemporâneas. No Brasil, em particular, até muito recentemente, nunca havia sido feito um estudo mais profundo sobre o assunto junto às evidências arqueológicas. Isto deixou um hiato no próprio estudo da diversidade amazônica, uma vez que, além dele ainda ser muito reduzido em relação à abundância dos diferentes ambientes regionais, ele pode estar desconsiderando a ação humana milenar sobre a distribuição e seleção das espécies dessa mesma diversidade. Por outro lado, nos estudos sobre as mudanças de uso e cobertura do solo e a relação com as mudanças do clima, faltam estudos históricos complementares. Inicialmente, as dimensões humanas de uso das terras referem-se ao pensamento científico no qual estão incorporadas variáveis sociais e culturais interagindo com variáveis biofísicas (BATISTELL, 2005). Mas, ao incorporarmos variáveis históricas às dimensões humanas, poderemos observar a evolução das suas interações com o ambiente. Assim, poderão ser direcionados estudos em áreas de antigos assentamentos para se saber, temporalmente, os impactos e a evolução que eles causaram sobre a cobertura das terras em escala local e regional. Ou seja, o modo como, ao longo da história, a população humana impacta o meio ambiente e o ambiente impacta o comportamento humano. Com isto poderíamos observar como mudanças associadas a evidências arqueológicas resultaram em uma “modificação” ou, em outras palavras, em uma mudança de condição/ estado da cobertura vegetal local e regional. Além disso, apesar do pioneirismo da etnociência, geralmente seus estudos estão voltados para comunidades pequenas, em que a interferência sobre o meio é muito inferior àquela 116 Amazônia Antropogênica produzida por comunidades com grandes populações. Entretanto, nos últimos anos, a arqueologia vem comprovando que na Amazônia existiram sociedades compostas por populações, significativamente, muito mais numerosas do que aquelas relacionadas às comunidades indígenas contemporâneas. As populações ocuparam a confluência dos rios de segunda ordem com os de terceira, e as margens dos de terceira em diante, especialmente o entorno das suas várzeas, até o período imediatamente anterior à conquista europeia. Em resumo, antes da conquista, as populações nativas não só ocupavam as margens dos grandes rios da região, bem como as dos seus tributários e as dos tributários dos tributários. E assim por diante, até aqueles menores, mas de vazão perene, estivessem eles nas terras baixas, firmes ou altas, dentro, entre ou fora das grandes bacias hídricas. Complementarmente, como observou Nigel Smith (SMITH, 1980; SMITH et al., 2010; SMITH, 2014a), desde os caçadores-coletores que percorreram a região há milhares de anos, antes das matas serem apuradas pelas culturas, eles, deliberada ou inadvertidamente, enriqueceram trilhas, campos e bosques ao lançarem sementes ao solo. E quando as pessoas começaram a cortar e queimar floresta para plantar culturas alimentares, como a mandioca (Manihot esculenta), batata doce (Ipomoea batatas) e a taioba (Xanthosoma sagittifolium), árvores frutíferas, medicinais, para artesanato e outras úteis foram sendo poupadas com mais cuidado, incluindo as multiutilitárias palmeiras. Por outro lado, diversos pesquisadores têm observado (BALÉE, 1989; ANDERSON; POSEY, 1985; JUNQUEIRA et al., 2011; BALÉE et al., 2014) que sempre é possível associar a vegetação estudada hoje com antigos processos de manipulação humana. Isto se torna ainda mais evidente quando se observa que muitas florestas com sinais de intervenção humana estão associadas a sítios arqueológicos, por vezes milenares (MAGALHÃES, 2013). Por conta disto, devemos considerar que o resultado dos manejos, então realizados, pode ter sido muito mais intenso e amplo do que se imagina. Consequentemente, muito possivelmente, a seleção e as florestas culturais podem representar bem mais do que os 10% ou 12% inicialmente atribuídos por Balée à composição atual da floresta tropical amazônica. Para concluirmos até onde este percentual alcança apresentaremos a seguir as ferramentas disciplinares empregadas. 117 Polifonia Metodológica Amazônia Antropogênica A FORMAÇÃO DE TERRA PRETA: análise de sedimentos e solos no contexto arqueológico Morgan J. Schmidt INTRODUÇÃO No século XIX, viajantes na Amazônia ficaram fascinados pelas extensas áreas de terra preta, cheias de cerâmica e outros artefatos atribuídos a assentamentos abandonados (FERREIRA PENNA, 1869). Charles Hartt (1885) e Herbert Smith observaram a presença de terra preta em muitos lugares na região do baixo Tapajós. Smith diz que o solo fértil era “o melhor da Amazônia” e “deve sua riqueza ao lixo de mil cozinhas por talvez mil anos” (SMITH, 1879:168, tradução do inglês pelo autor). Ele relata que cana de açúcar, tabaco, guaraná, milho, algodão e outros eram “cultivados nas ricas terras pretas ao longo dos barrancos onde os índios tiveram suas aldeias há muito tempo atrás... a terra preta é quase continua... em muitos lugares cerâmica e instrumentos de pedra cobrem a superfície como conchas em uma praia lavada pelo mar” (SMITH, 1879: 238). Até hoje, diversos habitantes na Amazônia reconhecem a alta fertilidade de terra preta e as utilizam para plantar diversos cultivos (GERMAN, 2001, 2003; SCHMIDT, 2010; SMITH, 1980). Para cientistas e outros, o que chama atenção nestes solos é a sua extraordinária fertilidade e resiliência com altas concentrações de carbono e nutrientes em uma região conhecida pela baixa fertilidade de seus latossolos para a agricultura. Solos que foram bastante modificados pelas ações humanas são chamados de solos antrópicos. A terra preta da Amazônia representa um dos mais conhecidos tipos de solos antrópicos no mundo. Porém é complicado falar de ‘tipos’, desde que análises das propriedades do solo indicam que se comportam mais como um contínuo com gradações de impactos nas diferentes áreas de atividade humanas, além de mudanças no uso do espaço durante o tempo e processos geológicos provocados por outros organismos, água, vento, sol e gravidade (FRASER et al., 2011; KERN, 1996; SCHMIDT, 2010; SCHMIDT et al., 2014). As atividades humanas que modificam o solo na Amazônia também incluem atividades 121 Amazônia Antropogênica domésticas cotidianas como queima, descarte de lixo e cultivo. A terra preta é caracterizada por sua cor escura, teores elevados de nutrientes e vestígios de cultura material, incluindo cerâmica, material lítico e carvão. Friedrich Katzer (1944) foi o primeiro a realizar um trabalho analítico com terra preta e descobrir que ela tem altos teores de carbono orgânico em comparação aos solos adjacentes. Desde então, numerosos estudos têm demonstrado a marcante anomalia que este solo apresenta dentro dos solos tipicamente ácidos e inférteis que predominam na região Amazônica (CAMARGO, 1941; EDEN, 1984; FALESI, 1974; KERN; KÄMPF, 1989; MORA et al., 1991; PABST, 1991; SMITH, 1980; SOMBROEK, 1966). O interesse e estudos dos solos antrópicos na Amazônia têm aumentado consideravelmente nas últimas duas décadas, tal como é evidenciado na publicação de quatro livros dedicados aos estudos de vários aspectos da terra preta, inclusive fertilidade, atividade biológica, vegetação e a criação de terra preta nova com a intenção de promover agricultura sustentável (GLASER; WOODS, 2004; LEHMANN et al., 2003; TEXEIRA et al., 2009; WOODS et al., 2009) e inspirou a indústria de biochar. Proponentes do biochar reivindicam que a sua manufatura (black carbon, uma forma de carvão) pode funcionar para sequestrar carbono da atmosfera e, ao mesmo tempo, contribuir com o desenvolvimento da agricultura e manejo do solo de uma forma mais sustentável (LEHMANN, 2007). A terra preta geralmente apresenta níveis elevados de pH, carbono orgânico (CO), nitrogênio (N), fósforo (P), cálcio (Ca), potássio (K), magnésio (Mg), cobre (Cu), manganês (Mn), zinco (Zn) e outros nutrientes e níveis mais baixos de ferro (Fe) e alumínio (Al) em relação ao solo circunvizinho, tornando-os mais propícios ao desenvolvimento de cultivos. A presença de terra preta na paisagem, em muitos casos após milhares de anos, e o cultivo intenso de áreas de terra preta comprovam a resiliência destes solos. Por isso, a terra preta tem chamado a atenção de cientistas como uma solução possível para a questão da agricultura sustentável em latossolos que cobrem extensas áreas nos trópicos (LEHMANN et al., 2003; MADARI et al., 2004). O estudo de sedimentos e solos no contexto arqueológico se encaixa na subdisciplina de geoarqueologia que usa métodos das ciências da terra para entender a historia da paisagem e os processos de formação dos sítios arqueológicos. Se encaixa também na subdisciplina da pedoarqueologia, que significa o estudo do solo (pedologia) para questões arqueológicas. A terra preta é bastante variável dentro de um mesmo sítio por causa das diferenças de intensidade, duração e a natureza das atividades culturais que as formou, bem como dos processos naturais e das atividades ocorridas após o abandono dos sítios (WOODS; MCCANN, 1999). Assim, análise de sedimento e solo oferece uma linha de pesquisa que complementa outros métodos arqueológicos, capazes de responder a questões impossíveis de abordar com outros métodos. E é útil para determinar atividades ocorridas no espaço, entender os processos de formação do registro arqueológico e responder a questões sobre divisões e organização da sociedade, identidade, consumo e status (BECK; HILL, 2004; HECKENBERGER et al., 1999). A intenção deste capítulo é apresentar uma análise dos objetivos, métodos e resultados preliminares do projeto de pesquisa, Programa de Pedoarqueologia do Projeto Arqueológico Carajás (PACA): Análise de Sedimentos e Solos no Contexto Arqueológico, desenvolvido no Museu Paraense Emílio Goeldi. É apresentada uma breve história de pesquisas sobre solos antrópicos iniciadas em 2002 no Alto Xingu e continuadas na 122 A pesquisa visa a contribuir com o conhecimento sobre a historia das populações indígenas que habitaram a Amazônia, como eles viveram e interagiram com o meio ambiente antes do contato europeu e o que aconteceu nos cinco séculos seguintes, até o presente. Estas questões são abordadas através da lente do solo e do sedimento em sítios arqueológicos e em aldeias contemporâneas. O sedimento e o solo são as matrizes do registro arqueológico contendo os artefatos que são devidamente registrados e coletados por arqueólogos. Além dos artefatos tradicionalmente estudados, contêm ecofatos, ou seja, vestígios e micro vestígios de fauna e flora, como ossos, carvão, partes de plantas, pólen, fitólitos, e grãos de amido. A análise física e química do sedimento e do solo, o foco desta pesquisa, é uma linha de evidência que complementa o estudo dos artefatos e ecofatos (o próprio sedimento e o solo podem ser considerados também como ecofatos). A textura (granulometria) do sedimento e do solo pode informar sobre os processos de formação e a historia das paisagens arqueológicas. A análise química é uma forma de estudar, no nível atômico, a parte invisível do registro arqueológico, ou seja, o que restou dos objetos feitos de materiais orgânicos que não foram preservados e os resíduos orgânicos descartados cujos produtos de decomposição foram incorporados ao sedimento e solo. Amazônia Antropogênica Amazônia Central, baixo rio Trombetas, e, atualmente, na Serra dos Carajás. Será introduzida uma seleção de resultados preliminares e algumas questões levantadas em uma breve análise desses dados. Espera-se mostrar o potencial da análise de solo para responder a diversas questões na arqueologia Amazônica (Figura 1). Figura 1. Mapa indicando as áreas de estudo com resultados apresentados no texto: Alto Xingu, Amazônia central, baixo rio Trombetas e Serra dos Carajás. 123 Amazônia Antropogênica A pesquisa utiliza análises sedimentares e de solo para abordar os seguintes objetivos gerais: 1) responder a questões de relevância para a pesquisa arqueológica. Isso inclui, principalmente, questões sobre o uso do espaço nos sítios e das paisagens arqueológicas. As amostras de sedimento e solo coletadas durante as escavações arqueológicas e os resultados das análises serão utilizados em conjunto com as informações obtidas através da coleta e análise de artefatos e outros ecofatos. Especialmente importante, a análise do sedimento e solo pode fornecer informação sobre uso do espaço em áreas desprovidas de artefatos duráveis. 2) entender processos de formação do registro arqueológico. Isso envolve tentar entender não só como os sedimentos foram depositados, mas também como atividades humanas e processos geológicos modificaram esses sedimentos após a deposição inicial. 3) entender a formação e uso da terra preta. Por terra preta, estou me referindo ao solo antrópico de coloração escura, preto ou marrom-escuro, com altos índices de fertilidade. As principais questões incluem: Qual foi ou contexto ou contextos da sua formação? Por exemplo, foi formado em um contexto de cultivo, descarte de lixo ou ambos? Foi intencionalmente produzido? Foi utilizado para cultivo? 4) testar métodos mais eficientes para avaliar o grau de modificação do sedimento e solo. Pela minha experiência, para que a análise de sedimento e solo proporcione uma contribuição maior, é necessário coletar e analisar um grande número de amostras. Além da logística necessária para coletar, transportar e armazenar as amostras, existe a dificuldade de analisar grandes números de amostras devido aos custos, em termos monetários, e também de tempo. Análises químicas de solo, como carbono orgânico e nutrientes, são comumente caras, demoradas e trabalhosas e é necessário um laboratório equipado com instrumentos complexos e dispendiosos, a exemplo de gases e reagentes químicos, bastante perigosos e muitas vezes difíceis de serem obtidos; e a mão de obra precisa ser treinada e qualificada. Por este motivo, é preciso desenvolver métodos de análise de sedimento e solo arqueológico mais fáceis, rápidos e baratos. A possibilidade de fazer as análises em campo seria fundamental para superar estas dificuldades e aumentar a utilidade das análises de solo para as interpretações na arqueologia Amazônica. Por isso, esta pesquisa visa a testar alguns métodos alternativos de análise. Assim que os resultados forem obtidos nestas análises, os dados serão submetidos a análises estatísticas para determinar se há uma correlação entre os resultados das diversas análises, ou seja, se existe uma correlação entre as análises químicas tradicionais e as análises sendo testadas. Para abordar estes objetivos, o projeto visa a coletar e/ou analisar amostras de sedimento e solo provenientes de diferentes regiões na Amazônia e em diversos contextos. Isso servirá para comparar amostras oriundas de diferentes contextos, facilitar a interpretação dos resultados e formar conclusões coerentes. Algumas regiões já têm amostras coletadas e armazenadas e em outras serão coletadas em colaboração com outros projetos. Estas regiões incluem: Serra dos Carajás, Alto Xingu, foz do rio Xingu, baixo rio Trombetas, baixo rio Solimões, rio Urubu, Ilha de Marajó, Baia de Caxiuana e o município de Belém. Os contextos incluem sítios pré-históricos e históricos (fortaleza Gurupá e Engenho do Murutucu), sítios grandes e pequenos, sítios com ou sem terra preta, sítios cerâmicos e pré-cerâmicos ou da Cultura Neotropical e da Cultura Tropical 124 Amostras de solo foram coletadas nas escavações em colunas abertas nos perfis segundo níveis de 5 cm. As amostras nas colunas foram coletadas até a base das escavações. Algumas vezes as amostras das sondagens foram coletadas em níveis de 10 cm. Outras vezes as amostras das colunas foram coletadas em áreas periféricas aos sítios em níveis de 5 cm, em diferentes distâncias. As posições das escavações e sondagens foram mapeadas com estação total e nas áreas periféricas ou fora dos sítios foram registrados com GPS. Amazônia Antropogênica (MAGALHÃES, 2005, 2011) –sítios de agricultores e de caçadores-coletores – sítios em cavidades e em céu aberto, e sítios contemporâneos em contextos etnoarqueológicos. As analises foram realizadas em quatro laboratórios: 1) Coordenação de Ciências da Terra do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) em Belém, 2) Embrapa – Belém, 3) Embrapa – Rio, e 4) Eletronorte – Belém. As amostras são secadas ao natural e preparadas para análise pelo peneiramento em malha de 2 mm. Além das amostras do Alto Xingu cuja análise total foi feita na Eletronorte, os procedimentos de laboratório seguiram os métodos da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, 1997) rotineiramente usados nos laboratórios de solos. Eles incluem determinação de alumínio (Al), cálcio (Ca), magnésio (Mg) disponíveis por KCl 1M; teores de fosforo (P), potássio (K), sódio (Na), cobre (Cu), ferro (Fe), manganês (Mn) e zinco (Zn) disponíveis por Mehlich-1; pH em água a 1:2.5; e C orgânico por Walkley-Black modificado. Os elementos principais e os traços são determinados por inductively coupled plasma optical emission spectrometry (ICP OES). As análises testadas com a utilização de equipamento que não exigem custos adicionais em materiais ou reagentes foram quatro. Primeiro, um instrumento KT 10 S/C foi utilizado para determinar susceptibilidade magnética (SM) e condutividade elétrica aparente (CEa) simultaneamente. Segundo, análises de pH e condutividade elétrica (CE) foram feitas simultaneamente com os sensores Thermo 013005MD – Electrode conductivity cells and Orion™ 9107BN Triode™ 3-in-1 pH/Automatic Temperature Compensation Probe. A análise de SM e CEa não é destrutiva, mas é necessário padronizar o tamanho das amostras. Por isso, uma quantidade com cerca de 150 g foi utilizada nas análises. As análises de pH e CE requereram 10 g de solo. Aqui será apresentada uma seleção dos novos resultados do Programa de Pedoarqueologia do Projeto Arqueológico Carajás. Assim como os de Carajás, solos do Alto Xingu e Trombetas também foram analisados nos laboratórios da Embrapa – Rio de Janeiro para determinar o pH, susceptibilidade magnética (SM), condutividade elétrica aparente (CEa) e condutividade elétrica (CE). O principal objetivo foi testar se estas medidas do solo, simples, baratos e não destrutivos têm correlação com o grau de modificação antropogênica no solo. HISTÓRICO Em 1541, oito anos após a conquista do Império Inca, Gonzalo Pizarro e Francisco de Orellana saíram de Quito em uma expedição para procurar canela e ouro nas terras ao leste. Durante a jornada terrestre para o rio Napo, a expedição sofreu ataques de habitantes hostis. Ao chegar ao rio Napo, sofrendo de fome, Orellana e 57 homens se separaram 125 Amazônia Antropogênica do grupo e seguiram rio abaixo na busca de comida. O relato da expedição foi feito pelo padre Gaspar de Carvajal, que foi quem acompanhou Orellana descendo o rio até o oceano Atlântico (MEDINA, 1934). No inicio da viagem, a expedição encontrou uma aldeia e recebeu ajuda dos nativos com grandes quantidades de comida, dadas ou trocadas por pequenos objetos. Eles conseguiram construir um barco grande para descer o rio, mas ofenderam os índios e, consequentemente, sofreram ataques pelo o resto da viagem até a boca do rio. A estratégia deles foi de atacar aldeias mais fracas para roubar comida e continuar a viagem até a comida acabar novamente, quando então atacavam outra aldeia. Os espanhóis ficaram impressionados com as sociedades populosas, grandes caciques que controlavam vastos territórios e numerosos guerreiros, e assentamentos que se estendiam por quilômetros ao longo do rio. Carvajal relatou, “chegamos nas províncias pertencentes ao Machiparo, que é um grande cacique que comanda muita gente, e ele é vizinho de um outro cacique chamado Omaga, e eles são aliados que se juntam para fazer guerra com outros caciques que ficam no interior.” (MEDINA 1934:190). Desesperados de fome, os espanhóis lutaram para entrar em um assentamento extenso e populoso, onde encontraram “uma grande quantidade de comida, como tartarugas criadas em lagos artificiais e abundância de carne, peixe, e pão, tudo isso em uma fartura tão grande, que seria suficiente para alimentar uma força de mil homens durante um ano” (MEDINA, 1934:192). O território Machiparo no alto rio Solimões, “se estendia por mais de oitenta léguas, e a distância entre as aldeias, na maioria das vezes, não alcançava um tiro de arco, e tinha assentamento que se estendia sem ter nenhum espaço entre as casas” (MEDINA, 1934:198). No domínio do próximo cacique, eles capturaram uma aldeia fortificada e comentaram, “Tem muitos caminhos aqui que entram para o interior, estradas muito boas” (MEDINA, 1934:200). Não se sabe se a expedição do Orellana passou as doenças do Velho Mundo para os habitantes da Amazônia, mas ele retornou para a boca do rio Amazonas em 1545 e tentou, sem sucesso, subir o rio. Foi relatado que esta expedição transferiu micro-organismos patogênicos letais para a população indígena (MYERS, 1988). Dezoito anos depois da viagem de Orellana, em 1560, um segundo grupo de europeus entrou na Amazônia pelo Peru. Esta foi a desastrada viagem de Pedro de Ursua e de ‘o traidor’ Lope de Aguirre. Baseado no relato da viagem, a rota deles não fica clara (SIMON, 1861). É possível que eles tenham subido o rio Negro e pelo Cassiquiare, tenham descido o rio Orinoco. Independente da rota, é relatado que eles passaram gripe pandêmica aos nativos (MYER, 1988). Com estas duas expedições e outras incursões ao baixo rio Amazonas e às cabeceiras dos rios durante a primeira metade do século XVI, ocorreram ocasiões suficientes para as populações nativas terem contato com doenças do Velho Mundo, doenças que provavelmente foram espalhadas pelas frentes europeias e que mataram a maior parte da população durante o primeiro século após contato (DOBYNS, 1993). Muitas coisas já tinham sido mudadas até o relato da viagem de Pedro de Teixeira no período de 1637 a 1639, quase 100 anos depois do Orellana. Já tinham ocorrido tentativas de holandeses, ingleses, irlandeses, e portugueses querendo se estabelecer no baixo rio Amazonas. Guerra, escravidão e missões subjugaram e/ou exterminaram vários grupos 126 É evidente uma diferença entre os relatos de Carvajal e de Acuña. O último, no geral, é menos impressionante. Não menciona algumas coisas nos relatos mais fantásticos de Carvajal como, não fala sobre ‘milhares de guerreiros, estradas muito boas, a melhor porcelana do mundo, e cidades brancas que brilhavam nos barrancos altos de terra firme’. Porém Acuña ainda relata sobre uma multidão de nações com populações habitando densamente as ilhas, a terra firme nos barrancos, os rios secundários e o interior. Acuña disse: “Passam de cento e cinquenta nações, todas de línguas diferentes, tão vastos e povoados são esses caminhos que vimos, conforme depois diremos. Essas nações ficam tão próximas umas das outras, que, em muitas delas, no último povoado de uma se pode ouvir o corte da madeira nos outros…” (ACUÑA, 1994: 95). Amazônia Antropogênica indígenas. Os Jesuítas, que também estabelecerem missões no Alto Amazonas, desceram o rio Amazonas até Belém sob a liderança de dois padres. A expedição do Pedro de Teixeira, ao contrário do Orellana, saiu de Belém e subiu o rio Amazonas até Quito, Equador, e voltou para Belém. Esta viagem foi relatada pelo padre Cristobol de Acuña, que desceu rio abaixo, de Quito até Belém. Eles observaram grandes assentamentos que se estendiam por mais de uma légua ao longo do rio mas não sofreram ataques durante a viagem, porém testemunharam muitas guerras entre grupos indígenas rivais. Onde eles paravam, a população os tratava bem e dava comida em abundancia, até em excesso. Acuña se preocupou em anotar observações sobre a vida cotidiana, agricultura, e manejo de recursos como, a criação de quelônios em lagos artificiais. Quando a expedição chegou ao rio Tapajós, testemunharam os portugueses, atacando e capturando os índios Tapajó para levá-los como escravos para Belém. Durante este período, os portugueses atacaram as colônias inglesas e holandesas, matando-os ou expulsando-os da região. Embora seja possível que Carvajal exagerara ou alguns dos relatos visassem impressionar o rei, como Meggers (1971) alegou, é provável que ao tempo de Acuña as nações indígenas ao longo do rio já tinham sofrido impactos causados por epidemias e guerra, resultando em despovoamento e diversas mudanças politicas e sociais. Devido às epidemias das doenças introduzidas, às guerras e à escravidão, a população indígena caiu drasticamente depois do contato com os europeus (DOBYNS, 1993; HEMMING, 1978). Nos séculos seguintes, a grande maioria dos observadores, viajantes do século XIX, tinham consciência do passado tumultuoso. Os relatos não poderiam ser mais dissimilares aos do Carvajal e Acuña, pois relataram episódios de epidemias, violência, devastação e abandono de terras (DANIEL, 1976). Paul Marcoy lamenta: “Em cada passo há missões e aldeias deterioradas e nações dispersas ou extintas” (MARCOY, 1873:390, traduções pelo autor) e, olhando a água preta do rio Negro, “pode-se supor que um manto de morte fora lançado sobre os ocupantes desta parte do país” (p. 417). Richard Spruce, ao subir o rio Negro, comenta: “o rio Negro poderia ser chamado o rio Morto – Nunca vi uma região tão deserta.“ As missões e povoados estavam vazias ou desaparecidas. Spix e Martius, escrevendo por volta de 1820 sobre a antiga condição dos Jesuítas, entenderam o erro de projetar a presente realidade dos índios sobre aquela do passado, “as condições que testemunhamos explicam o despovoamento que verificamos quase por toda a parte onde estivemos no interior das províncias do Pará e do Rio Negro” (SPIX; MARTIUS, 1976:89). 127 Amazônia Antropogênica As observações dos naturalistas sobre a vegetação e os solos serviram para lembrar o passado dinâmico e reconhecer a correlação entre a vegetação e os assentamentos abandonados ou as roças em desuso. Martius descreveu muitos lugares com “cercas vivas” defensivas de taquaruçu localizadas ao longo do Rio Solimões e próximas das corredeiras no rio Japurá, evidenciando antigas aldeias abandonadas (SPIX; MARTIUS, 1976, p. 232). Os viajantes mencionaram grandes áreas de capoeira em locais de roças abandonadas e a existência de pupunha, urucum, castanha-do-pará, cacau e vegetação de capoeira em áreas de antigos assentamentos associadas ao solo rico e fértil denominado terra preta. Betty Meggers, uma pesquisadora norte-americana proeminente na arqueologia da Amazônia do século XX, não confiou no relato de Carvajal. Argumentou, através dos dados arqueológicos que ela e outros coletaram e analisaram, que a Amazônia era um “paraíso ilusório” sem condições de sustentar sociedades grandes e complexas (MEGGERS, 1971). Meggers e seu marido Clifford Evans realizaram pesquisas arqueológicas na Ilha de Marajó no final dos anos 40, na foz do rio Amazonas (MEGGERS; EVANS, 1957). A região já era conhecida por sítios arqueológicos em aterros, chamados tesos, alguns com mais de 10 m de altura e dezenas de metros de comprimento sobre áreas que ficam alagadas durante a época da cheia. A cerâmica da região era reconhecida por ser decorada com policromia vermelha, branca e preta. Como parecia uma exceção à sua teoria, Meggers propôs que o povo da cultura Marajoara teria vindo da Cordilheira dos Andes e colonizou a Ilha de Marajó. Subsequentemente, de acordo com a teoria da Meggers, a cultura entrou em declínio por causa das condições inóspitas da floresta Amazônica. Pesquisas posteriores feitas por Mário Simões (1969) e Ana Roosevelt (1991), com auxílio de datações radiocarbônicas, serviram como base para interpretações que consideravam que a cultura Marajoara se desenvolveu in-situ e durou em torno de um milênio, do século IV até o século XIV. Ademais, a cerâmica da tradição Policroma, que apresenta as datas mais antigas na Ilha de Marajó, espalhou-se ao longo do rio Amazonas e Solimões e seus principais afluentes, ficando sucessivamente mais recentes ao subir os rios (NEVES, 2006). Pesquisas mais recentes da arqueóloga Denise Schaan (2008) mostraram que, além dos aterros artificiais, o povo da cultura Marajoara modificou o ambiente, construindo paisagens com barragens e lagoas artificiais associadas aos tesos. Na Amazônia boliviana, a região chamada de Llanos de Mojos era conhecida como um lugar de sociedades complexas e também considerada uma anomalia, outra área supostamente colonizada por povos dos Andes (MÉTRAUX, 1948; STEWARD ; FARON, 1959). Os primeiros viajantes daquela região relataram a existência de tesos de ocupação, estradas elevadas e largas e canais. William Denevan (1966) chamou atenção para as paisagens domesticadas nos Mojos ao observar pela janela de um avião as feições na paisagem que incluem as estradas elevadas, canais e grandes áreas de canteiros elevados para cultivo. Por isto fez sua tese de doutorado investigando as feições antrópicas da região. Estudos mais recentes de Clark Erickson e outros detalharam paisagens construídas pelos habitantes para a exploração intensiva dos recursos naturais, inclusive barragens para manejo de peixe (ERICKSON, 1995, 2000, 2001). Os dados etnohistóricos e arqueológicos indicam que as terras baixas da Bolívia foram habitadas e modificadas pelos grupos Amazônicos. 128 Amazônia Antropogênica Outras descobertas ampliaram consideravelmente a área contendo antigas paisagens culturais, sugerindo que sítios onde houve movimentação intensa de terra, produzindo um ambiente construído pelo homem, são comuns na Amazônia (ARNOLD; PRETTOL, 1988; HECKENBERGER et al., 2003; RANZI, 2003; SCHAAN et al., 2008) e em áreas circunvizinhas (IRIARTE, et al., 2004; ROSTAIN, 1991, 2008; SPENCER; REDMOND, 1992, 1998; VERSTEEG, 2008). Pesquisas indicam que, inclusive, nas várzeas do rio Amazonas existem construídos nas paisagens, montículos, canais, barragens, lagos e ilhas artificiais – inclusive os tesos do Marajó (RAFFLES, 2002; SCHAAN, 2004, 2008; SCHMIDT, 2010; SCHMIDT et al., 2014). Pesquisas arqueológicas nas últimas décadas levantaram novas evidências e novas perguntas sobre a civilização que existia na Amazônia antes da conquista europeia e o subsequente genocídio de suas populações. Relatos do século XVIII lamentam uma Amazônia escassa de habitantes depois de 250 anos de tumulto. Porém pistas deixadas no solo, na vegetação e nos vestígios arqueológicos, estão lançando luz sobre o passado esquecido. A existência de inúmeras manchas de terra preta é uma das maiores indicações deste passado e são registros complexos que oferecem uma fonte de conhecimento esperando ser decifrado (GRAHAM, 2006). Os solos de terra preta são um componente importante dos sítios arqueológicos por apresentarem potencial para acrescentar dados sobre as estruturas das sociedades, o uso de recursos e as mudanças ocorridas nos períodos anteriores e posteriores ao contato com os europeus nas comunidades amazônicas (HECKENBERGER et al., 1999; PETERSEN et al., 2001; NEVES et al., 2003, 2004). Da mesma forma, o padrão de distribuição da terra preta em um sítio pode elucidar os processos da sua própria formação. Estudos de pedoarqueologia têm observado uma correlação entre as áreas de atividade de sítioshabitação e as alterações no solo (COOK; HEIZER, 1965; SCUDDER et al., 1996). Alguns estudos têm mostrado como a formação da terra preta pode seguir padrões específicos conforme o padrão de assentamento e as atividades praticadas pelos ameríndios (ERICKSON, 2003; HECHT, 2003; HECHT; POSEY, 1989; HECKENBERGER, 1996; SCHMIDT, 2010; SILVA, 2003, 2009; SILVA; REBELLATO, 2004). Arroyo-Kalin aponta para o fato de “o que parecem ser horizontes nos solos antrópicos da Amazônia, são, na realidade, camadas sedimentais, frequentemente associadas a ocupações humanas específicas no passado, que foram afetadas pelos processos de formação do solo, especialmente pelas atividades dos organismos” (ARROYO-KALIN, 2014: 323, tradução do autor). Estudos micromorfológicos de terra preta mostram que o sedimento escuro consiste de uma matriz de argila com alta densidade de partículas de carvão (cujo tamanho varia do silte à areia muito fina), partículas de ossos, cerâmica, cauixi, argila queimada e grãos de quartzo altamente intemperizados – oriundos do solo original (ARROYO-KALIN, 2014). A fertilidade e resiliência de terra preta a longo prazo são explicadas pela grande quantidade de carvão e rica diversidade de organismos dispersos nele (GLASER et al., 2000; RUIVO et al., 2009; THIES; SUZUKI, 2003; TSAI et al., 2009; WOODS; MCCANN, 1999). Duas categorias principais definem solos antrópicos: solos de terra preta, escuros e geralmente, com abundante cerâmica arqueológica e teores de nutrientes muito 129 Amazônia Antropogênica elevados, associados principalmente a descarte de lixo; e solos de coloração mais clara (terra mulata) com poucos artefatos, mas com grande quantidade de carvão e teores elevados de carbono orgânico, localizados na periferia de assentamentos antigos. Embora eles possam estar relacionados a áreas de transição, também podem estar associados a práticas agrícolas intencionais, que introduziram cinzas, carvão vegetal, e material orgânico nos solos (SOMBROEK, 1966; WOODS; MCCANN, 1999). Estas duas variedades de solo que se diferem não só na cor, mas também na química e que ocorrem em transição em sítios arqueológicos, são um guia para processos gerais de formação relacionadas com as áreas de habitação e de cultivo (FRASER et al., 2011b). Ainda é difícil avaliar os comportamentos sutis que produziram os solos antrópicos, inclusive se alguns são realmente produtos intencionais, subprodutos não intencionais da eliminação de resíduos ou, provavelmente, a mescla de ambos (KERN et al., 2009). ALTO XINGU Pesquisas no Alto Xingu revelaram uma paisagem construída com diversas estruturas de terra e extensas áreas de terra preta. Os primeiros estudos arqueológicos na região mencionaram sítios arqueológicos com grandes valas, estradas retas e mudanças na vegetação visíveis em fotos aéreas (DOLE, 1961/62; SIMÕES, 1967). Robert Carneiro mencionou os “impressionantes vestígios arqueológicos” e levantou a hipótese de que o Alto Xingu já teve, “aldeias bastante grandes, forte liderança política, um certo grau de estratificação social, guerra considerável, e extensas obras de defesa” (CARNEIRO, 1995: 64). Pesquisas arqueológicas de Heckenberger (1996) confirmaram a existência de aldeias grandes e permanentes que ocorrem com frequência na bacia do Alto Xingu e um padrão hierárquico de assentamentos, todos ligados por um sistema de estradas. Em seu trabalho de doutorado foi feito o mapeamento e a caracterização dos sítios antigos e históricos dentro do território da etnia Kuikuro. Ele produziu mapas das estruturas de terra em três sítios, analisou a distribuição de cerâmica na superfície, analisou amostras de solo e fez algumas escavações. Na segunda etapa do trabalho de Heckenberger no Alto Xingu, entre 2002-2005, os objetivos foram o mapeamento e a escavação dos sítios na área de estudo (HECKENBERGER, 2005; HECKENBERGER et al., 2003, 2007, 2008). O mapeamento foi realizado com GPS de alta precisão (Figura 2). Diversos tipos de feições foram mapeados incluindo, principalmente, as valas e os montículos lineares que definiam praças e estradas. Outras estruturas incluíram pontes, barragens, estradas elevadas, represas, poços e lagos artificiais. Exemplos incluem valas de 5 m de profundidade cercando os assentamentos com extensão de 2,5 km; estradas elevadas ou pontes com alguns metros de altura e cerca de 15 m de largura e mais de 100 m de comprimento estendendo-se dentro das áreas alagadas; uma barragem de cerca de 100 m de comprimento servindo como conexão entre duas praças e represando um igarapé criando assim um açude; e várias outras barragens e restingas artificiais usadas para manejo de água e, provavelmente, da vida aquática. 130 Amazônia Antropogênica Figura 2. Mapa de dois sítios arqueológicos no Alto Xingu. Adaptado de Heckenberger et al. (2003). Para responder a questões sobre os processos de formação de solos antrópicos na Amazônia, foi desenvolvido um projeto de pesquisa etnoarqueológica com a comunidade indígena Kuikuro no Alto Xingu, onde foi possível documentar a atual formação de terra preta, observando diretamente os processos que impactam o solo e analisando amostras de solo coletadas nas diferentes áreas de atividade para ver os efeitos em suas propriedades. A pesquisa mostrou padrões na formação de solos antrópicos na aldeia atual, aldeias abandonadas, e grandes sítios datados entre cerca de 800 a 1700 d.C. (SCHMIDT, 2008, 2010a, 2010b; SCHMIDT; HECKENBERGER, 2006, 2009a, 2009b). As pesquisas na aldeia atual demonstraram que a maior parte de terra preta foi formada em lixeiras que criam um padrão de montículos lineares nas margens dos quintais e trilhas que saem da aldeia (Figuras 3 e 4). Análises de solo registraram padrões distintos de enriquecimento de elementos em decorrência de atividades domésticas específicas (Tabela 1). Estes resultados apoiam as hipóteses levantadas por outros pesquisadores de que a maior parte da terra preta foi formada por descarte de resíduos orgânicos em lixeiras em um contexto de habitação, e a terra mulata foi formada com manejo intensivo de solo para cultivos (DENEVAN, 1996; PETERSEN et al., 2001; SMITH, 1879; SMITH, 1980; SOMBROEK, 1966; WOODS; McCANN, 1999). 131 Amazônia Antropogênica Figura 3. Mapa da atual Aldeia Kuikuro mostrando o padrão montículo das lixeiras. Os espaços entre as lixeiras são as trilhas e caminhos. Adaptado de Heckenberger (2005). Figura 4. Lixeiras formam montículos maiores nos locais onde os quintais e as trilhas se encontram. Foto: Morgan Schmidt. 132 Área n pH OC Al Ba Ca g kg-1 Floresta Praça1 Capoeira Fogueira Maniot2 Lixeira Lixeira3 Nokugu4 52 88 44 47 79 46 58 47 4.0 4.6 4.9 6.5 5.5 6.6 5.9 5.9 Co Cr Cu mg kg-1 Fe K g kg-1 mg kg-1 141 106 243 1458 331 752 195 192 29.4 8.2 19.3 7.9 10.8 25.4 26.5 19.3 39.9 42.2 53.4 43.6 33.0 30.9 37.0 29.0 3.8 4.0 7.8 5.8 4.6 17.7 20.8 12.1 192 218 267 613 301 3651 2369 811 5.0 6.4 7.4 7.0 6.7 4.1 5.5 6.9 81 79 88 68 73 67 84 85 3.4 1.5 2.9 4.2 4.7 7.2 6.4 5.4 27.1 22.5 22.9 20.5 19.5 17.5 21.6 29.1 Mn Na Ni P Pb Sr Ti V 1.4 3.7 2.6 2.3 2.7 5.5 4.3 7.9 5.0 2.3 5.1 6.2 7.2 24.2 20.3 15.6 3688 2921 3347 2802 2373 1994 3075 3790 100 88 96 85 75 64 80 84 Amazônia Antropogênica Tabela 1. Resultados de pH, carbono orgânico, e teores totais de 20 elementos em amostras de solo das diferentes áreas no Alto Xingu. Amostras oriundas dos níveis superficiais (0-5 e 5-10 cm) da floresta, capoeira, aldeia atual Kuikuro, aldeias históricas e sítio pré-histórico Nokugu. Tabela 1. Continuação Área n Mg Zn mg kg-1 Floresta Praça1 Capoeira Fogueira Maniot2 Lixeira Lixeira3 Nokugu4 52 88 44 47 79 46 58 47 49 32 32 150 82 406 187 121 106 42 71 77 68 225 261 221 229 218 385 435 261 761 356 1163 4.3 5.2 4.6 3.5 5.7 3.0 3.3 4.8 1027 398 435 613 609 3393 2795 1179 11.5 13.4 12.2 15.5 11.7 29.8 20.6 26.5 Obs: 1: área média da praça; 2: área de processamento de mandioca; 3: aldeia histórica; 4: sítio préhistórico. Xinguanos foram observados jogando diversos materiais na lixeira, inclusive cinza e carvão, restos de mandioca, restos de peixe, restos de frutas, folhas, capim, serragem e cerâmica quebrada. Foi registrado, também, o descarte de lixo diferenciado nas áreas de descarte. Observou-se a tendência de jogar certas coisas mais próximas da casa, frequentemente na beira do quintal onde as lixeiras amontoadas são mais altas, como cinza e carvão removido das fogueiras dentro da casa, cerâmica quebrada, e restos de peixe. Outras coisas são jogadas mais longe da casa, frequentemente ao longo das trilhas, como os volumosos resíduos do processamento de mandioca que apodrece e ‘cria bichos’. Isso resulta em uma grande variabilidade no solo nas áreas de descarte e mudanças gradativas nas propriedades do solo e quantidade de cultura material como cerâmica. Algumas das conclusões mais significativas dos estudos etnoarqueológicos nas aldeias dos Kuikuro foram: 1) os grupos de amostras de todas as áreas de atividade mostraram modificações significativas no solo (Figuras 5-7); 2) os solos das lixeiras destacaram-se por apresentar os mais elevados teores do maior número de propriedades (pH, CO, e nutrientes); 3) o solo original é rapidamente misturado com o material da lixeira, demonstrado por teores de Al, Fe, e Ti relativamente alto nos níveis superfícies das lixeiras; 4) as lixeiras afetam as propriedades do solo até uma profundidade considerável, conforme mostrado pelo pH e nutrientes elevados cerca, no mínimo, 1 ou 2 m abaixo da 133 Amazônia Antropogênica lixeira; 5) as lixeiras formam padrões distintos na paisagem, consistindo em montículos lineares ao longo das beiras dos quintais e caminhos. Os montículos mais altos ocorrem nas esquinas das trilhas com os quintais (Figuras 3-4); 6) as áreas das lixeiras, ou áreas de descarte, são aproveitadas para cultivar diversas plantas nos quintais das casas; 7) as áreas de atividade mudam de posição com frequência como, quando árvores frutíferas são plantadas nas lixeiras e mais tarde fornecem sombra para atividades domésticas, ou quando lixeiras são niveladas para a construção de uma casa; 8) o pH, CO e os nutrientes (Ca, Cu, K, Mg, Na, P, Sr, Zn) mostraram uma diminuição nas lixeiras ao longo do tempo, refletido no resultado da análise discriminante com lixeiras mais novas e mais antigas (Figura 9); 9) algumas variáveis, inclusive pH, Ba, Mn e Sr aparecem mais estáveis ao longo do tempo e, então, estão entre os mais eficazes para determinar impactos antrópicos no solo; 10) o descarte de lixo, manejo do solo e cultivo nas áreas periféricas da aldeia formaram solos mais escuros, análogos à terra mulata, com pH, CO e nutrientes elevados, porém muito menos elevados do que as lixeiras; 11) houve impacto significativo em áreas públicas e domésticas com diferenças marcantes nas propriedades do solo, em comparação ao solo das lixeiras e da floresta adjacente (Figuras 5-7); 12) algumas das áreas de atividade mostraram assinaturas de solo distintas, como no caso de fogueiras com teores de K e o pH muito elevados e CO bem reduzido, (porém o K nas fogueiras parece diminuir rapidamente ao longo do tempo (Tabela 1); 13) houve sucesso nas análises discriminantes ao evidenciar que em diferentes grupos de amostras existem assinaturas distintas para vários grupos e outros grupos com bastante sobreposição (Figuras 8-10); 14) certos elementos demonstraram ser melhores para discriminar os grupos, especialmente Ba, pH, Ti, P, V, CO, Fe, Al, Ca e Sr, que foram as dez melhores variáveis em uma análise com amostras de seis áreas de atividade diferentes (Figura 11); 15) alguns elementos analisados, inclusive Cu, Cr, Na, Ni e Pb, demonstraram ser de pouca utilidade para discriminar os grupos por causa da grande variabilidade nos resultados. Figura 5. Distribuição dos dados do pH do solo dos primeiros dois níveis (0-5 e 5-10 cm) em dez áreas diferentes na aldeia Kuikuro e vizinhanças. 134 Amazônia Antropogênica Figura 6. Distribuição dos dados do CO dos primeiros dois níveis (0-5 e 5-10 cm) em dez áreas diferentes na aldeia Kuikuro e vizinhanças. Figura 7. Distribuição dos dados do K dos primeiros dois níveis (0-5 e 5-10 cm) em dez áreas diferentes na aldeia Kuikuro e vizinhanças. 135 Amazônia Antropogênica Figura 8. Plotagem dos resultados de análise discriminante com três grupos: floresta, capoeira e lixeira (aldeia atual). Figura 9. Plotagem dos resultados de análise discriminante com quatro grupos: capoeira, lixeira (aldeia atual), lixeira (aldeia histórica) e a praça média. 136 Amazônia Antropogênica Figura 10. Plotagem dos resultados de análise discriminante com três grupos no sítio pré-histórico Nokugu: Feição 1, área doméstica e lixeira. Figura 11. Plotagem das variáveis (stretched vector plot) em uma análise discriminante com seis grupos na aldeia Kuikuro e vizinhanças. 137 Amazônia Antropogênica Figura 12. Resultados de a) pH, b) carbono orgânico, c) bário total em intervalos de 1 m em um transect de 38 m no sítio Nokugu. As três barras em cada ponto de amostragem são os primeiros 3 níveis de profundidade: esquerda = 0-5 cm, centro = 5-10 cm, direita = 10-20 cm). 138 Amazônia Antropogênica Análises de solo destacaram a diferença marcante entre áreas domésticas e lixeiras nas aldeias contemporâneas e os grandes assentamentos antigos. Amostras de solo coletadas em transects atravessando áreas de habitação mostraram propriedades de solo e teores mais baixos nas áreas domésticas e mais altas nas lixeiras, segundo os elementos tipicamente elevados pelas atividades humanas (Figura 12). Estas observações do padrão de montículos de lixeiras levaram às hipóteses apresentadas sobre a origem do padrão de montículos observados em alguns sítios na Amazônia Central e rio Trombetas. Em 2013, para dar continuidade à pesquisa, amostras provenientes do Alto Xingu foram analisadas nos laboratórios do Embrapa – Rio de Janeiro – para testar o potencial de análises não destrutivas de susceptibilidade magnética (SM) e condutividade elétrica aparente (CEa) utilizando o instrumento KT 10 S/C. As análises do pH e condutividade elétrica (CE) foram realizadas com a utilização dos sensores citados nos métodos. Os Figura 13. Resultados do Alto Xingu das amostras coletadas em perfis (níveis de 10 cm) em dois locais, uma em área de floresta (esquerda) e uma em lixeira na aldeia Kuikuro (direita). a) pH em água; b) CO (g kg-1); c) Ca total (mg kg-1); d) SM; e) CEa; e f) CE. resultados apresentados aqui vêm de dois locais, da floresta e de uma lixeira na aldeia Kuikuro (Figura 13). Os resultados demonstram que existem diferenças marcantes nos perfis da floresta e da lixeira nas medidas de SM, CEa, e CE que refletem o pH do solo e teores de carbono orgânico (CO) e nutrientes. Enquanto o pH do solo varia de 3,7 no primeiro nível (0-10 cm) até 4,6 no Nível 50-60cm na floresta, se mantém acima de 6,0 até 50cm e acima de 139 Amazônia Antropogênica 5,5 de 50cm a 1 m de profundidade na lixeira. O CO é alto apenas no primeiro nível na floresta (25 g kg-1) enquanto se encontra bastante elevado (~20 g kg-1) nos primeiros três níveis da lixeira (0-30 cm) e consistentemente mais alto do que a floresta até 1 m de profundidade. O cálcio é um exemplo do grande contraste nos teores de nutrientes nestas duas áreas com teor máximo de 210 mg kg-1 de Ca total no Nível 0-10cm na floresta, comparada a 2761 mg kg-1 no mesmo nível da lixeira e teores muito elevados na lixeira até 70 cm de profundidade. Todas as três medidas, SM, CEa e CE, indicam uma diferença entre as duas áreas. Do mesmo modo, a CEa se apresenta elevada na lixeira, em comparação ao nível da floresta, até 30cm de profundidade. Os resultados da CE, entretanto, exibem um padrão diferente, com o primeiro nível da lixeira reduzido em relação à floresta, o segundo nível igual, e a CE bastante elevada na lixeira a partir dos 30 cm de profundidade. Na continuação da pesquisa, os dados serão testados com análises estatísticas de correlação para determinar se existe uma correlação significativa entre dessas medidas e as modificações antropogênicas no solo em relação ao pH e aos teores de CO e nutrientes. AMAZÔNIA CENTRAL O projeto Amazônia Central localizou mais de 100 sítios arqueológicos em uma área de estudo de cerca de 900 km2 na confluência dos rios Negro e Solimões (NEVES 2008; NEVES et al., 2003). A primeira indicação de grandes modificações na paisagem foi no sítio Açutuba onde arqueólogos localizaram uma valeta aparentemente para fins defensivos e montículos de terra preta cercando uma possível praça de grandes dimensões (cerca de 450 por 100 m) (HECKENBERGER et al., 1999). Estudos posteriores identificaram montículos de terra preta em quase todos os sítios pesquisados, onde alguns apresentaram evidência de terem sido construídos (CASTRO, 2009; DONATTI, 2003; MACHADO, 2005; MORAES, 2006; REBELLATO, 2007; REBELLATO et al., 2009). Pesquisas feitas entre 2006 e 2012 em três sítios: Laguinho, Hatahara, e Caldeirão, revelaram um padrão regular de montículos cobrindo uma grande parte dos sítios (CASTRO, 2009; RAPP PY-DANIEL et al., 2011; SCHMIDT, 2010a, 2012a, 2012b; SCHMIDT et al., 2007). Montículos na forma de ferradura cercam terraços planos em fileira ao longo da beira do barranco nos três sítios. Atrás destes estão outros montículos na forma de anel. Depressões nos montículos indicam rotas de movimento entre um terraço e outro (Figuras 14-17). A forma e posição de alguns desses montículos são claramente visíveis em um mapa topográfico do Sítio Laguinho (Figura 18). A superfície das feições apresenta diferenças notáveis entre as áreas planas e os montículos (SCHMIDT 2010a, 2012a, 2012b; SCHMIDT et al. 2007). A superfície dos montículos apresenta coloração mais escura, tem mais vestígios culturais (principalmente fragmentos de cerâmica), solo mais solto e com mais distúrbios provocados pela fauna e flora (bioturbações). Já a superfície das áreas planas tem uma cor mais clara, poucos vestígios culturais, é mais plana, mais compactada, e tem menos bioturbações. 140 Amazônia Antropogênica Escavações realizadas em 2011 no sítio Caldeirão indicaram diferenças marcantes no solo e na distribuição de vestígios, apoiando, assim, as hipóteses levantadas de áreas domésticas nos terraços e áreas de descarte nos montículos (Figuras 19-20). Em contraste com os terraços, onde havia uma camada superficial rasa (de aproximadamente 20 cm) de terra escura e poucos vestígios, as unidades de escavação nos montículos revelaram uma camada espessa de terra preta com uma quantidade maior de carvão e material cerâmico. Nos terraços, entre 20 e 30cm de profundidade, encontraram-se feições indicativas de construções e atividades domésticas que consistem em possíveis marcas de esteios, buracos de lixo, evidências de fogueiras, e concentrações de fragmentos de cerâmica e carvões. Estas observações indicam similaridade com as já mencionadas no do Alto Xingu. Amostras de solo coletadas em escavações nos sítios Caldeirão e Hatahara serão analisadas em breve na continuação do projeto. Um sistema de caminhos serviu para a circulação da população do assentamento para cima e para baixo do barranco íngreme que desce para o rio (Figuras 16-17). Nos três sítios estudados, os caminhos formaram uma depressão claramente visível até hoje nos lugares onde havia subidas e descidas íngremes. A forma deles e seu processo de formação são similares aos observados no Alto Xingu e na Costa Rica por Payson Sheets (2009). A hipótese levantada é de que as depressões lineares observadas nos sítios foram formadas durante séculos pela circulação de pessoas em trilhas ou caminhos, paralelamente à ação da erosão causada pela água da chuva que corre pelas trilhas, Figura 14. Desenho esquemático dos montículos no sítio Laguinho. Por Carlos Barbosa e Morgan Schmidt. 141 Amazônia Antropogênica Figura 15. Mapa em 3D de um dos terraços no sítio Laguinho. Por Marcos Brito e Morgan Schmidt. Figura 16. Mapa parcial das feições topográficas no sítio Laguinho. Por Morgan Schmidt. Figura 17. Maquete esquemática das transformações na paisagem no sítio Laguinho. Algumas feições são representadas com linhas curvilíneas representando montículos (lixeiras) e as setas caminhos. Por Morgan Schmidt. 142 Amazônia Antropogênica Figura 18. Mapa topográfico do Sítio Laguinho. Autor: Marcos Brito (CASTRO, 2009). Figura 19. Escavação 4 (3x15 m) na área plana (prof. 30 cm), sítio Caldeirão. Foto: Morgan Schmidt. 143 Amazônia Antropogênica Figura 20. Escavação1 (1x2 m) no montículo (prof. 120 cm), sítio Caldeirão. Foto: Morgan Schmidt. 144 Os caminhos chegam à beira da água em “portos” que consistem de lagos artificiais escavados e conectados com canais. Observações e escavações realizadas em caminhos nos sítios Caldeirão e Cipoal do Araticum (Trombetas-PA) revelaram que suas depressões são frequentemente preenchidas com terra preta profunda com grandes concentrações de material arqueológico (principalmente fragmentos de cerâmica com alguns artefatos líticos). Os terraços, montículos e solo modificado junto com os caminhos, lagoas e canais na várzea indicam ambientes nestes três sítios profundamente transformados pelas ocupações do passado contribuindo assim para uma Amazônia antropogênica. Amazônia Antropogênica principalmente em lugares mais íngremes (SCHMIDT, 2010, 2012a, 2012b; SCHMIDT et al., 2007). Caminhos descendo e subindo os barrancos também foram mencionados por Carvajal (MEDINA, 1934). Alguns desses caminhos estão ainda hoje em uso pela população atual. BAIXO RIO TROMBETAS O Projeto Arqueológico Porto Trombetas, coordenado por Vera Guapindaia do Museu Paraense Emílio Goeldi, atuou de 2001 a 2011 na região do baixo rio Trombetas/ Baixo Amazonas próximo da vila industrial de Porto Trombetas e da cidade de Terra Santa (GUAPINDAIA, 2008). O projeto investigou sítios próximos das margens do rio Trombetas e na área interfluvial Trombetas/Nhamundá, caracterizada por floresta contínua, nascentes de igarapés e platôs, situados entre o rio Trombetas e o Lago Sapucuá na várzea do baixo rio Amazonas (Figura 21). Figura 21. Mapa dos sítios arqueológicos localizados na área de estudo na região do baixo rio Trombetas. Mapa de João Aires. 145 Amazônia Antropogênica As pesquisas descobriram feições nas paisagens arqueológicas similares às do Alto Xingu, Amazônia Central e de outras áreas dos neotrópicos (SCHMIDT, 2010a; SCHMIDT et al., 2008). No sítio Terra Preta, na margem do Lago Batata, na várzea, planície de inundação do rio Trombetas, foi feito um levantamento topográfico detalhado em duas áreas do sítio. Como o sítio está localizado em uma descida para o lago, foi detectada uma “escada” de vários terraços largos e planos subindo o declive. Um antigo caminho de acesso para a praia do lago foi registrado. Em vários pontos foram observados montículos pequenos (< 1 m de altura) na forma de “palco” com um degrau sempre no lado oeste. No mapa topográfico observou-se que o chão é sempre plano em uma área circular ao redor dos montículos, dando impressão de uma pequena praça ou, possivelmente, lugar de casa ou outra estrutura. A variabilidade na profundidade de terra preta e a concentração de artefatos observadas em campo sugerem a presença de terraços e lixeiras como nos sítios do Alto Xingu e Amazônia Central. Em três outros sítios: Greig I, Greig II, e Cipoal do Araticum, na área dos platôs entre os rios Trombetas e Nhamundá (Figura 22), foram localizados terraços planos ovoides com montículos em volta na forma de anel de terra preta, situados nas áreas centrais dos sítios ou nas descidas para os igarapés (Figura 23). Parecem com as feições localizadas no Alto Xingu, na Amazônia Central e, provavelmente, o mesmo tipo de feição a que Nimuendaju (1949) se referiu na região do rio Tapajós. Foram feitas escavações em dois sítios (Greig I e Cipoal do Araticum) para verificar a diferença entre os espaços planos e os montículos, testando a hipótese da área doméstica associada com lixeiras. Foram realizadas análises de cerâmica, carvão e química do solo nos dois sítios e os resultados apoiam as hipóteses (Figura 24, SCHMIDT 2012a). Foram encontradas depressões, interpretadas como caminhos, similares às do Alto Xingu e Amazônia Central, em lugares íngremes que descem dos sítios para os igarapés ou sobe e desce dos platôs (Figura 25). Um desses caminhos fica na linha entre Greig I e Greig II. No leito dos igarapés adjacentes aos sítios, existem evidências de pequenos lagos artificiais, aonde chegam os caminhos, possivelmente utilizados no passado para banhar ou armazenar peixes ou tartarugas. No sítio Greig I foram localizados montículos anelares em volta de terraços plano ovoides situados na descida para o igarapé (GUAPINDAIA, 2008b). Nos montículos, a superfície apresenta uma cor mais escura e contém mais vestígios (fragmentos de cerâmica) do que a área mais baixa e plana no terraço. Assim, estas feições se parecem com as localizadas no Alto Xingu, na Amazônia Central e, novamente, com o mesmo tipo de feição que Nimuendaju (1949: 104) se referiu (“um número de convexidades de alguns metros de diâmetro cada uma”) na região do rio Tapajós. Um dos montículos cercando um terraço plano foi submetido a escavações intensas no sítio Greig I em 2007, para testar a hipótese de que esta área seria um local de estrutura com áreas de descarte associadas (GUAPINDAIA, 2008b). Uma trincheira de 2 x 26 m foi aberta no sentido do declive e outra de 1 x 9 m foi feita transversalmente a ela, formando um “T”. As trincheiras foram escavadas em unidades de 1 m2. A trincheira maior se estendeu do meio da área plana e atravessou o montículo do lado de baixo do declive. A trincheira menor foi escavada no meio da área plana ou terraço. 146 Amazônia Antropogênica Figura 22. Localização dos sítios Cipoal do Araticum e Greig I em relação aos platôs, rios, e outros sítios na vizinhança. Mapa de João Aires. 147 Amazônia Antropogênica Figura 23. Montículos, terraços, circulação e unidades de escavação no sítio Cipoal do Araticum. Por Morgan Schmidt. Figura 24. Teor de carbono orgânico (CO) (g/kg) em intervalos de 1 m em um transect de 23 m atravessando um terraço pré-histórico no sítio Greig I. O lado esquerdo é a periferia do terraço e o lado direito é a área plana. As três barras representam três níveis de profundidade: esquerda 5-10 cm, centro 55-60 cm, direita 95-100cm (Unidade 8 não foi analisada). Por Daniel Silva do Carmo Santos e Morgan Schmidt. As observações no campo durante a escavação e os resultados das análises no laboratório apoiaram a hipótese. As escavações no sítio Greig I indicaram que provavelmente o terraço foi o local de uma estrutura, e o montículo em forma de anel era o local onde o lixo era descartado ao redor dela. Na área plana não havia depósitos de terra preta, nem de material cerâmico, mas havia feições indicando marcas de esteio. Na margem do terraço identificouse um declive, onde existia um pacote com aproximadamente um metro de terra preta e muitos vestígios. Da mesma maneira, a trincheira de 9 m não tinha depósitos de terra preta ou cerâmica, porém havia várias feições de prováveis marcas de esteio. 148 Amazônia Antropogênica Figura 25. Mapa do sítio Cipoal do Araticum mostrando os caminhos pré-históricos (linhas retas), montículos e terraços (linhas pretas), e igarapés que definam a área do sítio. Por Morgan Schmidt. Depressões similares às encontrados no Alto Xingu, Amazônia Central e demais locais, interpretadas como caminhos foram localizadas e mapeadas com GPS nos sítios Greig I, Greig II e Cipoal do Araticum. Duas depressões bem definidas começam próximo da parte central do sítio Greig I, onde está a maior espessura de terra preta, e descem em declive para o igarapé. Descendo um pouco o igarapé, foi localizado um cruzamento onde a depressão desce o barranco em um lado e sobe o barranco no outro lado, de maneira que deixa poucas dúvidas sobre sua origem antrópica. Essas depressões são resultado de trilhas e caminhos concomitantemente com o escoamento da água das chuvas. Na área do igarapé onde terminam essas depressões, foram observados lugares planos e circulares em seu leito com as beiras formando curvas em forma de arcos simétricos. Alguns desses espaços circulares parecem estar situados lado a lado ao longo do leito do igarapé. É de se supor que estas feições são lugares onde foram escavados poços pela população pretérita do sítio, para realizar várias atividades, tais como obter água, tomar banho, lavar ou até manejar a vida aquática. É possível que usassem essas piscinas artificiais para armazenar peixes e/ ou quelônios, como foi relatado por Carvajal e pelo cronista espanhol Cristobal de Acuña. No sítio Greig II foram definidos caminhos a partir da observação de grandes depressões que descem do platô para as nascentes dos igarapés (GUAPINDAIA, 2008; SCHMIDT et al., 2008). Duas dessas depressões originadas próximas à parte central do sítio são especialmente desenvolvidas. Outros possíveis caminhos foram localizados em diversos pontos do platô, nem sempre, mas geralmente aproveitando as descidas naturalmente menos íngremes. No entanto foi localizado no lado nordeste algumas depressões paralelas que descem o platô em lugar bem íngreme, ou seja, os viajantes cujos passos formaram essas depressões não aproveitavam este local por ser de fácil acesso. Quando 149 Amazônia Antropogênica essas depressões foram plotadas no mapa, observamos que conectam em linha reta os sítios Greig I e Greig II. Essas depressões, que descem na direção de onde nasce o igarapé próximo ao sítio Greig I, portanto, são rotas de acesso para outro sítio. Na área das nascentes na base do platô a sudeste do sítio Greig II, aonde chega um dos caminhos, foram percebidas formas circulares no leito do igarapé conforme as descritas acima para o sítio Greig I. Na parte central do sítio Cipoal do Araticum, existe uma área relativamente plana entre os três igarapés (Figura 25). Existe bastante variação na espessura da camada antrópica e a densidade de vestígios culturais. Durante as atividades de prospecção e escavação, percebemos que essa área central, além de ser relativamente plana em relação às descidas mais íngremes ao redor, apresenta variações no relevo, pequenas ondulações e montículos. Após a limpeza de algumas áreas, foi percebida a existência de um padrão que consistia em alguns montículos organizados quase sempre de forma curvilínea ou circular. As feições consistem de áreas planas, cercadas por montículos, depressões circulares e áreas circulares planas e elevadas. Esse padrão lembra feições similares já mapeadas no Alto Xingu (nos assentamentos antigos e nas aldeias Xinguanas contemporâneas) e no baixo rio Solimões. Foram mapeadas várias feições topográficas na parte central do sítio onde, de modo geral, ocorre a maior profundidade de terra preta e a maior concentração de vestígios arqueológicos. Estas feições foram muito difíceis de definir devido à floresta de cipó ser extremamente densa. Somente a limpeza de parte da vegetação permitiu a visualização e mapeamento das feições. Por isso, um grande esforço foi necessário para limpar áreas substantivas do sítio. As primeiras feições a serem detectadas no sítio foram grandes depressões principalmente em áreas inclinadas. Uma das feições mais visíveis sai da parte central do sítio onde a topografia é relativamente plana. Esta depressão se inicia ao lado leste de um grande montículo semicircular com aproximadamente 100 m de diâmetro e desce para o sul, terminando próximo do igarapé Cipoal. A área mais plana, na parte central do sítio, consiste de várias áreas planas e circulares. Estas feições são mais bem percebidas quando se realiza o mapeamento topográfico detalhado com o equipamento de topografia (estação total), como foi feito na parte central do sítio. As áreas planas tornam-se visíveis no mapa onde as curvas de nível encontram-se mais espaçadas. Em alguns casos, depressões circulares e montículos também estão visíveis. Em muitos casos, observam-se claramente nas curvas de nível as grandes depressões que descem o declive para o igarapé. As maiores feições destacamse nos mapas com curvas de nível e em 3D utilizando os dados da topografia. Em vários pontos do montículo maior e em alguns menores é possível distinguir partes estreitas mais baixas ou ausência de elevação. Estes foram interpretados como áreas de circulação internas, ou seja, antigas trilhas. Onde o terreno apresenta declive mais íngreme, encontram-se depressões que descem até os igarapés. Registramos um total de 30 depressões distintas partindo em torno da parte central do sítio e descendo para os igarapés. Algumas são mais compridas, estendendo-se do igarapé até a parte mais plana na área central do sítio, e outras são curtas, aparecendo apenas nos barrancos próximos aos igarapés ou formando bifurcações que cruzam com outras maiores. O maior número destas depressões (n=13) foi encontrado no lado norte do sítio descendo para o igarapé 150 Cada uma das depressões foi descrita com medidas de largura e profundidade em dois ou três pontos ao longo da descida. A largura das depressões varia entre aproximadamente 4,4 e 15 m, com uma média de 9,8 m. As depressões começam rasas em cima, próximas da parte central do sítio e vão ficando mais profundas na medida em que se aproximam dos igarapés. De maneira geral, as depressões são mais profundas onde o declive é mais íngreme, chegando a mais de um metro em muitos casos. As medidas indicam uma profundidade de 25 a 40cm na parte superior onde começam a ser visíveis. As partes mais inferiores variam entre aproximadamente 60cm até mais de 2 m de profundidade. O comprimento das depressões varia entre menos de 20 m a mais de 100 m. O mapeamento das depressões foi feito com GPS, coletando pontos ao longo delas. Observa-se que todas as depressões partem do sítio em direção aos igarapés. Amazônia Antropogênica Tucumã. Sete foram registradas no lado sul do sítio descendo para o igarapé Cipoal. Existem, também, depressões em cada um dos divisores de água (ridges) que descem até o cruzamento do Tucumã com o Araticum e do Cipoal com o Araticum. Análises laboratoriais do material coletado no sítio Cipoal do Araticum reforçaram as observações feitas em campo e apoiam as hipóteses. As análises das amostras de cerâmica, carvão e solo oferecem três linhas de evidência distintas para testar as hipóteses propostas. Os resultados fornecem novos dados a serem aplicados aos modelos de formação de solos antrópicos na Amazônia. Os resultados das análises da cerâmica, do carvão e do pH, CO e nutrientes do solo revelaram, de maneira geral, padrões muito similares entre si, ficando dentro das expectativas (Figura 26). As diferenças entre as áreas planas e os montículos são marcantes. Nas escavações dos montículos encontrou-se maior quantidade de cerâmica e carvão e valores de pH elevados. As quantidades de cerâmica e carvão e os valores elevados de pH alcançam níveis mais profundos. Estes dados apoiam a hipótese de que os montículos eram áreas de descarte, onde os resíduos orgânicos e objetos cerâmicos e líticos quebrados eram jogados em um local restrito e amontoavam-se acima do nível do solo original. Por outro lado, as quantidades menores de cerâmica e carvão e sua ausência em níveis mais profundos e os valores mais baixos de pH do solo nas áreas planas apoiam a hipótese de que essas áreas eram espaços de atividades domésticas cotidianas. Do mesmo modo que as amostras provenientes do Alto Xingu, uma seleção de amostras do Sítio Cipoal do Araticum foi analisada nos laboratórios do Embrapa – Rio de Janeiro – para testar o potencial de análises de SM, CEa, e CE e diferenciar solos hipoteticamente provenientes de áreas de atividades distintas, que causaram impactos desiguais nas propriedades químicas do solo. Como é evidente nos resultados dos perfis das Escavações 35 e 36 (Figura 27), mais uma vez, os resultados mostraram diferenças surpreendentes entre as duas áreas. As medidas elevadas de SM e CEa na Quad. 36 em comparação a Quad. 35 refletem, em grande medida, os teores de P e outros nutrientes. Neste caso, porém, as medidas de CE não apresentam diferenças tão óbvias. A CE esta um pouco mais alta no primeiro nível do terraço ou área plana, enquanto o segundo nível apresenta uma CE quase dobrada no montículo. As diferenças na CE abaixo de 20cm não são muito marcantes. Com estes resultados preliminares, parece certo que existe uma forte correlação entre modificações antropogênicas no solo (especificamente na forma de cargas elevadas de nutrientes, teores mais altos de CO e uma acidez reduzida) e as medidas de SM, CEa, e CE. 151 Amazônia Antropogênica Figura 26. Resultados do sítio Cipoal do Araticum das amostras coletadas em perfis (níveis de 10 cm) em duas escavações, num Terraço (Esc. 35 - Esquerda) e num montículo (Esc. 36 - Direita). a) Peso de cerâmica (g); b) peso de carvão (g); c) pH em água; d) carbono orgânico (g kg-1); e) manganês (mg kg-1); f) cobre (mg kg-1). Figura 27. Resultados do sítio Cipoal do Araticum das amostras coletadas em perfis (níveis de 10 cm) em duas escavações, num Terraço (Esc. 35 - esquerda) e num montículo (Esc. 36 - direita). a) pH do solo; b) fósforo (mg kg-1); c) ferro (mg kg-1); d) susceptibilidade magnética; e) condutividade elétrica aparente; f) condutividade elétrica. 152 Na região da Serra dos Carajás, o Subprojeto de Pedoarqueologia desenvolvido pelo autor dentro do Projeto Arqueológico Carajás (PACA), coordenado por Marcos Pereira Magalhães, atua em diversos sítios na Serra Norte e na Serra Sul (ver capítulo 5). Atualmente, na Serra Norte trabalhamos apenas em sítios nas terras altas, sobre e nas encostas dos platôs, principalmente em grutas e abrigos, enquanto na Serra Sul, além de sítios em cavidades (abrigados), também trabalhamos em sítios a céu aberto (não abrigados) localizados nas terras baixas. Nos primeiros dois anos do projeto (2013-2014), amostras de sedimentos e de solo foram coletadas em mais de doze sítios abrigados e em dez sítios não abrigados, além de amostras coletadas em outras áreas onde não foram encontrados vestígios arqueológicos, para servir de comparação. Foram realizadas análises de amostras de sedimentos e de solos provenientes de três grutas, um abrigo e seis sítios não abrigados. Aqui são apresentados resultados de dois sítios não abrigados: Boa Esperança II e Mangangá (sopé da Serra Sul); e dois abrigados: Gruta da Lua, no platô N1 (Serra Norte) e Gruta da Capela, no platô S11D (Serra Sul). Amazônia Antropogênica SERRA DOS CARAJÁS Nos estudos das cavidades espera-se revelar, padrões espaciais dos artefatos e propriedades do solo indicando áreas de atividades especificas dentro das grutas e dos abrigos, em algumas maneiras similares aos padrões encontrados em sítios com áreas domésticas em terraços e cercados por montículos de terra preta. Em ambos existiriam, supostamente, áreas de atividades especificas que podem mudar de lugar durante o tempo. Existiriam locais de fogueiras, lugares de lascamento, e lugares de descarte de resíduos. Provavelmente, em certos casos, existiriam áreas para tratar animais, trabalhar com matéria-prima não durável (madeira, cipó), processar comida vegetal e dormir. Um dos sítios, Gruta do N1, na Serra Norte revelou, nas escavações, manchas redondas e escuras no solo que são possivelmente marcas de postes para uma estrutura. A análise dos sedimentos dessas feições será feita para ajudar a testar a hipótese de que sejam marcas de postes. Em um dos sítios de céu aberto, Mangangá, foi identificada uma feição (e possivelmente outras) similar aos terraços descritos nas outras regiões. Isso ficou claro nas observações da topografia e nas escavações na subsuperfície. As pesquisas nestes sítios serão fundamentais para entender toda a gama das condições onde solos foram modificados e quais eram os contextos em que formou a terra preta. Boa Esperança II Boa Esperança II é um sítio não abrigado, localizado em um vale cercado pela serra na margem direita do rio Sossego (Figura 28). Foi o primeiro sítio de caçadorescoletores em área aberta encontrada na bacia do rio Parauapebas –tributário do rio Itacaiúnas (MAGALHAES et al., 2013). O local foi sede de uma fazenda implantada nos anos 70, quando extensas áreas foram desmatadas e queimadas para introduzir pastagem. No sítio, há evidências da casa e de dois locais de curral para gado. Foi construída uma pequena barragem de pedregulhos no rio Sossego, para criar um remanso de água profunda. A água cobriu alguns polidores e afiadores que existem nas rochas na margem do rio. 153 Amazônia Antropogênica Figura 28. Vista do sítio Boa Esperança II (indicado pela seta). Foto: Morgan Schmidt. Em 2013, quando foi realizada a pesquisa de campo, a vegetação da área do sítio estava em recuperação, com a maior parte composta de capim e com a presença de espécies exóticas como mangueiras, bananeiras, jaqueiras e tamarineiros. Foi elaborada uma malha regular de sondagens de 50 x 50 cm) com espaçamento de 10 m. Como resultado das sondagens iniciais foram definidas três áreas de escavação. Em cada área de escavação foram definidos quadrantes de 1 m2 (Área de Escavação 1 ou AE1: 4 m2; AE2: 1 m2; e AE3: 9 m2), que foram escavados segundo níveis artificiais de 5 cm. Amostras de solo foram coletadas das paredes em níveis de 10cm nas sondagens e níveis de 5cm nas escavações (Figura 29). Além da contemporânea, foram encontradas mais duas ocupações, uma mais recente relacionada à Cultura Neotropical (MAGALHÃES, 2005) e outra mais antiga relacionada à Cultura Tropical (MAGALHÃES, 2011). Com isto, este sítio revelou-se de suma relevância para o entendimento do desenvolvimento cultural na região. Há uma ausência notável de solo escuro no sítio, provocando perguntas sobre o impacto sofrido pelo uso da terra para agropecuária nas últimas três décadas. Foi encontrada cerâmica nos níveis superiores e material lítico (instrumentos, lascas e núcleos) de quartzo, sílex e hematita até cerca de 60 cm de profundidade, com as maiores quantidades de vestígios encontrados até 30 cm de profundidade. O local da AE1 foi escolhido por conta de uma ponta de projétil de quartzo leitoso encontrado em uma sondagem em 28cm de profundidade. A partir do primeiro quadrante, a escavação foi ampliada para 4 m2. Isto permitiu a observação de duas feições, evidências de buracos escavados no local, possivelmente buracos de estacas ou poste, visíveis através da ausência da camada de rochas (Figura 30). Duas colunas de solo foram coletadas do perfil oeste e analisadas para determinar se entre as feições havia diferença na química do solo e qual seria a sua natureza antropogênica. A maior diferença entre os dois locais testados ficou evidente nos teores de K que se encontram muito baixos na feição em 154 Amazônia Antropogênica relação ao solo adjacente (Figura 31). Na feição, o teor de K é de 120 mg kg1 no primeiro nível (0-5 cm), varia entre 33 e 48 mg kg1 até 1 m de profundidade e aumenta para 263 e 229 mg kg1 nos últimos dois níveis escavados (40-45 e 45-50 cm). Em comparação, o teor de K no solo adjacente começa com 667 mg kg1 no Nível 0-5 cm, diminui gradualmente até 296 mg kg1 no Nível 15-20 cm, aumenta novamente acima de 600 mg kg1 na profundidade de 40-50cm e diminui para 451 mg kg1 no Nível 55-60 cm, na base da escavação. Exibe também teores de P ligeiramente mais altos no solo adjacente da feição, porém muito menos marcante do que o K e sem o segundo pico mais profundo. Em vez disso, o teor de P diminui de 8 mg kg1 no primeiro nível ate 1 mg kg1 no Nível 25-30cm e continua sendo 1 mg kg1 até a base da escavação. Os teores de Ca e Mg também mostram uma pequena diferença. O Ca, quase igual no primeiro nível (~9 mg kg1), registrou teores consistentemente um pouco mais altos no solo adjacente da feição até o Nível 20-25 cm, enquanto o Mg registrou mais alto apenas nos Níveis 5-10 e 10-15 cm. Contrariamente ao esperado, na feição o pH registrou ligeira elevação nos Níveis 0-5 e 10-15cm em relação ao solo adjacente. De 20 a 50cm de profundidade, o pH é virtualmente igual, porém, na profundidade de 40-50cm foi registrado um pH um pouco mais alto. Finalmente, nos últimos dois níveis (50-60 cm), a medida do pH foi mais baixa (5,9 e 6,0 comparado com 6,4) no perfil da feição. Isso pode ser evidência de que um buraco foi Figura 29. Mapa do sítio Boa Esperança II com a localização das sondagens. Mapa de João Aires. 155 Amazônia Antropogênica escavado no local da feição e preenchido com solo de profundidades superiores. No solo adjacente à feição, possivelmente há uma correlação entre o pH mais baixo no Nível 3 e o teor mais baixo de K no mesmo nível. Os teores de carbono orgânico são virtualmente iguais, com apenas uma diferença no segundo nível onde é mais alto no solo adjacente à feição. Ainda não há resultados de SM, CEa e CE para compararmos os dois locais, há apenas o da feição (Quadrante 1.3 - Figura 32). Então esses resultados serão apresentados futuramente. A Área 2 foi definida em virtude da sondagem no local revelar a maior quantidade de fragmentos de cerâmica e artefatos líticos entre todas as sondagens. Foi encontrado bastante material arqueológico no quadrante escavado ao lado da sondagem (Figura 33). O perfil revelou indicações de distúrbio aproximadamente nos primeiros 10cm abaixo da superfície (Figura 34). Isso era evidente na superfície do local onde tinha um pequeno monte linear de terra adjacente ao quadrante, o bota fora de um trator que passou para abrir um acesso e acabou removendo os primeiros 5 ou 10cm de solo na área do quadrante. Abaixo disso há uma camada fina, escura, rica em carvão, possível evidência de corte e queima da floresta quando a fazenda foi implantada. O material arqueológico começa a aparecer imediatamente abaixo desta camada. No Nível 10-20cm do Quadrante 2, há um pico de P bem em cima (13 mg kg1) dos demais resultados, possivelmente devido a essa camada ser rica em carvão. O perfil do Quadrante 2 mostrou teores de K mais alto que os da feição no Quadrante 1.3 e o perfil do Quadrante 3, porém, bem mais baixo do que no Quadrante 1.4. Figura 30. Perfil oeste dos Quadrantes 1.3 (direita) e 1.4 (esquerda) após da coleta de solo. A coleta do Quadrante 1.3 passa dentro duma feição com ausência de pedras. Foto: Morgan Schmidt. 156 Amazônia Antropogênica Figura 31 Resultados do sítio Boa Esperança II das amostras coletadas em quatro perfis (níveis de 5 cm) em três escavações, de esquerda para direita. Quadrante 1.3, 1.4, 2 e 3. A) pH em água; B) carbono orgânico (g kg-1); C) fósforo (mg kg-1); D) potássio (mg kg-1); E) cálcio (mg kg-1); e F) magnésio (mg kg-1). Figura 32. Resultados do sítio Boa Esperança II de perfis em três Quadrantes (níveis de 5 cm), de esquerda para direita, Quadrante 1.3, 2 e 3. A) pH do solo; B) susceptibilidade magnética; C) condutividade elétrica aparente; e D) condutividade elétrica. 157 Amazônia Antropogênica Figura 33. Escavação na AE2 em andamento. A sondagem fica adjacente. Foto: Morgan Schmidt. Figura 34. Perfil leste da AE2 com fragmentos de cerâmica visíveis de baixo de uma lente de carvão concentrado. Foto: Morgan Schmidt. 158 Amazônia Antropogênica A Quadrante 3 foi definido em um local onde havia uma quantidade relativamente grande de cerâmica e lítico em uma sondagem. A escavação que atingiu a profundidade de 40cm revelou uma provável estrutura de pedras repleta de evidências de queima na forma de cinza, carvão e artefatos com marcas de queima e revestidos de cinza e carvão. Evidência na química do solo apoia esta hipótese na forma dos teores de Ca elevados acima dos outros locais em todos os níveis até 40 cm. Além disto, os valores de pH são consistentemente altos em todos os níveis. Os teores de CO mais baixos neste perfil também apoiam a hipótese de uma área de queima ou grande fogueira no local. Porém os valores de outros indicadores de deposição de cinza como K e Mg não se mostraram elevados em comparação aos outros locais analisados. Uma possibilidade é de que já passou suficiente tempo para ter a perda do K e Mg com a lixiviação e/ou que os altos níveis de Ca vêm de outra fonte, por exemplo, ossos dentro da fogueira. Foi observada semelhança com estruturas para cozinhar, que consiste de uma área com alguns metros de diâmetro composta de pedras, cujo uso foi registrado etnograficamente por grupos indígenas. As questões das diferenças na química do solo nos locais destes quatro perfis e o suposto uso do espaço diferenciado no sítio serão abordadas na continuação da pesquisa com a análise dos resultados das sondagens, locais externos, e outros sítios; com a avaliação dos resultados dos elementos totais; com a análise de mais amostras coletadas diretamente nas camadas que foram definidas pela estratigrafia (em vez de coletar em níveis artificias de 10 cm); e com a correlação dos dados do solo com os dados do material arqueológico coletado. Os resultados das sondagens, áreas externas e outros sítios servirão para colocá-los em contexto e determinar se há outras áreas diferenciadas no sítio. A avaliação dos dados dos elementos totais ajudará na caracterização do solo e iluminará o comportamento dos nutrientes no solo quando comparados com os teores dos mesmos elementos trocáveis. A análise das amostras das camadas pode, por exemplo, determinar se o pico de P observado na AE2 é realmente devido à camada rica em carvão. Finalmente, a integração dos dados do solo com os dados dos vestígios arqueológicos coletados será mais eficaz do que os dados de solo poderiam fazer sozinhos, especialmente em revelar as áreas de uso diferenciado no sítio. Mangangá O Mangangá é um sítio arqueológico não abrigado localizado nas terras baixas em um vale e na margem direita do rio Sossego, onde um igarapé menor deságua. O sítio tem significado especial devido seu grau de preservação. Como está localizado dentro da Floresta Nacional de Carajás (FLONACA), não sofreu os mesmos impactos dos outros sítios estudados pelo projeto nas terras baixas, tais como o Boa Esperança II, por exemplo. Porém, ainda há sinais de uso recentes do local na forma de vegetação antrópica exótica, que inclui, além de pés de cacau domesticado, manga, laranja e café. A vegetação no sítio sugere uma capoeira antiga cercada por mata altamente antropizada. Algumas árvores grandes cortadas no sítio, indicam exploração por madeireiros; e madeira queimada na superfície aponta para a queima recente no local. Observamos também que o sítio continua sendo visitado hoje em dia por caçadores e por coletores de castanha. 