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PORTUGUÊS

CONTEMPORÂNEO

DIÁLOGO, REFLEXÃO E USO

PORTUGUÊS

CONTEMPORÂNEO

DIÁLOGO, REFLEXÃO E USO

3

MANUAL DO PROFESSOR

COMPONENTE

CURRICULAR

LÍNGUA

PORTUGUESA

3

o

ANO

ENSINO MƒDIO

William CEREJA

Carolina DIAS VIANNA

Christiane DAMIEN

PORTUGUES_professor.indd 1 18/05/16 09:20

P:03

William CEREJA

Professor graduado em Português e Linguística e licenciado em Português

pela Universidade de São Paulo

Mestre em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo

Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem na PUC-SP

Professor da rede particular de ensino em São Paulo, capital

Carolina DIAS VIANNA

Professora graduada e licenciada em Português pela Universidade Estadual

de Campinas (Unicamp).

Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Doutoranda em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Professora das redes pública e particular de ensino nos estados de São Paulo e Minas Gerais.

Membro das bancas de correção da Redação do Enem e do vestibular da Unicamp.

Christiane DAMIEN

Professora graduada e licenciada em Português e Francês pela Universidade

Estadual Paulista (Unesp).

Mestre em Letras pelo Programa de Língua, Literatura e Cultura Árabe da

Universidade de São Paulo (USP).

Doutoranda em Estudos Árabes pela Universidade de São Paulo (USP).

Professora das redes pública e particular de ensino na cidade de São Paulo.

3

COMPONENTE

CURRICULAR

LÍNGUA

PORTUGUESA

3

o

ANO

ENSINO MƒDIO

1

a

edição – 2016

São Paulo

MANUAL DO PROFESSOR

PortuguesContemporaneo3_INICIAIS_001e002_novo_layout.indd 1 18/05/16 08:47

P:04

Diretora editorial Lidiane Vivaldini Olo

Gerente editorial Luiz Tonolli

Editor responsável Noé G. Ribeiro

Editores Fernanda Carvalho, Mônica Rodrigues de Lima, Paula Junqueira

Preparação de texto Célia Tavares

Gerente de produção editorial Ricardo de Gan Braga

Gerente de revisão Hélia de Jesus Gonsaga

Coordenador de revisão Camila Christi Gazzani

Revisores Carlos Eduardo Sigrist, Larissa Vazquez, Lilian Miyoko Kumai

Produtor Editorial Roseli Said

Supervisor de iconografia Sílvio Kligin

Coordenador de iconografia Cristina Akisino

Pesquisa Iconográfica Camila Losimfeldt, Rodrigo S. Souza

Licenciamento de textos Erica Brambila

Coordenador de artes Aderson Oliveira

Design e Capa Sergio Cândido com ilustrações de Nelson Provazi

Edição de arte Josiane Batista

Diagramação Benedito Reis, Josiane Batista

Assistente Jacqueline Ortolan

Ilustrações Andressa Honório, Nelson Provazi, Rico, Sonia Vaz

Tratamento de imagens Emerson de Lima

Protótipos Magali Prado

077623.001.001 Impressão e acabamento

O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra está sendo utilizado apenas para fins didáticos,

não representando qualquer tipo de recomendação de produtos ou empresas por parte do(s) autor(es) e da editora.

Português contemporâneo: diálogo, reflexão e uso, volume 3

© William Roberto Cereja / Carolina Assis Dias Vianna / Christiane Damien Codenhoto, 2016

Direitos desta edição: Saraiva Educação Ltda., São Paulo, 2016

Todos os direitos reservados

Avenida das Nações Unidas, 7221 – 1º andar – Setor C – Pinheiros – CEP 05425-902

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Cereja, William Roberto

Português contemporâneo : diálogo, reflexão e

uso, vol. 3 / William Roberto Cereja, Carolina

Assis Dias Vianna, Christiane Damien Codenhoto. --

1. ed. -- São Paulo : Saraiva, 2016.

Obra em 3 v.

Suplementado pelo manual do professor.

Bibliografia.

ISBN 978-85-472-0525-6 (aluno)

ISBN 978-85-472-0528-7 (professor)

1. Português (Ensino médio) I. Vianna, Carolina

Assis Dias. II. Codenhoto, Christiane Damien.

III. Título.

16-03539 CDD-469.07

Índices para catálogo sistemático:

1. Português : Ensino médio 469.07

2

PortuguesContemporaneo3_INICIAIS_001e002_novo_layout.indd 2 25/05/16 09:00

P:05

3

Caro estudante

Como muitos jovens que cursam atualmente o ensino médio, você

participa de práticas diversas de leitura e escrita nos mais variados

contextos: na escola, em casa ou em outros ambientes que frequenta; por

meio do celular, do tablet ou do computador; por meio do velho e bom papel

em seus mais diferentes tipos e formatos. Da mesma maneira, você interage

oralmente em situações variadas, produzindo falas ora mais curtas, ora mais

longas, em situações descontraídas ou formais.

Lidamos com linguagens o tempo todo: para opinar, para pedir, para

ceder, para brincar, para brigar, para julgar, e assim vamos construindo

nossas identidades e sendo construídos pela realidade que nos cerca, pelos

outros sujeitos com quem interagimos, pelos textos que lemos, ouvimos e

produzimos. Neste livro, tomamos como base essa relação que você já tem

com a linguagem para apresentar e discutir diferentes questões sobre a

nossa língua, sobre nossas produções literárias e culturais e sobre os textos

que produzimos em nossa vida.

Ao adentrar o estudo da literatura, você lerá textos de diversos momentos

da história da humanidade e perceberá que os textos literários e as artes

em geral (entre elas a pintura, a escultura, a música, o cinema) estão

intimamente conectados à realidade social de cada época, surgindo como

uma espécie de resposta artística ao seu contexto de produção: refl etem,

assim, muito da visão política, social e artística do momento em que estão

sendo produzidos. Você verá também que mesmo textos escritos muitos

séculos atrás guardam relações próximas com obras atuais, confi rmando a

ideia de que a literatura e seus temas não se encerram em um determinado

período, mas transformam-se ao longo do tempo, em um fl uxo contínuo, à

medida que a sociedade e os sujeitos igualmente se modifi cam.

Nesse percurso, você conhecerá também nuances da língua na leitura

e na produção textual, ao analisar e elaborar textos escritos e orais que

circulam em situações de comunicação variadas: relatórios, currículos,

poemas, crônicas, reportagens, cartazes, anúncios, seminários, debates,

entre muitos outros. Pretendemos, com isso, que você desenvolva ainda mais

a sua capacidade de ler e produzir textos de modo efi ciente, compreendendo

criticamente os sentidos construídos por diferentes escolhas e contextos de

circulação e se fazendo entender por meio de um uso refl exivo da língua,

que lhe permita trabalhar sobre as diversas formas de produção de sentidos

quando é você o autor do texto.

Entendemos ainda que, para além das práticas cotidianas de uso da

leitura e da escrita, também faz parte das práticas do estudante do ensino

médio a participação em situações bem específi cas de linguagem, vividas

por quem se prepara para a entrada na universidade e no mercado de

trabalho. Por isso, você terá contato com textos específi cos dessas esferas,

a fi m de que esteja bem-preparado para esse novo momento da sua vida.