159 Amazônia Antropogênica Há uma pequena planície de inundação mais baixa e plana ao longo do rio e terra firme mais alta e relativamente plana entre a curva do rio Sossego e o igarapé. Durante um teste inicial no sítio, amostras de solo foram coletadas em duas sondagens, uma em que ocorreu bastante material arqueológico e outra em que não ocorreu material. Os resultados preliminares demonstraram o potencial de análise de solo no sítio Mangangá para responder a questões sobre o uso do espaço no sítio e a formação do registro arqueológico no local. Resultados das analises químicas do solo das duas sondagens são apresentados nos gráficos (Figura 35) em níveis de 10cm para pH, CO, Al, Ca, K e P. A sondagem sem material (gráfico na esquerda) atingiu 40cm e a sondagem com material atingiu 50cm de profundidade. A diferença do pH do solo nas duas sondagens é marcante com 5.0 no nível 0-10cm e menos de 5 até 40cm na sondagem sem material, enquanto quase atinge 6 em todos os níveis da sondagem com material. Uma diferença de 1 ponto é grande, considerando que a escala de pH é logarítmica. O teor de carbono orgânico (CO) revelouse mais alto na sondagem com material em todos os níveis de profundidade. Na sondagem sem material registraram-se teores abaixo dos limites de detecção a partir do nível 10-20 cm, enquanto que na sondagem com material há um pico de CO no nível 30-40 cm. Isto indica, possivelmente, uma quantidade razoável de carvão depositado no local, neste nível. O teor de alumínio trocável é menos elevado na sondagem com material, nos níveis 10-20 e 20-30 cm. Esse resultado era esperado desde que os dados do Alto Xingu demonstraram que teores de alumínio e outros elementos abundantes no solo são reduzidos nas lixeiras das aldeias Kuikuro e na terra preta dos sítios de ocupações mais antigas. As pesquisas mostram que tanto Al trocável quanto Al total são reduzidos. A adição de matéria orgânica ou aumento de pH de um solo ácido, tem efeito de reduzir Al em solução e aumentar a absorção de cátions, assim aumentando a fertilidade e reduzindo a toxicidade do Al. É o resultado do Ca que, com o pH, mais destaca a diferença na química do solo entre as duas sondagens. Houve um enriquecimento significativo de Ca no local da sondagem com material. O resultado do K indica teores um pouco mais elevados na profundidade de 20 a 40cm na sondagem sem material e possivelmente na profundidade de 0 a 20cm e 40 a 50cm na sondagem com material. O Fósforo apresentou um pico no nível 10-20cm e teores elevados na profundidade de 30 a 50 cm na sondagem com material. Estes resultados indicam que houve deposição de quantidades significativas de materiais orgânicos e/ou cinza no local da sondagem com material. Após estes testes preliminares, foi realizado uma etapa de campo no sítio Mangangá em janeiro de 2015 para investigar o sítio e determinar a extensão dele. Transects de sondagens foram realizadas para determinar a distribuição de material arqueológico ao longo do sítio (Figura 36). A coleta de solo foi feita em todas as sondagens em níveis de 5 ou 10cm de profundidade. As sondagens revelaram que os vestígios arqueológicos são mais abundantes na terra mais alta relativamente plana e nas descidas desta terra firme para o igarapé em baixo. Do mesmo modo, os solos de coloração mais escura foram encontrados nestas áreas onde ocorre maiores concentrações de material. Mais em baixo, na planície de inundação, o material arqueológico é presente, porém menos abundante, e há ausência de solo escuro. 160 Amazônia Antropogênica Figura 35. Resultados do sítio Mangangá das amostras coletadas em perfis (níveis de 10 cm) em duas sondagens na área periférica (esquerda) e na área central (direita) do sítio. A) pH em água; B) carbono orgânico (g kg-1); C) alumínio (mg kg-1); D) cálcio (mg kg-1); E) potássio (mg kg-1); e F) fósforo (mg kg-1). Obs.: O nível 5 (40-50 cm) na área periférica não foi escavado. Foram localizadas feições similares às encontradas nos sítios Greig I e Cipoal do Araticum na região do baixo rio Trombetas que consistem em alguns possíveis terraços planos cercados por áreas de descarte e caminhos que descem para o igarapé. Uma dessas feições foi localizada onde o terreno sobe do igarapé e começa a aplainar. Consiste de uma área plana ou terraço de forma ovoide de aproximadamente 35 m de comprimento 20 m de largura. A borda da área plana é a descida para o igarapé nos lados leste e sul e encontra-se plana nos lados norte e oeste. As sondagens revelaram um registro de acordo com o esperado após a definição da feição baseada na topografia. O terraço e depósitos associados de terra preta e material arqueológico ao redor foram bem definidos com uma malha de sondagens em intervalos de 10 m. Duas sondagens (N970 L990, e N980 L990) estão localizadas próximas ao centro do terraço que não apresentou material arqueológico e há ausência de solo escuro. As sondagens ao redor deste terraço apresentaram diferenças marcantes indicando uma larga área de descarte ao redor do terraço, que se estende ao longo da descida para o igarapé no lado nordeste e encontra-se amontoado em um montículo baixo, de aproximadamente 30 cm de altura, onde se forma uma subida abrupta no lado sudeste. As sondagens, a cada dez metros, revelaram uma ausência de terra preta e material arqueológico no terraço e um gradual aumento na profundidade de solo escuro e quantidade de material ao sair do terraço para as periferias do espaço plano, até chegar onde os depósitos de solo escuro com abundante material arqueológico chega a 40 ou 50 cm de profundidade, há aproximadamente 10 m do centro do terraço (Sondagem N960 L990 no lado sul do terraço, Sondagens N970-990 L970 no lado oeste, Sondagens N980 L1000-1020 no lado oeste) (Figura 37). Foi identificada evidência da existência de dois caminhos antigos (depressões lineares) que descem da área do terraço para o igarapé. 161 Amazônia Antropogênica Figura 36. Mapa das sondagens do sítio Mangangá com a área da feição marcada. Mapa: Carlos Barbosa e Amauri Matos. A pesquisa no sítio Mangangá esta em andamento com planos de completar a malha de sondagens e abrir algumas escavações mais amplas. As amostras de solo e material arqueológico serão analisados para testar a hipótese de uma estrutura no terraço e determinar se há mais destas feições no sítio. 162 Amazônia Antropogênica Figura 37. Sondagem (N990 L970), detalhe do material arqueológico. Foto: Morgan Schmidt. Gruta da Lua A Gruta da Lua (PA-AT-339) está localizada na Serra Norte no Platô N1 (Figura 38). Em 2013 foram feitos mapeamento e escavações (Figura 39). Esta gruta apresentou algum material cerâmico e lítico espalhado na superfície, principalmente na área onde recebe iluminação. Apesar da quantidade razoável de material arqueológico na superfície, a gruta teve baixa densidade de material em subsuperfície. O trabalho de escavação foi feito na estação chuvosa, dando a oportunidade de testemunhar as condições dentro da gruta durante chuvas fortes. Hoje em dia, uma forte chuva cria um “igarapé” que passa pelo interior da gruta. A água corrente e numerosas goteiras deixam poucos espaços secos dentro dela. Esta infiltração de água, que é presente na maioria das grutas da região, entra no sedimento provocando lixiviação e, às vezes, o sedimento fica encharcado, principalmente nos níveis próximos da rocha base. Dos processos de formação do solo dentro das cavernas, existem vários fatores que afetam a distribuição de nutrientes após sua deposição. Primeiro, muitas cavidades têm forte presença de morcegos, os quais ficam depositando guano na superfície do solo sob onde eles ficam concentrados. O guano contém grandes quantidades de carbono (matéria orgânica), nitrogênio e fósforo (EMERSON; ROARK, 2007). Estudos em Porto Rico mostraram que o guano também contém quantidades significativas de cálcio e enxofre, e quantidades menores de ferro e magnésio (GILE; CARRERA, 1918). Um dos desafios será separar a influência do guano do impacto causado por atividades humanas. Segundo, a lixiviação ocorre onde a água infiltra no solo através de goteiras ou quando corre dentro da gruta. 163 Amazônia Antropogênica Figura 38. Gruta da Lua (PA-AT-339). Foto: Morgan Schmidt. A lixiviação é a remoção de nutrientes em solução. Os nutrientes são transportados pela água até entrar no lençol freático. No caso de fósforo, por exemplo, são levados para baixo onde então são absorvidos nas superfícies de minerais. Além desses dois fatores, há erosão por onde corre água, resultando no transporte de sedimentos, possivelmente junto com o material arqueológico presente. Por fim, há ainda a bioturbação (a mistura do solo pelos organismos) de animais que cavam até as raízes das plantas que são presentes em quase todas as escavações dentro das grutas. Aqui examinamos resultados de sete variáveis do solo (pH, CO, P, Ca, Mg, K, Al) em oito perfis dento e ao redor a Gruta da Lua (Figuras 40-43). Os locais são: Quadrante 1.1 imediatamente na entrada da gruta no lado de fora; Quadrantes 3.1, 4.1, 4.2, 6.1 e Sondagem 1 dentro da Gruta da Lua, uma coleta dentro da dolina, e uma fora da gruta em um capão (ilha de floresta, ver SANTOS et al. capítulo 4). Um dos perfis foi feito próximo ao centro da dolina em um local com uma manta orgânica profunda. Finalmente, um perfil foi localizado em um capão, cerca de 100 m da gruta. O Quadrante 1.1, localizado no centro da entrada da gruta e situado abaixo do lábio da gruta onde recebe água da chuva, apresentou um pH baixo (4.0 no Nível 0-5cm e abaixo de 4 em tudo perfil) e teores de CO relativamente altos (40 g/kg no Nível 0-5cm e acima de 20 g/kg em todo perfil), comparável com o perfil da dolina e no Capão. Ao mesmo tempo, estes três perfis apresentaram teores baixos de P e Ca e teores mais altos de Al do que nas demais localidades na gruta. Porém, em comparação, os teores de K e Mg foram relativamente altos nestes três locais, provavelmente devido à alta quantidade de matéria orgânica no 164 Amazônia Antropogênica Figura 39. Mapa da Gruta da Lua. Mapa: Carlos Barbosa e Amauri Matos. 165 Amazônia Antropogênica solo. O que estes três locais têm em comum é a localização fora da gruta onde há acumulação de uma camada grossa de liteira (folhas e gravetos) da floresta. Ademais, o Quadrante 1.1 enfrenta erosão e lixiviação acelerada por causa da água que cai no local, o que possivelmente alterou o solo. Os perfis das escavações dentro da gruta se destacam em comparação aos três perfis de fora da gruta, principalmente nos valores elevados do pH, P, Ca e no teor mais baixo de Al. Os Quadrantes 3.1, 4.1, e 4.2 foram escavados dentro da gruta em diferentes distâncias da entrada. O 3.1 era mais próximo seguido pelo 4.1 ainda em área que recebe luz direita do sol. O 4.2, mais distante, era também mais escuro. O Quadrante 6.1 fica dentro da gruta em um anexo seco e escuro e onde apresentou apenas alguns cacos de cerâmica na superfície. Estes quatro perfis apresentaram os maiores teores de P, com o Quadrante 3.1 tendo menos que os outros três. É possível que os altos teores de P em todo o perfil, os baixos teores de Al e os altos teores de K no primeiro nível dos Quadrantes 4.1 e 4.2 sejam devidos à presença de guano. A Sondagem 1, localizada em um anexo seco e escuro próximo da outra entrada da gruta no lado da dolina, apresentou uma grande concentração de cinza e carvão na superfície indicando uma fogueira no local. O Quadrante 6.1 e a sondagem 1 destacam-se pelos teores elevados de Ca e Mg e baixos teores de CO em comparação aos demais perfis, indicativos de fogueiras. Figura 40. Comparação de pH do solo em oito locais dentro e nas proximidades da Gruta da Lua. Esquerda para direita, em cima: Quadrantes 1.1, 3.1, 4.1, 4.2; em baixo: Quadrante 6.1, Sondagem 1, dolina, e fora da gruta. Os níveis são de 5cm de profundidade. *Não escavada: Quadrante 1.1 (Nível 8), 4.1 e 4.2 (Níveis 7 e 8), 6.1 e Sondagem 1 (Nível 8), dolina (Níveis 6-8) e fora da gruta (Níveis 5-8). 166 Amazônia Antropogênica Figura 41. Comparação de CO em 8 locais dentro e nas proximidades da Gruta da Lua. Esquerda para direita, em cima: Quadrantes 1.1, 3.1, 4.1, 4.2; em baixo: Quadrante 6.1, Sondagem 1, dolina, e fora da gruta. Os níveis são de 5cm de profundidade. *Não escavada: Quad. 1.1 (Nível 8), 4.1 e 4.2 (Níveis 7 e 8), 6.1 e Sondagem 1 (Nível 8), dolina (Níveis 6-8) e fora da gruta (Níveis 5-8). Figura 42. Comparação de P em 8 locais dentro e nas proximidades da Gruta da Lua. Esquerda para direita, em cima, Quadrantes 1.1, 3.1, 4.1, 4.2 e, em baixo, Quadrante 6.1, Sondagem 1, dolina, e fora da gruta. Os níveis são de 5cm de profundidade. *Não escavada: Quad. 1.1 (Nível 8), 4.1 e 4.2 (Níveis 7 e 8), 6.1 e Sondagem 1 (Nível 8), dolina (Níveis 6-8) e fora da gruta (Níveis 5-8). 167 Amazônia Antropogênica Figura 43. Comparação de Ca em 8 locais dentro e nas proximidades da Gruta da Lua. Esquerda para direita, em cima, Quadrantes 1.1, 3.1, 4.1, 4.2 e, em baixo, Quadrante 6.1, Sondagem 1, dolina, e fora da gruta. Os níveis são de 5cm de profundidade. *Não escavada: Quad. 1.1 (Nível 8), 4.1 e 4.2 (Níveis 7 e 8), 6.1 e Sondagem 1 (Nível 8), dolina (Níveis 6-8) e fora da gruta (Níveis 5-8). Estes resultados preliminares mostram que existem diferenças marcantes no solo dentro e fora da caverna e variação espacial no solo dentro da caverna. Levantam perguntas sobre o efeito do guano no solo, desde que foi observado um padrão com o aumento de teores dos nutrientes nos lugares mais escuros, justamente onde há maior presença de morcegos e, também, sobre o impacto da erosão e lixiviação causada pela forte presença de água durante enxurradas. O avanço da pesquisa incluirá análises de outras localidades, inclusive do Quadrante 7, na parede lateral da gruta onde deu a maior quantidade de material arqueológico e de um local ao lado da Sondagem 1, adjacente à mancha de carvão, e de uma provável fogueira em um pequeno salão (Anexo) ao lado da Gruta da Lua. Gruta da Capela Este sítio (PA-AT-337: S11D 47/48) é constituído de uma caverna, S11D47 (Gruta da Capela) e um abrigo, S11D48 (Abrigo). A caverna, de aproximadamente 318 m2, está localizada parcialmente em baixo de um brejo, que forma uma cachoeira ao lado da sua entrada em época de chuva (Figuras 44-45). A Gruta da Capela consiste em um salão principal, com entrada bastante iluminada e uma passagem com teto baixo que conduz a um salão amplo e com teto alto, mas escuro. A caverna se estende por baixo do brejo, o que 168 Amazônia Antropogênica Figura 44. Vista do brejo onde estava localizada a Gruta da Capela. A gruta fica ao lado oposto ao brejo (indicado pela seta). Foto: Morgan Schmidt. Figura 45. Entrada da Gruta da Capela. Foto: Morgan Schmidt. 169 Amazônia Antropogênica Figura 46. Planta baixa da Gruta da Capela e Abrigo indicando as escavações arqueológicas. 170 Na gruta foram realizadas escavações em aproximadamente 14 m2 em quatro áreas de escavação no salão principal e quatro sondagens na passagem para o segundo salão no interior da gruta (Figura 46). As áreas de escavação no salão principal ficaram assim distribuídas: Área 1 no sudoeste; Área 2 no sudeste; Área 3 no nordeste e Área 4 no noroeste. Os quadrantes 1.1 e 1.2 foram localizados na lateral oeste em uma área com solo seco, porém com teto baixo. Os quadrantes 1.3-1.5 ficaram junto à parede e próximos à entrada da gruta. A escavação na Área 2 localizou-se em uma posição central na entrada da gruta onde o terreno apresentou um declive para o interior e, assim, a taxa de sedimentação era maior. O quadrante 3.1 foi localizado ao longo do eixo central do salão, onde o terreno começou a ficar nivelado. O Quadrante 3.2 foi feito dois metros mais para dentro, enquanto o Quadrante 3.3 foi escavado junto à parede leste. A escavação na Área 4 foi feito junto à parede oeste. Durante todo o período das escavações ocorreu gotejamento, principalmente nas Áreas 3 e 4. Amazônia Antropogênica contribui para gotejamentos dentro dela, deixando o solo úmido e, em alguns pontos, bem encharcado, principalmente nos níveis inferiores. Havia ainda a presença de morcegos que deixavam resíduos de guano em alguns pontos. É evidente que a taxa de decomposição na caverna é bastante rápida devido ao pouco acúmulo de guano na superfície nestes pontos, não superior a alguns centímetros. Quando examinamos a distribuição de cerâmica recuperada nas escavações, observamos que os quadrantes 1.1, 1.2, 1.5, 4.1 e 4.2 renderam a maior quantidade em termos de número de fragmentos e de peso total (Tabela 2). Estas escavações foram todas localizadas na lateral oeste da gruta, próximo da parede. Por outro lado, o quadrante 3.3, no lado leste também junto à parede, rendeu a menor quantidade de cerâmica por uma margem considerável. A maior parte da cerâmica foi encontrada da superfície até a profundidade de 25 cm, com algumas exceções. Alguns fragmentos foram encontrados em níveis mais profundos (50-100 cm) nos quadrantes 1.5 e 4.2, justamente junto da parede oeste e em escavações onde foram recuperadas mais cerâmicas. Os fragmentos encontrados em profundidades maiores derivaram, provavelmente, de bioturbações, uma vez que, em cavidades, os animais frequentemente escavam buracos perto das paredes. Tabela 2. Quantidade de cerâmica encontrada nas unidades de Escavação na Gruta da Capela. Quadrante 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 2.1 2.2 2.3 3.1 3.2 3.3 4.1 4.2 Número de Fragmentos Peso Total (g) 40 33 14 10 30 24 10 17 46 29 11 51 61 0,341 0,300 0,108 0,142 0,324 0,118 0,200 0,118 0,278 0,152 0,052 0,332 0,444 171 Amazônia Antropogênica Amostras de solo foram coletadas nas escavações, segundo níveis de 5 cm de três maneiras diferentes: 1) durante a escavação em uma bandeja colocada sob a peneira, 2) em uma amostra total de sedimento e 3) após a escavação em uma coluna do perfil. Aqui são apresentados os resultados do laboratório do MPEG em cinco perfis de cinco quadrantes escavados na gruta e um perfil do abrigo. Até o momento não foram analisadas todas as amostras dos perfis, como pode ser visto nos gráficos dos resultados (Figura 47). As amostras já analisadas atingiram as profundidades de 40 cm no Quadrante 1.1, 130 cm no Quadrante 1.2, 50 cm no Quadrante 3.1, 80 cm no Quadrante 3.2 e 120 cm no Quadrante 3.3. Os gráficos mostram os resultados no máximo de 1 m em níveis de 10 cm de profundidade. Os resultados que aqui incluem o pH, CO, P, K, Cu e Fe apresentam algumas diferenças marcantes entre os perfis dos quadrantes analisados. Os quadrantes da Área 1 (1.1 e 1.2), na lateral próxima da entrada onde se encontram as maiores quantidades de cerâmica, destacam-se por terem os valores mais baixos de pH e teores mais altos de CO e P nos primeiros dois níveis, e teores de Al mais baixos. O Quadrante 3.3 apresentou os maiores valores de pH, acima de 4 em todo perfil até 1 m de profundidade, e também os maiores teores de Cu e Fe. Os Quadrantes 3.1 e 3.2 apresentaram um pH maior que Área 1 e os teores de CO indicam um aumento no Quadrante 3.1 entre os níveis 4 e 6 (2030 cm), enquanto P demonstra teores altos nos níveis 2 e 5 (5-10 e 20-25 cm). Os dados de P sugerem teores elevados no Quadrante 3.2 entre Níveis 4 e 7 (15-35 cm). Os teores de K são maiores nos Quadrantes 1.1, 3.1 e 3.2 com um pico alto no Quadrante 3.2, Nível 2 (5-10 cm). O Cu parece ser bastante variável com os maiores teores na Área 1 e Quadrante 3.3. Os maiores teores de Fe foram encontrados nos Quadrantes 3.2 e 3.3. Como o caso da Gruta da Lua, os resultados da Gruta da Capela mostram marcantes variações espaciais nas propriedades do solo. Isto sugere diferentes áreas de atividades humanas, as quais exerceram modificações divergentes nos sedimentos da caverna. As amostras da Gruta da Capela continuarão sendo analisadas para completar os perfis. Análises de granulometria serão realizadas para observar possíveis diferenças no sedimento. Elementos totais também serão analisados para tentar separar os possíveis impactos da lixiviação e do guano da assinatura das atividades humanas. CONCLUSÃO Os diversos sítios analisados demonstraram que existiram variados usos do espaço e com diferentes intensidades. A diversidade de uso também ocorreu dentro do espaço interior dos sítios. Isto gerou diferentes impactos ou modificações no solo. Para cientistas que estudam sítios arqueológicos com solos antrópicos na Amazônia, persiste a questão: como foram formadas as terras pretas? Pesquisas pedoarqueológicas feitas em diversos sítios com contextos geográficos, históricos e culturais distintos, vêm fortalecendo nosso conhecimento sobre a gênese desses solos que transformaram o ambiente nos lugares de habitação, assim contribuindo para a formação de uma Amazônia antropogênica. 172 Amazônia Antropogênica Figura 47. Comparação de elementos em cinco perfis na Gruta da Capela, de cima para baixo. A) pH, B) CO, C) P, D) K, E) Cu. De esquerda para direita: Quads. 1.1, 1.2, 3.1, 3.2, 3.3. Obs.: Faltam dados para as profundidades 40100cm no Quad. 1.1, 50-100cm no Quad. 3.1 e 80-100cm no Quad. 3.2. 173 Amazônia Antropogênica As pesquisas etnoarqueológicas foram fundamentais neste esforço, trazendo observações diretas das atividades cotidianas e seus efeitos no solo, além de informações sobre a intencionalidade e uso desses solos. Mostraram que o solo é alterado por uma gama de contextos com grandes diferenças de impacto nas propriedades químicas e físicas. Uma das conclusões básicas do estudo foi que os depósitos espessos de terra preta se formaram em um contexto de descarte de lixo em áreas especificas (lixeiras) onde potes de cerâmica quebrados, instrumentos líticos e outros objetos foram descartados junto com resíduos orgânicos em grandes quantidades, acabando por ficar amontoados. O deposito de lixo diferenciado nas áreas de descarte resulta em uma grande variabilidade no solo nestas áreas e mudanças gradativas nas propriedades do solo e quantidade de cultura material, como a cerâmica. Assim que o lixo era depositado na área de descarte, os organismos do solo trabalhavam para decompor as matérias orgânicas, criando um solo rico e escuro, comparável ao produzido por compostagem. Os resultados das análises de solo mostraram diferenças marcantes entre áreas domésticas (casas, quintais e áreas de atividades especificas) e áreas de descarte em lixeiras, demonstrado pelos transects atravessando áreas domésticas e lixeiras no Alto Xingu (Figura 12). A percepção dos espaços domésticos delimitados por depósitos em lixeiras nos sítios arqueológicos no Alto Xingu levou à descrição de um padrão de montículos de terra preta em sítios em diversas regiões, inclusive, o baixo rio Solimões (Amazônia Central), baixo rio Trombetas e, posteriormente, na foz do rio Xingu, no rio Urubu (por Helena Lima, Filippo Stampanoni e Marta Cavallini), em Rondônia (por Dirse Kern) e foi primeiramente mencionado por Curt Nimuendaju na região do rio Tapajós. O padrão consiste em espaços planos circulares, denominados terraços, onde estavam as casas, com lixeiras em montículos entre elas, cercando os quintais em arcos ou anéis. Depressões ainda presentes nos montículos apontam áreas de circulação (trilhas e caminhos) nos antigos assentamentos que, por sua vez, interligam diferentes áreas de atividades. Os caminhos são frequentemente associados a diferenças nas propriedades do solo, incluindo a compactação, ausência de terra preta ou preenchimento com material descartado. Acredita-se que alguns terraços foram construídos em áreas em declive, com os antigos moradores escavando para preparar uma área plana para a construção de uma casa. Outros terraços foram localizados em terreno já plano. Assim que esses terraços foram estabelecidos, cercados por seus montículos, transformaram-se em lugares persistentes (persistent places) e uma forma de landesque capital, onde populações sucessivas utilizaram os mesmos terraços, chegando até o presente através de ocupações modernas, como espaços delimitados para construir suas casas e outras atividades. Da mesma forma, trilhas, caminhos e estradas são frequentemente utilizados durante muito tempo e por ocupações sucessivas. Fator que causa impactos significativos sobre os ambientes circundantes, que assim são transformados em paisagens culturais. Os processos de formação de solo, inclusive os organismos, erosão, lixiviação e, às vezes, o uso do solo pelos grupos humanos, resultam, de modo geral, na diminuição dos nutrientes acumulados antropicamente ao longo do tempo. Assim, os depósitos de terra preta existem em função de processos históricos que resultam na deposição 174 Amazônia Antropogênica de lixo durante o tempo. A tendência é para o solo antrópico retornar às condições originais em termos de níveis de matéria orgânica, pH, teores de nutrientes e coloração do solo. Então, podemos deduzir que, quando as lixeiras são amontoadas a alturas baixas, alguns 10´s de centímetros, os processos após abandono vão misturando o material da lixeira com o solo, erodindo-o e lixiviando-o, e a coloração do solo vai clareando durante o tempo com esta mistura e a perda de matéria orgânica e nutrientes. Porém, quando uma lixeira é amontoada a uma altura maior, 50-100+cm (e/ou quando é amontoado mais rápido), a profundidade do material da lixeira (sempre misturado com uma quantidade de solo) é maior, resultando na preservação da terra preta. Além da profundidade do depósito, as quantidades de cinza, carvão e cerâmica são fatores importantes na persistência dos nutrientes e da coloração escura e na preservação da terra preta e seu conteúdo, tendo relevância na questão da preservação do registro arqueológico. Depósitos sucessivos de lixeira, alternando com outros usos ou com hiato nas ocupações, teriam resultados similares em termos da preservação e apresentariam processos mais complexos de formação. Um resultado interessante dos estudos etnoarqueológicos foi a impressionante variabilidade nos resultados das análises de solo, até na mesma área de atividade e com amostragens em intervalos de 50-100 cm. Isso implica a necessidade de coletar e analisar um maior número de amostras para entender o comportamento das propriedades do solo em um contexto arqueológico. A coleta, transporte, processamento e análise de grandes números de amostras de solo é trabalhoso e custoso. Por isso visamos a investigar análises mais econômicas e eficientes e que possam ser feitas em campo durante as escavações. As análises testadas com métodos que não requerem reagentes nem a destruição da amostra, que incluíram susceptibilidade magnética e condutividade elétrica, mostraram-se promissoras. Ambas apresentaram diferenças marcantes nos solos com terra preta formadas em lixeiras e solos em prováveis áreas domésticas (terraços). Em relação às cavidades de Carajás, o guano de morcego depositado no solo delas varia em composição, dependendo da espécie e de sua dieta, porém contém os mesmos elementos que tem o esterco de gado. Por sua vez, nos sítios arqueológicos, os mesmos elementos são enriquecidos por atividades humanas, embora estes elementos encontremse em diferentes proporções dependendo da sua origem: se esterco, guano ou resíduos orgânicos depositados por atividades humanas. Como no sítio Boa Esperança II, onde ocorreu a presença de esterco de gado no passado recente, é claro que o guano presente nas grutas dificulta a interpretação dos dados, mascarando a assinatura antropogênica do solo. Para dificultar ainda mais, a presença de morcegos nas cavernas durante milênios provavelmente causou impactos que mudaram de posição durante o tempo. Para separar as duas assinaturas (a das atividades humanas e a do guano) serão necessárias análises adicionais, por exemplo, de outros elementos e a cuidadosa comparação entre os dados de solo e os vestígios arqueológicos coletados. Uma seleção de amostras foi analisada em dois laboratórios (MPEG e Embrapa) com o objetivo de comparar os resultados procedentes dos mesmos. Por agora basta dizer que existem diferenças nos dados procedentes, o que dificulta a comparação direita dos resultados de cada laboratório. Na continuação da pesquisa, essas diferenças serão 175 Amazônia Antropogênica 176 avaliadas e identificadas as possíveis causas. Isso envolverá a avaliação de possíveis diferenças nos equipamentos ou metodologias, a análise de amostras adicionais e a reanálise de algumas amostras para verificar os resultados já obtidos. Este fato serve para destacar algumas dificuldades do uso da análise de solo na arqueologia e que, muitas vezes, a interpretação dos resultados não é tão simples e direta como se poderia imaginar. As transformações do solo, vegetação e topografia mostram uma paisagem historicamente construída e dominada por atividades humanas, dentro e ao redor dos assentamentos relacionados, diferentemente, à Cultura Tropical e à Cultura Neotropical. A transformação do meio ambiente pelo Homem, enfim, modificou completamente a natureza que hoje em dia encontramos, inclusive o solo, a composição da flora e fauna, a topografia, e os recursos hídricos. Estes aspectos destacam a importância de levar em consideração a ecologia histórica quando estudamos o que é a Amazônia no presente. A floresta guarda lições valiosas sobre o manejo sustentável dos ecossistemas amazônicos. Amazônia Antropogênica ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS no uso de modelos arqueológicos preditivos: uma abordagem na Amazônia brasileira João Aires da Fonseca INTRODUÇÃO As pesquisas arqueológicas na Amazônia sempre tiveram um viés teórico e metodológico direcionando a coleta de dados (especialmente da cultura material) e suas interpretações, feitas mediante um quadro teórico pré-estabelecido. De acordo com Neves (2000), se observarmos as pesquisas realizadas durante as décadas de 1940 a 1970, principalmente as desenvolvidas por Meggers (1977, 1990), os reflexos das teorias do determinismo ecológico, dentro de um sistema fechado (TRIGGER, 1971), irá nos mostrar uma Amazônia onde a principal ocorrência de sítios arqueológicos estaria restrita às várzeas dos grandes rios, existindo apenas uma possível incidência de sítios menores, ou apenas sítios de acampamento/passagem, em áreas mais distantes, uma vez que as características dos solos das áreas de interflúvios não seriam capazes de suportar uma ocupação de longa duração, devido à escassez de nutrientes e à impossibilidade de uma agricultura intensiva. Cria-se então um quadro geral de dicotomia entre várzea e terra firme, onde esta última área era tida como um vazio demográfico, sem a ocorrência de sítios arqueológicos distantes das margens dos grandes rios da Amazônia. Um quadro condizente com o proposto para a cultura de floresta tropical estabelecida por Steward (1948) e Lowie (1948) no Handbook of South American Indians. Contudo este quadro teórico atualmente é amplamente refutado, tendo como base as escavações de novos sítios arqueológicos, e em novas interpretações das relações humanas e seu meio ambiente, sendo este observado agora não de forma determinística e moldando culturas, mas passível de adaptações e alterações pelas ações humanas, compondo o que Trigger (1971) classifica de um sistema ecológico aberto (open-system ecology). Em relação à dicotomia várzea/terra firme, todos os espaços, todos os ecossistemas amazônicos passam a ser inseridos em uma ampla e complexa rede 177 Amazônia Antropogênica interligada seja para o uso econômico, como a obtenção de recursos das matas de terra firme, matérias-primas como rochas, caças, plantações de mandiocas, entre outros diversos usos que, em conjunto com a já conhecida alta fertilidade da várzea Amazônia, estrutura uma perspectiva para a constituição de complexas sociedades. De espaços restritos às margens dos grandes rios, como o Amazonas, o Trombetas, o Tocantins, o Parauapebas ou o Tapajós, as pesquisas recentes trouxeram à tona sítios arqueológicos situados em áreas de interflúvio, compostos de terra preta arqueológica, cerâmicas e materiais líticos (CARNEIRO, 1983, 2007; ROOSEVELT, 1991; NEVES, 2000; HECKENBERGER, 2001, 2005; MAGALHÃES, 2005; SCHAAN, 2001; GUAPINDAIA, 2010). Se as novas hipóteses para interpretar a distribuição de sítios arqueológicos deixam de estabelecer que as ocorrências destes estejam restritos apenas às áreas altamente férteis da várzea amazônica, passando-se às evidências de sítios também em áreas de interflúvio, as questões a serem elaboradas no quadro atual são: como ter acesso a estes sítios arqueológicos, mediante as dificuldades logísticas de locomoção e tempo em meio a uma floresta tropical densa, ou, em algumas regiões, em áreas de cerrado? Estima-se que esta área de floresta de terra firme, compreenda 70% da Amazônia brasileira (ARTAXO, 2014). Portanto, como abordar uma área de estudo com estas dimensões, quando a questão é identificar novos sítios arqueológicos? Qual metodologia de levantamento de campo ou quais direcionamentos teóricos podem ser utilizados? Estas questões já foram observadas por Zeidler (1995), ao apresentar um panorama da metodologia de levantamento arqueológico em áreas neotropicais florestadas. Este autor discute as dificuldades da descoberta de sítios arqueológicos na Amazônia devido a questões logísticas, de acessos, de recursos financeiros e do tempo de execução e os direcionamentos para áreas de levantamento específicas, que possam trazer resultados positivos, como a identificação de novos sítios arqueológicos. Neste capítulo são apresentados os testes de quatro modelos arqueológicos preditivos, elaborados e aplicados em três regiões distintas da Amazônia brasileira, ambas localizadas no Estado do Pará, Brasil (Figura 1). Na primeira região um modelo foi desenvolvido dentro do Projeto Arqueológico em Porto Trombetas1, localizado no baixo rio Trombetas, na área da Floresta Nacional SaracáTaquera, onde existem diversos ambientes ecológicos como áreas ribeirinhas, lacustres, terras baixas, encostas e topos de platôs e, por conseguinte, uma gama diversificada de sítios arqueológicos estudados desde a década de 1950, quando têm início as pesquisas arqueológicas sistemáticas (HILBERT, 1955; HILBERT; HILBERT, 1980; GUAPINDAIA, 2008; GUAPINDAIA, 2010; GUAPINDAIA; LOPES, 2011). Esta região apresenta como uma característica importante, o fato de os sítios arqueológicos serem encontrados em área de floresta densa, onde foi possível verificar um determinado tipo de vegetação associada aos sítios de ocupação permanente. 1 178 Coordenado pela pesquisadora Vera Guapindaia, durante os anos de 2000 a 2012, nas áreas de atividades mineradoras da Mineração Rio do Norte (MRN). Amazônia Antropogênica Figura 1. Mapa de localização das três áreas onde foram aplicados os modelos arqueológicos preditivos. Mapa: Aires da Fonseca. Na segunda região foram desenvolvidos dois modelos preditivos que foram testados no Projeto Arqueológico Carajás2, localizado na Serra Sul de Carajás, onde também a região é marcada pela diversidade de paisagens naturais com variações de altimetria entre 200 m e mais de 800 m em relação ao nível do mar, compondo áreas de topo de serras, com vegetação de savana e planícies, apresentando floresta tropical densa onde também ocorre a diversidade de sítios arqueológicos (MAGALHÃES, 2005; MAGALHÃES; AIRES DA FONSECA; BARBOSA, 2011). Na terceira região, outro tipo de modelo preditivo, com apenas uma variável, foi desenvolvido para o Projeto de Levantamento Arqueológico na Área de Implementação do Plantio de Palma de Óleo3, situado no interflúvio da margem direita do baixo rio Tocantins com o rio Moju, onde os trabalhos de arqueologia sobre populações pretéritas tiveram início com os registros de Curt Nimuendaju no ano de 1926 (STENBORG, 2004). 2 3 Coordenado pelo pesquisador Marcos Pereira Magalhães, iniciado no ano de 2011, nas áreas de atividades mineradoras da Vale S.A. (Vale). Coordenado pelo pesquisador João Aires da Fonseca, no ano de 2012, nas áreas de implementação do plantio de palma pela Petrobras Biocombustível (PBIO). 179 Amazônia Antropogênica O USO DE MODELOS ARQUEOLÓGICOS PREDITIVOS Na arqueologia brasileira, bem como na internacional, existe um embate entre os resultados arqueológicos advindos de projetos acadêmicos, aqueles produzidos em Universidades e Museus, imbuídos de problemas científicos, e aqueles provenientes de salvamentos arqueológicos ou de arqueologia de contrato, comumente caracterizados apenas como descritivos, onde são realizadas as coletas de vestígios arqueológicos ameaçados de destruição (CALDARELLLI; SANTOS, 2000). É dentro deste âmbito de arqueologia de contrato, que o desenvolvimento e aplicabilidade de modelos arqueológicos preditivos são criados, com o intuito de otimizar tempo e recursos para o levantamento de campo, e o acesso a extensas áreas de pesquisa. Kipnis (1997) demonstra que o uso destes modelos, especialmente com a criação de mapas que indiquem alta, média e baixa probabilidade de ocorrência de sítios arqueológicos em uma dada região, são ferramentas importantes para a elaboração de grandes projetos que causem impactos ambientais, como rodovias, gasodutos, mineração, hidrelétricas, etc. Desta forma, empresas privadas ou públicas poderão tomar medidas de decisões mediante os possíveis danos que possam ser causados ao patrimônio cultural. Neste aspecto, o uso de um modelo arqueológico preditivo tem sua origem, no que nos Estados Unidos foi denominado de Cultural Resource Management (CRM), durante a década de 1960, em um amplo programa para preservar os registros históricos identificados em várias localidades. Com o advento dos estudos de padrões de assentamentos e correlações com variáveis ambientais, dentro do contexto da New Archaeology, as interpretações destes padrões espaciais tiveram maior desenvolvimento com o uso de programas de computador e um Sistema de Informação Geográfica (SIG), já na década de 1970, tendo o “boom” ocorrido na década de 1990, com a popularização do uso de aparelhos de GPS e de imagens de satélite em programas de Sensoriamento Remoto (SR) (VERHAGEN, 2007). Contudo Verhagen e Whitley (2011) vão além das expectativas dos resultados obtidos com o CRM, utilizado apenas como uma ferramenta para otimizar o levantamento de campo (prospecção), sendo caracterizado como explicativo, descritivo, e somente pela busca por correlações entre os sítios e as variáveis ambientais. Estes autores propõem também o uso a partir de teorias que direcionem (theory driven) as interpretações dos padrões de ocorrências espaciais dos sítios identificados, ou seja, ultrapassar a barreira do mapeamento e classificação de sítios, para a interpretação espacial dos mesmos. A combinação destas duas linhas de pesquisas gera resultados mais completos, uma vez que ambas podem montar quadros interpretativos, a partir dos vestígios arqueológicos espacialmente identificados, abrindo espaço para interpretações teóricas relacionadas com as dinâmicas de interações entre o homem e o ambiente, de acordo com cada região e tempo estudados. A proposta do presente capítulo consiste em apresentar ambas as linhas de pesquisa descritas por Verhagen e Whitley (2011), aplicadas na região de Porto Trombetas, 180 Amazônia Antropogênica construindo, testando e interpretando os resultados obtidos com um modelo arqueológico preditivo, a partir de informações empíricas e teóricas. Estabelecendo que determinados lugares tiveram um papel importante para antigos grupos indígenas, como lugares constituídos ou transformados em demarcadores culturais, como áreas atrativas para assentamentos permanentes devido a diversos aspectos de relações sociais e econômicas, como a possibilidade de manejo de espécies vegetais, a busca por caça, por matérias-primas (rochas, madeiras), o uso de lugares notáveis ou significativos na paisagem, imbuídos de significados, a exemplo do topo dos diversos platôs na região que permitem uma ampla visibilidade do território ou um espaço exclusivo para o manejo de espécies vegetais (ZEDEÑO, 1997; SILVA, 2013). CONSTRUINDO UM MODELO ARQUEOLÓGICO PREDITIVO A premissa básica de um modelo arqueológico preditivo é de que exista uma relação quantificável, entre a presença de um determinado tipo de sítio e uma gama diversificada de características ambientais. Esta relação deve ser válida para que então características ambientais similares, existentes em outras regiões ainda não levantadas, possam indicar a ocorrência provável de novos sítios. O objetivo principal é gerar um mapa de sensibilidade com faixas de baixa, média e alta probabilidade de ocorrência de sítios arqueológicos em novas regiões, o que irá permitir criar um guia para o levantamento de campo em busca de possíveis vestígios (WARREN, 1990; BRANDT, GROENEWOUDT; KVAMME, 1992; ARNOFF, 1993; DANN; YERKES, 1994; VAN LEUSEN, 2002; PARCAK, 2009). Em suma, a construção de um modelo arqueológico preditivo, ou de locais favoráveis à ocorrência de sítios, pode ser organizada da seguinte forma (AIRES DA FONSECA, 2013): 1) Caso existam sítios arqueológicos já registrados na área a ser levantada, busca-se definir as principais características dos mesmos, tal como tamanho, se são sítios de acampamento ou de habitação, a proximidade de recursos hídricos, o tipo de vegetação associada, a distância entre esses sítios e a possibilidade de ser estabelecido um padrão, recorrente, de distribuição espacial; 2) Caso não exista registro de sítios anteriores à pesquisa, usam-se então deduções de que determinados locais foram propícios à ocupação humana, como a proximidade de recursos hídricos e áreas planas livres de inundações; 3) O uso de sensoriamento remoto e de um Sistema de Informação Geográfica (SIG), para que as análises feitas nos itens 1 e 2 possam ser interpretadas através de mapas (ARNOFF, 1993; BURROUGH; MCDONNEL, 2000); 4) A construção de um mapa temático (mapa de sensibilidade) indicando as áreas de baixa, média e alta probabilidade de ocorrência dos sítios; 5) Levantamento em campo das áreas apontadas e excluídas pelo mapa temático para o teste do modelo construído. 181 Amazônia Antropogênica A região de Porto Trombetas A construção e o teste do modelo preditivo, apresentado neste texto, foram desenvolvidos dentro do Projeto Trombetas, que abrangeu a área que se estende da margem direita do rio Trombetas até à margem norte do Lago do Sapucuá. Diversos sítios arqueológicos, contendo extensas áreas de terra preta com fragmentos cerâmicos e líticos, foram registrados nesta região, principalmente após a década de 1950, quando tem início as pesquisas arqueológicas sistemáticas (HILBERT, 1955). As pesquisas atuais continuam descrevendo esta região como contendo sítios multicomponenciais, com estilos cerâmicos definidos entre Pocó, de ocupação mais antiga entre 2200 AP. e 1600 AP., e o estilo Konduri com ocupação mais recente, entre 1000 AP. até próximo do contato com a colonização europeia (HILBERT; HILBERT, 1980; GUAPINDAIA, 2008; GUAPINDAIA; LOPES, 2011). Um banco de dados foi criado por Machado (2001), contendo todos os sítios arqueológicos registrados na região de Trombetas, desde aqueles identificados na década de 1950 até o ano de 2001, sendo que este inventário continuou a ser alimentado, conforme o desenvolvimento das pesquisas realizadas pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) até o ano de 2012 (GUAPINDAIA; AIRES DA FONSECA, 2012), totalizando a identificação de 76 sítios arqueológicos (Figura 2). A partir deste banco de dados, foi possível iniciar a construção do modelo arqueológico preditivo. Com o auxílio do SIG e de sensoriamento remoto foi possível estabelecer padrões de ocupação no espaço, relacionando os 76 sítios conhecidos com as variáveis de distância de recursos hídricos, da declividade do terreno e de determinadas feições elípticas identificadas nas imagens Landsat TM 5, que apontam para alterações na altura do dossel da vegetação, exatamente em áreas onde ocorrem os sítios arqueológicos. O principal sítio arqueológico que apresenta estas variáveis é o sítio PA-OR-127: Cipoal do Araticum. Identificado em 2009, a característica marcante deste sítio é o tipo de vegetação existente na área central onde ocorre a maior quantidade de terra preta, fragmentos cerâmicos e líticos. De acordo com o levantamento botânico (JUNQUEIRA, 2011), existe uma grande concentração de lianas (cipós) e palmeiras (mucajá, inajá) que, ao serem observadas em imagens Landsat TM 5, tornam-se visivelmente destacadas como uma cobertura vegetal com dossel mais baixo em relação à floresta tropical densa do entorno. O mesmo havia sido apontado por Hilbert (1990) e Paula (1998) em relação ao sítio PA-OR-77: Araticum, distante à jusante apenas 4 km do sítio Cipoal do Araticum (Figuras 3 e 4). Portanto três variáveis foram utilizadas para a construção do modelo preditivo aplicado no Projeto Trombetas: a variável de proximidade de igarapés e rios, a de áreas planas ou ligeiramente onduladas (mapa de declividade) e a variável denominada de feições elípticas observadas em imagens de satélite Landsat TM 5. 182 Amazônia Antropogênica Figura 2. Mapa com a localização de sítios arqueológicos identificados desde a década de 1950 até o ano de 2012 na região que compreende o baixo rio Trombetas e o lago do Sapucuá Fonte: Aires da Fonseca, 2013. Figura 3. Localização do sítio Cipoal do Araticum e a delimitação da feição elíptica que compõe a área com vegetação de dossel baixo, marcada pela presença de mata de cipós e palmeiras. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. 183 Amazônia Antropogênica Figura 4. Localização do sítio Araticum e a delimitação da feição elíptica que compõe a área com vegetação de dossel baixo, marcada pela presença de mata de cipós e palmeiras. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. Correlação dos sítios conhecidos com as variáveis do modelo preditivo As imagens de radar SRTM, após o processamento no programa ArcGis, proporcionaram a criação de mapas com a rede de drenagem e de declividade do terreno da região em estudo, os quais, ao serem correlacionados com o banco de dados de sítios arqueológicos, possibilitaram estabelecer determinados padrões (Figura 5). Em relação à declividade do terreno, grande porcentagem de sítios está associada a terrenos ligeiramente ondulados e planos (72%). E em relação à distância aproximada da rede de drenagem, praticamente 70% dos sítios estão na faixa entre 0-400m de distância e os outros 30% estão acima de 400m. No que concerne à variável das feições elípticas, em apenas 17 sítios foi possível observálas, o que corresponde a 22,4% do total. Este baixo índice pode ser explicado pelo simples fato de que a maioria das ocorrências de sítios arqueológicos está relacionada com áreas impactadas, ou seja, eles estão situados nas margens do rio Trombetas, do lago Batata e do lago Sapucuá onde existem comunidades ribeirinhas com casas e plantações, tornando-se inviável a identificação desta variável de vegetação, uma vez que ela foi suprimida. Portanto estes 17 sítios já conhecidos, que apresentaram todas as variáveis propostas no modelo preditivo, foram utilizados como comparativos às demais áreas ainda não pesquisadas e apontadas pelo modelo como de alta ou baixa probabilidade de ocorrência. 184 Amazônia Antropogênica Figura 5. Mapa de declividade com os sítios Cipoal do Araticum e Araticum. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. Correlação entre sítios conhecidos e as áreas do modelo preditivo A etapa seguinte foi identificar outras possíveis formas elípticas em áreas ainda não pesquisadas. No total foram localizadas 153 áreas contendo estas feições e, para cada uma delas, foram atribuídos polígonos e inseridos pontos centrais para que então pudessem ser relacionados com as demais variáveis do modelo. Não por mera coincidência, estas novas áreas também apresentam um relevo com baixa declividade, tendendo para um terreno que vai de ligeiramente ondulado (30,1% na 8ª classe e 49,7% na 9ª classe) a plano (14,4% na 10ª classe), juntamente com uma distância que não ultrapassa de 500 m em relação à rede de drenagem, o que ocorre em praticamente 80 % das 153 áreas identificadas. Em comparação com os resultados da análise espacial dos sítios já conhecidos com as áreas projetadas pelo modelo preditivo, foi possível estabelecer uma semelhança em praticamente todas as variáveis ambientais em ambas as análises, tornando o modelo preditivo válido e passível de verificação em campo (Gráficos 1 e 2). Teste do modelo em campo No total, o modelo arqueológico preditivo foi testado em quatro etapas de campo compreendendo treze áreas levantadas. Duas destas áreas não apresentaram evidências de sítios arqueológicos, e sim a ocorrência de fenômenos naturais que causaram a abertura de clareiras na floresta devido à dinâmica dos rios e à incidência de ventos fortes. Contudo estas duas informações de campo servem para calibrar as imagens de satélite e determinar outras áreas onde estes fenômenos podem ter ocorrido. 185 Amazônia Antropogênica Gráfico 1. Relação dos sítios conhecidos (gráfico vermelho) e as áreas apontadas pelo modelo preditvo (gráfico azul) com as classes de declividade do terreno. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. Gráfico 2. Relação dos sítios conhecidos (gráfico vermelho) e as áreas apontadas pelo modelo preditvo (gráfico azul) com a distância da rede de drenagem. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. 186 Amazônia Antropogênica Do restante das áreas, cinco apresentaram somente um solo escuro e floresta antropizada, com alta frequência de palmeiras, pequiás, sapucaias e bacabas, sendo estas descritas como ecofatos e com indícios de provável ocorrência de sítios. Nas outras seis áreas foi possível identificar terra preta, fragmentos cerâmicos e líticos, por terem sido impactadas pela estrada que liga a vila de Porto Trombetas à cidade de Terra Santa. Todas estas ocorrências estavam localizadas em áreas planas, situadas próximas a rios e das feições elípticas delimitadas na imagem de satélite Landsat TM 5, que foram comprovadas em campo como contendo áreas com um dossel baixo em uma vegetação tipicamente antropizada (Figura 6). Por outro lado, nenhuma área de baixa probabilidade apresentou qualquer vestígio arqueológico. O fato é que se considerarmos os 76 sítios do banco de dados, juntamente com as 153 áreas apontadas como de alta probabilidade de ocorrência de sítios, sendo que 6 delas já foram confirmadas como sítios, torna-se possível projetar um mapa de densidade de mais de 200 sítios arqueológicos para área em estudo. As concentrações, que são tanto de sítios quanto de projeções, montam um quadro hipotético de distribuição espacial e densidade de ocupação relacionadas com os diferentes nichos ecológicos da região, mas também apresentando locais de concentrações exatamente em locais intermediários entre as encostas dos platôs e das terras baixas, havendo uma relação com a diversidade de recursos faunísticos e florísticos, e também nas proximidades dos cursos dos principais rios e lagos, como o caso do rio Trombetas e do lago Batata (Figura 7). Figura 6. Localização das áreas levantadas para o teste do modelo preditivo no Projeto Trombetas. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. 187 Amazônia Antropogênica Figura 7. Mapa hipotético com a densidade (Kernel Density) de sítios arqueológicos na região do baixo rio Trombetas e o lago Sapucuá. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. PROJETO ARQUEOLÓGICO CARAJÁS Para a construção de modelos arqueológicos preditivos, o uso de uma base de dados de sítios já identificados em etapas de campo torna-se essencial para que sejam criadas inferências e projeções de novos sítios arqueológicos em áreas ainda não investigadas. Atualmente o Projeto Arqueológico Carajás (PACA) possui uma base de dados extensa, abrangendo trabalhos de vários outros projetos (MAGALHÃES, 2005; CALDARELLI; KIPNIS ; KOOLE, 2008; PEREIRA, 2002; SILVEIRA; RODRIGUES; OLIVEIRA, 2009). De acordo com o levantamento feito para este capítulo, foi possível reunir um total de 82 locais (pontos georreferenciados) com vestígios arqueológicos, situados em sua maioria na Serra Norte e Serra Sul, incluindo tanto sítios de abrigo quanto a céu aberto. Contudo, neste capítulo são abordados somente os sítios localizados a céu aberto, situados tanto em áreas de terras baixas quanto no topo de platôs4. A análise espacial destes pontos dentro de um SIG permite responder a perguntas: qual a relação destes sítios com as variáveis ambientais? Quais frequências eles apresentam, quando se observam suas cotas altimétricas? Qual a distância de cursos de rios e sua disposição em terrenos planos ou irregulares? E a distância entre estes sítios? 4 188 Para as caracterizações ambientais da Serra dos Carajás, ver Silva Santos e Costa Lima et al., no capítulo 4. Amazônia Antropogênica Como resposta, os dados da Serra dos Carajás permitiram verificar que mais de 80% dos pontos estão associados a áreas planas e ligeiramente onduladas, com altimetrias entre 150 e 450m, tendo uma distância da rede de drenagem variando entre 100 e 400m, sendo que a distância média entre estes locais, cada qual distribuído nas proximidades dos rios Pacu, Sossego, Salobo e Mirim, apresentaram uma média de 600m. Ou seja, é provável que as antigas aldeias estivessem distantes entre si em uma faixa de 600m. Este tipo de caracterização estabelece um padrão de ocorrência de sítios em uma dada área, onde estas características servem de parâmetro para a construção do modelo arqueológico preditivo em áreas ainda inéditas. Teste do modelo em campo O teste de dois modelos arqueológicos preditivos foi realizado na Serra Sul de Carajás, sendo os levantamentos restritos à busca de sítios a céu aberto e em dois ambientes ecológicos distintos que compreenderam as áreas de planícies, com cotas altimétricas variando de 200 a 350m de altitude, abrangendo quase a totalidade do rio Pacu e do rio Sossego, e áreas no topo das serras com altitudes ultrapassando 750m em relação ao nível do mar. Desta forma, as áreas de encostas, onde comumente são identificadas grutas contendo vestígios arqueológicos, portanto os sítios abrigados, não fizeram parte da análise deste capítulo (Figura 8)5. Figura 8. Mapa hipsométrico e áreas de levantamento arqueológico do Projeto Ferro Carajás S-11D. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. 5 Para as descrições e contextualizações de sítios de abrigos, ver o texto de Barbosa, no capítulo 4. 189 Amazônia Antropogênica Para as áreas de topo de serra, não relacionadas com os abrigos e cavernas, a variável passível de verificação para construir um modelo preditivo incidia sobre as observações em locais no entorno de lagos, tanto perenes quanto intermitentes, e ao longo do curso das cabeceiras de rios, com o intuito de serem identificados possíveis polidores e afiadores. Estes lagos puderam ser visualizados a partir do levantamento aerofotogramétrico de alta resolução que permitiu a observação detalhada da vegetação que delimitava as bordas dos lagos. De fato, as únicas ocorrências registradas em céu aberto eram relacionadas a lascas e núcleos de hematita nas atuais bordas de dois lagos intermitentes e um polidor ao longo do curso de um rio sem nome (Figuras 9 e 10). Figura 9. Modelo preditivo criado tendo como variável as bordas de lagos perenes e intermitentes no topo de serras. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. Desta forma, um possível modelo arqueológico preditivo para este tipo de sítio arqueológico e sua localização espacial em topo de serras poderá ser aplicado em ambientes similares tendo como premissa uma análise detalhada, em campo, do entorno de lagos perenes e/ou intermitentes, como sendo de alta probabilidade de ocorrência de material lítico lascado nesta região. 190 Amazônia Antropogênica Figura 10. Panorama de um lago intermitente no topo da serra. Próximo da margem foram identificados lascas e núcleos de hematita Foto: Carlos Barbosa. O segundo modelo também feito na área da Serra Sul de Carajás, onde foram identificados sítios arqueológicos em 2008, foram visitados pelo PACA para a definição de um possível padrão de localização no espaço. Estes sítios estavam bem próximos de rios, distando no máximo 400m, em uma área plana e livre de inundações e com altimetria entre 150 e 400m em relação ao nível do mar (CALDARELLI, 2004, 2008; CALDARELLI; KIPNIS; KOOLE, 2008). A partir destas informações, foi possível isolar as áreas, ainda sem levantamentos arqueológicos, que apresentavam estas características tomando como variáveis a distância de recursos hídricos, os principais igarapés e rios, a altimetria e a declividade do terreno. Para combinar estas variáveis em um único mapa, utilizou-se a ferramenta, do programa ArcGis, Spatial Analyst Tools> Overlay> Weighted Overlay, considerando-se 50% de relevância para os valores da declividade, 25% para os valores de amplitude do terreno e 25% para os valores de distância de rios. O resultado final foi um mapa com áreas de alta, média e baixa probabilidade de ocorrência de sítios, onde foram feitas prospecções (sondagens). Os resultados foram bastante positivos sendo encontrados vários locais com vestígios arqueológicos (Figura 11). Contudo esta área da Serra Sul foi bastante impactada pela agropecuária sendo quase inexistente qualquer tipo de vegetação que possa ser associada aos sítios. Desta forma, para que o modelo arqueológico preditivo possa ser aprimorado, é importante o uso da variável de florestas antropizadas, e essencial que sejam feitos novos levantamentos dentro da Floresta Nacional de Carajás (FLONACA), pelo fato de ali, a vegetação estar preservada. E uma área propícia para ser aplicado o modelo é o extenso vale entre a Serra Norte e a Serra Sul de Carajás estendendo-se até a margem esquerda do rio Parauapebas6. 6 O segundo teste deste modelo arqueológico preditivo na Serra dos Carajás está em andamento, pelo projeto de doutorado do autor, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará (PPGA-UFPA). 191 Amazônia Antropogênica Figura 11. Mapa com o modelo preditivo para as áreas de planície no Projeto Ferro Carajás S-11D. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. Ferramentas de projeções: rotas de menor custo Outra ferramenta de projeção do programa ArcGIs é a possibilidade da criação de rotas entre dois pontos conhecidos a partir da seguinte pergunta: qual é o caminho com o menor custo, o menor esforço de deslocamento, evitando-se locais com acentuados aclives e declives? Ou seja, pode-se perguntar ao programa a rota que permaneça somente em locais planos ou ligeiramente ondulados, evitando-se ao máximo o esforço em subidas e descidas muito íngremes. Para a elaboração desta rota de menor custo, o programa ArcGis necessita de um modelo digital do terreno (DEM, sigla em inglês), da elaboração de um mapa de declividades, de dois pontos conhecidos na área a ser percorrida, sendo um ponto de partida e um ponto de chegada, e também da extensão Spatial Analyst Tools, onde são aplicadas as ferramentas: Surface, Reclass, Overlay e Distance. Como ponto de partida conhecido, foi utilizado o sítio PA-AT-330: Boa Esperança II, e como ponto de chegada foi utilizado o sítio PA-AT-337: S11-D47/48 (Gruta da Capela e abrigo, respectivamente). Após a elaboração do DEM foi possível criar o mapa de declividade (Slope), o qual foi reclassificado em valores de 1 a 10, sendo os valores menores representantes de um terreno plano e os valores maiores como representantes de um terreno com acentuados aclives e declives 192 Amazônia Antropogênica A rota gerada pelo programa ArcGis acessa diversos outros sítios identificados e paisagens construídas, como o Manjolim da Serra, o Araracuara e a proximidade do sítio Mangangá (e sua paisagem de entorno). Desta forma, é possível inferir um corredor de circulação, uma área de mobilidade constante, entre estes sítios, devido a serem contemporâneos e também por eles serem acessados por uma rota de fácil circulação, tendo-se como premissa a utilização de acessos que perpassavam locais planos ou menos íngremes, sendo possível utilizar este fator como mais uma variável para a construção de modelos preditivos (Figura 12). Figura 12. Mapa com a projeção da rota de menor custo criada no programa ArcGis. Observar a proximidade de outros sítios arqueológicos da projeção do hipotético corredor de circulação. PROJETO BAIXO RIO TOCANTINS O levantamento arqueológico, realizado no interflúvio dos rios Tocantins e do rio Moju, teve por objetivo avaliar o potencial arqueológico da região e os possíveis impactos que um empreendimento de agricultura viria causar ao patrimônio arqueológico. De acordo com o levantamento bibliográfico, a única referência a assentamentos humanos antigos foi feita por Curt Nimuendaju em 1926, ao descrever dois sítios contendo fragmentos cerâmicos e terra preta, localizados próximos da margem direita do rio Tocantins, não existindo informações sobre possíveis sítios em áreas de interflúvio (STENBORG, 2004). No total, foram estabelecidas para o levantamento de campo cem áreas, que correspondem às pequenas e grandes propriedades para os plantios de palmas. Por não terem sido identificados sítios arqueológicos em pesquisas anteriores, a construção do 193 Amazônia Antropogênica modelo preditivo para o levantamento de campo considerou apenas a variável de proximidade de recursos hídricos, deduzindo ter sido este um fator essencial para a ocupação humana, devido à necessidade de captação de água, de serem locais com maior disponibilidade para caça e pesca e, possivelmente, também para o transporte e circulação de pessoas. Portanto, para a identificação prévia da rede hidrográfica, adquirida em parte através das imagens de radar SRTM e o seu refinamento com a observação e delimitações feitas a partir de imagens Landsat TM 5 e da carta do IBGE (1998), foi possível identificar quais propriedades estavam mais próximas de igarapés e rios. Para esta rede hidrográfica, atribuise uma distância de 1 km, utilizando a ferramenta do ArcGis, Spatial Analyst Tools>Distance>Euclidian Distance, sendo o levantamento de campo direcionado primeiro para as áreas mais próximas dos igarapés e rios selecionados. A metodologia de levantamento aplicada em campo consistiu, apenas, em observações de vestígios arqueológicos em superfície e, quando possível, de verificações em subsuperfície, sempre que as atividades agrícolas e a aberturas de estradas vicinais tornavam possível a verificação do subsolo. Como resultado, em quinze dias de coletas de dados em campo, foram identificados quatorze novos sítios arqueológicos, contendo fragmentos cerâmicos e líticos com terra preta e quatro ocorrências de fragmentos cerâmicos esparsos (Figura 13). Tais resultados corroboram a eficiência que análises prévias feitas com o uso de um sistema de informação geográfica e de sensoriamento remoto, e o estabelecimento de modelos coerentes de relação de sítios arqueológicos e determinadas variáveis ambientais podem proporcionar ao pesquisador. Essas análises resultam na elaboração panorâmica da distribuição de sítios no espaço, permitindo iniciar a construção de inferências e tomadas de decisões no desenvolvimento de projetos de pesquisas mais abrangentes para a área em estudo. Com a conclusão do levantamento de campo, o primeiro modelo preditivo, construído sem a caracterização ambiental de sítios arqueológicos previamente estudados, terá como próximo passo o seu refinamento, uma vez que as dezoito áreas identificadas como contendo vestígios arqueológicos possuem uma estreita relação com os principais rios e igarapés (Figura 14). Ou seja, torna-se estatisticamente válida a variável de proximidade de recursos hídricos, como sendo uma área de alta probabilidade de ocorrência de novos sítios arqueológicos, o que torna viável a utilização de um modelo preditivo para as demais áreas não levantadas. Além deste tipo de levantamento poder atribuir a relevância de determinados locais, de acordo com as áreas de alta e baixa probabilidade de ocorrência de sítios do modelo, ele permite criar hipóteses da distribuição espacial dos sítios identificados. O que pode ser observado é que as áreas de campos de natureza, com vegetação arbustiva, que durante os períodos de chuvas intensas na Amazônia tornam-se lagos extensos, não tão profundos, atualmente ainda servem de atrativo para um grande número de caças. É provável que os antigos grupos indígenas tenham utilizados estas áreas para captação de recursos, estabelecendo tanto acampamentos temporários quanto assentamentos permanentes no entorno destas áreas de campos de natureza. 194 Amazônia Antropogênica Figura 13. Mapa com a distribuição de ocorrências e sítios arqueológicos identificados no projeto baixo rio Tocantins. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. Figura 14. O gráfico apresenta a relação entre os sítios identificados em campo e a distância dos principais igarapés e rios. Distâncias acima de 1 km das margens destes cursos de águas compreendem áreas de baixa probabilidade de ocorrência de sítios arqueológicos, de acordo com o modelo proposto. Fonte: Aires da Fonseca, 2013. 195 Amazônia Antropogênica De fato, a distribuição espacial das evidências arqueológicas identificadas no baixo rio Tocantins, desenham um arco que vai desde a margem direita do rio Tocantins, tendo como limite estes campos de natureza, adentrando o interflúvio, mas acompanhando as margens de igarapés e rios principais. Portanto, existiu uma complexa ocupação indígena na região nos quais diversos ambientes ecológicos foram utilizados e que somente com levantamentos futuros será possível estabelecer modelos de distribuição mais refinados que certamente poderão ser projetados, por exemplo, para a margem esquerda do rio Tocantins, onde poucas pesquisas arqueológicas foram realizadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de algumas críticas ao uso de modelos preditivos com a premissa de que determinadas variáveis do aspecto físico ambiental, como a proximidade ou distância de cursos de rios e a declividade do terreno, possam causar erros de interpretação nas pesquisas arqueológicas, principalmente devido à subjetividade de atribuições de valores às variáveis (EBERT, 2000; PELINNI, 2008), os testes do modelo preditivo apresentados neste trabalho mostraram-se bastante promissores para a identificação de sítios arqueológicos. Eles ainda nos permitem aprimorar o modelo em pesquisas futuras e compreender a distribuição dos sítios no espaço e suas relações com a paisagem. Uma compreensão diz respeito aos sítios encontrados em áreas de interflúvio, distante do curso de rios principais, como o rio Trombetas e do Lago Sapucuá, permitindo inferir maior complexidade da ocupação humana em diversos locais, além das áreas dos grandes rios amazônicos (GUAPINDAIA, 2008; LEVIS et al., 2012). Para os sítios da região de interflúvio, entre os rios Trombetas e o lago Sapucuá, as possibilidades das análises das imagens Landsat TM 5 permitiram a identificação da vegetação com baixo dossel, indicando a existência de sítios arqueológicos, como o Cipoal do Araticum. Essas .possibilidades apresentam uma ferramenta que produz coordenadas específicas para os levantamentos de campo. O Cipoal do Araticum pode ser considerado um sítio de densa ocupação devido a ter terra preta profunda e datações radiocarbônicas que vão do ano 4000 AP. até o ano 1000 AP. (GUAPINDAIA; AIRES DA FONSECA, 2013). Desta forma, o sítio Cipoal do Araticum apresenta uma configuração que corrobora as assertivas de que a presença humana, principalmente as antigas comunidades indígenas na Amazônia, não causaram a degradação da vegetação e sim um aumento em sua biodiversidade, devido à presença e alta frequência de espécies úteis que foram manejadas ao longo do tempo pelo Homem (BALÉE, 1993). A atual paisagem que podemos observar no sítio Cipoal do Araticum, especialmente quando observamos o tipo de floresta que o circunda e a floresta associada à maior parte da área onde ocorre terra preta de índio, fragmentos cerâmicos e líticos, pode ser classificada no que para Balée é descrito como paisagens que evidenciam indigeneidade (BALÉE, 2008), ou como paisagem antropogênica, tal como Magalhães descreve neste livro. Dentro de um espaço de não mais que 400 x 600 m, é encontrada uma alta frequência de plantas úteis relacionadas com usos medicinais, utilização de resinas para impermeabilização, alucinógenas e, principalmente, plantas comestíveis, entre outras (JUNQUEIRA, 2010). 196 Amazônia Antropogênica A identificação de sítios, relacionados com determinadas variáveis ambientais, como áreas planas, proximidade de rios e lagos e determinados tipos de vegetação permitem estabelecer um padrão de ocorrência verificável em regiões similares ainda não levantadas, que apresentem as mesmas características ambientais. Em Porto Trombetas existe uma estreita relação destas variáveis e a identificação de novos sítios arqueológicos, sendo o sítio Cipoal do Araticum o que apresenta estas características de forma mais contundente. Para a construção de um CRM na região de Porto Trombetas, não há dúvida que apenas a identificação dos sítios arqueológicos, incluídos aqueles descobertos com o modelo preditivo, distribuídos em diversos ambientes ecológicos, serviriam apenas como alerta para que as atividades mineradoras não os destruíssem, ou então servir como planejamento para os impactos que serão causados. O método em si teria mérito devido a sua eficiência na execução do objetivo de identificar novos sítios, contudo, quando avançamos nas análises destes dados espaciais, inferindo possíveis respostas aos padrões de distribuição espacial, novos cenários, novos quadros hipotéticos das relações humanas desenvolvidas na região, percebemos algo mais heterogêneo corroborando com as hipóteses de alta complexidade do uso do espaço por antigos grupos indígenas. Ao observarmos a distribuição tanto dos sítios arqueológicos identificados em campo como aqueles projetados pelo modelo preditivo, outra variável ambiental pode ser associada aos sítios situados no interflúvio do rio Trombetas e o Lago Sapucuá: a proximidade dos diversos platôs existentes na região. Neste ponto os conceitos de demarcadores culturais, de locais significativos (ZEDEÑO, 1997; SILVA, 2013), podem ser utilizados para explicar o padrão espacial de distribuição de sítios arqueológicos próximos aos platôs. De acordo com o levantamento botânico realizado por Salomão (2009), relacionado com a densidade, a estrutura e a distribuição espacial da castanha do Brasil (Bertholletia excelsa H. & B.), no topo de dois platôs na região de Porto Trombetas, o platô Almeidas e o Platô e Aviso, seus resultados apontam para uma alta densidade de castanheiras situadas no topo do platô Almeidas, totalizando 1.140 indivíduos identificados, em uma relação de 1,5 árvore/ha, enquanto que no topo do Platô Aviso foram registrados apenas 7 indivíduos, em uma relação de 0,005 árvore/há. Além das possibilidades de dispersão natural, Salomão aponta também para possíveis florestas manejadas por antigos grupos indígenas na região. Não época da publicação deste levantamento botânico, o sítio Cipoal do Araticum ainda não havia sido identificado, e a sua localização é relativamente próxima, principalmente se considerarmos os demais sítios situados às margens do rio Trombetas e Lago Sapucuá. Portanto, se considerarmos as florestas de castanhais como um produto do manejo de antigas ocupações indígenas, o que é indicado pela presença de sítios arqueológicos no entorno, estas áreas de interflúvio tiveram uma intensa circulação de pessoas que acessavam locais estrategicamente localizados, compondo um quadro de uso e dispersão em vários ambientes ecológicos. As pesquisas atuais, desenvolvidas em Carajás no âmbito do PACA, apontam para a mesma direção como demonstrado com a aplicação do modelo preditivo. 197 Amazônia Antropogênica 198 Desta forma, os estudos arqueológicos nas regiões de Porto Trombetas, de Carajás e do baixo rio Tocantins, quando combinados com o quadro teórico da arqueologia amazônica atual, que propõem a incidência de sítios arqueológicos em diferentes paisagens, indo muito além das margens dos grandes rios, juntamente com o uso de novas tecnologias para métodos de levantamentos de campo (SIG, SR e modelos preditivos), a complexidade e a diversidade das interações humanas com a paisagem configuram a densidade populacional de uma época, em “(...) que se do ar deixassem cair uma agulha, há de dar em cabeça de índio e não no solo alto.” (Descrição do Padre Alonso de Rojas sobre a grande quantidade de índios às margens do rio Amazonas em 1639) (LEITÃO, 1941). Amazônia Antropogênica ESTUDOS BOTÂNICOS REALIZADOS EM CARAJÁS e as perspectivas para uma abordagem Etnobiológica e Paleoetnobotânica1 Ronize da Silva Santos, Pedro Glécio Costa Lima, Márlia Coelho-Ferreira, Ana Luisa Kerti Mangabeira Albernaz, Ana Lícia Patriota Feliciano, Rita Scheel-Ybert Os esforços para a descrição da vegetação de Carajás já empreendidos até o momento foram muito importantes para o acúmulo de informações a respeito dessa flora, e têm contribuído para a compreensão da diversidade fitofisionômica local. A região abrange uma complexidade de ecossistemas que são considerados como elos históricos sobre mudanças na paisagem amazônica (ABSY et al., 2014). As pesquisas botânicas realizadas nas últimas décadas evidenciaram uma vegetação bastante singular com um elevado endemismo, onde novas espécies e novas ocorrências foram registradas para a Amazônia (CAVALCANTE, 1970; AUSTIN, 1981; AUSTIN ; SECCO, 1988; SECCO, 1993; CABRAL et al., 2012; GONÇALVES ; ARRUDA, 2014). Ao mesmo tempo, Carajás é uma das áreas-chave em se tratando de arqueologia amazônica, por conter datações bastante antigas (9000 AP) de ocupação humana (MAGALHÃES, 2005). Neste sentido, pesquisas que se preocupam em entender a relação humana com a vegetação são privilegiadas, devido às particularidades desse local. Neste capítulo pretende-se analisar o status atual dos estudos botânicos realizados na região de Carajás, detalhando as principais fitofisionomias já descritas para a região, e propor novas abordagens para a compreensão da formação da vegetação local, a partir de estudos florísticos e paleoetnobotânicos associados aos sítios arqueológicos da área. Como procedimentos básicos para este trabalho, foram reunidas informações de diversos estudos, abrangendo dados florísticos, fitogeográficos, fitossociológicos, ecológicos, taxonômicos, geobotânicos, edáficos e paleoecológicos (Quadro 1). Além disso, foram utilizados resultados preliminares, obtidos em inventários sobre as plantas úteis presentes em Carajás. 1 Parte da tese da primeira autora, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia da Rede Bionorte (PPG-BIONORTE). 199 Amazônia Antropogênica Ressalta-se que não se trata de propor uma nova classificação para essa vegetação, mas sistematizar informações básicas já existentes sobre as fitofisionomias locais, a fim de permitir futuras análises, especialmente no âmbito do Projeto Arqueológico Carajás (PACA) que contempla estudos sobre a vegetação associada a sítios arqueológicos, numa perspectiva etnobotânica e paleoetnobotânica. Quadro 1. Estudos botânico e áreas correlatas desenvolvidos em Carajás, Pará. Tipo de estudo Referência Taxonômico, ecológico Cavalcante (1970); Austin (1981); Austin e Secco (1988); Cabral et al. (2012); Secco e Lobo (1988); Bastos (1990, 1991, 1992, 1993); Secco (1993); Silva (1993); Gonçalves e Arruda (2014) Florístico, Fitossociológico e Fitogeográfico Brasil (1974); IBDF (1983); Secco e Mesquita (1983); Silva et al. (1986b); Silva et al. (1987); Silva et al. (1989); Morellato e Rosa (1991); Silva (1991); Cleef e Silva (1994); Lisboa (1994); Silveira et al. (1995); CVRD (1996); Lisboa e Ilkiu-Borges (1996); Silva et al. (1996); Osakada e Lisboa (2004); Moraes e Lisboa (2006) Fitossociológico Silva et al. (1986a ); Salomão et al. (1988); Salomão e Rosa (1989); Silva (1989); Silva e Rosa (1989); Salomão (1991); Ribeiro et al. (1999); Rayol (2006); Chaves (2012); Chaves e Ferreira (2014) Ecológico Barth (1987); Porto e Silva (1989); Taveira et al. (2003); Silva (1992); Skirycz et al. (2014) Edáfico, ecológico Nunes (2009); Schaefer et al. (2012) Geobotânico Paradella et al. (1994) Palinológico e Paleoecológico Absy et al. (1991); Absy et al. (2014); Carreira e Barth (2003); Hermanowski et al. (2012, 2015) Turcq et al. (1998); Elias et al. (2001); Sifeddine et al. (2001); Cordeiro et al. (2008) Multidisciplinar Brasil (1981); IBAMA (2003) CLASSIFICAÇÃO DA VEGETAÇÃO DE CARAJÁS Um dos primeiros trabalhos realizados com objetivo de classificar a vegetação de Carajás foi o de Pires (1973), que descreveu as florestas que predominavam na bacia do Itacaiúnas. Posteriormente, o Projeto Radam (BRASIL, 1974), destacou dois ecossistemas principais para a região: um florestal e outro denominado ecossistema esclerófilo arbustivo. Secco e Mesquita (1983), ao descreverem estes dois tipos vegetacionais, propuseram o termo savana para este último. Porto e Silva (1989), usando uma caracterização um pouco mais específica, apresentaram as tipologias floresta higrófila, savana, savana arbustiva e estepe. Morellato e Rosa (1991), por sua vez, quantificaram seis tipos de vegetação nas áreas elevadas do platô N3 da Serra Norte, que incluiu mata de terra firme, mata sucessional, mata de vertente, ilha de vegetação arbórea, vegetação de canga (arbustiva e herbácea) e buritirana. Uma classificação mais detalhada também foi realizada por Cleef e Silva (1994) para as áreas mais elevadas, tomando como base diversas variações nas comunidades de plantas, abrangendo floresta tropical, campo rupestre, vegetação hidrosseral e lagos de savana. 200 Amazônia Antropogênica A partir de dados geobotânicos e usando métodos de sensoriamento remoto, Paradella et al. (1994) classificaram a vegetação local em floresta equatorial ombrófila densa alta, floresta equatorial ombrófila densa, floresta equatorial ombrófila aberta, floresta equatorial ombrófila aberta mista, floresta aluvial e vegetação de savana. Com a criação da Floresta Nacional de Carajás em 1998 e a conclusão do Plano de Manejo desta unidade de conservação em 2003, o IBAMA (2003) definiu como principais tipos de vegetação: savana metalófila; floresta ombrófila densa (montana, submontana e de terras baixas); floresta ombrófila aberta (montana, submontana e de terras baixas) e floresta aluvial. Ressalta-se que esta classificação adota uma terminologia bastante aproximada daquela apresentada no Manual Técnico da Vegetação Brasileira, elaborado pelo IBGE (2012). Os esforços para descrição e compreensão dessa vegetação continuaram ao longo dos últimos anos, a exemplo de Schaefer et al. (2012), que realizaram análises considerando as características edáficas para as florestas montanas, denominando de capões florestais algumas formações muito específicas das áreas de platô, uma abordagem ainda não empreendida até então. Há de se concordar com Pires (1973) sobre a complexidade e dificuldade em subdividir os grandes grupos da floresta amazônica. Na região de Carajás, as áreas de florestas predominam e há algumas décadas atrás correspondiam a 95% da cobertura total, sendo que a savana ocupava cerca de 2 a 3% da cobertura da serra (AB’SABER, 1986). Atualmente, toda a região sofreu uma grande perda de sua vegetação, não havendo dados claros sobre as proporções restantes dessas florestas. Cada um dos estudos efetuados até o presente levou em consideração diferentes tipos vegetacionais e foram realizados em diversos pontos da região, cuja vegetação apresenta variações tanto entre serras, como entre platôs em uma mesma serra. Desta maneira, as particularidades de cada pesquisa foram complementares e essenciais para compor uma caracterização mais abrangente para a vegetação de Carajás. As fitofisionomias que compõem esta região serão aqui caracterizadas considerando as classificações e descrições feitas por Brasil (1974), Secco e Mesquita (1983), Porto e Silva (1989), Morellato e Rosa (1991), Paradella et al. (1994), Cleef e Silva (1994), IBAMA (2003) e Schaefer et al. (2012), conforme demonstradas nas Figuras 1, 2 e 3. A vegetação florestal de Carajás A vegetação florestal de Carajás compreende áreas de floresta ombrófila que, incluem áreas de vegetação aberta e de florestas densas, ambas distribuídas em terras baixas e em áreas mais elevadas – chamadas de montanas e submontanas (BRASIL, 1974; SECCO; MESQUITA, 1983; CLEEF; SILVA, 1994; PARADELLA et al., 1994; IBAMA, 2003). As florestas montanas compreendem todas as faixas florestais situadas acima de 500 m de altitude e as submontanas são aquelas abaixo desta altitude (BRASIL, 1974). Floresta ombrófila densa – é uma formação contínua na região de Carajás, apresentando manchas em certos trechos, normalmente nos platôs, com reduzida incidência de cipós (IBAMA, 2003). Informações associadas a variações geomorfológicas são dadas por Paradella et al. (1994), que explicam que tal vegetação se estende desde as planícies até 201 Amazônia Antropogênica Figura 1. Classificação dos tipos de vegetação encontrados na Serra dos Carajás, Pará. Figura 2. Perfil esquemático dos tipos de vegetação encontrados na Serra dos Carajás, Pará. os terrenos moderadamente montanhosos das formações litológicas. Ao caracterizá-la, os autores descrevem o dossel como muito irregular, o sub-bosque como aberto e com muitos indivíduos, a presença de lianas nas copas e de espécies emergentes como Pseudopiptadenia suaveolens (Miq.) J.W.Grimes. Floresta ombrófila aberta – é predominante na bacia do Itacaiúnas, com árvores de grande porte bastante espaçadas, grande quantidade de cipós que obstruem o interior da floresta, muitas palmeiras, ocorrência de bambus e escassez de epífitas. Essa vegetação ora se apresenta dominada por cipós (cipoal), ora por palmeiras (PIRES, 1973; IBAMA, 2003), e por esse motivo algumas vezes é denominada de floresta mista (PARADELLA et al., 1994; IBAMA, 2003). Em áreas planas, a floresta ombrófila aberta com cipó é mais baixa e completamente coberta por lianas; enquanto nas áreas com declive mais acentuado, as árvores são recobertas por lianas e as espécies emergentes são mais frequentes (PARADELLA et al., 1994). Os indivíduos arbóreos de porte mais elevado distribuem-se de maneira mais espaçada do que na floresta aberta com palmeiras, tendo emergentes como Astronium graveolens Jacq. 202 Amazônia Antropogênica Figura 3. Fitofisionomias encontradas em áreas elevadas de Carajás, Pará. A: Floresta ombrófila; B, C: Capão florestal; D-F: Vegetação xerofítica; G-I: Campos naturais; J-L: Área inundada com presença de palmeiras. e Bertholletia excelsa Bonpl. Segundo Pires (1973), esta última pode ser encontrada em associação com bambus. Essa vegetação ocorre ainda nas encostas, vales e cumes paralelos, associada a rochas metavulcânicas, bem como em relevos montanhosos baixos associados a gnáissico-migmatíticos do Complexo Xingu (PARADELLA et al., 1994). Alguns trabalhos foram realizados nas florestas ombrófilas abertas de Carajás, na tentativa de compreender sua composição e estrutura, sendo que todos mencionam predominância de cipós e a presença de manchas de floresta densa. Assim, podemos citar os achados feitos por Silva et al. (1986a) na área de mata primária próxima ao aeroporto da Serra Norte, os quais registraram uma alta diversidade florística quando comparados com outros estudos na Amazônia, sendo Inga spp., Brosimum spp., Protium 203 Amazônia Antropogênica spp., Psychotria spp., Guarea spp. e Mouriri spp., os gêneros dominantes, enquanto que as famílias de maior ocorrência foram Fabaceae, Moraceae, Rubiaceae, Bignoniaceae, Sapindaceae, Lauraceae, Sapotaceae, Burseraceae, Meliaceae e Rutaceae. Numa área de mata próxima ao Igarapé Gelado, na Serra Norte, Silva et al. (1987) identificaram como espécies expressivas Theobroma speciosum Willd. ex Spreng., Amphiodon effusus Huber, Alexa grandiflora Ducke, Tetragastris altissima (Aubl.) Swart, Inga splendens Willd., Attalea speciosa Mart. ex Spreng., Lecythis lurida (Miers) S.A.Mori, Cenostigma tocantinum Ducke. Ribeiro et al. (1999), inventariando diferentes pontos desse tipo florestal em Carajás, encontraram as mesmas espécies, além de Bertholletia excelsa, Guarea sp., Virola sp., Neea oppositifolia Ruiz & Pav. e Micropholis williamii Aubrév. & Pellegr. As famílias mais ricas em número de espécies foram semelhantes àquelas encontradas por Silva et al. (1986a) como Arecaceae, Annonaceae e Lecythidaceae. O que chama a atenção nas áreas de platô é a relevância fitossociológica de Erisma uncinatum Warm. e Aparisthmium cordatum (A.Juss.) Baill., segundo relatos de Salomão et al. (1988), Salomão e Rosa (1989), Morellato e Rosa (1991); e segundo Silva e Rosa (1989), além de A. cordatum, Amphiodon effusus. Fabaceae e Sapotaceae se sobressaíram em todos os referidos trabalhos. Floresta ombrófila aluvial – está relacionada às áreas de planície, em manchas esparsas ao longo dos principais rios, indicando excesso de umidade ou condições de inundação. Nos locais onde não ocorrem clareiras naturais, o dossel com emergentes representa o estrato mais importante em biomassa. Nota-se a ocorrência dominante de açaí (Euterpe oleracea Mart.) próximo às drenagens, enquanto o babaçu (Attalea speciosa Mart. ex Spreng.) é comum perto das encostas. Outras palmeiras importantes são inajá (Attalea maripa (Aubl.) Mart.) e buriti (Mauritia flexuosa L.f.) (PARADELLA et al., 1994; IBAMA, 2003). Floresta ombrófila montana – ocorre nas áreas elevadas (platô) da Serra dos Carajás, sendo frequentemente densa, com árvores emergentes que alcançam 40 m de altura, intercaladas por florestas com cobertura uniforme de aproximadamente 25 m de altura. Essa formação ocorre em platôs associados a lateritos e sua estratificação entre dossel e emergentes é pouco evidente. É uma formação sem incidência de bambus e com algumas lianas (Brasil, 1974; PARADELLA et al., 1994). As espécies características são Dipteryx odorata (Aubl.) Willd., Pouteria spp., Pradosia cochlearia subsp. praealta Ducke., Bowdichia nitida Spruce ex Benth. e Cenostigma tocantinum Ducke (BRASIL, 1974). Características estruturais semelhantes foram observadas por Morellato e Rosa (1991) no platô N3, onde dominam espécies como Erisma uncinatum Warm. e Amphiodon effusus Huber, também documentadas em florestas montanas por Cleef e Silva (1994). Ainda para as áreas elevadas, Morellato e Rosa (1991) mencionam variações na floresta ombrófila montana, localizadas no topo do platô, denominadas mata sucessional e ilhas de vegetação arbórea. A mata sucessional representa um trecho de floresta que avança pela vegetação de canga. Está assentada em solo raso, com cerca de 10 cm de profundidade e sua composição florística assemelha-se às de capoeiras e áreas recémdesmatadas na região. O porte das árvores é menor, com média de nove metros de altura, e o estrato arbustivo é relativamente denso. As espécies comuns nessa vegetação são Aparisthmium cordatum (A. Juss.) Baill., Mezilaurus itauba (Meisn.) Taub. ex Mez, Caraipa 204 Ao que parece, a mata sucessional descrita por Morellato e Rosa (1991) corresponde à vegetação que ocorre na borda dos platôs na Serra dos Carajás, mencionadas por Schaefer et al. (2012), que a inclui juntamente com as ilhas de floresta na tipologia de capões florestais. Tal fitofisionomia possui cobertura arbórea, composta por espécies típicas da floresta ombrófila densa, podendo ocorrer em pequenas depressões circulares ou “ameboides” dentro dos platôs, associados ou não a cavernas, ao longo de grotas, cânions e bordas de lagos. A ocorrência dessas florestas está fortemente associada às áreas de acumulação coluviais, com solos de 20 cm a 1m de profundidade, onde a retenção hídrica e de nutrientes são favorecidas. Entre as espécies emergentes, destacam-se Ficus sp., Nectandra sp., Mabea sp., Pseudopiptadenia suaveolens (Miq.) J.W.Grimes, Pouteria spp. e Vochysia sp. No dossel, ocorrem Miconia sp., Myrcia spp., Caryocar villosum (Aubl.) Pers., Endopleura uchi (Huber) Cuatrec., Ocotea caudata (Nezz) Mez, dentre outras. No sub-bosque, a dominância é de Cordia nodosa Lam. e Xylopia polyantha R.E.Fr. (SCHAEFER et al., 2012). Amazônia Antropogênica densifolia Mart., Matayba guianensis Aubl., Myrcia atramentifera Barb. Rodr., Miconia alborufensis Naudin, Trichilia quadrijuga Kunth e Pilocarpus microphyllus Stapf ex Wardleworth. Os capões florestais são apresentados por Nunes (2009) como uma Floresta Estacional Semidecidual Montana que ocorre em ilhas de vegetação distribuídas no interior dos platôs. Esses capões não se diferem muito do padrão descrito para matas altas, mas há maior dominância de Myrtaceae, Melastomataceae, Euphorbiaceae e Fabaceae, além da presença de duas espécies arbóreas dominantes nos campos rupestres: Callisthene microphylla Warm. e Mimosa acutistipula var. ferrea Barneby. Nos capões situados nas bordas de platôs, a estrutura e a fitofisionomia da vegetação são comparáveis às dos capões altos do interior do platô, mas encontram-se em conexão com a vegetação de vertente (floresta ombrófila densa), com as quais se interpenetram (SCHAEFER et al., 2012). Vegetação inundada com presença de palmeiras – essa formação ocorre nas áreas de inundação permanente, presente em alguns locais, associada à vegetação de canga. As condições ecológicas nessa vegetação se aproximam das descrições de Velloso (1992 apud IBGE 2012) sobre as formações pioneiras de influência lacustre, diferindo destas por se situar em áreas elevadas. As depressões inundadas favorecem uma comunidade vegetal adaptada a solos mal drenados, brejosos, assemelhando-se fisionomicamente às veredas ocorrentes no cerrado, sendo marcante a dominância de palmeiras. Cleef e Silva (1994) explicam que este tipo de vegetação marca o fim da sucessão em sedimentos orgânicos, margeando as áreas inundadas. Essa fitofisionomia foi documentada também por Morellato e Rosa (1991), sendo ainda objeto de estudos palinológicos e paleobotânicos (CORDEIRO et al., 2008; HERMANOWSKI et al., 2012). No platô N3 da Serra Norte, Morellato e Rosa (1991) descreveram esse ambiente como uma ilha de vegetação localizada no centro do afloramento, em meio à canga herbácea, em uma depressão onde se acumulam sedimentos e água da chuva. Como parte desse ambiente permanece úmido ao longo do ano, o estrato herbáceo apresenta-se contínuo e denso e há o desenvolvimento de uma vegetação dominada por buritirana (Mauritiella armata (Mart.) Burret). Conforme observações de campo na Serra Sul, esta palmeira pode estar associada à Mauritia flexuosa e Euterpe oleracea. 