Os conceitos e conteúdos aqui trabalhados têm, portanto, o objetivo

principal de munir você para fazer um uso cada vez mais consciente e

refl exivo das estruturas e possibilidades da língua, quaisquer que sejam as

situações de comunicação nas quais você venha a se engajar, como leitor ou

como produtor de textos. Esperamos que esse caminho seja tão interessante

e motivador para você quanto foi, para nós, a elaboração deste livro.

Um abraço,

Os Autores.

3

es da língua na leitura

os e orais que

órios, currículos,

, seminários, debates,

ê desenvolva ainda mais

ciente, compreendendo

tes escolhas e contextos de

tender por meio de um uso refl exivo da língua,

ormas de produção de sentidos

a além das práticas cotidianas de uso da

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ões bem específi cas de linguagem, vividas

universidade e no mercado de

textos específi cos dessas esferas,

a esse novo momento da sua vida.

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da língua, quaisquer que sejam as

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a nós, a elaboração deste livro.

Os Autores.

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4

99

CIDADANIA EM DEBATE

Participe, com os colegas da

classe, da produção de uma feira

de cidadania, na qual serão promovidos debates deliberativos e

realizadas oficinas de produção

de currículos e de cartas de solicitação e/ou reclamação.

Como decorrência do movimento revolucionário e das suas causas,

mas também do que acontecia mais ou menos no mesmo sentido na Europa e nos Estados Unidos, houve nos anos 30 uma espécie de convívio

íntimo entre a literatura e as ideologias políticas religiosas. Isto, que antes

era excepcional no Brasil, se generalizou naquela altura, a ponto de haver

polarização dos intelectuais nos casos mais definidos e explícitos, a saber,

os que optavam pelo comunismo ou o facismo. Mesmo quando não ocorria esta definição extrema, e mesmo quando os intelectuais não tinham

consciência clara dos matizes ideológicos, houve penetração difusa das

preocupações sociais e religiosas nos textos, como viria a ocorrer de novo

nos nossos dias em termos diversos e maior intensidade.

(Antonio Candido. Educação pela noite e outros ensaios. 2. ed. São Paulo: Ática, 1989. p. 188.)

A crase não foi feita para humilhar ninguém.

(Ferreira Gullar)

Detalhe de uma pintura

de Norman Rockwell

em que é destacado

o papel persuasivo da

palavra.

Norman Rockwell. Travelling Companions. Post Cover, March 6, 1948.

98UNIDADE 2 Palavra e persuasão

Coleção particular

O ovo da ema, de Carybé (1911-1997), pintor argentino que, na década de 1950, passou a viver em Salvador, onde, junto com Jorge Amado

e o fotógrafo francês Pierre Verger, desenvolveu intensa atividade artístico-cultural. Essa tela é a expressão de uma das principais

propostas da segunda geração modernista: o retrato da realidade brasileira e das pessoas comuns.

ABERTURA DE UNIDADE

O nome da unidade procura contemplar o sentido geral dos conteúdos trabalhados em literatura,

gramática e produção de texto.

Na página par da abertura da unidade, sempre há uma imagem relacionada com o período que vai ser

estudado na literatura. A imagem é acompanhada de uma legenda ampliada, que comenta a obra.

Na página ímpar, ainda há textos e imagens relacionados aos conteúdos de gramática e de literatura a

serem trabalhados na unidade.

ANÚNCIO DO

PROJETO

No alto da página

ímpar, é anunciado o

projeto de produção

textual que será

desenvolvido pelos

alunos durante a

unidade.

CONHEÇA SEU LIVRO

ENTRE SABERES

Nesta seção, o aluno lê um conjunto de

textos interdisciplinares que situam a

estética literária do ponto de vista histórico,

filosófico, econômico, político e de outras

manifestações artísticas do período.

ENTRE

SABERES

FILOSOFIA • ARTE •

LITERATURA

Você vai ler e comparar, a seguir, dois te

poeta que pertenceu ao Romantismo, no

de Andrade.

exto 1

ENTRE TEXTOS

ENTRE TEXTOS

Esta seção promove um estudo

comparado entre textos

de períodos diferentes que

apresentam um mesmo tema ou

uma relação intertextual.

Em 1917, a pintora brasileira Anita Malf

arte, que, diferentemente da anterior,

marco inicial da arte moderna no Brasil e o est

O escritor Monteiro Lobato, que

sitou a exposição e publicou o text

epublicado com o título “Paranoia

ald de Andrade e Menotti

CONEXÕES

Estabelece relações entre as concepções

estético-literárias do período estudado

com um texto de outra linguagem,

como a canção, o quadrinho, o cartum, a

pintura e a escultura.

CIDADANIA EM DEBATE

Participe, com os colegas da

classe, da produção de uma feira

de cidadania, na qual serão promovidos debates deliberativos e

realizadas oficinas de produção

de currículos e de cartas de solicitação e/ou reclamação.

Como decorrência do movimento revolucionário e das suas causas,

mas também do que acontecia mais ou menos no mesmo sentido na Europa e nos Estados Unidos, houve nos anos 30 uma espécie de convívio

íntimo entre a literatura e as ideologias políticas religiosas.Isto,que antes

era excepcional no Brasil, se generalizou naquela altura, a ponto de haver

polarização dos intelectuais nos casos mais definidos e explícitos, a saber,

os que optavam pelo comunismo ou o facismo. Mesmo quando não ocorria esta definição extrema, e mesmo quando os intelectuais não tinham

consciência clara dos matizes ideológicos, houve penetração difusa das

preocupações sociais e religiosas nos textos, como viria a ocorrer de novo

nos nossos dias em termos diversos e maior intensidade.

(Antonio Candido. Educação pela noite e outros ensaios

A crase não foi feita para humilhar ninguém.

(Ferreira Gullar)

Norman Rockwell. Travelling Companions. Post Cover, March 6, 1948.

98

UNIDADE 2 Palavra e persuasão

Coleção particular

O ovo da ema, de Carybé (1911-1997), pintor argentino que, na década de 1950, passou a viver em Salvador, onde, junto com Jorge Amado

e o fotógrafo francês Pierre Verger, desenvolveu intensa atividade artístico-cultural. Essa tela é a expressão de uma das principais

propostas da segunda geração modernista: o retrato da realidade brasileira e das pessoas comuns.

99

os que optavam pelo comunismo ou o facismo. Mesmo quando não ocorria esta definição extrema, e mesmo quando os intelectuais não tinham

consciência clara dos matizes ideológicos, houve penetração difusa das

preocupações sociais e religiosas nos textos, como viria a ocorrer de novo

nos nossos dias em termos diversos e maior intensidade.

Educação pela noite e outros ensaios. 2. ed. São Paulo: Ática, 1989. p. 188.)

A crase não foi feita para humilhar ninguém.

(Ferreira Gullar)

Detalhe de uma pintura

de Norman Rockwell

em que é destacado

o papel persuasivo da

palavra.

CIDADANIA EM DEBATE

Participe, com os colegas da

classe, da produção de uma feira

de cidadania, na qual serão promovidos debates deliberativos e

realizadas oficinas de produção

de currículos e de cartas de solicitação e/ou reclamação.

PortuguesContemporaneo3_INICIAIS_001a011.indd 4 5/12/16 5:58 PM

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5

LITERATURA

Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos (1884-1914) nasceu no Engenho Pau d'Arco, no município de Sapé, Paraíba. Formou-se em

Direito, mas, em vez de atuar como

advogado, foi professor e deu aulas de

literatura em diferentes instituições de

ensino no Rio de Janeiro.

Morreu de tuberculose, aos 30 anos,

deixando uma única obra, Eu, que ainda

hoje impacta e seduz leitores das novas

gerações.

já se notavam mudanças − como um reflorescimento do nacionalismo e

a busca de uma língua brasileira, mais próxima do povo − que apontavam para uma renovação estética.

À produção situada entre ç900 e ç922, ano em que ocorreu a Semana de

Arte Moderna, considerada o marco inicial do Modernismo brasileiro, costuma-se chamar Pré-Modernismo. Essa produção não chegou a constituir

um movimento literário, mas criou condições para a grande ruptura que se

daria logo depois.

O Pré-Modernismo contou com uma rica produção em verso e em prosa. Na poesia, destaca-se o poeta Augusto dos Anjos. Na prosa, Euclides da

Cunha, Monteiro Lobato e Lima Barreto.

Neste capítulo, você vai conhecer a poesia de Augusto dos Anjos e a prosa de Lima Barreto.

Euclides da Cunha e Os sertões

Euclides da Cunha (1866-1900) foi militar, engenheiro, jornalista e escritor. Quando eclodiu a Guerra

de Canudos, em 1896, no interior da Bahia, foi correspondente de guerra do jornal O Estado de S.

Paulo. Terminada a guerra, escreveu, com base nas observações que fez in loco, sua principal obra:

Os sertões (1901).

A obra é organizada em três partes: “A terra”, “O homem” e “A luta”. Adepto das ideias deterministas e naturalistas, Euclides da Cunha teve a intenção de provar, com a obra, que o homem é fruto

do meio e a guerra é consequência da interação do homem com o meio social e cultural.

Segundo a versão oficial dada pelo Exército na época, a guerra ocorreu por necessidade de combater um foco monarquista, que se opunha à recente República. Do ponto de vista do autor de Os

sertões, porém, o conflito que vitimou 15 mil pessoas foi fruto da miséria, do isolamento político, da

ignorância e do fanatismo religioso.

Augusto dos Anjos

Em ç9ç2, ocorreu a primeira publicação de Eu, de Augusto dos Anjos, que

já teve mais de cem edições e é, provavelmente, a obra de poesia mais lida

em nosso país.

Tal sucesso tem várias explicações, entre elas a originalidade chocante da poesia do autor, que trilhou um caminho único em nossa literatura,

fundindo elementos simbolistas a elementos materialistas e científicos.

Por um lado, o poeta herdou do Simbolismo uma visão cósmica e uma

angústia moral, além de ter adotado, por influência do filósofo Schopenhauer, um pessimismo exacerbado. Por outro, incorporou uma visão

materialista e científica da vida e do mundo, com claras influências do

biólogo naturalista Ernst Haeckel (ç834-ç9ç9) e do filósofo Herbert Spencer (ç788-ç86ê). Paradoxalmente, o eu lírico de seus poemas busca o infinito na matéria, com a perspectiva pessimista de que tudo caminha

para a morte, para o mal e para o nada. Não há nessa poesia lugar para

a esperança, uma vez que tudo é matéria, e a matéria caminha para a

podridão absoluta.

A linguagem empregada pelo autor também é surpreendente, considerando-se a linguagem elevada que até então era utilizada na poesia. Termos

científicos se misturam a um vocabulário rebuscado, dando origem a uma

linguagem eloquente, expressiva e muitas vezes chocante. As formas poéticas, entretanto, ainda são as convencionais empregadas no Simbolismo,

como o soneto e o verso decassílabo ou o alexandrino.

Morena Filmes, Filme de Sergio Rezende/João Raposo/Editoras Caras S.A/Acervo Iconographia

Cena do filme Guerra de

Canudos, de Sérgio Rezende.

15 O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1

O Pré-Modernismo

LITERATURA

O Pré-Modernismo

Concordância verbal

O conto

CAPÍTULO 1

A literatura brasileira vivia nas duas primeiras décadas do século XX em um momento de transição. Por um lado, perdurava a influência das correntes estéticas do século XIX, como o Realismo, o Naturalismo, o Parnasianismo e o Simbolismo; por outro,

Recanto do morro de

Santo Antônio (1920),

de Eliseu Visconti,

obra ainda marcada

por influências do

Impressionismo,

corrente artística do

final do século XIX. Projeto Eliseu Visconti/Coleção particular

14 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

PÁGINA DE ABERTURA DE CAPÍTULO

Apresenta uma imagem e um texto relacionado com o conteúdo de literatura.

FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, dois textos que integr

Texto 1

O deus verme

Fator univ

FOCO NA IMAGEM

Cada período da literatura

é iniciado por Foco na

imagem, seção em que o

aluno toma contato com

aquela estética literária

por meio da leitura e

interpretação de uma obra

de arte, ampliando sua

capacidade de leitura de

texto não verbal.

NOME DO CAPÍTULO

Inicia-se sempre pela

literatura, seguida

de gramática e

produção de textos.

FIQUE CONECTADO

Esta seção reúne sugestões

de outros objetos culturais

relacionados com o período em

estudo: filmes, livros, músicas,

sites, museus, igrejas, etc.

Amplie seus conhecimentos sobre o Pré-Modernismo e o Modernismo, pesquisando em:

LIVROS

• Leia as principais obras da primeira fase do

Pré-Modernismo e do Modernismo brasileiro

e também: A semana de Arte Moderna, de

Neide Rezende (Ática); 22 por 22, de Maria

Eugênia Boaventura (Edusp); 1922, a semana

que não terminou, de Marcos Augusto

Gonçalves (Companhia das Letras); Tarsila

por Tarsila, de Tarsila do Amaral (Celebris);

Artes plásticas na Semana de 22, de Aracy

Amaral (Editora 34).

FILMES

• Policarpo Quaresma, herói do Brasil, de

Paulo Thiago; Guerra de Canudos, de Sérgio

Rezende; Meia-noite em Paris, de Woody

Allen; Os amores de Picasso, de James

Ivory; Coco Chanel & Igor Stravinsky, de

Jan Kounen; Macunaíma, de Joaquim Pedro

de Andrade; Pagu, de Norma Bengell; Os

amores de Picasso, de James Ivory; Tempos

modernos, de Charles Chaplin; O discreto

charme da burguesia, de Luis Buñuel.

MÚSICAS

• Ouça a música dos compositores modernos

Claude Debussy e Villa-Lobos. A canção

“Clair de Lune”, de Debussy, foi tema de

novela e de vários filmes. Ouça também a

canção “Escapulário”, de Caetano Veloso,

cuja letra é um poema de Oswald de

Andrade. Ouça ainda “Viola quebrada”,

única canção composta por Mário de

Andrade, disponível na Internet.