205 Amazônia Antropogênica A vegetação inundada é muito pobre em espécies e pouco similar às demais formações do entorno. As famílias mais relevantes no estrato arbóreo são Arecaceae, Chrysobalanaceae, Theaceae, Annonaceae, Icacinaceae, Melastomataceae e Fabaceae. No estrato arbustivo, dominam Ochnaceae, Melastomataceae, Chrysobalanaceae, Erythroxilaceae, Lauraceae, Moraceae e Theaceae. Quantos às dicotiledôneas dominantes observaram-se Heisteria acuminata (Humb. & Bonpl.) Engl. e Virola surinamensis (Rol. ex Rottb.) Warb., além de alguns indivíduos de Vismia baccifera (L.) Triana & Planch., Simarouba amara Aubl., Vochysia haenkeana Mart., Tapirira guianensis Aubl., Abrus fruticulosus Wight & Arn., Coccoloba mollis Casar., Uncaria tomentosa (Willd. ex Roem. & Schult.) DC. e Doliocarpus spraguei Cheesman. (MORELLATO; ROSA, 1991). À medida que se distancia dessas áreas, o solo torna-se mais seco, dando lugar a uma vegetação arbórea composta por espécies de terra firme e vegetação xerofítica. Vegetação não florestal de Carajás: Canga Ocupando cerca de 90 km², a canga está restrita às áreas mais altas da Serra dos Carajás, onde aflora o minério de ferro (canga), tomando um aspecto de clareira, bem destacada da floresta ombrófila circunvizinha (AB’SABER, 1986; SILVA et al., 1986b; PARADELLA et al., 1994; NUNES, 2009). Uma típica vegetação rupestre se desenvolve neste complexo ambiente, com estrato herbáceo-arbustivo bem evidente e poucos indivíduos de porte arbóreo (SILVA et al., 1986b). A associação de fatores como a pobreza de nutrientes, a baixa capacidade de retenção de água e a concentração de metais pesados provavelmente exercem uma pressão ao desenvolvimento das espécies vegetais neste ambiente, levando a uma seleção natural muito rigorosa (PORTO; SILVA, 1989; SILVA, 1989; SILVA et al., 1996), que dá origem a uma comunidade de plantas adaptadas à alta radiação ultravioleta, a elevadas temperaturas diárias, à rápida perda de água, a ventos fortes e à cobertura do solo pouco desenvolvida (JACOBI et al., 2007). Um dos primeiros registros relacionados à caracterização da canga foi divulgado pelo Projeto Radam (BRASIL, 1974), que a classificou como ecossistema esclerófilo arbustivo, equiparando sua fisionomia à vegetação do Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais. Ao longo dos anos, no entanto, a complexidade observada nesse ambiente levou à proposição de várias terminologias: vegetação de canga (SECCO; MESQUITA, 1983), campo rupestre (SILVA et al., 1986b), vegetação metalófila (PORTO; SILVA, 1989) e vegetação xerofítica (RAYOL, 2006). Segundo Schaefer et al. (2012), o termo savana metalófila não é apropriado, pois o padrão desta fitofisionomia se assemelha mais à caatinga do que ao cerrado, devido a marcante presença de espécies esclerófilas e xerofíticas e ao elevado grau de caducifolismo. Além disso, explicam que o clímax local é sempre a floresta, conforme a espessura do solo o permitir, sendo comuns áreas de ecótonos. No entanto, outros autores comentam que semelhanças florísticas de fato ocorrem tanto com o cerrado (Anacardium occidentale L., Norantea guianensis Aubl., Byrsonima spp., Aechmea bromeliifolia (Rudge) Baker, Ananas ananassoides (Baker) L.B. Sm., Erythroxylum citrifolium A.St.- 206 O ecossistema de canga em Carajás abrange uma diversidade expressiva de orquídeas, sendo importante refúgio para várias espécies que se adaptaram à intensa pressão seletiva exercida pelo ambiente. Isso explica, por exemplo, a ocorrência restrita de algumas espécies como Catasetum discolor (Lindl.) Lindl., C. planiceps Lindl., Epidendrum purpurascens Focke e Sobralia liliastrum Salzm. ex Lindl. Outras espécies são ecologicamente mais versáteis, caso de Epidendrum nocturnum Jacq., presente em todas as fitofisionomias (SILVEIRA et al., 1995). Amazônia Antropogênica Hil.), quanto com a caatinga (Mimosa acutistipula (Mart.) Benth. e Cereus sp.) (SECCO; MESQUITA, 1983; MIRANDA; FILHO, 1994). Outro grupo vegetal importante no ecossistema de canga são as briófitas, com valor potencial para a avaliação geoquímica, uma vez que certas espécies podem indicar a deposição de minerais. Na Serra dos Carajás, as famílias Calyperaceae, Dicranaraceae e Hypnaceae são bastante representativas e entre as espécies mais frequentes está Campylopus savannarum (Müll. Hal.) Mitt (LISBOA; ILKIU-BORGES, 1996). Optou-se neste trabalho por considerar a canga como sendo constituída basicamente por duas fitofisionomias não florestais – a vegetação xerofítica e os campos naturais (SILVA et al., 1996; RAYOL, 2006 ), a seguir caracterizadas: Vegetação xerofítica – ocorre em ambiente extremamente adverso, cobrindo toda área de canga, principalmente as áreas escarpadas. É representada por uma comunidade de plantas que crescem sobre solo muito raso, formando fina camada sobre a rocha, onde predominam gramíneas e arbustos caducifólios, sendo raros indivíduos arbóreos (MORELLATO; ROSA, 1991; SILVA et al., 1996). Os tipos de solo são os Plintossolos Pétricos, Litoplínticos ou Concrecionários (SCHAEFER et al., 2012). Cleef e Silva (1994) documentaram pelo menos seis diferentes comunidades de plantas para esse ambiente. No entanto, o estrato arbustivo mostra notável homogeneidade de composição florística (SCHAEFER et al., 2012; CHAVES; FERREIRA, 2014), mas com mudanças importantes de abundância e dominância (CHAVES; FERREIRA, 2014). Neste estrato são frequentes espécies como Aspilia attenuata (Gardner) Baker, Bauhinia pulchella Benth., Croton spp., Periandra mediterranea (Vell.) Taub., Tibouchina spp., Cereus hexagonus (L.) Mill., Cuphea annulata Koehne, C. mimuloides Cham. & Schltdl., Lippia origanoides Kunth e Erythroxylum nelson-rosae Plowman (PLOWMAN, 1984; SECCO; MESQUITA, 1983; SILVA, 1991; SILVA et al., 1996; RAYOL, 2006; MORELLATO; ROSA, 1991; CHAVES; FERREIRA, 2014). Em relação à composição florística, para o estrato herbáceo foram comumente relatados Axonopus spp., Paspalum sp., Bulbostylis sp., Cyperus sp., Sobralia liliastrum, Anthurium solitarium Schott, Ananas ananassoides (Baker) L.B.Sm., Dyckia duckei L.B. Sm., Borreria carajasensis E.L. Cabral & L.M, Miguel, B. elaiosulcata E.L. Cabral & L.M. Miguel, B. paraenses E.L. Cabral & L.M. Miguel (SILVA et al., 1996; RAYOL, 2006; CABRAL et al., 2012). No estrato arbóreo, destacaram-se Alchornea discolor Poepp., Callisthene microphylla Warm., Quassia amara L., Byrsonima spicata (Cav.) DC., Mimosa acutistipula var. ferrea Barneby, Pouteria ssp., Ficus sp., Myrcia guianensis (Aubl.) DC., Parkia platycephala Benth. e Anacardium occidentale (SECCO; MESQUITA, 1983; RAYOL, 2006; SILVA et al., 1996; SILVA, 1991; MORELLATO; ROSA, 1991). 207 Amazônia Antropogênica Várias espécies de lianas, trepadeiras e plantas volúveis foram observadas nesses ambientes, como Cassytha filiformis L., Ipomoea marabaensis D.F.Austin & Secco, I. carajasensis, I. cavalcantei D.F. Austin, Norantea guianensis Aubl., Philodendron sp., Smilax campestris Griseb., Banisteriopsis malifolia var. apressa B.Gates (SECCO; MESQUITA, 1983; RAYOL, 2006; SILVA et al., 1996; SILVA, 1991; CHAVES; FERREIRA, 2014). Campos naturais – predominam na área mais central das elevações, onde há o afloramento de minério de ferro e a camada de solo é muito rasa ou inexistente. Ocorre em relevo semiplano ou tendendo a côncavo, favorável à deposição de água no período chuvoso, devido também à impermeabilidade da “canga”. Neles predominam as espécies de ciclo curto (MORELLATO ; ROSA, 1991; IBAMA, 2003); são ricos em Poaceae e Cyperaceae, apresentando certas partes úmidas, onde aparecem as Burmaniaceae, Utricularia sp. e pequenas espécies de Fabaceae (SECCO; MESQUITA, 1983; MORELLATO; ROSA, 1991). Também ocorrem Cassytha filiformis, Norantea guianensis, Anthurium solitarium, Thibouchina spp., Ipomoea spp. e Bromeliaceae (CLEEF; SILVA, 1994). Os campos naturais correspondem sempre às áreas de plintossolos pétricos mais raso de toda a Serra dos Carajás, onde o solo friável raramente ultrapassa 10 cm do horizonte A, rico em matéria orgânica, na maioria das vezes com antigos termiteiros abandonados, formando microbolsões onde enraízam as Vellozia e Sobralia, táxons dominantes nesse ambiente (SCHAEFER et al., 2012). ASPECTOS PALEOECOLÓGICOS A evolução da diversidade de espécies e ambientes acima apresentados vem sendo também investigada a partir de uma perspectiva paleoecológica. Segundo Absy et al. (2014), Carajás está entre os poucos locais da Amazônia que permitem a reconstituição de condições glaciais. Os registros mostram a expansão da vegetação não florestal (savana) durante quatro episódios, dois deles particularmente eminentes e coincidentes com lacunas sedimentares, em que táxons de herbáceas dos gêneros Borreria e Cuphea e das famílias Poaceae, Asteraceae e Caryophyllaceae, atingem uma elevada abundância (ABSY et al., 1991; VAN DER HAMMEN; ABSY, 1994). Colinvaux et al. (1996) contestaram tal resultado, explicando que esses táxons não indicariam necessariamente vegetação aberta, mas condições pantanosas muito locais. No entanto Absy et al. (2014) refutaram este argumento, mostrando que os dados de chuva de pólen nos mesmos locais de ambientes de savana em Carajás apoiam as interpretações iniciais e que estes táxons herbáceos representam hábitats abertos e secos, à exceção de Poaceae, cuja interpretação deve ser cuidadosamente associada a outros táxons nas abordagens paleoecológicas. Estas mudanças climáticas favoreceram a ocorrência de táxons como Podocarpus e Ilex em alguns momentos da história da vegetação local, os quais são comuns em condições ambientais com temperaturas mais baixas (ABSY et al., 1991; HERMANOWSKI et al., 2012). Nenhum dos dois está registrado nos levantamentos da vegetação contemporânea da região, embora exemplares ocorram em outras áreas do Pará (ABSY 208 Hermanowski et al. (2012), a partir de dados coletados na Serra Sul, indicam a transição de um clima seco e frio (entre 25.000 a 11.400 anos AP) para um clima mais quente e úmido no Holoceno inicial (entre 11.400 a 10.200 anos AP), com o desenvolvimento de uma forte sazonalidade no Sudeste amazônico no Holoceno inicial e médio (entre 10.200 a 3.400 anos AP). A floresta tropical nas encostas da Serra Sul, por exemplo, desenvolveuse no período úmido no Holoceno Inicial, quando as condições climáticas modernas foram estabelecidas, passando a adaptar-se a temperaturas mais amenas e coexistindo com a vegetação de savana durante o último máximo glacial. Durante o Holoceno médio, a vegetação de savana passou a ser mais estendida e tais florestas eram possivelmente comunidades menos densas, capazes de lidar com longos períodos de seca. Amazônia Antropogênica et al., 1991, 2014; FLORA DO BRASIL, 2015). Outro táxon discutido nas análises sobre mudanças ambientais é Myrsine, atualmente presente em solos rochosos e cumes de morros de Carajás (ABSY et al., 2014). A maior parte dos estudos destacam as mudanças climáticas como a principal causa das alterações mais drásticas nesta região (SIFEDDINE et al., 2001; CORDEIRO et al., 2008). Parte das mudanças ocorridas na paisagem de Carajás se deve aos paleoincêndios, frequentes entre 11.000 e 10.200 anos AP; no entanto os indícios de intensificação de incêndios no passado e a abundância de alguns táxons vegetais têm sido atribuídos também à perturbação humana desde o início do Holoceno (TURCQ et al., 1998; HERMANOWSKI et al., 2012, 2015). Os registros de incêndios frequentes na Serra Sul, analisados por Hermanowski et al. (2015), indicam a presença de táxons importantes de vegetação florestal, como Anacardiaceae, Bignoniaceae e Fabaceae. Para explicar essas ocorrências, esses autores sugeriram três alternativas: influência climática, influência antrópica ou ambas combinadas. A investigação sobre essas explicações pode receber contribuição de dados arqueológicos, sobretudo aqueles relacionados à composição taxonômica encontrada nos vestígios do material carbonizado nos sítios, tanto de áreas elevadas como de terras baixas. Tais informações poderão ampliar o entendimento sobre a interação do homem com a vegetação, bem como sobre a representatividade de táxons de floresta e de savana tanto na paisagem como nas práticas culturais desenvolvidas pelas populações pretéritas que ocuparam esta região. A INTERVENÇÃO HUMANA NA VEGETAÇÃO DE CARAJÁS Até o momento, foi discutida a estrutura e formação dessas florestas levando em consideração fatores edáficos, geomorfológicos, climáticos e fitogeográficos. No entanto, abordagens que considerem o fator antrópico são necessárias, sobretudo pelo fato de evidências científicas indicarem que várias partes do mundo foram habitadas, tendo sua vegetação manejada e modificada ao longo de milhares de anos, uma vez que as sociedades antigas eram mais dependentes do meio ambiente local para a obtenção de recursos importantes em sua subsistência (ALCORN, 1981; GÓMEZ-POMPA, 1987; BALÉE, 1994; GÓMEZ-POMPA ; KAUS, 2000). 209 Amazônia Antropogênica Pesquisas realizadas no sentido de relacionar vestígios de intervenção no ambiente associados a sítios arqueológicos vêm demonstrando que o homem, ao longo do passado, conseguiu moldar o seu entorno, de maneira que traços dessas intervenções perduram até a contemporaneidade (ROOSEVELT et al., 1996; HECKENBERGER et al., 2003; JUNQUEIRA et al., 2010; BALÉE et al., 2014). No contexto amazônico, a ocupação humana ocorreu no final do Pleistoceno e início do Holoceno, e se deu em ambientes diversificados, como as áreas de várzea, floresta de terra firme e áreas de savana (MAGALHÃES, 2005; ROOSEVELT et al., 1996). Neste contexto, nos últimos anos Carajás se tornou um centro importante de estudos arqueológicos, onde foi demonstrada a existência de um complexo de sítios arqueológicos, tanto em áreas baixas, associados a florestas ombrófilas de terra firme e aluviais, como nas áreas mais elevadas, nas cavernas e topos de platôs, onde estão associados à vegetações submontana e montana (SILVEIRA, 1994; SILVEIRA et al., 2008; MAGALHÃES, 2005, 2009). Vestígios de caçadores-coletores confirmam que há milhares de anos já ocorria exploração de recursos vegetais e animais nessa região, que é uma das poucas áreas do Sudeste do Pará com registros desta natureza (SILVEIRA, 1994; SILVEIRA et al., 2008; MAGALHÃES, 2005, 2009). Essa ocupação, iniciada por caçadores-coletores, evidencia uma adaptação aos recursos naturais oriundos de florestas, mesmo sob importantes variações climáticas, explica Magalhães (2005). O que se conhece sobre o aproveitamento de recursos vegetais pelas populações préhistóricas de Carajás abrange, por exemplo, Manihot esculenta Crantz, frutos diversos de Arecaceae, Spondias sp., Hymenaea sp., Caryocar sp., resinas de Piptadenia sp., além de diversas espécies utilizadas como lenha. Os vestígios de vários táxons infelizmente se perderam no tempo, devido à vulnerabilidade desse material às intempéries, muito intensas nas condições climáticas amazônicas (SILVEIRA, 1994; MAGALHÃES, 2009). Sem mencionar que nenhum estudo arqueobotânico propriamente dito foi realizado para essa área. Mesmo assim, tais evidências são suficientes para justificar investigações acerca da importância e do impacto das populações humanas pioneiras (caçadores-coletores) sobre a presença e distribuição de espécies vegetais, bem como acerca de aspectos culturais de ordem material e social transmitidos às populações agricultoras posteriores, como defendido por Magalhães (2005). Um dos desafios para a arqueologia de Carajás é identificar como tais populações se organizavam cultural e territorialmente, sendo imprescindível, portanto, aprofundar analiticamente as informações sobre as formas de apropriação dos recursos naturais e de transformação da paisagem. Atualmente, as diferentes fitofisionomias de Carajás guardam uma riqueza expressiva de espécies úteis, não apenas no entorno dos sítios arqueológicos identificados, mas na vegetação como um todo. Plantas de uso alimentício, medicinal, produtoras de fibras, entre outros, são bastante evidentes, e precisam ser mais bem estudadas à luz de questões etnobiológicas e arqueológicas. Os exemplos apresentados na Tabela 1 dizem respeito às espécies mais características das principais fitofisionomias aqui tratadas e resultam da pesquisa bibliográfica e de dados iniciais de campo. 210 Fitofisionomia Espécie Categoria de uso Floresta Abuta grandifolia (Mart.) Sandwith Agonandra brasiliensis Miers ex Benth. & Hook. f. Aniba canelilla (Kunth) Mez Astrocaryum mumbaca Mart. Astrocaryum tucuma Mart. Attalea speciosa Mart. ex Spreng. Bertholletia excelsa Bonpl. Byrsonima crassifolia (L.) Kunth Caraipa densifolia Mart. Copaifera duckei Dwyer Copaifera multijuga Hayne Dialium guianense (Aubl.) Sandwith Dipteryx odorata (Aubl.) Willd. Endopleura uchi (Huber) Cuatrec. Inga alba (Sw.) Willd. Inga edulis Mart. Lecythis pisonis Cambess. Mezilaurus itauba (Meisn.) Taub. ex Mez Myrcia atramentifera Barb. Rodr. Neea oppositifolia Ruiz & Pav. Oenocarpus bacaba Mart. Oenocarpus distichus Mart. Pouteria guianensis Aubl. Virola michelii Heckel Xylopia aromatica (Lam.) Mart. Anacardium occidentale L. Ananas ananassoides (Baker) L.B.Sm. Bauhinia pulchella Benth. Byrsonima spicata (Cav.) DC. Cereus hexagonus (L.) Mill. Chamaecrista flexuosa (L.) Greene Cochlospermum orinocense (Kunth) Steud. Periandra mediterranea (Vell.) Taub. Lippia origanoides Kunth Mimosa acutistipula var. ferrea Barneby Norantea guianensis Aubl. Smilax campestris Griseb. Caraipa grandifolia Mart. Euterpe oleracea Mart. Heisteria acuminata (Humb. & Bonpl.) Engl. Machaerium macrophyllum Benth. Mauritia flexuosa L.f. Mauritiella armata (Mart.) Burret Nectandra amazonum Nees Piper hostmannianum (Miq.) C.DC. Virola surinamensis (Rol. ex Rottb.) Warb. Andropogon bicornis L. Cassytha filiformis L. Rhynchospora barbata (Vahl) Kunth MED, AL, TO MED, AC, COM, MAT MED, MAT MED, AL, AC, MAT MED, AL, MAT MED, AC, MAT MED, AL MED, AL, AC MED, MAT MED MED MED, AL, AC, COM MED, AL, COM, MAT MED, AL, AC, MAT MED, AL, AC, COM, MAT MED, AL MED, AL, AC, COM, MAT AL, MAT AC, MAT MED, AC, COM AL, MAT AL, AC, COM, RIT, MAT AC, MAT MED, AC, COM MED, MAT MED, AL, MAT MED, AL MED MED, AL, AC AL MED MED, MAT MED MED MED, COM, MAT MED MED MED, MAT MED, AL, AC, MAT MED COM AL, MAT MAT MAT MED, AC MED, MAT MED, MAT MED MED Vegetação xerofítica Área inundada com palmeiras Campos naturais Amazônia Antropogênica Tabela 1. Fitofisionomias e exemplos de espécies úteis presentes na vegetação atual de Carajás, Pará. MED: medicinal; AL: alimentícia; TO: tóxica; AC: atração para caça; MAT: material (fibras, construções, utensílios domésticos, entre outros); RIT: ritualística; COM: combustível. Fonte: Dados preliminares de campo (PACA). 211 Amazônia Antropogênica As peculiaridades ambientais e históricas de Carajás chamam a atenção pelo fato de sua vegetação apresentar todas as características descritas no acervo teórico etnobotânico sobre a interação entre pessoas e plantas, tanto no presente quanto no passado, configurando um cenário de pesquisas relevante para a Amazônia. Algumas dessas características são as aglomerações de castanhais e a alta concentração de cipós em vários pontos nas florestas de Carajás, cujos padrões se comparam àqueles definidos por Balée (1989) para florestas antropogênicas amazônicas. Pesquisas realizadas no sítio arqueológico Mangangá em Carajás, no âmbito do PACA, vêm revelando resultados bastantes interessantes para análises desta natureza. A vegetação neste local é uma floresta ombrófila submontana, com alta incidência de cipós e espécies com altura mediana claramente distinta da cobertura vegetal do entorno, principalmente no local de maior ocorrência de material arqueológico. Seu dossel é muito mais baixo e aberto do que o da floresta do entorno; a copa das árvores e o subbosque apresentam grandes emaranhados de lianas (cipós lenhosos). A estrutura da vegetação é tão contrastante que é possível visualizar em imagens de satélite uma mancha de floresta mais baixa, sem a presença de árvores emergentes. À medida que se distancia da área correspondente ao sítio, a vegetação torna-se cada vez mais alta, com cobertura mais uniforme, cujo dossel varia em torno de 20 m de altura. Na área de abrangência do sítio, onde foram inventariados dois hectares, as espécies úteis não foram muito frequentes. Porém foi constatada a presença marcante de lianas como Adenocalymma validum (K. Schum) L.G.Lohmann e Deguelia amazonica Killip, além de Cenostigma tocantinum Ducke, Neea oppositifolia Ruiz & Pav., Phenakospermum sp., espécies apontadas como indicadoras de intervenção antrópica (BALÉE, 1989). Em um determinado trecho mais distante do sítio, observa-se a formação de uma trilha (caminho) que, aparentemente, parece interligar as áreas submontanas (sítio Mangangá) com as áreas montanas do platô, onde se encontram os sítios de cavernas. Nessa trilha, as imagens de satélite mostraram várias “reboleiras” ou concentrações de castanheiras. Em umas dessas concentrações observou-se alta abundância e riqueza de espécies úteis, tendo sido encontradas oito castanheiras, numa área com um pouco mais de um quarto de hectare. Esse resultado pode ser comparado com os achados de Salomão (2009) na região de Porto Trombetas, onde o autor chama atenção para a alta concentração e dominância de castanheiras em suas parcelas. Para a região de Carajás, essa ocorrência expressiva de castanheiras foi descrita por Balée (1989), que menciona ser comum a associação de agrupamentos dessa espécie com terra preta de índio, principalmente ao longo do Rio Itacaiúnas. A observação é perfeitamente plausível, quando comparada aos relatos de Anderson e Posey (1985) e Posey (1985), a respeito das práticas de cultivo desta espécie pelos Kayapó de Gorotire, no Sul do Pará. Outras espécies úteis foram abundantes nessa área mais afastada do sítio, como: Caryocar villosum (Aubl.) Pers., Bertholletia excelsa Bonpl., Endopleura uchi (Huber) Cuatrec., Theobroma glaucum H.Karst., Pouteria sp., Passiflora sp., palmeiras como Attalea maripa (Aubl.) Mart., Euterpe oleracea Mart. e Socratea exorrhiza (Mart.) H.Wendl., além de medicinais como Omphalea 212 Amazônia Antropogênica diandra L. A alta concentração de espécies úteis distantes do local de moradia foi registrada em estudos relacionados a populações indígenas contemporâneas, tanto na Amazônia (POSEY, 1985) como em outras partes do mundo (ALCORN, 1981). Considerando que as áreas estudadas não possuem uma variação topográfica muito diferenciada, é possível que correspondam aos antigos roçados, resultantes do transplante e enriquecimento com espécies de interesse. Novas perspectivas quanto às abordagens sobre a paisagem de Carajás podem ganhar interpretações mais ricas, integrando os dados botânicos aos estudos arqueológicos. Além dos levantamentos florísticos e fitossociológicos, estão em curso pesquisas sobre os vestígios botânicos encontrados nas escavações em sítios dessa área, com vistas a caracterizar o uso de plantas pelas culturas pretéritas da região e, ao mesmo tempo, reconstituir a paleovegetação local. Como são registradas duas fases históricas antigas em Carajás, Cultura Tropical e Cultura Neotropical, é pertinente estimar a diversidade taxonômica em cada fase, e analisar a similaridade entre elas. Finalmente, sugere-se relacionar os registros das formações vegetais que ocorreram no passado e compará-los com as formações atuais, o que pode ajudar a compreender os fatores que contribuem para a permanência ou deslocamento das espécies desse ambiente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreender a vegetação que ocorre em Carajás, tanto nas áreas baixas como nas de platôs, é uma tarefa complexa, devido à variedade de suas fitofisionomias, exigindo reunir informações das diversas pesquisas realizadas em diferentes pontos dessa área, onde predominam os dados relativos à Serra Norte. Análises mais detalhadas vêm sendo alcançadas nos últimos anos com o avanço dos estudos na Serra Sul, o que tem permitido caracterizar de maneira mais abrangente as fitofisionomias locais, suas semelhanças e variações entre as serras dessa área. Os estudos sobre os ecossistemas presentes em Carajás, a partir da interação de dados botânicos e arqueológicos, podem contribuir significativamente ao entendimento sobre a formação da vegetação local, e ao mesmo tempo, enriquecer as discussões inerentes à conservação de patrimônios biológicos e culturais na Amazônia. As análises sobre a diversidade das florestas tropicais não podem dispensar fatores antropogênicos, caso contrário correm o risco de culminar em visões inadequadas ou limitadas sobre esses ecossistemas, muitas vezes encarados como ambientes “virgens” ou “intocados”. 213 Amazônia Antropogênica SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS EM CAVIDADES NA AMAZÔNIA: escolhas e usos Carlos Augusto Palheta Barbosa INTRODUÇÃO O resultado da ação dinâmica de agentes físico-químicos sobre algumas estruturas de relevo pode formar feições geomorfológicas conhecidas como cavidades naturais. Geralmente elas são conhecidas como caverna, lapa, furna, gruta e outros nomes regionais. As cavidades naturais foram conceituadas segundo o Decreto 9556/90 como: [...] todo e qualquer espaço subterrâneo penetrável pelo homem com ou sem abertura identificada, popularmente conhecido como caverna, incluindo seu ambiente, conteúdo mineral e hídrico, a fauna e a flora ali encontrados e o corpo rochoso onde os mesmos se inserem, desde que a sua formação haja ocorrido por processos naturais, independentemente de suas dimensões ou do tipo de rocha encaixante. Nesta designação estão incluídos todos os termos regionais, tais como gruta, lapa, toca, abismo, furna e buraco. Essas feições apresentam imenso potencial para o estudo científico de diversas áreas do conhecimento, pois nelas podem ser coletados dados biológicos, químicos, geológicos, culturais e outros. No Brasil, a existência de diferentes formas de relevo com base geológica de diferentes composições litológicas, como ferruginosas, calcárias e areníticas, permitiu no desenvolvimento geomorfológico o surgimento de inúmeras cavidades presentes na configuração geomorfológica atual. Não é possível apresentar a quantidade de cavidades existentes, mas com certeza são milhares espalhadas em todo o território nacional. Porém ainda são poucos os trabalhos voltados ao estudo desses ambientes de acordo com Ribas e Carvalho (2009). Isso talvez ocorra pelo elevado custo e dificuldade para acessar áreas potencialmente propícias 215 Amazônia Antropogênica para a existência de cavidades, especialmente aquelas que no passado remoto abrigaram populações humanas. Assim, mesmo que de forma sucinta, o sentido deste capítulo é apresentar uma proposta de análise das características físicas de cavidades existentes em três regiões da Amazônia, sob a perspectiva arqueológica, pois muitas dessas feições que fizeram parte do contexto vivido por diferentes grupos humanos pretéritos apresentam em suas características físicas elementos que remetem a escolhas culturais para o uso desses ambientes. Na Amazônia existem várias regiões conhecidas e estudadas arqueologicamente onde é marcante a presença de sítios arqueológicos do tipo abrigado (cavernas, grutas ou abrigos), como Maracá, no estado do Amapá e Monte Alegre e Carajás, no estado do Pará. Porém, na maioria dos estudos sobre esses tipos de sítios não há abordagem específica em relação aos aspectos físicos e espaciais relacionados às características culturais existentes no registro arqueológico, de forma que pouco se sabe sobre o papel desempenhado por esses ambientes nas antigas culturas amazônicas. O que se pode inferir sobre as cavidades dessas regiões é que no passado estas se integravam ao contexto da paisagem cultural de cada grupo local e eram lugares carregados de conotações simbólicas, não havendo necessidade de intervenções e transformações físicas no ambiente para serem identificados como parte do pertencimento de um grupo. A identificação desses espaços era cognitiva e usual, e se enquadra no esquema classificatório nativo definido por Lévi-Strauss (1989), que é comum entre grupos indígenas amazônicos atuais, onde elementos do ambiente natural fazem parte de um processo cognitivo ligado a uma dimensão sensível e emocional para determinado grupo humano (BARBOSA, 2011). As cavidades são partes integrantes de diferentes paisagens. Ou seja, em cada uma existiam ideias construídas a seu respeito, o que de certa forma justifica a sua “domesticação” através de diversos contextos culturais (MAGALHÃES, 2009). Assim, as cavidades integradas a um contexto de paisagem historicamente construído possuíam agregados a elas valores que por vezes excediam a necessidade de subsistência. Como foi dito são valores simbólicos, e servem como estratégias para a construção e constituição social, não sendo necessária a existência de marcas de intervenção humana para ser considerada como cultural (SILVEIRA, 2009). Desse modo, as escolhas desses ambientes por diferentes grupos humanos no passado, na Amazônia, são escolhas subjetivas de natureza cultural. Todavia, mesmo com olhar atento nos vestígios arqueológicos existentes nas cavidades das regiões citadas, não se pode estimar o verdadeiro sentido cognitivo desses ambientes para os antigos grupos humanos que os utilizavam. Porém, é possível notar características físicas e geográficas privilegiadas na escolha desses lugares, como: posição estratégica, topografia plana, ambiente seco, amplo espaço interno, iluminação, forma da entrada, etc. Essas características físicas e geográficas associadas ao conjunto de informações arqueológicas nos permitem destacar a função e o padrão de escolha cultural de cavidades, empregadas pelas diferentes sociedades pretéritas, no caso, as da região de Maracá, Monte Alegre e Carajás. 216 Em Maracá, as cavidades foram usadas como espaço para ritos funerários. Esses sítioscemitério, da cultura Maracá, estão localizados na região sudeste do atual estado do Amapá em uma área definida arqueologicamente como Mazagão e sob influência do Igarapé do Lago, que é um afluente do rio Maracá (Figura 1). O rio Maracá, por sua vez, é um pequeno afluente da margem esquerda do Amazonas, cuja foz situa-se a 60 km sul da linha do Equador e tem uma extensão de aproximadamente 300 km (GUAPINDAIA; MACHADO, 1997). Amazônia Antropogênica OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS EM CAVIDADES NA REGIÃO DE MARACÁ Figura 1. Mapa com destaque da área arqueológica de Mazagão e com delimitação do rio Igarapé do Lago. Fonte: Guapindaia e Machado (1997). Digitalização e tratamento: Carlos Barbosa. 217 Amazônia Antropogênica Extensas áreas sob a influência do rio Igarapé do Lago são inundáveis, mas existem áreas livres de inundações que se situam ao norte e ao sul do Igarapé do Lago e são compostas de ravinas e vales encaixados. A oeste são comuns as superfícies pediplanas onde têm lugar afloramentos rochosos sedimentares (Figura 2). A formação geológica desses lugares proporcionou o surgimento de lapas, grutas e abrigos-sob-rocha (RADAM BRASIL,1974). Figura 2. Rio Igarapé do Lago no período de cheia, ao fundo a Serra do Laranjal. Foto: Edithe Pereira. Pesquisas A cultura arqueológica de Maracá é caracterizada por urnas funerárias nas formas antropomorfas, zoomorfas e tubulares (BARBOSA, 2011). Ela se tornou conhecida a partir 1871, quando o naturalista Domingos Soares Ferreira Penna, explorando a região sudeste do atual Estado do Amapá, localizou grutas contendo urnas funerárias e coletou alguns desses objetos (PENNA, 1877). No ano de 1896, Aureliano Lima Guedes, colaborador de Emílio Goeldi, realizou o levantamento geral da região de Maracá, onde encontrou vários sítios arqueológicos, alguns deles eram sítios-cemitérios (CHYMZ, 1976), localizados em grutas e continham os mesmos tipos de urnas encontradas por Ferreira Penna em 1871 (GUEDES, 1897). No período de 1995 a 2002, Vera Guapindaia, arqueóloga do Museu Goeldi desenvolveu o projeto “Estudos Arqueológicos na região do Igarapé do Lago , rio Maracá, Estado do Amapá”, com o objetivo de investigar a história antiga daquela região (GUAPINDAIA; MACHADO, 1997; 218 Amazônia Antropogênica GUAPINDAIA, 1999, 2000, 2001, 2005, 2008). No desenvolvimento desse projeto foram localizados 17 sítios arqueológicos, sendo que três sítios habitação e 14 sítios cemitério. No estudo de Barbosa (2011) sobre a iconografia existente nas urnas antropomorfas do sítio Gruta das Caretas, as cavidades são apresentadas como parte integrante da linguagem visual exigida para o ritual funerário Maracá. Características e escolhas Nos vales formados pelos afloramentos rochosos da região do rio Maracá existem inúmeros abrigos e grutas. Cada um desses lugares possui características variadas no que se referem às suas localizações topográficas, proteção das chuvas, tamanho de salão, luminosidade interna, umidade, etc. No entanto apenas alguns desses lugares foram selecionados pelo grupo Maracá para a realização de práticas funerárias. A escolha de um espaço para a realização de atividades sagradas, como o espaço para rituais funerários, por exemplo, precisa estar de acordo com inúmeros fatores de ordem física, cosmológica e social. Mas, apesar do uso desses espaços ser para uso funerário, é difícil estabelecer quais foram os fatores de ordem social e cosmológica que influenciaram na escolha dos lugares. Contudo é possível observar e definir características físicas possivelmente privilegiadas nessa escolha, que direta ou indiretamente estão relacionadas às ordens sociais e cosmológicas do grupo. As grutas escolhidas foram aquelas que possuíam localização topográfica privilegiada (lugares altos)1, salão com grande espaço, mas principalmente boa luminosidade interna proporcionada pela abertura da entrada ou por buracos no teto, que funcionam como claraboia. Já os abrigos escolhidos, foram aqueles que possuíam principalmente localização topográfica privilegiada, proteção contra chuvas e boa luminosidade. Praticamente todas as grutas e abrigos escolhidos para uso funerário foram os que possuíam boa iluminação. Porém, três grutas – Gruta do Carrapato, Gruta do Veado e Gruta das Caretas – chamam atenção pela entrada de luz proporcionada por buraco no teto, talvez estes tenham influenciado diretamente em sua escolha (Figuras 3, 4 e 5). Em Maracá o uso de grutas e abrigos como cemitérios expressam a ideia de que a visibilidade dos vestígios de atividades funerárias poderia conferir aos abrigos e às grutas a função de marcos territoriais. A dispersão espacial dos cemitérios Maracá, em uma área de aproximadamente 32 km², onde 17 sítios-cemitérios foram localizados pode ser considerada um exemplo dessa delimitação territorial (G UAPINDAIA ; MACHADO,1997; GUAPINDAIA, 2001; BARBOSA, 2011). É possível que essa área seja ainda maior, uma vez que as pesquisas realizadas se limitaram à serra do Laranjal (Figura 6). 1 As grutas escolhidas estão localizadas em lugares altos com visão panorâmica e facilidade de serem visualizadas em distâncias de até 200 metros. 219 Amazônia Antropogênica clarabóia Figura 3. Gruta do Carrapato, detalhe de buraco no teto da gruta. Foto: François Guenet. clarabóia Figura 4. Gruta do Veado, detalhe de buraco no teto da gruta. Foto: Edithe Pereira. clarabóia Figura 5. Gruta das Caretas, detalhe de buraco no teto da gruta. Foto: Janduari Simões. 220 Amazônia Antropogênica Figura 6. Mapa com a distribuição espacial dos sítios Maracá. Digitalização:Vera Guapindaia (2001). OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS EM CAVIDADES NA REGIÃO DE MONTE ALEGRE O município de Monte Alegre abrange uma região com área de 20.400 km² localizada na porção noroeste do Estado do Pará, pertencente à mesorregião do Baixo Amazonas e microrregião de Santarém (Figura 7). Ele possui fronteiras com os municípios de Almerim, Alenquer, Santarém e Prainha (BRASIL, 2009). A hidrografia do município é composta por rios e lagos. Os principais rios são o Amazonas, Maicuru e Gurupatuba. Os lagos são muitos, e concentram-se na porção sul do município junto às bacias do rio Amazonas e Maicuru. Os rios e lagos exercem um importante papel na subsistência e na identidade das pessoas que deles dependem (IBIAPINA,2012). A conformação geomorfológica dessa região apresenta como característica três compartimentos ambientais: o lacustre, o de terra firme e o de serra. No ambiente lacustre a influência do regime hidrológico dos rios principais é marcante, o tipo de solo predominante contém “glei” e “lateritas hidromórficas”, mas também podem ocorrer aluviões (ricos em matéria orgânica). A vegetação é de várzea. Em ambiente de terra firme existem redes hidrográficas que possuem rios perenes e intermitentes, o solo predominante é do tipo latossolo com cobertura vegetal características do ambiente 221 Amazônia Antropogênica amazônico, porém, com o predomínio do tipo Cerrado ou Savana conhecidos como campos de terra firme ou “campos de Monte Alegre”. No ambiente de serra ocorre nascentes, o solo predominante é o arenoso e a cobertura vegetal é composta por Cerrado Savana e matas de capoeira onde ainda existem resquícios de floresta tropical ou ombrófila (SILVEIRA; P INHEIRO , 1984; S ILVA , 2008). A biodiversidade em todos os compartimentos ambientais é bastante variada (IBIAPINA,2012). Figura 7. Mapa com localização da sede municipal de Monte Alegre e do Parque Estadual onde foram identificados a maioria dos sítios arqueológicos dessa região. As serras de Monte Alegre são dispostas em uma estrutura geomorfológica circular, com o diâmetro aproximado de 25 km, conhecida como Domo de Monte Alegre. Essa estrutura surgiu devido a um soerguimento de rochas paleozoicas que compõem relevo de serras e colinas assimétricas com altitudes que variam de 50 a 400m (Figura 8). As características estruturais das serras do Ererê e Paituna2 é resultado do mesmo soerguimento, porém as rochas paleozoicas entraram em contato com rochas terciarias areníticas da formação Alter do Chão (MAURITY et al.,1994). Nas serras do Ererê e do Paituna, os agentes intempéricos, principalmente os físicos relacionados com a erosão pluvial, modelaram as encostas, esculpiram as cavernas existentes e transportaram o sedimento resultante dessa dinâmica geomorfológica, depositando-o na base das serras, o que explica o solo arenoso encontrado em maior parte nessa região (Figura 9). 2 222 Essas duas serras são importantes, pois nelas está localizada a maioria dos sítios arqueológicos dessa região, tanto em áreas abertas quanto em cavidades. Os sítios em áreas abertas são do tipo habitação ou com vestígios de arte rupestre, e os sítios em cavidades são do tipo habitação com arte rupestre ou apenas com arte rupestre. Amazônia Antropogênica Figura 8. Imagem destacando as áreas mais elevadas que compõem o Domo de Monte Alegre. Figura 9. Alguns aspectos ambientais relacionados à geomorfologia da região de Monte Alegre: a) Serra do Ererê com vegetação baixa na encosta; b) solo arenoso das áreas baixas resultante da decomposição das rochas areníticas que compõe as serras; c-d) exemplos de cavidades existentes na região: (c) Gruta 15 de março; (d) Gruta do Pilão, conhecida também como Gruta da Pedra Pintada. Fotos: Claide Moraes. 223 Amazônia Antropogênica As características ambientais regionais permitiram sua ocupação há milênios, por sucessivos grupos humanos que exploraram os seus diferentes ambientes de modo interligado, transformando o espaço natural existente em território culturalmente constituído e apreendido por esses grupos em diferentes épocas e de diversas formas, razão pela qual esse território ficou marcado por uma identidade local que pode ser observada nos elementos iconográficos das cerâmicas e pinturas rupestres existentes nas paredes das serras, grutas e abrigos. A ocupação e uso de diferentes ambientes por grupos humanos fez com que nessa região exista um imenso potencial arqueológico que vem despertando o interesse de diversos pesquisadores em diferentes épocas. Pesquisas Arqueologicamente, a região é conhecida desde o século XIX quando naturalistas, viajantes e geólogos identificaram nas paredes das serras os registros rupestres existentes (WALLACE, 1979; HARTT, 1871,1898). No século seguinte pesquisas na região, realizadas com diferentes objetivos científicos (antropológicos, espeleológicos e arqueológicos), revelaram a existência de 37 sítios (KERTZER, 1933; CONSENS, 1988,1989; MAURITY et al,1994; PEREIRA, 2003). Do total de sítios identificados nessa região, 27 são a céu aberto (17 sítios habitação e 10 sítios com arte rupestre) e 10 são em cavidades (Quadro 1). Quadro 1. Lista de sítios arqueológicos identificados até o momento na região de Monte Alegre. Sítio habitação Sítio em cavidade Sítio com pinturas rupestres a céu aberto Nascente da Eduarda* Açacu* Mangeuira do Santo* Dona Raimundinha* Maxirazinho* Mutuacá* Paituna I* Santana* Coroatá*** Pedra do Pilão II* Marajoí* Ponta da Ilha Grande* Voçoroca do Marajoí* Boqueirão* Serra da Lua II* Severa** Jequiriqui* Gruta do Pilão** Caverna do Diabo** Gruta Itatupaoca** Gruta 15 de Março* Abrigo da Coruja* Gruta da Baixa Fria I** Gruta da Baixa Fria II** Arigo do Irapuá** Argo do Miritiepé* Arigo dos Ossos* Labirinto do Cuititeiro* Pedra do Mirante** Painel do Pilão** Serra da Lua** Serra do Sol** Pedra do Pilão** Painel da Baixa Fria** Pedra do Navio** Pico da Raposa* Vista do Sol* Cachoeira Muira** * Sítios Localizados através de pesquisas recentes (Magalhães et al., 2012). ** Sítios localizados através de pesquisas realizadas nos séculos XIX e XX (Pereira et al., 2013). *** Sítios habitação com presença de arte rupestre. 224 Na primeira metade do século XX (1924), Curt Nimuendaju faz relato sobre os sítios cerâmicos de Monte Alegre, apresentando as características da cerâmica encontrada neles e também as pinturas rupestres que ele copiou na Gruta do Pilão (NIMUENDAJU, 2004). Essa gruta hoje é conhecida como Caverna da Pedra Pintada. O geólogo Frederich Katzer (1933) descreve sobre os aspectos geológicos da região do Baixo Amazonas, relata sobre as pinturas rupestres existentes na serra do Ererê e se refere a uma cavidade que aparentemente continha em seu interior sepultamentos. A cavidade a qual se refere, é uma pequena fenda na porção Oeste do grande bloco rochoso que compõe o sítio arqueológico conhecido hoje como Pedra do Mirante (PEREIRA; 2003). Amazônia Antropogênica As primeiras referências sobre cavidades com vestígios de ocupação humana em Monte Alegre estão presentes em descrições contidas nos relatos do século XIX e de relatos de pesquisas da primeira metade do século XX. No século XIX, cavidades aparecem nos relatos de Wallace e Hartt. Wallace descreve grutas com pinturas rupestres em 1848 e Hartt descreve a gruta de Itatupaoca de forma detalhada, em 1898 (WALLACE,1997; HARTT, 1898). No final da segunda metade do século XX foram realizados na região trabalhos sistemáticos sobre cavidades (espeleologia) e em cavidades (arqueologia). No ano de 1983 o Grupo Espeleológico Paraense (GEP), com o objetivo de localizar e estudar as cavidades existentes nas serras de Monte Alegre registra e apresenta informações sobre seis sítios em cavidades e a céu aberto com pinturas rupestres (MAURITI et al., 1994). Alguns desses sítios correspondiam a sítios relatados em trabalhos do século XIX (SILVEIRA et al.,1984). Três anos após a realização desse trabalho, o arqueólogo Mario Consens cadastrou os seis sítios que tinham sido registrados pelo GEP, entre eles os sítios em cavidades: Grutas Itatupaoca, Gruta do Pilão (Gruta da Pedra Pintada) e Gruta do Diabo (CONSENS, 1988; 1989). A partir de 1990, a pesquisadora Edithe Pereira, do Museu Paraense Emilio Goeldi, iniciou um estudo abrangente sobre a arte rupestre na Amazônia, com o objetivo de contextualizar e caracterizar estilisticamente as diferentes representações desse tipo de vestígio arqueológico encontrado em diferentes regiões e diferentes ambientes na Amazônia. Entre os anos de 1990 e 1993 esta arqueóloga realizou pesquisas no Baixo Amazonas, sendo que em Monte Alegre estudou as pinturas existentes nos sítios arqueológicos já conhecidos e de outros oito novos sítios que localizou em seu levantamento (PEREIRA, 2003). Os elementos iconográficos observados pela pesquisadora, nas figuras pintadas tanto em sítios abertos3 quanto em sítios em cavidades4, localizados nas serras de Monte Alegre, foram classificados como um estilo de pinturas rupestres próprio do noroeste da Amazônia. O estilo foi denominado como “Monte Alegre” e segundo Pereira (2003: 230), nele predominam as seguintes características: 3 4 Sítios com pinturas rupestres nos paredões de serras e blocos rochosos. Sítios onde as pinturas rupestres se encontram nas paredes das cavidades. 225 Amazônia Antropogênica [...] os grafismos puros (também conhecidos como geométricos). As representações de mãos em positivo (algumas com palmas desenhadas), as figuras completas e as representações de cabeças (ambas caracterizadas pela representação de detalhes anatômicos do rosto) aparecem em número importante nos sítios da região. A posição frontal dos antropomorfos, suas diferentes expressões faciais, movimentos restritos aos braços, que aparecem algumas vezes erguidos, e a ausência de cenas são algumas das características dos antropomorfos dessa área. Diversos animais são representados quase sempre de perfil e apresentam pequenos movimentos [...]. A classificação desse estilo através das expressões iconográficas possibilita visualizar o alcance territorial através do uso e/ou presença em diferentes ambientes por grupos humanos de uma cultura local. No ano de 1996, a pesquisadora norte americana Anna Roosevelt, com o objetivo de investigar a antiguidade da ocupação humana na região, realizou pesquisa pontual no sítio Caverna da Pedra Pintada através de sondagens e escavação arqueológica. Como resultado dessa pesquisa, dentro de um quadro cronológico, foram identificadas quatro ocupações para a região, as quais foram denominadas como, cultura Monte Alegre (10200 e 9800 AP), cultura Paituna (7580 e 6625 AP), Aroxi (3603 e 3230 AP) e Pariço (675 e 430 A.P). Segundo Roosevelt (1996), a primeira ocupação cultural estaria relacionada a grupos de caçadores-coletores que deixaram como vestígios principais as pinturas rupestres e o resultado da produção de artefatos bifaciais através da técnica de percussão. A segunda ocupação se refere a grupos humanos que vivenciaram a introdução da agricultura e da tecnologia cerâmica na região. A terceira é associada à completa assimilação da agricultura e da tecnologia cerâmica. A última está associada à complexidade das mudanças políticas, demográficas, econômicas e sociais que ocorreram na região e se refletiram na cultura material provenientes desse momento cultural (ROOSEVELT et al., 1996). É importante deixar claro que apesar de Roosevelt ter associado as pinturas rupestres a ocupações de caçadores-coletores, a análise iconográfica comparativa realizada por Pereira (2010), entre figuras de pinturas rupestres e motivos decorativos plásticos e pintados encontrados nos vestígios cerâmicos locais, mostra semelhanças entre os temas representados. Ou seja, é provável que a utilização de paredões e cavidades das serras de Monte Alegre para pinturas rupestres esteja associada ao período de intensa ocupação regional. Atualmente, novas pesquisas arqueológicas vêm sendo realizadas na Região de Monte Alegre5, mais especificamente na área do Parque Estadual de Monte Alegre. Essas pesquisas revelaram dois novos sítios em cavidades, um de pintura rupestre e outro litocerâmico, que são respectivamente os sítios Abrigo do Miritiepé e Labirinto do Cutiteiro. Também foram localizados 16 sítios habitação (Quadro1). 5 226 As pesquisas vêm sendo realizadas conjuntamente por pesquisadores do Museu Paraense Emilio Goeldi, Universidade Federal do Oeste da Amazônia (UFOPA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de São Paulo (USP). A constituição rochosa das serras de Monte Alegre, como apresentada anteriormente, favoreceu a formação de cavidades de várias dimensões e formas (cavernas, grutas e abrigos). Essas cavidades, quanto aos seus aspectos morfológicos e ambientais, apresentam entre si algumas características semelhantes e outras distintas que servem como variáveis de analise para estabelecer os parâmetros de escolha de tais lugares por grupos humanos. Amazônia Antropogênica Características e escolhas As características físicas das cavidades como, topografia interna (geralmente plana), baixa umidade interna, ambiente interno arejado, salões espaçosos, teto com altura confortável para circulação humana, boa proteção contra a chuva e boa iluminação interna, geralmente são semelhantes. Essas características são consideradas como variáveis positivas para a ocupação humana em cavidades. As cavidades apresentam características físicas distintas entre si, que podem ser observadas em suas configurações morfológicas (internas e externas) e topografias externas. Ou seja, entre as cavidades os volumes variam bastante, não existe uma recorrência no formato de teto, contorno interno e contorno da linha d’água. E a topografia externa, por sua vez, depende da posição que determinada cavidade ocupa no relevo da serra. Essas características são consideradas como variáveis que podem ter exercido alguma influência na escolha de cavidades. No entanto, apesar de não representarem obstáculos de acessibilidade, não é possível estimar suas relevâncias positivas ou negativas para o uso das cavidades. Os dados arqueológicos, ambientais e físicos, relacionados às cavidades em Monte Alegre, permitem identificar inúmeras variáveis físicas locais. No entanto, não é possível classificar precisamente através das variáveis os marcadores físicos que poderiam ter sido usados como elementos da paisagem local que priorizariam a escolha de cavidades por diferentes grupos humanos pretéritos que ocuparam a região. Isso só ocorre porque praticamente todas as cavidades localizadas nas serras dessa região possuem vestígios arqueológicos. Através das informações dos levantamentos arqueológicos é possível observar espacialmente a distribuição dos sítios arqueológicos na região e perceber a existência de uma concentração de sítios localizados a sudoeste da serra, próximo ao rio Amazonas e foz do rio Maicuru, onde existem inúmeros lagos (PEREIRA,2003). Ou seja, as características ambientais desse lugar, que oferece inúmeras fontes de recursos naturais necessários à subsistência humana, exerceram grandes influências na escolha geográfica para os assentamentos antigos nessa região. A riqueza de recursos naturais, fez com que a ocupação e uso desse lugar se estendessem desde ocupações de povos antigos à ocupação por populações recentes, como as inúmeras comunidades que vivem nessa porção das serras atualmente e tem como meio de subsistência principal a pesca e a agricultura. Dessa forma, a exploração de recursos pode ter implicado diretamente no uso das cavidades próximas aos assentamentos (Figura 10). 227 Amazônia Antropogênica Figura 10. Localização e distribuição dos sítios arqueológicos em Monte Alegre (imagem com distribuição de sítios, base Google Earth). Podemos pensar então, que as escolhas das cavidades nas serras ocorreram de diferentes maneiras, para diferentes funções e em momentos diferentes. Assim, baseado na classificação de Roosevelt (1996) e nas análises de Pereira (2010) foi pensado, hipoteticamente, três períodos de escolha e uso de cavidades em Monte Alegre: em um primeiro período, pequenos grupos que viviam apenas da caça e da coleta (entre 10200 e 9800 AP), seguidos de grupos que já desenvolviam técnicas agrícolas e oleiras (entre 7580 e 6625 AP) escolheram as cavidades mais adequadas para suas atividades, provavelmente aquelas mais espaçosas e com boa posição estratégica, como é o caso da Caverna da Pedra Pintada. Por isso, é provável que a ocorrência de vestígios de caçador-coletor em cavidades identificadas como sítio arqueológico seja relativamente menor; O segundo período correspondeu a uma ocupação regional mais intensa e com contingente populacional bastante elevado, se estendendo de 3603 AP a 430 AP. De forma que a oferta de cavidades para as expressões culturais, observadas através das pinturas rupestres, era pequena. Assim, possivelmente a escolha das cavidades nesse período se dava, talvez, em função de o suporte rochoso interno das cavidades estarem livres. O terceiro período corresponde aos dias atuais, onde as cavidades têm função turística e as escolhidas são aquelas que apresentam vestígios arqueológicos visíveis, como, principalmente, as pinturas rupestres existentes. OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS EM CAVIDADES NA REGIÃO DE CARAJÁS A região de Carajás está localizada no sudeste do estado do Pará e possui como resultado geomorfológico um conjunto de serras que engloba áreas de alguns municípios locais (Figura 11). Essa região, está geologicamente localizada no escudo brasileiro na porção central. Seu limite seria o rio Xingu a oeste e o cinturão Araguaia a leste, que fazem parte do planalto dissecado do sul do Pará (DOCEGEO, 1988). 228 Amazônia Antropogênica Figura 11. Localização da região de Carajás e abrangência das serras em vários municípios. (imagem extraída: www.ebah.com.br/content/ABAAAgPIEAG/serra-dos-carajas-recursos-minerais). Os platôs que compõem as serras possuem uma carapaça laterítica que vem sofrendo intensos processos erosivos. Esses processos formaram a atual configuração do ambiente físico da região. Nesse ambiente foram identificadas depressões doliniformes subcirculares, cavidades subterrâneas e grande número de cavernas nas bordas dos relevos tabulares (MAURITY; KOTSCHOUBEY, 1995). Muitas das cavernas localizadas nas bordas dos relevos tabulares desempenharam importante papel na antiga ocupação humana de Carajás e regional. Pesquisas O potencial arqueológico da serra dos Carajás é conhecido desde a segunda metade do século XX, através das coleções formadas por Protásio Frikel em 1963, no alto Itacaiúnas e dos estudos dessas coleções por Figueiredo (1965), os quais definiram a Fase Itacaiúnas ligada a uma Tradição Tupi-Guarani amazônica. Com a implementação dos grandes projetos desenvolvimentistas na Amazônia, tiveram início as pesquisas arqueológicas sistemáticas na região sudeste do Pará, através do Programa de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica (PRONAPABA), voltado para o salvamento de sítios arqueológicos localizados na área de inundação da barragem da UHE-Tucuruí (PEREIRA et al., 2008). Essas pesquisas foram realizadas na área do Baixo Tocantins e como 229 Amazônia Antropogênica resultado apresentou a existência de sítios arqueológicos, nos quais foram encontrados vestígios cerâmicos com características típicas da Tradição Tupi-guarani, como o corrugado e vestígios cerâmicos com elementos da tradição amazônica, como o inciso ponteado e a policromia (ARAÚJO COSTA, 1983; SIMÕES; ARAÚJO COSTA, 1987). A partir da década de 1980, novas pesquisas arqueológicas foram realizadas na região sudeste do Pará, desta vez na bacia do rio Itacaiúnas através do Projeto Carajás/ Arqueologia. Nesta pesquisa foram identificados 38 sítios no baixo curso dos rios Itacaiúnas e Parauapebas. De acordo com Simões (1986), tratava-se de sítios-habitação com terra preta arqueológica com espessura mdia de 30cm e com presença de vestígios cerâmicos apresentando elementos diagnósticos característicos da fase Itacaiúnas da Tradição Tupi-guarani. As pesquisas mostraram três períodos de ocupação entre os sítios localizados no rio Itacaiúnas. A primeira mais antiga (1670 AP a 1560 AP), a segunda intermediaria (925 AP a 780 AP) e a terceira mais recentes (530 AP a 440 AP). Na mesma década foram iniciados os primeiros trabalhos em sítios arqueológicos em cavidades na Serra dos Carajás, desenvolvidos por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi. Entre as cavidades trabalhadas estavam a Gruta do N1 e Gruta do Gavião. Essas grutas apresentaram uma grande antiguidade na ocupação humana na região amazônica, como a Gruta do Gavião, que recuou a presença humana na Amazônia até 8000 AP (LOPES et al., 1993; MAGALHÃES, 1993). Na década de 1990, o pesquisador Marcos Pereira Magalhães do Museu Goeldi, coordenou pesquisas em outras cavidades na Serra de Carajás, como na Gruta da Guarita, do Rato e do Pequiá. Esses trabalhos confirmaram a ocupação antiga dessa região, apresentando datações de até 9000 AP na Gruta do Pequiá. Além disso, através da cultura material encontrada nas escavações arqueológicas, o pesquisador propôs a existência de dois momentos históricos de ocupação regional. Um mais antigo relacionado aos vestígios de povos caçadores e coletores, o qual ele chama de Cultura Tropical e um mais recente relacionado aos vestígios de povos agricultores, que foi denominado de Cultura Neotropical (MAGALHÃES, 2005). Novos levantamentos e pesquisas arqueológicas na Serra dos Carajás foram realizados, principalmente, pela Scientia Consultoria e Casa de Cultura de Marabá, os quais também constataram o potencial arqueológico da região de Carajás e a antiguidade dos sítios localizados em cavidades. Eles destacaram as características físicas que deveriam ser observadas em cavidades, para ajudar na avaliação e identificação de sítios arqueológicos. Nessas pesquisas os levantamentos realizados mostraram a existência de um grande número de sítios arqueológicos em cavidades, nos platôs que compõem as Serras dos Carajás, o que mostra o intenso uso desse território por povos antigos (CALDARELLI et al., 2007; 2008). Em sua dissertação de mestrado, Lima (2013) apresentou uma série de atributos físicos existentes em cavidades no platô N4E, que considerou positivos para que fossem 230 Atualmente, pesquisas arqueológicas sob a coordenação do pesquisador Marcos Pereira Magalhaes, vêm sendo realizadas nos platôs N1, N2 e N3 localizados na Serra Norte de Carajás (PACA NORTE) e no platô S11D e áreas de entorno desse platô, localizado na Serra Sul de Carajás (PACA SUL), pelo Projeto Arqueológico de Carajás (PACA). Essas pesquisas ainda estão em andamento, no entanto inúmeras informações sobre a ocupação humana de Carajás vêm sendo obtidas, o que permite levantar questões sobre de que forma as cavidades com vestígios humanos se encaixavam no contexto espacial, econômico e cultural vivido por grupos antigos dessa região (Figura 12). Amazônia Antropogênica escolhidas por grupos humanos. Nessa pesquisa os atributos levam em conta aspectos físicos, climáticos e a possibilidade de as escolhas serem também influenciadas pela cosmologia nativa. Figura 12. Localização dos platôs onde pesquisas arqueológicas vêm sendo realizadas através do projeto PACA. (base Google Earth). 231 Amazônia Antropogênica Características e uso Os dados arqueológicos apresentam um grande número de lugares com vestígios de assentamentos humanos antigos na região de Carajás. Muitos estão localizados junto às áreas dos cursos dos rios que pertencem às bacias hidrográficas dessa região e outros estão localizados em diversas cavidades existentes nos platôs que compõem de forma marcante as características ambientais das Serras dos Carajás. O espaço territorial do que hoje conhecemos como Carajás ocupa uma enorme área com dimensões regionais. De forma que engloba vários ambientes, cada um com grande variedade de recursos naturais essenciais para a subsistência humana, os quais podem ter sido potencializados pelo manejo. A disponibilidade desses recursos fez com que essa região fosse explorada em diferentes épocas, de diferentes modos e por diferentes grupos humanos. No entanto a dimensão espacial não impediu que algumas áreas e/ou locais fossem ocupados ou utilizados mais de uma vez em diferentes momentos por grupos com conteúdo cultural e momentos históricos distintos. Isso nos leva a pensar que em alguns lugares a qualidade física e ambiental era mais favorável para assentamentos permanentes, periódicos ou temporários (acampamentos). Porém, provavelmente, a ocupação e reocupação desses lugares também eram regidas por escolhas estratégicas, econômicas e simbólicas, possivelmente relacionadas à sazonalidade climática. Nas pesquisas que vêm sendo desenvolvidas pelo PACA na área de influência do projeto S11D observa-se que os sítios abertos identificados apresentam características comuns como, localização próxima de margem de rios, topografia relativamente plana e cota altimétrica variando entre 280 a 300m de altitude. Em seis sítios abertos (Usina, Boa Esperança 1, Boa Esperança 2, Manjolim da Serra, Araraquara e Mangangá) foram realizadas sondagens e escavações arqueológicas. E apesar do mal estado de preservação da maioria dos sítios, resultante das atividades pecuárias recentes, em todos foram encontrados vestígios arqueológicos relacionado a grupos horticultores, principalmente material cerâmico. Porém em dois sítios, Boa Esperança 2 e Mangangá, foi encontrada cultura material relacionada a grupos de caçadores-coletores, como percutores e resíduo de debitagem em quartzo. No sítio Boa Esperança 2, as datações relacionadas a caçadores coletores apontaram antiguidade de 6000 AP, e as relacionadas a grupos horticultores são de 1000 AP. O sítio Mangangá, apesar de possuir cultura material de ocupações históricas distintas, ainda não tinha passado por escavações sistemáticas e não tinha datação até a publicação deste livro. Contudo percebeu-se nas evidências dos sítios abertos estudados que os lugares escolhidos eram semelhantes ambientalmente. E também, com relação à proporção quantitativa existe certa coerência na inferioridade numérica de sítios com vestígios de grupos de caçadores-coletores (Cultura Tropical – ver próximas seções) em relação aos sítios com vestígios de grupos horticultores nos vales da Serra (Cultura Neotropical – ver próximas seções). Tal coerência se explica pelo fato de que, comparativamente, as sociedades da Cultura Neotropical possuíam contingente populacional mais elevado e uma relação de apropriação do espaço e exploração ambiental diferente das sociedades da Cultura Tropical. 232 Amazônia Antropogênica Nos platôs da Serra dos Carajás, que representam outro compartimento ambiental, a grande maioria de sítios arqueológicos identificados está localizada em cavidades existentes em diferentes níveis altimétricos. Os sítios dessa natureza, que também estão sendo estudados pelo PACA, na cota entre 500 e 700 metros de altitude, tanto no platô S11D na Serra Sul como nos platôs N1, N2 e N3, na Serra Norte, em sua maioria, possuem vestígios que indicam que esses lugares foram primeiramente ocupados a aproximadamente entre 11000 e 6000 AP por caçadores-coletores e depois, aproximadamente, entre 4000 e 1000 AP por horticultores. Mas outro dado observado é que apesar de existirem em cada platô até centenas de cavidades, apenas algumas dezenas delas foram ocupadas. Isso mostra que a ocupação dos platôs, historicamente, ocorreu de forma semelhante à dos vales. Porém há uma diferença quantitativa quanto aos lugares ocupados nesses dois momentos históricos, entre os sítios abertos e os abrigados. No caso dos sítios abrigados existe uma desproporcionalidade entre a oferta e a procura de cavidades escolhidas (Figuras 13 e 14). Figura 13. a) cavidades existentes no platô N1 (Fonte: imagem Ikonos 2007); b) cavidades identificadas como sítios arqueológicos (Fonte: base Google Earth). Figura 14. Gráfico mostrando a diferença percentual entre a quantidade de cavidades identificadas como sítios arqueológicos e as que não são sítios arqueológicos no platô N1. 233 Amazônia Antropogênica Os platôs possuem grandes dimensões, tanto em área quanto em elevação, e são recobertos no topo por vegetação de canga e nas encostas e base por vegetação densa. Essas características exercem um grande apelo visual e certamente eram compreendidas culturalmente e integradas ao contexto da paisagem dos diferentes grupos pretéritos de maneira particular (Figura 15). Ou seja, a exploração dos recursos naturais e principalmente a ocupação das cavidades não era feita de maneira aleatória ou corriqueira e sim de maneira consciente, obedecendo a normas culturais previamente estabelecidas. Apesar de não termos ideia das tradições, costumes e cosmologia que estabeleciam as regras de escolha das cavidades pelos grupos humanos antigos, é possível compreender quais os elementos que as tornavam favoráveis para uso através da análise espacial, da observação das características físicas existentes nas cavidades e das evidências arqueológicas encontradas nelas. Assim, por meio das pesquisas que vêm sendo realizadas pelo PACA, as observações realizadas têm ajudado a perceber o padrão de escolha desses lugares, e também a levantar questões sobre o provável panorama das ocupações antigas nos ambientes dos Platôs. O fato de existir um grande número de cavidades em cada platô e apenas algumas possuírem evidências arqueológicas permitiu três suposições iniciais: na primeira, a oferta de cavidades favoreceu a autonomia dos primeiros grupos humanos ocupantes da região (caçador-coletor), para a escolha de quais desses ambientes seriam mais adequados às suas necessidades; na segunda, os grupos posteriores que ocuparam a região (horticultores) reutilizaram algumas Figura 15. Visão dos platôs e dos vales na região de Carajás. Foto: Carlos Barbosa. 234 Amazônia Antropogênica das cavidades escolhidas pelos primeiros grupos, mas incluíram outras não usadas por esses. O motivo da reocupação seria por identificarem as características físicas positivas para a ocupação humana e também os vestígios materiais dos primeiros grupos, o que possivelmente reforçaria a ideia de ancestralidade desses lugares, porém as novas estariam relacionadas a motivações ideológicas ou místicas; na terceira, a quantidade de cavidades com vestígios humanos pode refletir a densidade do povoamento nas áreas baixas próximas aos platôs. É comum a ideia de que as cavidades escolhidas e ocupadas por grupos humanos antigos eram aquelas que apresentavam, de maneira geral, características físicas que ofereciam comodidade e abrigo contra as intempéries. As cavidades seriam então aquelas com grandes espaços internos (área grande e teto alto), arejadas e secas. Esse entendimento não é equivocado, porém, não leva em conta os fatores culturais que podem ter contribuído para a escolha ou rejeição de cavidades. Ou seja, os fatores culturais podem ter determinado qual o padrão de características físicas necessárias para ocupar uma cavidade, independente de certas condições. Foram realizadas pelo PACA escavações em onze grutas até o momento, seis na Serra Sul no platô S11D (Capela, Anexo da Capela, Almofariz, Onça, Lacre e Cachorro do Mato), cinco na serra norte, sendo que quatro no platô N1 (N1, Lua, Grilo e Garganta da Jararaca) e uma no platô N3 (Ananás). Em todos os platôs S11D, N1, N2 e N3 foram realizadas visitas avaliativas do potencial arqueológico das cavidades identificadas como sítio no levantamento espeleológico (realizado pela Casa da Cultura de Marabá). Nesses trabalhos, a observação atenta sobre a configuração morfológica das cavidades escavadas e também nas que foram avaliadas e certificadas como sítios arqueológicos permitiu destacar características físicas comuns entre os sítios abrigados da Serra Norte e os da Serra Sul. O que possivelmente constata que grupos humanos antigos que habitaram a região de Carajás, ocupavam cavidades com padrão morfológico recorrente. Dessa forma, de acordo com as observações em campo, uma cavidade para ser ocupada deveria possuir características físicas comuns que seriam positivas e/ou decisivas para que fosse escolhida, que são: grandes espaços internos (área grande e teto alto) arejados e secos; topografia com pouca declividade entre a área interna e externa; poucos blocos abatidos e ausência de matacões na área interna e externa, de forma a permitir a circulação fácil de pessoas no ambiente; a presença de área externa que convencionamos de “varanda”, com 3m de largura no mínimo e linha d’água formando contorno côncavo e entrada da gruta virada para leste ou oeste, implicando uma iluminação mais intensa no ambiente interno de certas cavidades durante a parte da manhã e em outras pela parte da tarde (Figura 16). As características destacadas acima estão presentes em cavidades que possuem duas ocupações em momentos históricos distintos. E de acordo com as evidências arqueológicas, esses lugares foram ocupados para o uso cotidiano e serviu como base para grupos antigos durante suas atividades extrativistas nos platôs. Fato estabelecido porque no registro arqueológico dessas cavidades são encontrados nos níveis correspondentes à ocupação mais antiga (caçadores-coletores), estruturas de combustão e objetos líticos associados a atividades de caça, coleta e manejo (percutores, quebracoquinhos, cortadores feitos de quartzo e hematita, lâminas de machado etc.). E nos níveis correspondente à ocupação mais recente (horticultores), além de estruturas de combustão e objetos líticos, também são encontrados fragmentos de objetos cerâmicos. 235 Amazônia Antropogênica Figura 16. Características físicas comuns em cavidades com evidências de ocupação humana em platôs da Serra Norte e Serra Sul: a) Grande espaço interno e arejado (Gruta do N1); b) Teto alto, topografia interna plana e poucos abatimentos (Gruta Garganta da Jararaca); c) Declividade não acentuada entre área interna e externa e área externa ampla com topografia relativamente plana (Gruta da Capela); d) Área interna bem iluminada, entrada com grande abertura e linha d’água côncava (Gruta da Lua). Fotos: Marcos Magalhães. Existem no platô N1 três cavidades (Toca do Divino, Gruta da Coruja e Janela de Tupã) que são sítios arqueológicos, aparentemente, apenas com vestígios cerâmicos encontrados em superfície. Possuem características físicas distintas das observadas na maioria dos outros sítios em cavidades. A Toca do Divino possui a topografia interna plana, é bem iluminada junto à entrada, onde se encontram os vestígios cerâmicos, mas é uma cavidade de dimensão pequena, sem varanda e encaixada em um paredão. A Gruta da Coruja possui bom espaço interno, uma porção da área da sua entrada é bem iluminada (aproximadamente 5m a partir da linha d’água para seu interior). Contudo seu interior é mal iluminado e possui superfície topográfica irregular com vários patamares em sua área interna, onde se encontram os vestígios cerâmicos. A Janela de Tupã é bem arejada, com espaço interno amplo, mas é pouco iluminada e possui grandes blocos abatidos e matacões nas áreas interna e externa. Os vestígios cerâmicos se concentram na área central dessa cavidade, que é iluminada por uma claraboia. As particularidades existentes nessas cavidades sugerem a possibilidade de terem sido utilizadas em atividades cerimoniais restritas, associadas a grupos horticultores. Porém, nessas cavidades, ainda não foram realizadas escavações sistemáticas que ajudarão a responder a essa questão (Figura 17). Outro fator importante na escolha de cavidades, também comum aos platôs S11D, N1, N2 e N3, está relacionado à localização espacial de conjuntos de cavidades próximas a 236 Existe uma aparente regularidade na escolha estratégica desses lugares, voltada para o uso do espaço que seria habitado. Levando a formar possíveis redes hierárquicas entre as cavidades para a captação de recursos. Nessas redes, grutas pequenas seriam pontos de captação de recursos dos ocupantes de grutas maiores, as grutas maiores, por sua vez, seriam a base de apoio dos seus ocupantes que provavelmente vinham de assentamentos nas terras baixas (Figura 18). No platô S11D podemos ter como exemplo a possível relação entre o sítio Boa Esperança II com o sítio Capela (cavidade com grande dimensão), e esta com os sítios Almofariz e Cachorro do Mato (cavidades de pequena dimensão). No platô N1, é possível fazer essa relação com o sítio N1 (cavidade com grande dimensão) e os sítios Gruta do Grilo e Gruta do Ferreiro (grutas de pequena dimensão). Não é possível fazer essa relação com sítios em terras baixas por não existir levantamento de sítios dessa natureza no entorno do platô N1. Amazônia Antropogênica lagos perenes e intermitentes no topo dos platôs, e próximas a vertentes que possivelmente serviriam de corredores de ligação a sítios habitação nas terras baixas. Figura 17. Sítios em cavidades que não apresentam as características físicas recorrentes na maioria dos sítios em cavidades da região de Carajás: a) Vista da entrada da Gruta Janela de Tupã, onde é possível ver terreno acidentado com grandes blocos rochosos obstruindo sua entrada; b) Área interna da Gruta Janela de Tupã, onde é possível notar um ambiente pouco iluminado e a presença de uma claraboia que possibilita a iluminação de uma área próximo ao centro da gruta; c) Toca do Divino, área externa com declive acentuado, entrada baixa e linha d’água retilínea; d) Toca do Divino com pequena área interna, teto baixo e bem iluminada apenas próximo à entrada. Fotos: Morgan Schmidt. 237 Amazônia Antropogênica Figura 18. Provável rede de circulação que grupos humanos antigos realizavam entre os assentamentos, cavidades e topo de platô. Ilustração: Carlos Barbosa. PERSPECTIVAS Como vimos, nos sítios arqueológicos em cavidades existentes nas três regiões apresentadas, podemos perceber que suas escolhas e uso estavam intimamente ligadas às particularidades culturais que os diferentes grupos humanos possuíam em seus respectivos tempos históricos. Em Maracá, algumas cavidades, aparentemente, foram usadas apenas para fins funerários. Em Monte Alegre, as cavidades serviram como espaços para uso cotidiano e como espaço para expressões pictóricas provavelmente ritualísticas, ocorridas em vários momentos da ocupação humana regional. Em Carajás, algumas cavidades são sítios e, dentre esses, a maioria foi usada como espaço de uso cotidiano por duas ocupações históricas distintas (caçadores-coletores e horticultores). Porém algumas aparentemente foram usadas para fins ritualísticos pelas últimas populações que por lá passaram, os povos horticultores. Flutuações climáticas e os principais cursos d’água das vertentes onde as cavidades se localizam podem ter influenciado o uso de algumas delas ao longo do tempo. Porém é importante deixar claro que as informações apresentadas fazem parte de um levantamento preliminar de dados que se vem aprimorando nessas três regiões da Amazônia com sítios em cavidades. De forma que, com o desenvolvimento de mais pesquisas, acreditamos na possibilidade de futuramente trabalharmos também outras questões: como as relacionadas aos momentos de uso das cavidades (existência de sazonalidade); cavidades como marcadores de identidade; como essas cavidades são interpretadas pelas atuais comunidades vizinhas a elas; qual o nível de valor histórico e cultural que essas comunidades empregam a esses tipos de ambientes; por fim, tentar entender por que em diferentes períodos históricos, certo espaço que era próprio para as atividades de algumas sociedades, já não era mais para nenhuma outra do período seguinte. E também, por que outros espaços até então preteridos passam a ser, respectivamente, social ou culturalmente especiais. 238 A Cultura Tropical Amazônia Antropogênica A CULTURA TROPICAL e a gênese da Amazônia antropogênica Marcos Pereira Magalhães A ANTIGUIDADE DO HOMEM NA AMAZÔNIA Ultimamente a arqueologia brasileira tem fornecido fortes ferramentas argumentativas para fomentar a discussão sobre a antiguidade da colonização humana das Américas, forçando a revisão do paradigma dominante, ou seja, do modelo Clóvis (com datações de até 11400 anos AP) em favor de um modelo pré-Clóvis (com datações milhares de anos mais antigos). Pelo menos no que diz respeito às possibilidades teóricas que essa revisão permite, um amplo horizonte foi aberto para a pesquisa arqueológica, especialmente por conta das várias evidências milenares produzidas pelo Homem, que pululam em diferentes recantos do Brasil. Há datações seguras de 15, 30 e de até 50 mil anos que enterram de vez o modelo Clóvis. A academia norte americana apresentou, durante décadas, uma resistência brutal e desesperada à mudança do seu estimado paradigma Clovis. Entretanto, como havia muitos vestígios bastante superiores há 12 mil anos, eles começaram a ceder ao aceitarem como legítimos os vestígios e datações obtidas por Dillehay (1997) em Monte Verde, no litoral chileno, cuja antiguidade alcançou 12300 anos AP. Na Amazônia, as primeiras evidências de antigas populações de caçadores-coletores eram compostas por pontas líticas de projéteis bifaciais encontradas fora de contexto em pontos isolados do Estado do Pará e do Amazonas. Apesar disto, elas serviram de base para as sínteses sobre o início da colonização humana da Amazônia brasileira, produzidas durante as duas últimas décadas do século XX. Essas sínteses, regularmente desclassificavam a importância dos caçadores-coletores na origem e formação das culturas amazônicas (SIMÕES, 1981/2), além de circunscrevê-los em áreas de savana, que seriam as principais fornecedoras dos recursos explorados (PROUS, 1992; MEGGERS; MILLEr, 2003). 