SITES

• Baixe as obras dos pré-modernistas Euclides

da Cunha e Lima Barreto e do modernista

português Fernando Pessoa, que pertencem

a domínio público, acessando: http://www.

dominiopublico.gov.br/pesquisa/Pesquisa

ObraForm.do?select_action=&co_autor=45

Acesse também:

http://www.euclidesdacunha.org.br/

http://tarsiladoamaral.com.br/

PINTURAS

• Conheça a obra dos pintores modernistas

brasileiros, como Anita Malfatti, Tarsila

do Amaral, Di Cavalcanti e Portinari, e

europeus, como Picasso, Salvador Dalí, Max

Ernst, De Chirico, Léger, Miró e Magritte.

FIQUE CONECTADO!

O contexto de produção

e recepção do Modernismo

As obras que você viu na seção Foco na imagem, embora sejam

fruto de diferentes tendências artísticas do início do século XX, são

todas representativas da arte moderna.

O Modernismo surgiu no início do século XX, com manifestações artísticas que ocorreram antes, durante e depois da Primeira

Guerra Mundial (1914-1918), e se estendeu por várias décadas do

século XX. Quem produzia literatura e arte modernista no Brasil

nesse período? Quem era o público consumidor?

Meios de circulação

O Modernismo brasileiro teve início em São Paulo, importante centro industrial e cultural no início do século XX. Nas duas

primeiras décadas desse século, a cidade foi marcada por um

expressivo desenvolvimento econômico, em virtude da riqueza

proveniente da cultura do café. O período foi marcado por muitas

mudanças, como a criação de indústrias, a imigração de trabalhadores europeus, o surgimento de movimentos e bairros operários,

a construção do Teatro Municipal e a formação de uma elite culNa seção Conexões, na página 48, você vai

encontrar um roteiro de leitura de duas pinturas de Anita Malfatti e o texto "Paranoia

ou mistificação", de Monteiro Lobato.

Emiliano Di Cavalcanti. Capa do catálogo da exposição da Semana de Arte

Moderna de 1922/Instituto de Estudos Brasileiros, USP

Companhia das Letras

Mediapro/Versátil Cinema/Gravier

Productions/Pontchartrain Productions

Tarsila do Amaral. A Gare, 1925/Col.

Rubens Taufic Schahin, São Paulo, SP

40 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

Amplie seus conhecimentos sobre o Pré-Modernismo e o Modernismo, pesqui

LIVROS

• Leia as principais obras da primeira fase do

Pré-Modernismo e do Modernismo brasileiro

e também: A semana de Arte Moderna

Neide Rezende (Ática); 22 por 22

Eugênia Boaventura (Edusp);

FIQUE CONECTADO!

Amplie seus conhecimentos sobre o Pré-Modernismo e o Modernismo, pesquisando em:

Leia as principais obras da primeira fase do

Pré-Modernismo e do Modernismo brasileiro

Policarpo Quaresma, herói do Brasil, de

Guerra de Canudos, de Sérgio

Rezende; Meia-noite em Paris, de Woody

Allen; Os amores de Picasso, de James

Ivory; Coco Chanel & Igor Stravinsky, de

Jan Kounen; Macunaíma, de Joaquim Pedro

SITES

• Baixe as obras dos pré-modernistas Euclides

da Cunha e Lima Barreto e do modernista

O contexto de produção

e recepção do Modernismo

As obras que você viu na seção Foco na imagem, embor

fruto de diferentes tendências artísticas do início do século

todas representativas da arte moderna.

O Modernismo surgiu no início do século XX, com

ões artísticas que ocorreram antes, durante e depois

Guerra Mundial (1914-1918), e se estendeu por várias

XX. Quem produzia literatura e arte modern

nesse período? Quem era o público consumidor?

O CONTEXTO DE PRODUÇÃO E

RECEPÇÃO

Nesta seção, examina-se o fenômeno

literário do ponto de vista da situação

de produção, ou seja, quem eram os

agentes culturais na época e quem

era o público leitor da literatura

produzida nesse período.

FOCO NO TEXTO

Leitura e análise de textos

representativos do assunto

a ser trabalhado, com a

finalidade de examinar os

temas, os procedimentos

formais e as características

de cada período literário,

tópico gramatical ou

gênero, tendo em vista a

frente trabalhada.

Leia, a seguir, dois textos que integram a obra

O deus verme

O Modernismo

ATURA

FOCO NA IMAGEM

Observe as imagens que seguem

A fonte (1917), de

arcel Duchamp.

LITERATURA

Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos (1884-1914) nasceu no Engenho Pau d'Arco, no município de Sapé, Paraíba. Formou-se em

Direito, mas, em vez de atuar como

advogado, foi professor e deu aulas de

literatura em diferentes instituições de

ensino no Rio de Janeiro.

Morreu de tuberculose, aos 30 anos,

deixando uma única obra, Eu, que ainda

hoje impacta e seduz leitores das novas

gerações.

já se notavam mudanças − como um reflorescimento do nacionalismo e

a busca de uma língua brasileira, mais próxima do povo − que apontavam para uma renovação estética.

À produção situada entre ç9êê e ç922, ano em que ocorreu a Semana de

Arte Moderna, considerada o marco inicial do Modernismo brasileiro, costuma-se chamar Pré-Modernismo. Essa produção não chegou a constituir

um movimento literário, mas criou condições para a grande ruptura que se

daria logo depois.

O Pré-Modernismo contou com uma rica produção em verso e em prosa. Na poesia, destaca-se o poeta Augusto dos Anjos. Na prosa, Euclides da

Cunha, Monteiro Lobato e Lima Barreto.

Neste capítulo, você vai conhecer a poesia de Augusto dos Anjos e a prosa de Lima Barreto.

Euclides da Cunha e Os sertões

Euclides da Cunha (1866-1900) foi militar, engenheiro, jornalista e escritor. Quando eclodiu a Guerra

de Canudos, em 1896, no interior da Bahia, foi correspondente de guerra do jornal O Estado de S.

Paulo. Terminada a guerra, escreveu, com base nas observações que fez in loco, sua principal obra:

Os sertões (1901).

A obra é organizada em três partes: “A terra”, “O homem” e “A luta”. Adepto das ideias deterministas e naturalistas, Euclides da Cunha teve a intenção de provar, com a obra, que o homem é fruto

do meio e a guerra é consequência da interação do homem com o meio social e cultural.

Segundo a versão oficial dada pelo Exército na época, a guerra ocorreu por necessidade de combater um foco monarquista, que se opunha à recente República. Do ponto de vista do autor de Os

sertões, porém, o conflito que vitimou 15 mil pessoas foi fruto da miséria, do isolamento político, da

ignorância e do fanatismo religioso.

Augusto dos Anjos

Em ç9ç2, ocorreu a primeira publicação de Eu, de Augusto dos Anjos, que

já teve mais de cem edições e é, provavelmente, a obra de poesia mais lida

em nosso país.

Tal sucesso tem várias explicações, entre elas a originalidade chocante da poesia do autor, que trilhou um caminho único em nossa literatura,

fundindo elementos simbolistas a elementos materialistas e científicos.

Por um lado, o poeta herdou do Simbolismo uma visão cósmica e uma

angústia moral, além de ter adotado, por influência do filósofo Schopenhauer, um pessimismo exacerbado. Por outro, incorporou uma visão

materialista e científica da vida e do mundo, com claras influências do

biólogo naturalista Ernst Haeckel (ç834-ç9ç9) e do filósofo Herbert Spencer (ç788-ç86ê). Paradoxalmente, o eu lírico de seus poemas busca o infinito na matéria, com a perspectiva pessimista de que tudo caminha

para a morte, para o mal e para o nada. Não há nessa poesia lugar para

a esperança, uma vez que tudo é matéria, e a matéria caminha para a

podridão absoluta.

A linguagem empregada pelo autor também é surpreendente, considerando-se a linguagem elevada que até então era utilizada na poesia. Termos

científicos se misturam a um vocabulário rebuscado, dando origem a uma

linguagem eloquente, expressiva e muitas vezes chocante. As formas poéticas, entretanto, ainda são as convencionais empregadas no Simbolismo,

como o soneto e o verso decassílabo ou o alexandrino.

Morena Filmes, Filme de Sergio Rezende/João Raposo/Editoras Caras S.A/

Acervo Iconographia

Cena do filme Guerra de

Canudos, de Sérgio Rezende.

15 O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1

LITERATURA

O Pré-Modernismo

LITERATURA

O Pré-Modernismo

Concordância verbal

O conto CAPÍTULO 1

A literatura brasileira vivia nas duas primeiras décadas do século XX em um momento de transição. Por um lado, perdurava a influência das correntes estéticas do séRecanto do morro de

Santo Antônio (1920),

de Eliseu Visconti,

obra ainda marcada

por influências do

Impressionismo,

corrente artística do

final do século XIX. Projeto Eliseu Visconti/Coleção particular

14

mento de transição. Por um lado, perdurava a influência das correntes estéticas do século XIX, como o Realismo, o Naturalismo, o Parnasianismo e o Simbolismo; por outro,

14 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

mento de transição. Por um lado, perdurava a influência das correntes estéticas do século XIX, como o Realismo, o Naturalismo, o Parnasianismo e o Simbolismo; por outro,

LITERATURA

Amplie seus conhecimentos sobre o Pré-Modernismo e o Modernismo, pesquisando em:

LIVROS

•Leia as principais obras da primeira fase do

Pré-Modernismo e do Modernismo brasileiro

e também: A semana de Arte Moderna, de

Neide Rezende (Ática); 22 por 22, de Maria

Eugênia Boaventura (Edusp); 1922, a semana

que não terminou, de Marcos Augusto

Gonçalves (Companhia das Letras); Tarsila

por Tarsila, de Tarsila do Amaral (Celebris);

Artes plásticas na Semana de 22, de Aracy

Amaral (Editora 34).

FILMES

• Policarpo Quaresma, herói do Brasil, de

Paulo Thiago; Guerra de Canudos, de Sérgio

Rezende; Meia-noite em Paris, de Woody

Allen; Os amores de Picasso, de James

Ivory; Coco Chanel & Igor Stravinsky, de

Jan Kounen; Macunaíma, de Joaquim Pedro

de Andrade; Pagu, de Norma Bengell; Os

amores de Picasso, de James Ivory; Tempos

modernos, de Charles Chaplin; O discreto

charme da burguesia, de Luis Buñuel.

MÚSICAS

• Ouça a música dos compositores modernos

Claude Debussy e Villa-Lobos. A canção

“Clair de Lune”, de Debussy, foi tema de

novela e de vários filmes. Ouça também a

canção “Escapulário”, de Caetano Veloso,

cuja letra é um poema de Oswald de

Andrade. Ouça ainda “Viola quebrada”,

única canção composta por Mário de

Andrade, disponível na Internet.

SITES

• Baixe as obras dos pré-modernistas Euclides

da Cunha e Lima Barreto e do modernista

português Fernando Pessoa, que pertencem

a domínio público, acessando: http://www.

dominiopublico.gov.br/pesquisa/Pesquisa

ObraForm.do?select_action=&co_autor=45

Acesse também:

http://www.euclidesdacunha.org.br/

http://tarsiladoamaral.com.br/

PINTURAS

• Conheça a obra dos pintores modernistas

brasileiros, como Anita Malfatti, Tarsila

do Amaral, Di Cavalcanti e Portinari, e

europeus, como Picasso, Salvador Dalí, Max

Ernst, De Chirico, Léger, Miró e Magritte.

FIQUE CONECTADO!

O contexto de produção

e recepção do Modernismo

As obras que você viu na seção Foco na imagem, embora sejam

fruto de diferentes tendências artísticas do início do século XX, são

todas representativas da arte moderna.

O Modernismo surgiu no início do século XX, com manifestações artísticas que ocorreram antes, durante e depois da Primeira

Guerra Mundial (1914-1918), e se estendeu por várias décadas do

século XX. Quem produzia literatura e arte modernista no Brasil

nesse período? Quem era o público consumidor?

Meios de circulação

O Modernismo brasileiro teve início em São Paulo, importante centro industrial e cultural no início do século XX. Nas duas

primeiras décadas desse século, a cidade foi marcada por um

expressivo desenvolvimento econômico, em virtude da riqueza

proveniente da cultura do café. O período foi marcado por muitas

mudanças, como a criação de indústrias, a imigração de trabalhadores europeus, o surgimento de movimentos e bairros operários,

a construção do Teatro Municipal e a formação de uma elite culNa seção Conexões, na página 48, você vai

encontrar um roteiro de leitura de duas pinturas de Anita Malfatti e o texto "Paranoia

ou mistificação", de Monteiro Lobato.

Emiliano Di Cavalcanti. Capa do catálogo da exposição da Semana de Arte

Moderna de 1922/Instituto de Estudos Brasileiros, USP

Companhia das Letras

Mediapro/Versátil Cinema/Gravier

Productions/Pontchartrain Productions

Tarsila do Amaral. A Gare, 1925/Col.

Rubens Taufic Schahin, São Paulo, SP

40 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

PortuguesContemporaneo3_INICIAIS_001a011.indd 5 5/12/16 5:58 PM

P:08

6

PRODUÇÃO DE TEXTO

O conto

O CONTEXTO DE PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DOS TEXTOS

Quais textos você produzirá nesta unidade? Com que finalidade? Quem vai

ler seus textos?

Nesta unidade, nosso projeto é a organização, pela classe, de uma antologia

de contos, minicontos e contos fantásticos multimodais, com textos, imagens e

músicas.

Com vistas à produção da antologia, estudaremos no decorrer dos capítulos

diferentes tipos de contos.

FOCO NO TEXTO

Leia o conto que segue, do escritor angolano Ondjaki.

Nós chorámos pelo Cão Tinhoso

Para Isaura. Para Luís B. Hondwana

Foi no tempo da oitava classe, na aula de português. 

Eu já tinha lido esse texto dois anos antes mas daquela vez a estória me parecia

mais bem contada com detalhes que atrapalhavam uma pessoa só de ler ainda em

leitura silenciosa – como a camarada professora de português tinha mandado. Era um

texto muito conhecido em Luanda: “Nós matámos o Cão Tinhoso”.