241 Amazônia Antropogênica Essas pontas de projéteis, às quais foram posteriormente acrescentadas outras, apresentam retoques bifaciais e pendúnculos retocados. Elas são de sílex, rocha vulcânica ou quartzo. Duas das posteriores, apesar de apresentarem “endereço” não tiveram estudos conclusivos. Uma delas é proveniente do sítio Prainha II, localizado à margem direita do Alto rio Madeira, em Nova Mamoré (RO) e encontrada no barranco, cerca de 70 cm da superfície e na base da terra preta arqueológica. Trata-se de uma ponta de projétil penduncular, bifacial, de base reta e quadrada feita de quartzo. O sítio onde foi achada apresentava alta densidade de material cerâmico (MAGALHÃES, 2004). Como este sítio foi encontrado em prospecções que procederam ao licenciamento para a implantação das hidroelétricas do rio Madeira, estando em área de impacto indireto, não foi estudado. A outra, e também a maior entre todas foi encontrada no rio Anuá (PA), garimpo Castelo dos Sonhos e contrabandeada para a coleção ilegal do então Banco Santos. Antes de ser contrabandeada ela esteve no Museu Goeldi, sendo verificada que é de sílex, tem retoques bifaciais, 190,90 mm de comprimento axial e lâmina com 180 mm de comprimento (MAGALHÃES, 2002). Segundo alguns especialistas, ela teria semelhanças com aquelas relacionadas à Cultura Clovis. Anna Roosevelt et al. (2009) estudou este sítio, que fica no médio curso do rio Xingu. Mas os resultados não foram satisfatórios. Mais recentemente foram encontradas, devidamente contextualizadas, uma ponta bifacial de sílex proveniente do sítio Dona Stela (AM), com cerca de 6 x 4cm e datação provável de 9000 anos AP (NEVES , 2006), e outra ponta unifacial de quartzo, com aletas e pendúnculos, proveniente do sítio Mirim no Salobo (sudeste do Pará), com cerca de 5780 anos AP (SILVEIRA et al., 2008). Assim, exceto a ponta encontrada no sítio Prainha II, talvez associada ao estrato ceramista com lítico polido e características aparentemente de sociedade agricultora, as demais parecem ter pertencido, de fato, a sociedades de caçadores-coletores. As primeiras evidências mais objetivas da presença de caçadores-coletores antigos na Amazônia surgiram na sua periferia. Ainda nos anos de 1970, Miller (1983) apresentou datações do sítio Abrigo do Sol, no noroeste do Mato Grosso, que alcançaram 14000 anos AP. Mesmo em plena Amazônia foram encontrados vestígios com datações bastante recuadas, como as obtidas por Anna Roosevelt em 1996, na Caverna da Pedra Pintada (Monte Alegre -PA), com idade de até 11200 anos AP. Posteriormente, em 2005, Caldarelli e colaboradores obtiveram datação de 9570 anos AP para um sítio de área aberta (Breu Branco 1) no Sudeste do Pará. Na mesma época, como mencionado no parágrafo anterior, Neves e colaboradores obtiveram a datação de 9000 anos AP, no sítio Dona Stela. Mais recentemente, também como já mencionado, Silveira e colaboradores encontraram o sítio Mirim, com datação de até 6000 anos AP. Em Carajás, mais precisamente na Serra Sul, no sítio PA-AT-337: S11D47/48, obtivemos em nossas atuais pesquisas oito datações com mais de 11000 anos AP e outra de 10000 anos AP na Serra Norte (Sítio Gruta do N1). O problema é que essas ocupações cronologicamente registradas, direta ou indiretamente, estão relacionadas a uma duração de mais de 10000 anos, com períodos de evolução histórica diferentes e com intervalos entre elas que alcançam até dois mil anos ou mais. Apesar disto são tratadas como um só processo histórico, 242 Amazônia Antropogênica que em geral chamam de “pré-ceramista”, de “paleoíndio” ou de “pré-arcaico”. Assim, indiscriminadamente, a colonização promovida por essas diferentes ocupações acabou sendo caracterizada como uma só e pela rápida adaptação aos diversos tipos de ambientes. Curiosamente, porém, a colonização generalizada dos diferentes biomas da bacia Amazônica, tal como atestam as evidências arqueológicas disponíveis, só teria ocorrido há cerca de 9000 anos, incluindo locais próximos às planícies aluviais dos grandes rios, mas também áreas de terra firme, bem distantes dos rios principais (NEVES; PETERSEN, 2005). Ou seja, talvez antes de 9000 anos atrás, tenham ocorrido sucessos e fracassos, possivelmente experimentados por povos com diferentes origens étnicas. Porém, de 9000 em diante, a colonização da Amazônia se firmou por quase toda a região e por populações que exploravam e dominavam os recursos da floresta tropical. Vale lembrar que, segundo Ab’Saber (2004), ocorreram modificações climáticas entre o Holoceno Inicial e o início do Holoceno Médio, ou seja, entre 8000 e 6000 anos AP, quando o clima ficou mais quente e úmido. Este período ficou conhecido como o “Ótimo Climático”. No final dele, o cultivo sistemático de plantas tinha se espalhado por boa parte da Amazônia. Porém, ainda segundo Ab’Saber, mais de mil anos antes do seu início, especialmente entre 13000 até o início do nono milênio antes do presente, o clima também era mais quente e úmido em relação ao Pleistoceno seco e frio que se encerrava. Assim, pode ser que durante o período compreendido entre 13000 e 10000 anos atrás, as populações tiveram condições de desenvolver diversas experiências com os recursos da floresta tropical amazônica, cujos resultados se tornaram mais evidentes justamente no milênio seguinte ao final deste período. Todavia datações muito antigas estão se tornando cada vez mais comuns, indicando que a ocupação da Amazônia por sociedades de caçadores-coletores foi diversificada no tempo, generalizada no espaço, de longa duração, sem solução de continuidade para umas e com solução de continuidade e mudança para outras. A solução de continuidade e mudança pode ser inferida porque além das regiões do Baixo Amazonas e estuário, na bacia do alto Madeira, tal como no Sudeste do Pará, há uma sequência de ocupação bastante longa e iniciada em uma época chave em torno de 9000 anos AP1. Essa sequência também revela evidências precoces de produção ceramista (Taperinha, em Santarém, apresenta datações entre 7500 e 4000 AP; ainda tem a cerâmica da chamada Fase Mina, de sambaquis do litoral do Pará, com 5000 anos AP.) e inclusive de ocupações sedentárias (ao redor de 4500 anos AP)(MILLER et al., 1992)2. A principal cultura material relacionada a essas sociedades mais antigas é representada pela “indústria lítica”. Anna Roosevelt et al. (2002), analisando a “indústria lítica” encontrada na Caverna da Pedra Pintada, apresentou a hipótese de que os primeiros colonizadores da Amazônia, os tais paleoíndios, caracterizar-se-iam pela produção de 1 2 Em Carajás e no Salobo há evidências de ocupação contínua durante mais de 4000 anos. Inclusive, no Salobo, essa continuidade vai do caçador-coletor ao agricultor (SILVEIRA et al., 2008). Na região do alto Madeira, alguns pesquisadores acreditam estarem ali localizados os centros de domesticação de dois importantes cultivares neotropicais: a mandioca (Manihot esculenta) e a pupunha (Bactris gasipaes) (OLSEN; SCHAAL, 1999; CLEMENT,1999a: 200; 1999b: 211). 243 Amazônia Antropogênica pontas-de-projétil bifaciais. Mas esta hipótese foi proposta segundo um horizonte de ocupação que na Caverna da Pedra Pintada estava abaixo daqueles que apresentavam cerâmica. Ou seja, cerca de 2000 anos mais antiga e separadas por uma camada arqueologicamente estéril. Assim, enquanto a mais antiga apresentava cultura material exclusivamente lítica e restos vegetais em menor quantidade, bem como menor variedade de espécies utilizadas; a seguinte, dois mil anos depois, apresentava maior quantidade e maior variedade de plantas utilizadas. A cultura material, por sua vez, além de ser representada pelo lítico também passou a ser, a partir de determinado período de ocupação, representada pela cerâmica. Acontece que essa camada de ocupação, ainda relacionada a caçadores-coletores, estava abaixo de outra relacionada a povos agricultores (com predomínio de cerâmica na cultura material e uma quantidade ainda maior de restos vegetais no refugo arqueológico). Entre essas duas camadas não havia intervalo significativo de tempo, constituindo um contínuo que pode ser relacionado a um processo histórico de longa duração. Com isto podemos apresentar duas questões: a primeira é que a ocupação inicial não produzia cerâmica e parece não ter tido continuidade de longa duração e, no máximo, só teria incorporado novas técnicas de produção – além do bifacial, também o unifacial; a segunda, é que a ocupação posterior, além de apresentar características bastantes distintas da primeira e ter tido continuidade de longa duração, teria passado por mudanças no modo de produção. Assim, enquanto a mais recente pode ser, de fato, chamada de préceramista e ter passado por mudanças que teriam resultado na produção sistemática de alimentos cultivados e/ou coletados de florestas manejadas; a mais antiga não pode, já que teria permanecido essencialmente caçadora, produtora fundamentalmente de artefatos líticos e coletora de recursos vegetais não conscientemente manejados. Ou seja, já havia uma relação diversificada dessa população com a floresta tropical. Deste modo, considerando o intervalo de 2000 anos entre estas ocupações, não é possível afirmar se as populações apresentam o mesmo fenótipo, principalmente se levarmos em consideração a possibilidade cada vez mais provável de migrações de populações com características africanas anteriores à mongoloide. Consequentemente, sem a presença de esqueletos humanos, não é possível afirmar se os indivíduos dessa população eram ascendentes paleoíndios das posteriores. No entanto podemos afirmar, em termos fenotípicos, embora sem evidências diretas, que a população da ocupação final seria descendente da população imediatamente anterior, esta sim, verdadeiramente pré-ceramista3. Todas as datações até agora citadas, com exceção da do Abrigo do Sol, foram alcançadas depois das estabelecidas para os vestígios encontrados em quatro grutas localizadas na Serra Norte de Carajás - 8140 AP para a Gruta do Gavião (LOPES et al., 1993; MAGALHÃES, 3 244 Alguns arqueólogos chamam, indiscriminadamente, populações caçadoras-caçadoras de “pré-ceramistas”. Roosevelt (2009) chega, no mesmo artigo, a usar o termo “pré-cerâmico” como sinônimo de “paleoíndio”. Entretanto, independente da justificativa para afirmarem isto, o fato é que nem toda população caçadora-coletora foi “préceramista”. No caso de um intervalo de 2000 anos, muita coisa pode acontecer. Por exemplo, ninguém chama os romanos da época de Cristo de “pré-industriais”, e nem a sociedade portuguesa da época das grandes navegações, de pré-informática. Isto porque os romanos antigos não se baseavam em qualquer tipo de economia de mercado e nem a sociedade ou navegadores portugueses eram primados nas artes e técnicas da informação. Amazônia Antropogênica 1993), 8470 AP para a Gruta do Rato, 8260 AP para a Gruta da Guarita e 9000 AP para a gruta do Pequiá (MAGALHÃES, 1998, 2005). Foram esses vestígios, ao reforçarem os argumentos de uma ocupação pré-Clóvis, que encerraram definitivamente o debate sobre se as terras baixas amazônicas seriam ou não propícias para a ocupação humana. Mas as Grutas do Gavião e do Pequiá, em Carajás, além de confirmarem a antiguidade holocênica da presença humana na Amazônia, apresentaram restos orgânicos diversos associados aos hábitos alimentares das populações que as ocuparam e uma produção lítica não especializada. De fato, alguns registros arqueológicos (em Carajás e em Monte Alegre-PA) apresentam evidências de que no mínimo desde 9000 anos atrás já existiam práticas de manejo de plantas, entre as quais se destacavam as palmeiras (MORCOTE-RÍOS; BERNAL 2002). Período histórico mínimo para o início da atropogênese amazônica. Deste modo, há milênios populações diversas e em diferentes áreas da Amazônia já exerciam formas de manejo, muito provavelmente, semelhantes às verificadas entre grupos caçadores e coletores contemporâneos, como os Nukak da Amazônia colombiana. O manejo Nukak, por exemplo, está baseado na alta mobilidade do grupo e no estímulo à criação de diferentes áreas com concentração de recursos econômicos. Entretanto, os estudos etnoarqueológicos que apontaram esta tendência, especialmente os realizados por Hill; Hurtado (1999) e Politis (2001), que têm tratado da adaptação de grupos de caçadorescoletores em áreas de floresta, apesar de registrarem o uso regular dos recursos naturais florísticos, não foram capazes de perceber a ação histórica na formação dessas florestas. Soma-se a isto a inexistência ou não de observação de restos orgânicos na maioria dos sítios de caçadores-coletores identificados até agora. Em 2003, Meggers e Miller sugeriram que a penetração de grupos humanos nas terras baixas da América do Sul de fato ocorreu, mas não em contexto de floresta tropical, mas sim através de corredores de savana formados durante períodos mais secos no Pleistoceno Terminal. Mas este argumento não se sustenta em evidências científicas. Pois, quando foram analisados os restos alimentares encontrados em áreas de refugo claramente produzidas pela atividade humana, tanto na Gruta do Gavião quanto na Gruta do Pequiá, ficou evidente que os recursos de floresta não só eram plenamente explorados e consumidos por caçadorescoletores há milhares de anos, bem como estavam sendo, de algum modo, selecionados e manejados. Por conta dessas evidências conclui-se que o padrão de adaptação dos caçadores-coletores não estava baseado apenas na economia diversificada e organizada na caça, pesca e coleta, mas, também, na seleção e manejo de plantas e ambientes. Análises faunísticas e, principalmente, florísticas, de amostras provenientes dos milenares sítios citados acima mostraram que alguns dos recursos naturais de floresta parecem ter sido manejados ou estavam sendo experimentados para uma futura domesticação4 ou 4 Cabe lembrar que a mandioca passou pelo mesmo processo que as demais plantas domesticadas, que perderam a capacidade de germinar por si próprias, ao tornarem-se dependentes do Homem. Num primeiro momento faziam uso das folhas da mandioca silvestre, sendo suas sementes levadas de um lado para outro, segundo a mobilidade dos povos que as conduziam; posteriormente, há uma seleção das sementes de plantas com tubérculos maiores até que, finalmente, elas são plantadas a partir da própria raiz, que acaba por germinar plantas que não geram sementes. 245 Amazônia Antropogênica formação de bosques com altas taxas de produtividade. Para Roosevelt (1996), baseada nas evidências arqueo-botânicas encontradas na Caverna da Pedra Pintada, a Amazônia foi arboriza, cultivada e manejada pelos caçadores-coletores, desde o Holoceno inicial. A seus argumentos se juntam as evidências encontradas tanto no refugo deixado pelo Homem na Gruta do Gavião – em especial, de uma estrutura de combustão localizada no interior da gruta (SILVEIRA, 1995) – quanto no refugo deixado na Gruta do Pequiá (MAGALHÃES, 1998 e 2005), em áreas de fogueiras ricas em cinzas e restos de crustáceos, carapaças de moluscos, ossos e sementes. Entre essas evidências foram identificadas sementes de Manihot sp. que, apesar de não indicarem domesticação local, indicam que a mandioca estava sendo consumida com regularidade e podia estar sendo cultivada através de semeadura. Isto nos permite afirmar que milhares de anos antes do surgimento das culturas sedentárias, recursos vegetais de plantas manejadas e até cultivadas, já eram comuns na dieta diária de muitas das populações nômades. Ora, isto tem consequência sobre as características da produção lítica. Em Carajás, a produção lítica mais antiga é marcada, principalmente, pela elaboração de lascas unifaciais, através do lascamento bipolar de núcleos de quartzo (hialino, citrino, leitoso e ametista) e de hematita. Trata-se de um produto simples, mas de resultados práticos, que podemos chamar de pragmáticos. Apesar da simplicidade característica, também foram encontradas, entre os líticos de Carajás, pontas de projétil unifaciais, tanto de quartzo quanto de hematita. Mas no sítio Dona Estela e com a mesma idade, foi achada uma ponta bifacial. Já no alto Madeira, como em Carajás, sítio datado em cerca de 8500 anos AP, na cachoeira de Santo Antônio, a indústria lítica identificada é caracterizada pela presença de lascas e artefatos unifaciais sem vestígios de pontas de projétil (NEVES, 2012). Consequentemente, parece que a partir de 9000 anos, não teria havido um único modo de produzir artefatos líticos, mas um amálgama de diversos produtos, com tecnologias distintas, possivelmente relacionadas à diversidade dos recursos explorados e à diversidade cultural a eles relacionada. Portanto, ainda que os artefatos bifaciais possam ter precedido os unifaciais, posteriormente as duas técnicas teriam convivido durante milhares de anos. A mudança nas técnicas de produção pode estar relacionada ao maior consumo de plantas ou dos produtos delas derivados. Esses produtos poderiam substituir alguns dos instrumentos antes feitos exclusivamente de pedra o que teria tornado o produto lítico, como em Carajás, ainda menos elaborado ou mais pragmático. Por tudo isto, como norte de nosso trabalho em Carajás, a hipótese principal com a qual trabalhamos propõe que populações caçadoras-coletoras e ou pescadoras, com diferentes níveis de complexidade e alinhadas aos ecossistemas da floresta tropical amazônica estão incluídas no processo histórico da Cultura Tropical, quando deram início à antropogênese amazônica. De fato, os restos de origem vegetal encontrados nas grutas de Carajás, por exemplo, estavam relacionados a importantes práticas de manejo e seleção de plantas neotropicais úteis, milhares de anos antes do advento do cultivo sistemático (ver SANTOS et al., capítulo 4). Assim, teria sido no âmbito da Cultura Tropical que essas populações (incluindo aí também as pescadoras), relativamente mais homogêneas e nômades iniciaram, de modo constante e produtivo, o manejo dos recursos florestais. E ainda que teriam sido eles, através dos processos históricos da Cultura Tropical que conquistaram e desenvolveram a tecnologia de produção da cerâmica e iniciaram a domesticação de 246 Amazônia Antropogênica algumas plantas. Finalmente, que as populações agricultoras posteriores, nada mais seriam do que as herdeiras naturais das populações caçadoras-coletoras pioneiras, as quais, através de um novo modo de produção, fundaram o processo histórico da Cultura Neotropical. Foi durante a Cultura Neotropical que foram intensificados e aperfeiçoados os meios e procedimentos técnicos conquistados pelos primeiros, o que resultou em um mosaico de culturas territorial e etnicamente definidas, com alta densidade populacional, maior sedentarismo, diversidade cultural e diferentes níveis de complexidade social. A Cultura Tropical não é representada apenas pela produção lítica e pelo consumo de plantas manejadas. Ela também é caracterizada pela produção ceramista, a qual, muito provavelmente, foi a sua criadora. É isto que os fragmentos cerâmicos encontrados em sambaquis fluviais e em sítios abrigados localizados em Santarém e em Monte Alegre (PA) (ROOSEVELT, 1995) e aqueles relacionados aos sambaquis do litoral norte e conhecidos desde a década de 1960 indicam. Ou seja, uma idade bastante recuada para a produção ceramista na Amazônia e relacionada a populações caçadoras-coletoras-pescadoras. Os vestígios cerâmicos relacionados à Fase Mina (que dos antigos são os mais numerosos) estão relacionados a grupos caçadores-coletores-pescadores. Esses vestígios cerâmicos encontrados na região do Salgado, no litoral paraense (a Fase Mina) e na Guiana (Fase Alaka), indicam que a costa e os estuários do leste da América do Sul e a foz do Amazonas tinham culturas pescadoras ceramistas antigas, da mesma forma que o noroeste da América do Sul. Segundo Bandeira (2012), os sítios dessas culturas foram provavelmente construídos e habitados por grupos perfeitamente adaptados ao ambiente marinho litorâneo, com subsistência básica apoiada na coleta de moluscos e peixes. Por outro lado, a concentração excepcional de recursos para a subsistência de grupos humanos (como em áreas de mangues, praias, campos salinos e matas) favoreceu a fixação de populações sedentárias independentes da agricultura. Como observado por Silveira e Schaan (2010), essas comunidades já produziam cerâmica para uso cotidiano desde 6000 anos atrás. Portanto referir-se aos caçadores-coletores ou caçadores-coletores-pescadores como povos pré-ceramistas não tem qualquer sentido. Hoje ninguém mais duvida de que muitos desses povos dominavam a tecnologia de produção da cerâmica. Consequentemente, entre eles, havia aqueles que foram, de fato, ceramistas, mas também aqueles que foram pré-ceramistas e aqueles que não tinham e nem tiveram o domínio tecnológico da cerâmica. No entanto faziam parte do mesmo processo histórico que se desenvolvia na região tropical onde viviam e exploravam, constituindo assim um mesmo processo civilizador, o da Cultura Tropical. Associado ao domínio da tecnologia ceramista, muitos desses povos complementavam sua subsistência com a coleta de recursos vegetais de áreas manejadas e com o provável cultivo incipiente de algumas espécies. Em outras áreas de floresta tropical da América do Sul, fora da Amazônia, como no vale do rio Porce, Cordilheira central andina na Colômbia, sociedades de caçadores-coletores da Cultura Tropical (pré-ceramistas, de fato) exploraram as florestas úmidas tropicais das terras baixas e altas do vale, desde 10000 anos AP até 4000 AP, com evidências de manejo e cultivo de plantas desde o início da ocupação e de desenvolvimento local do sistema agricultor neotropical. A cerâmica é introduzida no sítio cerca de 5500 anos AP (ESPITIA; BOCANEGRA, 2006). Neste sítio, além de 247 Amazônia Antropogênica ficar evidente que o manejo e uso regular de plantas para consumo e outros fins é anterior ao advento local da cerâmica, evidencia também que as sociedades agricultoras se desenvolveram a partir de sociedades milenares, pioneiras no uso de plantas e no desenvolvimento da cerâmica. Em síntese, podemos afirmar que a Cultura Tropical era composta por populações com domínio de diferentes produções líticas e ceramistas, com capacidade de explorar e manejar ecossistemas biodiversificados e de desenvolver diferentes estruturas socioculturais, fosse no litoral, nas margens dos grandes rios e lagos, mas principalmente no interior das terras firmes interfluviais. Em Carajás, o conjunto dessas hipóteses, consequentemente, vai implicar, para a indústria lítica em particular, a produção de instrumentos e artefatos voltados tanto (ou mais) para o manejo e processamento de plantas, quanto para a caça (de animais de pequeno porte). Por isto a base teórica dessas hipóteses tem seus corolários na arqueologia da paisagem e na etno-botânica. Porém, ela se choca com todas as demais teorias propostas até recentemente, fundamentalmente, por considerar, desde o Holoceno inicial, o homem como um dos principais agentes transformadores do ambiente. Senão vejamos. Um dos modelos propostos para a colonização humana da América do Sul foi sugerido por Lathrap (1968) e Lynch, (1978). Para os autores, a floresta amazônica não oferecia condições ecológicas favoráveis para uma ocupação baseada na caça e na coleta. Nesta hipótese as sociedades caçadoras-coletoras não ocuparam a Amazônia antes da chegada dos agricultores. Pelo contrário, quando entraram para compensar a deficiência dos recursos animais disponíveis, logo se tornaram, ali, agricultores ou mantiveram com eles intenso comércio. Esta hipótese foi retomada no final dos anos de 1980 para explicar a interação entre bandos e sociedades tribais modernas. Ela não se limita à Amazônia, mas abrange outras regiões de florestas tropicais (BAILEY et al., 1989; BIRD-DAVID, 1992; HEADLAND; BAILEY, 1991; HEADLAND; REID, 1989; LEE, 1991; SOLWAY; LEE, 1990; SPETH, 1991; SHOTT, 1991; WILMSEN; DENBOW, 1990). Posteriormente, dentro da linha de raciocínio apresentada acima, outros pesquisadores propuseram que as florestas tropicais são, em geral, deficientes em carboidratos (carbohydrate-limited) e, consequentemente, sistemas de subsistência baseados em caça e coleta nessas regiões seriam viáveis somente quando carboidratos, provenientes de sociedades horticultoras, estivessem disponíveis através de troca (BAILEY et al., 1989; BAILEY, 1991) ou de “saque” (BALÉE, 1992, 1994). Segundo este modelo, a ocupação da Amazônia por caçadores-coletores só seria viável após ocupação da região por sociedades horticultoras. Embora esses modelos assumissem que a vegetação da Amazônia no final do Pleistoceno e no início do Holoceno fosse predominantemente constituída por floresta tropical, eles não consideravam que as sociedades que lá viveram fossem capazes de desenvolver meios e técnicas culturais capazes de amenizar deficiências naturais. Na última década do século XX, Piperno e Pearsall (1998) desenvolveram um modelo no qual as primeiras sociedades de caçadores-coletores teriam colonizado a região neotropical no Pleistoceno Terminal coexistindo com uma megafauna hoje extinta. Essas populações teriam concentrado suas atividades de subsistência na caça desta megafauna, 248 Amazônia Antropogênica já que sua exploração traria um retorno maior em comparação à exploração de outros recursos e de outras áreas menos favoráveis do ponto de vista econômico. Com a diminuição e a extinção da megafauna, os grupos de caçadores-coletores voltaram-se para áreas menos favoráveis e para recursos com retorno energético menor (i.e., plantas). Com isto as autoras propuseram uma transição relativamente rápida de uma economia de forrageiro (i.e., voltada para caça, coleta e pesca) para uma economia de produção (i.e., domesticação de plantas e horticultura) já no começo do Holoceno, cerca de 7000 AP. Mas Politis (1996), por outro lado, já tinha mostrado que há variabilidade adaptativa entre os grupos caçadores-coletores amazônicos. Por exemplo, enquanto os Nukak utilizam a zarabatana como instrumento para a caça de animais que vivem nas copas das árvores, os Awá são exímios fabricantes de flechas, que usam para caçar também animais terrestres. Assim, trocas de recursos e exploração de recursos diferenciados por técnicas diferenciadas permitiriam a ocupação de diferentes ecossistemas amazônicos. Em 2002, Kipnis sugeriu que desde os primórdios das ocupações humanas na região neotropical, a estratégia de subsistência adotada pelas populações baseava-se na coleta de frutos e tubérculos, complementada por caça e pesca; um padrão presente tanto na Amazônia (GNECCO, 1994, 1999; GNECCO; MORA, 1997; ROOSEVELT, 1998a, b; 1999; ROOSEVELT et al., 1996), como também no Brasil Central (KIPNIS, 2002). Mas isto segundo o emprego do buffering dispersal baseado em redes de interações sociais como estratégias mitigadoras para lidar com a instabilidade ambiental, sobretudo no Pleistoceno Terminal e no Holoceno Inicial. Segundo Kipnis, mesmo com o aumento populacional, as sociedades responderiam às flutuações ambientais com a intensificação das redes sociais (que teriam facilitado o movimento dentro e entre territórios) e/ou através da criação de redes de trocas. Estas últimas teriam sido mais eficientes em períodos tardios, quando o meio ambiente se tornou mais estável e quando a agricultura estava sendo praticada em regiões adjacentes (i. é, nas margens dos grandes rios). Eduardo Neves (2012) sintetiza tudo isto concluindo que haveria uma alternância entre os modos de vida caçador-coletor e agricultor, uma vez que estratégias oportunistas baseadas na diversificação seriam, desde o começo, características de vida na região. Por conseguinte, ainda segundo ele, não seria adequado enquadrar as sociedades amazônicas antigas em categorias econômicas fechadas ou mutuamente exclusivas como “caçadores-coletores” ou “agricultores”. Além disto, Neves sugere que, ao contrário da ideia de escassez de recursos, na Amazônia seria a fartura que imperaria, o que eliminaria pressões evolutivas de toda ordem (NEVES, 2007). Contudo a conclusão acima é perfeitamente compreensível se considerarmos a conquista das técnicas de cultivo já devidamente consolidadas e a Amazônia como um Éden natural desde sempre. Porém, a conquista das técnicas e a transformação da Amazônia em um “Éden” não foi casual. Tudo isto só teria sido possível com o desenvolvimento histórico das técnicas e dos modos de produção que levaram à conquista dos meios adequados de manejo e domesticação, e da escassez de certos ecossistemas naturais à fartura das paisagens construídas. Além disto, todas essas teorias ignoram os diferentes processos históricos que, ao longo de mais de 10000 anos, diversas populações teriam desenvolvido. Em Carajás, por exemplo, quando foram estudados os primeiros sítios de caçadores- 249 Amazônia Antropogênica coletores, além da ocupação humana da Amazônia ter recuado até o Holoceno inicial, cerca de 11000 anos AP., ficou claro que, só por volta de 9000 anos, por conta dos restos orgânicos encontrados no refugo arqueológico, que recursos de floresta estavam sendo profusamente consumidos, com aumento gradual e constante desde o início da ocupação. E que, além disto, entre esses recursos, estavam sementes de palmeiras, de pequiá e até tubérculos de mandioca brava, todos regularmente consumidos por populações agricultoras posteriores, mas segundo uma clara sequência temporal não linear na intensificação do seu uso e processos de transformação. Então antes desses recursos fazerem parte da dieta das populações horticultoras e agricultoras mais recentes, os mesmos já faziam parte, segundo uma outra escala de produção e consumo, dos hábitos alimentares das populações caçadoras-coletoras de Carajás. Lembramos que, em Carajás, as sementes de mandioca não foram encontradas desde o começo (11000 anos atrás), porém, entre 7000 e 5000 anos AP. Quer dizer, nada foi conquistado de supetão, mas ao longo dos processos históricos de um acontecimento, cuja duração teve início, meio e fim e seguiu diferentes caminhos. Os argumentos acima, enfim, nos permitem supor que a distribuição dos recursos em diferentes lugares e a ocupação particular deles gerariam redes de interações sociais. Essas interações sociais, por sua vez, mitigariam as instabilidades climáticas com a intensificação das redes de troca, cujos produtos principais eram compostos, entre outros, de frutos, tubérculos, caça e pesca. Mas, e é aí que está a questão, tanto os frutos, quanto os tubérculos e demais produtos vegetais não seriam, necessariamente, provenientes de ambientes naturais primários. Pelo contrário, eles seriam provenientes de locais que teriam sofrido modificações culturais históricas e cuja produtividade era aumentada através de plantas culturalmente selecionadas. Esses locais, historicamente transformados, criavam redes produtivas e geravam, nos indivíduos que as exploravam, o reconhecimento de pertencerem a um grupo social e culturalmente identificável em si mesmo (MAGALHÃES, 2011). Ou, nas palavras de Shepard Jr. (2005), esses lugares nada mais seriam do que o efeito do uso sistemático de plantas na organização das regras sociais. Mas até que o uso de plantas se torne sistemático, precisa de tempo para se desenvolver e se consolidar como um elemento fundamental das relações econômicas de uma cultura. Entre 1996 e 1999, Politis apresentou observações etnoarqueológicas mostrando como o descarte de sementes comestíveis por parte de grupos nômades aumentava significativamente o potencial de formação de concentrações dessas plantas. Por conta disto, alguns pesquisadores estão concluindo que existem grupos que nas suas próprias práticas cotidianas, ainda nômades, conseguem, ao longo de um determinado tempo, modificar significativamente a biodiversidade presente (BALÉE, 2006; SMITH, 2014a). Segundo esta perspectiva, Charles Clement (2006) tem levantado discussões sobre o papel das práticas de coleta de frutas comestíveis para os processos de domesticação de diversas espécies arbóreas na Amazônia. Todas essas observações eliminam uma sistematização controlada no descarte de sementes. Ou seja, as práticas culturais voltadas para o manejo e semeadura de plantas 250 Amazônia Antropogênica dos povos nômades, por não apresentarem uma sistemática de produção planejada, é completamente diferente daquelas executadas pelos povos agricultores sedentários. Fato estabelecido porque se trata de modos de produção diferentes, cujos processos de uso e manejo da seleção cultural de plantas são sutis, porém distintos. Apesar de não apresentarem uma sistemática, os meios intuitivos executados eram extremamente eficazes. Se não havia um plano consciente, no mínimo havia uma escolha incipiente. E, segundo a sagaz observação de Henri Bergson (2009), toda escolha supõe a representação antecipada de várias ações possíveis. Mas convém salientar que a semedura e a ação antrópica exercida pelos povos pioneiros da Cultura Tropical não eram todas elas inconscientes ou apenas intuitivas. Algumas dessas ações e semeaduras foram realizadas conscientemente por uma prática pensada e planejada, mas em uma escala menor de produção e uso. Afinal, toda prática implica técnicas que são pensadas em como serão desenvolvidas para se atingir os fins propostos. Contudo, segundo novamente Bergson, os hábitos sociais podem sobreviver bastante tempo às circunstâncias para os quais foram feitos, de modo que muitos dos efeitos profundos de uma invenção só se fazem notar quando já perderam de vista a sua novidade. Em Carajás, inventários promovidos por nossa equipe e observações botânicas paralelas, tanto na Serra Sul quanto na Serra Norte, têm registrado a presença de plantas como caju, ananás, diferentes espécies de palmeiras, de arroz e, inclusive, mandioca amarga (até agora quatro espécies). A mandioca cresce sobre a canga laterítica, mas com tubérculo suficientemente grande para ser consumido. A presença de plantas para o consumo humano encontradas no meio da vegetação de canga, muito provavelmente tem por origem a ação humana pretérita e não a introdução natural ou histórica contemporânea. Por tudo isto, apesar da importância das discussões sobre a antiguidade da colonização inicial das Américas e sobre a ascendência étnica da população pioneira, o que as pesquisas realizadas em Carajás apresentam de fundamental para a arqueologia é que seja lá quem tenham sido, os Homens que ocuparam Carajás já estavam perfeitamente adaptados aos recursos tropicais amazônicos e interferindo neles segundo suas necessidades e costumes. Hoje acreditamos que a Amazônia, ocupada inicialmente milhares de anos antes, foi no mínimo desde 9000 anos AP, palco de populações que manejavam os ecossistemas segundo suas necessidades e domínio técnico, aumentando a disponibilidade de recursos. E ainda que a partir de 7000 anos atrás, as técnicas de manejo e seleção se espalharam significativamente por todo território amazônico, apresentando ou combinando diferentes tipos de economia: com base nos recursos marinhos; com base na caça ou na pesca especializada; com base na exploração diversificada de recursos manejados; e com base na associação da caça e da coleta com pequenas roças sazonais. Assim, no terço inicial do Holoceno, diferentes partes da bacia Amazônica – Carajás, médio Caquetá, savanas guianenses, Amazônia central, região de Santarém – já eram ocupadas sem o predomínio de uma única tradição tecnológica e ou de um único modo de exploração dos recursos naturais. As diferentes indústrias líticas dessas populações mostram instrumentos voltados para a caça e também para o processamento de plantas 251 Amazônia Antropogênica o que incluía, inclusive, instrumentos para a produção de artefatos de madeira que substituiriam antigos artefatos líticos. Enfim, a organização social das populações da Cultura Tropical culminou com sociedades de caçadores-coletores parcialmente nômades que viviam da caça, da coleta de plantas manejadas, da pesca e do cultivo de pequenas roças, e da produção de artefatos de pedra, de madeira e de cerâmica antes de desenvolverem a agricultura como um modo de produção sistematizado. A pesca foi um fator importante para a fixação de populações por um período maior de tempo em torno de meios aquáticos, onde a piscosidade era particularmente favorecida. Daí, segundo a observação ainda válida de Lathrap (1977), a propagação da coleta e seleção de venenos para peixes, de plantas fitoterápicas e outras de utilidade prática (como a cabaça) impuseram disciplinas específicas para o Homem. Mas também a abundância de certas plantas em determinados ambientes, os quais teriam servido de ponto de atração, experimentação e dispersão ao logo de muitas gerações. Assim, no contexto desses padrões comportamentais, todos os outros sistemas agrícolas nutricionais surgiram. Ou seja, as atividades humanas responsáveis pela manutenção e dispersão de plantas úteis na Amazônia foram governadas por padrões culturais específicos adequados a essa tarefa. A ação intuitiva mais tarde foi suplantada por ações planejadas, de modo que as pessoas passaram a saber, pedagógica e tecnicamente, o que estavam fazendo e mantiveram interações comuns com as plantas. Isto é, o conhecimento inato foi suplantado pela faculdade de transformar a matéria viva e não viva em objetos manufaturáveis. Foi isto, tal como proposto por Rindos (apud PIPERNO; PEARSALL, 1998), que resultou em mudanças nas plantas e nas culturas com importantes consequências coevolutivas para ambas. Mesmo que as práticas de seleção e semeadura de plantas úteis tenham levado à domesticação delas, estas não resultaram na produção imediata de recursos altamente produtivos. Existiu um longo período de baixa produtividade e durante milênios o modo de produção dominante não dependeu das plantas domesticadas, mas de ambientes produtivos culturalmente modificados. Nesse período, iniciado com o Holoceno, em que as populações amazônicas começam a interação delas com os recursos florísticos disponíveis: conhecendo-os, selecionando-os e manejando-os; ainda que tenham introduzido plantas exóticas (como a cabaça e o milho) por conta, respectivamente, de experiências ainda mais antigas e inter-regionais, as plantas com as quais passam a interagir são locais e de origem neotropical. Com isto, tanto as relações culturais e sociais, quanto os processos históricos que se desenvolvem na Amazônia, além de terem por base as experiências com recursos predominantemente naturais da floresta úmida neotropical, não só são originais como constituem um processo civilizador de larga escala regional. Nesse processo civilizador, além de representar uma colonização humana bastante antiga e heterogênea, as populações da Cultura Tropical puderam intercambiar com diversos ecossistemas. Isto permitiu que alguns grupos humanos pudessem desenvolver uma economia diversificada e de grande influência sobre as sociedades amazônicas futuras. Fato estabelecido porque ao longo de milhares de anos de integração com os ambientes amazônicos, além de explorar a caça e a pesca, essas populações tiveram tempo suficiente para conhecer, manejar e cultivar os recursos vegetais da floresta úmida que exploravam 252 Amazônia Antropogênica em diferentes ecossistemas (e o manejo de fauna também, como os currais de tartarugas, por exemplo). A consequência disto foi o aumento da biodiversidade útil ao Homem e o incremento, por parte dessas populações, da produtividade natural da floresta, agora com indeléveis influências antrópicas. Por conseguinte, pode haver uma relação entre o aumento das populações indígenas amazônicas e o ganho de recursos genéticos conquistados. Esta relação teria sido influenciada pelo número de plantas selecionadas, pelo nível de domesticação dos cultivos, pela complexidade das relações sociais estabelecidas, pelo nível de manutenção natural das paisagens antropogênicas construídas e herdadas (RICKLEFS, 2003), pelo número de sociedades envolvidas e pela capacidade de influência dessas sociedades. No início, o modo de produção dos povos da Cultura Tropical provinha de uma economia cujos recursos, além de exigirem diferentes estratégias de exploração, eram culturalmente selecionados por organizações sociais baseadas no grupo doméstico. Como consequência, por razões de ordem social, cultural e das práticas técnicas, a unidade produtiva era a família nuclear, economicamente autônoma e politicamente descentralizada. Assim, os costumes e tradições influenciavam a circunscrição dos ecossistemas explorados no território de ocupação e a seleção cultural dos produtos de consumo (alimentar, artesanal, ritualísticos, de construção etc.). Isto resultava em sucessivos episódios de ocupação e abandono dos assentamentos, o que a longo prazo desfavorecia o controle e a sustentabilidade política de grandes populações e territórios. Mas por outro lado, também favorecia a distribuição geográfica das plantas preferidas, o que poderia certificar ao território uma identidade cultural profunda. Por fim, a conjugação dos recursos de origem animal – caça e pesca – com os recursos vegetais culturalmente selecionados tornou-se parte fundamental da organização socioeconômica das populações nativas, gerando recursos suficientes para neutralizar disputas, atenuar a importância dos centros de poder e permitir o aumento populacional. O modo de produção diversificado complementado com práticas de manejo, o uso e desenvolvimento técnico de diferentes indústrias (líticas, ceramistas e do artesanato com a madeira) e a larga distribuição e circulação territorial de diferentes grupos humanos, constituíam a característica básica do processo civilizador da Cultura Tropical. A sua base econômica tinha como um de seus pilares a preferência pelo desenvolvimento de técnicas que visavam mais ao manejo diversificado e coletivo de plantas, do que, necessariamente, a domesticação de algumas delas. Talvez isto explique o fato de que a origem da domesticação de algumas das plantas cultivadas seja sugerida em áreas periféricas à grande bacia amazônica, áreas justamente onde estavam as sociedades com organizações políticas mais centralizadoras. Ao somarmos a este argumento o fato de que vestígios de plantas associados às populações agricultoras antigas e, inclusive, às contemporâneas, eram as mesmas (especialmente algumas das principais) consumidas ou manejadas por populações pioneiras, podemos supor que ao longo do tempo ocorreram práticas contínuas de uso e aperfeiçoamento técnico. Principalmente no que se refere ao processamento dos recursos explorados relacionados aos costumes alimentares e sociais, todos regionalmente provenientes e consumados na floresta úmida neotropical amazônica. Foram as 253 Amazônia Antropogênica persistentes ações indígenas, desde o Holoceno inicial, voltadas para o manejo direto e indireto dos ambientes, que criaram nichos culturais cada vez mais abrangentes e deixaram um legado que foi transmitido de geração para geração, até ser definitivamente incorporado aos padrões culturais regionais. Por conseguinte, a domesticação pode ser vista apenas como uma consequência indireta das estratégias, das relações culturais e dos processos históricos civilizadores seguidos pelas sociedades amazônicas. Essas sociedades, mesmo no estágio imediatamente anterior à domesticação, não devem ser consideradas pré-agrícolas, pois a agricultura que praticavam já estava configurada muito antes do plantio sistemático de plantas domésticas, tal como a mandioca, por exemplo. Ou seja, a agricultura neotropical na Amazônia se desenvolveu de práticas independentes e anteriores ao cultivo intensivo e à própria domesticação. Na relação coevolutiva, em que o manejo e o cultivo são o resultado de interações comuns, usuais dos Homens com as plantas, as pessoas selecionam entre os espécimes existentes a melhor opção disponível para suprir a alimentação, o artesanato, a saúde e os ritos, tornando isto um marco cultural socialmente reproduzido. Cabe observar que, na relação entre a quantidade de plantas úteis identificas e a das plantas domésticas utilizadas pelas sociedades amazônicas, existe uma clara desproporção, com o predomínio impressionante das primeiras. Isto, obviamente, não é sinal de deficiência técnica ou incapacidade de compreensão da natureza das plantas, mas sim a opção técnica pelo manejo coletivo delas. Isto explicaria a grande quantidade de plantas reconhecidas como “semidomesticadas”, que é bem maior que as domesticadas. Ao mesmo tempo desqualifica o termo como uma escala no nível do manejo, já que o cultivo coletivo de plantas úteis seria mais importante, ainda que não excludente, do que o cultivo especializado de plantas domesticadas. Por tudo isto, é plausível supor que, ao final do período histórico da Cultura Tropical, mais de 30% dos biomas amazônicos já estivessem antropizados e se reproduzindo antropogenicamente (MAGALHÃES, 2010). Com o tempo, talvez entre 5000 e 4000 anos atrás, a entropia na organização social das culturas dos caçadores-coletores pioneiros, que induziram as mesmas respostas e práticas técnicas de manejo por várias gerações, levou, coletiva e paulatinamente, essas sociedades a variações culturais cada vez mais complexas, culminando com a intensificação do manejo de grandes reservas florestais e o consumo de plantas neotropicais, algumas sistematicamente plantadas e tecnologicamente manipuladas. Portanto, foi o modo como os nativos trataram os ambientes amazônicos explorados que fez a diferença, garantiu o seu sucesso na integração regional, a evolução de suas práticas e dos modos de produção praticados. Entretanto, ressalta-se que essa evolução é melhor compreendida coletivamente, já que estratégias sociais diversas poderiam fazer com que determinado grupo social recuasse, acelerasse, retornasse ou pulasse processos. Ou seja, não foi uma sociedade em particular ou muito menos um evento isolado que promoveu a mudança histórica, porém um conjunto de sociedades onde diferentes eventos paralelos ou não convergiram para um novo processo histórico. De todo modo, a característica fundamental das chamadas sociedades horticulturas, que consistia no plantio sistemático de plantas domesticadas associadas com diversas outras coletivamente manejadas em pomares e hortas; e das sociedades complexas que 254 Amazônia Antropogênica não só as cultivavam e manejavam em larga escala, mas que também interferiam diretamente na dispersão e concentração, em reservas florestais e bosques, de inúmeras espécies úteis, só despertou o real interesse dos arqueólogos a partir do advento do século XXI (SCHAAN et al., 2007; HECKENBERGER, 2008). Este interesse pode ter sido despertado, tal como proposto por Dickau (2007), pelos resultados que a chamada arqueologia neotropical – que trata da dispersão e utilização das plantas na América Neotropical e as origens da agricultura na região – têm alcançado. Até aqui, os resultados vêm mostrando que as evidências de uso de plantas relacionadas aos sítios das sociedades da Cultura Tropical são as mesmas utilizadas pelas sociedades agricultoras da Cultura Neotropical (MAGALHÃES, 1993; 2005; 2009; 2010). A diferença é que as sociedades da Cultura Neotropical aumentaram seu cabedal de plantas domésticas através de trocas diversas e aperfeiçoaram as técnicas de cultivo, manejo e uso, que aumentaram em muito, a escala da utilização delas (STAHL, 1996, 2005; ESPITIA; BOCANEGRA, 2006; OLIVEIRA, 2007, SÁNCHEZ et al., 2007; MAGALHÃES, 2007, 2008b). Portanto, ainda que se reconheça que a origem e a distribuição das espécies neotropicais sejam bem anteriores ao Holoceno e ao Pleistoceno final, os espécimes vegetais utilizados pelas populações amazônicas, mesmo no passado mais recuado, eram plantas tipicamente de floresta, mas culturalmente selecionadas, tais como, entre muitas outras, o pequiá (Caryocar villosum (Aubl.) Pers.), a bacaba (Oenocarpus bacaba Mart), a castanha-do-pará ou do brasil (Bertholletia excelsa), a copaíba (C. reticulata Ducke) e, inclusive, a versátil mandioca (Manihot esculenta Crantz), que apesar de ser tolerante a climas secos, é melhor cultivada em climas quentes e úmidos. E ainda, que a distribuição de espécies vegetais na Amazônia, durante todo o Holoceno foi, fundamentalmente, obra da ação seletiva humana. Deste modo, tendo por perspectiva que as populações pioneiras eram tropicais e seu inventário cultural, em boa medida, evoluiu regionalmente desde o Holoceno inicial, compreende-se que as populações posteriores que as substituíram resultaram das mudanças históricas que a cultura (material e não material) dessas mesmas populações pioneiras produziu. Porém, para compreender esta perspectiva, é preciso uma reorientação teórica, que apesar de manter a questão cronológica e da cultura material, permita a abertura das pesquisas para outros campos de possibilidades. Ou seja, as populações pioneiras, ou parte delas, encontraram nos ecossistemas amazônicos as condições necessárias para o desenvolvimento de técnicas e práticas de longa duração adequadas à exploração, manejo e processamento dos seus recursos naturais. Consequentemente, a distribuição holocênica de boa parte das espécies neotropicais teve origem na seleção cultural realizada pelas populações pioneiras. Porém, com o tempo, entropias sociais e históricas forçaram o aperfeiçoamento das técnicas, práticas de uso, manejo e processamento desenvolvidos por essas populações, resultando em significativas mudanças culturais, econômicas, sociais e políticas. Assim, apesar de flutuações climáticas críticas ocorridas durante o Holoceno até, mais ou menos 4000 ou 3000 anos atrás, foi o aperfeiçoamento na exploração e uso dos recursos naturais associados a práticas e costumes sociais, que teria levado as antigas sociedades de caçadores-coletores-pescadores tropicais às sociedades agriculturas posteriores. Essa mudança, portanto, não seria o mero resultado da necessidade premida 255 Amazônia Antropogênica por uma suposta pressão populacional causada por certo período de escassez. Isto é, não é só a falta que leva à mudança. A mudança também pode ser alavancada pela conexão de diferentes saberes antes dispersos, agora reunidos pela perspectiva de uma outra visão do mundo e pelas novas necessidades daí geradas. Os produtos gerados pelas novas necessidades surgidas com o advento das sociedades agricultoras, consequentemente, derivaram dos recursos neotropicais conquistados pelas sociedades da Cultura Tropical. Portanto uma vez que a cultura das populações agricultoras (horticultoras ou complexas) seria o resultado de mudanças históricas ocorridas na Cultura Tropical, representada por populações de caçadores-coletores-pescadores, que teriam iniciado a conquista dos recursos neotropicais, só podemos chamar a sua herdeira, consecutivamente, de Cultura Neotropical. Considerando, tal como foi sugerido por Eduardo Neves (2012), que estratégias oportunistas baseadas na diversificação seriam características dos modos de vida na Amazônia, a agricultura teria vingado em locais onde o solo era mais fértil e se tornado fundamental mesmo na ausência de longos períodos de escassez de produtos “silvestres”, até vir a ser o modo de produção dominante. Fato provável porque os locais já conhecidos e mais apropriados para a agricultura seriam os que permitiriam uma mudança mais fácil em situações críticas ou de expansão populacional resultante da fartura de recursos. E essa mudança seria resultado da própria capacidade das sociedades da Cultura Tropical de se integrar e de explorar de diferentes modos os biomas amazônicos e de encontrar soluções novas para situações complexas não previstas. Ou seja, lenta, mas continuamente, a evolução social e histórica das sociedades amazônicas tornou economicamente secundário o modo de produção característico da Cultura Tropical e as transformaram em integrantes da Cultura Neotropical, cuja economia tinha no cultivo sistemático de plantas, a sua base mais importante. Não obstante o sucesso da Cultura Neotropical na Amazônia, nos dias de hoje ainda existem alguns poucos povos nômades que preservaram antigas tradições relacionadas à Cultura Tropical. Consequentemente, existem povos que parecem agir como se preservassem os arquétipos comportamentais do passado, vivendo na floresta e nunca destruindo as malocas da aldeia depois de abandoná-la. Segundo John Hemming (2008), assim são os Maku (Nukak e Hupdu), que viajam ao longo de rotas familiares na floresta entre o Brasil e a Colômbia; e os Awá-Guajá na antiga floresta pré-amazônica no Maranhão. Quando os Maku abandonam uma área, eles sabem que seus restos vegetais irão fazer germinar as suas plantas favoritas. Ao retornarem, meses depois, eles encontram seu acampamento ao lado da floresta adjacente pronto para ser novamente usado. De um modo geral, as palmeiras, por exemplo, sempre tiveram muito a oferecer ao Homem. Algumas escavações arqueológicas, tais como a de Peña Roja em Caquetá, mostraram sementes de várias espécies de palmeiras ao lado de ferramentas líticas (MORA CAMARGO, 2006). Nos sítios abrigados de Carajás, é comum encontrar “quebra coquinhos” e outros instrumentos líticos junto a restos de sementes de palmeiras em extratos estratigráficos milenares. Por isto os arqueólogos reconhecem que concentrações de palmeiras em algumas florestas podem ter sido “plantadas” por antigos povos indígenas. Isto torna 256 Em O Cru e O Cozido, Lévi-Strauss (2004) demonstrou a importância que a floresta viva tinha para diferentes populações indígenas, tanto em termos filosóficos quanto de processo civilizador. Para o antropólogo, antes do machado de ferro a lenha provinha de árvores mortas, ainda em pé ou caídas e só a madeira morta era permitida como combustível. Contudo, “muitas vezes o Homem era obrigado a queimar madeira viva, a fim de obter plantas cultivadas que ele se permitia cozinhar apenas em um fogo de madeira morta” (LÉVI-STRAUSS, 2004: 182). Mas a queima da madeira viva não era aleatória, pois havia a prática deliberada de proteger aquelas cuja utilidade era reconhecida, pois a vida civilizada requeria não só o fogo, mas também as plantas cultivadas que o fogo permitia cozinhar. O que facilitava a queima seletiva era a reocupação constante – persistent places (SCHALANGER ,1992: 105) – de diversos ambientes antropizados por processos práticos de manejo e recuperação de antigas áreas de ocupação. Isto é o que se percebe em diferentes sítios arqueológicos, onde se observam reocupações contínuas ou não na disposição estratigráfica das evidências. Fato que indica intencionalidade na escolha de locais previamente antropizados (MACHADO, 2010) e cujas paisagens construídas são culturalmente emblemáticas. Locais esses, por sua vez, que faziam parte de uma ampla rede territorial de trocas e dispersão de plantas semeadas seletivamente. Enfim, em termos filosóficos e civilizadores, tal como observado por Lévi-Strauss (op. cit.: 317), a engenharia dessa construção resultava de um pensamento que via na relação natureza/ cultura uma operação conjunta de compenetração isomórfica, onde suas diferentes partes seriam indiscerníveis e mutuamente permeáveis. Amazônia Antropogênica essas concentrações importantes marcadores que indicam a presença de sítios arqueológicos na floresta. Esta perspectiva, obviamente, é diferente do enfoque ecológico/evolutivo, cuja preocupação primordial é a compreensão do uso espacial do ambiente por diferentes organismos. Neste enfoque, como os fatores ambientais e as variáveis que afetam o sucesso evolutivo de determinadas espécies estão distribuídos de maneira heterogênea no espaço, os organismos devem se mover através dele para fazer uso da energia e nutrientes, em um contínuo definido por Stafford e Hajic (1992, p.139) como salvatory movements. Com isto, muitos arqueólogos apropriaram-se destes conceitos em suas pesquisas para tentar compreender a mobilidade, organização tecnológica e a própria variabilidade dos conjuntos artefatuais das populações amazônicas antigas. Eles partiram do pressuposto de que o padrão de mobilidade está intrinsecamente relacionado aos elementos ambientais componentes, incluindo plantas, comunidade de animais, temperatura, umidade, solo, recursos hídricos etc. e que na Amazônia estariam irregularmente distribuídos em dois ecossistemas diferentes: o de várzea e o de terra firme (CARNEIRO, 1970; MEGGERS, 1987; ROOSEVELT, 1992). Mas muito pelo contrário, a afirmação de que os Homens eram integrados aos ambientes, interferindo neles segundo suas necessidades e crenças, implica reconhecer que os ambientes ocupados ou explorados eram transformados em espaços familiares, através da construção de paisagens que eram culturais e cognitivamente conceituadas pelos grupos humanos, para perpetuar ou mudar a ordem das configurações políticas, sociais ou econômicas. Assim, os ambientes transformados em paisagens culturalmente 257 Amazônia Antropogênica reconhecidas não podem ser vistos como um mero substrato natural (no sentido de selvagem), mas sim como espaços historicamente construídos. Neles, há toda uma dinâmica entre o mundo natural e a imagem socialmente construída da paisagem, que permanece permanentemente em obra, em favor dos interesses culturais, sociais e políticos dos Homens. Esses interesses se expressam no habitus, consistindo em um objeto em que os agentes sociais – que fazem parte do objeto – incluem o conhecimento que se tem do objeto e a contribuição que tal conhecimento traz à realidade do objeto. Assim, na dinâmica entre o mundo natural e a imagem social da paisagem, o ambiente se torna o objeto que o homem conceitua ao conceituar a si mesmo. Os ecossistemas sobre os quais os Homens intervinham podem ser vistos como ambientes que ultrapassam os preceitos de uma entidade física intacta e onde ocorre uma relação intrínseca com a dinâmica cultural, compreendida como uma construção social, fundamentada pelos processos que atuam em uma sociedade (para compreender a evolução deste pensamento, ver MORAIS, 1999; ZEDEÑO, 2000; BRADLEY, 2000; THOMAS, 2003; MIGUEZ, 2006). A construção social, por sua vez, é a construção social do mundo, em que os agentes sociais são eles próprios, em sua prática coletiva, os sujeitos de atos de construção desse mundo (BOURDIEU, 1983). O Homem, ao construir a imagem social da paisagem, sela sua identidade nesta mesma paisagem, porque neste ato de construção incorpora o conhecimento adquirido no decorrer da história de construção dessa imagem. Ora, mas o conhecimento incorporado é o conhecimento proveniente do ambiente transformado em paisagem. Ou seja, o conhecimento é o elemento principal da conexão evolucionária entre o Homem e o meio, de modo que, ao incorporar esse conhecimento, o Homem é alterado pelo próprio ambiente construído. E se as sociedades da Cultura Neotropical iniciam suas práticas de cultivo e manejo em uma Amazônia em que mais de 30% dela já estava antropizada então, com o tempo, muito provavelmente, o resultado das novas ações antrópicas deve ter alcançado um nível muito mais elevado e profundo. 258 Amazônia Antropogênica CARAJÁS Marcos Pereira Magalhães, Carlos Augusto Palheta Barbosa, João Aires da Fonseca, Morgan J. Schmidt, Renata Rodrigues Maia, Kelton Mendes, Amauri Matos, Gabriela Maurity O AMBIENTE A Serra dos Carajás, no Sudeste do Pará (Figura 1), é composta por uma cadeia de submontanhas desgastadas formando platôs. Ela abrange área de aproximadamente 90.000 km2 no sudeste do Pará, apresentando 48% de cobertura florestal composta de floresta densa (Floresta Tropical Pluvial com variações locais entre os vales e as encostas) e 13% de floresta aberta (vegetação Metalófila ou Campo Rupestre ou savânico, também chamada Vegetação de Canga encontrada no topo dos platôs e em trechos das encostas). O clima da região é tipicamente tropical (quente e úmido) e é caracterizado por duas estações bem distintas: uma seca, de julho a setembro, quando os rios baixam expondo extensas várzeas, e outra chuvosa, de dezembro a março, quando o nível das águas dos rios eleva-se. É no topo dos platôs e suas encostas onde se encontra a grande maioria das grutas com vestígios de ocupação por povos da Cultura Tropical. Em termos espeleológicos, as grutas, abrigos e cavernas de Carajás, no geral, são compreendidos pela província mineral de Carajás, cujo padrão de relevo é marcado pela presença de serras de topos aplainados, denominados de Planaltos Residuais do Sul da Amazônia. Seus limites são os terrenos homogeneamente arrasados: a sul a depressão de Rio Maria; a norte a depressão de Bacajá; a leste a depressão Goiana-Paraense; e a oeste pela depressão do Xingu. Estudos espeleológicos na região demonstraram grande similaridade geoespeleológica e bioespeleológica entre cavidades pertencentes a serras distintas, reforçando, junto com os atributos do meio físico, a consolidação da unidade espeleológica de Carajás (VALENTIM; OLIVITO, 2011). 259 Amazônia Antropogênica Em Carajás, o Planalto Residual se caracteriza como uma região de dissecação em interflúvios tabulares, determinado pelo aprofundamento de talvegues em relevos tabulares, geralmente formando um padrão de drenagem retangular. Este padrão pode ser observado nas porções cimeiras da Serra dos Carajás, incluindo seus flancos sul (Serra Sul) e norte (Serra Norte), onde predominam amplas superfícies planas, cobertas por solos espessos, sob floresta ombrófila densa. Tais áreas são caracterizadas pela presença de encostas muito abruptas marcando o contorno dos domínios planos. Nestas ocorrem escarpas erosivas, a partir de onde a erosão regressiva desmantela as superfícies tabulares. Segundo Valentim e Olivito, o chamado Estudo de Similaridade avaliou 201 cavidades na Serra dos Carajás (porção sul – Serra Sul e porção norte – Serra Norte), Serra do Cristalino e Serra Leste, e concluiu que, em termos gerais, os abrigos rochosos mostram vasta similaridade entre si. Eles ocorrem em áreas com aspectos fisiográficos também semelhantes, incluindo a mesma configuração geomorfológica, o mesmo domínio climático e os mesmos litotipos. Além disto, os levantamentos bióticos dessas cavidades demonstraram similaridade acentuada na composição faunística, incluindo gêneros ou mesmo espécies ocorrendo em diferentes áreas. Verificou-se ainda semelhança faunística entre cavidades de serras distintas, incluindo táxons troglomórficos. A região de Carajás abriga as bacias hidrográficas dos rios Xingu a oeste e TocantinsAraguaia a leste, sendo que 2/3 da área compreende a bacia do rio Itacaiúnas, afluente da margem esquerda do rio Tocantins. A bacia hidrográfica do rio Itacaiúnas, por sua vez, caracteriza-se por uma rede hidrográfica fortemente condicionada à estruturação tectônica do local, consistindo de padrão retangular a sub-retangular. É subdividida nas sub-bacias: Vermelho, Tapirapé, Cinzento, Cataté, Aquiri, Sororó, Preto, Parauapebas e Itacaiúnas, sendo as duas últimas mais expressivas em termos de área. A rede de drenagem é condicionada principalmente pelo regime de chuvas na região. A área possui elevada variação altimétrica, correspondendo à porção mais acidentada o domínio compreendido pela Serra dos Carajás e adjacências, atingindo elevações que variam em torno de 700 a 850 m de altitude em relação ao nível do mar. A maior parte da área de pesquisa fica dentro da Floresta Nacional de Carajás (FLONACA), que foi criada pelo Decreto nº 2.486 de 02 de fevereiro de 1998. A FLONACA tem, aproximadamente, área de 400 mil hectares e abrange parte dos municípios de Parauapebas, Canaã dos Carajás e Água Azul do Norte. Ela é uma Unidade de Conservação (UC) administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio (GUMIER-COSTA; SPERBER, 2009; ICMBio). As Unidades de Conservação nasceram no Brasil baseadas no modelo norte americano de concepção de proteção de áreas com “vida selvagem”, chamadas de áreas protegidas, implementadas ainda no século XIX, mas que a partir da década de 1960 tornaram-se padrão mundial. Essas unidades buscam preservar áreas naturais com características especiais e são administradas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). Os principais grupos das Unidades de Conservação no Brasil são os de 260 As FLONAS – Florestas Nacionais, estabelecidas em 1939 pelo Código Florestal, são uma das várias categorias de Unidades de Conservação no Brasil e fazem parte do segundo grupo, o das áreas de conservação e manejo sustentável. A FLONACA é uma dessas unidades e tem como objetivo a conservação e uso sustentável dos recursos naturais encontrados em seu território, admitindo atividades como coleta, extração e uso de seus recursos que obedeçam a meios que garantam a manutenção dos recursos e de seus processos ecológicos. Amazônia Antropogênica proteção permanente e os de conservação e uso sustentável (ARRUDA, 1999; DICIONÁRIO AMBIENTAL, 2013). Dentro do PACA (Projeto Arqueológico Carajás), o “palco” do PACA Norte, a Serra Norte, localiza-se na porção centro-leste da unidade espeleológica da FLONACA, mais especificadamente na porção norte da serra homônima. Ela é conformada por relevo de serra alinhada com topo plano orientado, predominantemente, na direção WNW-ESE. Apresentando altitudes que variam de 400 a 600 m, podendo alcançar até 800 m, a Serra Norte é sustentada pelos tipos litológicos do Grupo Grão Pará, onde predominam expressivos depósitos de ferro. As encostas desta serra possuem declividades médias (20 a 40o) a íngremes (45 a 100o). Com cerca de 76 km de extensão, correspondendo a 1157 km² de área, o limite leste desta unidade é a planície aluvial do rio Parauapebas, enquanto o limite oeste é o rio Itacaiúnas (Figura 1). Figura 1. Localização das áreas de pesquisa em Carajás. 261 Amazônia Antropogênica Já o “palco” do PACA Sul, a Serra Sul, corresponde ao flanco sul da FLONACA. Ela possui aproximadamente 73 km de extensão e 845 km² de área e também engloba relevo de serra alinhada com orientação WNW-ESE. Ela apresenta alturas que variam de 100 a 300 m, atingindo frequentemente altitudes superiores a 600 m. É sustentada predominantemente por litotipos do Grupo Grão Pará (formação ferrífera e vulcânicas básicas associadas), e subordinadamente por metassedimentos terrígenos da Formação Águas Claras (metaconglomerados, meta-arenitos arcoseanos e metassiltitos laminados). Este relevo de serra pode apresentar topo aplainado, angulares e até arredondado, e com vertentes côncavas-convexas mais acentuadas na base. Os topos mais aplainados são sustentados por formações ferríferas e canga de minério de ferro. Como na Serra Norte, os limites leste e sudoeste desta unidade são, respectivamente, os rios Parauapebas e Itacaiúnas (Figura 2). As pessoas do passado remoto, que ocuparam ou fizeram uso sazonal das grutas das Serras Sul e Norte de Carajás, localizadas em uma faixa morfoclimática transicional (VANZOLINI; BRANDÃO, 1986) e em um ambiente de transição entre a floresta densa e a aberta representada por campos rupestres arcaicos e por enclaves de cactos e bromélias em locais rochosos (AB’SABER, 1986), exploraram, desde o início, os recursos da floresta densa. Complementarmente, é interessante notar que vestígios líticos (artefatos líticos lascados, confeccionados em quartzo citrino, ametista, quartzito, silexito, hematita, etc., como raspadores, afiadores, furadores/buris, pontas de flecha e lascas) semelhantes aos identificados nas Serras Norte e Sul também foram encontrados na Serra das Andorinhas, indicando uma ampla ramificação territorial se expandindo para o sul do estado do Pará (KERN et al., 1992; KIPNIS et al., 2005; SILVEIRA et al., 2009). Figura 2. A área verde central é a da FLONACA, onde estão localizadas as serras Norte e Sul e as minas de extração de minério de ferro. Nesta imagem de 2013, ela já estava cercada por um desmatamento quase contínuo, resultado da extração de madeira, pecuária e urbanização. Até a década de 1960 toda a área desta imagem era coberta pela Floresta Ombrófila densa (exceto no topo dos platôs). 262 Amazônia Antropogênica Conforme as informações acima, convém observar que as serras Norte e Sul são formações paralelas entremeadas por planícies que constituem corredores entre os rios Parauapebas, a oeste e o Itacaiúnas, a leste. Estes corredores, onde correm rios com nascentes a sul e a norte, são planícies por onde circularam, desde milhares de anos atrás, as populações da Cultura tropical e, posteriormente, da Cultura Neotropical. Sítios da Cultura Tropical milenares foram encontrados tanto no corredor formado pelo rio Salobo (SILVEIRA et al, 2008, 2009), quanto naquele formado pelo rio Sossego (MAGALHÃES et al., 2015). Possivelmente, foi através desses corredores que as primeiras populações que ali chegaram começaram a colonizar a região de Carajás, especialmente suas cavidades no alto dos platôs e as porções de terras não inundáveis nas margens dos rios dos vales. Esses corredores também podem ter sido usados como a malha da rede de relações sociais e da rede de relações econômicas. Por eles podem ter circulado não só informações de ordem cultural, como também produtos de ordem natural. Assim, eles poderiam ter sido a via por onde as populações chegaram, relacionaram-se, desenvolveram-se, difundiram e receberam tradições, produtos culturais e matérias-primas diversas, além de onde distribuíram, manejaram e cultivaram as espécies favoritas selecionadas. Estas ações antrópicas podem explicar a diversidade vegetal observada em alguns nichos dentro da homogeneidade observada na cobertura vegetal em geral, enquanto a homogeneidade geomorfológica explicaria a repetição dos mesmos padrões de ocupação. Por outro lado, as áreas de savana que hoje são restritas ao topo e encosta dos platôs, podem ter sido mais amplas no passado remoto. Isto é sugerido por muitos estudiosos do paleoclima, de modo que o predomínio precoce dos recursos de floresta sobre os de savana na economia indicaria que as populações que passaram pelo sudeste e sul do Pará já estavam familiarizadas com estes recursos antes mesmo de lá chegarem e/ou antes da expansão local da floresta. E isto se revela especialmente nos recursos florísticos encontrados nos registros arqueológicos, mais do que nos de fauna, principalmente porque a fauna apresenta uma capacidade de locomoção muito mais dinâmica, o que permite com que os animais transitem entre diferentes ambientes, coisa que não acontece, obviamente, com a flora, exceto se for transportada por meios artificiais. Segundo Hermanowski et al. (2012), com base em dados coletados na Serra Sul, ocorreu uma transição de um clima seco e frio (entre 25000 a 11400 anos AP) para um clima mais quente e úmido no Holoceno inicial (entre 11400 a 10200 anos AP), favorecendo a formação de floresta densa. Porém, no Holoceno inicial e médio (entre 10200 a 3400 anos AP) veio uma forte sazonalidade no Sudeste amazônico. Parte das mudanças ocorridas nos ambientes de Carajás são atribuídas aos paleoincêndios, frequentes entre 11000 e 10000 anos AP, justamente o período que corresponde à chegada do Homem na região e que deve ter contribuído muito para isto (TURCQ et al., 1998; HERMONOWSKI et al., 2012, 2015). Já o período mais longo de clima seco teria ficado entre 8000 a 4000 anos AP, período que corresponde ao ótimo climático na Amazônia. De todo modo, deve-se considerar que se as plantas típicas de floresta densa estavam sendo carregadas para um ambiente que, inicialmente, era predominantemente de savana ou sofria significativas oscilações climáticas (AB’SABER, 1986; SIFEDDINE et al., 2001), então estava ocorrendo uma prática qualquer de manejo. O provável é que as áreas florestadas 263 Amazônia Antropogênica não estavam muito afastadas das grutas (possivelmente em áreas de solo mais rico nos vales e margeando os rios perenes locais: Itacaiúnas, Parauapebas, Cateté, Sossego, Pacu, etc.). Por outro lado, estudos indicam que as áreas de florestas eram ocupadas ou visitadas sazonal, mas regularmente, de modo que elas poderiam ser ocupadas em outra fração do ano e estar servindo de fonte de recursos para exploração e “exportação” (MAGALHÃES, 2005). Uma vez que diferentes ambientes poderiam ser explorados segundo as transições climáticas sazonais, mas que os recursos de florestas eram preferencialmente explorados, esses mesmos recursos poderiam ser transportados de um ambiente para outro e disseminados através da semeadura de plantas selecionadas com fins culturais e sociais diversos, sem, necessariamente, uma intenção deliberada de manejo previamente planejado. Essa prática intuitiva, todavia, constituída de um sistema de significação repleto de aspectos cognitivos e comportamentais, seria o modo como os caçadores-coletores já intervinham nos ambientes de Carajás, os reconstruindo socialmente, segundo suas crenças e costumes, assim definindo e identificando um extenso território cultural (ACUTO, 1999; BRADLEY, 2000). Isto resultará, mais tarde, em extensos territórios formados por paisagens que carregarão uma identidade cultural bem definida: espaços ideologicamente construídos. PEQUENA HISTÓRIA DA OCUPAÇÃO HUMANA RECENTE NO SUDESTE DO PARÁ A ocupação humana contemporânea na região sudeste do Pará teve início no fim do século XIX. O começo dessa ocupação se deu, primeiramente, às margens dos principais rios e teve como atividade econômica predominante o extrativismo vegetal. Porém, a partir da segunda metade do século XX ocorreram mudanças profundas por conta de novos meios de ocupar e produzir a vida nessa região. Foi então que a ocupação passou a ser orientada pelas rodovias e estradas e por uma economia voltada para a exploração madeireira, agropecuária, do garimpo e minerária. Atualmente, a ocupação foi intensificada em termos populacionais, diversidade econômica e com a ampliação do mercado de comércio e serviços (Figura 2). Mas, no início, entre 1890 e 1960, o sudeste paraense começou a ser ocupado com a chegada de colonos vindos de várias partes do Brasil, especialmente do Ceará e do Piuaí. Esses colonos se estabeleceram em alguns pontos dos principais rios e seus afluentes, organizando-se em pequenos conglomerados urbanos e rurais (TAVARES, 2008; ALMEIDA, 2009). A atividade econômica desenvolvida pelos primeiros colonos até a segunda metade do século XX foi a agropecuária de subsistência e o extrativismo vegetal. Na ocasião o extrativismo tinha por base principal a extração do caucho1 – que foi até a 1 264 O caucho ou “Castilloa ulei” era a variedade local da seringueira da Amazônia, da qual era extraído o látex, matéria-prima da borracha. A peculiaridade na exploração dessa árvore era a necessidade de ter que abatê-la para a extração da matéria-prima, causando a perda definitiva da mesma. Atribui-se aos antigos moradores do Burgo Agrícola a descoberta do caucho na bacia do rio Itacaiúnas, quando faziam um reconhecimento da área à procura dos campos naturais para a prática da pecuária (ALMEIDA, 2009, p. 170). Atraídos pelos grandes castanhais nativos, na década de 1930 houve uma grande migração de retirantes da seca do sertão nordestino que chegaram até o alto Itacaiúnas, então território Xikrin, que ali viviam desde o final do século XIX. Ao invadirem o alto Itacaiúnas, aconteceram os primeiros choques com a população nativa, de origem Kaiapó, então os principais extrativistas (FRIKEl, 1963). Mais tarde, com a “pacificação” dos Xikrin na década de 1950, e o confinamento deles numa reserva, os conflitos diminuíram e os novos habitantes adaptaram-se à agricultura de subsistência. Amazônia Antropogênica década de 1920 – fomentada pela economia da borracha. Posteriormente, até a década de 1970, o extrativismo se concentrou na coleta de castanha-do-pará (CARVALHO et al., 1977; SANTOS, 1980; ALMEIDA, 2009). Porém um dos primeiros pontos geográficos ocupados foi o da confluência dos rios Tocantins e Itacaiúnas, área da atual cidade de Marabá. Lá, em 1895, chegaram grupos de migrantes procedentes dos Estados de Goiás e Maranhão, que estabeleceram um burgo agrícola denominado de “Burgo de Itacaiúnas” (SANTIAGO DA SILVA, 2006; CARNEIRO, 2009). Segundo Montarroyos (2013), este burgo foi financiado pelo governo estadual com o objetivo de promover o desenvolvimento agrícola e a colonização planejada no Alto Tocantins, próximo à foz do rio Itacaiunas. Por motivos partidários, essa colônia foi entregue a um militante florianista do estado de Goiás, o Coronel Carlos Gomes Leitão, que foi derrotado militarmente quando tentou assumir pela força o poder local na cidade de Boa Vista do Tocantins, estado de Goiás. A pecuária e o extrativismo continuaram atraindo novos migrantes para essa região, especialmente dos Estados da Bahia, Ceará, Paraíba e Piauí até a década de 1960, adensando mais ainda a ocupação (CARVALHO et al., 1977; CARVALHO, 2000). Mas com a emergência, nesta mesma década, das políticas desenvolvimentistas que já vinham sendo implementadas desde a década de 1950 em toda a Amazônia, esse cenário mudou. Assim, durante as décadas de 1950 e 1970, a ocupação humana na região passou por mudanças. O ápice do estabelecimento dos projetos desenvolvimentistas ocorreu durante as décadas de 1960 e 1970, e um dos primeiros implantados neste período foi o organizado pelo presidente militar Castelo Branco, chamado de “Operação Amazônia”. Este projeto tinha como objetivo: “inserir a região nos quadros da economia nacional, transformando-a em grande produtora de açúcar, juta, arroz, madeira, oleaginosos e carne bovina. [...]” (JOSÉ FILHO et al., 2000, p. 52). A implantação desses projetos levou o antigo modelo baseado na ocupação às margens dos rios e no extrativismo vegetal, à decadência. Entretanto, foi a partir da década de 1980 que se firmou um novo modelo econômico baseado na centralização da ocupação às margens de rodovias, onde a agropecuária, o garimpo e pricipalmente a mineração industrial ditaram a economia. Esta fase começou quando foram implantados vários projetos econômicos e de colonização em toda a Amazônia, os quais priorizaram a abertura de estradas e rodovias federais, a implantação de núcleos coloniais nas margens dessas vias e incentivos para a exploração madeireira, para a produção agropecuária em larga escala e para mineração Industrial (JOSÉ FILHO et al., 2000; PETIT, 2003; ANDRADE, 2011; LUNA; KLEIN, 2014) (Figura 3). 265 Amazônia Antropogênica Figura 3. Imagem da distribuição espacial na Amazônia brasileira do POLAMAZÔNIA. Acervo: Biblioteca da Sudam, 2014. Como suporte nesse período foram criadas duas instituições para organizar e agenciar esses projetos: a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam)2, e o Banco da Amazônia – o Basa. A primeira tratava da administração dos projetos, enquanto a segunda agenciava-os financeiramente. Ambas tinham a função de viabilizar os incentivos governamentais necessários à promoção dos programas econômicos (MIRANDA NETO, 1986). Outro projeto importante criado na década de 1970 foi o Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia, o POLAMAZÔNIA que intensificou os projetos agropecuários e agroindustriais em toda Amazônia (BECKER, 1994). Esses projetos alcançaram o sudeste do Pará, a Amazônia Oriental. Então, entre eles, desenvolveram o Programa Grande Carajás (PGC) e, dentro dele, no município de Marabá, um dos maiores projetos de mineração do mundo, o Projeto Ferro Carajás (PFC). A partir da década de 1980 passou a se localizar no município de Parauapebas, após sua emancipação de Marabá (BECKER, 1994). Contudo, além da migração dirigida, ocorreu a 2 266 Criada na década de 1960, no governo militar para substituir a antiga SPVEA. Amazônia Antropogênica migração espontânea por conta das novas oportunidades de terras e, principalmente, por causa do garimpo de ouro, que potencializou ainda mais a ocupação e o crescimento dos municípios e cidades da região. Dessa forma, no sudeste do Pará, como em todo o resto da Amazônia, o sentido da ocupação foi mudando e a sua base econômica também. Mais migrantes foram atraídos e adentraram a região, surgindo novos médios e grandes núcleos urbanos que no decorrer do fim do século XX tornaram-se grandes cidades e municípios (TAVARES, 2008). Exemplo disto foram o surgimento e desenvolvimento dos municípios de Parauapebas e Canaã dos Carajás-PA, a partir de um projeto de colonização denominado de CEDERE3, implantado em 1982. Este projeto localizava-se na antiga área de abrangência do município de Marabá, mas, com o crescimento populacional desses assentamentos, eles deixaram de ser pequenas colônias agrícolas para tornarem-se dois novos municípios, o primeiro originando-se do CEDERE 1, e o segundo, dos CEDEREs 2 e 3 (LIMA, 2003; CABRAL et al., 2011). A partir daí a economia passou a ter por base a produção agropecuária e principalmente a exploração mineral (RODRIGUES, 2013). Mas entre 1975 e 1983, o garimpo, em particular o de Serra Pelada (Serra Leste), localizada atualmente no município de Curionópolis-PA, atraiu milhares de migrantes de outros estados, incrementando uma economia quase clandestina, que desenvolveu o comércio inicialmente baseado em gêneros de primeira necessidade, máquinas e na prostituição. Atualmente, a base econômica da região está alicerçada na agropecuária e na mineração. Marabá, e em maior escala, Parauapebas e Canaã dos Carajás continuam crescendo, ampliando seus horizontes urbanos dentro de seus respectivos municípios, os quais são sustentados pela exploração mineral. A mineração tem por base a exploração do ferro e do cobre através do Projeto Ferro Carajás, do Projeto Sossego, do Projeto Salobo e do Ferro Carajás S11D. Porém, desde o ano de 1999 vem ocorrendo diversificação da economia. Segundo Cabral et al. (2011), em Canaã, por exemplo, de apenas três setores de atividade econômica, a partir de 1999 passou a ter pelo menos 8, tais como: extrativismo mineral, indústrias de transformação, serviços e utilidades, construção civil, administração pública, agropecuária e comercio. Por outro lado, em outros municípios do sudeste do Pará, a agropecuária permanece sendo a principal fonte de riqueza (RODRIGUES, 2013; GOLDER, 2010). Assim, quando no final da década de 1960 o governo federal defende a ideia de que a Amazônia era a “última fronteira” agrícola, com legislação apoiando a pecuária como o modo mais rápido para ocupá-la economicamente, teve início a “era da destruição”. Foi então que uma riqueza florestal e ecológica fabulosa foi ignorada, primeiro através extração de madeiras nobres, que geralmente antecede a eliminação da floresta; segundo, através da derrubada e queimada para o plantio do capim para a implantação de fazendas pecuaristas. 3 “Em 1982, na tentativa de diminuir os conflitos de posse de terras e realizar a reforma agrária, o Governo Federal, por meio do Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT), implantou o projeto de assentamento Carajás, na região sudeste do Pará. E assim foram assentados 1.555 famílias de colonos imigrantes vindos, principalmente, dos estados do Maranhão, Tocantins e Goiás” (LIMA, 2003, p. 17). 