Eu lembrava-me de tudo: do Ginho, da pressão de ar, da Isaura e das feridas penduradas do Cão Tinhoso. Nunca me esqueci disso: um cão com feridas penduradas.

Os olhos do cão. Os olhos da Isaura. E agora de repente me aparecia tudo ali de novo.

Fiquei atrapalhado.

A camarada professora selecionou uns tantos para a leitura integral do texto. Assim

queria dizer que íamos ler o texto todo de rajada. Para não demorar muito, ela escolheu

os que liam melhor. Nós, os da minha turma da oitava, éramos cinquenta e dois. Eu era

o número cinquenta e um. Embora noutras turmas

tentassem arranjar alcunhas para os colegas, aquela era a minha primeira turma

onde ninguém tinha escapado de ser

alcunhado. E alguns eram nomes de

estiga violenta.

Muitos eram nomes de animais: havia o Serpente, o Cabrito, o Pacaça, a Barata da Sibéria,

a Joana Voa-Voa, a Gazela, e o

Jacó, que era eu. Deve ser porque eu mesmo falava muito

nessa altura. Havia o É-tê, o

Agostinho-Neto, a Scubidu e

alcunha: apelido.

bué: muito.

bondar: matar.

cacimbo: umidade;

inverno.

camarada: colega,

companheiro de armas;

forma de tratamento usada

pelos membros do Partido

Comunista.

calhar: acontecer, ocorrer

por acaso.

cueca: calcinha.

estiga: frase espirituosa

com a qual se debocha de

alguém.

maka: discussão, debate,

briga, confusão.

miúdo: criança.

porreira: bonita,

excelente, prestativa.

slow: dança de ritmo

lento na qual o casal fica

aconchegado.

tinhoso: nojento,

repugnante.

Nelson Provazi

30 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

MUNDO PLURAL

Seção que pode surgir em qualquer uma das frentes da disciplina – literatura, gramática ou produção de textos

– e que relaciona os conteúdos trabalhados no capítulo com as questões cotidianas do mundo contemporâneo,

como ética, consumo, meio ambiente, etc.

A coordenadora da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, Adriana Beringuy, explica que a desocupação cresceu entre todas as faixas etárias, mas o ritmo

está mais intenso entre os jovens de 18 a 24 anos. "O crescimento se deve tanto pelos

que perderam o emprego, quanto por aqueles jovens que antes não estavam nem

trabalhando, nem procurando, mas agora saem da inatividade e pressionam a taxa

de desemprego", explica.

No quarto período do curso de psicologia, Gabriela Magalhães Silva, 21, está procurando emprego há quatro meses e teme ter que trancar o curso. "Eu sou bolsista,

mas tenho muitos outros gastos, como passagens e lanche. Eu nunca tinha ficado tanto

tempo sem emprego. Agora, já fiz várias entrevistas e não fui chamada. O problema é

que tem muita gente procurando ao mesmo tempo", diz Gabriela.

Segundo a coordenadora do departamento de carreiras do Ibmec, Fernanda Schroder,

é exatamente isso que está acontecendo. "O número de pessoas procurando recolocação

aumentou muito. E, por outro lado, vemos que a oferta das vagas está menor do que a

procura, o que faz o desemprego ficar ainda maior. Nesse cenário, as empresas têm que

cortar custos e ficam mais seletivas. Portanto, preferem empregar uma pessoa que já tem

experiência do que dar uma oportunidade de primeiro emprego ao jovem", avalia.

"Como tem muita gente procurando, as empresas acabam oferecendo salários menores. Sem falar na inflação, que já faz a renda familiar cair. Então, os jovens estão buscando emprego para contribuir em casa", analisa Fernanda.

A poucos meses de completar 16 anos, Karolaine Anastácia fez questão de fazer sua

carteira de trabalho. Acompanhada pela mãe, Iracema Maria Rosa, 42, ela conta que

quer encontrar um emprego para ter condições de pagar cursos de qualificação. "Minha

mãe já paga inglês, porém quero fazer informática também", destaca. "Mas está difícil."

O especialista em inteligência de negócios do site Vagas.com, Rafael Urbano, afirma

que a conjuntura econômica obrigou o jovem a mudar de comportamento. "Se antes ele

dedicava mais tempo aos estudos, agora precisa complementar a renda da família." [...]

Idosos também estão em busca de oportunidades de trabalho

A procura de emprego também cresceu entre os idosos. No primeiro semestre deste

ano, o volume de pessoas com mais de 65 anos que enviaram currículos ao cadastro do

site Vagas.com aumentou 25% em relação ao mesmo período do ano passado. "Sabemos que a procura por trabalho é um movimento global, mas me chamou atenção a

quantidade de pessoas mais velhas buscando uma oportunidade ou um segundo emprego, para aumentar a renda", afirma especialista em recrutamento Rafael Urbano.

Apesar do aumento da busca de vagas pelos mais velhos, o desemprego da população

com 50 anos ou mais (2,6%) é quase quatro vezes menor do que entre os jovens. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a desocupação atinge 11,9% de

quem tem entre 18 e 24 anos.

(Disponível em: http://www.otempo.com.br/capa/economia/

mercado-%C3%A9-cruel-com-o-jovem-1.1082291. Acesso em: 9/4/2016.)

1. Você trabalha ou já trabalhou? Você julga importante um jovem trabalhar antes de

completar o ensino médio?

2. Você já passou por algum processo de seleção para conseguir uma vaga de emprego?

Em caso afirmativo, conte brevemente como foi esse processo.

3. Você vivenciou ou conhece alguém que tenha vivenciado dificuldades específicas na

busca por um trabalho, seja pela idade, seja pela falta ou pelo excesso de experiência?

4. Quais são seus planos para o próximo ano, após concluir o ensino médio?

321PRODUÇÃO DE TEXTO

Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

MUNDO JUVENTUDE E TRABALHO

Você viu, nesta unidade, dois gêneros diretamente relacionados à esfera do trabalho:

a carta de apresentação e a entrevista de emprego. Leia o texto a seguir e, depois, discuta

com os colegas e o professor as questões propostas, justificando seus pontos de vista.

Mercado é cruel com o jovem 

Quem antes só estudava agora procura emprego para ajudar a complementar a renda da família

QUEILA ARIADNE

Não está fácil para ninguém. Mas, para os jovens, arrumar um emprego está ainda

mais difícil. [...]

Elisa Rodrigues/Futura Press

320 UNIDADE 4 CAMINHOS

ANTES DE ESCREVER/ ANTES

DE PASSAR A LIMPO

Orientações para escrever e

revisar o texto.

HORA DE ESCREVER

Apresentação das

propostas de produção

para o estudante escrever.

PRODUÇÃO DE TEXTO

Inicia-se pelo estudo do gênero textual, a fim de que o

estudante conheça seus elementos constitutivos essenciais.

LÍNGUA e

LINGUAGEM

143 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

FOCO NO TEXTO

Leia o texto a seguir.

Crase

LÍNGUA E LINGUAGEM

1. Observe a parte não verbal do cartaz.

a. Em que suporte está escrito o texto central?

b. Que elementos estão em volta desse objeto?

c. Desses elementos, qual foge ao universo escolar?

2. O texto foi produzido para divulgar uma campanha do Conselho Federal de Psicologia. Levante hipóteses:

(Disponível em: https://dapsiuff.files.wordpress.com/2012/07/

nao-a-medicalizacao.png. Acesso em: 7/3/2016.)

REGISTRE

NO CADERNO

Conselho Federal de Psicologia

LÍNGUA E LINGUAGEM

É a parte de gramática do capítulo. Geralmente, inicia-se com o

estudo de um texto (seção Foco no texto), por meio do qual se

explora o conceito de forma contextualizada.

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Nesta seção, o aluno analisa textos, do

ponto de vista discursivo, nos quais o

conceito gramatical estudado foi utilizado.

REFLEXÕES SOBRE A LÍNGUA

Apresentação da parte

teórica e conceitual do

assunto em estudo.

LÍNGUA e

LINGUAGEM

FOCO NO TEXTO

Leia o texto a seguir.

Crase

LÍNGUA E LINGUAGEM

Conselho Federal de Psicologia

PRODUÇÃO DE TEXTO

O conto

O CONTEXTO DE PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DOS TEXTOS

Quais textos você produzirá nesta unidade? Com que finalidade? Quem vai

ler seus textos?

Nesta unidade, nosso projeto é a organização, pela classe, de uma antologia

de contos, minicontos e contos fantásticos multimodais, com textos, imagens e

músicas.

Com vistas à produção da antologia, estudaremos no decorrer dos capítulos

diferentes tipos de contos.

FOCO NO TEXTO

Leia o conto que segue, do escritor angolano Ondjaki.

Nós chorámos pelo Cão Tinhoso

Para Isaura. Para Luís B. Hondwana

Foi no tempo da oitava classe, na aula de português.

Eu já tinha lido esse texto dois anos antes mas daquela vez a estória me parecia

mais bem contada com detalhes que atrapalhavam uma pessoa só de ler ainda em

leitura silenciosa – como a camarada professora de português tinha mandado. Era um

texto muito conhecido em Luanda:“Nós matámos o Cão Tinhoso”.

Eu lembrava-me de tudo: do Ginho, da pressão de ar, da Isaura e das feridas pen- alcunha: apelido.

duradas do Cão Tinhoso. Nunca me esqueci disso: um cão com feridas penduradas.

Os olhos do cão. Os olhos da Isaura. E agora de repente me aparecia tudo ali de novo.

A camarada professora selecionou uns tantos para a leitura integral do texto.Assim

queria dizer que íamos ler o texto todo de rajada. Para não demorar muito, ela escolheu

alcunha: apelido.

bué: muito.

bondar: matar.

Crie você também um ou mais minic

ANTES DE ESCREVER

Planeje seu conto, seguindo estas orientaç

• Tenha em vista o público para o qual vai escr

por literatura em geral ou por literatura contempor

• Leia ou releia o boxe “A estrutura ou a falta de

esboce o enredo, decidindo se e como vai romper

defina as personagens, o tempo e o espaço das aç

• Caso não se trate de miniconto, procure dar dimensão

explorar a dimensão social das personagens.

• Utilize uma linguagem de acordo com a norma-padr

ANTES DE PASSAR A LIMPO

Antes de dar seu texto por terminado

ele corresponde ao seu objetiv

tinado a um público formado por jo

Eu lembrava-me de tudo: do Ginho, da pressão de ar, da Isaura e das feridas penduradas do Cão Tinhoso. Nunca me esqueci disso: um cão com feridas penduradas.

Os olhos do cão. Os olhos da Isaura. E agora de repente me aparecia tudo ali de novo.

Fiquei atrapalhado.

A camarada professora selecionou uns tantos para a leitura integral do texto.Assim

queria dizer que íamos ler o texto todo de rajada. Para não demorar muito, ela escolheu

os que liam melhor. Nós, os da minha turma da oitava, éramos cinquenta e dois. Eu era

o número cinquenta e um. Embora noutras turmas

tentassem arranjar alcunhas para os colegas, aquela era a minha primeira turma

onde ninguém tinha escapado de ser

alcunhado. E alguns eram nomes de

estiga violenta.

Muitos eram nomes de animais: havia o Serpente, o Cabrito, o Pacaça, a Barata da Sibéria,

a Joana Voa-Voa, a Gazela, e o

Jacó, que era eu. Deve ser porque eu mesmo falava muito

nessa altura. Havia o É-tê, o

Agostinho-Neto, a Scubidu e

Nelson Provazi

30 UNIDADE 1

Nelson Provazi

UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

Eu lembrava-me de tudo: do Ginho, da pressão de ar, da Isaura e das feridas penduradas do Cão Tinhoso. Nunca me esqueci disso: um cão com feridas penduradas.

Os olhos do cão. Os olhos da Isaura. E agora de repente me aparecia tudo ali de novo.

A camarada professora selecionou uns tantos para a leitura integral do texto.Assim

queria dizer que íamos ler o texto todo de rajada. Para não demorar muito, ela escolheu

os que liam melhor. Nós, os da minha turma da oitava, éramos cinquenta e dois. Eu era

o número cinquenta e um. Embora noutras turmas

tentassem arranjar alcunhas para os colegas, aquela era a minha primeira turma

onde ninguém tinha escapado de ser

alcunhado. E alguns eram nomes de

estiga violenta.

Muitos eram nomes de animais: havia o Serpente, o Cabrito, o Pacaça, a Barata da Sibéria,

a Joana Voa-Voa, a Gazela, e o

Jacó, que era eu. Deve ser porque eu mesmo falava muito

nessa altura. Havia o É-tê, o

Agostinho-Neto, a Scubidu e

empo e o espaço no

duzidos? Justifique sua resp

b. Há aprofundamento psicológic

HORA DE ESCREVER

Como você sabe, no final da unidade ser

contos e contos fantásticos multimodais

Seguem duas propostas de produção

orientação do professor. O(s) conto(s)

tegrar a antologia.

tando Reconte

A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo

o 6¼ quadrinhos rev

novo sentido a tudo que veio an

a. O que esse quadrinho sugere so

b. O que esse quadrinho sugere sobr

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia o texto a seguir e responda às quest

Desde que nascemos já estamos

papéis a serem cumpridos. Menin

ao ponto de uma empresa

infância,

1. Observe a parte não verbal do cartaz.

a. Em que suporte está escrito o texto central?

b. Que elementos estão em volta desse objeto?

c. Desses elementos, qual foge ao universo escolar?

2. O texto foi produzido para divulgar uma campanha do Conselho Federal de Psicologia. Levante hipóteses:

(Disponível em: https://dapsiuff.files.wordpress.com/2012/07/

nao-a-medicalizacao.png. Acesso em: 7/3/2016.)

A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo

O texto foi produzido para divulgar uma campanha do Conselho Federal de Psicolo-

(Disponível em: https://dapsiuff.files.wordpress.com/2012/07/

nao-a-medicalizacao.png. Acesso em: 7/3/2016.)

A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo

ma verbal implícita

ge?