267 Amazônia Antropogênica Por fim, foi no final da mesma década (1967) que a região conheceu o seu destino, quando foram descobertas suas potencialidades minerais (SANTOS, 1981). Quer através de pesquisas geológicas patrocinadas por grandes empresas de mineração (United States Steel e Cia. Vale do Rio Doce (CVRD), quer através de garimpeiros aventureiros, todo potencial mineral foi revelado, que vai do ferro ao ouro, sem paralelos em termos de variedades e concentração. Os projetos minerários e os garimpos transformaram a região sudeste do Pará, trazendo uma nova dinâmica populacional, caracterizada por um contingente de naturalidade heterogênea e sem raízes amazônicas. Essa população não só ignora a história local, como ignora a história mais antiga, que é a raiz da identidade regional. Nestas duas primeiras décadas do século XXI, os municípios de Parauapebas e de Canaã dos Carajás apresentam altos índices de desenvolvimento e industrialização, atraindo diversos empreendimentos que estão redefinindo, mais uma vez e com muita rapidez, as características gerais do sudeste paraense. Porém, como a história local da ocupação humana atual é muito recente, é necessário retirar a capa de ignorância que esconde sob o solo da região, a história mais antiga e profunda, que é quem pode garantir identidade e territorialidade às pessoas e às atividades econômicas ali instaladas. AS PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS ANTIGAS As pesquisas arqueológicas sistemáticas em Carajás começaram na década de 1980. Não por coincidência, foi no bojo da implantação do Projeto Ferro Carajás que a região despontou para a arqueologia brasileira. Consequentemente, a história das pesquisas arqueológicas em Carajás está diretamente relacionada à história da ocupação contemporânea dos atuais municípios de Parauapebas e de Canaã dos Carajás. Em princípio, entre 1983 e 1987, pesquisas sistemáticas foram efetuadas na região por uma equipe do Museu Goeldi liderada por Mário Simões e, posteriormente, por Daniel Lopes. Essas pesquisas resultaram em dados até então inéditos para a Amazônia. Na sua implantação, o Subprojeto Carajás-Arqueologia visava ao estudo do impacto ambiental durante a implantação do projeto de exploração do minério de ferro na Serra Norte em Carajás, com enfoque nas áreas marginais aos principais rios da região. Na oportunidade, o subprojeto desenvolvido pelo então coordenador Mário F. Simões, empregou metodologia baseada na do PRONAPABA4. Para a elaboração do Subprojeto, Simões também contou com informações provenientes de pesquisas precedentes realizadas por Coudreau (1898), Figueiredo (1965) e por ele mesmo em 1972. Assim, o objetivo inicial visou a Complementar as pesquisas anteriores do Museu Goeldi em áreas contíguas, como o alto Itacaiúnas, baixo Fresco e baixo Tocantins, para delimitação das áreas de ocupação, rotas de migração e/ou difusão cultural de antigos grupos ceramistas influenciados pela Tradição Tupi-guarani. (SIMÕES, 1986: 534/535). 4 268 Buscar evidências que permitissem traçar as rotas migratórias e de difusão e que estabelecessem uma sequência de desenvolvimento cultural regional. Amazônia Antropogênica Prudentemente, com o relato da existência de grutas no topo dos platôs, Simões acrescentou a possibilidade de verificar a existência de vestígios de “primitivos grupos de caçadores-coletores pré-cerâmicos” na região. Nota-se que o objetivo proposto visou, desde o início, a questões de cunho científico, e o método empregado era proveniente do arcabouço teórico da Escola Histórico-Cultural baseada no evolucionismo cultural que, em geral, norteava as pesquisas arqueológicas desenvolvidas pelo MPEG. Com esta metodologia e objetivos, foram identificados mais de sessenta sítios, quase todos ribeirinhos e resultado do antigo assentamento de sociedades ceramistas e agricultoras. Somente quando as pesquisas já se encontravam no último ano previsto para as atividades de campo, tal como foram originalmente estabelecidas no convênio, a equipe agora liderada por Daniel Lopes realizou prospecções em duas grutas encontradas nos platôs N1 e N4. Como já foi salientado, uma delas, a Gruta do Gavião, teve relevante papel na história da arqueologia amazônica. Se até então os esforços engendrados tinham sido voltados para os sítios ribeirinhos, todos pertencentes a sociedades agricultoras sedentárias ou semi-sedentárias, a partir de 1986 o enfoque das pesquisas voltou-se para a investigação das cavidades naturais existentes no alto dos platôs de Carajás. Desde o início dessas pesquisas foi possível confirmar a presença de vestígios, in sito, de antigos caçadores-coletores na Amazônia. Através de escavações sistemáticas foi identificada a cultura material e levantada a lista das primeiras e milenares datações absolutas por C14. Descoberta em 1986, a Gruta do Gavião, que foi estudada por Lopes et al. (1988, 1993), Magalhães (1993), Hilbert (1993) e Silveira (1995), causou certa repercussão na comunidade científica por conta dos vestígios contextualizados de caçadores-coletores datados de 8000 AP, até então a datação mais antiga para a ocupação humana da Amazônia. A importância dessa descoberta para a arqueologia é que ela comprovou a antiguidade do Homem na região e permitiu o desenvolvimento de hipóteses comprováveis, algumas delas sugerindo que sociedades de caçadores-coletores poderiam estar na base da formação histórica de muitas das sociedades agricultoras posteriores. Os resultados preliminares obtidos foram apresentados em congressos e publicações especializadas e assinalou uma nova fase dos estudos arqueológicos em Carajás e na Amazônia. Em Carajás, o início dessa segunda fase das pesquisas coincidiu com o fim do Convênio, mas teve continuidade através de apoio institucional e circunstancial da então CVRD. Basicamente, as pesquisas de então visaram à prospecção e à escavação das grutas e abrigos com vestígios arqueológicos encontradas nos platôs N1, N3, N4 e N5 localizados na Serra Norte. Os objetivos visaram a consolidar e divulgar o conhecimento sobre a presença de caçadores-coletores na Amazônia, confirmando a antiguidade da ocupação humana das cavidades, tal como estabelecido para a Gruta do Gavião. Como iniciativa foram publicados dois livros (MAGALHÃES, 1993, 1994), organizadas uma exposição itinerante e diversas excursões de campo entre os anos de 1993 e 1998. As novas excursões identificaram 10 cavidades com ocupação humana nos platôs, sendo que uma, a Gruta do Pequiá, localizada no N5, além de recuar a antiguidade da ocupação na região em mais 1000 anos, continha uma grande quantidade de matéria orgânica preservada. O estudo dessa matéria orgânica abriu outro horizonte de pesquisas, cuja importância dos resultados só vem sendo reconhecida recentemente. Esses resultados 269 Amazônia Antropogênica foram apresentados à comunidade científica em duas teses de doutorado, no livro A Phýsis da Origem: o sentido da história na Amazônia (MAGALHÃES, 2005) e posteriormente no livro Carajás: geologia e ocupação humana (TEIXEIRA; BEISIEGEL, 2006) e no artigo Evolução Antropomorfa da Amazônia (MAGALHÃES, 2009). Foi a partir desses estudos que foi elaborada a hipótese segundo a qual os antigos caçadores-coletores de Carajás além de estarem adaptados aos recursos naturais da floresta tropical neotropical, intervinham nela segundo suas necessidades e costumes, através do manejo e seleção cultural de diferentes espécies de plantas úteis. A terceira fase das pesquisas teve início com o convênio assinado em 2004, entre a Vale e a Fundação Casa de Cultura de Marabá em parceria com a Scientia Consultoria Científica LTDA. O projeto denominado “Projeto de Arqueologia Preventiva na Serra Sul, Complexo Minerador de Carajás, Pará” visava à realização de um “amplo” projeto de pesquisas espeleológicas e arqueológicas na Serra Sul. Em 2006 a própria Scientia assinou contrato com a Vale e centrou as pesquisas no “Bloco D” da Serra Sul. O objetivo dos trabalhos de campo naquela ocasião foi o de avaliar o potencial arqueológico das chamadas “cavidades naturais” que ocorrem na região e do Platô do Bloco D da Serra Sul. Segundo a Scientia (2006), as pesquisas de 2004 revelaram “um alto grau de relevância arqueológica associado às cavidades, e a necessidade de intensificar prospecções arqueológicas em toda a região da Serra Sul para gerar dados quanto ao gerenciamento do patrimônio cultural e para planejamento das atividades de mineração”. Essa necessidade foi contemplada posteriormente (2008), quando a Scientia deu continuidade às prospecções na área de implantação das estruturas de apoio (usina, barragem e instalações) ao Projeto Serra Sul, Serra dos Carajás. As datações obtidas de sondagens realizadas em grutas da Serra Sul bateram com aquelas obtidas por nós na Gruta do Gavião e na Gruta do Pequiá, localizadas na Serra Norte. Consequentemente, começaram a aparecer indícios de que os platôs de Carajás, como um todo, haviam sido colonizados por populações da Cultura Tropical, generalizadamente, em um mesmo período. Ou seja, tanto no sul, no norte, no leste e no oeste da Serra dos Carajás há datações contemporâneas entre as mais antigas. Em 2008, no Salobo (Serra Norte), Maura Silveira (do Museu Goeldi) encontrou um sítio de caçador-coletor datado de 6000 anos em uma área aberta na margem do rio Mirin, afluente do rio Salobo. Esta descoberta permitiu outra perspectiva nas pesquisas realizadas em Carajás, já que comprovou que populações da Cultura Tropical também percorriam os vales e as margens dos rios da região. Dado o estado de degradação ambiental das terras baixas de Carajás, esta descoberta foi muito importante, pois o sítio em questão era multicomponencial, uma vez que nos níveis superiores apresentava refugo de ocupação agricultora da Cultura Neotropical, com a presença de fragmentos cerâmicos e uma sequência temporal de longa duração. Mais recentemente, entre os anos de 2009 e 2012, diferentes equipes estiveram na região da Serra Sul, especialmente na área de influência do projeto minerário S11D. Essas equipes deram continuidade à prospecção das cavidades e das áreas abertas tanto no topo quando nas terras baixas onde estava prevista a construção de novas estruturas para mineração. Ao Museu Goeldi coube a tarefa de verificar as áreas abertas. Com isto a equipe do Goeldi pôde identificar cinco fatos relevantes: 270 2 - Existiram no topo dos platôs das serras de Carajás, áreas abertas onde atividades artesanais para o lascamento do minério de ferro (hematita) foram realizadas. Assim foi possível confirmar que as evidências de hematita lascada também encontradas no platô N1, na Serra Norte eram, de fato, de origem antrópica; Amazônia Antropogênica 1 - Os rios Pacu e Sossego constituíram um elo natural importante entre a ocupação do alto da serra e a porção sudeste das terras baixas, ao longo dos quais são encontrados sítios bastante antigos resultados de diferentes atividades e em cujo entorno há evidências de bosques manejados; 3 - Encontramos dois sítios multicomponenciais com evidências de caçadores-coletores em áreas abertas, ambos na margem direita do rio Sossego; 4 - Nas cavidades com vestígios arqueológicos, apesar de muitas apresentarem ocupação contemporânea, o padrão de assentamento varia conforme a morfologia das mesmas, a posição e o uso que fizeram delas ao longo do tempo. Além disto, foi observado que os sítios abertos no topo dos platôs estavam associados aos lagos ali existentes, bem como às grutas com vestígios de ocupação humana em seus entornos. 5 - Por fim, que os sítios típicos da Cultura Tropical no Sossego poderiam estar associados aos sítios abrigados em grutas e abrigos encontrados no alto da Serra. Pesquisas realizadas por diferentes instituições (Casa da Cultura e Museu Goeldi) e empresas de consultoria (Scientia, Golder, etc.) ainda estão em andamento. Como resultado já foram identificados centenas de sítios nas baixas, médias e altas vertentes, tanto em áreas abertas quanto em áreas abrigadas (grutas e abrigos). Porém, como não existe qualquer relação metodológica ou teórica entres os responsáveis por estas pesquisas, o conhecimento gerado é um tanto esquizofrênico e cheio de lacunas. Apesar do incrível número de informações disponíveis em relatórios, geralmente de acesso restrito, as informações acabam se disponibilizando apenas através dos poucos trabalhos acadêmicos produzidos, geralmente relacionados a dissertações e teses. Já as pesquisas atuais desenvolvidas pelo PACA e iniciadas em 2011, são realizadas nos platôs N1, N2 e N3 da Serra Norte e na porção S11D da Serra Sul. Estas pesquisas já estudaram seis sítios abrigados (4 na Serra Norte e 2 na Serra Sul) e mais três em áreas abertas, todos nos vales sul da Serra Sul. Os estudos anteriores mostraram que na Gruta do Gavião (então localizada na encosta noroeste do platô N4, na Serra Norte) foram encontrados restos orgânicos que Silveira e colaboradores (1995) analisaram. O material vegetal consistiu principalmente de carvões, sementes e partes de frutas queimadas ou não. Algumas das sementes identificadas eram ricas em gordura e podem ter servido de combustível. A vegetação também foi identificada a partir de contas feitas de sementes de gramíneas, encontradas em uma fogueira de longa persistência, localizada encostada em uma parede externa da gruta. Além desses restos, também foram identificadas resinas, especialmente de Hymenaea, Copaibera ou Vochysia, que poderiam ter servido de combustível, de cola e para uso fitoterápico. Todo esse material estava associado a níveis arqueologicamente qualificados como refugo produzido pelo Homem. As datações poderão ser visualizadas no fim deste capítulo. 271 Amazônia Antropogênica Segundo Silveira (op. cit), em termos quantitativos, entre as plantas identificadas, predominaram restos (sementes e tugmentos) de palmeiras (Arecaceae). E, segundo diversos pesquisadores, entre eles Uhl e Dransfield (1987) e Smith (2014b), são estas (as palmeiras) as mais características da flora tropical, constituindo um dos grupos ecologicamente mais importantes dentre as plantas, tendo praticamente todas as partes aproveitadas, desde a alimentação até o uso medicinal. Os frutos e sementes são utilizados na alimentação do Homem e de animais e as folhas e estipes na construção de casas (cobertura, assoalho e parede) pelas populações tradicionais e indígenas amazônicas atuais (MENDONÇA; ARAÚJO, 1999; MIRANDA et al., 2001). Inclusive, segundo Kahn e Millán (1992), algumas espécies de palmeira, além de serem comumente encontradas em pequenas densidades no interior da floresta são, em maior número, encontradas nas áreas abertas, seguindo principalmente a ocupação humana (CAVALCANTE, 1991; BACELAR-LIMA et al., 2006). Como a ocorrência de restos de palmeiras em sítios arqueológicos, especialmente daquelas que são reconhecidamente úteis, é um indicativo seguro de que elas ali chegaram como consequência das atividades humanas, vale notar que no entorno da maioria das cavidades com evidências de uso humano em Carajás, inclusive das Grutas do Gavião e do Pequiá, subsistem algumas espécies como o Inajá, a Bacaba, o Pau-Doce etc. Na Gruta do Gavião foram identificados, entre os restos faunísticos, tanto evidências de animais típicos do ambiente de mata tropical, quanto outros típicos (mas não exclusivos) de savana. Outra evidência era de que o suprimento de proteína animal foi alcançado através da caça de pequeno porte e da pesca. Isto evidencia diversidade na preferência pela caça. Nas áreas abertas cobertas por vegetação de canga (com espécimes de campo, cerrado e caatinga) no alto dos platôs, ocorrem pequenos capões ou ilhas de mata – que podem ter sido obra da atividade humana. Essas áreas não só diminuem a distância entre elas e as áreas de vegetação aberta da canga, favorecendo a visita nela de animais dos bosques (CAVALCANTE, 1991), bem como constituem locais ricos em recursos florestais facilmente controláveis pelas pessoas (conforme proposto por BALÉE, 1994, 1995, 2006; GNECCO, 2004). Ver Santos, capítulo 4. Segundo estudos etnobotânicos realizados por Shanley e Rosa (2005), os caçadores atuais ainda costumam construir esperas (emboscadas) em certas áreas com árvores atrativas para caça, como a Hymenea partifolia (encontrada na Caverna da Pedra Pintada – Roosevelt, 1996) e a Couepia e a Caryocar (encontradas nas grutas do Gavião, Pequiá e do N1), que são fontes de alimento para diversos animais incluindo veado, tatu, esquilo, paca e anta. As flores da Caryocar villosum, por exemplo, são especialmente apreciadas por sua capacidade de chamar caça, sendo a favorita dos caçadores para construir as esperas. Ainda segundo os autores, embora a caça seja atraída pelas frutas e flores dessas árvores, as flores atraem uma variedade e quantidade maior de animais silvestres que as frutas. Com a predominância de animais de floresta, Silveira e colaboradores identificaram diversos animais, incluindo Cervidae (veado), Procyonidae (quati); Felidae (onça); Cebus sp. (macaco); Agout sp. (paca); Bradypodidae (preguiça), Chelonia (jabuti e tartaruga); Crocodylia (jacaré); Galliforme, Cacídae (mutum), entre outros. Além desses ocorreram Gastrópodas terrestres, que indicam períodos bastante úmidos. A lista completa foi detalhada na dissertação de mestrado defendida por Silveira em 1995, que apresentou gráficos de 272 Já a Gruta do Pequiá, localizada na encosta sul do platô N5 (Serra Norte) e distando, aproximadamente (em linha reta) cerca de 4 km da Gruta do Gavião, tinha uma particularidade muito mais favorável à preservação dos restos orgânicos. Parte do refugo era constituída por uma camada composta de cinzas e restos de carapaças de moluscos, que conservou uma grande quantidade de carvões, fragmentos de ossos e sementes dos alimentos consumidos pelas populações que lá estiveram. Talvez, por esta característica de preservação, a ocupação tenha registrado uma antiguidade mil anos anterior à Gruta do Gavião. Apesar disto, no geral, foram consumidos e processados os mesmos recursos naturais, em ambos os sítios, com a diferença de que na Gruta do Pequiá foi possível observar a organização social do espaço relacionada às fogueiras identificadas e aos restos da cultura material deixados (MAGALHÃES, 1998 e 2005). Amazônia Antropogênica peças anatômicas com frequências absolutas de conjunto e outras considerações de cunho técnico e metodológico. Na Gruta do Pequiá foram identificados quatro níveis de ocupação distintos divididos entre cinco camadas sucessivas denominadas de I, II, III, IV e V (dos níveis inferiores para os superiores). Exceto a camada I (base do sítio), as demais apresentaram espessura que variou de 10 a 17 cm. Em cada uma delas observamos alteração na distribuição da cultura material (compostas, basicamente, de lascas unifaciais de quartzo) ao longo da área e da duração de ocupação. A grande quantidade de restos alimentares, com a presença de inúmeros fragmentos de ossos, permitiu o estudo arqueofaunístico da gruta do Pequiá, derivando daí uma lista. Os espécimes da arqueofauna foram identificados segundo a camada onde ocorreram (foi excetuada a Camada Superficial e os espécimes habitantes habituais de cavernas). Entre os espécimes identificados se destacaram os de floresta, como macacos, queixadas, preguiças e veados (datações no final do capítulo e listas de ocorrências orgânicas em MAGALHÃES 2005). Entre as camadas IV e I, apesar das centenas de séculos que separam a formação antrópica de cada uma delas, as camadas listadas indicaram que os vários ecossistemas que dominam ambientalmente Carajás já eram explorados, mas sempre com predomínio do de floresta. Não há evidências de que mudanças climáticas radicais teriam agido sobre as espécies, uma vez que animais de áreas alagadas, de floresta, de campo e de savana ocorrem em todas as camadas. Talvez, por exceção, a camada I apresente um número relativamente maior de espécies de savana, mas mesmo aí animais de floresta e de áreas alagadas se fazem presentes. Este último dado “pode sugerir mudanças climáticas passadas com expansão de taxa de espécimes adaptados a ambientes mais abertos e áridos” (TOLEDO et al., 1999: 311). Porém, antes mesmo do aumento da umidade no clima, o ambiente de floresta já era explorado. A ocorrência de restos de plantas apresentou certa regularidade, isto é, sem variação significativa, em todas as camadas. E tal como na Gruta do Gavião, as plantas de floresta aqui também predominaram largamente. Uma diferença notável nas ocorrências entre as grutas mencionadas foi a grande quantidade de sementes de pequiá. Planta que poderia ter sido usada como um marcador social ou cultural qualquer e que ainda existia nos arredores da gruta, na ocasião das pesquisas. Aliás, fato que marca a potência da antrogenização sobre os ambientes naturais. 273 Amazônia Antropogênica Entre os restos vegetais, caracterizados, especialmente, pela grande quantidade de sementes queimadas, predominaram as de palmeiras. Sementes como as de bacaba e virola, ricas em gordura, encontradas em grande abundância, especialmente na base da camada IV, geralmente estavam associadas às fogueiras e podem ter servido de combustível. Mas a virola também é alucinogênica. A bacaba, o inajá, o açaí e o pequiá (cujas sementes foram encontradas em todas as camadas) presentes nas proximidades da Gruta, especialmente os três pés de pequiá, também podem indicar desenvolvimento antropogênico da vegetação, através de cultivares seletivos e consolidados pela milenar atividade humana. A relativa proximidade entre as Grutas do Gavião e a do Pequiá, mais a coincidência entre os recursos consumidos (inclusive da cultura material), sugeriu que ambas faziam parte de um mesmo sistema de ocupação e exploração dos recursos naturais, indicando um padrão cultural comum integrado com a floresta tropical. E apesar do ambiente onde as grutas se localizavam ter passado por diversas oscilações entre períodos climáticos mais úmidos e mais secos, tal como atestam a presença irregular (por camada) de carapaças de moluscos e a forte variação na granulometria do solo, o padrão cultural foi se consolidando sempre em direção ao uso e manejo dos recursos neotropicais da floresta densa circundante à serra. Pois, enquanto nas camadas I e IV os restos de carapaça eram poucos, nas camadas II e III os restos eram muitos a ponto de serem os constituintes principais do solo. Apesar da densidade, deles só restou um pequeno número de espécimes identificáveis. A maior quantidade era representada por Gastrópodas terrestres e aquáticos como o Pulmonata, o Stylommatophora, o Systrophiidae, o Mull (oblongus) e, principalmente, o Strophocheilus. Foram encontrados também Bivalves de água doce. No platô N1, o sítio PA-At-70: Gruta do N1 foi escavado ainda na década de 1980 por Daniel Lopes e Maura Imázio da Silveira. Eles decidiram pela abertura de uma trincheira ao longo de uma parede lateral. Na ocasião, por absoluta falta de referência bibliográfica para ajudar naquele trabalho pioneiro, muitos instrumentos líticos de hematita foram descartados como naturais. Além disto, a localização da trincheira determinada por uma drenagem no interior da gruta, restringiu a análise da ocupação espacial da gruta. Por tudo isto resolvemos voltar para uma escavação parcial, porém mais detalhada. Os fatos mais interessantes na nova escavação foram a datação com mais de 10000 anos antes do presente e a identificação de marcas de esteio indicando que, provavelmente, foram montadas estruturas de madeira no interior da gruta para fins de acampamento. Isto é, mesmo sob o abrigo firme das paredes e teto ferruginoso do ambiente, instalações provisórias eram montadas para melhorar o conforto ou o uso do espaço. E os recursos para isto estavam disponíveis na floresta tropical de encosta que dominava o entorno frontal à gruta. Isto nos leva a pensar que instalações semelhantes (para acampamentos) e até mais elaboradas e de maior persistência (para moradia) teriam sido erguidas em áreas abertas. Com as escavações complementares que fizemos em 2014 na Gruta do N1, pudemos analisar o material lítico referente aos trabalhos de campo realizados pela equipe do Museu Paraense Emílio Goeldi no ano de 1985 e coordenados pelo pesquisador Daniel Lopes. Este sítio está localizado na encosta leste do platô N1, próximo ao córrego azul. O material de 1985, que ainda não tinha sido analisado, estava acondicionado na reserva técnica Mario Ferreira Simões da área de arqueologia do CCH/MPEG. 274 Amazônia Antropogênica Para a análise foi criada uma ficha identificando os seguintes atributos: sítio, escavação, quadrante, quadrícula, nível, matéria-prima, técnica, tipos dos vestígios (lascado, instrumento, etc), medidas, acidentes de lascamento, marca térmica, neocortex, bulbo, córtex, perfil da lasca, lábio, talão, dimensão do talão, desenho, grau de preservação. Após a curadoria a análise teve por base o método de cadeia operatória5 onde tentamos evidenciar todas as etapas de produção das peças. Na etapa de 1985 foram coletados 274 fragmentos líticos e em 2014 foram 164, completando um total de 438 fragmentos. Estes se distribuíram deste o nível superior até 40cm de profundidade. Como resultado da análise foram identificados 47 núcleos, 175 lascas, 22 possíveis instrumentos, 60 brutos de debitagem, 50 fragmentos de lascas e 38 fragmentos de rochas sem vestígios antrópicos (Tabela 1). A matéria-prima mais recorrente entre os vestígios foi o quartzo hialino, com 288 fragmentos. O nível 1 (0-5cm) foi o que teve maior ocorrência com 97 fragmentos. Tabela 1. Distribuição das peças por nível e tipos. Níveis 0-5cm 5-10cm 10-15 cm 15-20cm 20-25cm 25-30cm 30-35cm 35-40cm Núcleo Lascas 11 9 10 8 5 0 4 0 32 20 27 28 26 31 9 2 Instrumentos 8 5 3 3 0 1 2 0 Bruto de debitagem 12 9 10 11 4 10 4 0 Frag. de lasca 16 12 10 1 2 9 0 0 Frag. de Rocha 16 9 4 1 1 3 4 0 A análise, que até este livro era apenas parcial, confirmou que ocorreu uma atividade constante na gruta, fato definido pela grande quantidade de lascas e brutos de debitagem de quartzo hialino, que aparece em quase todos os níveis estratigráficos escavados. O nível seis, correspondendo a uma profundidade de 30cm e com datação entre 9015 e 8975 anos AP foi onde ocorreu a maior incidência de lascas. Houve uma preferência pelo quartzo (hialino, ametista e citrino – ametista transformada) no uso da matéria-prima. Boa parte da amostra (coletada em 2014) era de hematita, mas com poucos indivíduos onde era possível observar estigmas de utilização. A técnica mais utilizada para a debitagem foi a percussão direta dura. No geral, as lascas apresentavam dimensões entre 2cm a 2,5cm de comprimento. Já os possíveis instrumentos variaram entre 2,5cm a 3cm de comprimento e eram, preferencialmente, feitos de lascas mais espessas. Na mata (Floresta Ombrófila de encosta) frontal à gruta foram observadas diversas plantas úteis, entre as quais se destacavam pequiás, com até 40 metros de altura. Já no topo do platô (esta gruta apresenta duas entradas, uma pela encosta – boca da gruta – e outra no topo do platô, por uma entrada no fundo da gruta), existe um lago perene 5 Cadeia operatória consiste no tipo de análise que considera todos os vestígios oriundos do processo de lascar relevantes para a análise tecnológica, pois, por meio deles pode-se estimar/reconstruir as etapas de produção de um determinado objeto. (LEROI-GOURHAN, 1966; TIXIER, 1978, INIZIAN et al., 1995). 275 Amazônia Antropogênica distante, aproximadamente uns 150 metros, na margem do qual também existe uma pequena gruta que pode ter sido usada como ponto de observação. Ela ainda não foi estudada, mas compõe o que pode ser considerado um complexo espaço de relações econômicas voltadas para a coleta e caça, incluindo a criação e o manejo de esperas (pontos de caça). AS PESQUISAS ATUAIS O sistema sugerido na seção anterior poderia ser comprovado se também fosse observado nos demais sítios abrigados. No entanto, não é comum encontrar grutas ou abrigos que apresentem as mesmas condições de preservação de matéria orgânica como aquelas encontradas nas grutas do Gavião e Pequiá. Em compensação, a riqueza na ocorrência da cultura material e da cobertura vegetal no entorno dos sítios poderiam suprir certas faltas diretas. Na Serra Sul, por exemplo, o sítio PA-AT-337: S11D47/48 (então conhecido como Capela), com oito datações com até 11500 anos AP, foram encontrados e coletados, em níveis profundos, três lâminas de machado partidas e/ou reaproveitadas e uma mãode-mó quando já não havia mais cerâmica, no mínimo, desde 20cm acima (Figura 4) e em níveis datados com mais de 8000 anos. Sem deixar de citar as duas lâminas de machado lascadas encontradas em níveis superiores. Datações indiretas relacionam as lâminas mais antigas a camadas datadas entre 8000 e 10000 anos AP. Ou seja, dois dos instrumentos estavam em camadas relacionadas à ocupação da Cultura Tropical, embora esses objetos sejam comumente relacionados ao manejo e ao processamento de alimentos cultivados (Veja lista de datações no final deste capítulo). O lítico polido utilitário geralmente é associado a populações agricultoras, especialmente as lâminas de machado (ainda que não haja certeza se de fato estes instrumentos tenham sido usados como machados. Por exemplo: eles também podem ser usados para cavar ou como arma). De todo modo, as lâminas (com exceção daqueles instrumentos claramente relacionados a status sociais – machados cerimoniais, por exemplo) são peças relacionadas ao manejo do meio ambiente. Portanto, dentro do contexto de ocupação e manejo da floresta Amazônica por grupos de caçadores-coletores da Cultura Tropical, temos na cultura material um elemento de fundamental importância para se pensar os modos como tal prática se desenvolvia. Trata-se dos instrumentos líticos, nos quais lâminas e mão-de-mó são apenas os elementos mais evidentes entre aqueles que eram produzidos para as mais diferentes atividades, tais como cortar, perfurar, raspar, bem como para serem utilizados no artesanato de madeira e em possíveis técnicas de manejo, conforme as necessidades e os objetivos dos grupos humanos. Para melhor entender o desenvolvimento dessas práticas socioculturais dos caçadorescoletores da Amazônia, está sendo feita a análise sistemática dos materiais líticos, com base no uso do já citado conceito de cadeia operatória associado à traceologia. Essas análises podem trazer informações imprescindíveis para se inferir as relações que os caçadores-coletores travavam com os ambientes amazônicos. A sitemática da cadeia operatória permite reconstituir as etapas pelas quais um determinado objeto passa, desde 276 Amazônia Antropogênica Figura 4. A – Lâmina de machado lascado de diabásio. PACA SUL. Sítio PA- AT 337: S11D47. Escavação: 2; Quadrante :1; Quadrícula: A; Nível 9 (40 - 45 cm). B – Lâmina de machado lascada de arenito. PACA SUL. Sítio PA- AT 337: S11D47. Escavação: 3; Quadrante :2; Quadrícula: A; Nível 14 (62-67 cm). Dimensões: c = 15,5 cm; L = 8,1; E = 2,3 cm; Peso = 470 g. C – Percutor. PACA SUL. Sítio PA- AT 337: S11D47. Escavação: 3; Quadrante :3; Quadrícula: B; Nível 17 (75 – 80 cm). D – Lâmina quebrada e intemperizada de diabásio. PACA SUL. Sítio PA- AT 337: S11D47. Escavação: 3; Quadrante :3; Quadrícula: D; Nível 18 (80-85 cm). Dimensões: c = 7,9 cm; L = 6,6; E = 2,5 cm; Peso = 228 g. E – Lasca em seixo que remonta com lasca do nível 17, quadrícula A. PACA SUL. Sítio PA- AT 337: S11D47. Escavação: 3; Quadrante :3; Quadrícula: A; Nível 22 (100 – 105 cm). F – Mão de mó de diabásio. PACA SUL. Sítio PA- AT 337: S11D47. Escavação: 3; Quadrante :3; Quadrícula: B; Nível 17 (75-80 cm). Dimensões: c = 11,9 cm; Peso = 472 g. G – Virote. PACA SUL. Sítio PA- AT 337: S11D47. Escavação: 4; Quadrante 1; Nível 18 (70-80 cm). Desenhos de Gabriela Maurity. 277 Amazônia Antropogênica de sua concepção na mente do lascador, a escolha da matéria-prima e as técnicas utilizadas para chegar ao produto final. Já a traceologia tenta identificar traços ou estigmas que possam ser associados ao uso do instrumento. Porém deve-se ressaltar que essas análises são apenas partes que se complementam com outras das demais evidências arqueológicas (materiais e não materiais) que ao dialogarem, permitem maior precisão na narrativa sobre o modo como determinado grupo humano se organizava social, econômica e politicamente. O trabalho, então inicial, de análise tecnológica da indústria lítica proveniente da Serra Sul teve por objeto a coleção proveniente de duas das escavações (Quadrantes 3.4 e 3.5) do Sítio PA-AT: 337 S11D 47/48, localizado no corpo S11D de Carajás. Nesta análise preliminar pôde-se observar a variabilidade da indústria lítica local. Dentre os elementos foram identificados: seixos (lascados, utilizados como percutores), restos brutos de debitagem (núcleos, lascas), instrumentos polidos e picoteados (lâminas), instrumentos lascados (sobre bruto de debitagem, unifaciais e bifaciais) dentre outros (Figura 4). Foi observado que nos quadrantes analisados (2m² de área por até 1,3 m de profundidade) há a visível predominância de duas técnicas: a percussão direta dura e a percussão sobre bigorna; embora também ocorram a percussão macia, o picoteamento e o polimento. Destacamos, conforme esperado, a grande quantidade de lascas de quartzo predominando na coleção. Matéria-prima que também predominou nos sítios Gruta do Gavião, Gruta do Pequiá e Gruta do N1, entre outros, localizados na Serra Norte. Do sítio S11D47/48 foram analisadas mais de 450 lascas dessa matéria-prima, todas coletadas dos referidos quadrantes (Figura 5). A maioria delas apresentava traços de acabamento em forma de serrilhado. Talvez tivessem sido produzidas para uso em atividades mais simples do cotidiano, mas somente estudos traceológicos poderão confirmar isso (ver Gráficos 1a-c, 2 e 3). Dentre os materiais analisados, também foram observados diferentes tipos de matériasprimas utilizadas durante o processo de lascamento. Entre esses predomina o quartzo (leitoso, heterogêneo, ametista e hialino) em forma de lascas, de núcleos e fragmentos. Em seguida vem a hematita, presente em forma de lascas, assim como em grandes blocos com marcas de retiradas. Além dessas há outras em menor quantidade, como diabásios, arenitos e granitos. Atentar para os tipos de matérias-primas presentes em uma coleção lítica é essencial para traçar um panorama da exploração do entorno do sítio e de áreas específicas no ambiente. Isso tudo reflete as escolhas que eram feitas por esses grupos (Figura 6). Por exemplo, a ametista é a matéria-prima recorrente na coleção lítica e, durante as escavações realizadas no local, foi possível averiguar que as jazidas desse mineral não estavam próximas ao sítio. Mas a hematita tem nos locais de acampamento a própria origem de sua extração. Já os instrumentos mais “sofisticados” eram oriundos de matérias-primas que foram encontradas nas proximidades do sítio. Talvez a distância percorrida até encontrar a matéria-prima desejada e o gasto de energia dispensado na fabricação dos instrumentos fizeram esses grupos optarem por certas escolhas segundo a relação custo-benefício. Mas também devemos considerar que essas escolhas podiam estar influenciadas pelas estruturas simbólicas da cultura, o que poderia considerar o benefício apenas subjetivamente, independente do custo. 278 Amazônia Antropogênica Figura 5. Base de uma das escavações realizada na gruta S11D. Foto: Morgan Schmidt. Figura 6. Lâmina de machado partida e com marcas de uso encontrada no abrigo S11D48. Foto: Morgan Schmidt. 279 Amazônia Antropogênica Contudo, independentemente da presença de objetos sofisticados ou formalizados, como as lâminas polidas de machado encontradas no sítio S11D47/48, a grande variedade de delineamento de gumes constantes no material lítico de Carajás (LIMA, 2013) são úteis para atividades de cortar, perfurar, serrar e raspar. Esses gumes podem ter sido aproveitados em atividades relacionadas ao processamento de alimentos, como o corte de carde e, inclusive, a preparação de vegetais (Ibiden). Usos que remetem ao manejo e processamento de plantas. Em relação à cerâmica, ela tinha de mais significativo o fato de apresentar duas características distintas, aparentemente associadas à posição estratigáficas delas. Uma mais elaborada (Figura 7) era encontrada nos níveis superficiais e apesar de possuir traços claramente amazônicos era encontrada junto com aquelas de traços Tupiguarani. Outra mais simples e delicada, mas sem decoração, foi encontrada em níveis inferiores, parecendo ser bem mais antiga. Na ocasião da edição deste livro ainda não tínhamos datações para as cerâmicas, mas datações indiretas (C14) apresenta antiguidade de até 5000 anos. Em suma, com o conjunto de técnicas especificas para esse tipo de análise tecnológica e de distribuição espacial das ocorrrências, é possível inferir possíveis mudanças cronológicas e preferências culturais quanto ao uso de certas matérias-primas, considerando as escolhas e as necessidades objetivas e subjetivas do grupo, bem como poder relacionar os usos que eram feitos desses instrumentos em possíveis estratégias de manejo dos recursos da floresta. Portanto, eles podem ser tidos como mais um indicativo de que o ambiente nos platôs estava sendo manejado pelas populações da Cultura Tropical que por lá passaram e/ou viveram, milhares de anos antes da chegada de populações agricultoras. Para que as evidências não fossem interpretadas apenas por categorias de cultura material isoladas, foi providenciado o inventário botânico do entorno dos sítios e o estudo antracológico de amostras de carvão coletados in situ. E o resultado será fruto da análise intercontextual das evidências. Figura 7. Fragmentos de cerâmica encontrados na gruta S11D47 (Morgan Schmidt). 280 a Amazônia Antropogênica Gráfico1a-c. Tipos de matéria-prima por nível (28 níveis de 5cm cada). Rocha verde: ou arenito, ou basalto, ou granito. b c Convém observar que o sítio PA-AT-337: S11D47/48 está associado a um antigo lago em área plana (transformado em brejo – depressão sobre campo mal drenado) cercado de buritis e açaizeiros e a outra gruta acima do brejo, o sítio PA-AT-338: Almofariz (Figura 8). Este sítio apresenta características de ocupação diferenciada e recente, mas complementar à do abrigo S11D48. Enquanto o Almofariz fica sobre e afastado das águas do brejo (cerca de 80 metros), o PA-AT-337: S11D47/48 fica abaixo e a gruta é a principal drenagem do brejo. Possivelmente, no passado, esse brejo foi um lago perene. Já os buritis e açaizeiros teriam sido introduzidos ali pelas populações antigas, resistindo até hoje. A posição do Almofariz permite uma ampla visão da área do buritizal, o que pode ter servido de ponto de observação e local de retoque final das peças relacionadas aos instrumentos de caça 281 Amazônia Antropogênica Gráfico 2. Volume de lascas por nível. Gráfico 3. Tipos de técnica aplicada nas lascas. (conforme as análises vêm indicando). Ali não teriam sido feitas fogueiras. As datações obtidas de carvões esparsos são relativamente recentes. Por sua vez, a gruta S11D47 seria o lugar onde passariam mais tempo, também produzindo artefatos líticos e, inclusive, produzindo alimentos e artefatos de outras matérias-primas e para outras finalidades (processamento, manejo, etc.). No entanto, o abrigo S11D48 onde foi encontrada muita cerâmica e apresenta uma datação de até 4000 anos, teria sido utilizada pela população agricultora, talvez por alguma motivação mais simbólica do que prática. Este tipo de ocupação do espaço, com uso diferenciado de certos nichos é muito mais comum do que pode parecer. Na Serra Norte, no platô N1, também no entorno de um lago perene temos a Gruta do N1, na borda do platô e abaixo do lago. Tem também o sítio Ferreiro – muito semelhante em termos de uso e localização ao Almofariz – um sítio acampamento, a Gruta do Grilo e, inclusive, uma pequena cavidade inadequada para ocupação onde foram encontrados fragmentos cerâmicos. Este último, além de aparentar tratar-se de um sítio cerimonial, estaria relacionado à ocupação agricultora. Deste modo, os usos se diferenciam segundo os fins, mas também ao longo do tempo (ver BARBOSA, capítulo 4). 282 Amazônia Antropogênica Figura 8. Brejo cercado por buritis e pés de açaí. O PA-At-337 fica na drenagem do brejo, na parte superior da foto e o Almofariz fica acima do brejo, logo abaixo de onde a foto foi tirada. Foto: Morgan Schmidt. Porém, a localização e o tipo de ocorrência arqueológica dos sítios Almofariz e S11D47/ 48 conectam os mesmos aos sítios multicomponenciais PA-AT-330: Boa Esperança II e PA-AT-331: Mangangá que têm um extrato da Cultura Tropical (Figura 9). O Boa Esperança (Figura 10), que estava em péssimo estado de conservação, foi datado e alcançou antiguidade de 5500 anos AP (Beta 380852). Situado a oito quilômetros do PA-AT-337 e encaixados em um vale, o Boa Esperança II fica na margem direita do rio Sossego. O vale cumpre o papel de corredor entre as áreas altas e baixas da ponta Sudeste do platô. Mas esse corredor não deve ser considerado uma mera linha da rede social mitigadora de recursos, já que os sítios que ele interliga, além de terem sido, em algum tempo do passado, contemporâneos, compartilhavam a mesma base cultural, seus ocupantes faziam usos espaciais diferenciados e fizeram dos ambientes do entorno fontes naturais, complementadas por recursos potencializados culturalmente (Figura 11). Esta afirmação se baseia na grande quantidade de sementes carbonizadas e nos instrumentos líticos encontrados durante as escavações em ambos os sítios e na presença de claros sinais de antropização no entorno deles. O Mangangá, que também fica na margem direita do rio Sossego e cerca de 2.500 m distante do Boa Esperança II, estava relativamente preservado, conservando uma cobertura vegetal bastante significativa e em cujo entorno se tornava primária (Figuras 12, 13, 14 e 15). Esta mata primária abriga uma grande densidade de castanheiras (mais de 40 árvores de Bertholletia excelsa), além de outras frutíferas e plantas úteis, especialmente ao longo de uma “estrada”, que liga este sítio a um abrigo (S11D31) em cujo solo foram depositados inúmeros fragmentos de diferentes matérias-primas líticas, parte deles abatidos de suas paredes e dos quais retiravam pigmentos minerais. Desde o Mangangá, 283 Amazônia Antropogênica Figura 9. Rota de conexão entre os sítios PA-AT-330, PA-AT-337 e PA-AT-338. Infográfico: João Aires. Figura 10. Sítio Boa Esperança II. Infográfico: João Aires. 284 b c d c Amazônia Antropogênica aa b d Figura 11a-d. Da esquerda para direita e de cima para baixo: ponta de projétil bifacial de quartzo e plano convexo encontrados no Boa Esperança II. Foto: Amauri Matos. a a b b cc Figura 12a-c. Nas proximidades do sítio Mangangá existe uma cavidade (S11D31) de cujas paredes são retirados pigmentos minerais, diretamente, ou de blocos abatidos. E cerca de 20 metros dela há uma nascente onde aflora argila própria para a produção de cerâmica. Fotos: Marcos Pereira Magalhães. 285 Amazônia Antropogênica aa c c bb d e d e Figura 13a-e. O sítio Mangangá é multicomponencial. Nos níveis superficiais há a ocupação ceramista, que apresenta variados motivos decorativos. Além de pigentes líticos. Foto: Morgan Schmidt. a a bb c dd c Figura 14a-d. Nos níveis mais profundos (depois de 100 cm) ocorre uma ocupação caçadora-coletora, onde prevalece o material lítico. Fotos: Marcos Pereira Magalhães. 286 Amazônia Antropogênica Figura 15. Mapa com a definição das duas áreas arqueológicas encontradas no sítio Mangangá: Cultura Tropical, ao norte; e Cultura Neotropical, ao sul. Mapa: Kelton Mendes, Amauri Matos, Silvinho Costa e Carlos Barbosa. 287 Amazônia Antropogênica este abrigo está a um terço de distância do topo do platô, onde está localizada a cabeceira do rio Sossego. Considerando ser sazonal a ocupação das grutas, convém observar, segundo a preposição de Binford (1980, 1982, 1992), que os sítios distribuídos no espaço geravam assentamentos resultantes das diferentes ocupações possíveis. E este parece ser a inter-relação entre os sítios Boa Esperança II, S11D47/48 e Almofariz, bem como entre o Mangangá e o abrigo S11D31. Isto ocorreria pela frequência das ocupações em lugares distintos, definida pela distribuição de recursos e modos de exploração, pelo padrão de mobilidade e pelas escolhas relacionadas ao uso diversificado do espaço (residencial; de observação; de obtenção de matéria-prima; de pesca; caça; coleta; ritualístico etc.). Na verdade, os sítios e os corredores que os conectam são parte da rede de relações sociais e econômicas desenvolvidas no território de ocupação das sociedades da Cultura Tropical e herdadas pelo povo da Cultura Neotropical. No corredor entre o Boa Esperança II e o S11D47/48, especialmente no trecho entre o Mangangá e o S11D47/ 48, a concentração de castanheiras é exemplar. Esse corredor, que por sua vez foi definido pela projeção de uma rota de menor custo (ver FONSECA, capítulo 4), não por coincidência, confirma o nível de antropização que eles podem alcançar. Ele conectava diferentes lugares de ocupação que tinham uso diferenciado no tempo e no espaço, possivelmente sazonal em determinadas épocas e sedentários em outras. Ou seja, mais perenes ou fugazes segundo a época, o lugar e o uso. Os recursos naturais disponíveis eram encontrados em diferentes nichos manejados localizados em diversos lugares conectados aos locais de assentamentos. Tanto os nichos, os corredores e os locais de assentamento passavam por ações específicas de exploração e manejo. Era o conjunto desses nichos distribuídos em diferentes lugares geograficamente distintos que formava o território de ocupação da população. Além disto, seria, ao longo da malha da rede de acessos e nos nichos de recursos naturais, onde várias espécies de plantas úteis eram cultivadas e/ou manejadas. Consequentemente, uma perspectiva inter-relacional se não é a melhor, é uma boa estratégia de abordagem para se compreender essa rede de relações. Principalmente porque esta hipótese é bastante plausível, já que este tipo de ação em rede é, ainda hoje, tradicionalmente encontrado entre os povos indígenas amazônicos, principalmente nas populações caçadorascoletoras atuais (POZZOBON, 2011). Outra coisa bastante significante e que nos remete aos sítios Gruta do Gavião e Gruta do Pequiá é que os inventários botânicos realizados até agora, em ambas as serras onde as pesquisas estão sendo desenvolvidas, identificaram diferentes espécies de mandioca crescidas sobre o solo rupestre dos platôs. Uma dessas espécies parece ser nada mais, nada menos do que a Manihot esculenta modificada, ou seja, adaptada ao solo rupestre e readaptada ao estado silvestre. Convém lembrar que foram encontradas sementes de Manihot sp nos referidos sítios e que datações indiretas acusaram mais de 5000 anos. Portanto, além das atuais pesquisas sobre a Cultura Tropical em Carajás mostrarem que suas sociedades eram culturalmente autóctones, tudo parece indicar que eles estariam fazendo experiências de manejo e domesticação. Assim, de modo mais abrangente, parte significativa das florestas locais seria, efetivamente, paisagem ecofatual resultante da interpretação e idealização do mundo por meio da cultura. 288 Amazônia Antropogênica Mas a originalidade e, ao mesmo tempo, a inserção de Carajás na arqueologia amazônica e a solidez da Cultura Tropical enquanto processo civilizador de longa duração, são acentuadas por conta de uma cerâmica de paredes finas e forma globular, encontrada em níveis inferiores associados à cultura material caçadora-coletora. Fragmentos dessa cerâmica foram encontrados tanto na gruta S11D47 e no abrigo S11D48 (do sítio PA-AT337: S11D47/48), quanto nos níveis inferiores do Boa Esperança II e do Mangangá. Eles estavam depositados em níveis anteriores ao da cerâmica corrugada típica da Fase Itacaiúnas e também daquela que possui traços da cerâmica inciso-ponteada amazônica. Datação obtida pela Scientia de um fragmento de cerâmica encontrado no nível 50-60 cm, de outro sítio em cavidade localizado na porção S11D da Serra Sul, apresentou idade de 3160 AP (SCIENTIA, 2006). E esse fragmento apresenta características compatíveis com os encontrados por nós. Entretanto, como essa cerâmica ainda não foi analisada e as datações diretas são poucas, até o momento relacioná-la com os caçadores-coletores é apenas conjectura, ainda que plausível. Já na Serra Norte, os estudos avançaram sobretudo na seleção e escavação de sítios abrigados com características que podem definir preferências de uso prático ou simbólico. Isto é, o uso que determinados abrigos ou grutas teriam dependeria da morfologia espeleológica da cavidade. Assim, determinadas grutas poderiam sustentar relações complexas de uso misto (acampamento, cerimonial, ritualístico, industrial, etc.), enquanto outras seriam de uso particular (ou cerimonial, ou oficina ou acampamento, etc.). Por outro lado, como já foi anteriormente observado, o padrão geral é o mesmo, tanto em termos de cultura material (inclusive com a ocorrência da cerâmica de paredes finas e forma globular), quanto de datação (No N1: Gruta da Guarita -8260 AP e Gruta do Rato 8470 AP, não calibradas; e Gruta do N1-10000 AP e Gruta N3-63 -9590 AP, calibradas). No platô N3, mais especificamente no sítio PA-AT-316: N3-63 (Ananás), que apresenta uma impressionante sequência de datações circulando entre 8600 e 9500 anos AP foi achada uma ponta de projétil feita de hematita lascada. Apesar de ser a primeira encontrada desta matéria-prima, a técnica de produção não difere da utilizada na produção da de quartzo encontrada no sítio Boa Esperança II (Figuras 16 e 17). Inclusive as mesmas podem ter sido descartadas por apresentar mesmo defeito de confecção no acabamento do pedúnculo. Neste sítio ainda foi encontrado um tembetá inacabado (Figura 18), no mesmo nível de uma das pontas. Além disso, em uma feição marcada pela forte presença de fragmentos de cerâmica associados a carvões nos dois níveis iniciais e, posteriormente, pela presença de estrutura circular de pedras, carvões e lascas de quartzo, foram identificadas e coletadas sementes e carapaças de moluscos. Enfim, a riqueza da cultura material e imaterial (os tembetás geralmente são associados a pessoas com elevado status social) cresce conforme as pesquisas se aprofundam e tornam ainda mais tênue as fronteiras entre os caçadores-coletores e os agricultores. Mas há um dado ainda mais significante relacionado ao sítio Ananás. O acesso a este sítio foi definido a partir da criação de uma rota de menor custo utilizando o programa ArcGis (ver FONSECA, capítulo 4). Com o intuito de serem evitadas áreas com acentuados aclives e declives, optou-se por criar um acesso a partir do topo do platô, onde prevalecia a passagem por locais com uma declividade do terreno entre plano e ligeiramente 289 Amazônia Antropogênica Figura 16. Local (fundo da gruta) onde foram encontradas feições de fogueira e concentração de material lítico. Foto: Marcos P. Magalhães. Figura 17. Detalhe da concentração de material lítico (lascas de quartzo e hematita). Foto: Marcos P. Magalhães. Figura 18. Tembetá inacabado encontrado no sítio PA-AT-316: N3-63. Fotos: Marcos Pereira Magalhães. inclinado, evitando-se áreas escarpadas. Em campo aperfeiçoamos o acesso, já que pelo ArcGis pequenas depressões foram interpretadas como obstáculos (Figuras 19 e 20). Não por coincidência, novamente, o acesso que foi finalmente definido apresentou uma grande variedade de plantas úteis, especialmente as comestíveis (Quadro 1, Figura 21). Ou seja, o modelo, além de apontar uma rota de menor custo, mostrou que a vegetação dessa rota teria sido antropizada. Nota que desta vez a rota conectava sítios abrigados relacionados, principalmente, a populações caçadoras-coletoras. Assim, seja conectando diferentes sítios relacionados a populações agricultoras ou caçadoras-coletoras, essas rotas eram caminhos antrópicos cujos entornos eram transformados em paisagens com alto nível de produtividade. Ou seja, por onde as populações da Cultura Tropical passavam, nada ficava como antes, mas tudo ficava mais fértil. Essa rota certamente foi efeito de um valor simbólico profundo que se reproduziu através de inúmeras gerações. Ângelo P. Lima (2013) defende um argumento bastante plausível sobre a relação entre fonte de matéria-prima e a transformação da mesma em artefato. Ele observa que essa relação é acompanhada por interpretações simbólicas em várias populações do mundo, e particularmente pelas populações indígenas atuais. Ele argumenta que, provavelmente, isto também poderia ter ocorrido com as populações 290 Amazônia Antropogênica Figura 19. Rota de menor custo definida pelo ArcGis. Figura 20. Rota entre o sítio PA-AT-316: N3-63 e o local de chegada da equipe do Projeto. 291 Amazônia Antropogênica Quadro 1. Plantas identificadas ao longo da rota entre o sítio PA-AT-316: N3-63 e o local de chegada da equipe do Projeto. O inventário teve cerca de 20 m de largura, medida definida pelo alcance visual e não por instrumento. Oenocarpus distichus Mart. Minquartia guianensis Aubl. Brosimum rubescens Taub. Agonandra brasiliensis Miers ex Benth. & Hook.f. Casearia javitensis Kunth Casearia grandiflora Cambess. Himatanthus sucuuba Siparuna sp. Protium pallidum Cuatrec. Ocotea caudata (Nees) Mez. Glycydendron amazonicum Ducke Myrcia tomentosa (Aubl.) DC. Philodendron goeldii G.M. Barroso Dypterix odorata (Aubl.) Willd. Connarus perrottetii (DC.) Planch. Arecaceae Olacaceae Moraceae Opiliaceae Salicaceae Salicaceae Apocynaceae Siparunaceae Burseraceae Lauraceae Euphorbiaceae Myrtaceae Araceae Fabaceae Connaraceae Figura 21. Árvore e fruto encontrados ao longo da rota. Foto: Márlia Coelho. que ocuparam as grutas e abrigos de Carajás. Assim, não seria apenas a escolha das cavidades a serem utilizadas que seriam orientadas por símbolos e representações, mas o próprio local da fonte de matéria-prima e seus acessos. E isto as pesquisas mostram ao evidenciar a distribuição espacial de certas matérias-primas no interior das grutas (MAGALHÃES, 2005), indicando possíveis divisões por gênero ou status e interdições, que se podem ter manifestado desde a sua fonte, na jazida e nos caminhos de acesso até ela. Consequentemente, a persistência milenar do uso de certas matérias-primas, como a ametista, muito comum no refugo arqueológico de parte dos sítios abrigados de Carajás, pode indicar a importância simbólica do seu uso como, inclusive, de suas fontes e acessos. Um exemplo disto é a transformação da ametista em citrino, também muito comum no refugo arqueológico onde as ametistas são encontradas. Segundo Lima, a ametista poderia ter um valor simbólico diferenciado em função da sua cor e da agência humana existente neste cristal. Neste caso, fazendo uma analogia com argumentos de Fausto (2002), para o autor a ametista seria utilizada como tal, quando se desejasse o contato 292 Amazônia Antropogênica com as propriedades do cristal; mas quando necessário, a agência seria eliminada transformando-a através do fogo, em citrino (LIMA, 2013). Este argumento também pode ser aplicado e ampliado, quando contextualizamos, inter-relacionalmente, as fontes, os sítios e suas redes de circulação, que além de serem funcionais e familiares, são potencializados simbolicamente pela construção de paisagens culturalmente identifiacáveis. Essa simbologia, por outro lado, será expressa dos mais variados modos. Modos que nem sempre resistem ao tempo, mas que às vezes nos surpreendem quando um deles chega até nós, por exemplo, a rara, mas significante pintura rupestre encontrada em uma cavidade localizada no N1, mais precisamente no sítio PA-AT-323: N1-223 (Gruta Pintada – Figura 22). Figura 22. Primeiro sítio com pintura rupestre encontrado em Carajás. A pintura foi feita em uma cavidade situada no platô N1. Foto: Marcos P. Magalhães. Em outra gruta no N1, o PA-AT-322: N1-141 (Garganta da Jararaca), que apresenta uma forma circular, não há cerâmica, mas fica bem próxima de uma outra menor, a Janela de Tupã, que tem apenas cerâmica, revelou uma particularidade intrigante. Nos níveis iniciais de ocupação, até mais ou menos a metade, a matéria-prima principal utilizada na produção lítica local foi a hematita. Inclusive foram encontradas duas possíveis pontas de projétil de hematita feitas a partir do uso do fogo em uma das estruturas de combustão identificadas (Figura 23). Aliás, este sítio apresentou duas estruturas de combustão diferentes, uma feita de cascalhos com cerca 6 cm de diâmetro em média e outra com rochas cercando uma área escavada. Serviriam para atividades diferenciadas? Parece que sim. Foram encontradas muitas sementes queimadas nessas feições. Essas sementes cresciam em diversidade de espécies conforme as ocupações iam avançando no tempo. 293 Amazônia Antropogênica Figura 23. Possível ponta de hematita produzida através de tratamento térmico (técnica também utilizada no tratamento da ametista) encontrada no sítio Garganta da Jararaca, no nível 8 (entre 15 e 20 cm de profundidade). Foto: Marcos P. Magalhães. Predominavam as de palmeira, incluindo sementes de açaí, não encontrável nas proximidades, pois não há áreas alagadas no entorno. Ainda não tínhamos datações para ela na ocasião do fechamento deste livro, mas sua ocupação inicial deve ter, no mínimo, uns 9000 anos. Contudo, o intrigante era a ausência de cerâmica nela, apesar de estar próxima de outra, menor e mais escura, com cerâmica na superfície. ‘As escolhas, ah! as escolhas, como elas podem ser tão subjetivamente estranhas....’ As diversas evidências encontradas em diferentes áreas de Carajás mostram, cada vez mais claramente, que as sociedades que ali viveram parecem ter desenvolvido processos históricos que teriam resultado em relações sociais cada vez mais complexas, as quais seriam o fruto lógico e natural da evolução cultural, política e econômica de suas populações. Isto não quer dizer que Carajás seria um centro de desenvolvimento especial, mas um dos muitos centros possíveis. Por outro lado, as populações agricultoras nada mais fizeram do que acentuar, tanto na densidade quanto na intensidade, os usos e costumes relacionados ao conhecimento e domínios da Cultura Tropical, que pululava em diferentes rincões da Amazônia, segundo os níveis de desenvolvimento social e histórico local de cada uma de suas sociedades. O desenvolvimento no uso dos recursos florísticos tropicais e a elaboração estética e ritualística da cerâmica, por exemplo, tinham por base as crenças e costumes de populações integradas à floresta tropical amazônica há milhares de anos. E por conta disto, portanto, constituem as bases históricas e sociais das sociedades fundadoras da Cultura Neotropical. Segundo Kipnis, Caldarelli e Oliveira (2005), a região de Carajás foi caracterizada por uma sucessão de períodos secos e úmidos. O período mais longo de clima seco teria 294 Amazônia Antropogênica ocorrido entre 8000 a 4000 anos AP, coincidindo com o Ótimo Climático do resto da Amazônia. É durante a parte inicial deste período que são relacionadas as primeiras ocorrências de cerâmica na Amazônia, inclusive, em Carajás. E é durante a parte final que são notados o adensamento populacional, a diminuição da mobilidade e a multiplicação da ocorrência de sítios arqueológicos, que crescem em tamanho (OLIVEIRA 2008; NEVES 2007; GOMES 2006). Ainda segundo Kipnis et al. (2005), o período posterior de clima mais seco registrado nos lagos da Serra Sul de Carajás correspondeu ao Holoceno Tardio, entre 2700 e 1500 anos AP. Na Amazônia, em geral, este período correspondeu à complexificação das sociedades em sub-regiões como Marajó (SCHAAN, 2008), Santarém (ROOSEVELT,, 1980; CARNEIRO 2007; GOMES 2006) e Baixo Amazonas (NEVES, 2008; NEVES, 2007). Particularmente, em Carajás, este período é marcado pela ocorrência de cerâmica com características estilísticas e morfológicas relacionadas à chamada Tradição Tupiguarani (S IMÕES , 1986; P EREIRA , 2008; M AGALHÃES , 2005) e à outra, contemporânea, com características da inciso-ponteada. Assim, quando por razões diversas ocorreu crescimento da população devido, provavelmente, ao aumento das inteirações nas redes sociais e/ou vice-versa, os locais que responderam mais positivamente à entropia, causada pela nova demanda populacional, seriam justamente aqueles onde se concentravam, por obra da ação humana, os recursos necessários para a satisfação social coletiva. E as sociedades da Cultura Tropical parecem ter ascendido para sociedades agricultoras em diferentes terrenos conectados a uma ampla rede de circulação e localizados nas margens ou próximos a rios (de terceira, segunda ou primeira ordem) ou nascentes perenes, cujos solos seriam profundos, planos e não permanentemente encharcados. Portanto, provavelmente, foram nestes locais privilegiados que a Cultura Tropical, típica dos caçadores-coletores amazônicos, reorganizou-se em Cultura Neotropical Amazônica, que além de fazer uso social, cultural e sistemático de plantas neotropicais mais intensamente, seria a evolução regional da Cultura Tropical precedente. Pois foram as populações relacionadas à Cultura Tropical, que criaram as condições históricas necessárias para a emergência da Cultura Neotropical Amazônica (MAGALHÃES, 1993, 2005, 2006, 2009, 2010). Enfim, sem os caçadores-coletores e ou pescadores da Cultura Tropical, pouco do que foi feito se faria, nem pela natureza, nem por aqueles que depois deles vieram. 295 Amazônia Antropogênica ANEXO 1 Tabelas de datações Radiocarbônica e Termoluminescência de materiais coletads em sítios arquelógcos na Amazônia brasileira. Sítios: Gruta do Gavião, Gruta da Guarita, Gruta do Rato e Gruta do Pequiá CARVÃO – MPEG Datação Radiocarbônica BP (Antes de Presente – AP) Sítio Quadrante Gruta do Gavião Camada Nível Beta Convencional T”D” corte 30 cm 1-14,910 2900 ± 90 Gruta do Gavião T “C” Q2 30 cm GX 12512 3605 ± 160 Gruta do Gavião T “C” Q1 20 cm 1-14,911 4860 ± 100 Gruta do Gavião T”A” Q2 10 cm GX 12509 6905 ± 50 Gruta do Gavião T”D” corte 40 cm GX 12511 7925 ± 45 Gruta do Gavião T”B” Q1 40 cm GX 12510 8065 ± 360 Gruta da Guarita AB 2 45 cm 110703 8260 ± 50 Gruta do Rato E2 3 40 cm 110705 7040 ± 50 Gruta do Rato C4 4 55 cm 110706 8470 ± 50 Gruta do Pequiá I8 2 20 cm 110700 8119 ± 50 Gruta do Pequiá M8 2 25 cm 110702 8340 ± 50 Gruta do Pequiá O9 3 40 cm 110701 8520 ± 50 Gruta do Pequiá N5 4 50 cm 110699 9000 ± 50 Calibrado Sítio: PA-AT-330: Boa Esperança 2 CARVÃO Datação Radiocarbônica BP/PMC 296 Escavação Quadrante Quadrícula Nível Beta Convencional Calibrado 1 4 A 2 380847 20 +/- 30 90 1 3 A 3 380848 2980 +/- 30 2980 1 1 C 3 380849 2500 +/- 30 2540 3 2 D 1 380850 156.3 +/- 0.4 PMC 155.6 PMC 3 6 D 2 380851 1260 +/- 30 1310 3 8 D 3 380852 5440 +/- 30 5500 Datação Radiocarbônica BP Escavação 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 Quadrante 2 5 2 2 4 2 1 4 4 1 4 1 4 1 1 1 1 1 2 2 2 2 1 1 3 3 3 3 2 2 2 2 3 2 3 2 Quadricula C A B D B C B B A B-C A B A D B-D C A A B C B B A A D A A A D B B B A C A C Nível 3 4 5 6 6 8 8 10 12 13 14 15 16 17 19 2 4 6 8 10 12 14 16 18 2 3 4 6 9 13 16 18 19 23 22 31 Beta 380853 410471 380854 380855 410469 380856 410461 410470 410466 410463 410467 410462 410468 410465 410464 410476 410472 410473 410477 410480 410478 410479 410474 410475 380859 380860 380861 380862 410481 410482 410483 410484 380863 410486 380864 410490 Convencional 470 +/- 30 3460 +/- 30 1250 +/- 30 1620 +/- 30 3470 +/- 30 4390 +/- 30 1570 +/- 30 4610 +/- 30 8150 +/- 40 9920 +/- 40 8370 +/- 30 9600 +/- 40 9260 +/- 40 10010 +/- 40 9990 +/- 40 3840 +/- 30 3470 +/- 30 8270 +/- 40 8670 +/- 40 8290 +/- 40 3490 +/- 30 9800 +/- 30 9820 +/- 40 9810 +/- 30 1620 +/- 30 2600 +/- 30 1620 +/- 30 3590 +/- 30 8010 +/- 30 8190 +/- 40 8490 +/- 40 9850 +/- 40 8360 +/- 30 8390 +/- 40 8410 +/- 30 8250 +/- 30 Calibrado 480 3810 1240 1660 1870 4440 1515 5430 9125 11330 9435 11100 10510 11610 11410 4280 3820 9370 9665 9325 3825 11230 11245 11235 1630 2610 1640 3600 8995 9245 9530 11255 8410 9470 8430 9275 Amazônia Antropogênica Sítio: PA-AT-337: S11D47 (Gruta da Capela) CARVÃO Sítio: PA-AT-337: S11D48 (Abrigo) CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Escavação 1 1 1 1 1 1 1 1 Quadrante 3 2 7 7 7 7 3 3 Quadricula C C A A Nível 2 4 4 5 5 6 7 9 Beta 380865 380866 410459 410460 410457 410458 380867 380868 Convencional 220 +/- 30 3520 +/- 30 3390 +/- 30 3420 +/- 30 3390 +/- 30 3430 +/- 30 2670 +/- 30 4430 +/- 30 Calibrado 220 3570 3680 3690 3680 3695 2710 4460 297 Amazônia Antropogênica PA-AT-338: Almofariz CARVÃO Datação Radiocarbônia BP Escavação Quadrante Quadricula Nível Beta Convencional Calibrado 1 1 1 10 10 10 A A B 3 4 5 410427 410428 410429 840 +/- 30 810 +/- 30 1200 +/- 30 1280 1285 1175 Sítio: PA-AT-316: N3-063 (Ananás) CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Escavação Quadrante Quadricula Nível Beta Convencional Calibrado 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 4 3 3 4 3 4 3 3 3 4 1 2 5 1 5 5 5 3 2 2 2 2 3 2 3 A C C C B D D B A A B B A A B B B B 1 2 2 3 3 4 5 5 7 9 2 2 2 4 4 5 6 6 410450 410442 410443 410439 410441 410447 410440 410446 410444 410445 410451 410452 410448 410449 410453 410455 410454 410456 8220 +/- 30 BP 7830 +/- 30 BP 8590 +/- 40 BP 8660 +/- 30 BP 8000 +/- 30 BP 7980 +/- 30 BP 7940 +/- 30 BP 7910 +/- 30 BP 8210 +/- 30 BP 8240 +/- 40 BP 7930 +/- 30 BP 8740 +/- 40 BP 1450 +/- 30 BP 8440 +/- 30 BP 8290 +/- 30 BP 7850 +/- 30 BP 8700 +/- 30 BP 8210 +/- 40 BP 9250 8605 9550 9595 8990 8980 8850 8720 9245 9285 8770 9745 1355 9485 9370 8630 9680P 9260 Sítio: PA-AT-70 Gruta DO N1 CARVÃO Datação Radiocarbônica BP 298 Escavação Quadrante Quadricula Nível Beta Convencional Calibrado 1 1 1 1 1 1 1 1 5 2 5 1 1 2 2 2 C B C A B B B B 1 2 3 5 7 9 11 13 410437 410434 410438 410432 410433 410431 410435 410436 1610 +/- 30 1560 +/- 30 4420 +/- 30 8250 +/- 40 8090 +/- 30 8080 +/- 40 9080 +/- 30 8170 +/- 30 1535 1475 5040 9290 9015 9020 10240 9125 Sítio Usina 1 N4E-008 Cavidade 129 NV-VI Quadrante Nível TL Convencional 920 a 700 940 a 780 1060 a 930 1060 a 930 Calibrado Amazônia Antropogênica Golder Associates e Scientia CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Golder Associates e Scientia CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Sítio Deus me Livre 1 Caldeirão 2 Deus me Livre 2 Deus me Livre 1 Caldeirão 1 Angical Quadrante Nível TL Convencional 280 390 1025 1170 1420 1510 Calibrado Scientia CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) Área Sítio Quadrante Nível Carajás-Serra Sul 101 Sond. 3 50-60 TL Convencional Calibrado 3160 ± 50 Golder Associates e Scientia CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio NV-10 N4WS-17A NV-10 N4E-005 N4E-005 N4WS-77 N4WS-77 N4WS-17A N4WS-17A N4WS-17A N4WS-17A N4E-005 N4WS-17A N4WS-17A NV-7 NV-5 NV-7 N4WS-17A N4WS-17A NV-10 NV-7 NV-5 Quadrante Nível Beta Convencional Calibrado 10150 a 9740 9910 a 9540 9730 a 9540 9440 a 9030 9420 a 9020 9240 a 8980 9120 a 8980 9010 a 8610 9010 a 8600 9.000 a 8.530 8.990 a 8.410 8.450 a 8.310 8.450 a 8.200 7.560 a 7.300 6.450 a 6.300 6.410 a 6.320 6.410 a 6.180 6.300 a 6.000 5.290 a 4.840 4.090 a 3.860 3.480 a 3.330 3.460 a 3.360 299 Amazônia Antropogênica Scientia CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Cavidade S11D 012 Cavidade S11D 012 Cavidade S11D 001 Cavidade S11D 001 Cavidade S11D 101 Cavidade S11D 101 Quadrante Sond. 2 Sond. 3 Sond. 2 Sond. 2 Sond. 2 Sond. 2 Nível 20-30 0-10 20-30 70-80 30-40 50-60 Beta 205573 205574 205575 205576 205577 205578 Convencional 2350 ± 50 2380 ± 60 5750 ± 40 4120 ± 50 1580 ± 70 3160 ± 50 Calibrado 2470 2710 6650 4830 1610 3470 Scientia (Cavidades e Sítios abertos) CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 N4WS-12 Quadrante A12 C10 C9 C13 Sond. 1/C12 C11 C10 B12 Sond.2 Fogueira 1 Sond.2 Sond. 1/C12 C13 Nível 20-30 80-85 130-135 115-120 70-80 40-50 70-75 70-75 110-120 85-90 40-50 140-150 100-105 Beta 230205 230209 230213 230212 215052 230206 230208 230207 215055 230210 215054 215053 230211 Convencional 1080 ± 60 4400 ± 70 5400 ± 60 6520 ± 70 7010 ± 70 7550 ± 70 7820 ± 100 7890 ± 80 7950 ± 60 7960 ± 60 7990 ± 70 8250 ± 90 8710 ± 70 Calibrado 1060 5210 6820 7480 7860 8410 8710 8960 9000 8890 9000 9400 9760 Scientia CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Unidade Nível Beta Convencional Calibrado N4WS-12A.1 N4WS-12A.2 N4WS-12A.3 CKS-30 CKS-31 CKS-32 CKS-33 CKS-34 CKS-35 CKS-37 SD1 SD1 SD2 K33 K33 K33 Q04 Q04 L21 L21 20-30 40-50 20-30 30-45 80-85 85-90 10-15 30-35 05-10 10-15 215049 215050 215051 323126 323127 323128 323129 323130 323131 323132 8090 ± 50 8310 ± 60 7680 ± 100 8830 ± 40 8170 ± 50 8230 ± 40 5070 ± 30 7900± 40 840 ± 30 4360 ± 40 9030 9430 8560 10200 9240 9280 5900 8770 780 5040 MPEG – Projeto Salobo Sítio: Dique BF1 CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP 300 Sítio Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-281: Dique BF1 Superfície Superfície 1821 1670 ± 240 Calibrado Sítio Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-282: Dique BF2 PA-AT-282: Dique BF2 T2 S15 T2 S14 Sul 2 2 2 1247 1248 1640 ± 210 1380 ± 180 Calibrado Amazônia Antropogênica Sítio: Dique BF2 CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional PA-AT-282: Dique BF2 PA-AT-282: Dique BF2 PA-AT-282: Dique BF2 PA-AT-282: Dique BF2 T1 S5 T1 S5 T2 S14 T2 S15 3 4 2 2 195714 195715 195712 195713 940 ± 40 1060 ± 40 1540 ± 40 1560 ± 40 Calibrado Sítio: Bitoca 2 CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Sítio Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-278: Bitoca 2 PA-AT-278: Bitoca 2 PA-AT-278: Bitoca 2 PA-AT-278: Bitoca 2 PA-AT-278: Bitoca 2 PA-AT-278: Bitoca 2 PA-AT-278: Bitoca 2 PA-AT-278: Bitoca 2 E1 S9 (Cabana 2) E1 S12 (Cabana 1) E3 S2 (Cabana 3) E4 S3 (Cabana 3) E6 S5 (Cabana 4) E10 S1 (Cabana 5) E12 TW (Cabana 6) E12 TN (Cabana 6) 2 2 3 3 2 3 1 2 1259 1260 1261 1262 1263 1684 1685 1817 1300 ± 170 670 ± 85 560 ± 70 880 ± 110 725 ± 95 980 ± 130 440 ± 60 1150 ± 240 Calibrado CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional PA-AT-278: Bitoca 2 PA-AT-278: Bitoca 2 PA-AT-278: Bitoca 2 E10 S1 (Cabana 5) E10 T oeste (Cabana 5) E12 T norte (Cabana 6) 4 2 227307 227308 227309 370 ± 40 430 ± 40 520 ± 50 Calibrado 301 Amazônia Antropogênica Sítio PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 Sítio: Bitoca 1 CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Quadrante Nível TL Convencional E1 S8 50 1814 800 ± 150 E2 S1 2 1678 1.020 ± 140 E2 S4 3 1932 220 ± 70 E2 S35 5 1679 910 ± 130 E2 S8 3 1246 760 ± 100 E2 S12 5 1245 410 ± 50 E7 T1NW 3 1933 460 ± 137 E7 T1NW 4 1680 900 ± 110 E8 T1NW 2 1681 390 ± 55 E9 T1 NE 4 1815 1500 ± 300 E11 T1 2 1682 240 ± 35 E12 T1 3 1816 950 ± 180 E12 S1 3 1683 1260 ± 180 Sítio PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 PA-AT-277: Bitoca 1 (Barfi 4) PA-AT-277: Bitoca 1 Sítio PA-AT-279: Barfi PA-AT-279: Barfi CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Quadrante Nível Beta E1 S4 2 227305 E1 S8 7B 195707 E2 S10 3 195708 E2 S13 3 195709 E3 S5 2 195710 E3 S6 3 195711 E4 S22 2 195706 E5 T1 leste 5 227306 Convencional 540 ± 80 330 ± 40 1060 ± 40 1210 ± 40 370 ± 40 510 ± 40 450 ± 60 460 ± 40 Sítio: Barfi CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Quadrante Nível TL Convencional E1 S2 4 1257 600 ± 65 E1 S4 3 1258 1150 ± 127 Calibrado Calibrado Calibrado Sítio: Captação CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) Sítio PA-AT-280: Captação Sítio PA-AT-283: Araras PA-AT-283: Araras 302 Quadrante Sond. 1 Nível 1 TL 1473 Convencional 830 ± 100 Sítio: Araras CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Quadrante Nível TL Convencional L600mW trad. 60m Superfície 1930 350 ± 100 L600mW trad. 60m Superfície 1931 320 ± 100 Calibrado Calibrado Sítio Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-290: Pau Preto E1 S4 2 1468 440 ± 50 CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Nível Beta Convencional 2 217604 950 ± 50 Sítio PA-AT-290: Pau Preto Quadrante E1 S4 Sítio Sítio: Sequeiro CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-284: Sequeiro Sond. 2 3 1475 Sítio Quadrante PA-AT-284: Sequeiro Sond. 2 Sítio Sítio: P32 CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-291: P32 E1 S5 T2 3 217607 1483 Calibrado Calibrado 1350 ± 150 CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Nível Beta Convencional 3 Calibrado Amazônia Antropogênica Sítio: Pau Preto CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Calibrado 950 ± 40 Calibrado 1570 ± 200 CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional PA-AT-291: P32 E1 S5 T2 3 217603 1490 ± 40 Sítio Sítio: 4 Alfa CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-292: 4 Alfa E1 S2 Sítio Quadrante PA-AT-292: 4 Alfa PA-AT-292: 4 Alfa E1 S2 E1 S2 3 1487 217608 217609 Calibrado 2450 ± 300 CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Nível Beta Convencional 3 2 Calibrado Calibrado 1360 ± 40 570 ± 40 303 Amazônia Antropogênica Sítio: Alex CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Sítio Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-286: Alex PA-AT-286: Alex PA-AT-286: Alex PA-AT-286: Alex E2 S28 E3 S4 E2 S12 E4 S2 3 3 3 3 1812 1813 1481 1484 1600 ± 200 1200 ± 260 1320 ± 165 2100 ± 270 Calibrado CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio PA-AT-286: Alex PA-AT-286: Alex PA-AT-286: Alex PA-AT-286: Alex PA-AT-286: Alex Quadrante E1 S2 E2 S28 E2 S12 E4 S2 E4 S2 Nível 4 3 4 4 5 Beta 227302 227303 217592 217593 227304 Convencional 1460 ± 60 1250 ± 50 1650 ± 40 2460 ± 40 2250 ± 50 Calibrado Sítio: Perdido do Mirim CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional Calibrado PA-AT-296: Perdido do Mirim Sond. 1 2 217605 740 ± 40 1210 Sítio: Cachoeira do Borges Silveira CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Sítio Quadrante Nível TL Convencional Calibrado PA-AT-295: Cachoeira do Borges E1 S5 2 1479 1200 ± 150 806 CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional Calibrado PA-AT-295: Cachoeira do Borges E1 S5 3 217594 1060 ± 40 890 Sítio: Marinaldo CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Sítio Quadrante Nível TL Convencional Calibrado PA-AT-293: Marinaldo PA-AT-293: Marinaldo E1 S3 E1 S1 2 2 1472 1677 546 ± 30 1030 ± 90 546 976 CARVÃO Datação Radiocarbônica BP 304 Sítio Quadrante Nível Beta Convencional Calibrado PA-AT-293: Marinaldo E1 S3 2 217595 4180 ± 40 2230 PA-AT-294: Reginaldo PA-AT-294: Reginaldo E1 S2 E1 S4 3 3 1476 1478 Calibrado 1400 ± 200 1840 ± 45 Amazônia Antropogênica Sítio Sítio: Reginaldo CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Quadrante Nível TL Convencional CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional Calibrado PA-AT-294: Reginaldo E1 S4 3 217606 1020 ± 40 930 Sítio: Mirim CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Sítio Quadrante Nível TL Convencional Calibrado PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim E1 S1 E2 S47 E2 S47 E2 S113 E2 S113 E2 S113 E3 S72 E5 S9 E5 S91 E6 S5 E6 S35 E6 S94 E3 S1 E9 S2 3 23 6 2 4 6 3 3 4 4 3 4 3 4 1825 1486 1469 1480 1474 1488 1490 1485 1489 1482 1476 1470 1471 1477 1400 ± 235 1750 ± 220 730 ± 90 1250 ± 150 800 ± 100 1360 ± 170 2100 ± 260 1300 ± 160 1560 ± 200 2100 ± 370 1600 ± 190 1360 ± 160 1270 ± 160 680 ± 80 607 256 1276 756 1206 646 94 706 446 94 406 646 736 1326 CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional Calibrado PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim PA-AT-285: Mirim S1 E2 S47 E2 S113 E2 S113 E3 S75 E4 S2 E5 S91 E6 S35 E9 S1 3 26 4 6 5 5 4 3 5 227317 217598 217596 217597 171599 227316 217600 217601 217602 1250 ± 40 950 ± 50 1170 ± 40 1000 ± 40 3750 ± 50 5020 ± 50 840 ± 50 1340 ± 50 5780 ± 60 700 1000 780 950 1800 3070 1110 610 3830 305 Amazônia Antropogênica Sítio: Marcos CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Sítio Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-297: Marcos S1 4 1824 1240 ± 210 Calibrado CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional PA-AT-297: Marcos S1 3 227317 2050 ± 40 Calibrado Sítio: Orlando CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Sítio Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-288: Orlando Sond. 2 3 1826 1080 ± 135 Calibrado CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional PA-AT-288: Orlando Sond. 2 3 227318 630 ± 40 Calibrado Sítio: Edinaldo CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Sítio Quadrante Nível TL Convencional PA-AT-289: Edinaldo PA-AT-289: Edinaldo Sond. 1 Sond. 2 2 3 1822 1823 1360 ± 230 810 ± 145 Calibrado Datação Radiocarbônica BP 306 Sítio Quadrante Nível Beta Convencional PA-AT-289: Edinaldo PA-AT-289: Edinaldo PA-AT-289: Edinaldo Sond. 1 Sond. 2 Sond. 2 2 3 6 227312 227313 227314 480 ± 50 600 ± 40 520 ± 50 Calibrado Convencional PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego Sond. 1 Sond. 1 Sond. 2 E1 S3 E3 S1 E9 S79 E9 T1 M2 E9 T1 M5 E10 S15 E10 S15 E11 S1 Camada E11 S1 Camada E11 S3 E11 S4 E11 S4 E12 S23 E9 Sond. 4 600 ± 85 2300 ± 340 850 ± 120 270 ± 60 490 ± 120 540 ± 130 700 ± 180 600 ± 180 200 ± 50 420 ± 110 460 ± 120 380 ± 100 420 ± 150 410 ± 131 150 ± 50 470 ± 160 185 ± 55 3 6 2 2 3 2 2 2 9 65 2A 2C 3 2 4 4 2 1818 1819 1820 1916 1917 1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 Calibrado Amazônia Antropogênica Sítio Sítio: Cachorro Cego CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Quadrante Nível TL CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego PA-AT-287: Cachorro Cego Sond. 1 Sond. 2 E1 S2 E2 S6 E3 S1 E5 S1 E6 S1 E9 Sond. 4 E10 S15 E10 T2 M1 E10 T2 M1 E10 T2 M1 E10 T2 M3 E11 S1 Camada E11 S1 Camada E11 S1 Camada E11 S3 E11 S3 E11 S4 E11 S4 E11 S4 E12 S23 3 2 3 4 3 5 6 3 62 3 7 10 4 2ª 2B 2C 3 9 2 4 6 6 227310 227311 243651 243652 243653 243654 243655 243656 243657 243658 243659 243660 243661 243662 243663 243664 243665 243666 243667 243668 243669 243670 640 ± 40 400 ± 40 480 ± 40 4520 ± 40 520 ± 40 300 ± 40 920 ± 40 890 ± 40 320 ± 40 260 ± 40 380 ± 40 370 ± 40 150 ± 40 310 ± 40 320 ± 40 400 ± 40 300 ± 40 1590 ± 40 270 ± 40 860 ± 40 870 ± 40 830 ± 40 Calibrado 307 Amazônia Antropogênica Sítio: Abraham CARVÃO Datação Radiocarbônica BP Sítio Quadrante Nível Beta Convencional PA-AT-298: Abraham PA-AT-298: Abraham Sond. 1 Sond. 2 3 4 227300 227301 1780 ± 50 2410 ± 40 Calibrado Sítio: Sossego CERÂMICA Datação por Termoluminescência (TL) BP Sítio Quadrante Nível PA-AT-244: Pista de Pouso PA-AT-244: Pista de Pouso Sítio PA-AT-252: Sequeirinho PA-AT-252: Sequeirinho 308 Calibrado 710 ± 70 590 ± 60 Quadrante Nível PA-AT-274: Estrada PA-AT-274: Estrada Sítio Convencional Convencional Calibrado 540 ± 55 260 ± 25 Quadrante Nível Convencional 670 ± 70 520 ± 55 Calibrado A Cultura Neotropical Amazônia Antropogênica A CULTURA NEOTROPICAL e a Amazônia Antropogênica Marcos Pereira Magalhães, Vera Guapindaia, Gizelle Chumbre, Ronize da Silva Santos, Pedro Glécio Costa Lima, Jéssica M. de Paiva DE UM PARA O OUTRO Cultura Tropical também era composta por sociedades complexas com algum nível de sedentarismo, mesmo considerando que eram formadas, basicamente, por sociedades cujo modo de produção estava baseado na caça, coleta, pesca e em pequenas roças de cultivos não intensivos. Essa complexidade era relativa e aflorava em sociedades que apresentavam, em suas estruturas sociais, econômicas e políticas, limiares e módulos práticos de ação sobre o ambiente e a cultura que, quando cruzados, deram origem a um salto repentino de complexidade social ainda maior. Ou seja, caçadores, coletores e pescadores podem fazer muitas coisas; acrescente outras e um outro tipo de comportamento se tornará possível; adicione gradualmente alguns outros grupos humanos, hábitos e técnicas e o número de interações sociais e culturais complexas de repente crescerá exponencialmente. Sistemas econômicos, modos de produção, redes de relações sociais, sedentarismo, comportamentos políticos: todos esses exemplos permitem saltos repentinos (porém rugosos e irregulares) de complexidade em consequência do crescimento das ligações que unem elementos que antes se manifestavam isoladamente na cultura dominante. E quando o grau de complexidade dá um salto, cresce instantaneamente o grau de imprevisibilidade (a rugosidade) e o conteúdo de informação de um sistema social (BARROW, 1998). Foi assim, então, que a Cultura Tropical que promoveu a antropogênese da Amazônia deu um salto e se transformou na Cultura Neotropical das sociedades agricultoras sedentarizadas, que acabaram por consolidar a Amazônia antropogênica. Embora seja conhecido um grande número de sítios nas terras firmes marginais de rios localizados nos interflúvios das grandes bacias e, inclusive, de bacias secundárias; sabese que as populações ceramistas formadoras desses sítios conheciam profundamente os 311 Amazônia Antropogênica ambientes que ocupavam; e ainda, que faziam uso sistemático de plantas enquanto promoviam um sedentarismo relativo mantendo, por conseguinte, grande mobilização e dispersão territorial; regularmente esses sítios não são considerados importantes por não apresentarem terra preta espessa ou extensa e nem uma cultura material “maravilhosa”. Por isto, são parcialmente ignorados nos estudos sobre a evolução da complexidade social das sociedades amazônicas. Isto ocorre porque nas áreas de ocupação dessas sociedades, o refugo arqueológico deixado apresenta baixa densidade de cultura material e, às vezes, insignificante evidência de terra preta. Como consequência, existem poucos estudos publicados que considerem, além das questões geomorfológicas, a inserção paisagística desses sítios. Isto é, pouco se sabe sobre a caracterização antrópica da cobertura vegetal do entorno ambiental ou sobre as características pedológicas do solo onde tais sítios foram assentados e muito menos sobre sua importância na formação das sociedades sedentárias. É bem verdade que boa parte desses sítios, hoje identificáveis, são de pouca visibilidade e, por serem predominantemente interfluviais, só recentemente vêm sendo conhecidos. Por outro lado, a observação da ação humana sobre o ambiente natural só agora tem sido levada em consideração e, portanto, os estudos relacionados ainda estão em andamento. Contudo pode ser que esse tipo de assentamento tenha sido a base emergente das sociedades agricultoras sedentárias mais complexas, que se desenvolveriam ao longo dos grandes rios e lagos da Amazônia. Assim, temos uma faixa de transição onde a Cultura Tropical e a Cultura Neotropical se confundem, quando compartilham práticas e costumes, recursos e ambientes. Como se sabe, a terra preta arqueológica é resultado do descarte de restos orgânicos sobre o solo. Esses restos reagem quimicamente com o solo dando a ele uma coloração escura. Os cultivos em si não produzem terra preta, somente áreas de moradia onde foram descartados lixos de origem orgânica. Portanto, terra preta tem mais relação com sedentarismos do que com agricultura, embora este tipo de solo, posteriormente, tenha sido usado por populações agricultoras. Aliás, como acontece até hoje. Portanto, povos da Cultura Tropical mais sedentários ou que descartavam muito lixo orgânico também deixaram sítios com terra preta arqueológica. Porém, na rugosa e irregular transição entre a Cultura Tropical e a Cultura Neotropical, havia povos que mergulhavam cada vez mais fundo no manejo de bosques e no cultivo de plantas domesticadas, fixando-se longamente no mesmo espaço de ocupação, transformando cada vez mais intensamente, não só o ambiente como o próprio solo onde pisavam e descartavam seus restos e dejetos. Mas deve-se levar em consideração as diversas fontes de recursos exploradas, relacionadas a uma mesma população que por isto fazia uso diferenciado dos diversos ambientes do território de ocupação. Com isto, além da possível ampliação das áreas de habitação permanente e das de cultivo sistemático, outras distintas áreas de recursos também poderiam receber tratamento diferenciado cada vez mais intenso, implicando excursões e ações curtas ou longas que resultariam em acampamentos breves, mas recorrentes ou de permanência maior por parte de um clã ou categoria de pessoas (caçadores, artesões, pajés, etc.). O fato era que o território dessas populações poderia abrigar áreas de ocupação intermitentes, sazonais ou permanentes, cada uma delas resultando em refugos com características arqueológicas diferentes. Isto implica uma escala espacial muito mais ampla de interferência sobre os 312 Levi-Strauss (2004), por exemplo, já havia observado que os mitos sobre a origem da agricultura entre alguns povos Jê falavam sobre a interferência em ambientes não exatamente apropriados para a agricultura. Esses mitos proclamavam que “o solo do cerrado não é cultivável, apenas a florestas”. Por conseguinte, a introdução da agricultura implicava a transformação de um modo de ser em seu converso. Isto é, para ser inserido no universo civilizado, o cerrado teria que ser transformado em floresta. Por outro lado, era através da agricultura que se apossava de uma determinada planta ou de uma determinada variedade da mesma espécie como forma de identificá-la a um clã. E eram essas mesmas plantas ou variedades que eram semeadas nos territórios ocupados como forma de legitimar a posse deles. Segundo Lathrap (1977), isto ocorria através do plantio e cultivo de espécimes vegetais nos quintais das residências, que era o espaço comunitário e/ou privado protegido da floresta natural, repleta de seres sobre os quais os Homens não tinham controle. O quintal era a área comunitária totalmente organizada e livre de influências maléficas. O quintal também funcionava como um lote experimental. Novas espécies de plantas trazidas da floresta ou recebidas através de contatos com outros grupos étnicos poderiam ser introduzidas no esforço consciente para avaliar o seu potencial como cultígeno útil. Para o autor e com toda razão, não existia pedaço de vegetação nessa zona que não fosse deixada intencionalmente ou introduzida por um propósito definido culturalmente. Amazônia Antropogênica ambientes. Interferências que podem ter transformado áreas impróprias em próprias para o cultivo seletivo, manejo de plantas, atividades sociais especiais etc. Ou ainda, ações que abandonariam parcial ou completamente áreas tradicionais, mas de espaço restrito, em prol de outras mais extensas e ricas capazes de sustentar uma população maior e mais sedentária. Para Lathrap, como o padrão dos quintais foi movido de uma área de floresta tropical das grandes bacias fluviais para outras de terra firme interfluviais, ele foi exposto a diferentes zonas de vegetação. Contudo seria justamente o contrário, o padrão ter-se-ia deslocado das terras firmes interfluviais para as grandes bacias, conforme as comunidades iam ficando mais populosas e complexas. De todo modo, novos cultígenos potenciais foram sendo integrados ao sistema. Com isto as populações nativas foram tornando os territórios percorridos e regularmente ocupados muito mais produtivos e familiares. Foram práticas antrópicas deste tipo, enfim, que alteraram grandes extensões de florestas na Amazônia. E essas alterações ocorreram para muito além das áreas de influência direta das moradias e roças, pois cada casa ou comunidade estava envolvida e protegida por um ambiente florestal totalmente artesanal. Até recentemente era afirmado que as modificações antrópicas dos ambientes naturais ter-se-iam iniciado com a formação de concentrações de árvores frutíferas a partir do manejo da floresta no entorno das aldeias. Mas já se sabe que estudos etnoarqueológicos mostram como o descarte de sementes comestíveis por parte de grupos nômades aumentava significativamente o potencial de formação destas concentrações ao longo dos caminhos e estradas (POLITIS, 1996, 1999). Hoje a perspectiva é de que essas evidências resultaram de ocupações de longa duração em extensas áreas. Essas ocupações, ainda que tenham sido intermitentes, implicaram acontecimentos culturais intensos, longos e 313 Amazônia Antropogênica extensos, cujos impactos deixaram marcas profundas sobre a formação das paisagens. Esta perspectiva, por sua vez, contradiz Piperno e Pearsall (1998) para quem a importância das árvores frutíferas como sustento do sedentarismo nas terras baixas tropicais era bastante secundário e recente. Diferente do que se pensava até a última década do século XX (ROOSEVELT, 1992, 1997), os primeiros complexos cerâmicos relacionados ao uso regular de plantas, como o cultivo de tubérculos para consumo e outras plantas para fins fitoterápicos, ritualístico e de manufatura, não teriam surgido apenas ao longo das várzeas dos rios. Muito pelo contrário. Como mostram as evidências encontradas nos sítios do sudeste do Pará (MAGALHÃES, 2005), em Porto Trombetas (GUAPINDAIA; LOPES, 2011) e na Amazônia Central (NEVES, 2012), áreas de interflúvios provavelmente tenham servido de plataforma ou de principal foco para o desenvolvimento das primeiras sociedades agricultoras. Em muitos casos, as aldeias dessas populações seriam apenas relativamente sedentárias, dependentes da oferta local de produtos e relacionadas a ocupações temporárias (locais privilegiados para coleta e/ou caça e pesca). Essas populações já tinham um conhecimento bastante complexo sobre os recursos vegetais da floresta tropical e, possivelmente, teriam consolidado a transformação de diferentes ecossistemas através da seleção cultural de espécies, dos territórios que ocupavam e exploravam, em áreas antropogênicas com forte identidade cultural e produtividade. Ou seja, as paisagens culturais eram interpretadas como paisagens naturais, uma vez que as gerações herdeiras vinham se sucedendo em ambientes já há muito tempo transformados em objetos culturais vivos. As mudanças mais significativas nos padrões de organização social, econômica e política das sociedades amazônicas que constituíram a Cultura Neotropical talvez tenham começado há 5000 anos, mas tornam-se perceptíveis nos registros arqueológicos a partir de 3500 anos AP. Essas mudanças foram favorecidas por mudanças climáticas (iniciadas 500 anos antes quando o clima se estabiliza e se torna mais úmido e favorável à multiplicação dos recursos da floresta – ROSSETTI et al., 2005) e históricas (com o crescimento populacional e a colonização integrada de extensos territórios – HECKENBERGER et al., 2003; SCHAAN, 2004; NEVES, 2006). Os aspectos importantes de tais mudanças estão vinculados ao aumento no tamanho, densidade e duração de ocupação das aldeias, os quais se verificam especialmente na qualidade, no uso e na extensão do solo (fertilidade pelo descarte de lixo orgânico – a terra preta – aterros, etc.) nos sítios arqueológicos. Esse processo, tal como sugerido por Balée (2008, 2014), gerou interferências radicais e multifacetadas na paisagem, por exemplo, o aterro monumental de áreas extensas em regiões tão distantes como a ilha de Marajó (MEGGERS; EVANS, 1957; ROOSEVELT, 1991; SCHAAN, 2004), o Alto Xingu (HECKENBERGER et al., 2003), os campos alagados de llanos de Mojos, na Bolívia (ERICKSON, 2000) e as planícies costeiras das Guianas (ROSTAIN, 1991). A construção de diques, vilas anelares e outras manipulações de terra, tais como os espetaculares geoglifos do Acre, na Amazônia Ocidental (SCHAAN; PARSSINEN; RANZI, 2008), que eram obras culturais, com o tempo também passavam a ser interpretadas como paisagens naturais. Todavia é a partir de 3500 atrás que ficam mais visíveis e numerosos os sítios associados aos solos antrópicos conhecidos como terras pretas arqueológicas (TPA), correlatos de processos de ocupação sedentárias (ERICKSON, 2003; KERN et al., 2003; NEVES, 2003, 2004; PETERSEN et al., 2001). 314 Amazônia Antropogênica É quando essas modificações intencionais se tornam visíveis nos padrões de assentamento e até mesmo são cosmologicamente inseridas nas simbologias culturais, que a Cultura Neotropical se consolida definitivamente através de uma verdadeira explosão. Nessa explosão cultural, diferentes sociedades desenvolvem e compartilham padrões iconográficos de largo aspecto cosmogâmico, que foram reproduzidos, principalmente, na cerâmica ritualística. Esses padrões, alguns com desenvolvimento claramente locais, outros com influências externas, principalmente do norte da América do Sul, se estendem por extensos territórios sub-regionais, constituindo um mosaico regional culturalmente multifacetado que compartilha um mesmo processo civilizador. Além de muitos dos estilos e técnicas na produção cerâmica, artefatos líticos polidos com iconografias comuns, como muiraquitãs e estatuetas, são encontrados distribuídos por amplas áreas, indicando a existência de uma complexa e extensa rede de contato, que integrava populações e sociedades de diferentes níveis e origens étnicas (BOOMERT, 1987; NIMUENDAJU, 2004; AIRES DA FONSECA, 2010). É nesta fase de florescência cultural que os diferentes ambientes amazônicos se consolidam como paisagens sociais, culturais e politicamente definidas, refletindo a organização cultural das populações que os exploravam. Deste modo, quando as sociedades agricultoras se fixaram em territórios identificáveis como uma unidade cultural detentora de intensidade, sentido e duração histórica particulares, elas já têm pleno domínio espacial, consciente, seletivo e produtivo dos recursos neotropicais anteriormente conquistados e domesticados. Isto fica bastante evidente quando observamos as paisagens dos territórios que foram ocupados pelas chamadas sociedades complexas, os quais apresentam grandes extensões de TPA. O resultado disto, como atestam Clemente et al. (2015), é que quase 1% dos solos amazônicos são compostos por TPA, onde crescem ao redor cerca de 83 espécies nativas que contêm populações com algum grau de domesticação. Ou seja, as plantas domesticadas ocorrem em paisagens domesticadas, incluindo solos altamente modificados associados com grandes populações estabelecidas. Por tudo isto se pode afirmar que, no mínimo, no mínimo, no mínimo mesmo, 60% do total das terras não alagáveis disponíveis na Amazônia já eram antropogênicas e estavam identificadas culturalmente (MAGALHÃES, 2009). Ou seja, como disse Ricklefs (2003), a vegetação da Amazônia reflete a longevidade do efeito de herança das intervenções humanas sobre ela. Além disto, podemos afirmar que apesar de serem mais sedentárias que as precedentes, essas populações conservaram sua capacidade de mobilidade espacial (intensidade), não só por ordem de razão social e política (sentido) como, principalmente, pela simbologia cultural, pelo significado cognitivo e pelo valor econômico que suas redes sociais e ecoantrópicas (de comunicação inter-aldeias e de captação de recursos, respectivamente) representavam para o universo territorial dessas sociedades, agora, essencialmente neotropicais. Para melhor entendimento do que está sendo dito, pode-se definir corredores culturais como a rede das relações sociais e ecofatuais que conecta as diferentes áreas de ocupação permanente ou regular (as aldeias e os acampamentos) de um território e/ou dos diversos territórios de uma sub-região cultural. As conexões entre essas áreas também são ecoantrópicas, mas com interferência maior na formação do solo, pois elas implicam 315 Amazônia Antropogênica articulações sociais de caráter cotidiano. Esses corredores podem apresentar áreas nucleares que quase se emendam em um contínuo e cuja paisagem hoje teria composição florística de origem antrópica do tipo capoeirão, com o predomínio de palmeiras. Os corredores sociais são definidos segundo os laços políticos e culturais compartilhados pelos grupos humanos viventes dos territórios de uma sub-região cultural. Já os corredores ecoantrópicos, propriamente ditos, seriam espaços antropicamente transformados, não necessariamente contínuos, mas constituídos por ecofatos representados por uma vegetação culturalmente selecionada que concentraria em diferentes lugares recursos orgânicos de ordem alimentar, medicinal, artesanal ou ritualístico. Eles são definidos pelos locais dentro dos territórios de uma sub-região onde os recursos estão disponíveis, sazonal ou regularmente. Ambos os corredores também conectariam a rede cultural e econômica às fontes de matéria-prima inorgânicas e às redes externas de troca e difusão através de pontos fixos onde as trocas seriam realizadas periódica, mas não continuamente (CORRÊA, 1994). Dentro do universo arqueológico, os acampamentos de apoio apresentariam solo composto de terra preta arqueológica mais raso e com baixa densidade de cultura material. Por sua vez, as áreas de captação podem apresentar locais com ocorrência de cultura material com densidade ainda mais baixa e sem TPA. Em resumo, a rede que interliga os lugares de assentamento permanente, apoio, cultivo, cerimônias e captação constitui um conjunto de centros funcionalmente articulados que por sua vez definem a divisão territorial de uma sub-região cultural. Isto é, os núcleos de assentamento permanentes ou regularmente ocupados são os pontos focais de onde irradiam as redes sociais e ecoantrópicas, que conectam as áreas tributárias e as áreas culturais periféricas, tanto territorial quanto interterritorialmente. A fronteira geopolítica dos territórios culturais, como veremos em mais detalhes no próximo capítulo, era definida não pela formação e controle de aparelhos de estado, mas, fundamentalmente, pela representação subjetiva do poder, expressa na organização da paisagem como um instrumento de força cultural (HEADRICK et al., 2001; MITCHELL, 2002). Esta afirmativa está de acordo com a observação de Criado Boado (1999), segundo o qual, se a paisagem é fruto de uma ação humana é, pois, um produto sociocultural criado pela objetividade – sobre o meio e em termos espaciais – da ação social tanto de caráter material quanto imaginário. E também está de acordo com Viveiros de Castro (2002), quando ele diz que na Amazônia a cultura é a natureza do sujeito. Isto é, ela é a forma pela qual todo agente experimenta a sua própria natureza, sendo que a natureza humana, para o Homem amazônico tradicional, é compartilhada por uma legião de outros seres, que não são necessariamente humanos, mas com os quais compartilham e comutam experiências. Curiosamente, esta teoria é confirmada e generalizada, através de outro meio, por Nicolelis, quando ele afirma que o “cérebro também incorpora, como parte verdadeira de cada um de nós, os corpos dos demais seres vivos que nos cercam na vida cotidiana” (2011, p. 354). Confirmação que abraça e caminha junta com a de Balée (2008), ao afirmar que a assinatura arqueológica mais significativa da Amazônia não são os artefatos feitos de pedra ou barro, mas sim as paisagens esculpidas com instrumentos vivos: as plantas. São a essas paisagens construídas e vivas que as culturas se fundem e se identificam como expressão artesanal da natureza amazônica. 316 Dentro da perspectiva de mosaico da Cultural Neotropical existem na Amazônia diferentes sub-regiões compostas por diversos territórios culturais, os quais abrangem não só as margens dos grandes rios, mas também, nas terras firmes, as margens de rios tributários (e tributários dos tributários) localizadas bem longe dos rios principais. Entre essas subregiões se destacam a Marajoara e a Tapajônica, por exemplo. A sub-região Tapajônica tem revelado uma fabulosa riqueza antropogênica e variabilidade ocupacional. De fato, o potencial arqueológico da porção do rio Trombetas, no município de Oriximiná, no Estado do Pará, é conhecido desde o século XIX (BARBOSA RODRIGUES, 1875; VERÍSSIMO, 1883). Nela, as pesquisas arqueológicas foram iniciadas na década de 1950 (HILBERT, 1955, 1959, 1982, HILBERT; HILBERT, 1980). A partir dos anos 1980 as pesquisas passaram a ser conduzidas sob a perspectiva da Arqueologia de Contrato uma vez que foi implantado pela Mineração Rio do Norte (MRN) um polo de exploração de bauxita na região (ARAÚJO COSTA et al., 1985; HILBERT, 1988; KALKMAN; COSTA NETO, 1986; LOPES, 1981; BRANDT, 2000). No início do ano de 2001 o Museu Goeldi, através de convênio com MRN, iniciou o Projeto Arqueológico Porto Trombetas (PAPT), coordenado por Vera Guapindaia. Seu objetivo geral foi realizar pesquisas nos sítios arqueológicos localizados nas áreas afetadas direta e indiretamente pela atuação da empresa. Amazônia Antropogênica INTERFLÚVIOS As pesquisas anteriores efetuadas no trecho entre o baixo Trombetas até o lago de Faro no curso inferior do rio Nhamundá identificaram cerca de 70 sítios arqueológicos (HILBERT, 1955; HILBERT, 1988), cuja maioria está concentrada em torno de diversos lagos (Sapucuá, Batata, Acari, Algodoal, Piraruacá e Faro) e onde identificaram dois estilos cerâmicos: o Pocó e o Konduri. Já a área investigada pelo PAPT se situa ao norte daquela descrita pelas fontes históricas como densamente povoada e abrangeu ainda um vasto território de interflúvio, situado entre os rios Trombetas e Nhamundá que, em termos arqueológicos, era até então desconhecido. Com isso foi evidenciado que os sítios desse território estão localizados em diversos ambientes, incluindo as margens dos rios, igarapés e lagos; nas áreas de terras baixas dos vales entre os platôs; no topo das áreas elevadas dos platôs, e na base de suas encostas (MACHADO, 2001; GUAPINDAIA, 2008; GUAPINDAIA; LOPES, 2011). Essa característica reforçou a ideia de que esse território é uma importante área arqueológica, pois nele encontram-se vestígios de antigas sociedades agricultoras, de elevado nível de complexidade social e ampla rede cultural e econômica organizada geograficamente (GUAPINDAIA, 2008; MAGALHÃES, 2011). Por outro lado, conforme as pesquisas desenvolvidas pelo PAPT mostraram, além dos vestígios arqueológicos relacionados à cerâmica Pocó não estarem restritos às margens dos grandes cursos d’água, inventários botânicos revelaram traços bastante convincentes de ações antrópicas sobre a formação das coberturas florestais locais (SALOMÃO, 2009; JUNQUEIRA, 2009; SCOLES; GRIBEL, 2011; SANTOS et al., 2011). Essas florestas, que parecem constituir paisagens construídas ao longo de centenas de anos, provavelmente resultaram de ações de sociedades que exploraram e ocuparam os mesmos nichos e que, em termos gerais, tiveram os mesmos costumes e práticas ambientais (MAGALHÃES, 2013). Datações radiocarbônicas diversas indicam que a ocupação local e o manejo ambiental intensivo teriam começado nos interflúvios, há milhares de anos com os Pocó e se acentuado desde 1000 anos AP. com os Konduri (GUAPINDAIA, 2008; GUAPINDAIA; AIRES DA FONSECA, 2012). 317 Amazônia Antropogênica Por outro lado, no topo dos platôs (Saracá, Periquito, Papagaio, Almeidas, Aviso, Bacaba, Bela Cruz, Cipó, Teófilo, Aramã, Monte Branco e Greig) foram localizados sítios apenas no Saracá e no Greig, o que sugere serem raras ocupações longas nesse compartimento ambiental. Na década de 1980, Lopes (1981) registrou dois sítios no platô Saracá e em 2006 o PAPT encontrou o Greig II. Os sítios encontrados no topo do platô Saracá já estavam destruídos pelo processo de extração de bauxita, restando apenas vestígios residuais. Já o Greig II, além da localização singular apresentou bom estado de preservação, tornando-se assim uma área importante para os estudos arqueológicos na região de Porto Trombetas (GUAPINDAIA, 2008; GUAPINDAIA; LOPES, 2004, 2011). Por conta disto foi elaborado o subprojeto “Cenários Sociais e Paisagem no Sítio Greig II”, financiado pelo CNPq e coordenado por Magalhães (2012). Esse subprojeto teve como parâmetro a arqueologia da paisagem, visto que as observações “in situ” e a consulta aos inventários botânicos (SALOMÃO, 2002, 2009) realizados na mesma área em que acontecia a pesquisa arqueológica indicavam fortes indícios de ações antrópicas sobre as Florestas Ombrófilas densas locais. O Greig II apresentou características de sítio formado por atividades especiais, mas sem qualquer indicativo de ocupação permanente. Contudo, o inventário botânico ali realizado revelou uma grande quantidade de plantas cuja distribuição e incidência eram absolutamente incomuns para um meio natural. Isto pode implicar dispersão populacional de grupos organizados com base em mitos, rituais, parentesco etc. e na ocupação sazonal por grupos menores, mas importantes, dos platôs e dos vales interfluviais, para a exploração dos recursos naturais locais. E também na organização espacial do território cultural, onde diferentes lugares são ocupados para diversas finalidades de ordem social, cultural e econômica. Por conseguinte, tais ocupações interfeririam significativamente na composição natural das florestas, para muito além dos quintais (GUAPINDAIA, 2008; MAGALHÃES, 2011; NEVES et al., 2014). Portanto, em um espaço regional, áreas circunscritas às áreas focais de ocupação podem ter passado por manejos diversos, quer na coleta e cultivo seletivo de espécies, quer na montagem de cenários sociais (residências, acampamentos, ritualísticos, roças, áreas de descarte, caminhos, etc.), que resultaram em uma paisagem ampla e de suma importância para a definição territorial das relações culturais. Deve-se observar que, na região arqueológica onde a FLONA Saracá-Taquera está inserida, investigações realizadas desde a segunda metade do século XX constataram a existência de sítios relacionados a grandes assentamentos sedentários, identificados em dois ambientes distintos: o ribeirinho e o lacustre. Nestes ambientes, que foram os mais bem investigados no século XX, os sítios apresentam amplas extensões de terra preta, profundidade e densidade de material. No século XXI, o PAPT acrescentou a essa lista assentamentos encontrados nos interflúvios, sendo uns não tão extensos ou densos, mas outros tão densos quantos os anteriores e ainda outros menores e aparentemente sazonais ou ritualísticos. Entre estes, nos primeiros o solo arqueológico é composto de terra preta, a extensão não é tão grande quanto os lacustres, mas a densidade apresenta quase a mesma profundidade e rica variedade ceramista, tanto na morfologia quanto no motivo decorativo; já os de pouca densidade não apresentam ocorrência de terra preta, os solos são rasos, mas mesmo assim, ainda que menos extensos e densos, o material 318 Segundo a literatura, a área arqueológica em questão apresenta dois estilos cerâmicos, cronológica e respectivamente distribuídos pelos sítios identificados: Pocó, comumente tido como o mais antigo (até então datado entre 2200 anos AP. a 1700 AP.), ocorreria em assentamentos ribeirinhos e lacustres; e o mais recente, conhecido como Konduri (então datado de 1100 a 600 anos AP), também ocorreria em assentamentos ribeirinhos e lacustres, mas sobre assentamentos Pocó ou não. Amazônia Antropogênica corresponde aos assentamentos dos demais ambientes e seriam destes, áreas de ocupação sazonal para captação de recursos ou para ritos diversos. Contudo, no início dos estudos desenvolvidos pelo PAPT, diferente do estilo Pocó, o Konduri também foi encontrado em assentamentos interfluviais. Mas, posteriormente foi constatado que havia sítios Pocó e Konduri que denotavam ocupação permanente em áreas interfluviais, como os sítios Aviso I, II, III, Almeidas, Greig I e Cipoal do Araticum. E também, que esses sítios variavam em dimensões, densidade e em predominância do estilo cerâmico. Nessas áreas ocorreram alguns sítios com terra preta arqueológica rasa, pouco extensas e baixa densidade de material arqueológico; mas também outros com terra preta arqueológica profunda e extensa e com grande quantidade de material arqueológico. Isso indicava que esses grupos exploravam e dominavam parcialmente os mesmos ambientes da região de Porto Trombetas do ano 2200 ao ano 600 AP, fazendo uso de todos os seus diferentes ecossistemas. Na área ribeirinha, onde está situado o sítio Boa Vista, com profunda e extensa terra preta e alta densidade de material, Guapindaia (2008) confirmou a presença de duas ocupações cronologicamente sequenciais: Pocó e Konduri. Neste sítio, a cerâmica Pocó foi datada entre 2360 e 2410 AP e a Konduri, entre 930 e 530 AP (GUAPINDAIA, 2008), estando dentro da faixa de tempo e ordem cronológica estabelecida ainda no século XX. Já nos sítios da região de interflúvio, as características da cerâmica das primeiras camadas de ocupação também foram associadas aos Konduri, indicando, em princípio, uma interiorização que até então não se observara na cerâmica Pocó. Porém, no sítio Cipoal do Araticum, situado no interflúvio entre os platôs Aviso e Bela Cruz, os resultados da análise do material cerâmico trouxeram novos questionamentos acerca da ocupação na área. Nele, as cerâmicas com características Konduri e Pocó se misturam cronológica e estilisticamente, especialmente em torno do ano 1000, em que a Konduri, juntamente com a Pocó, alcançam 1550 AP. (Beta 330929). Por sua vez, a Pocó continua sendo a mais antiga, entretanto alcançando uma surpreendente idade de 4830 AP. (Beta 330927 – GUAPINDAIA; AIRES, 2012; CHUMBRE, 2014). Para completar, na análise do material cerâmico do sítio Cipoal do Araticum, foi observado que a produção de cerâmica era uma atividade bastante desenvolvida, com a diversidade de objetos produzidos (lítico e cerâmico), demonstrando que as populações que viviam nos interflúvios tinham elevado conhecimento técnico na sua produção e domínio sobre os recursos ambientais que exploravam. Alguns fragmentos bem elaborados como apliques, bordas, asas e bases, e alguns com decorações muito rebuscadas, como as incisões com motivos ondulados, circulares, zigue-zague e outras, além das pinturas com motivos em faixas chamaram a atenção (CHUMBRE, 2014). 319 Amazônia Antropogênica Por outro lado, o estudo da tecnologia faz pensar se o Cipoal do Araticum foi realmente ocupado por diferentes grupos ou reocupado por um mesmo grupo em momentos distintos. A variabilidade no vestígio cerâmico pode indicar vários fatores, como trocas comerciais, inovações locais e guerras intertribais ou escolhas individuais. Mas também pode significar que um mesmo povo ocupava, ao longo de sua história, as diferentes áreas do seu território, segundo suas particularidades locais e/ou culturais, podendo apresentar, consequentemente, além de elementos diagnósticos próprios, traços estilísticos e iconográficos comuns. Já a análise tecnológica do material lítico (DUARTE TALIM, 2012), não acusou qualquer variação espacial ou cronológica, confirmando que os habitantes locais sempre empregaram as mesmas técnicas no manejo e exploração dos recursos naturais. Por sua vez, o inventário botânico realizado na área do sítio apresentou, além de outros espécimes úteis, uma quantidade bem maior de plantas comestíveis, mas nenhuma delas domesticada1. Em síntese, este sítio confirmou que antes de conquistarem as margens dos grandes rios, as sociedades da Cultura Neotropical conquistaram o interior interfluvial. O sítio Greig II, no platô homônimo, é um dos menos densos e mais rasos, mas apresentando, em relação aos demais sítios interfluviais, um número elevado de fragmentos de cerâmica decorada. Por conta disto, Guapindaia (2008) sugeriu que, além dos sítios sazonais terem sido utilizados para captação de recursos, alguns também poderiam ter servido para outras atividades, talvez de cunho ritualístico, associadas à sazonalidade dessas captações. Assim sendo, tendo em vista as características ambientais e materiais observadas no Sítio Greig II, a hipótese testada neste sítio foi a de que o local teria sido uma antiga área Konduri, antropicamente modificada através da montagem de cenários sociais para a celebração de ritos e para coleta de recursos vegetais diversos e até de caça (Figuras 1 e 2). A construção da paisagem no sítio e em seu entorno seria consequência dos usos sociais e do modo como o espaço foi culturalmente organizado. Consequentemente, para explicar se a ordem dos fatos estava de acordo com a hipótese, além das questões relacionadas à cultura material, foram observadas a cobertura vegetal, a incidência nela de plantas úteis, e a organização social do espaço através das evidências de interferências objetivas na paisagem, tais como, cenários montados em função de atividades diversas e acessibilidade. Mas para entendermos a importância dos cenários na ordem dos fatos, deve-se considerar que a modificação cultural dos lugares e a construção de paisagens sociais não se davam de uma só vez. Isto é, a paisagem vai sendo construída ao longo do tempo, em princípio através de ações antrópicas involuntárias ou intuitivas e, posteriormente, de forma planejada. Mas as instalações erguidas no espaço não eram necessariamente permanentes e, dependendo do uso e da finalidade, umas poderiam ser mais fugazes do que outras. Assim, do mesmo modo que havia instalações de longo prazo, como as de moradia, em geral localizadas em áreas culturalmente consolidadas, também havia aquelas de permanência menor e sazonal, como as instalações de acampamentos e de estruturas ritualísticas. De todo modo, entendemos que, provisórias ou não, essas instalações eram cenários montados para relações sociais diversas e que era através delas que as paisagens eram constante e culturalmente construídas. 1 320 Como era de se esperar, pois as plantas domesticadas necessitam da ação humana para a sua reprodução. Visto que o sítio estava abandonado há séculos, as que poderiam ter existido não resistiram à ausência do homem. Amazônia Antropogênica Todo cenário apresenta uma dinâmica prática que não pode ser comparada à dinâmica subjetiva da paisagem, cuja representação é voltada para o modo como se deve olhar corretamente a natureza, segundo as pedagogias culturais estabelecidas. Por esta perspectiva, ao serem montados cotidianamente, os cenários sociais comutam com os ambientes, transformando-os em locais familiares. Esses locais, subespaços, lugares ou áreas focais diversas são os componentes do território cuja paisagem vai sendo lenta, porém, informativa e simbolicamente autenticada. Quer dizer, além do ambiente ser antropicamente modificado, essa modificação não era aleatória, mas organizada segundo certos costumes e padrões culturais reproduzidos na paisagem. Deste modo, as paisagens se tornavam culturais não porque eram de origem antrópica, mas, fundamentalmente, porque eram artefatos com características e atributos socialmente definidos. Figura 1. Imagem do platô, com identificação das estradas de acesso (linhas amareladas) e a densidade da mata. Fonte: Google. Quando um espaço regularmente usado para montagem de cenários sociais adquiria uma identidade cultural, as ações deixavam de ser meramente casuais e se tornavam antropicamente propositais. Neste sentido, é possível que, em territórios com espaços modificados, possamos identificar os locais onde teriam sido montados cenários que definiram a paisagem antropogênica do lugar e o seu papel na rede das relações sociais regional. A montagem regular dos cenários sociais acaba por construir nichos culturalmente identificáveis através de símbolos, práticas e comportamentos. Esses nichos construídos no espaço de ocupação socioambiental não só contêm informações que ajudam a sociedade a determinar preferências e identidades, como também modelam o ambiente tornando-o familiar, segundo essas mesmas informações. 321 Amazônia Antropogênica Figura 2. Imagem do Sítio PA-OR-125: Greig II. 322 Amazônia Antropogênica A hipótese levantada para o Greig II foi confirmada pelo inventário botânico realizado e pela análise da cultura material, quando ficou claro que o sítio poderia ter sido ocupado para a realização de ritos. Tal afirmativa se baseou na ausência de terra preta, na grande quantidade de espécies medicinais inventariadas, na ocorrência significativa de plantas alucinógenas associadas, na pequena quantidade de espécies alimentícias e na cerâmica Konduri, cujas caretas parecem indicar sentimentos de fraqueza ou dor, fato que contrasta com o inventário realizado no sítio habitação Cipoal do Araticum, em cuja terra preta predominam espécimes alimentícias e a iconografia da cerâmica é muito mais complexa e numerosa. A presença de três lâminas de machado encontradas no Greig II, duas delas tendo claras evidências de desgastes por uso, indicam que a área foi manejada. Aliás, as lâminas de machado, sendo duas inteiras e uma partida, constituem uma das mais fortes evidências de manejo local. Esta consideração é especialmente importante porque, além de serem arqueologicamente contextualizadas, foram encontradas em um ambiente de floresta primária composta por plantas cultural e antropogenicamente selecionadas. Ou seja, era uma paisagem natural, pois a multiplicação dessas plantas não dependia mais da interferência humana, uma vez que estavam perfeitamente integradas ao ambiente antropizado. Mas foram principalmente as evidências florísticas que indicaram a destinação cultural do lugar. Esta evidência não se revelou necessariamente pela extensão da influência antrópica sobre a constituição da floresta, porém, significativamente, pelas características da vegetação útil dominante. Com o resultado do inventário realizado no Greig II (Gráficos 1 e 2), foi reforçada a ideia de que são as diferentes respostas culturais às diversas condições de vida e relações sociais que garantem aos grupos humanos a construção de paisagens e cartografias com cenários e símbolos socialmente organizados e cotidianamente reproduzidos, pois, ao modificar o ambiente segundo costumes culturalmente reforçados, essa modificação estabiliza práticas que podem construir diferentes nichos conectados por diferentes necessidades sociais. E foram as necessidades ritualísticas que orientaram a montagem dos cenários e transformaram a floresta natural em uma paisagem socialmente definida no âmbito do território cultural da população. A persistência das práticas e comportamentos relacionados às relações sociais não só os reproduziu através dos hábitos do cotidiano, como também modelou nichos segundo as ações pedagógicas a eles relacionadas, cristalizando uma identidade cultural coletiva e um ambiente para manifestações sociais específicas (Figura 3). Os elementos materiais encontrados no Greig II indicam que o manejo local tinha um propósito mítico qualquer (Figura 4). Ou seja, os cenários que eram montados naquele platô, mais do que servirem de palco para uma representação cultural, visavam ao exercício e à comunicação de uma tradição. E foram os apliques zoomorfos e a modelagem das caretas com expressão emocional que indicaram com maior precisão qual seria essa tradição. Segundo Viveiros de Castro (2002), o xamanismo das populações indígenas amazônicas pode ser definido como a capacidade manifestada por certos humanos de cruzar as barreiras corporais e adotar a perspectiva subjetiva dos animais. Isto é, os xamãs teriam a capacidade de ver e sentir com seus próprios olhos e corpo o que só os 323 Amazônia Antropogênica Gráfico 1. Riqueza de espécie segundo utilização etnobotânica na área interna do sítio arqueológico Greig II. Gráfico 2. Utilização etnobotânica das espécies na área interna do sítio arqueológico Greig II. 324 Amazônia Antropogênica Figura 3. Distribuição das espécies vegetais, segundo as categorias de uso no Greig II. Nesta figura é possível visualizar a alta incidência de plantas medicianais (em azul), bem como a regularidade da sua distribuição. animais veem e sentem sobre si mesmos. Assim, as representações zoomorfas modeladas na cerâmica seriam a expressão da importância mitológica dos animais e também da condição transcendente do xamã, que poderia transitar entre esses dois mundos. Porém, quando analisamos as representações zoomorfas do material encontrado no Greig II sob o ponto de vista morfológico, não foi possível identificar muitos animais individuais (Figuras 5a-d e 6a-b). Muito pelo contrário. Alguns deles pareciam representar mais de um animal e, inclusive, como é comum nos zoomorfos Konduri, em dois deles as representações eram tridimensionais e transitavam entre o zoo e o antropomorfo. Dependendo do ângulo observado assumiam até três diferentes formas animais ou humanas. Se por um lado isto confirma a transcendência, por outro, o grau de abstração nos zoomorfos indica que eles não seriam meras representações ou ícones de subjetividades, mas símbolos que continham informações. E o que eles estariam comunicando? Possivelmente os mitos de integração social e de transcendência mítica. Isto parece ser reforçado pelas caretas que expressam claramente um sentimento ou uma condição afetiva (Figura 7a-b). Mas a condição afetiva expressada não era de satisfação ou alegria. E se considerarmos que elas foram deixadas em um ambiente cuja paisagem fora construída para ser um bosque repleto de plantas medicinais, é plausível concluir, finalmente, que o cenário montado no platô Greig foi para a interpretação de ações de cura. Isto é, para o exercício da pajelança. 325 Amazônia Antropogênica Figura 4. Distribuição espacial do material e áreas de decapagem no Greig II. Observar que as árvores maiores e o material arqueológico estão cercando o principal local de atividade. Datações radiocarbônicas do sítio Greig II organizadas por data. 326 Escavação/ Unidade Nível Idade Idade Calibrada Convencional 2 Sigma AD Idade Calibrada 2 Sigma BP Nº. Laboratório Ordem 1 - N183 E590 1 - N183 E590 5 - N294 651 5 - N294 E 652 5 - N295 E652 5 - N294 E651 5 - N294 651 5 - N294 E 652 5 - N295 E652 5 - N294 E651 5 - N294 E649 5 - N294 E648 5 - N294 E649 5 - N294 E651 1 - N183 E590 5 - N294 E 650 5-10 cm 10-15 cm 40-45 cm 0-5 cm 5-10 cm 35-40 cm 40-45 cm 0-5 cm 5-10 cm 35-40 cm 15-20 cm 10-15 cm 20-25 cm 25-30 cm 15-20 cm 35-40 cm 330±40 AP 350±40 AP 560±30 AP 570±30 AP 690±30 AP 690±30 AP 560±30 AP 570±30 AP 690±30 AP 690±30 AP 1470±30 AP 1580±30 AP 1580±30 AP 1720±30 AP 1730±40 AP 2500±30 AP BP 500 a 300 BP 500 a 300 BP 560 a 520 BP 570 a 530 BP 590 a 570 BP 590 a 570 BP 640 a 590 BP 640 a 590 BP 680 a 640 BP 680 a 640 BP 1410 a 1300 BP 1540 a 1400 BP 1540 a 1400 BP 1710 a 1550 BP 1720 a1540 BP 2730 a 2470 Beta-256013 Beta-256014 Beta-32900 Beta-322894 Beta-322895 Beta 322901 Beta-32900 Beta-322894 Beta-322895 Beta 322901 Beta-322896 Beta-322897 Beta-322893 Beta-322898 Beta-256015 Beta-322899 1450 a 1650 AD 1450 a 1650 AD 1390 a 1430 AD 1380 a 1420 AD 1360 a 1380 AD 1360 a 1380 AD 1310 a 1360 AD 1300 a 1360 AD 1270 a 1300 AD 1270 a 1300 AD 540 a 650 AD 410 a 550 AD 410 a 550 AD 240 a 400 AD 230 a 410 AD 780 a 520 aC 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 a b c d Amazônia Antropogênica Sabe-se que a pajelança é realizada em locais reservados e que a iniciação e formação dos pajés ou xamãs são realizadas longe dos locais de habitação. Esses locais não seriam áreas quaisquer, mas ambientes adequadamente transformados onde os produtos de uso eram selecionados de reservas cultivadas e possivelmente tornadas míticas pelo tipo de função que exerciam. Por isso, a expedição dos pajés através das redes ecoantrópicas que ligavam as aldeias às áreas de captação de recursos não seria uma mera ação de coleta de plantas medicinais ou alucinógenas, porém uma ação de manejo intencional que visaria ao sucesso do exercício de suas funções sociais especiais. Se isto estiver correto, dificilmente o manejo que resultou naquela reserva de plantas voltadas para ritos de cura poderia ter sido o produto inconsciente do empreendimento de uma geração. Muito pelo contrário, possivelmente foi necessária a intenção de várias gerações para que a densa floresta que cobria o platô Greig chegasse às caraterísticas que apresentava quando a estudamos. Figura 5a-d. a) Borda de prato com faixa incisa e pintura vermelha coletada na Unidade N294 E652 a 20 cm de profundidade; b) Borda com aplique coletada na Unidade N295 E651 na profundidade de 45 cm; c) Conta lítica cilíndrica inacabada, pois possui perfuração somente de um lado, encontrada na Unidade N294 E652 – Nível 5 – profundidade 25 cm; d) Uma das lâminas de machado com desgaste encontrada na Escavação 5. Fotos: Edithe Pereira e desenho de Amauri Matos. 327 Amazônia Antropogênica a b Figura 6a-b. Representação antropozoomorfa em um mesmo aplique – escavação 5, nível 0-5cm. Desenho: Amauri Matos. a b Figura 7a-b. Fragmentos com representação de rostos encontrados na Escavação 5 a 5cm de profundidade. Observar o aspecto de tristeza que é conferido aos rostos pelo desenho dos lábios com os cantos curvados para baixo. Fotos: J. Aires da Fonseca. Estas conclusões nos levam a outra. Lembremos que arqueólogos e estudiosos da ecologia histórica e da etnobotânica que pesquisam a formação das florestas antropogênicas amazônicas afirmam que estas teriam iniciado nos quintais das aldeias, nas roças e ao longo dos caminhos que levavam às áreas de captação de recursos ou caça. No entanto, no Greig II temos evidências concretas de que os manejos abrangiam um largo leque do universo cultural, cobrindo áreas, além de amplas, muito distantes dos locais de residência. Ao considerarmos que os demais platôs da FLONA Saracá-Taquera apresentam cobertura vegetal com inquestionáveis evidências de manejo (SALOMÃO, 2009), representadas pelas grandes concentrações de plantas de diferentes utilidades, pode-se supor que mesmo as áreas de captação seriam, elas mesmas, obra do artifício humano. 328 Amazônia Antropogênica Desse modo, pode-se considerar que a população indígena neotropical, representada pelos povos que produziram os estilos Konduri e Pocó, e que deixou vestígios arqueológicos nesse território da sub-região tapajônica, concentrava-se sucessivamente: a) nas margens dos rios localizados em áreas de interflúvios, compreendendo aquelas próximas aos vales entre platôs, e entre os platôs e os lagos; b) nas margens dos lagos; c) nas margens dos rios principais; d) e no topo dos platôs. A ocorrência de sítios nas áreas do interflúvio Trombetas/Nhamundá, além de significativa, confirma a informação dos cronistas sobre a existência de aldeias localizadas mais para o interior (PORRO, 1996) e também certifica as informações de Nimuendaju (2004) a respeito das terras pretas nos interflúvios, em áreas altas. Segundo Guapindaia (2008), a curta distância entre as áreas ribeirinhas e de interflúvios (entre 30 e 50 km) teria possibilitado a relação entre seus diferentes ambientes, os quais poderiam ser alcançados através de uma rede de pequenos igarapés que nascem nos platôs e deságuam nos rios ou nos lagos e, ainda, por deslocamentos a pé através das redes sociais e ecoantrópicas traçadas na mata. Porém, as datações mais antigas sugeriram, justamente em um sítio interfluvial com TPA, que os estilos cerâmicos locais, além de misturar Inciso Ponteado com Policromo, são mais antigos do que até então imaginados, indicando sedentarismo precoce no interior da terra firme. Por outro lado, a relação da cerâmica Pocó com a Konduri em Porto Trombetas sugere que, com o tempo, o aumento populacional associado a algum outro fator histórico gerou uma crise que abalou as populações detentoras do estilo Pocó e favoreceu a expansão daquelas que detinham o estilo Konduri. Pois, com o aumento das necessidades das populações mais densas associadas ao estilo Konduri, a ordenação socioeconômica destas passa a exigir um melhor controle do manejo e da exploração dos recursos naturais encontrados nas áreas altas. Claro, isto não aconteceria de modo “puro”, de forma que variáveis culturais poderiam se entrelaçar em diferentes áreas de ocupação e exploração, sendo que em umas prevaleceriam certas expressões, diferentemente de onde pedominam outras expressões. Isto ocorreria porque essas expressões estariam relacionadas a diferentes aspectos da organização social. Sendo assim, é possível que o estilo Konduri estivesse diretamente relacionado à expansão populacional e ao controle das fontes de recursos seletivamente distribuídas pelo território de ocupação. Ou ainda, as populações Konduri podem ser justamente aquelas que conquistaram as margens dos lagos, do Tapajós e do Nhamundá, o que teria permitido a sua expansão territorial e populacional. Com a expansão do interior interfluvial para a margem dos grandes rios e lagos, as relações de ocupação e exploração foram invertidas. Com esta inversão, os platôs passam a compor áreas periféricas de captação de recursos para as populações lacustres e/ou ribeirinhas sedentárias. Por exemplo, pode-se inferir, como propuseram Guapindaia e Lopes (2011), que a coleta de frutos típicos de determinada época do ano levasse a população a rearranjos organizacionais para permitir a exploração adequada de tal fonte de alimentos. E/ou, conforme Shanley e Rosa (2005), para construir esperas em áreas com árvores atrativas para caça, especialmente aquelas ricas em flores de Caryocar villosum (comum no platô Greig, por exemplo), apreciadas por sua capacidade de atrair caça, tanto quantitativa, quanto 329 Amazônia Antropogênica qualitativamente. Os inventários realizados na FLONA e no seu entorno (SCOLES; GRIBEL, 2011) constataram, especialmente no topo dos platôs, a presença de áreas com alta concentração de bacabeiras (Oenocarpus bacaba Mart.), frutíferas diversas (especialmente pequiá – Caryocar villosum, taperebá – Spondias lutea, abricó-do-pará – Mammea americana) e castanhais (Bertholletia excelsa) associados ao cacauí (Theobroma speciosum). Algumas castanheiras e pequiás alcançam bem mais de 600 anos de idade (SALOMÃO, 2009). A intensificação cada vez maior dos modos de produção de nada alteraria a motivação primeira, de ordem ritualística e de captação de recursos, que os sítios temporários cumpririam dentro do territorial cultural. Ao contrário, provavelmente acentuou e complexou as práticas e os costumes relacionados às ordens habituais. Como observou Barbara Bender (2006), uma paisagem sempre remete a outras paisagens aparentemente díspares, compondo uma unidade formada de diferentes objetos e práticas, onde as relações socioculturais se dão de um modo e não de outro, e sobre as quais as pessoas podem ter experiências particulares. Assim sendo, tendo em vista os diversos sítios existentes em torno dos platôs (interfluviais, ribeirinhos e lacustres) supõe-se que eles fizeram parte de um mesmo universo, caracterizado desde tempos imemoriais pela reorganização cada vez mais complexa das estruturas sociais dominantes. Em termos espaciais, a rede de objetos e práticas que constitui a paisagem pode ser compreendida quando se percebe que nas sociedades étnicas atuais os roçados são preparados centenas de metros distantes das áreas de residência, às vezes podendo alcançar mais de 2 km, sem que, arqueologicamente falando, deixem evidências materiais ou mudança na cor do solo (ABRAÃO et al., 2008). Com isso, temos, no mínimo, dois ambientes diretamente alterados pela atividade humana. Um deles é o do sítio em cuja área é identificada a ocorrência de cultura material. A esse devem ser somados aqueles ambientes periféricos que concentram núcleos naturais de recursos e áreas de diversas atividades. Assim, os ambientes que sofreram alterações antrópicas ao longo do tempo, compondo o conjunto territorial da ocupação, formaram-se de modo intermitente e se estenderam de modo descontínuo para além dos quintais das habitações. Este conhecimento, quando associado a outros, como aqueles derivados do estudo dos geoglifos do Acre, que ocorrem tanto na várzea quanto na terra firme, enfatiza enormemente os interflúvios como propícios para o desenvolvimento de sociedades humanas (SCHAAN et al., 2010). Mesmo que em cada um dos núcleos de recursos e em cada uma das diferentes áreas de atividades o resultado das ações aparentem compor sítios independentes, estes constituem um território composto por paisagens inter-relacionadas por ações familiares e coletivas subjacentes. Essas paisagens são conectadas através de redes sociais e ecológicas, caminhos, movimentos e narrativas comuns e é o produto final da cultura sobre os ambientes circunvizinhos aos centros recorrentes de moradia. Consequentemente, ainda que os homens sejam os agentes sociais que movimentam e dão forma ao mundo onde vivem, eles são o produto e os reprodutores deste mesmo mundo coletivo (BARRETT, 2001), entendido, assim, como natural e cultural ao mesmo tempo. Por isso que um ambiente constantemente antropizado torna-se antropogênico e uma paisagem cultural torna-se natural. 330 Amazônia Antropogênica Portanto, segundo a ordem dos fatos apresentada e de acordo com a hipótese defendida, os bosques inventariados nos sítios Greig II e Cipoal do Araticum são obra humana e frutos indiretos do desenvolvimento histórico das populações que ocuparam o território onde eles estão inseridos. Esses bosques antropogênicos – alguns deles situados muito além dos quintais das casas das antigas aldeias – foram construídos e manejados para diversos fins sociais e expressões culturais. Por outro lado, pela extensão e complexidade utilitária das reservas florestais encontradas nos platôs da FLONA Saracá-Taquera, entre as quais se destaca a do platô Greig, com suas plantas medicinais, muito provavelmente elas são, de fato, obras não de uma, mas de várias gerações de “artesões florestais”, possivelmente de diferentes populações, que teriam levado séculos para estabelecer a riqueza florística que esses platôs vieram a ter. Também é possível que antes do manejo em larga escala, diversas experiências intermitentes já estivessem sendo feitas por populações de caçadorescoletores, pioneiras da Cultura Tropical. Por fim, concluímos que, além da formação da floresta do platô Greig ser histórica, tudo nela é Neotropical, amazônico e antropogênico. E este é o mesmo padrão observado nas florestas dos demais platôs, e inclusive nos vales, tal como confirmado pelo inventário realizado no sítio Cipoal do Araticum. Portanto, considerando que as antigas populações Konduri estão relacionadas entre aquelas que alcançaram altos níveis de organização social na Amazônia, deve-se levar em conta que provavelmente esses níveis resultaram da evolução cultural de populações nativas ancestrais, as quais se desenvolveram através de agentes que dominavam práticas e técnicas de manejo e cultivo de plantas selecionadas. Essas sociedades evoluíram porque vivenciaram uma longa duração, onde acontecimentos históricos precedentes desenvolveram e consolidaram práticas e técnicas adequadas à exploração dos recursos naturais amazônicos (MAGALHÃES, 2005, 2009). Mas não é só isto. O domínio técnico do manejo seletivo de espécies neotropicais e as simbologias daí derivadas permitiram que diferentes sociedades pudessem relacionar algumas delas com a sua própria formação, função social e identidade cultural, o que teve efeito inclusive sobre a organização política e a estruturação social do poder. A CERÂMICA ARQUEOLÓGICA DO INTERFLÚVIO XINGU/ARAGUAIA-TOCANTINS: CARAJÁS A cerâmica arqueológica de Carajás está naquele limbo que foi comentado no início deste capítulo. Esta cerâmica tem pouco apelo iconográfio, se comparada com as cerâmicas Pocó e Konduri. A área dos assentamentos do tipo habitação onde elas afloram, geralmente é pequena, circulando em torno de 12.000 m2, mas com exceções que alcançam mais de 30.000 m2. No entanto, ainda que esses assentamentos venham sendo estudados há muito tempo de forma intermitente, nunca foram observadas as paisagens no entorno e nem a organização social desses espaços de ocupação, que, como vem sendo evidenciada no sítio Mangangá, foi muito mais complexa do que se imaginava. Além disso, só recentemente foram observados sítios multicomponenciais, com horizonte agricultor sobre horizonte caçador-coletor. 331 Amazônia Antropogênica Os sítios cerâmicos de Carajás passaram a ser estudados na década de 1960. O conhecimento de sua cerâmica partiu do estudo de coleções arqueológicas, seguidos de pesquisas sistemáticas na região. Em 1963, o antropólogo Protásio Frikel, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), realizou pesquisas nas margens do rio Itacaiúnas, na região sudeste do Pará, entre os índios Xikrin do alto rio Itacaiúnas/Caiteté. Durante sua estada na área descobriu e coletou vestígios cerâmicos e líticos nas localidades de Aldeia Velha do Caiteté, Aldeia Nova Xikrin, Alto Bonito, Carrasco e Encontro (FRIKEL, 1963, 1968). Frikel identificou ainda onze sítios às margens dos rios Itacaiúnas e Caiteté, dentre os quais dois estariam localizados na aldeia Xikrin. A coleção é formada por 3.749 fragmentos cerâmicos e composta por alguns artefatos líticos coletados em diversos locais com terra preta (FRIKEL, 1963). A coleção, depositada no MPEG foi posteriormente analisada pelo antropólogo Napoleão Figueiredo, que identificou os tipos cerâmicos denominados Itacaiúnas Simples, Caiteté Simples e Itacaiúnas Corrugado: Itacaiúnas Simples: apresenta a técnica de manufatura acordelada, com tempero areia média misturada com quartzo e feldspato, cerâmica grossa e sem decoração, com alisamento na parte externa e interna. A forma das bordas variou entre bordas introvertidas e extrovertidas (Figura 8). Caiteté Simples: apresenta a técnica de manufatura acordelada, com tempero areia fina misturada com fragmentos de rocha (quartzo e feldspato), cerâmica fina, com alisamento na parte externa e interna. A forma das bordas variou entre introvertida e extrovertida (Figura 9). Itacaiúnas Corrugado: apresenta a técnica de manufatura acordelada, com tempero areia fina misturada com fragmentos de rocha (quartzo e feldspato), cerâmica grossa, com técnica do alisamento na parte interna e impressões na parte externa, cerâmica com decoração corrugada e com presença de bordas introvertidas (Figura 10). Foi observado que a técnica de manufatura acordelada era comum em todos os tipos; que o tempero areia com fragmentos de rocha também era comum; e que ocorre variação na espessura da cerâmica. Segundo Figueiredo (1965), nos sítios em áreas de terra preta, a cerâmica tipo Itacaiúnas Simples ou Corrugado estava frequentemente abaixo da cerâmica do tipo Caiteté Simples. Figueiredo (1965), influenciado pelas obras de Métraux (1927, 1928 e 1948), associou a cerâmica com presença de pintura e corrugado à ocupação de grupos Tupi vindos da costa após o contato com o europeu. Com isso, o autor considerou a cerâmica como de origem Tupi. Diagnosticada como uma antiga cultura indígena, distinta da Kaiapó-Xikrin, que tem ocupado a área em tempos históricos recentes, a coleção apresentava traços da cerâmica Tupi-guarani. Em 1972, Mário Simões, também pesquisador do MPEG, inicia a fase de pesquisas sistemáticas de cunho arqueológico em áreas do sudeste paraense. Com o objetivo de cadastrar novos sítios arqueológicos e definir Fases e Tradições para os contextos identificados, denomina o material analisado por Figueiredo (1965) de Fase Itacaiúnas a relacionando com a Tradição ceramista Tupiguarani (SIMÕES, 1986; SIMÕES et al., 1973; SILVEIRA et al., 2008). 332 Amazônia Antropogênica Figura 8. Vasos do Tipo Itacaiúnas Simples. Fonte: Figueiredo, 1965. Figura 9. Vasos do Caiteté Simples. Fonte: Figueiredo, 1965. Figura 10. Vasos do Caiteté Simples. Fonte: Figueiredo, 1965. 333 Amazônia Antropogênica Posteriormente, Mário Simões, juntamente com Conceição Corrêa e Ana Lúcia Machado, também pesquisadoras do MPEG, realizaram um estudo englobando, além da coleção Itacaiúnas, coletas de outras regiões do interflúvio Tocantins-Xingu. Tais coleções foram formadas por pequenas coletas assistemáticas de superfície, realizadas por etnógrafos e missionários. A partir do estudo dessas coleções, a maioria proveniente da região entre os subafluentes mais próximos da margem direita do médio Xingu, foi classificada a fase Carapanã. A cerâmica da fase Carapanã seria caracterizada pela composição da pasta com grande quantidade de grãos minerais, como quartzo e mica. Dentre os acabamentos de superfície observaram-se pinturas, corrugado, incisões, entalhe nos lábios e potes com formas profundas. Entre as peças da coleção haveria uma possível urna funerária com corpo corrugado (SIMÕES et al., 1973). Assim como a fase Itacaiúnas, a fase Carapanã seria associada à “Tradição Tupiguarani costeira” (SIMÕES et al., 1973, p. 134). No entanto, diferentemente da fase Itacaiúnas, a fase Carapanã possuiria em seu conjunto, além de peças associadas à cerâmica Tupiguarani “[...] outros padrões estranhos a tal tradição, como o modelado de alças zoomorfas, característicos da tradição Incisa Ponteada Amazônica” (GARCIA, 2012). Nesse caso, apesar de as coleções da fase Carapanã possuírem um “padrão estranho” em relação ao material diretamente associado à tradição Tupiguarani, todo o conjunto possuiria a mesma característica de pasta, atributo fundamental para a classificação que guiava a metodologia de análise das coleções na época (SIMÕES et al., 1973). Posteriormente surgiram duas grandes pesquisas importantes para a compreensão da ocupação humana no sudeste do Pará: as pesquisas na área da construção da UHE Tucuruí (ARAÚJO-COSTA, 1983; SIMÕES; ARAÚJO-COSTA, 1987) e na área de implantação do “Projeto Ferro Carajás” (LOPES et al, 1988). Na década de 1980, durante as pesquisas feitas na região de Carajás, foram identificados, na Bacia do rio Itacaiúnas, 51 sítios cerâmicos no baixo curso dos rios Parauapebas e Itacaiúnas. Estes sítios estavam situados próximos aos rios, em áreas cuja terra preta apresentava espessura média de 30 cm, o que sugeria uma certa permanência no local. Segundo Simões (1986), as características da cerâmica coletada nesses sítios, especificamente o antiplástico e a decoração, apresentam elementos que a associam à fase Itacaiúnas. As datações para estes sítios cerâmicos ficaram entre 1670 e 440 anos AP. (LOPES et al., 1988; SILVEIRA, 1994). Em síntese, baseado nas características sociais e econômicas dos povos Tupis-Guaranis atuais, concluiu-se que a Fase Itacaiúnas representa um padrão arqueológico caracterizado por sociedades agrícolas com alto grau de conhecimento sobre o ambiente explorado, com o domínio da tecnologia de produção de cerâmica e processamento de alimentos (produção de farinha e de 12 produtos extraídos de diversos tubérculos e outras plantas). A sociedade se reunia em conjuntos de aldeias muito bem organizadas e possuía complexas regras de comportamento cultural e religioso. A idade alcançada pela fase Itacaiúnas é de nossa era e teria existido durante, aproximadamente, 1200 anos (SIMÕES, 1986). Mas a partir de 2000, em virtude da implantação de novos empreendimentos minerários, na região sudeste do Pará começam a ser desenvolvidos levantamentos complementares de sítios arqueológicos. Nesse contexto, o MPEG ficou responsável pelas pesquisas 334 Os estudos realizados na Serra do Sossego foram coordenados inicialmente por Marcos Pereira Magalhães e posteriormente por Edithe Pereira, no âmbito do Projeto Sossego. Esses estudos, relacionados ao empreendimento de exploração de minério de cobre situado no município de Canaã dos Carajás/PA, identificaram seis sítios arqueológicos e sete ocorrências. Essas ocorrências são geralmente relacionadas a achados fortuitos, mas dado o estado de degradação ambiental da região, esses achados podem indicar locais de atividades diferentes de habitação. Dos identificados como sítios arqueológicos foram coletados mais de seis mil fragmentos cerâmicos. Amazônia Antropogênica arqueológicas em duas áreas: a Serra do Sossego e a Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri, ambas situadas na bacia hidrográfica Araguaia-Tocantins e drenadas pela bacia do rio Itacaiúnas, tributário da margem esquerda do rio Tocantins. A análise dos fragmentos possibilitou maior conhecimento acerca da cultura ceramista da região. A maioria dos fragmentos cerâmicos coletados nesses sítios não possui decoração (92,3%). Os fragmentos decorados correspondem a 7,6% do total (513 fragmentos), nos quais as decorações predominantes são o vermelho (48%), o corrugado (32%) e o inciso (8.2%). Outras decorações como aplicado, raspado, acanalado, ungulado e associação destas decorações com vermelho ocorrem em quantidade pouco expressiva. Os antiplásticos predominantes são a areia e a rocha triturada. Outros antiplásticos foram registrados, mas em quantidade insignificante (PEREIRA et al., 2008). Apesar de terem sido identificados seis sítios e sete ocorrências, em virtude do alto grau de impacto negativo causado por atividades humanas recentes (pecuária e garimpo), apenas um dos sítios pôde ser escavado adequadamente – o sítio PA-AT-247: Domingos. Este sítio localiza-se na margem direita do rio Parauapebas, com área de terra preta que não ultrapassava 35 cm de espessura, e cujo material arqueológico (lítico e cerâmico) encontra-se associado a ela. Foram identificadas manchas de terra preta descontínuas onde os pesquisadores encontraram vasilhames inteiros e semi-inteiros, fragmentos cerâmicos e artefatos líticos, pingentes, marcas de esteio etc. Além das manchas, também foram encontradas concentrações de vasilhames e urnas enterradas (algumas com restos de ossos humanos), mas em menor quantidade. A cerâmica da área do Sossego apresentou as seguintes características: manufatura por acordelamento; antiplástico de areia e rocha triturada; decoração corrugada, ungulada, vermelha e incisa. Segundo Pereira et al. (2008), a morfologia dos vasilhames (Figura 11) e demais características permitem considerar esta cerâmica como pertencente à Tradição Tupiguarani. As datações obtidas confirmariam a relação dessa cerâmica com as da fase Itacaiúnas encontradas na região de Carajás como um todo. As datações obtidas para os sítios identificados foram as seguintes: 710 AP e 590 AP (Sítio PA-AT-244: Pista de Pouso); 540 AP e 260 AP (Sítio PA-AT-274: Estrada); e 670 AP e 520 AP (Sítio PA-AT-252: Sequeirinho) (PEREIRA et al., 2008: 53). Se as pesquisas no Sossego não recuaram as datações da Tradição Tupiguarani na região, recuaram bastante nas pesquisas arqueológicas realizadas em 2003, na Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri, coordenadas por Maura Imázio da Silveira através do Projeto Salobo. 335 Amazônia Antropogênica Figura 11. Vasilhame cerâmico com decoração corrugada encontrada no Sítio Domingos. Fonte: Pereira et al, (2008). Em geral, os sítios arqueológicos localizavam-se próximos às margens dos igarapés Salobo, rio Cinzento e igarapé Mirim (SILVEIRA et al., 2003). Na área do Projeto Salobo foram identificados dois tipos de sítios arqueológicos ceramistas: sítios de pequenas dimensões, com baixa densidade de material arqueológico e pouco profundos; e sítios com terra preta arqueológica e/ou marrom atingindo a profundidade de 60 cm, com grande quantidade de material cerâmico e material lítico lascado ou polido. A ocorrência desses diferentes tipos de sítios aponta para diversas dinâmicas de ocupação do espaço, sugerindo áreas de ocupações a curto prazo (acampamentos, atividades sazonais ou especiais) e áreas de ocupações a longo prazo (habitação). Quanto ao material cerâmico coletado, identificou-se o acordelamento como a principal técnica de manufatura, o uso da rocha triturada como antiplástico predominante e decorações como corrugado, espatulado, inciso, escovado, raspado, ungulado ponteado, roletado e impresso (SILVEIRA et al., 2003, 2004). Foram encontrados, ainda, alças, rodelas de fuso e apliques que geralmente representavam motivos zoomorfos. Pelas características observadas, o material arqueológico coletado no Projeto Salobo também apresenta traços da fase Itacaiúnas e está relacionado à Tradição Tupiguarani. Porém, Silveira et al. (2008) propõem para a área uma sequência cronológica cujas datações obtidas estão entre 6000 AP e 200 AP, indicando 5800 anos de ocupações e reocupações. A datação mais antiga está relacionada a uma ocupação pré-ceramista sob outra ceramista, cuja 336 De maneira geral, o material cerâmico do sudeste do Pará possui características tecnológicas e estilísticas que foram academicamente aceitas como relacionadas à Tradição Tupiguarani (BROCHADO, 1991; PROUS, 1992). Em Carajás, a presença desta cerâmica em sítios arqueológicos localizados em áreas adjacentes aos rios Itacaiúnas e Parauapebas vem sendo documentada desde a década de 1960 (FIGUEIREDO, 1965; ARAÚJO-COSTA, 1983; SIMÕES; ARAÚJO COSTA, 1987). De fato, trabalhos antigos e recentes têm demonstrado a recorrência de sítios cerâmicos filiados à Tradição Tupiguarani em várias regiões do sudeste paraense, incluindo a grande região de Carajás (ALMEIDA, 2008; GARCIA, 2012; SILVEIRA, 2004; SILVEIRA et al., 2008; PEREIRA, 2003a, 2003b; PEREIRA et al., 2008), o que atesta ser uma área propícia a fornecer dados relevantes acerca do desenvolvimento e deslocamentos desses grupos (BROCHADO, 1984, 1991; HECKENBERGER et al., 1998; NOELLI, 1996). No entanto, elementos tipicamente amazônicos ou sem as características diagnósticas desta Tradição vêm sendo cada vez mais observados (PEREIRA et al., 2008; SILVEIRA et al., 2008; GARCIA, 2012), o que a remete não só às tradições arqueológicas tipicamente amazônicas, como recoloca a questão da definição das fases e suas tipologias diagnósticas, tal como são postas, a serem adequadas ou não para a compreensão da história da ocupação humana na Amazônia. Amazônia Antropogênica cerâmica em vários sítios apresenta idades que ultrapassam 2.000 anos (cf. datações do Anexo 1 do capítulo anterior ). Vale aqui destacar a cerâmica encontrada nas cavidades, sobre a qual ainda não há um estudo mais detalhado, embora boa parte seja relacionada às demais cerâmicas encontradas nos sítios não abrigados. Algumas das poucas datações situam-na para além do quinto milênio antes do presente. Por outro lado, as características que extrapolam os padrões diagnósticos da Tradição Tupiguarani vêm se tornando cada vez mais comuns entre eles, não estando claro qual o seu papel sociocultural. Sem esquecer de mencionar, é claro, que nada se sabia sobre as transformações ambientais realizadas pelos os povos que as detinham, apesar dos imensos e numerosos castanhais que existiam no sudeste do Pará até a década de 1970. De todo modo, ao considerarmos o contexto como um todo, é possível observar um conjunto de evidências que nos remete a assentamentos com formato circular ou semicircular, conjugados com áreas de ocupação com os mais variados fins. Essas áreas, como o Mangangá, o Mirim e o Boa Esperança II, que são antigos assentamentos multicomponenciais, indicam uma continuidade de longa duração, com mudanças relevantes no modo de produção e ambientes associados com significativa formação antropogênica. Esses ambientes, tidos por naturais pelas populações contemporâneas, são ambientes transformados e otimizados pela ação humana desde tempos imemoriais. Além disso, Carajás, assim como Porto Trombetas, confirmam a ascendência interfluvial dos seus assentamentos sobre aqueles às margens dos grandes rios e a antiguidade holocênica da ação humana sobre os ambientes amazônicos das terras firmes. Esses ambientes transformados, mesmo quando eram ocupados por populações indígenas antigas, especialmente da Cultura Neotropical tardia, na verdade são artefatos humanos que não precisam mais do Homem para se manter e se expandir e, por tudo isto, são antropogênicos. 337 Amazônia Antropogênica ESTADO E PODER na Amazônia antropogênica Marcos Pereira Magalhães TUPÃ CONTRA LEVIATÃ Este capítulo vai enfocar a organização sociopolítica das sociedades que compuseram a Cultura Neotropical na Amazônia Antropogênica. Aqui será destrinchado o conceito de social no sentido amplo do termo, já prefigurado em capítulos anteriores. Veremos que a ideia de sociedade como um conjunto do tipo ordem coletiva natural-cultural pode alterar o modo iluminista como ainda nos observamos individualmente. Veremos que o discurso proposto não tratará apenas da apresentação de conceitos, mas, sobretudo, dos modos possíveis como uma sociedade pode organizar suas relações de poder. Vamos, enfim, questionar a premissa de que o incremento da complexidade na organização da sociedade gera, necessariamente, unidades políticas fortemente centralizadas ou estruturas sociais hierarquicamente constituídas, e que estas, uma vez estabelecidas, seguiriam um rumo pseudonatural de desenvolvimento, ascensão e queda. Antes de qualquer coisa, deve-se considerar que a conquista e a colonização europeias provocaram, desde o século XVI, de modo acelerado e irreversível, a desconstrução caótica do mundo ameríndio. Ainda que indispensáveis, a etnologia e a etno-história, como consequência da galopante desconstrução instaurada, não são parâmetros precisos para entendermos como as sociedades complexas amazônicas se organizavam politicamente antes do apocalipse desencadeado pelos conquistadores. De todo modo, elas são as disciplinas que melhor complementam a arqueologia nos estudos sobre as relações políticas indígenas anteriores à conquista. Por seu turno, as pesquisas arqueológicas na Amazônia ainda não apresentaram quaisquer provas de estruturas culturais que confirmassem organizações de poder semelhantes a impérios ou cacicados, tal como tradicionalmente definidos. Porém, ainda que apresentem evidências de Estado, o tipo de Estado organizado pelas sociedades indígenas não tem por base nem a centralização 339 Amazônia Antropogênica política, nem a coerção, nem a desigualdade social. Muito pelo contrário. Na Amazônia (mas não só), o Estado seria inerente a toda população socialmente organizada, independentemente do nível de complexidade. Mas as sociedades amazônicas não tinham soberanos e nem serviam a alguém, pois a ordem de suas relações políticas era caracterizada ou pela ausência ou pela insignificância da sujeição. Para entendermos este aspecto com o devido cuidado, devemos desviar o foco centrado na questão da capacidade das populações complexas amazônicas terem constituído sociedades centralizadas hierarquicamente, tal como proposto pelas teorias neoevolucionistas, e mirá-lo no entendimento ontológico do conceito de Estado. Neste sentido, citamos Thomas C. Patterson (2005), em “A especialização do trabalho, a formação do Estado e a reorganização das relações de produção”. O autor inicia o seu texto mostrando como a ideologia do evolucionismo cultural levantou seus pilares sobre as ideias de filósofos e economistas do século XVIII. Apesar da sua linha de análise ser bastante distinta da que será aqui apresentada, sua perscrutação do pensamento arqueológico incentiva-nos, seguindo os percursos do seu raciocínio, a questionar um dos esteios da teoria dos cacicados, sobretudo aquele que versa sobre os modos de organização dos poderes sociais e políticos nas antigas sociedades amazônicas. A base da orientação filosófica e as preocupações teóricas aqui nada têm a ver com as de Patterson, mas também são articuladas na observação arqueológica. O viés dessa observação pode ser particular, aliás, como toda observação em si, já os objetos observados são efetivamente da natureza da disciplina. O fato de seguirmos um caminho tão distinto é só uma prova da flexibilidade que a ciência nos permite, desde que se entenda que a compreensão do mundo depende do modo como se observa o observável. Como afirma Kuhn (2006), todo argumento especifica o seu domínio de validade e, portanto, especifica também o universo no qual é válido. Por outro lado, sempre é bom lembrar que algumas ideias se mascaram tão enraizadamente na teoria acadêmica, que nem mesmo quando um estudioso concatena sobre essas mesmas ideias consegue vislumbrar qualquer traço crítico sobre elas. E assim reproduzem-nas como se elas compusessem uma sinfonia de verdades absolutas, fonte para as mais diversas afirmações, cujos argumentos científicos daí derivados tomam a aparência de inquestionáveis. Na história da ciência temos diversos exemplos, especialmente nos primórdios da evolução científica, já que no presente os estudiosos podem estar ainda muito envolvidos pela ilusão da “inquestionalidade” de certos pensamentos. Por conta disto, acabam desaparelhados para notar o quanto um argumento dominante pode estar equivocado. Sendo assim, neste capítulo trataremos de uma teoria particular, aquela que discute sobre as relações de poder. Portanto, quando os arqueólogos falam que as elites ameríndias emergentes das sociedades complexas foram organizadas em cacicados competitivos, segundo o modelo proposto por Carneiro (1981), eles parecem ignorar: a) que os colonizadores europeus visavam à cultura estrangeira em seu todo como um valor a ser apropriado e domesticado; b) que a base desse pensamento herdado pelo evolucionismo cultural tem raízes no Iluminismo do século XVII, nos trabalhos dos filósofos morais escoceses e dos economistas políticos clássicos do final do século XVIII, e no evolucionismo 340 Amazônia Antropogênica social desenvolvido no século XIX. E isto ocorre mesmo quando amenizam a importância desse modo de organização política, ao flexibilizarem a lista de variáveis que caracterizariam as sociedades complexas, como o aumento da competitividade, da produtividade e da densidade populacional, que forçaria a promoção política das instituições de mando, pois, além de aceitarem a ausência de uma variável ou outra (definindo essas ausências como um fator de inexistência de ordens políticas estatais), elegem a combinação de algumas como suficientes para evidenciar a existência de cacicados ou chefatura ( ROSTAIN 2010). Porém, alguns estudiosos, como Meek (1976), já alertavam que a ideologia do evolucionismo cultural, que ainda fundamenta o estudo da organização das sociedades antigas americanas, deriva, entre outros, mas em especial, do pensamento de Adam Smith (1723/1790). Pois há demasiada distância entre as teorias de Smith, que teve origem no chamado Iluminismo Escocês, quando da ascensão do capitalismo ocidental, e os modos de organização política e econômica das sociedades ameríndias pretéritas, particularmente,as amazônicas. Para Smith, a divisão do trabalho e a hierarquia social iam-se acentuando conforme as sociedades se tornavam mais populosas, complexas e novas técnicas iam sendo descobertas e incorporadas (SMITH, 1978). O problema, como alerta Patterson (2005), é que em Smith, os motores do desenvolvimento econômico – a divisão crescente do trabalho e a produção para o mercado – são sucessivamente enraizados no setor industrial e não na agricultura. Dessa forma, o esquema conceitual adaptado pelos evolucionistas culturais é uma simplificação da teoria econômica política clássica e uma forma não problematizada de mudança histórica, que seria um subproduto ocasional de processos políticos e econômicos tidos como naturais. Além da ideia de evolução social baseada no evolucionismo cultural, por sua vez, baseado em conceitos elaborados no século XVIII, outra questão associada a esta problemática se refere ao conceito de Estado. Foi a filosofia de Thomas Hobbes (1588/1679), desenvolvida no século XVII, que criou as bases para o desenvolvimento do conceito de Estado, largamente utilizado na modernidade, especialmente nas sociedades ditas democráticas. Hobbes está na raiz do pensamento iluminista sobre a constituição do Estado, embora ele mesmo tenha vivido em pleno Renascimento. Como notório mecanicista e racionalista que era, Hobbes cria as bases para a ideia jurídica do Estado, ou seja, quando a sociedade, tirada do jugo do monstruoso e caótico Leviatã, através da criação e controle de leis de conduta, sai da barbárie e se torna plenamente civilizada. Deste modo, uma sociedade só passa a ser aceita como estatalmente organizada quando já possui um corpo jurídico suficientemente forte para estabelecer direitos e deveres entre cidadãos e instituições. Entre estes últimos, são as instituições que organizam os cidadãos e, entre elas, são as que compõem o aparato de governo, as quais representam e controlam os aparelhos do Estado. Com isto, além de controlar as relações de poder, o governo passa a se confundir com o próprio Estado. Esta filosofia, ainda muito adiantada para o mundo pós-medieval de então, foi largamente aceita e mundialmente difundida somente no século XIX. Registre-se que no século XVIII, a partir do Espírito das Lei, de Montesquieu (1748) e do Contrato Social, de Rousseau (1762), iniciam o controle sobre a esperteza do príncipe 341 Amazônia Antropogênica maquiavélico, de Maquiavel (1513), ao mesmo tempo em que garantem a ele, sob o rigor jurídico, o controle do Estado. É isto que permite o sucesso das revoluções republicanas e a redescoberta do Leviatã controlado, de Thomas Hobbes. A hegemonia deste pensamento só cede com os marxistas, que, apesar de reconhecerem que governo e Estado são coisas distintas, acreditam na concepção de que o Estado é uma composição de relações de poder antagônicas, dominada pela classe dominante. Na arqueologia, apesar de extremamente materialista e determinista, a doutrina marxista tem servido de inspiração para diversos estudos voltados para o entendimento da formação de sociedades agricultoras chamadas de pré-capitalistas. Contudo, esses estudos, como se pode observar nos do próprio Patterson (Op. cit.: 202), esbarram na limitação sobre o entendimento superficial do conceito de Estado, que só surgiria após a dissolução das regras de parentesco e da cristalização de estruturas de classes e de instituições estatais que garantiriam relações sociais de exploração. Outra importante questão vem à tona nas citações dos arqueólogos que tratam das relações políticas entre as antigas sociedades amazônicas. Trata-se da não menos problemática afirmação de que existiriam hierarquias organizadas competitivamente. Esta ideia tem origem no darwinismo social desenvolvido no século XIX por positivistas organicistas, que se basearam nas ideias de Charles Darwin (1809-1882) e de Herbert Spencer (1820-1903). Este último exerceu maior influência, especialmente pelas interpretações racistas que fizeram da evolução social humana. Para Spencer, os elementos constitutivos da vida passam por modificações propiciadas pela redistribuição da matéria e do movimento, gerando mudanças que operam em um contínuo do menos ao mais complexo, através de sucessivos estágios, enquanto fato universal que englobaria os organismos e as sociedades. Além disso, afirmava que no processo da evolução social, há uma luta pela supremacia entre os povos ou entre as pessoas, a qual estabelece, de forma natural, a superioridade e a persistência do mais forte sobre a subordinação do mais fraco. Afirmação esta que interpretaram literalmente. O evolucionismo social ou cultural, de maneira geral, pode ser definido na crença de que as sociedades mudariam e evoluiriam em um mesmo sentido linear e invariável e que tais transformações representavam a transposição de um nível menos elevado para um estágio superior. Este é o esquema proposto por Lewis Morgan (1818-1881), que dividiu a evolução das sociedades humanas entre selvagens (sociedades de caçadores-coletores), bárbaros (sociedades agricultoras) e civilizados (sociedades industriais). Assim, de maneira análoga ao desenvolvimento humano, as sociedades também estariam sujeitas à lei da seleção natural. Em um determinado contexto, prevaleceriam as sociedades mais aptas e capazes, sendo as outras extintas pela luta com as mais “desenvolvidas” ou pela dificuldade de superar obstáculos naturais. Com o tempo, as sociedades mais hábeis foram prevalecendo, em detrimento de outras que não conseguiam prosperar dentro do ambiente hostil. A diferença fundamental entre essas ideias e as dos economistas do século XVIII era a força que a origem natural da sociedade teria sobre as leis, na luta pela sobrevivência. Para a tradição humanista, esta poderia ser ordenada por leis sociais; já para os evolucionistas, regidas por leis biológicas naturais. 342 Amazônia Antropogênica Um dos primeiros pensadores a aplicar à sociedade política os princípios da seleção natural e da variabilidade natural foi Walter Bagehot (1826-1877), que destacou a luta essencial entre os grupos. As lutas não seriam somente de indivíduos. Ao contrário, seriam conduzidas por grupos de homens. As tribos mais coesas e possuidoras de variabilidade prevaleceriam sobre as demais, representando a sobrevivência das mais aptas. A coesão seria a principal característica dos vitoriosos na luta dos grupos sociais. E a variabilidade seria o fator que daria sentido à luta pela existência, pois resulta em um melhoramento da organização biológica ou social. Outro representante do evolucionismo social foi o judeu polonês Luidwig Gumplowicz (1838-1909). Para este, o grupo é mais importante que o indivíduo, porque este é produto daquele e o Estado, além de natural, é resultado do poder resultante da luta entre raças (grupos sociais) diversas. Assim, ele considerava que o Estado surgiu da submissão violenta de hordas débeis a hordas mais fortes (Urhorden) que se encontravam na forma de EstadoNómada (Urschwärme), a primeira forma de Estado. O Estado se manteria como uma relação entre vencedores e vencidos, entre dominadores e dominados, portanto, seria uma organização de domínio e ordenamento da desigualdade. Para completar, pensadores como Gustav Ratzenhofer (1842-1904) e Albion Small (18541926) afirmavam que o determinante básico da transformação social era biológico. Estes autores acreditavam que a teoria da evolução biológica poderia ser transplantada para a Sociologia, substituindo os organismos por grupos. Consequentemente, a sociedade seria um mundo de grupos sociais em conflito. Porém, no decorrer do século XX, destacase o norte-americano William Summer (1913-1995), para quem os Homens estão de tal forma condicionados pelas leis sociais e biológicas como estão pelas leis da física. A lei essencial seria a da evolução, que origina a controvérsia do Homem contra o Homem e do Homem contra a natureza, gerando o progresso e a sobrevivência do mais hábil. Para Summer, as dificuldades não deveriam ser censuradas, mas sim combatidas. Esta seria a lei social primeira. Com isso, pode-se concluir que o evolucionismo social não é um mero subproduto ideológico acidental de uma teoria científica, visto que, na versão spenceriana, ele sucedeu a obra de Darwin que foi uma das fontes diretas da sua inspiração. E, apesar do evolucionismo social já ter inspirado dois subprodutos notoriamente genocidas: a eugenia na ciência e o nazismo na política; suas ideias sobre a formação do Estado e as relações políticas ainda encontram eco na interpretação arqueológica sobre as relações políticas das sociedades complexas amazônicas – fato estabelecido porque na contextualização do evolucionismo social na história do pensamento da arqueologia, na qual é abrigado o evolucionismo cultural da Escola Histórico-Cultural norte-americana, pode ser constatado que essa teoria tem ignorado largamente a influência ideológica de fatores políticos na trajetória da disciplina. E este é um dos motivos que obscurece o modo pelo qual o contexto influencia os termos orientadores da pesquisa e os conteúdos dos conhecimentos científicos produzidos. Por fim, sobressai uma última questão – a que está inserida indiretamente nas observações aqui apresentadas – e que se refere à característica fundamental do Estado. Desde o século XVIII, quando o Estado moderno começou a ser pensado, foi considerado como 343 Amazônia Antropogênica o resultado da socialização humana, fosse por questões de ordem social ou biológica. Para o bem ou para o mal, através do crescimento populacional, da conquista de novas técnicas de produção, da divisão do trabalho, do conflito e da luta entre sociedades ou entre classes, o Estado seria o resultado final a ser atingido por uma sociedade ao alcançar determinado nível de complexidade sociocultural. Não obstante, a partir do século XIX, com o refinamento da ideia do direito positivo, já prefigurado por pensadores como Montesquieu, Rousseau e outros, e o posterior fracasso, no século XX, da política biológica concretizada por nazistas e fascistas, consolidou-se a ideia de uma Teoria do Estado em que as ordenações sociais não são fruto de uma ordem natural, mas tão somente de regras sociais normativas (HELLER, 1968; COUTO E SILVA, 2003). É nesta última ideia que todos os Estados modernos se fundamentam sobre as normas sociais legalmente constituídas. No entanto, essa discussão sobre a naturalidade ou normalidade legal do Estado não tem qualquer sentido, devido a um fato muito simples, pois, como observou Viveiros de Castro (2002), mesmo que a antropologia americana tenha-se concentrado no par cultura/ natureza, tomando o segundo conceito ora no sentido de natureza humana (analisando a padronização efetiva e cognitiva dos indivíduos pela cultura ou, ao contrário, buscando estabelecer constantes psicológicas transculturais), ora no sentido de natureza não humana, como no caso das tendências ditas materialistas, que concebem a cultura como instrumento e resultado de um processo de adaptação ao ambiente, o Homo sapiens sapiens, que é, por si, um ser natural, sempre produz, seja lá o que for, por instinto ou artifício, uma expressão da própria natureza. Ou seja, as ordenações sociais, culturais ou políticas são, em qualquer tempo ou espaço humano, manifestações da natureza, não importando o quanto haja de artifício nelas. Assim, a ordem estatal de uma sociedade é, em qualquer circunstância, natural. Por ser natural, especialmente quanto à natureza humana ou social, a ordem estatal pode se estabelecer desde muito cedo, independente do grau de domínio tecnológico ou territorial, da condição econômica ou da complexidade cultural de uma dada sociedade. Por outro lado, justamente porque a organização da sociedade é, em geral, instituída segundo as normas e os hábitos culturais específicos do grupo, esta pode assumir as mais variadas formas, com características e padrões políticos bem distintos, em relação a outras sociedades estatizadas. Por ser um artifício inerente à condição natural da sociabilidade humana, não há um gatilho cronológico ou de ordem econômica que determine a formação do Estado. Para que se inicie o processo, não é necessário o domínio de uma técnica que conjugue o controle do território, a produção e a divisão do trabalho. Enfim, não é preciso haver agricultura, pastoreio, cidade ou indústria. É essencial que haja um grupo organizado, segundo as tradições estabelecidas na sociedade, em que a legitimação dos poderes individuais e coletivos seja o campo das manifestações agenciadas por esses mesmos poderes. É a partir dessa forma de organização que o Estado encontra as condições favoráveis ao seu desenvolvimento. Também não há um padrão universal para a estatização dos poderes individuais e coletivos. Este padrão pode variar conforme a história da própria sociedade, cujas relações de poder instituídas são conjugadas com as interações e vínculos que os Homens 344 Amazônia Antropogênica mantêm tanto com os ambientes em que se encontram os recursos naturais a serem explorados ou extraídos, quanto com os Homens de grupos sociais distintos. Há, portanto, muitas variáveis imanentes às sociedades amazônicas. Todavia, mesmo que não se identifique um padrão universal, pode-se observar um padrão regional, não necessariamente inflexível e onipresente. Esta flexibilidade se justifica pela diversidade de etnias, línguas, cosmologias e até de saberes sobre astronomia e matemática, entre outros fatores que permeiam as relações sociais e de poder entre as sociedades regionais. O objetivo deste capítulo não consiste em externar uma mera vertigem teórica sobre a sociologia do poder, mas apontar o padrão de uma ordem estatal regional, como sendo distinto dos padrões iluministas e dos modelos até agora utilizados para explicar a formação política dos povos amazônicos. Tampouco se trata de um simples exercício de desconstrução dos conceitos preexistentes. Ao contrário, trata-se da tentativa de apresentar os traços de um padrão político que reflete uma rede regional complexa e integrada, com base nas inter-relações estabelecidas entre as sociedades amazônicas, cujas dinâmicas configuram alianças culturais, econômicas e cosmogônicas através das inteirações materiais e simbólicas. Para chegar ao ponto aqui pretendido, o enfoque direciona-se ao desenvolvimento das relações de poder. O primeiro passo foi reconhecer os modos possíveis das práticas de poder, norteado pela análise de Foucault. O segundo, ainda dentro desta problemática, foi entender como Weber coloca a questão das relações sociais frente aos tipos de dominação definidos como tradicional e carismático. Por último, buscou-se compreender a definição ontológica de Badiou (1988) sobre o “estado da situação histórico-social”. Este capítulo pauta-se no princípio de que também há um longo período de gestação das relações geopolíticas, cujos fundamentos têm origem na reorganização, no decorrer dos acontecimentos, das experiências históricas obtidas em estágios precedentes e nos lugares próprios das suas manifestações, ainda que esses fundamentos possam sofrer interferências episódicas. Portanto, deve-se entender que cada uma das experiências de poder, além de única e diferencial, também é componencial. Sendo assim, é a conexão inteirativa entre as experiências práticas e as sensíveis, que altera as estruturas sociais, as relações políticas e a situação histórico-social originais. Este é o princípio que servirá de alicerce para a aplicação do conceito de Estado formulado a partir dos conceitos de poder de Weber, Foucault e Badiou. Tomando como base teórica os autores citados, a ideia formulada é de que o poder estaria além das relações de força e se constituiria por meio de tensões contrárias em acomodação. Longe de admitir que as fontes de poder residem exclusivamente no controle dos recursos, do trabalho e do comércio, segundo a abordagem essencialmente materialista – propomos, tal como Blanton (1995), que inúmeras dimensões imateriais do comportamento são essenciais no processo não markoviano de instauração formal da diferenciação social. Com isso em mente, fazemos uma análise crítica das interpretações sobre o nível de complexidade sociocultural e, em especial, sobre as relações políticas atribuídas às sociedades indígenas amazônicas. Utilizando dados arqueológicos e etno-históricos (com ressalvas), tentaremos mostrar a possibilidade 345 Amazônia Antropogênica concreta de se construir um modelo sociopolítico vinculado ao modo de vida desenvolvido pelas sociedades da Cultura Neotropical. Esse modo de vida, por sua vez, caracteriza a noção comum, composta por diversos padrões socioculturais autossimilares. Entre esses padrões estão aqueles constituídos por relações sociais específicas, como as atribuídas às sociedades da Cultura Tropical, dos caçadores-coletores-pescadores amazônicos, que estariam na base formativa das culturas agricultoras posteriores. Enfim, tentaremos mostrar de que forma os povos como os Tupiguarani, por exemplo, através de suas entidades cosmogâmicas como Tupã, foram capazes de controlar o caos social representado pelo monstro Leviatã e, inclusive, o monopólio da força política e do poder exercido pelo governo. OS MODOS DE SER DO PODER Considerando que a história torna os acontecimentos inteligíveis, quando o historiador dá à narrativa o sentido que apreende segundo a sua perspectiva, a veracidade da explicação histórica pode residir naquilo que Paul Veyne (1971: 116) chama de “explicações familiares”, contanto, é claro, que se entenda a escrita histórica como uma narrativa. A verdade histórica depende até certo ponto, das expectativas, das experiências e das convicções do historiador, relativamente independente dos fatos ou dos documentos disponíveis. Constatamos, com isto, que outro historiador pode narrar acontecimentos completamente diferentes, a partir dos mesmos fatos e dos mesmos documentos, pelo simples fato de ter expectativas, experiências e convicções pessoais distintas. Enfim, o objeto pode oferecer tantas leituras a quantos olhares forem lançados sobre ele – situação que também ocorre com a narrativa arqueológica. Porém, existem métodos e técnicas balizadas pelos rigores científicos, que permitem ao arqueólogo a construção de uma narrativa mais plausível. Ademais, uma narrativa pode até ser mais verdadeira que outra, por estar mais próxima da realidade abordada; por ser mais acurada em relação aos fatos que se apresentam; por ter definido o objeto de estudo com base nos parâmetros que permitam estabelecer conexões mais abrangentes entre os saberes até então dispersos. O problema é que às vezes, como observou De Masi (2003), temos o rigor pelo rigor, renovando constantemente o controle acadêmico, que se torna imperativo e impessoal. Esse controle forja ideias que se cristalizam pela força da repetição. Em função disso, passamos a encarar o mundo sob a ótica do hábito. E não importa quão diferente seja a realidade que vislumbramos, pois tendemos a acreditar que a realidade é que está errada e nos esforçamos para adequá-la ao costume que nos “domesticou”. Hoje parece ridículo, mas no século XVII, quando os acadêmicos observaram pela primeira vez os espermatozoides através do microscópio, viram-nos como homúnculos. E mesmo com vistas armadas, enxergaram somente o que queriam, e concluíram: Deus tinha colocado todos os seres humanos dentro dos testículos de Adão, em vez do ovário de Eva. Os animais e os Homens já nasciam tal como eram, prontos para crescer, em cada espermatozoide ejaculado (PINTO CORREIA, 1998). 346 Amazônia Antropogênica Por conta dos hábitos acadêmicos adquiridos, talvez por força de certos olhares previamente condicionados, esperamos encontrar na evolução social e política dos povos de todo o mundo, a tendência a uma complexidade social cada vez maior, mas que invariavelmente organiza as relações de poder em segmentos hierarquizados, previsíveis e universais, cuja manifestação provém de um núcleo central, de onde emana toda a força. E tudo isto, segundo o controle dos recursos, do trabalho, do território, do comércio, guiado pelas rédeas das leis ou de uma liderança central conquistada pelo costume, pelo voto ou pela força. Em resumo, parece que o poder só pode ser compreendido a partir de experiências políticas inevitavelmente centralizadoras, nas quais os segmentos socioculturais se estratificariam hierarquicamente, e somente a partir de certo nível de complexidade socioeconômica e estruturação urbana. Isso é parcialmente verdadeiro para os Estados antigos da Mesopotâmia, do Egito, do Mediterrâneo e, em parte, para certos Estados modernos. Todavia, já não é tão verdadeiro quando examinamos as bases das relações sociais em geral, tal como observado nas sociedades anteriores às arianas, que se formaram no vale do Indo e, em especial, nas terras baixas da Amazônia. Ou seja, possivelmente existiram – ainda existem ou venham a existir – outros modos de organização do poder, nem centralizados, nem estratificados, nos quais os poderes convergentes não seriam mais importantes do que os divergentes. E esses outros modos descentralizados e sem hierarquias sociais não significariam qualquer atavismo cognitivo manifestado por sociedades retrógradas, mas sim modos de organização política (ainda que restritos ao seu âmbito de atuação) que foram, são ou ainda serão muito mais eficazes do que os modos atualmente considerados superiores. Em uma perspectiva mais ampla, podemos considerar o estabelecimento das relações de poder como um dispositivo essencialmente estratégico. As relações de poder centralizadoras teriam surgido em face de fatores externos imanentes aos próprios poderes, e que os situaram como elementos estrategicamente elaborados. Regularmente, sempre há possibilidades de empregar diversas táticas de poder, visto que dependem somente das condições exteriores, já que as relações de poder estão, em princípio, no interior dos corpos em tensão. Todavia, interagindo com o mundo ao seu redor, as tensões sociais levam às relações de poder. Por outro lado, essas relações não devem ser encaradas apenas como uma luta ou controle dos bens materiais, mas como um acomodamento das forças produzidas pela sociedade. Dimensões “não materiais do comportamento” retiram do Homem a sujeição à condição material e permitem uma flexibilidade interna mediadora (BLANTON, Op. cit.: 106). Isto é, analogamente, as tensões tectônicas provocam o deslocamento da crosta terrestre em áreas críticas. As forças opostas geram energia que pode provocar acidentes geográficos. Entretanto, por mais violentas que sejam essas transformações, elas não se caracterizam pela luta, mas pela acomodação, pela busca de um ponto de equilíbrio. A ideia de conflito e luta são conceitos morais que, de antemão, comprometem as relações sociais. Segundo outra perspectiva, a ideia de poder poderia admitir qualidades completamente diferentes das derivadas dos conceitos de conflito e luta. Consequentemente, ao pensarmos em sociedades que interagiram entre si e também com o meio onde viveram e exploraram, podemos argumentar que as ralações de poder nessas sociedades teriam por base o equilíbrio, a inteiração entre a cultura e os recursos naturais e não o domínio da natureza através da cultura. 347 Amazônia Antropogênica As relações humanas são de ordem natural e, além disso, também são históricas, isto é, cognitivas, psicológicas e culturais. Consequentemente, elas refletem um grau de consciência que, por meio de atos planejados, pode alterar o rumo dos acontecimentos – coisa impensável para os eventos puramente físicos. Com isso, é possível entender que a integração dos fenômenos naturais (físicos) com a apreensão cognitiva, psicológica e a vivência histórica dos acontecimentos gera a consciência adequada dessa tensão que se materializa pelas estratégias desenvolvidas nas relações sociais. Como os eventos físicos são muitos e variados e os sujeitos podem apreendê-los de modos diversos, logo, as relações centralizadoras de poder são apenas uma daquelas possíveis, mesmo que alguém inadvertidamente as considere biologicamente predeterminadas. De acordo com as condições iniciais locais, as relações de poder podem se expressar de “n” formas, ou seja, ainda que a natureza humana nos favoreça com o desejo instintivo de vir a ser um macho ou uma fêmea Alfa, a consciência pode canalizar essa energia para outros focos sociais, onde prevaleça a criatividade e o altruísmo, e não a força e a competitividade. Porém, a intervenção externa e artificiosa de uma consciência previamente concebida, assim como fenômenos de ordem natural, são variações que marcam completamente, no acontecimento, os rumos iniciais da história, tornando os seus fins imprevisíveis. Michel Foucault jamais dedicou um livro ao tema do poder. No entanto é possível afirmar que este é um assunto que se espraia por toda a sua obra, sob as mais variadas formas. Sem dúvida, a questão do poder é indissociável do seu pensamento e constitui-se como um tema inerente. E, apesar de disperso em sua bibliografia, o conceito de poder de Foucault é claro, ao romper profundamente com o que ele chamou de teoria jurídica do poder. Ele afirmou que se deve estudar o poder fora do modelo do Leviatã, e pensá-lo fora do campo do Estado e, mais especificamente, da soberania e das instituições (FOUCAULT, 1999). Foucault (1979) afirmou que o poder em si não consiste em uma realidade de natureza essencial, que se defina por suas características universais. Ao contrário, o poder é uma prática social constituída historicamente; é algo que circula incessantemente, sem se deter exclusivamente nas mãos de alguém: potencialmente, todos são, ao mesmo tempo, detentores e destinatários do poder; seus sujeitos ativos e passivos. Em resumo, “o poder transita pelos indivíduos, não se aplica a eles [...] o poder transita pelo indivíduo que ele constituiu” (FOUCAULT, 1999: 35). Além disso, há formas de exercício do poder diferentes do Estado, que, mesmo longe do seu jugo, articulam-se de maneiras variadas e são indispensáveis, inclusive, à sua sustentação e atuação eficaz. Entretanto, os darwinistas insistem na ideia de que existe, sim, uma natureza de poder essencial ao Homem. Desse modo, o desejo de poder, tal como ocorre entre os indivíduos de um grupo de chimpanzés, também é natural no ser humano, no qual, não obstante, é tão maleável que pode ser humanizada pela cultura e alterada pela história. Na verdade, antes mesmo de uma sociedade organizar-se politicamente na estrutura da nação, há práticas sociais de sustentação diversas e dispersas, expandindo-se por toda a sociedade, assumindo as formas mais regionais e concretas, que podem tomar corpo a partir das estratégias de dominação ou equilíbrio: com luta ou sem luta, com ou sem 348 Amazônia Antropogênica centralização, pela a força das leis, da cooperação ou, enfim, pela força das tradições e das ações carismáticas (WEBER, 1994). Porém, as práticas formais de exercício do poder, por mais heterogêneas que sejam, ao se situarem no próprio corpo social, penetrando a vida cotidiana em todos os níveis, em que as estratégias se interpõem e se alimentam de símbolos e táticas, não só encontram um limite na barreira biológica, bem como têm na regionalização a fronteira da sua experiência global. Ou seja, não são infinitamente universais, nem heterogêneas; ou infinitamente naturais nem históricas. Considerando esta ressalva, entende-se, aqui, que a organização centralizadora da sociedade não é o organismo geral de legitimação do poder; e nem a rede de poder constituída nas sociedades é uma extensão dos efeitos da centralização. Essa rede pode se estabelecer através das relações sociais organizadas, independentemente de uma centralização ou de uma hierarquização subsequente. Ainda segundo Foucault (1979:33), há mecanismos e técnicas “infinitesimais” de poder, que estão intimamente relacionados com a legitimação de determinadas práticas sociais. Enfim, a centralização não é o ponto de partida ou o final necessário, e nem o foco absoluto que estaria na origem de todo tipo de poder social. Se fizermos um esforço de observação, verificaremos que em muitas das sociedades modernas as relações de poder, em determinadas épocas, instituíramse fora do âmbito dessas sociedades. Quando Foucault afirma que o poder não tem um centro, e que circula em um campo relacional mais abrangente, ele assegura que o político reflui a partir do alargamento da campo do poder, da extensão das suas margens mais extremas, onde o Estado desaparece enquanto centro nervoso que irradia o corpo social (MENDEZ , 2004). Contudo, a diferenciação entre a realidade do poder e o Estado, não pode ser estabelecida à custa da negação do próprio Estado, em favor de uma visão exclusivamente voltada para o corpo social (DOSSE, 1999). Na verdade, o ponto crítico fundamental refere-se aos dispositivos de poder centrados em instituições de controle e de domínio que, em nome da soberania de um dado governo, autodenominam-se senhores do Estado. Se ignorarmos a crítica ao Estado, verificaremos que em Foucault é efetivamente em relação à soberania e às suas instituições que ele nega a capacidade de monopólio do poder (POGREBINSCHI, 2004). Mas, ao contrário, mesmo multiplicado, disperso e amorfo no campo social, o poder só pode ser reconhecido enquanto ação e prática políticas, no âmbito do conjunto constituído por este mesmo campo social em que o Estado se constitui. Assim, os poderes estão contidos no Estado, mas não o contém. Isto é o que Alain Badiou (2006) chama de estado da situação. Portanto, a crítica que se faz não é sobre o nível de complexidade sociopolítico que um grupo humano pode alcançar, mas sobre o pseudonível de centralização que os poderes assumiriam em todas as sociedades “complexamente” organizadas. Neste sentido, afirmamos que nem toda sociedade complexamente organizada prescinde de uma centralização do poder para constituir-se politicamente. Os poderes são individuais e constituintes celulares do próprio Estado. Quando não há poder, não há Estado; se não há Estado, não há relações sociais ou de poder. O próprio Foucault oferece subsídios argumentativos para isso, ao afirmar que as relações de poder não se estabelecem, fundamentalmente, nem no nível do direito, nem da violência; e nem são basicamente contratuais, nem unicamente repressivas. 349 Amazônia Antropogênica O ponto referencial de Foucault é o poder em si. Ele explica que o seu objeto de estudo tem tempo e lugar únicos e identificáveis, e opera em categorias históricas constituídas. Afirma, enfim, que o poder por ele analisado manifesta-se através de seus feitos na história da sociedade ocidental. Porém, as categorias analíticas inseridas por Foucault (2000), entre elas, o biopoder, servem como instrumentos para se criar um novo significado para o conceito de poder. Por isso, quando trata de sociedades e de práticas sociais, ele estabelece um parâmetro universalmente identificável. Se o poder, para Foucault, constituise por meio das práticas sociais, que, embora heterogêneas, são universais – toda sociedade se expressa através de práticas sociais – então o poder é um fenômeno universal. Foucault não define práticas específicas que caracterizariam o poder, tampouco estabelece que apenas determinadas práticas sejam de poder ou que, portanto, na ausência dessas práticas não haveria relações de poder. Ao contrário, este filósofo afirma que os poderes não estão localizados em nenhum ponto específico da estrutura social. Eles funcionam como uma rede de dispositivos da qual nada, nem ninguém escapa: o poder não necessita de um centro de referência para ser exercido. Com seus domínios de objeto (que dão materialidade ao poder) e rituais de verdade (que idealizam o poder), que não são necessariamente repressores, centralizadores ou hierarquizados, o poder denota uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica que consagra as práticas sociais numa unidade organizativa. Em vista disso, o poder não é um aparelho, nem uma instituição, na medida em que funciona como uma rede que atravessa o corpo social, sem limitar as suas fronteiras. Segundo Foucault, em decorrência das revoluções liberais, no século XVIII emerge uma nova tecnologia de poder – o biopoder – menos preocupada com o disciplinamento do corpo individual, já moldado pelo trabalho parcelar, e mais com o controle do corpo social. A partir daí, uma série de intervenções políticas e econômicas volta-se para a incidência de epidemias, para o controle das taxas de natalidade, longevidade e mortalidade, forjando as tecnologias de população. O poder investe, nesse momento, sobre os corpos socializados (BRAGA, 2004). No século XIX, o poder disciplinar e o biopoder passam a constituir uma unidade, por meio da eclosão da sociedade normatizada, cujos mecanismos de regulação e correção produzem, avaliam e classificam as anomalias do corpo social, ao mesmo tempo em que as controlam e as eliminam (FOUCAULT, 2000). Para o autor, o biopoder tem por agente máximo o Estado moderno, cuja biorregulamentação não mais se volta para o “fazer morrer” (como no poder soberano medieval), mas sim para o “fazer viver”, seriando e estendendo o ciclo produtivo da vida humana coletiva. Desse modo, mesmo não sendo mais um atributo exclusivo do Estado moderno, nessa nova conjuntura, o biopoder continua voltado a “fazer viver”. Porém, em outras situações, volta-se também a “deixar morrer”. Essas situações permissivas denotam que a questão do gênero seja dividida em mil possibilidades mercadológicas e também que “a morte do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior, do degenerado, ou do anormal” seja aquilo que “vai deixar a vida em geral mais sadia; mais sadia e mais pura” (Ibid.: 305). Utilizando pseudoargumentos biológicos, o biopoder escolhe a quem deixar morrer. Para essa escolha, a partir do primeiro quartel do século XX, este passa a dispor de instrumentos altamente sofisticados, baseados em uma produção industrial serial. No último quartel desse século, também passa a dispor de uma linguagem digital comum, 350 Amazônia Antropogênica focada na sexualidade, por meio da qual a informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida permanentemente, na intenção de criar nichos controlados de consumo: como o étnico, o feminino, o homossexual etc. Ironicamente, esses movimentos pela igualdade de direitos e oportunidades entre os sexos, pela universalização do casamento arco-íris, por exemplo, não são demandas libertárias, mas da criação de necessidade de consumos especializados. Trata-se da revolução dos costumes pelo avanço do capitalismo devorador da natureza das coisas naturais. Não obstante, Foucault (2000: 315) afirma que, se por um lado o biopoder se realiza pelo controle das populações, por outro também age sobre a espécie humana, que avalia o conjunto segundo a manutenção da sua existência. Desse modo, segundo a análise de Foucault, a gerência do corpo social seria fruto de um tipo de poder determinado e exercido ao nível da espécie, diretamente ligado ao nascimento, à mortalidade, ao modo de vida e à sua duração. Por outro lado, pode-se concluir que o biopoder, tal como a própria ideia de poder defendida por Foucault, também não teria um centro gerador e partiria da própria individuação periférica dos sujeitos na esfera do social. Assim, ao mesmo tempo em que um biopoder emana da estratégia de disciplinar o corpo social, o qual emerge a partir da sociedade industrial, paralelamente há outro muito mais primitivo, que surge da vontade de poder do organismo individual. Nessa perspectiva, o “biopoder”, o “controle” e os “dispositivos de segurança” não dependeriam exclusivamente do desenvolvimento urbano para se manifestar no corpo social. Pelo contrário, estariam na origem da organização do espaço social, ou seja, os instintos precederiam a razão na organização do poder. Caso contrário, as relações de poder não seriam relações de sentido, de modo que a história não teria sentido e sua lógica seria tão somente racional. Para serem controlados, os instintos precisariam ser devidamente racionalizados, de modo que seria difícil escapar do necessário, do tradicional e do conflito. Essa análise é perfeitamente compreensível, segundo o limite imposto pela necessidade, entendendo-se, com isso, que o biopoder se manifestaria apenas ao nível da satisfação biológica do corpo individual. Porém, para ir além do meramente necessário e conflituoso, o corpo é, antes de tudo, um organismo sensível, de modo que, mesmo que intuitivamente, o exercício do biopoder é dotado de sentido e, portanto, de organização. Antes de prosseguir esta análise, é necessário entender mais profundamente a definição aqui atribuída à ideia de biopoder, que não é exatamente aquela utilizada por Foucault, e que foi formulada por Dreyfuss e Rabinow (FOUCAULT, 1984). Em Dreyfuss, Rabinow e especialmente em Foucault, o biopoder é a tecnologia de poder voltada para a política do corpo, cuja origem deriva da relação instintiva entre os sujeitos e que a hierarquia se organiza fora do âmbito do Estado. Não obstante, o Estado ao qual Foucault se opõe é aquele herdado do século XVII e moldado segundo o modelo de Hobbes, em Leviatã. Segundo esse modelo, além de o Estado ser considerado o epicentro de onde emana todo o poder, ele se legitima através de um contrato social em que os sujeitos renunciam às suas liberdades individuais em nome de alguém ou de uma instituição que detém o monopólio do poder. Essa restrição, por sua vez, seria a condição necessária para apaziguar as paixões humanas que, caso não estivessem sob o jugo de um poder central controlador, levariam os indivíduos a uma guerra permanente, onde a única lei a ser respeitada seria a do talião, ou seja, o caos social representado pelo demônio Leviatã que sassaricaria impávido se a sociedade não o detivesse através da lei ou do rei. 351 Amazônia Antropogênica Neste caso, para vencer o demônio do caos, o Estado deve ser absorvido por uma instituição, partido ou órgão governamental, de forma a confundir-se como uma só organização. Todavia, quando há uma crise nesse tipo de organização estatal, quem impera tal qual Fênix retornado das cinzas é o próprio Leviatã em forma de governo! Entretanto, mesmo considerando que não há um centro de poder e que o modelo de Estado que imperou do século XVII ao século XX não tem mais o potencial de transformação histórica, a perspectiva aqui defendida é de que o próprio Estado é o poder em si. Porém, descentralizado e excedendo a todas as suas instâncias constituintes, sejam individuais ou institucionais, porque esse excesso seria resultado da potência da soma de suas próprias partes. Desse modo, no biopoder, estamos nos opondo aos poderes que são exercidos nas relações ao nível dos instintos, isto é, das relações sociais exercidas em nome das necessidades biológicas, que elevam nas pessoas em sociedade, a vontade de ser um macho ou uma fêmea Alfa: encarregado[a], chefe[a], pastor[ra], magnata, presidente[a], ditador[ra], rei, rainha ou imperador[triz]. O que contrapomos no biopoder é a mediação da cultura e da história, em que os sujeitos, sejam indivíduos ou grupos organizados institucionalmente ou não, são elementos componentes de um conjunto cujas características também definem a sua especiação. Portanto, o Estado existiria desde a origem do grupo social e teria uma organização e uma trajetória histórica próprias do conjunto dos corpos sensíveis que exercitam suas relações políticas nesse mesmo grupo. Ora, isto significa que, ao mesmo tempo em que a cultura camufla o instinto, simulando uma artificialidade que ele não tem, como no caso das Repúblicas Modernas, o Estado (a sociedade) pode infligir ao instinto a superação de suas necessidades, como nas sociedades cujas relações de poder são centrífugas. Acontece que tudo é inter-relativo e depende das condições locais e, por sua vez, a seleção cultural e a geração de variações na rede das relações sociais caminham de mãos dadas. Portanto, uma sociedade pode estruturar uma rede de relações onde o biopoder só pode se expressar segundo comportamentos e hábitos automantenedores, já que as condições iniciais e os recursos para legitimá-lo são culturalmente transmitidos. O comportamento associado à condição inicial em que um novo hábito se cristaliza, muitas vezes surge como subproduto ou transformação de costumes originalmente relacionados a práticas diferenciadas. Entretanto, a seleção cultural pode expandir a percepção do novo comportamento, reconfigurando as redes de relações e fazendo com que este seja socialmente assimilado e estável. Como consequência, as expressões instintivas do biopoder podem ser alteradas pela cultura, de forma que o comportamento modificado seja o mais adequado para o sucesso da organização política de uma sociedade. Isto posto, podemos afirmar que ao observarmos o biopoder para além dos aparatos instintivos do corpo; quando as necessidades são atendidas regular e satisfatoriamente; ou quando os seus impulsos são prontamente correspondidos por práticas adequadas, as relações de poder não mais ficariam impedidas de se expandir e superar a condição do instinto básico, desprovido de qualquer formatação cultural. Provavelmente sempre haverá um caso menos relevante, mas igualmente poderoso, do exercício do poder em nome da fartura, do excedente, do prazer, do que é demais e da oposição ao que sempre esteve antes de nós. Ou seja, o poder de Foucault é o poder que se dá através de relações táticas 352 Na perspectiva foucaultiana de um corpo nervoso central, somente em ocasiões sociais críticas seriam reveladas as suas contradições internas e surgiriam heterotopias de poderes alternativos. Esta foi a compensação encontrada por Foucault para neutralizar o monopólio disciplinar do biopoder nas relações sociais. Configurando outros espaços, as heterotopias sociais (presença, posicionamento ou deslocamento não habitual), que fundamentariam as formações sociais em crise, também possibilitariam a emergência de sociedades alternativas. Assim, o “Estado do Leviatã” poderia ser desafiado e novas formas de poder, revolucionárias, poderiam se expressar temporariamente. Alterações físicas do corpo social poderiam, então, desafiar o poder do “Estado” (governo ou federações) ao proporem novas formas de expressão, em que a organização do poder se daria de forma incomum, não usual, enfim, anormal. Amazônia Antropogênica e estratégicas, mas também por meio de lutas, confrontos e... faltas, inclusive a falta de eventos, que, em seu conjunto, atuaria em istâncias fora do centro nervoso de onde irradia o corpo social e alteraria o sentido, a intensidade e a duração dos acontecimentos históricos. No entanto, se considerarmos que o biopoder é exercido por corpos sensíveis culturalmente organizados, que dão rumo e sentido à história, poderemos compreender que uma vez alterada a sensibilidade desses corpos, tudo muda nas relações sociais. Na verdade, talvez não haja uma sociedade constituída sem heterotopias. E essas heterotopias podem ser as mais variadas e se transformar constantemente. Seria possível até mesmo classificar as entropias históricas das sociedades de acordo com as heterotopias que elas promovem. Como nas sociedades indígenas, por exemplo, em que há contraespaços destinados aos indivíduos em crise biológica: existem casas especiais para os adolescentes no momento da puberdade; lugares reservados às mulheres durante a menstruação; outros para mulheres grávidas etc. Por outro lado, podemos conceber corpos cujas sensibilidades, além de distintas das nossas, direcionariam-se para posições divergentes dentro do espaço social de convívio, de modo que existiriam mecanismos sociais que impediriam ou enfraqueceriam os movimentos centrípetos de poder e fariam da heterotopia, não uma exceção, mas a regra fundamental da relação política. Ou seja, as forças políticas não se direcionariam para qualquer lugar que denotasse Um Domínio, Um Clã, Um Deus, Um Rei. Não é o império da necessidade que determina o destino e a história, sem qualquer ordem sensível e eminentemente casual. Nem mesmo a ausência de um centro no corpo social acarreta a extinção dos poderes que dele emanam. Não, o corpo não é apenas a origem do poder; ele também é a sua fonte de reformulação, de reprodução, de mudança e entropia, independentemente de sua posição no espaço social ou de heterotopias críticas ocasionais. E, aqui, deve-se entender o corpo enquanto corpo social e individual. O número de centros de poder é igual ao número de indivíduos multiplicados pelo número de instituições. O produto dessa multiplicação é o excedente do próprio corpo social, onde a heterotopia e a falta de um lugar central são a regra e não a exceção. É o medo de uma regra sem um lugar de referência e o apego ao poder instintivo eminentemente natural (selvagem) que geram aberrações estatais como o encarnado pelos governos centralistas monopolizadores da força. 353 Amazônia Antropogênica Em outra perspectiva, mesmo na hipótese da ditadura da satisfação dos espaços necessários, nada impede que o biopoder se mantenha perfeitamente equilibrado através do sentido de cada um dos corpos que fundamentam o aparato social. Pensemos, assim, na existência de espaços sociais onde as relações de necessidade são ultrapassadas pela consciência do ócio, através do domínio prático da técnica. Felizmente, superando a rigidez natural no equilíbrio do biopoder, existem espaços sociais desnecessários, já que as relações sociais implicam uma produção de informação (ou saber, segundo Foucault) que se expressa por experiências práticas, sem qualquer constrangimento entre as táticas racionais e as estratégias afetivas. Consequentemente, as relações tradicionais podem ser superadas, e isso pode implicar até mesmo a criação de novas necessidades estatais, sem qualquer caráter heterotópico. Por outro lado, podemos pensar a heterotopia como uma entropia social. Neste caso, a ordem social sofreria uma pressão permanente de estados de desorganização e o equilíbrio viria da consciência de relações até então marginalizadas, mas cuja heterotopia traria um novo potencial, que poderia reorganizar toda a comunidade em outra ordem social. Ou seja, quando o fluxo sociopolítico cresce sem controle até atingir um ponto de rompimento, as instabilidades surgidas na organização social podem fazer emergir, em diversos espaços, meios e agências, novas estruturas com relações ainda mais complexas. Isto só ocorre quando as condições necessárias e suficientes já existiam, mesmo dispersas no seio da sociedade, como elementos redundantes e potencialmente estruturantes. Contudo, na ausência destas, restariam somente o conflito e a decadência. De fato, novas estruturas e formas de organização social podem surgir de maneira inteiramente inesperada, em situações de instabilidade, caos e crises, se no fluxo das relações sociais e dos processos históricos vivenciados houver elementos emergentes convergindo para o mesmo sentido. É possível identificar relações que compartilham o desenvolvimento de espaços sociais que se expressam para além da necessidade, de qualquer periferia ou centro de poder, através da cultura e da história. Assim, a história seria alcançada pela lógica racional, não obstante a própria racionalidade estar envolvida por relações de sentido. Por conseguinte, a história tem sentido. A história demanda uma produção de informação que é o seu próprio sentido. Este sentido está além da necessidade e só é apreensível quando o corpo histórico organizado é tocado, abalado, emocionado, despertado pelo acontecimento. Entretanto, não por qualquer acontecimento infinitesimal, mas por um conjunto de experiências práticas cuja intensidade garanta ao fato histórico uma durabilidade que pode ser identificada na sua totalidade. Reforçamos, porém, que a longa duração aqui apontada não se refere à imutabilidade, mas à conexão evolucionária de eventos históricos diversos que caracterizam o acontecimento total. Portanto, o acontecimento total é um conjunto de individuações históricas particularizadas, em que a mudança está necessariamente implícita, porque a potência da somatória dessas particularidades é maior que o total, e o que dá intensidade e extensão ao acontecimento, pois as individuações históricas particularizadas são os componentes variáveis do mesmo conjunto, que se transforma conforme a variabilidade dos eventos interiores, os quais, por sua vez, geram um produto mais intenso que o próprio conjunto. 354 Amazônia Antropogênica Não é o consenso que faz surgir o corpo social, mas a materialidade e a ideia dessa materialidade do poder emergente e que vige sobre o próprio corpo dos indivíduos, que respondem não apenas racionalmente, mas também sensorialmente através do sentimento coletivo. Se por um lado nada é mais físico e mais corporal que o exercício do poder, por outro, nada é mais invisível e mais intangível do que as sensações emanadas pelo corpo que executa o poder. As redes de poder se apoiam e interferem umas nos outras, coincidindo somente naquilo que se correspondem. O corpo social é uma coletividade de poderes individuais que se equilibram em uma nova situação (isto é, diferente da situação individual de cada um deles). Por isso, essa coletividade de poderes também é mais bem representada por uma teia onde eles se desdobram e se inter-relacionam através de implantações, de distribuições, dos recortes, da exploração de territórios, das organizações de domínios comunitários que, no seu conjunto, respondem não apenas pelas suas necessidades como também pelos seus desejos. E essa teia, agora desmilitarizada pela inclusão do sentido, pode constituir-se em uma espécie de geopolítica, cujas estratégias não são essencialmente bélicas, nem mesmo estratificadas, mas componentes de um Estado cujas partes, em constante transformação, alterariam a organização estatal final. Componentes objetivos e subjetivos estão, muitas vezes, misturados nas relações sociais, especialmente nas ações motivadas pela tradição. Certamente, os modos de ser do poder são tão concretos quanto subjetivos; tão racionais quanto emocionais e dessa mistura podemos ter diversas formas e combinações de atuação do poder. O sentido dos atos de poder, as informações implícitas e explícitas que interferem na rede geral dos acontecimentos, no indivíduo ou em um conjunto de indivíduos – seja como meio ou como fim – é concebido pelo agente ou pelos agentes que organizam as estratégias de ação. O “artefato social” é compreendido, segundo a definição de Weber (1994: 5) para os artefatos em si, a partir do sentido e da subjetividade que a ação humana proporciona à sua produção técnica. Considerando que o poder é a ação física empreendida por mais de um corpo sobre o próprio corpo social, inclusive sobre o corpo orgânico da natureza, então é possível aceitar que o poder tem vários sentidos e imagens possíveis, conforme as conexões estabelecidas na rede das relações de domínio. Simultaneamente, o poder de uma organização social, por se expressar dentro de uma ordem qualquer, possui uma informação; e essa informação adquire um sentido consciente ou em conscientização. Segundo Weber (Op. cit.: 149), que chama as ações socialmente organizadas de “dominação tradicional”, o componente intuitivo ou, em suas palavras, instintivo, é predominante. Este, mediado pelo sentido, continua a exercer influência constante nas fases posteriores ou, como estamos usando aqui, nos diversos modos de ser do poder. As ações cotidianas se aproximam do comportamento tradicional (reação cega, surda e muda a estímulos habituais que decorrem da atitude repetitiva), mas incluem na sua manutenção, em diversos graus e sentidos, a consciência. Desse modo, o exercício do poder, mesmo em uma sociedade estritamente “tradicional”, gera no indivíduo que pratica a ação, um nível qualquer de consciência do sentido do seu ato e a consequente apreensão cognitiva deste. Por isso, nenhuma relação social de poder é desprovida de 355 Amazônia Antropogênica razão e emoção, por um lado; ou de meios e fins, por outro. Fato estabelecido porque toda organização tem implícita em suas expressões uma ordem organizativa (YUNES, 1995) e experiências técnicas de finalidades práticas (SANTOS, 2002). Nas sociedades cujas relações sociais repousam no sentimento subjetivo dos participantes de pertencer ao mesmo grupo, as forças centrípetas das relações de poder são afetivamente esmaecidas. Onde prevalece a união pelo afeto, a imposição da vontade encontra resistência nas relações sociais, pois qualquer força coercitiva é insignificante e não possui nenhum fundamento de legitimidade. Porém, tanto para Weber tanto quanto para Foucault, o poder é uma relação de forças em choque, ainda que Weber pulverize o poder entre diversas situações de dominação. Por exemplo, a pulverização que ele aplica ao poder através das formas afetivas de dominação, leva-o ao sentimento de solidariedade histórica existente nas sociedades “extra-economicamente-orientadas” (WEBER, 1994: 33). Já Foucault choca as relações de poder com a própria existência do Estado. Para melhor esclarecimento, perguntamos: quais os valores políticos de Weber que estão sendo usados aqui? São aqueles que emergem da sua distinção entre política e ética (WEBER, 1995, 1998). Para Weber, em um mundo concebido como uma totalidade hierarquizada, cada dimensão tem uma ética particular que se integra ao todo, segundo uma cosmologia que atribui preceitos distintos a inserções distintas (como ocorre, por exemplo, na ordem de castas indianas e na doutrina de salvação cristã). Mas no mundo moderno, o ético se constitui a partir de valores universalistas e igualitários quando toma como referência o indivíduo e faz exigências absolutas à sua consciência. Por outro lado, ao contrário do que ocorre na esfera da ética, o dever político tem como referência o indivíduo como membro de uma coletividade historicamente definida, e não o indivíduo como um valor em si. O político é um indivíduo que vive e se move em configurações socioculturais específicas, em um duplo sentido: por um lado, o que ele está disposto e inclinado a reconhecer como um princípio de validade geral depende de suas próprias convicções, que ele adquiriu como participante em um determinado mundo; por outro, a sua condição de pertencimento leva-o a ter de responder por suas ações, em face, e a partir do grupo social e cultural em que se insere. A política constitui-se, assim, sobre valores particularistas, mas, ao mesmo tempo, não pode abdicar de preceitos éticos, na medida em que engendra deveres e virtudes de caráter coletivo que, se específicos a essa esfera, nela se pretendem valores universalizáveis. De qualquer modo, as duas esferas (a da política e a da ética) não se sobrepõem. As exigências impostas pela política a quem nela se insere são fortemente marcadas por “indicações de conteúdo” para avaliação da ação (WEBER, 1995). Além de fazerem parte do reino dos “valores culturais”, não podem encontrar soluções absolutas e obrigatórias em premissas éticas. Enfim, em Weber, o poder, em sua essência, também é amorfo. Contudo, vai adquirindo características próprias conforme a vivificação das práticas sociais historicamente desenvolvidas e potencialmente latentes na formação sociocultural do grupo. Simultaneamente, a vivificação das práticas sociais ocorre no seu território de ação particular. Essas práticas, por se expressarem através de uma organização qualquer, 356 Para Weber (1994), ainda há relações de poder nas relações de dominação tradicional, cuja legitimidade repousa em ordens e poderes existentes desde sempre ou, tal como as pessoas pensam, ter-se constituído nas relações vivenciadas em determinado período e região. Porém, os membros supostamente dominados não são, necessariamente, nem servidores nem membros de uma associação. Eles podem ser companheiros “tradicionais” sem deveres objetivos, nos quais as relações de poder se baseiam em conteúdos subjetivos, que conferem certo livre arbítrio e cuja transgressão aos seus limites tradicionais colocaria em risco qualquer autoridade assumida. Amazônia Antropogênica transmitem uma informação inteligível. A sua rede de relações é própria dos indivíduos que compõem cada grupo humano, segundo suas experiências históricas e interações com a natureza local da sua territorialidade. Daí suas relações poderem assumir sentidos com éticas diversas: desde simples relações individuais afetivas até as relações sociais juridicamente justificadas. Aquele que detém mais conhecimentos sobre as tradições – quer materiais ou espirituais – também tem maior prestígio dentro da comunidade, e ocupa uma posição de destaque, podendo chegar à liderança. Os mais velhos possuem mais prestígio devido às experiências adquiridas. Não obstante, a elevação do status também pode ser atingida através da habilidade e do talento em áreas de valoração reconhecida, tais como na caça, na guerra, no artesanato, na pajelança etc. Isto pode conferir ao sujeito uma liderança carismática, que o coloca acima do naturalmente aceito. Neste caso, ele também pode se colocar acima da tradição, mas os seus poderes, segundo Weber, por serem sobrenaturais, só interfeririam no cotidiano, em casos de infortúnios que abalem certas convicções tradicionais. O reconhecimento dado ao líder carismático é, psicologicamente, uma entrega crente e inteiramente pessoal nascida do entusiasmo, da miséria ou da esperança. Este era o status que os “profetas” Tupi-guaranis possuíam na época do contato, quando esse povo se encontrava em plena migração em busca “da terra prometida” ou “sem estrangeiros”. Os jesuítas catalisaram esse movimento e tentaram, eles mesmos, substituir esses “profetas”, na perspectiva de uma suposta diáspora religiosa. Para Weber (Op. cit: 161), a capacidade de interferência dos líderes carismáticos sobre a comunidade só ocorre em situações revolucionárias. Foi dentro desse mesmo viés, que mais tarde Foucault desenvolveu argumento semelhante, através da ideia de formações sociais heterotópicas nas sociedades modernas. Mas na Amazônia encontramos uma série de exemplos que indicam que a liderança carismática é uma relação de poder muito comum e independente de situações sociais revolucionárias. Existe um número de evidências mais do que suficiente para acreditarmos que o movimento migratório dos Tupi-guaranis, além de não ser de diáspora, não era nem de exceção, nem excepcional (VIVEIROS DE CASTRO, 1986, 2002; PORRO, 1992). A questão que está sendo colocada, portanto, refere-se à manifestação do poder nas mais diversas sociedades, e dos mais diversos modos, conscientemente sentido, independente de qualquer tipo de dominação político-econômica central – ou da ostentação de um “grau superior” competitivo de complexidade socioeconômica. Poder esse, enfim, que emana de um corpo coletivo, sem centro ou periferia, e cuja fragmentação 357 Amazônia Antropogênica é a sua própria negação. Ou seja, o poder é o Estado, mas o Estado não é ninguém em particular e, no entanto, o é. O Estado é o que está fora e onde todos estão inseridos; ele é aquele que emerge em todos os lugares do espaço social. Porém, surpreendentemente, há um dado mais profundo que retira, deste tipo de relação de poder, qualquer particularidade especial. De fato, toda sociedade organizada possui um estado da situação que extrapola as suas manifestações quer pessoais ou coletivas. Segundo Badiou, esse Estado é, antes de qualquer coisa, o múltiplo de todos os submúltiplos da sociedade. Nele, o poder pode se manifestar através das relações sociais, dos mais diversos modos, mas nenhum deles pode conter a situação coletiva em si mesma. Porém, em um Estado cujas relações de poderes não convergem para um mesmo centro de controle social (em torno de um governo, de um legislativo, de um executivo ou de um judiciário), o povo não prescindiria de situações de crises heterotópicas para propor novas formas de organização do poder. É precisamente Badiou (1988, 2006) quem demonstra, matemática e filosoficamente, a característica múltipla e conjuntiva do Estado. Os primeiros a perceberem com clareza que Estado e governo são coisas distintas foram os marxistas. No mundo Ocidental, até então, especialmente antes da ascensão da sociedade industrial, Estado e governo eram tidos como uma só e mesma coisa. Os marxistas, entretanto, diziam que o Estado sempre era o Estado da classe dominante. Foucault, por sua vez, deu um passo além, eliminando a confusão que se fazia, ao se atribuir uma mesma realidade ao poder e ao Estado. Mas Badiou vai bem mais fundo, ao mostrar que o Estado só exerce a sua dominação segundo uma lei que qualifica todas as suas composições estruturais componentes, previamente conhecidas. Não obstante, antes disso, ao mesmo tempo em que o Estado está absolutamente ligado à representação histórico-social, também está separado dela. Na verdade, o Estado é a garantia de que a sociedade é o resultado de todas as suas partes componentes, e não da consideração de indivíduos ou mesmo de organizações institucionais ou de classes. Ele é um múltiplo de múltiplos, de múltiplos. Ele é a garantia de que o indivíduo não apenas pertence à sociedade, como é aquele que está incluído nela. Maturana (2002: 43) fortalece esta ideia dizendo “que se é indivíduo na medida em que se é social, e o social surge na medida em que seus componentes são indivíduos”. Sem dúvida, o pior estado da situação é o da exclusão. Portanto, além de nenhum partido, classe ou poder representar o Estado, o pior estado da situação é o da exclusão. A exclusão estatal implica a inexistência histórica daquele que não é socialmente reconhecido. Considerando que instituições e organizações governamentais e não governamentais, sejam civis ou militares, mais o universo dos indivíduos de uma sociedade organizada são componentes do Estado, mas não são, em qualquer situação de seus termos, a sua representação unívoca, logo a nenhum deles poderia ser dado o poder da representação estatal. A ditadura de classe e mesmo a democracia moderna, consequentemente, são legalmente reconhecíveis, contudo, ilegítimas, já que a potência das partes do Estado é muito maior que qualquer uma delas e maior, inclusive, que o conjunto social (Badiou, Op. cit). O Estado é o que excede ao produto das relações sociais de um conjunto sociocultural, e no qual qualquer modo de representação é deficitário. Por outro lado, não se pode lutar contra o Estado, uma vez que toda luta contra ele é uma luta contra a 358 Amazônia Antropogênica própria sociedade. A vitória sobre o Estado é a dissolução da sociedade. Em contrapartida, a perspectiva libertária da sociedade contra o governo não só é legítima, como é um modo de controle do poder perfeitamente possível. Os poderes em uma sociedade ideal, sejam institucionais ou individuais, teriam apenas diferenças qualitativas e nunca quantitativas. A sociedade não precisa de representantes, sejam soberanos divinos ou “Odoricos”, amados ou armados, pois os interesses sociais podem ser manifestados coletivamente através de uma democracia total e direta (uma supercracia). A sociedade não constitui uma mera pólis de representantes restritos, mas uma pólis de inter-relações coletivas, onde valem mais as políticas do que os políticos. Estes últimos – tremei – definitiva e absolutamente, desnecessários como representantes do povo, pois o máximo que representam é a si mesmos. Ora, isto é completamente diferente do modo como Lindenberg (2006) interpretou a obra de Badiou, segundo o qual ela tomaria a forma de autêntica regressão, visando, em seu íntimo, a atingir o projeto democrático e a sua ambição igualitária. Nada mais distante do que a interpretação apresentada aqui. O problema é que há uma determinada corrente de pensadores que vê na democracia o clímax da história; e que, além dela, só nos restaria a regressão, a barbárie e um mundo caótico de inimaginável aparência reinado por Leviatã. Essa corrente ainda está completamente saturada pelo brilho do humanismo iluminista, que hoje cega mais do que esclarece. Esses pensadores já não são mais capazes de perscrutar o devir do mundo atual, cuja natureza vai do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, porém, completamente inadequado para o tato e o olhar. Eles não compreendem que, para além da história, mesmo que não possamos vê-la ou sentila, há ainda mais história; que qualquer acontecimento é uma rede de diferentes classes de eventos, que participam da emergência de outras diferentes classes de eventos. Isto é o que se pode chamar de espiral temporal de produção, em que o movimento é mantido, sem que a forma e o sentido se mantenham. Enfim, a democracia não é nem o início, nem o meio, nem o fim da história. Outro problema é que nem sempre os indivíduos ou as instituições têm consciência da existência da situação estatal; ou de que as estruturas de funcionamento da sociedade é a própria estrutura da existência do Estado. Sempre há momentos históricos nos quais não se tem qualquer consciência do estado manifesto da situação, uma vez que este se manifesta não na consciência individual, mas no inconsciente coletivo. Entretanto, como o Estado é aquilo que excede, onde nenhuma das suas partes conseguiu, de um modo ou de outro, exercer o monopólio do poder, o estado da situação pode permanecer oculto e disperso entre todos, sem que ninguém se dê conta da sua potência coletiva. Aí, diversos arranjos de poderes individuais e institucionais são possíveis, inclusive arranjos eminentemente culturais e divergentes. Isto não quer dizer que não possa haver no interior da sociedade uma hierarquia dos poderes dela emanados, derivados do biopoder puramente instintivo. Mas essa hierarquia seria constantemente acomodada pela cultura ou pela história e por relações divergentes de poder. De todo modo, na Cultura Neotropical, a hierarquia deve ser entendida como uma diferenciação qualitativa, e não como uma ordenação quantitativa, crescente ou decrescente dos poderes naturalmente dispostos. É este tipo de Estado, de natureza cultural e biológica, que encontramos nas sociedades neotropicais amazônicas. Assim, para entendermos nosso ponto de referência, 359 Amazônia Antropogênica reconhecendo o biopoder, mas também a cultura e a história como tecelãs das redes de poderes, temos as lideranças carismáticas versus as lideranças tradicionais e o poder de diferenciação qualitativa, como um conjunto de submúltiplos, os quais caracterizam os modos de ser dos poderes nas sociedades amazônicas. Com isso, podemos corrigir Clastres (1974): as sociedades Tupis-Guaranis não eram contra o Estado, elas eram contra governos, chefes, caciques e xamãs. Portanto, em sociedades em que seus múltiplos sociais encontram mecanismos de centrifugação para além do poder central, os movimentos para fora não geram outro que se exclui ou que é excluído. Estes (os movimentos para fora), além de serem os meios de controle do poder, também são os meios de identidade e expansão cultural e, fundamentalmente, os meios de formação de uma rede territorial, com trilhas, caminhos e estradas ligando vários lugares e assentamentos, onde nada se exclui e nem se reconhece a partir de um único centro de referência. Se na Amazônia existiam sociedades com forte tendência centralizadora e dispersas em grandes territórios, por outro lado a ideologia dominante não casava com a ideia de centralização política comum ao tipo Leviatã de Estado, encontrado em outras partes do mundo. A ideologia dominante nas sociedades amazônicas da Cultura Neotropical carregava como um de seus traços característicos a resistência social à centralização política e o bloqueio cultural à acumulação econômica (VIVEIROS DE CASTRO, 2002). Os ciclos históricos dessas sociedades não eram fluxos de densidade e complexidade das relações de poder, mas da capacidade inter-relacional das culturas em estabelecer redes regionais. Nas condições da busca de alimentos, fundada apenas na ocupação da terra, ou seja, em sociedades sem conexões territoriais extensas, as redes de poderes não ultrapassam a organização típica do biopoder – reino da necessidade. Entretanto, essas redes, mesmo em nível básico, podem se estender espacialmente, mantendo conexões para além de uma comunidade local, e em cuja sociedade deve-se reconhecer determinado grau de produção planejada. Sua gênese é a moradia comum, que se subdivide com o aumento do número de indivíduos, ao fundarem novas comunidades domésticas separadas e estratégicas. Mesmo com a descentralização local, a força de trabalho é mantida sem divisão, com a consequência inevitável do nascimento de direitos particulares para as comunidades domésticas individuais. Geralmente a subdivisão é causada por conflitos de interesse social e a retirada do grupo ofendido é a solução apaziguadora e também o principal mecanismo de enfraquecimento do poder central. Porém, situações de crises coletivas, como entropias causadas por doenças ou escassez de recursos, ou mesmo de ordem cosmológica, levam a comunidade como um todo a migrar para outros lugares do território, o que pode, inclusive, levá-la a fundir-se ou entrar em conflito com outra. Já a teia de poderes inter-locais, embora possa mostrar-se de diversas formas dentro de suas possibilidades territoriais, também pode assumir um modo de organização de especial interesse: em aldeias, que é um grupo de comunidades domésticas próximas umas das outras. Elas atuam politicamente além dos limites domésticos (além do lugar de nascimento), ou seja, em um território, em ações abertas e intermitentes sobre 360 A relação associativa, entretanto, não é necessariamente uma comunidade econômica ou uma comunidade reguladora da economia. Ela pode estabelecer uma ordem para regular o comportamento dos participantes, criando uma relação associativa, sem a obrigatoriedade de recebê-la por imposição de terceiros, sejam indivíduos ou comunidades, tal como são estabelecidas as relações associativas de cunho econômico ou político tradicionais. Segundo Weber (1994: 160-161), a ação comunitária específica, de acordo com a sua natureza geral, é apenas a fraternidade econômica necessária, com suas consequências específicas. Amazônia Antropogênica ecossistemas e fontes de matérias-primas diversas. Esse modo de organização só estabelece limites fixos em sua extensão quando existe uma relação associativa fechada, o que ocorre quando a vizinhança se transforma em uma comunidade econômica ou reguladora da economia dos participantes. Ou seja, a ordem cósmica ou a unidade de uma sociedade complexa não se expressaria apenas pelo princípio hierárquico. E a ausência deste princípio não impede o desenvolvimento de comunidades complexamente organizadas, visto que uma ordem maior já está implícita no estado da sua situação histórico-social. A interdependência interétnica regional do Orinoco antes da conquista europeia, tal como apresentada por Arvelo-Jiménes e Biord (1994), por exemplo, apresenta componentes socioeconômicos diversos nas complexas relações sócio-históricas que serviram para integrá-los de maneira diferenciada e horizontal, corroborando, assim, a perspectiva da associação qualitativa dos diversos poderes (tradicionais, hereditários, carismáticos etc.) existentes no estado da situação. Sabe-se que muitas etnias, ao longo de muitos séculos, mantiveram uma intensa movimentação regional na Amazônia e além dela. Consequentemente, na Amazônia foi muito comum a interferência de forças conscientes que se contrapunham aos poderes tradicionais, mesmo àqueles alinhados a uma liderança hereditária. Os poderes tradicionais regionais –, todavia fracos e controlados durante séculos, por lideranças carismáticas mantenedoras de costumes migratórios relacionados à exploração dos recursos naturais e de organizações sociais centrífugas –, só após o contato com o europeu poderiam ter encontrado razões históricas e culturais para a valoração de hierarquias1 sedentárias e de migrações de sobrevivência, em virtude das perseguições dos conquistadores do além-mar. Porém, no estado normal de existência das sociedades Amazônicas, as ações de centrifugação do poder eram relações sociais comuns e não heterotópicas. Esses costumes não tinham por finalidade ou efeito o abandono total das principais áreas tradicionais de habitação, exploração ou ritual. Elas permaneciam importantes no imaginário cosmológico: eram referenciais e, possivelmente, permanentemente ocupadas. Porém, também eram as que sofriam mais flutuações migratórias e, consequentemente, populacionais. 1 O termo hierarquia neste texto está sendo empregado como qualquer corpo graduado e escalonado de pessoas e/ou relações, na medida em que refletem diferenças de poder, autoridade ou prestígio. A hierarquia é um tipo de ordem social na qual as relações humanas são determinadas pelo grau de autoridade exercida por um grupo sobre o outro. Dicionário de Ciências Sociais, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1986. 361 Amazônia Antropogênica O PODER NA CULTURA NEOTROPICAL A atenta observação das trajetórias evolutivas das sociedades amazônicas tem mostrado que elas não se resumiram aos processos lineares, sequenciais e deterministas, implícitos na classificação “cultural evolucionista”, como bandos, tribos, chefias e estados. Na verdade, a organização política das sociedades amazônicas foi baseada em um complexo sistema sociocultural que extrapolava fronteiras étnicas, linguísticas e ambientais (LIMA, 2008). Como observou Hays (1993), para o homem existem muitas outras trajetórias possíveis, já que a diversidade na organização humana é maior do que estas categorias evolutivas e, na Amazônia, o Homem nativo mostrou que sua trajetória superou muitas categorias preestabelecidas. Já vimos que o Estado – tido como o último estágio da evolução social proposta pela classificação cultural evolucionista – é inerente a toda população humana socialmente organizada. Sendo assim, quando foi observada na Amazônia, tanto por antigos quanto por modernos, a centralização política ou hierarquia nas práticas políticas das sociedades humanas imediatamente anteriores à conquista e em sociedades étnicas atuais, devemos desconfiar, tal como já alertara Eduardo Neves em 1997, se ela não seria o resultado das transformações produzidas segundo o olhar condicionado pelo dominante “sistema mundial” europeu. Por outro lado, ainda que isso pudesse ter ocorrido, conforme afirmam alguns competentes arqueólogos, podemos considerar que esta é uma condição natural do biopoder, bem como, por outro lado, que tais relações naturais eram enfraquecidas por forças culturais dispersivas, historicamente construídas e fundadas no próprio alicerce da sociedade. As paliçadas, por exemplo, comumente relacionadas à defesa contra vizinhos beligerantes são tidas como indicativas de sociedades complexas, com relações de poder centralizadoras. Entretanto, os Tupinambás, que cercavam suas aldeias contra ataques de inimigos com os quais guerreavam, não tinham instituições políticas centrais socialmente significativas. Pelo contrário, eles adotavam uma política de Estado centrada na mulher, cujas ações e práticas eram completamente incompreensíveis para a moral Ocidental. Essa política era uma ação diplomática, que visava a conquistar ou amansar o inimigo através da sexualidade feminina. Esta prática política perturbou os administradores coloniais e os jesuítas, que se apressaram em tentar desfazer este costume. Posteriormente, já esvaziada de seu caráter político original, e pelas necessidades administrativas do conquistador, acabou sendo tolerada e até incentivada pelos colonizadores portugueses. O curioso é que essa política erótica indígena, até o século XX, também foi perturbadora para os antropólogos que tentaram compreender essa prática, sem chegar a uma conclusão (ver, por exemplo, Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, 1943). Eles acabaram repetindo a impressão do colonizador, que achavam as índias sexualmente oferecidas acima da média, porque seriam fêmeas selvagens de sociedades tropicais primitivas. Porém, muitas sociedades indígenas desenvolveram sofisticadas relações políticas através da linhagem feminina, constituindo sociedades complexamente estruturadas. Nessas sociedades as mulheres eram as detentoras das principais tecnologias econômicas, tais como a da produção da cerâmica e o processamento da mandioca. Também eram elas 362 Amazônia Antropogênica que exerciam as ações pedagógicas que transmitiam de geração para geração os conhecimentos técnicos e os significantes simbólicos e ideológicos relacionados a estes. Portanto, a perda de uma mulher para o inimigo não poderia ser simplesmente ignorada; e, se isto ocorria, era porque havia uma intenção deliberada por trás disso. O que os indígenas ignoravam, no caso da conquista, é que não haveria mulher suficiente para amansar os tarados conquistadores europeus, porque sempre viriam mais e mais a serem amansados. Por outro lado, a falta de higiene corporal dos europeus era foco de transmissão de doenças. Foi assim que a sífilis e demais doenças venéreas, além da varíola, das gripes e outras doenças infectocontagiosas se espalharam entre as populações indígenas, dizimando grande parte delas, talvez milhões de pessoas. Enfim, o tiro saiu pela culatra; mas foi graças a esse costume que herdamos traços marcantes da cultura indígena, que se refletem na culinária, na música, na dança, na linguagem, em várias técnicas de cultivo, no conhecimento de plantas fitoterápicas e, inclusive, no comportamento afetivo das brasileiras. Aliás, temos que reconhecer que a mulher indígena exerceu o verdadeiro papel de Eva para a formação gênica do povo brasileiro. No início da colonização, devido à ausência de mulheres brancas e negras, foram os ventres das índias que serviram de matriz do brasileiro. Para isso, contribuíram dois fatos: 1) os portugueses não as rejeitavam, pelo contrário, e como política colonial, teve nelas, e depois nas negras, seu principal elemento de formação e fixação populacional; 2) por outro lado, e mais importante ainda, o sexo foi um elemento fundamental na relação indígena com estrangeiros, especialmente se esses eram considerados mais fortes ou poderosos. Por isso, as índias “abriam as pernas” para portugueses, franceses e negros, não porque fossem devassas, fúteis ou achassem o homem indígena sexualmente incompetente, mas porque, para boa parte delas, este fora o meio mais seguro para sobreviver à catástrofe apocalíptica deflagrada pela colonização. Associado à política da sedução feminina para amansar o inimigo, havia as cerimônias coletivas, cujas representações cosmológicas eram reproduzidas na arte cerâmica e envolviam uma ampla rede de relações regionais. Segundo Denise Gomes (2010), as consequências políticas das subjetividades indígenas tinham uma ontologia completamente diferente da do pensamento ocidental. A ontologia indígena estava baseada na tensão que ocorre entre presa e predador, no sentido de que as relações não se davam apenas entre seres humanos, mas entre humanos e animais, humanos e espíritos, sendo o xamã o negociador por excelência e ativo em diferentes planos cosmológicos. Entretanto, o próprio xamã era fonte regular de controvérsias, já que seus temidos poderes eram constantemente vigiados e associados a todos os males que desabavam sobre a sociedade (VIVEIROS DE CASTRO, 2002). Assim, os xamãs, apesar do importante poder que detinham no imaginário e na representação da tecnologia indígena, também estavam sujeitos à tensão presa/predador, fato que retirava deles qualquer relação absoluta de domínio sobre o mundo e o outro. De todo modo, a importância política da mulher na integração regional da cultura e das cerimônias coletivas, para a emergência de grandes concentrações populacionais, são ontologias cosmológicas singulares, que se distinguem daquelas que justificam a expansão do território por meio de guerras de conquista e da centralização política dos poderes para o controle dos habitantes. 363 Amazônia Antropogênica Convém observar, então, que uma organização sociocultural, quando não sofre a ação perturbadora de uma conquista, seguida de uma destruição avassaladora por parte de outra organização diferencial, exógena, extrarregional e belicosa (isto é, que não partilha da mesma noção comum), segue os seus próprios rumos. Desenvolvendo práticas e soluções originais desde um tempo muito remoto, a organização social constrói a sua própria história, até que suas práticas, técnicas e expressões cognitivas, ao atingirem certo nível de acumulação de conhecimento, alcançam um ponto de mutação quando suas estruturas ligam diversos módulos até então isolados, sendo assim profundamente alteradas. Desse modo, quando uma sociedade atinge um grau de complexidade suficiente para fazer seus costumes emergirem em diferentes lugares do seu território, de uma sub-região ou mesmo de uma região, é inevitável que esta complexidade seja resultante da evolução crítica dos seus próprios padrões culturais locais durante um longo tempo de duração. Por outro lado, em uma região historicamente integrada, mas que apresenta diferentes alianças e identidades culturais, a simultaneidade generalizada dos acontecimentos faz com que a complexidade social flutue no tempo e no espaço conforme as conexões estabelecidas nas redes das inter-relações socioculturais. Portanto, para entendermos a evolução da organização sociopolítica das sociedades amazônicas, devemos recuar até aquelas que primeiro ocuparam a região: as sociedades de caçadores-coletores representantes da Cultura Tropical. Durante muito tempo foi comum a ideia de que sociedades que viviam da caça e da coleta seriam tão básicas e primitivas que não exerceriam qualquer influência no surgimento e no desenvolvimento de futuras civilizações. Na Amazônia, elas sequer eram consideradas, uma vez que prevalecia a noção de que a região teria sido tardiamente povoada por uma constelação de aldeias, semelhantes quanto à cultura e às chefaturas caribenhas, de quem teriam importado vários traços. Por por outro lado, essa constelação de aldeias, do ponto de vista sociopolítico, pouco se diferenciava das “Tribos Marginais” de caçadores-coletores do Brasil Central e da Patagônia (STEWARD; FARON, 1959). Para piorar, a própria Amazônia era percebida como uma região hostil à civilização, que, além de ter uma ocupação recente, era demograficamente rarefeita, sociologicamente rudimentar e culturalmente tributária de regiões mais avançadas. Paralelamente, para a maioria dos historiadores, somente quando a humanidade foi capaz de satisfazer suas carências com a domesticação de plantas e animais em grande escala, e com o domínio de seus ambientes naturais, teria tido condições de fundar os alicerces de um Estado politicamente organizado, com um poder central, uma elite religiosa, um território e uma população subalterna urbanizada. Assim, firmou-se a ideia de que somente as sociedades agrícolas com arado ou pastoris sedentárias e politicamente legitimadas levariam os Homens rumo à civilização, ficando a impressão de que apenas a partir destas desenvolver-se-iam experiências técnicas e conhecimentos complexos. Essas experiências seriam então improváveis àqueles povos tidos como caçadores-coletores, agrupados em bandos ou simplemente grupos humanos nômades. Atualmente, pelo contrário, a discussão sobre o nível de complexidade que as sociedades de caçadores-coletores podem alcançar é recorrente. Realmente, hoje não há dúvidas sobre o fato de esses, até então chamados de “primitivos grupos nômades”, com efeito, 364 Todavia, o que importa aqui é o fato de que as sociedades da Cultura Tropical constituíram, de um modo ou de outro, relações estatais de poder, e que essas relações seriam o embrião das relações complexas desenvolvidas pelas sociedades da Cultura Neotropical posteriores. De fato, hoje, pode-se inferir, inclusive, que qualquer grupo humano constitui um grupo socialmente organizado. E, ainda, que nesta organização está implícita uma mensagem informalmente orientada, por sua vez, composta por um universo bastante complexo. Por fim, que esse universo é definido pelas relações sociais, com o ambiente, acontecimentos históricos e por suas experiências práticas e sensíveis. E como se isso não bastasse, até a capacidade de mudança de um nível da complexidade social para outro pode ser pensada, em termos de organização interna de uma sociedade, pelas transformações em suas próprias estruturas, apesar da constância temporal de certos padrões socioculturais específicos. Vimos, em capítulo precedente, que esse potencial de mudança pode ser observado quando se identificam determinados acontecimentos críticos na capacidade cognitiva da sociedade, em que experiências práticas, afetivas e comportamentais acumuladas em diferentes especialidades são interligadas por meio das condições vivenciadas ao longo da sua trajetória, fazendo emergir um novo conjunto de costumes e técnicas associadas, o qual passa a ser sócio e culturalmente controlado e transmitido. Este, inclusive, seria o principal motor de institucionalização dos próprios comportamentos tradicionais dentro de uma sociedade. Amazônia Antropogênica terem constituído sociedades sedentárias com certo grau de complexidade. O que se discute é em que ponto elas se institucionalizaram e em que níveis. O mais importante, porém, é que elas constituíram um padrão cultural de grande relevância para a evolução social do Homem amazônico, cujas práticas integraram-no à natureza, transformando-a não em um mero artefato, mas na extensão do seu próprio corpo social coletivo. As experiências, em um primeiro momento, são intuitivas e necessárias; e as práticas daí derivadas são dominadas apenas por motivos de ordem tradicional e afetiva. Contudo, quando essas experiências saem do domínio do inconsciente por motivos históricos, culturais ou sociológicos e são conscientemente combinadas com outras, e daí controladas, institucionalizam-se e reprimem todas aquelas que não lhes são correspondentes, tornando as informações nelas contidas previamente definidas. Porém, antes de se institucionalizarem, elas fervilham no seio sensível da situação estatal toda a sua potência realizadora, reorganizando e reconstruindo o mundo social. Podemos inferir, assim, que certos traços de complexidade podem ser definidos antes de suas relações serem claramente conscientes e desenvolvidas a partir de experiências sensíveis, cognitivamente dominadas. Ou seja, mesmo na ausência de um domínio cognitivo ou institucional legal, existem práticas e costumes sociais significantemente complexos. As práticas que irão compor uma organização social futura vêm se formatando desde o início no interior da sociedade, ao longo dos acontecimentos que lhe caracterizam histórica e socialmente. Desse modo, antes de se constituir como uma realidade histórica estabelecida, há um potencial histórico virtual que aponta o sentido que uma organização social está construindo. Ontologicamente falando, como só pode vir a ser o que está sendo no viger, as sociedades neotropicais politicamente complexas só vieram a existir 365 Amazônia Antropogênica porque foram precedidas por outras que, mesmo não dispondo da mesma estrutura sociocultural, já possuíam as sementes da sua germinação histórica futura, na duração do estado da sua situação social. Em termos filosóficos, isto quer dizer que na duração do acontecimento, o ser já está emergindo o que virá a ser. Em termos históricos, isto quer dizer que na duração qualquer evento só emerge na sucessão daqueles que estão sendo desenvolvidos no próprio acontecimento. A existência da potência universal – ou estatal – é originária ou a priori; já a existência em situação de coisas particulares é experimentada ou a posteriori. Por certo, somente quando a coisa experienciada torna-se consciente, através da compreensão das suas ações práticas e costumes, é que as experiências sensíveis encontram os meios adequados para se organizarem cultural e politicamente. Mas, muito antes disso, as potências das experiências práticas e sensíveis predispuseram a sociedade a uma ordem de complexidade sociocultural, cujo conjunto de técnicas associadas leva séculos e mais séculos até alcançar uma nova combinação ideal. Só posteriormente às experiências inter-relacionalmente selecionadas que essa nova combinação é dominada plenamente pelo conhecimento que, por motivações internas ou externas, o estado da situação fez aflorar na duração de sua vivência. Em resumo, como já afirmado antes, apesar da carência de estudos sobre caçadorescoletores na Amazônia, há evidências de que muitas das conquistas atribuídas às sociedades agrícolas, como a domesticação de plantas e o domínio da tecnologia de produção da cerâmica, foram alcançadas e desenvolvidas por sociedades sem agricultura ou centros urbanos. Entretanto, não é apenas no campo das relações de produção que podemos inferir isso. Experiências sensíveis e práticas, de ordem técnica e das relações sociais e políticas, antes de serem plenamente dominadas pela consciência, também foram construídas e exercidas durante muito tempo, até o pleno domínio dos saberes nelas inscritos. Sociedades da Cultura Tropical, com seus diferentes tipos de assentamento, diversidade de recursos naturais explorados, manejados e objetos obtidos através de contato interétnico traziam dentro de si as sementes dos padrões sociopolíticos neotropicais futuros. A Cultura Tropical, se for analisada sob a ótica normativa da arqueologia positivista, não será percebida em toda a sua complexidade. Andrade Lima (2001: 6), por exemplo, observou que “é comum na arqueologia brasileira interpretar traços de importância crucial para o reconhecimento do processo de diferenciação social identificados, segundo análises e interpretações isoladas”. Desse modo, o significado da conjunção desses elementos só pode ser plenamente percebido ao se transcender essa perspectiva, seguindo o rumo inteirativo de uma arqueologia inter-relacional. Ao fazermos isto, encontramos fortes indícios implícitos nas representações materiais e na formatação cultural das paisagens, sugerindo estarmos diante de sociedades que parecem ter reunido na Amazônia, ao longo dos tempos, condições particulares para desenvolver formas mais complexas de organização, perfeitamente interadas aos diferentes ambientes e particularidades territoriais, sem que deles exercessem qualquer tipo de controle regional a partir de um único centro de poder. 366 Por terem uma agricultura ainda incipiente, dependente da semeadura de plantas em fase inicial de domesticação, da técnica de manejo de alguns espécimes ainda estar em desenvolvimento e da estrutura de organização sedentária sujeita à sazonalidade dos recursos, as sociedades da Cultura Tropical não tinham a organização social das sociedades da Cultura Neotropical, que mais tarde viriam ocupar os vales e as margens dos principais rios da região. Mas tinham o embrião dessa organização. Observemos que o pré-condicionamento sociocultural foi vivificado em uma relação inteirativa com o mundo natural. Isto é, materializado por meio de práticas que se modificariam e se aperfeiçoariam conforme o Homem ia compreendendo os modos mais eficazes de superar o controle do biopoder, como reflexos das novas relações sociais derivadas do conhecimento gerado no manejo do ambiente. Esse manejo, por sua vez, gerava ambientes ecoantrópicos, que carregavam os símbolos ecofatuais e as marcas das culturas que os originaram. As práticas de manejo foram aperfeiçoadas segundo a rede de relações sociais, que era vivenciada quando se conectavam diferentes experiências regionais na direção de uma noção comum de compartilhamento. Amazônia Antropogênica A diferenciação regional, por outro lado, parece confirmar rugosidades onde as mudanças sociais e seus processos históricos nas antigas sociedades da Amazônia se desenrolaram por etapas originais paralelas, mas similares, que representam níveis característicos, o quais apresentaram ritmos, soluções e arranjos bem variados e ao mesmo tempo convergentes – e tudo isso bem antes da constituição das primeiras sociedades tribais. Como demonstra Benedito Nunes (2000), a compreensão do todo antecede a compreensão das partes, que, uma vez compreendidas, interferem na compreensão do todo. Podemos inferir, então, que o grau de complexidade de uma dada sociedade tem origem nela própria. Estudos recentes confirmam: mesmo que a sua estrutura material e/ ou mental permaneça constantemente em mudança, o padrão de toda identidade é persistente (HOLLAND, 1999). Ou seja, o homem tropical já tinha uma noção geral do mundo em que vivia. Quando compreendeu as partes que o compunha, acabou por alterar o próprio mundo onde vivia e, com isso, a si mesmo, mas sem nunca perder as suas especificidades fundadoras, construídas ao longo de milhares de anos. Viveiros de Castro (2002) observa que nas sociedades indígenas amazônicas, o paradigma dominante não é o casamento com a terra-mãe, mas a predação canibal, cinegética e guerreira, entre inimigos-afins. A predação generalizada indígena seria uma figura do mundo, do dom e da luta dos Homens, e não do trabalho e do domínio das coisas. Essa característica estava associada à indiferença aos dogmas e à recusa às regras de dominação. Luís da Grã (1554, apud VIVEIROS DE CASTRO) reclamava que os indígenas não adoravam nada porque não obedeciam a ninguém. Os indígenas não poderiam adorar e servir a um Deus soberano porque não tinham soberanos nem alguém a servir. Havia uma completa ausência de sujeição. Apesar dos ídolos e das cerimônias que realizavam, nada ou ninguém era venerado. E essa característica das relações de poder era uma herança de longa duração, pois era nativa e regionalmente generalizada. Ela foi efetivamente herdada pelas sociedades mais complexas que, de fato, nunca as abandonaram até a implantação do colonialismo e da ascensão da sociedade brasileira. Entretanto, embora os europeus acreditassem que os indígenas não tinham fé porque 367 Amazônia Antropogênica não havia lei; e que não tinham lei porque não havia rei, na verdade, o que eles não tinham mesmo eram as regras de submissão ao poder centralizador. Pois tinham regras sociais, religião e lideranças cujas fundamentações foram sendo historicamente alicerçadas através de dezenas de sociedades e ao longo de centenas de anos. Quando as sociedades da Cultura Tropical mudaram o seu modo de produção e se consolidaram como agricultoras na Cultura Neotropical, foram capazes de estabelecer estratégias complementares diferenciadas, todas convergindo para uma mesma noção comum subjacente, consequência dos milhares de anos de experiências socioculturais, histórica e coletivamente vivenciadas em diferentes domínios ecossistêmicos amazônicos. Os padrões dessas estratégias variavam conforme a sociedade e suas vivências históricas particulares, mas, apesar das variações, mantiveram a noção política comum, em nada semelhante aos derivados dos padrões indo-europeus e cultural-evolucionistas. Nela, a ausência de mecanismos formalmente organizados para a expressão política coletiva seria uma tradição de lideranças proféticas individuais e oraculares ou carismáticas, que permitia adaptações e inovações constantes (WHITEHEAD, 1994, 1995) em um Estado historicamente construído por meio de todas as suas expressões socioculturais. Mas a ordem estatal no seio das relações políticas não implica uma ausência ou presença mínima ou máxima do Estado como relações políticas de força ou instituição formal. Isto é, só existe Estado ausente em sociedades desestruturadas, porém, uma vez estruturada, ele não é nem mínimo nem máximo. Ele simplesmente é: conforme a evolução histórica, a organização política assumida e o nível de complexidade da organização social e econômica do conjunto da sociedade. Portanto, é apenas um problema de ordem qualitativa e não de escala aristotélica ou kantiana de desenvolvimento, conforme a adaptação da teoria política clássica proposta por Montarroyos (2006) às sociedades amazônicas antigas. Obviamente que o sucesso alcançado pela evolução sociopolítica ameríndia não pode ser automaticamente comparada “aos pequenos Estados conhecidos noutras partes do mundo” (ROOSEVELT, 1992b: 28) e muito menos às sociedades da Antiguidade Clássica GrecoRomanas (Ibid.: 73). Isto até pode ser encarado como um resquício do desejo inconsciente de derivar culturas indígenas americanas de civilizações superiores mediterrâneas, tal como fazia a arqueologia pré-científica do século XIX (MARTIN, 1997). Entretanto, pode-se compreender que a motivação inconsciente maior seja a vontade de encontrar um paralelo evolutivo universal semelhante, que valorize as origens ameríndias, muito ao gosto dos cultural-evolucionistas. Em razão disso, é preciso superar essa incapacidade, por não perceber nas sociedades étnicas amazônicas os autores de uma história exponencial, com características políticas singulares e, principalmente, que essa história foi resultado de suas próprias experiências regionais. Relatos etno-históricos, pesquisas de Meggers, Lathrap, dos pesquisadores do PRONAPABA, Brochado (1984) e de pesquisadores atuais (HECKENBERGER, 2001, 2008) sempre propõem que grandes migrações foram levadas a cabo pelos antigos povos amazônicos. Meggers e o PRONAPABA tentaram encontrar as razões para isso através da ecologia, principalmente com estudos sobre as influências das mudanças climáticas nas populações adaptadas à floresta tropical. Há inúmeros trabalhos sobre o tema, que vão 368 Amazônia Antropogênica desde às macromudanças do Quaternário até os efeitos regionais do El Niño. Esses trabalhos tentam mostrar que muitas das grandes migrações coletivas identificadas em determinadas épocas estão associadas a mudanças ecológicas de grande impacto. Para Lathrap (1972), ao contrário, as migrações estariam relacionadas a pressões populacionais nas áreas de várzea, que concentrariam a maior parte dos recursos disponíveis. Mais recentemente, Heckenberger sugeriu que, pelo menos no Alto Xingu, a motivação das migrações seria uma diáspora social do tipo heterotopia. Mas esta última interpretação não seria um tanto o quanto retrô, já que foi assim que os jesuítas interpretaram as migrações Tupi-guaranis, que estariam em busca da terra sem males? Os enfoques ecológicos, econômicos e religiosos dados a esses costumes, fazem parecer que, em circunstâncias ecológicas, econômicas e sociais favoráveis, o sedentarismo regulado por forças políticas centralizadoras refrearia o impulso migratório ou heterotópico da entropia social. Entretanto, esses estudos não explicam por que, mesmo sem alterações climáticas significativas, e em diversas outras áreas férteis e fartas, de várzeas de rios secundários ou não, sem qualquer evidência de pressão populacional ou social, as evidências de migração permanecem (sejam arqueológicas, etno-históricas ou até mesmo históricas). As origens desse costume podem ser até climáticas (desequilíbrio) e econômicas, todavia, mais provavelmente veio do modo como as populações se organizavam social e politicamente para explorar e manejar os recursos. De qualquer forma, esse modo de organização foi tão bem-sucedido, que foi incorporado pela grande maioria das sociedades amazônicas. Ele permaneceu e se institucionalizou na geopolítica dos povos amazônicos, mesmo depois da estabilização do clima e da ausência de pressões econômicas e sociais heterotópicas significativas. O fato é que os costumes migratórios relacionados a esse modo de organização estavam cosmogonicamente enraizados na cultura das sociedades que experimentaram o sentido da história na Amazônia. A migração era um ethos indígena de profundo significado social. E, ainda, que certos lugares tenham sido regularmente ocupados, intermitente ou continuamente, eles não constituíram capitais centrais para as quais convergiam tributos provenientes de distantes cidades vassalas. Porém, eram lugares economicamente privilegiados, em um território com importantes áreas produtivas e intensa circulação de informação, riquezas regionais e para onde as lideranças religiosas conseguiam atrair importantes e flutuantes contingentes populacionais. Não é de hoje que pesquisas mostraram (BIORD, 1985; ARVELO-JIMÉNES; BIORD, 1994), que uma extensa e antiga rede de estradas cruzava a Amazônia, formando várias rotas comerciais que convergiam para uma unidade interétnica. Recentemente, inclusive, foi descoberta uma estrada em Parauapebas (PA), descendo da serra dos Carajás, que os moradores locais afirmam ser uma “estrada Inca”. Com muita propriedade, a convergência acima citada foi interpretada não como fatos isolados ou casuais, mas, no entanto, como evidência da existência de níveis de integração sociocultural diferentes do puramente étnico, que serviu para integrar as sociedades em uma gigantesca rede regional de relações diferenciadas, particulares e estrategicamente organizadas. E essa rede tinha duas características: uma de ordem social, na qual as pessoas agenciavam relações políticas, ritualísticas e culturais; outra de ordem econômica, as redes ecoantrópicas, 369 Amazônia Antropogênica onde se concentravam reservas de recursos renováveis. Essas duas características se confundem na maior parte da rede, mas em outras partes eram completamente independentes. Por conseguinte, a integração interétnica, organizando-se espacialmente ao longo de redes regionais, interligava diferentes territórios com ecossistemas variados, explorados por sociedades, etnias e costumes particulares, independentes de qualquer política central centrípeta. Além disso, não há qualquer evidência de que as rotas comerciais e/ou de comunicação difusionista tivessem sido objeto de cobiça ou de conquista tática para o domínio de territórios supostamente mais rentáveis. As guerras não eram motivadas por causas econômicas; e somente muito mais tarde as rotas foram cobiçadas pelos invasores europeus, estes sim, econômica e ideologicamente motivados. Foi com o estudo das fontes históricas do início da colonização amazônica, especialmente sobre a constatação de uma grande densidade demográfica nas cercanias das áreas de várzea dos grandes rios no início do século XVI (DENEVAN, 1992a; OLIVEIRA, 1994; PORRO, 1993, 1994, 1996; WHITEHEAD, 1988, 1994, 1995), que surgiu a oportunidade de se discutir a natureza sociopolítica dessas sociedades. Por outro lado, como tem sido constatado, apesar do esforço de vários arqueólogos, especialmente dos de origem norte-americana (LATHRAP, 1970, 1973, 1977; MEGGERS, 1979, 1982, 1991, 1992, 1993, 1995; ROOSEVELT, 1991, 1992a, 1993, 1994; HECKENBERGER, 1996, 2001, 2008), os modelos apresentados não conseguiram esgotar o assunto. De fato, não foram apresentadas justificativas teóricas ou científicas suficientemente convincentes para a afirmação de que as chamadas sociedades “horticultoras” teriam sido superadas por um horizonte cultural tido como de “sociedades ceramistas complexas”, representadas por chefias ou cacicados fortes. Evento esse que teria se estabelecido quando sociedades nas margens das áreas de várzea dos grandes rios, motivadas por revoluções na técnica de cultivo e a introdução de novos cultivares, pelo aumento da população e a beligerância intratável e ancestral entre ameríndios – enfim, por fatores demográficos, tecnológicos e pressão territorial nessas áreas – fazem surgir uma divisão hierarquizada do trabalho, controlada por cacicados dominantes, fortemente centralizados (ROOSEVELT, 1993). Sociedades essas que se distinguiriam pela organização, poder e riqueza das de floresta de terra firme. Tampouco de que a decadência desses cacicados adviria do contato com o europeu, disseminador de doenças e da guerra entre as nações pelo comércio desleal de escravos, quando impôs às sociedades desterritorializadas um nível sociocultural menos elaborado dos de terra firme. Nas áreas estudadas não foram encontrados dados arqueológicos que indicassem tal processo, do mesmo modo que não foi encontrado qualquer indício concreto ou objetivamente comprovável da tendência de um padrão estratificado e hierarquizado, a partir de um poder central, nos horizontes culturais precedentes. Foi especulado, ainda, que o florescimento de “chefias” na Amazônia, antes ou depois do contato, deu-se pela introdução do cultivo intensivo, politicamente controlado e defendido de ataques feitos por sociedades econômicas e politicamente distintas, provenientes da terra firme. Mas, muito pertinentemente, Meggers (1982) já havia percebido que uma cultura é um sistema balanceado, no qual todas as partes preservam suficiente flexibilidade, permitindo uma constante acomodação às alterações históricas 370 Segundo a perspectiva dos cacicados defendida por Roosevelt (1994), especialmente os que teriam ocupado os subsistemas de várzeas dos grandes rios, as doenças e a guerra por escravos seriam as catástrofes libertadoras dos povos indígenas subjugados (que ocupavam os subsistemas de terra firme) e também os algozes das suas culturas. Levadas assim à decadência, foram deixadas no seu nível mais baixo de expressão (horticultores de tubérculos). Porém, ironicamente, foram justamente as sociedades de terra firme, por terem uma suposta organização básica, que constituíram o modelo de resistência aos europeus e às sociedades nacionais derivadas destes, sobrevivendo até hoje. Como é possível que sociedades com cultura inferior tenham deixado um legado cultural mais influente que o legado superior de outras mais evoluídas? Em que outra parte do mundo isto é observado? Sejamos honestos: em lugar nenhum! Não é mais plausível considerar que se tratava do mesmo legado cultural, sem diferenciação essencial nas suas variáveis, apesar do grau diferenciado de complexidade local? Amazônia Antropogênica ou ambientais. E, como consequência, nem a organização social, a pressão demográfica ou algum outro fator isolado é, necessariamente, causa de desenvolvimento cultural. No Alto Xingu, Heckenberger (1996, 2001, 2008), por sua vez, observou que as evidências arqueológicas apontam para uma organização social hierarquicamente constituída, não estratificada. Entretanto, complementa esta observação afirmando que essa hierarquia não era uma ordem social escalonada, orientada para uma centralização do poder. Era, pelo contrário, a organização dos poderes segundo a sua qualidade, orientada para várias direções socialmente valorizadas. Este autor observa ainda que, no Alto Xingu, além da hierarquia social não ter se cristalizado de modo explícito em classes sociais rigidamente estratificadas, havia forças sociais centrífugas reorientando as relações de poder. E afirma que a “distribuição de poder, ou as disputas em torno deste, não eram uma mera hierarquia, mas uma hierarquia de centros de poder alternativos e muitas vezes em competição, dispostos de diversas maneiras de acordo com as condições.” (HECKENBERGER, 2001: 107). Contudo, além de manter a ideia do darwinismo social de competição, Heckenberger afirma ter-se baseado nos conceitos de poder de Foucault. Mas, esses conceitos de poder, apesar de categorizá-lo como divergente, eliminam a figura do Estado. Isto leva Heckenberger à contradição, ao relativizar excessivamente a experiência xinguana dos Aruak. Por outro lado, este autor nos permite observar que essas relações de poder representam duas forças antagônicas em acomodação: uma convergente e outra divergente; uma centrífuga e outra centrípeta, que bloqueia o fortalecimento de um “governo”, mas mantém o equilíbrio do “Estado”. Denise Schaan (2004), em seus estudos sobre a Cultura Marajoara, isto é, sobre a chamada Fase Marajoara da Tradição Policroma, parte do princípio de que essa Fase, tal como proposto por Roosevelt, era constituída por sociedades controladas por cacicados rivais, que em situações especiais, principalmente religiosas; ou ainda quando uma delas se impunha culturalmente sobre as outras, mantinham alianças entre si. Considerando que o Marajó é uma ilha, essa hipótese também se baseia na teoria da circunscrição territorial proposta por Robert Carneiro (1961), segundo a qual sociedades que vivem em territórios limitados ou circunscritos (como as ilhas) podem desenvolver padrões sofisticados de convivência. As conclusões de Schaan baseiam-se no fato de que essa cultura era 371 Amazônia Antropogênica socialmente complexa, mas segundo certos parâmetros propostos pelas teorias culturalevolucionistas para o desenvolvimento cultural, como chefia hereditária e formação de elites religiosas e políticas, entretanto, versus heterotopias sociais. Apesar de ser um argumento plausível, muito provavelmente, no Marajó, a heterotopia se manifestava justamente quando se estabeleciam alianças. Em Foucault (1986: 27), apesar de no espaço social a heterotopia cumprir a função de criar uma realidade compensatória organizada, segundo uma ordem meticulosa e fechada, também cumpre a função de criar a possibilidade do surgimento de sociedades alternativas, que colocam em xeque as relações do biopoder (instintivo). Ora, as alianças políticas marajoaras, ainda que ocasionais, eram apenas uma das expressões, em um nível mais integrado das próprias relações políticas do biopoder (chefia hereditária, elites religiosas e políticas), que já ocorreriam nas sociedades rivais, segundo Schaan (2004). Desse modo, as alianças até poderiam ser uma exceção local. Entretanto, dentro das relações humanas, estas são justamente o comum, o esperado, o previsível. Como esta autora observa, antes do advento dessas alianças políticas, a ilha do Marajó foi habitada por sociedades de diferentes etnias e costumes, as quais mantinham contatos através de uma extensa rede de trocas. E é a esse mesmo padrão ao qual as sociedades complexas marajoaras retornaram após a decadência política dos “cacicados”. Ou seja, apesar das relações políticas do biopoder, sempre levarem o Homem a voltar-se a um antes-de-si-mesmo, tal como imposto pelas suas funções instintivas inerentes, a cultura é capaz de criar situações que não existiam antes, e que levam o Homem ao depois-de-si-mesmo. No entanto, as especulações sobre a hegemonia de chefias hereditárias de ordem religiosa, cujo clímax cultural ocorreria quando eram celebradas alianças políticas no Marajó, não apresentam nenhuma evidência concreta e objetiva. Apesar da complexidade estilística da cerâmica ser apontada como uma evidência dos fluxos centralizadores de poder nas alianças marajoaras, a complexidade sociocultural observada na ilha também sugere outros modos de organização política, em que a colaboração em nome de uma poderosa tradição cultural voltada para os ritos religiosos exercia uma importante influência na agregação sub-regional. Isto não quer dizer que não existissem chefes, mas que esses chefes não teriam o poder que a própria tradição religiosa congregava, porque a entropia social (contra o biopoder) era a regra de controle do poder (que, por sua vez, gerava uma nova ordem sub-regional). Ou seja, poderia até haver cacique, mas não chefia. A recusa da chefia, enfim, do governo, não se manifestava a partir de um discurso de negação da ordem social ou do Estado. Ela já estava embutida na própria organização social do Estado, contra toda ordem de cunho totalizante. Por isso, mesmo na ausência de uma chefia forte, as relações culturais permitiam que as diferentes sociedades, apesar de manterem suas especificidades étnicas, linguísticas e simbólicas, compartilhassem, com maior ou menor intensidade, um mesmo padrão cultural sub-regional de significativo impacto regional. Há outro aspecto importante que podemos observar não só nos argumentos de Heckenberger, quanto nos de Schaan e também nos de Neves (2008) para os espetaculares sítios do Tapajós: os espaços culturais ocupados pelos Aruak, pelos Marajoaras e pelos 372 Amazônia Antropogênica Tapajós não foram construídos isoladamente; eles resultaram da diversidade, em que a força predominante era a força coletiva, emanada de suas variadas periferias. Dentro de uma área cultural, os territórios, por serem periféricos a todos os outros, também eram potencialmente centrais a todos os demais. Assim, o predomínio de um período histórico era resultado de mudanças que ocorriam na periferia, mas que eram catalisadas por um de seus centros de onde emergiam com grande intensidade. Por outro lado, pode-se observar algo ainda mais intrigante. Heckenberger constatou, muito oportunamente, que a representação cósmica reproduzida pela sociedade Aruak era, nada mais nada menos, do que a repetição em macroescala das suas próprias microestruturas socioculturais. O modelo parece simples, pois, a partir de um artefato cultural cujo significado era facilmente identificável pela sociedade, sua perspectiva era ampliada para o conjunto do espaço territorial, a partir da sua expansão sub-regional. Este modelo, que pode atingir um alto grau de complexidade, por sua vez, nada mais é do que o modelo dos sistemas complexos da natureza. Nele, as condições necessárias para a sua reprodução são criadas e mantidas pelo próprio modelo, em um processo automantenedor de retroalimentação dinâmica (RUELLE, 1993). Essa é a própria dinâmica fractal da vida! Como mostrou Heckenberger, o Homem amazônico, assim, repete na cultura o modelo da vida. Ele não é contra-natura; ele é a expressão anímica da natureza humana, que se confunde com a natureza da natureza amazônica que, portanto, é antropogênica e culturalmente definida. O maior valor dessa característica geopolítica é que ela evoluiu de práticas essenciais do biopoder. Ou seja, é evidente que certas práticas constantes nas sociedades modernas, como a guerra e o poder de um indivíduo sobre a maioria, nada mais são do que o aperfeiçoamento de características sociais extremamente primitivas. Sendo assim, a consideração de que as sociedades indígenas amazônicas desenvolveram estratégias de poder, nas quais a centralização e o poder absoluto de um indivíduo sobre os outros eram facilmente desestruturados pelo comportamento social coletivo, revela um avanço espetacular da sociedade sobre o comportamento político básico do biopoder, essencialmente instintivo. E isto é monumentalmente espetacular, embora seja eminentemente imaterial! Agora, pensemos na Amazônia como um hiperespaço regional, composto por diversas sub-regiões, por sua vez, compostas por territórios com características ecossistêmicas e socioculturais particulares; pensemos que essas áreas sub-regionais compreendem territórios partilhados por sociedades com padrões culturais diferenciados, mas similares, como em Maracá, Marajó, Baixo Amazonas, Carajás, Xingu e outras; pensemos, por fim, que o conjunto maior, a Amazônia, é o universo hiperespacial onde se fundamenta um processo civilizador, no qual todos os padrões culturais regionais são seus subconjuntos particulares, gerando eventos simultâneos, que, eventual, isoladamente ou em grupo alteram completamente a noção comum compartilhada. Mas, em cada evento, na experiência sensível –, o efeito indubitável da prática que gera a técnica – algo desconhecido, inconsciente, apresenta o contorno dos seus traços por trás dos símbolos, das representações cósmicas. Assim, não são só os elementos concretos das culturas que são vivenciados e vivificados nos processos civilizadores, mas também as imagens e as ideias por trás deles. E, no caso da Amazônia, as imagens são reproduzidas pelo próprio meio que ocupavam – a floresta. 373 Amazônia Antropogênica A ancestralidade da ação humana sobre os biomas amazônicos, mais a sua inteiração milenar com a biodiversidade desses biomas, deram às sociedades amazônicas a capacidade de exploração e manejo diversificado dos recursos naturais. Não de modo meramente adaptativo, mas de modo cultural e histórico, que selou nas paisagens construídas os seus próprios processos cosmológicos de existência e morte. Na Amazônia, quando o Homem circula, circula com ele a capacidade de diversificação e distribuição da natureza. Quando a natureza morre, morre com ela a identidade e o conhecimento que o Homem tem, da arte de ir além do instinto. De fato, foi a prática antropomórfica, construtora de paisagens culturalmente familiares que favoreceu o surgimento de organizações sociopolíticas descentralizadas, inter-étnicas e nucleares, cujas relações sociais hierarquizadas possíveis foram, todavia, insuficientes para sustentar uma ordem central legal, que comprometesse a população com a manutenção do domínio territorial. Esses são os traços políticos fundamentais da Cultura Neotropical, que podem ser considerados um processo histórico de longa duração, cuja primeira manifestação surgiu em sociedades sem agricultura e sem estruturas de poder. As sociedades que participavam desse processo foram amalgamando coletivamente as suas singularidades culturais segundo as relações sociais e os eventos históricos compartilhados, que só foram interrompidos com a chegada do europeu e com a posterior ascensão da sociedade brasileira. Em razão disso, eles não poderiam ter perdido o que nunca tiveram: características de pequenos Estados hierarquicamente centralizados, aos moldes de Leviatã. Assim, a afirmação de que depois da conquista europeia, as sociedades étnicas Amazônicas teriam regredido a um estágio social “inferior” de simples horticultores de tubérculos, sem que, por outro lado, nem antes e nem depois se encontre quaisquer das características sociais, políticas e econômicas atribuídas às sociedades superiores, definidas como “chefias” ou “cacicados”, provavelmente consiste em um absurdo. Visto que, relações e práticas presentes conscientes são precedidas pelas mesmas relações e práticas como experiências sensíveis inconscientes, era de se esperar que, em algum momento antes da sua plena constituição, encontrássemos (como se encontra no México, na Mesoamérica, no Peru, na Mesopotâmia e no Mediterrâneo) alguma evidência que indicasse governos centralizados, aglomerações sedentárias dominando aglomerações vassalas e guerras de expansão ou anexação territorial. Entretanto não há, no passado mais remoto e nem mesmo no passado imediatamente anterior às supostas “chefias” ou “cacicados” amazônicos, qualquer evidência arqueológica ou histórica da evolução de tais costumes. MITOS, MENTIRAS E DESCONTINUIDADE DO PODER NA AMAZÔNIA Quanto às informações etno-históricas, estas são relativamente grandes, porém muito irregulares e frágeis em termos de qualidade e veracidade. Não se deve fazer uma simples transposição do relato histórico para o contexto arqueológico, sem uma análise crítica da fonte. Mas, através de uma epistemologia mista, é possível dar visibilidade às explicações arqueológicas. Certamente, fontes dos viajantes dos séculos XVI e XVII são narrativas carregadas de fantasias – a maioria delas absurdas. Entretanto, essas fantasias não podem ser consideradas fruto de mera inocência ou ignorância. Pois, na realidade, 374 Contudo, a mentalidade europeia dos séculos XVI e XVII (quando essas fontes foram geradas) era um poço sem fundo de superstições e narcisismo, de modo que, para a história, a narrativa dos exploradores são mitos que se mostram como criaturas da imaginação e como linguagem da cultura. Neste sentido, tal como observa Geraldo Coelho (2008), os mitos produziam coesões sociais e universalizavam diferenças e singularidades em meio às diferenças culturais que os exploradores constatavam em suas viagens. Eram viagens feitas para outro mundo completamente diferente do seu, e que só podia ser entendido através do maravilhoso e do fantástico. A natureza, as paisagens e os cenários sociais revelados pelo conhecimento do Novo Mundo produziram uma nova forma de imaginar o mundo no qual foi atualizado e incrustado o acervo mitológico europeu. Amazônia Antropogênica elas eram artifícios para esconder informações codificadas, destinadas aos interesses militares e/ou comerciais dos governos e instituições que os financiavam. Elas seriam informações precisas sobre a situação militar, os recursos econômicos, os mercados, as riquezas, as possibilidades de relações (FOUCAULT, 1986: 163). Na época das descobertas e conquistas, o fabuloso e o imaginário dos mitos conviviam com a realidade do domínio, do comércio e das buscas de riquezas, principalmente de ouro. Ainda segundo a sagaz observação do historiador Geraldo Coelho (Idem), quando a aparição das Amazonas ocupa o olhar do escrivão da expedição de Orellana, as quais foram relatadas em sua Relación, a representação do mito fazia parte do patrimônio intelectual do escrivão. Tanto é que o próprio Colombo assinalara, ao retornar de sua primeira viagem à América, a presença das Amazonas nas terras americanas. Portanto, tais registros circulavam livres de críticas entre os viajantes ao tempo das viagens de Orellana pelo rio Amazonas que, no fim das contas, acabou herdando o nome das guerreiras que eram parte da antiga mitologia macedônica. Frei Gaspar de Carvajal (1942 [1542]), da expedição de Orellana, tem a sua credibilidade questionada, justamente por causa de algumas passagens fantásticas na sua narrativa quinhentista, ainda fortemente influenciada pelo maravilhoso mito da cultura medieval. Mesmo sendo frei, Carvajal estava completamente mergulhado na mitologia pagã, em que se revela as profundas raízes que a mitologia fincava no imaginário das culturas europeias de então. Conhecedor do enredo básico da narrativa mitológica das mulheres guerreiras, ele tenta atualizá-las ao novo contexto, ajustando os velhos significantes ao universo de novos significados. Ele anotou que os guerreiros nativos eram súditos e tributários das Amazonas; que os comandavam como capitães; que elas puniam com a morte aqueles que recuassem nas batalhas; que o poder e a liderança do grupo estavam nas mãos dessas mulheres. Obviamente que isto invertia os parâmetros da organização das sociedades indígenas amazônicas do século XVI, nas quais a guerra era uma atribuição exclusivamente masculina. Inclusive, segundo Denise Gomes (2010), esses parâmetros que se refletiam na cerâmica ritualística dos povos tapajônicos implicavam uma complexa relação entre o Homem e a natureza, em cujo mundo não só os Homens eram habitantes, bem como outros sujeitos então encarnados por animais e espíritos considerados igualmente pessoas. Esses outros sujeitos, quando encarnados como predadores, deixavam de ser animais para serem caçadores de Homens, que então se tornavam presas (animais). Papel que se inverte quando 375 Amazônia Antropogênica é o homem o caçador-predador (VIVEIROS DE CASTRO, 2002). Desse modo, a relação baseada na representação de animais ferozes, fazendo dos homens, eles mesmos, animais ferozes, simboliza mitologias que se organizam em torno do mágico e de cerimônias que evocam a transmutação de sujeito em sujeitado; e do sujeitado em sujeito (ora caça, ora caçador; ora líder, ora inimigo). Portanto, sem qualquer analogia a um caráter guerreiro ou político expansionista em que houvesse uma tensão entre o patriarcado e o matriarcado nas relações de gênero e poder. Apesar deste senão, Carvajal parece ter sido moda entre os etnohistoriadores, que até fins do século XX recorrem aos seus relatos, especialmente àqueles que falam de elementos de interesse etnológico: disposição e tamanho aparente dos povoados; ocupação contínua ao longo das barrancas do rio e caminhos “bons e largos”, ligando os núcleos ribeirinhos a sítios ou roças do interior; aspecto geral da população; táticas de guerra; alguns rituais, costumes e utensílios (PORRO, 1989). Não obstante, foi Heriarte (1964 [1662]) que trouxe ao mundo a existência entre os ameríndios de uma nação poderosa, com senhores divinos, sedentos de escravos e concubinas domésticas, chefes de nobres chefes, sujeitados e obedientes. Esta Nação, cujo povo atendia pelo nome de Omágua e que, linguisticamente, eram parentes distantes dos Tupinambá do litoral (LATHRAP, 1972). Embora vivessem na foz do Javari, antigo território dos Aparia e dos Aricana, que não possuíam nenhuma filiação com os Tupi, não se tem por certo se teriam sofrido alguma influência desses povos. Entretanto, entre 1561, quando da passagem de Carvajal; e 1639, quando por lá chegou Heriarte (PORRO, Op. cit.), ocorreram mudanças espetaculares na geografia humana do alto e do médio Amazonas; e outras foram constatadas no decorrer do século XVII. A razão era a própria dinâmica das populações indígenas, da qual não estavam livres nem mesmo os “poderosos” Omágua. Estudos arqueológicos e linguísticos (LATHRAP, 1972) indicam que a grande região ocupada pelos Omágua no século XVII passou por flutuações migratórias desde o início do Holoceno. Por outro lado, embora o autor tivesse percebido as migrações, afirmou que estas teriam sido causadas pelo crescimento da população desse mesmo grupo. Mas a explicação proposta, como a exploração da proteína aquática, não é suficiente para esclarecer o motivo desse crescimento populacional e de sua dispersão, muito menos para afirmar uma unidade cultural a partir de certa influência populacional. Por outro lado, esse território também teria sido ocupado por grupos Tupi e por povos de origem andina, dos quais os Omágua herdaram algumas influências, tais como o achatamento artificial da cabeça. Em meados do século XVI, grupos Tupi conviveram com os Omágua, que então ocupavam o alto e o Baixo Amazonas e o baixo Napo. Não há notícia de qualquer guerra ou conflito entre eles. Em 1647, enviados portugueses, guiados por Heriarte, chegaram às primeiras aldeias Omágua, a uns cem quilômetros da atual fronteira do Brasil. Em três anos, os Omágua foram dizimados pelas epidemias e pela catequese, segundo relato do missionário Laureano de La Cruz, que retornara a Belém em 1650 (PORRO, Op. cit.). Como, em tão pouco tempo uma nação com um “senhor tão poderoso” poderia ter sido dizimada quase que ao todo, e sem deixar qualquer herança? No caso dos Impérios Inca e Azteca, por exemplo, apesar de terem desmoronado com uma rapidez impressionante, deixaram um rastro histórico e cultural que até hoje ainda não se apagou. Mas dos Omágua, o que restou? Nada! 376 Amazônia Antropogênica Provavelmente, a poderosa organização social dos Omágua incluía relações interétnicas, dinâmicas, diversificadas e descontínuas de poder. Com esse aporte, no momento crítico vivido com a pressão europeia e suas nefastas consequências, foram capazes de organizar mudanças sociais rápidas e radicais, sem nenhuma das características aparentemente observadas. Até porque, na existência verdadeira dos costumes relatados, as suas bases seriam muito frágeis e susceptíveis às ações centrífugas dos diversos segmentos da população. Carvajal (1942) descreve uma “província” à jusante de Machipara até a foz do Purus, com cerca de 250 km, onde vivia um povo “muito numeroso e rico”, o qual foi chamado por ele de Omágua. Ora, chegou-se à conclusão que esses Omágua não eram os mesmos Omágua seiscentistas, porque os relatos de Carvajal não registram nenhuma das referências feitas por Heriarte quanto à organização política. O mais interessante é que foi Carvajal quem primeiro citou o nome Omágua, posteriormente fixado pelos outros cronistas. Carvajal relata ainda que eles eram excelentes navegadores e também mantinham excelentes relações com tribos da terra firme, alcançadas por caminhos “bons e largos que entravam pela terra adentro”, e que quanto mais se afastavam do rio, “eram melhores e maiores”. Porro e Roosevelt concluíram que a região citada se referia ao rio atualmente conhecido por Solimões. Segundo Acuña (1941), que acreditava nos relatos sobre as Amazonas feitos por Carvajal, o Solimões era habitado por um povo não menos numeroso, que, não obstante ao contrário dos Omágua do rio acima, não usavam roupas, eram muito belicosos e a língua falada não era da família Tupi-guarani. Convém observar, por outro lado, que sobre a mesma região, Carvajal faz admirado comentário sobre os artefatos cerâmicos produzidos em uma das aldeias, que foi chamada de Aldeia das Louças pelos companheiros de Orellana. Entretanto, nem Acuña, nem posteriormente Pedro Teixeira, que por lá passaram, fizeram qualquer comentário quanto à qualidade da cerâmica do Solimões, embora mencionem o intenso comércio (cerâmica, cuias e contas de caracóis) mantido por eles, com povos de várias regiões, inclusive litorâneas. Porém, não há nenhum comentário especial sobre a cerâmica, embora tivessem observado que as cuias eram pintadas. Na região da atual Santarém, nas margens do rio Tapajós, até hoje encontra-se facilmente material de cerâmica indígena enterrada sob as ruas, casas e praças da cidade. Outrora, essa cerâmica pertencera a um povo muito criativo, cujos registros arqueológicos e etno-históricos não deixam qualquer dúvida quanto ao seu elevado nível sociocultural. Por outro lado, as descobertas da grande complexidade atingida pelas sociedades indígenas do Tapajós, assim como as do Marajó, as do rio Negro e do Xingu mudaram a ideia, que durante muito tempo forjou a nossa história, de que a imaturidade dos povos nativos só foi superada com a chegada da civilização europeia “salvadora”. Pelo contrário, a civilização ocidental, com o seu expansionismo exterminador, riscou do mapa uma experiência sociopolítica talvez única no mundo, que beira à organização sonhada pelos seus mais utópicos pensadores. Portanto, não foi só a usurpação do ouro americano que garantiu o brilho, o esplendor e a glória da civilização europeia; também foi a destruição de todas as experiências culturais, sociais e políticas que poderiam ofuscar suas ordens e senhores. Carvajal foi o primeiro viajante quinhentista que visitou a região de Santarém. É aí que ele inventa o país “das amazonas”. Seus relatos mais importantes são aqueles narrando o tamanho e a quantidade de aldeias ao longo das duas margens do rio; as grandes aldeias 377 Amazônia Antropogênica situadas no interior, as quais ele chamou de “grandes cidades”. Ele também menciona a presença de “grandes senhoras, proprietárias de extensas áreas habitadas”. A expedição de Aguirre (PORRO, 1989) também passou por lá e mencionou as casas de adoratório e fez negócios – que prosperaram, sendo os portugueses grandes apreciadores da cerâmica produzida pelos Tapajós, que negociavam por contrato. Mas, quer saber, como dar crédito às amazonas – mulheres guerreiras – aos grandes chefes, aos adoratórios e ao comércio por contrato, se toda essa história parece uma versão atualizada das fantásticas viagens de Odisseu na Odisseia de Homero?2 Quem já a leu, sabe disso. Um século depois de Carvajal, Heriarte constata que diversas tribos do rio Trombetas tinham “os mesmos ídolos, cerimônias e governo que tinham os Tapajós”. Acuña também esteve por lá, manteve a lenda das amazonas e visitou a principal aldeia dos Tapajós, provavelmente o próprio sítio de Santarém. Heriarte constata a existência de cerimônias matrilineares, quando algumas mulheres de linhagens “nobres” eram veneradas como oráculos. A linhagem masculina também era cultuada através dos seus antepassados. Os corpos ressequidos dos mortos dessa linhagem eram preservados em cabanas especiais [?]. Mas isto parece simplesmente plágio, coisa que era muito comum na época: a cópia de relatos que tinham feito sucesso com outros. De todo modo, em 1639, quando a expedição de Pedro Teixeira chegou à foz do Tapajós, encontrou a tropa de Bento Maciel preparando-se para a caça de índios naquele rio. Era o tiro de misericórdia? A mão de obra, cada vez mais escassa nas proximidades de Belém, fez os portugueses trocarem o comércio da cerâmica pela captura de escravos. Primeiro comercializando os prisioneiros de guerra, depois estimulando o conflito entre aldeias rivais e, por fim, aprisionando os próprios fornecedores. Ou seja, implantaram na Amazônia a mesma estratégia aplicada na África. Em pouco tempo, o Tapajós estava deserto. O frágil equilíbrio que permitira a existência daquela sociedade desfizera-se em menos de cinquenta anos. Em 1691, o jesuíta Samuel Fritz registrou quase seiscentos quilômetros de despovoamento no outrora populoso Tapajós. Ora, parece que os europeus apenas aceleraram a transfiguração sociocultural dos ameríndios, iniciada desde o primeiro contato, quando buscaram “senhores” e “reis” para estabelecerem contados comerciais em nome da Coroa real. Apesar de tudo, o equilíbrio social ameríndio possuía os seus mecanismos de defesa e estes estavam justamente fincados na mobilização e dispersão. A capacidade de mobilização e dispersão das sociedades indígenas amazônicas, mesmo entre aquelas com organizações sociais com significativo sedentarismo, são espetaculares. Isso exige uma descontinuidade social capaz de mobilizar grupos independentes que migram, não necessariamente para a mesma direção. Relatos feitos por Laureano de La Cruz dão o seu testemunho quanto à dispersão dos Omágua. Ele encontrou grupos pequenos de Omágua, que o informaram a respeito do despovoamento das suas antigas áreas de ocupação, mas não souberam informar direito a respeito da localização do restante do povo. O jesuíta considerou que o restante do povo foi exterminado pelas pestes que assolavam a região, entretanto, é possível que o sumiço do restante dos Omágua tenha tido outra causa. 2 378 Na América, a lenda da Nação de mulheres guerreiras sem homens, quase sempre associada à existência de riquezas minerais, assume diversas feições, localizando-se ora no Chile ou Cartagena, ou ainda no Yucatã ou nas Antilhas, para finalmente fixar-se na versão de Carvajal (HOLANDA, 1977: 26-29). Amazônia Antropogênica Acuña, por sua vez, testemunhou a aflição dos Omágua que ficaram nas suas antigas áreas de várzea, agora livres para a exploração de suas farturas por parte de outros grupos, como foi o caso dos Curinas, ao sul; e dos Tecunas, ao norte. A convivência, porém, não foi pacífica, já que a pressão do colonizador e a ação forçada de “descimento”, que eles promoviam, deixavam os indígenas em polvorosa. Então, pressionados por caçadores de escravos, jesuítas, doenças e grupos rivais, os Omágua adentraram a terra firme, perdendo definitivamente o seu antigo status. Quanto aos Tapajós, simplesmente dispersaram sem deixar rastros. Observa-se que quando é registrada (de fato) a pressão sobre o território (pela ação do europeu), não há convergência de poder, pelo contrário, é quando a dispersão mais se acentua. Além da diversidade ambiental da Amazônia forçar uma inteiração igualmente diferenciada com a natureza e com seus recursos naturais biodiversos, o conhecimento sobre o manejo ecossistêmico foi fruto de uma experiência cujo resultado foi a produção de técnicas especializadas diversas e uma organização de poder essencialmente divergente. Isso permitiu que, mesmo em períodos de crises intensas, povos acostumados a uma vida e costumes sedentários, em certas áreas fossem capazes de se organizar descontinuamente, para explorarem outras há muito tempo conhecidas. Para tanto, tinham uma economia cuja especialização era superada pela exploração diversificada, mas relativamente intensa, dos recursos naturais já suficientemente antropizados. Essa exploração diversificada incluía técnicas de manejo, seleção cultural, domesticação e simbolização cultural da paisagem. Igualmente, a organização política tinha por base a singularidade de um pensamento cosmológico que permitia a transladação do poder entre o sujeito e o sujeitado, e a acomodação entre as forças centrípetas e as forças centrífugas da sociedade. Fato instituído pela integração entre cultura e natureza, pela necessidade de certo controle do território, exploração intensa de alguns recursos e controle social de grandes populações versus o intercâmbio com outras sociedades possuidoras de recursos diferenciados; constante mobilização de comunidades e/ou grupos familiares; descontinuidade social através de atitudes individuais e ausência de fronteiras políticas militarmente controladas. Em síntese, a imagem de um Estado do tipo exposto em Leviatã, controlado por um governo central forte, representando a essência da evolução política das sociedades complexas, não passa de um mito iluminista. Quando a perspectiva do poder iluminista é desconstruída, aflora uma série de possibilidades, as quais, entre outras coisas, desclassificam o poder centralizado como uma necessidade para a manutenção de relações sociais e culturais complexas. Essa desconstrução abre a possibilidade para entendermos a formação do Estado como um meio de organização política natural das sociedades, independente da densidade populacional, da existência do sedentarismo, da estratificação e de hierarquias sociais fundadas no trabalho, no sexo ou no poder. Por outro lado, alerta-nos para a diferença inescapável entre governo e Estado e, por fim, para o entendimento de que a democracia moderna não é nem o clímax evolutivo e nem mesmo uma das fases necessárias das relações políticas na história. Ela é apenas uma variável dos diversos modos de o poder se organizar em uma sociedade. 379 Eloquência das Inevitáveis Consequências Amazônia Antropogênica ARGUMENTOS FINAIS Marcos Pereira Magalhães Em 2001, Papavero observou que o hiato deixado pelos estudos da História da Ecologia centrados em populações contemporâneas desconsiderava a ação humana milenar sobre a seleção das espécies dessa mesma diversidade. Por outro lado, os estudos da domesticação de plantas estão mais interessados em identificar seus processos e origens (LATHRAP, 1977; PIPERNO, 1998; GNECCO, 2004; MORA, 2006), do que em verificar o efeito do uso sistemático de plantas na organização das regras sociais (SHEPARD JR., 2005) ou na composição e evolução dos ecossistemas explorados e/ou ocupados pelos Homens (CLEMENT, 2004, 2006). De fato, a grande maioria dos organismos é responsável por selecionar o ambiente em que vive e por construir muitos de seus aspectos. O Homem, por ser um organismo social extremamente complexo, seleciona e constrói aspectos ambientais igualmente complexos e a inter-relação entre eles não deixa claro o que é natural e o que é cultural. Na verdade, essa inter-relação elimina a dicotomia cultura-natureza. A Arqueologia da Paisagem permite fazer a síntese analítica da evolução Homem/meio ambiente e considera, tal como observado por Maturana (2001), que no meio socioambiental, o Homem e as espécies com as quais interage, comutam e, conforme as suas particularidades, evoluem conjuntamente. Não se trata, pois, de uma perspectiva meramente geomorfológica, na qual só os efeitos das ações humanas sobre o meio físico seriam observados; nem da zoologia do Homem, na qual ele seria isolado e tratado como um “macaco nu”. E nem de uma perspectiva estruturalista simplista, em que o mundo que conhecemos é a nossa linguagem projetada. Mas, portanto, da perspectiva de que não se pode compreender a si mesmo isolando-se do seu meio natural, pois o Homem, através da cultura, cria as condições necessárias e suficientes para a sua própria existência. Assim, uma paisagem é um meio natural de origem antrópica circunscrito no espaço onde os agentes humanos e não humanos interagem evolutiva e coletivamente. 383 Amazônia Antropogênica O ambiente antropizado é mais do que uma representação social de uma sociedade. É uma expressão concreta repleta de objetividades e simbologias da cultura que ela reproduz. Portanto, o espaço amazônico, por ser um mosaico de sub-regiões culturais, compostas de territórios com paisagens inter-relacionadas pela atividade histórico-social das populações que nela desenvolveram e evoluíram suas práticas culturais, possui uma identidade coletiva própria, projetada sobre a diversidade ecossistêmica regional. Essa identidade foi adquirida desde a chegada dos seus primeiros colonos, ainda no Holoceno inicial, ao erguerem cenários sociais que vieram a moldar as diversas paisagens culturais futuras. Nos cenários de um lugar ou sítio de acontecimento histórico-social, a influência humana sobre o meio é necessariamente intencional; já na paisagem de um território, em geral é aleatória, mas intuitiva. No entanto, quanto mais cenários sociais definirem um território cultural, mais antropogênica é a sua paisagem e mais espécies culturalmente selecionadas se distribuem e se multiplicam naturalmente no espaço regional. Portanto, quando se fala de “Cultura Neotropical”, deve-se entender que se está falando de sociedades amazônicas sedentárias ou não, que possuíam o domínio técnico e econômico do cultivo de plantas neotropicais locais e a capacidade de potencializar intensamente os ambientes naturais, enquanto interpretava a sua própria representação cultural. Mas esses ambientes considerados naturais eram, eles mesmos, fruto do artifício humano, como é o caso das terras pretas, por exemplo. Ao entenderem a natureza neotropical amazônica, as sociedades da Cultural Neotropical passaram a entender a sua própria cultura como tal. A “Cultura” da Cultura Neotropical, entendida como um mosaico de culturas sociais e etnicamente diferenciadas, mas com um mesmo padrão comum subjacente, por sua vez, foi desenvolvida por populações ancestrais nativas, as quais montaram cenários sociais que modelaram os ambientes amazônicos em paisagens familiares, coletivas e regionalmente integradas. Em síntese, a Cultura Neotropical Amazônica não só é fruto da reorganização histórica de ações humanas anteriores (de Cultura Tropical), efetivadas na floresta úmida amazônica, bem como é um fenômeno cultural que fez dos ecossistemas neotropicais um objeto manufaturável! Por outro lado, a perspectiva da ecologia histórica, de que cultura e natureza não se antagonizam, mas são expressões diferentes do mesmo fenômeno, é uma abertura para se tentar compreender como a seleção cultural influenciou a seleção natural na evolução das espécies neotropicais, tornando a maior parte da floresta amazônica efetivamente antropogênica. Até a década de 1990, os estudiosos da ecologia humana acreditavam que os caçadorescoletores apresentavam uma larga gama de opções contra o risco de escassez que incluíam a mobilidade, o armazenamento, a coleta, a logística e a diversificação. A combinação desses mecanismos seria usada para definir estratégias que contrastariam, nos coletores de plantas, o sistema de retorno imediato do sistema de retorno retardado; caçadores-coletores sedentários dos caçadores-coletores nômades; caçadores-coletores generalizados dos caçadores-coletores complexos. Essas estratégias estariam amarradas deterministicamente a respostas adaptativas culturais definidas, segundo as circunstâncias ambientais, que variariam espacial e temporalmente em um dado ambiente. Os estudiosos comprometidos com esta 384 Amazônia Antropogênica perspectiva interessavam-se pela diversificação aparentemente determinada por uma suposta escassez natural, ignorando que existiam culturas com o poder de transformar ambientes não produtivos em ambientes fartos. Por ignorarem este poder, eles discutiam se a diversificação (exploração de uma gama de produtos), associada à intensificação (aumento da produtividade apropriada da especialização), seria um mecanismo eficaz para uma resposta adaptativa às instabilidades climáticas registradas no Pleistoceno final e no Holoceno inicial nas Américas. Eles achavam que aí estaria a resposta para explicar o desenvolvimento de sociedades caçadoras-coletoras complexas e para a origem da agricultura. Mas, como vimos, na Amazônia, a principal estratégia contra a escassez não era a adaptação ou a compensação generalista, e sim a transformação dos ambientes em nichos antrópicos autônomos. O mundo natural, para o homem tropical, antes mesmo de ele possuir uma identidade cultural formalizada por leis de conduta social, é uma fonte de instrumentos e utensílios para a predominância da prática na vida diária. Com isso, junto aos sistemas humanos de ocupação ambiental, existe o poder de transformação cenográfica da paisagem pela atividade prática do Homem, que supera e redefine barreiras ecológicas. Isso combina com a capacidade inteirativa humana que, paralelamente, é capaz de alterar o ambiente transformando-o às suas próprias necessidades, e assim gerar o embrião do futuro, que é o passado persistindo, mas transformado pelo presente. Mais que isto: quando costumes tradicionalmente incorporados e transmitidos culturalmente garantem o manejo de árvores cujos frutos só serão úteis no futuro, compreende-se que o devir histórico é moldado pelo que está sendo realizado no presente. Por tudo isto, podemos deduzir que, em um primeiro momento, as modificações cenográficas e a construção antrópica das paisagens e a consequente transformação dos ecossistemas amazônicos em ambientes antropogênicos (nichos antrópicos autônomos) resultaram da antropogênese originada no manejo não planejado dos recursos naturais por populações indígenas. Em um segundo momento, a paisagem é intensamente transformada pela ação consciente do Homem. De fato, estudos da etnoecologia, da arqueologia neotropical, da ecologia histórica e da arqueologia da paisagem também têm mostrado que o manejo indígena na Amazônia supera barreiras para o crescimento populacional ou para a emergência de manifestações culturais de grande complexidade social, já que a própria natureza é, parcialmente, um produto da ação humana e o Homem, filho desta mesma natureza. Já nossas pesquisas em Trombetas e, especialmente em Carajás, vêm mostrando que o que o Homem amazônico promoveu por meio do comportamento, costumes e práticas, enfim, por meio dos seus sistemas simbólicos e sociais, surtiu efeitos profundos sobre o ambiente onde viveu. E, ainda, que o produto desses costumes e práticas resultaram na seleção e repetição de informações transmitidas milenarmente através da cultura. Sendo assim, podemos afirmar que há dois tipos de paisagens: a paisagem cultural e a paisagem natural. Em princípio, com referência ao nosso próprio conceito de paisagem, seria redundante tratar de paisagem cultural, já que todo ambiente transformado pelo Homem seria necessariamente uma paisagem cultural. Porém, quando utilizamos o termo paisagem cultural, queremos dizer que essa paisagem possui uma identidade cultural 385 Amazônia Antropogênica que a diferencia de todas as outras paisagens culturamente reproduzidas. Ela teria aquilo que Balée (2008) chama de indigeneidade, ou seja, uma assinatura que a identifica como um artefato cultural significante, tal como a cerâmica e as pinturas corporais, por exemplo. Porém, com a diferença de que a paisagem seria um artefato vivo. E assim chegamos ao segundo tipo de paisagem – a natural. Também pode parecer estranho falar em paisagem natural, já que toda paisagem é de origem antrópica. Contudo, temos ambientes que ao longo de muitos séculos passaram por tantas interferências antrópicas que, com raras exceções, as espécies que neles predominam e florescem naturalmente são aquelas selecionadas culturalmente e não as nativas que um dia lá existiram. Isto é, são paisagens naturais porque, apesar de serem florestas antrópicas, compostas por espécies culturalmente selecionadas, as espécies dominantes não precisam mais do Homem, pois são autônomas, por se terem tornado antropogênicas. No ambiente não há indivíduo isolado; e nem a sociedade ou um grupo social está separado do mundo circundante. Eles interagem e se tornam inteiros. Nessa relação inteirativa eles comutam, absorvendo as experiências exteriores, conforme as experiências particulares dos sujeitos com o seu próprio mundo circundante. Na Amazônia, Homem e a natureza se inteiraram de tal modo, através de um corpo anímico indivisível, que os ambientes antropizados tornaram-se antropogênicos. Isso nos leva a quatro possíveis argumentos. Quais sejam: I - a refutação de que a domesticação de plantas só pode ser feita por espécie, e de que a própria evolução das espécies seja individual; II - a afirmação de que a domesticação pode ser a construção de cenografias simbólicas da paisagem através da seleção cultural e coletiva de espécies; III - as especiações ocorrem em um processo coletivo de transformação ambiental; IV - a afirmação de que, desde a chegada do Homo sapiens sapiens no mundo, a seleção cultural foi-se tornando um fator importante nos processos evolutivos. Portanto, ao afirmarmos que o corpo do Homem amazônico era a medida de todas as coisas, estamos afirmando também que este corpo era o próprio corpo da natureza com a qual comutava, fortalecia-se e transcendia. E, consequentemente, a natureza era humanizada quanto mais o Homem se integrava às suas forças. Não poderia haver, com isso, nas sociedades amazônicas, tal como ocorria em outras regiões, o desejo sobrenatural de domínio da natureza e de eliminação das potências selvagens. Pelo contrário, havia o desejo de compreensão no eu dos espíritos que habitam os mundos desconhecidos, especialmente daqueles que, como afirma Viveiros de Castro (2002), escondiam-se atrás do envoltório corporal do outro. Na Amazônia, mais do que em qualquer outro lugar do mundo, enquanto as atividades de uma geração moldavam as condições de vida da geração seguinte, era gerado um efeito de retroalimentação entre os hábitos transmitidos e o nicho herdado, de modo que ocorria uma coevolução entre natureza e cultura. A antropização coletiva dos ambientes, ou seja, a construção de paisagens culturalmente simbolizadas alterou o ambiente seletivo em que as sociedades amazônicas viveram, o que permitiu mudanças culturais cada vez mais complexas, que expandiram a percepção e produziram mais informação. A emergência da consciência da natureza antropogênica das florestas amazônicas foi precedida, em milhares de anos, pelo manejo antrópico e meramente intuitivo dessas 386 Amazônia Antropogênica mesmas florestas. Por outro lado, o manejo intuitivo foi uma antropogênese; a resposta evolutiva da vivificação da cultura humana junto aos ecossistemas amazônicos e, também, o processo de integração coevolutiva do Homem com esses ambientes. Desse modo, nem o Homem nativo se adaptou ao meio, nem o meio se adaptou ao Homem nativo. O que houve foi a integração da cultura humana com a natureza amazônica, em que a seleção cultural manifesta no primeiro, potencializou a seleção natural manifesta em ambos. A mudança na germinação de algumas plantas domesticadas, por exemplo, embora tenha alcançado o nível genético, foi impelida pela cultura. E a alteração na distribuição geográfica de diversas espécies de plantas e animais no Holoceno, embora tenha ocorrido em função de mudanças ambientais, também foi profundamente favorecida pela seleção cultural. Porém, ainda que a antropogênese – o início da ação cultural sobre a genética e a distribuição de espécies – fosse intuitiva, essa ação foi coevolutiva e deixou de ser aleatória ou casual para se tornar consciente, ao se manifestar por um planejamento anterior concebido pelo próprio artifício da inteligência humana. Desse modo, na seleção cultural, a evolução apresenta aspectos inequívocos de inteligência, visto que existem conexões entre os processos naturais e os processos culturais, simbólica e cognitivamente organizados, que além de interligá-los em um corpo coletivo, representa a emergência de novos rumos evolucionários previamente estabelecidos. Ou seja, não são meramente fisicalistas. Essas conexões evolucionárias, históricas e/ou ambientais implicam a compreensão de uma natureza na qual tudo está ligado e agindo coletivamente. A ligação coletiva, pelo potencial de informação que carrega, segue um plano que se constitui no momento mesmo da sua integração. Por outro lado, como toda matéria usa a mesma regra para caracterizar o comportamento presente através da referência ao comportamento passado e futuro dos vizinhos, e delimita-se às características da regra, simultânea e continuamente, todo corpo material é a composição intricada de uma característica informativa que planeja a si mesma. Por serem simultâneos e contínuos, os caracteres determinam um planejamento imprevisível, uma vez que os elementos constituintes e caracterizantes da informação se estabelecem no encontro que ocorre na duração. Ou seja, pela teoria da informação, a linguagem comum tem uma redundância superior a 50%, que não são necessários para a transmissão da mensagem. A redundância é um afastamento aleatório previsível que habita a linguagem significantemente, e que, topologicamente falando, no conjunto, tem tanta importância quanto a dominante. Assim, o plano depende da combinação do conhecimento dominante e redundante compartilhados, que os seres têm na sua história com o mundo, para ser quantificado. Com isso, a imprevisibilidade é relativa à combinação possível entre o que é apreendido, o que é redundante e o que está de acordo com o ambiente. Por outro lado, na epigenética, sabe-se da existência, no genoma, de genes redundantes ou variações genéticas ocultas, que estabelecem a ligação entre o ambiente e o genoma, ativando ou desativando certos genes, conforme o ambiente e o comportamento dos seres. Há, ainda, mecanismos que acumulam variações ocultas, aumentando o potencial de mudança evolutiva quando as condições internas ou externas se tornam radicalmente diferentes. Se essas condições são culturalmente determinadas, então temos que considerar a força 387 Amazônia Antropogênica do direcionamento inteligente, que pode conduzir a evolução para direções previamente planejadas. Segundo Diegues (1996), na medida em que percebemos, na natureza, o “lócus” onde os seres comutam conexões evolutivas inter-relativas, na qual os Homens também estão envolvidos, os modos como isto ocorre podem ser entendidos na ordem de outra qualidade. A ordem qualitativa, na qual a sensibilidade, a ação e os meios onde os seres apreendem e agem sobre a natureza dentro de um ambiente espaço-temporalmente alterável, implica um conjunto onde eles estão conectados entre si, naquilo que lhes corresponde significativa e sensivelmente (UEXKÜLL, 1934; MATURANA, 2002). E é esta inteiração ativa da sensibilidade que retira dos complexos evolutivos naturais qualquer caractere mecânico ou aleatório. Por outro lado, a posição do ser humano frente a uma ordem associativa e sensível na natureza também retira das suas produções socioculturais qualquer caráter de pura artificialidade. A NEOTROPICALIDADE ALÉM DO GEOGRÁFICO Como se sabe, Região Neotropical é um conceito clássico da biogeografia, e se refere a uma das divisões zoogeográficas mundiais estabelecidas desde o século XVIII. Nesses termos, neotropical é a região que compreende a América Central, incluindo a parte sul do México e da península da Baixa Califórnia, o sul da Flórida, todas as ilhas do Caribe e a América do Sul. Apesar do seu nome, esta Região inclui não só sub-regiões de clima tropical, mas também de climas temperados e de altitude. Trata-se de uma região de grande biodiversidade, com ecossistemas tão diversos, como a Floresta Amazônica, a floresta temperada valdiviana do Chile, a floresta subpolar magalhânica da Patagônia, o Cerrado, a Mata Atlântica, o Pantanal, os Pampas e a Caatinga de boa parte das Américas do Sul e Central. Desde o século XX, o conceito de região biogeográfica engloba o de vicariância, que é a separação da população de uma comunidade, de forma a favorecer o surgimento de duas espécies muito próximas em regiões geográficas distintas e relativamente distantes entre si. Toda região geográfica, portanto, caracteriza-se por possuir grupos de espécies endêmicas. A Amazônia, em particular, recebeu, na sua vegetação, o concurso de plantas pantropicais, antes da deriva das placas continentais. Após esse evento, elas formaram endemismos em famílias, gêneros e espécies, constituindo, assim, os Domínios Florísticos e as diferentes sub-regiões amazônicas (várzeas, igapós, florestas de terra firme etc.) da Região Neotropical. Como o conceito de neotropicalidade não é uma mera definição de áreas físicas, mas, fundamentalmente, da distribuição de seres vivos, procurando entender os padrões geográficos da organização espacial desses e os processos que resultaram em tais padrões; ou seja, como este define a distribuição e a evolução de espécies em uma determinada zona geográfica, tal conceito não pode estar dissociado da interação entre as espécies e o lugar ao longo do tempo. Isto implica considerar que, desde a chegada do Homem à Região Neotropical, no Holoceno inicial, há fatores históricos agindo na especiação. No entanto, quando alguns pesquisadores falam das origens da agricultura nas terras baixas neotropicais e de sistemas horticultores neotropicais, estão falando 388 Por outro lado, a grande maioria dos estudos publicados sobre distribuição e evolução de espécies neotropicais trata de espécimes contemporâneos, Holocênicos, e ignora, em sua totalidade, a influência humana milenar sobre os ecossistemas estudados. Apesar do alerta de Papavero e Teixeira há mais de 10 anos (2002), a situação hoje continua a mesma: a maioria dos autores empenhados no estudo da biogeografia silencia sobre o assunto e muitas vezes se confunde, aceitando como verdade inquestionável que a distribuição dos animais na superfície do globo teria permanecido essencialmente a mesma durante o período de estabilidade climática observado nos últimos dez mil anos, regra quebrada apenas pela indefectível ‘perda de biodiversidade’ contemporânea (PAPAVERO; TEIXEIRA, 2002). Há evidências inquestionáveis, regularmente deixadas em segundo plano, de que certos grupos de vertebrados tiveram a sua distribuição profundamente alterada pela ação antrópica – fato constatado na leitura atenta dos viajantes naturalistas dos séculos XVIII e XIX (Idem). Amazônia Antropogênica apenas do manejo de plantas endêmicas neotropicais por parte de populações humanas nativas. Porém, ao mesmo tempo, subestimam a influência da seleção cultural sobre a evolução dos biomas neotropicais. Esta restrição perceptiva parece afetar uma parcela significativa dos biólogos e ecólogos contemporâneos, apesar de não faltarem evidências de que há muito o Homem vem exercendo a sua capacidade de promover grandes mudanças na composição das comunidades animais e na composição paisagística de amplos espaços geográficos, especialmente nos últimos séculos. Alargando esta lacuna, ao considerarmos que desde fins do Pleistoceno o Homem vem influindo sobre a formação de boa parte da floresta da Região Neotropical, e que esta influência acelerou com o cultivo sistemático de plantas e a ascensão das sociedades agricultoras; então devemos considerar que ele também deve ter tido responsabilidade significativa sobre a distribuição de espécies e a formação de diferentes ecossistemas da biota amazônica. Entretanto, ainda há uma última questão. A formação das regiões biogeográficas teve início com a deriva continental, que resultou na fragmentação do supercontinente de Pangeia e, posteriormente, das duas frações resultantes, que no hemisfério Sul foi o continente de Gondwana. Milhões de anos depois, essas fragmentações vieram a dar nos continentes atuais. No entanto, segundo Ab’Saber (1973, 2004), foi no Quaternário, no período das glaciações, há dois milhões de anos, que a geologia e a vegetação brasileira se conformaram. Durante esse período, as florestas originais teriam se dividido e refugiado em outras áreas, abrindo espaço para vegetações de clima semiárido, como os cactos, por exemplo. Com a volta do clima original, as florestas retornaram ao local de origem, mas agora formando espécies diferentes, pelo tempo em que viveram isoladas. Assim, portanto, ter-se-ia constituído a neotropicalidade brasileira. Já o Homem moderno surge somente há uns 500 a 300 mil anos, talvez um pouco mais. E, nas Américas (se considerarmos como válidas as datações provenientes de São Raimundo Nonato -PI), talvez há uns 50 mil anos ou mais. Porém, na Amazônia, até agora, todas as evidências arqueológicas apontam para uma datação bem mais recente, ao falarmos das populações adaptadas às terras baixas tropicais. Essas datações raramente passam de 11 mil anos em alguns locais, como em Carajás e no Baixo 389 Amazônia Antropogênica Amazonas, mas se generalizam por volta dos 9 mil anos, quando populações colonizadoras chegam e dão início à integração bem-sucedida do Homem à natureza do lugar. É a partir de então que a ação humana sobre os biomas é desencadeada, de modo sempre crescente. Porém, como foi observado nas páginas anteriores, ao contrário do que acontece com a maioria das sociedades urbanas, pastoras e das sociedades com agricultura de arado, o manejo do ambiente por parte das sociedades amazônicas não resultou em perda, mas em ganho de biodiversidade. Apesar disso, houve uma seleção, quando plantas foram preteridas em benefício de outras social e economicamente vantajosas, fato que se consolida exponencialmente com a reorganização das sociedades nativas em sociedades agricultoras – há milhares de anos. Sendo assim, considerar que agora estaríamos em uma nova Era Geológica chamada de Antropoceno, justamente por causa da ação humana, talvez seja uma visão equivocada, já que, desde o Holoceno inicial o Homem vem interferindo na vida do planeta. Ou seja, talvez seja hora de reconhecer que o próprio Holoceno seja antropomorfo. De fato, se formos considerar a proposição de Lewontin (1991), de que não existe “ambiente” em qualquer sentido independente ou abstrato, porque assim como não existe organismo sem ambiente, não existe ambiente sem organismo. Ou seja, os organismos criam o ambiente em que vivem. Então também temos que considerar que o Homem, através de suas atividades e do uso de ferramentas físicas e biológicas, em uma escala até então insuspeita, habitou, explorou e manejou a natureza amazônica de tal maneira, que ele foi o engenheiro e construtor da maior parte de seus biomas. De todo modo, fica claro que não existe qualquer evidência de autoctonia do Homem na Região Neotropical amazônica. No entanto, há um dado fundamental, que retira do Homem que habitou a região qualquer estranhamento com os ambientes tropicais que explorou, conheceu e transformou. O Homem pode não ter passado por qualquer especiação na Região Neotropical, no entanto ele gerou culturas autóctones, melhor dizendo, endêmicas, pois não existem em nenhum outro lugar. E esse endemismo cultural eclode com toda a sua variabilidade e especificidade com a emergência das sociedades neotropicais, que interferem significativamente nos ecossistemas, construindo verdadeiras e complexas paisagens ecofatuais. Portanto, só se pode falar de sociedades neotropicais quando nos referimos a sociedades sedentárias relativamente urbanas, que na Amazônia manejavam coletivamente, e em larga escala, espécimes semidomesticados de plantas nativas. Mas esta semidomesticação e outras domesticações iniciadas por caçadores-coletores-pescadores tropicais antigos espalharam-se por diferentes ecossistemas, com os quais as sociedades humanas interagiram e exploraram. Na verdade, o Homem transformava-se integrando-se ao meio, enquanto o transformava para a sua melhor integração. Afinal, quando o exercício da inteiratividade da cultura com a natureza na Amazônia alcança o seu ponto de equilíbrio, o nativo absorve a alma da floresta, identificando a sua cultura com os espíritos da natureza amazônica. Deve-se observar que a chegada de qualquer nova espécie, especialmente a humana, pode acarretar impacto massacrante sobre a fauna e a flora do lugar recém-ocupado. Assim, se há equilíbrio entre a população humana e as espécies, isto quer dizer que a presença humana é antiga o suficiente para ter conseguido alcançar esse equilíbrio. 390 Amazônia Antropogênica Na natureza amazônica, uma das características mais fundamentais de seu equilíbrio é justamente a diversidade e ausência do império de uma espécie sobre as outras. Ao contrário, o equilíbrio vem da prevalência da simbiose entre as espécies. E foi sob esta característica que cultura e natureza passavam a compor um mesmo campo sociocósmico. Como resultado, a ação humana não era uma mera atividade sobre o destino das espécies vegetais. Porém, o destino humano era planejado desenhando o traço da própria paisagem. Isto é, o homem amazônico não só domesticava plantas, como domesticava a floresta, enquanto educava a si mesmo. Portanto, ao falarmos de evolução da Região Neotropical, devemos considerar não só a vicariância, como inclusive a ação ecofatual do Homem nativo junto à natureza regional, efetivada pela seleção cultural de coleções de espécies, a qual conectou fauna, flora e Homem na evolução das paisagens naturais amazônicas. Situação que se configurou ao longo de, no mínimo, 11 mil anos, com a integração humana junto aos ambientes tropicais; e que se consolida talvez há apenas 5 mil anos, com a emergência histórica da Cultura Neotropical Amazônica. Afinal, parodiando o poeta paraense Max Martins (19262009), “A história faz o homem, que faz a história, faz tempo... Pois ainda que a história seja encaminhada pelo tempo, é o Homem quem narra as horas, os anos e as eras”. MÚLTIPLOS INTER-RELACIONAIS Na evolução histórica das sociedades, a conexão dos módulos comportamentais e afetivos representados por práticas, costumes, hábitos, simbologias e sensibilidades até então dispersas é causada pela entropia da organização social anterior, incapaz de continuar se expandindo e de reproduzir os seus valores adequadamente. Ora, as novas conexões fazem emergir um novo nível de complexidade organizacional, gerando novos costumes, hábitos, comportamentos, simbologias e sensibilidades, pois as inter-relações que então se estabelecem configuram outras propriedades às coisas, às representações e aos sentimentos que existiam antes. Isto pode dar a impressão de que a história é puxada para a frente pelo estado final, que não é nem presente, nem local, já que todo acontecimento se desenvolve na duração de um presente virtual e se estende para além do lugar de onde os eventos emergem. Assim, a sociedade evolui e muda as representações que tem da natureza, a fim de acomodar as novas necessidades e desejos que, na verdade, já existiam inativos, dispersos ou isolados nas redes regionais de relações culturais, econômicas e políticas. O mundo é, pois, o que imaginamos dele; e dele somos o seu pensamento em nós. Mas a ideia avança onde o conceito envelhece, alterando o mundo quando o sentimento muda. Na cultura, a variação local e os hábitos adquiridos a partir de práticas relacionadas ao desenvolvimento histórico local alteram pela aprendizagem os fundamentos herdados social ou politicamente. Assim, se na evolução conectiva cada fenômeno está ligado a todos os outros, seguindo uma ordem coletiva cujo produto é a soma da ação de cada indivíduo, cada fenômeno, por sua vez, resulta do desenvolvimento histórico de experiências locais. É no lugar onde os eventos ocorrem que natureza e cultura compartilham muitas histórias comuns. Em especial, aquela que valoriza a seleção cultural 391 Amazônia Antropogênica como um processo evolutivo significante, cujo fim é o de tornar-se inteiro com o vir a ser do outro. Isto é, como os fenômenos, inclusive os históricos, estão ligados uns com os outros, manifestam-se individualmente no lugar do seu acontecimento, mas se coletivizam influenciando uns aos outros, conforme os seus processos históricos e desenvolvimento cultural. Assim é a inter-relatividade, aquilo que é particular, mas que, não estando isolado no mundo, interage com tudo e todos com quem se relaciona. Na inter-relatividade dos acontecimentos, quando o sujeito está conectado, ele interage com todos aqueles com quem compartilha o inconsciente coletivo no qual está imerso. É a sua sensibilidade que caracteriza o modo de apreensão e a qualidade do arquétipo do conjunto ao qual ele pertence. A natureza do lugar influi na caracterização das formas de expressão. Por isso não é menos racional ou menos inteligente levar em conta seriamente as vozes e os espíritos dos lugares e, por conseguinte, as dimensões espirituais que um lugar pode legar a um povo, pois o espírito é a voz do coletivo manifestada na sensibilidade do indivíduo. O lugar é onde o espírito humano coletivo se realiza através do corpo e do espaço. É no lugar onde as potências dos arquétipos diluem-se em potências arquetípicas individuadas. O inter-relacionamento dos seres com o lugar é ditado pelas particularidades daquela terra e em termos humanos por uma mitologia viva que celebra tudo isso, e de acordo com o mundo do coletivo. É no lugar que os mitos, os objetos, seus significados e a história são inventados, construídos ou reconstruídos. Por exemplo: no Hemisfério Norte, o tempo corre no sentido horário; já no Hemisfério Sul, o tempo corre no sentido anti-horário. Obviamente que originariamente não poderíamos ter um mesmo arquétipo para ambos os hemisférios, já que o tempo corre em direções contrárias. No lugar, o espírito é assim, na alma como na carne: uma especiação de almas que multiplicam o Logos do espírito. Todas as almas reunidas excedem o espírito onde emerge o Logos, que é como cada alma é. Mas se nelas o espírito emana, em nenhuma delas o todo é. CONCLUINDO, ENFIM... As sociedades, inclusive as amazônicas, apresentam uma evolução geopolítica regional própria, independente do nível de complexidade social. De fato, toda população independente e socialmente organizada constitui um Estado, que pode apresentar diferentes formas e modos de expressão política. Esse Estado pode ser extremamente simples, mas é um Estado onde todos estão contidos e que ninguém, enquanto sujeito individual, contém. Os antigos povos amazônicos desenvolveram as suas próprias relações políticas, sendo os criadores e criaturas do seu próprio mundo e regras. Nas sociedades neotropicais amazônicas, a centralização do poder e o monopólio das relações políticas eram superados por movimentos coletivos divergentes e centrífugos, os quais não existiam fora de uma relação imanente à alteridade. Esses movimentos eram frutos das condições de formação e desenvolvimento históricos regional que, tal como proposto por Viveiros de Castro (2002: 343), modelou as relações sociais e culturais das sociedades amazônicas “segundo a difusão de uma ideologia da predação ontológica como regime de constituição das identidades coletivas”. 392 Amazônia Antropogênica Os movimentos para fora (divergentes) favoreceram o traçado de uma ampla rede social e ecoantrópica, que consolidou a espetacular antropogeneidade dos ecossistemas amazônicos. A biodiversidade dos ecossistemas culturais foi mantida ou ampliada segundo as necessidades das populações humanas que a explorou. Além disso, ao permitir a mobilização territorial de grande parte das populações nativas, a ordem social das populações amazônicas favoreceu intercâmbios interétnicos, a inexistência de fronteiras políticas, o controle não revolucionário da governança tradicional, o equilíbrio permanente do Estado da situação social e a convergêcia para um mesmo padrão comum interterritorial. E é justamente esta característica estrutural da organização política das sociedades amazônicas que cumpre o papel de monumento na arqueologia brasileira: não a pirâmide, a coluna ou a torre; mas a centrifugação na ordem estatal da sociedade que equilibrava todo e qualquer excesso de poder central em nome de uma ordem social coletiva e livre. Em resumo, e para finalizar, é nas diferentes regiões que os Homens se organizam em múltiplas e diferentes sociedades e a história é vivenciada. Consequentemente, não há um modo universal absoluto para a condição sociocultural humana, mas sim uma diversidade de modos regionais possíveis, segundo as características inerentes às relações de poder desenvolvidas nos contextos históricos locais precedentes. A única expressão de poder universal vivenciada em qualquer lugar é aquela relacionada ao biopoder (segundo a definição no capítulo anterior). A história e a cultura podem atenuar e alterar bastante a sua importância dentro da ordem política coletiva dos homens em sociedade. Entretanto, se toda sociedade organizada é potencialmente um Estado, os governos, a governança em si, enfim, não é e nunca foi o Estado. Desse modo, além de todas as reflexões aqui apresentadas, se entrarmos na discussão sobre o papel do Estado na economia, as visões ortodoxas e heterodoxas não têm o menor sentido. E tudo que já foi dito sobre economia política tem que ser repensado. Enfim, poética e filosoficamente falando, o nómos (cultura) não se opõe à phýsis (natureza), pois são aspectos complementares. Na evolução, nómos e phýsis arrastam consigo a incompletude da natureza, que nunca se esgota num só momento, já que, se perfeita o fosse, não haveria mudança nem movimento; um só momento seria constante em qualquer nível; e em qualquer plano a evolução seria impossível. Haja vista que, na natureza há movimento e expansão da vida a cada instante – ela é em tudo muito imperfeita, esperando que nela a arte seja feita. Mas a arte (nómos) não é natureza, artifício que cabe a todos: reformular a vida antes que acabe. Pois o tempo torna a vida semifeita; e ela só é evoluída quando refeita. E se na phýsis a arte não é absoluta, o objetivo da nossa luta é fazer vir a ser com beleza, o que nem mesmo era natureza. Já o objetivo superior da ciência é buscar na arte a sua eficiência. 393 AB’SABER, A. A organização natural das paisagens inter e subtropicais brasileiras. 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Carlos Augusto Palheta Barbosa Pesquisador do Projeto Arqueológico Carajás (PACA). Doutorando da Universidade Federal do Pará (PPGA-UFPA). (carlospalheta07@gmail.com) Gabriela Pereira Maurity Estagiária do Projeto Arqueológico Carajás (PACA). Museu Paraense Emílio Goeldi. (gabriela.maurity@gmail.com) Gizelle Soares Chumbre Golobovante de Souza Pesquisadora do Projeto Arqueológico Carajás (PACA). Museu Paraense Emílio Goeldi. (chumbre@gmail.com) Jéssica Michelle Rosário de Paiva Assistente de Pesquisa em arqueologia do Projeto Arqueológico Carajás (PACA). Mestranda do Museu Nacional (UFRJ). (jdepaiva1981@gmail.com) João Aires Ataíde da Fonseca Júnior Doutorando da Universidade Federal do Pará (PPGA-UFPA)(airesarch@gmail.com) Kelton Lima Monteiro Mendes Assistente de Pesquisa em arqueologia do Projeto Arqueológico Carajás (PACA). Museu Paraense Emilio Goeldi. (keltomendes2@gmail.com). Marcos Pereira Magalhães (Organizador) Coordenador do Projeto Arqueológico Carajás (PACA). Pesquisador da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi. (mpm@museu-goeldi.br) Márlia Regina Coelho-Ferreira Pesquisadora da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi. (mcoelho@museu-goeldi.br). Morgan Jason Schmidt Pesquisador do Projeto Arqueológico Carajás (PACA). Museu Paraense Emílio Goeldi. (Morgan.j.schmidt@gmail.com). Pedro Glécio Costa Lima Bolsista do Projeto Arqueológico Carajás (PACA). Doutorando da Universidade Federal de Pernambuco. (gleciolima@gmail.com). Renata Rodrigues Maia Bolsista do Projeto Arqueológico Carajás (PACA.). Mestranda da Universidade Federal de Minas Gerais. (rodrigues.renata22@yahoo.com.br). Rita Scheel-Ybert Professora do Departamento de Antropologia e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia (PPGArq) do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. (rita@scheel.com.br) Ronize da Silva Santos Bolsista do Projeto Arqueológico Carajás (PACA). Doutoranda do INPA/Museu Paraense Emílio Goeldi. (ronizess@yahoo.com.br). Vera Lúcia Calandrini Guapindaia Pesquisadora da Coordenação de Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi. (vera.guapindaia@gmail.com). Impressão e acabamento Gráfica e Editora Santa Cruz (Belém-Pará) Papéis Pólen print 80g/m 2 (miolo) Papelão 1250g/m2 / couchê fosco 150g/m2 (capa) Couchê fosco 170g/m2 (guarda) Tipografia Novarese Bk BT (texto) Candara (títulos e subtítulos)