Um dos complementos que esse verb

tém uma preposição. Qual é essa preposiç

c. Levante hipóteses: Por que antes da palavr

da a forma à e antes da palavra uso foi utiliza

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

No estudo do cartaz, você viu que, quando um complemen

ciado pela preposição a seguida de um substantivo f

antecedido pelo artigo a, há a ocorrência da crase,

ogal se fundem. Ocorrerá crase, portanto, quando

eposição a e o termo regido admite o artigo f

Crase é a fusão de duas

junção da eposição

A coordenadora da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, Adriana Beringuy, explica que a desocupação cresceu entre todas as faixas etárias, mas o ritmo

está mais intenso entre os jovens de 18 a 24 anos. "O crescimento se deve tanto pelos

que perderam o emprego, quanto por aqueles jovens que antes não estavam nem

trabalhando, nem procurando, mas agora saem da inatividade e pressionam a taxa

de desemprego", explica.

No quarto período do curso de psicologia, Gabriela Magalhães Silva, 21, está procurando emprego há quatro meses e teme ter que trancar o curso. "Eu sou bolsista,

mas tenho muitos outros gastos, como passagens e lanche. Eu nunca tinha ficado tanto

tempo sem emprego. Agora, já fiz várias entrevistas e não fui chamada. O problema é

que tem muita gente procurando ao mesmo tempo", diz Gabriela.

Segundo a coordenadora do departamento de carreiras do Ibmec, Fernanda Schroder,

é exatamente isso que está acontecendo. "O número de pessoas procurando recolocação

aumentou muito. E, por outro lado, vemos que a oferta das vagas está menor do que a

procura, o que faz o desemprego ficar ainda maior. Nesse cenário, as empresas têm que

cortar custos e ficam mais seletivas.Portanto,preferem empregar uma pessoa que já tem

experiência do que dar uma oportunidade de primeiro emprego ao jovem", avalia.

"Como tem muita gente procurando, as empresas acabam oferecendo salários menores. Sem falar na inflação, que já faz a renda familiar cair. Então, os jovens estão buscando emprego para contribuir em casa", analisa Fernanda.

A poucos meses de completar 16 anos, Karolaine Anastácia fez questão de fazer sua

carteira de trabalho. Acompanhada pela mãe, Iracema Maria Rosa, 42, ela conta que

quer encontrar um emprego para ter condições de pagar cursos de qualificação."Minha

mãe já paga inglês, porém quero fazer informática também", destaca."Mas está difícil."

O especialista em inteligência de negócios do site Vagas.com, Rafael Urbano, afirma

que a conjuntura econômica obrigou o jovem a mudar de comportamento."Se antes ele

dedicava mais tempo aos estudos, agora precisa complementar a renda da família." [...]

Idosos também estão em busca de oportunidades de trabalho

A procura de emprego também cresceu entre os idosos. No primeiro semestre deste

ano, o volume de pessoas com mais de 65 anos que enviaram currículos ao cadastro do

site Vagas.com aumentou 25% em relação ao mesmo período do ano passado. "Sabemos que a procura por trabalho é um movimento global, mas me chamou atenção a

quantidade de pessoas mais velhas buscando uma oportunidade ou um segundo emprego, para aumentar a renda", afirma especialista em recrutamento Rafael Urbano.

Apesar do aumento da busca de vagas pelos mais velhos, o desemprego da população

com 50 anos ou mais (2,6%) é quase quatro vezes menor do que entre os jovens. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a desocupação atinge 11,9% de

quem tem entre 18 e 24 anos.

(Disponível em: http://www.otempo.com.br/capa/economia/

mercado-%C3%A9-cruel-com-o-jovem-1.1082291. Acesso em: 9/4/2016.)

1. Você trabalha ou já trabalhou? Você julga importante um jovem trabalhar antes de

completar o ensino médio?

2. Você já passou por algum processo de seleção para conseguir uma vaga de emprego?

Em caso afirmativo, conte brevemente como foi esse processo.

3. Você vivenciou ou conhece alguém que tenha vivenciado dificuldades específicas na

busca por um trabalho, seja pela idade, seja pela falta ou pelo excesso de experiência?

4. Quais são seus planos para o próximo ano, após concluir o ensino médio?

321

PRODUÇÃO

DE TEXTO

Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

MUNDO JUVENTUDE E TRABALHO

Você viu, nesta unidade, dois gêneros diretamente relacionados à esfera do trabalho:

a carta de apresentação e a entrevista de emprego. Leia o texto a seguir e, depois, discuta

com os colegas e o professor as questões propostas, justificando seus pontos de vista.

Mercado é cruel com o jovem

Quem antes só estudava agora procura emprego para ajudar a complementar a renda da família

QUEILA ARIADNE

Não está fácil para ninguém.Mas,para os jovens, arrumar um emprego está ainda

mais difícil. [...]

Elisa Rodrigues/Futura Press

320 UNIDADE 4 CAMINHOS

PortuguesContemporaneo3_INICIAIS_001a011.indd 6 5/12/16 5:58 PM

P:09

7

PROJETO

Encerramento do projeto de produção textual anunciado na abertura

da unidade e desenvolvido ao longo dos capítulos. São saraus, feiras

culturais, debates, produção de livros e revistas, etc.

POR DENTRO DO ENEM E DO VESTIBULAR

Organizada em duas subseções, apresenta a resolução de uma questão

do Enem (Enem em contexto) e reúne questões das provas do Enem e

dos principais vestibulares (Questões do Enem e do vestibular).

175

apresenta uma afirmação falsa, pois a “apresentação objetiva de dados e fatos históricos” não é

um traço característico do gênero lírico, como também não é um elemento central do poema em

questão. Nas alternativas d e e, as referências às “influências românticas” e à “inutilidade do poeta”

não podem ser verificadas em “Confidência do itabirano”. Nesse poema, o eu lírico apresenta uma

visão crítica em relação à sua cidade natal e evidencia, por meio de imagens, a influência que Itabira

exerce sobre ele; portanto, a alternativa correta é a c.

QUESTÕES DO ENEM E DO VESTIBULAR

1. (ENEM)

Texto I

Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava. Estranhas coisas entraram então para

o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles

meninos, moleques de todas as cores e de idades as

mais variadas, desde os nove aos dezesseis anos, que

à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da

ponte e dormiam, indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas

vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que

vinham das embarcações... 

AMADO, J. Capitães da Areia. São Paulo:

Companhia das Letras, 2008 (fragmento).

Texto II

À margem esquerda do rio Belém, nos fundos do

mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro – ali os

bêbados são felizes. Curitiba os considera animais sagrados, provê as suas necessidades de cachaça e pirão.

No trivial contentavam-se com as sobras do mercado.

TREVISAN, D. 35 noites de paixão: contos escolhidos. 

Rio de Janeiro: BestBolso, 2009 (fragmento).

Sob diferentes perspectivas, os fragmentos citados são

exemplos de uma abordagem literária recorrente na literatura brasileira do século XX. Em ambos os textos,

a. a linguagem afetiva aproxima os narradores dos

personagens marginalizados.

b. a ironia marca o distanciamento dos narradores em

relação aos personagens.

c. o detalhamento do cotidiano dos personagens revela a sua origem social.

d. o espaço onde vivem os personagens é uma das

marcas de sua exclusão.

e. a crítica à indiferença da sociedade pelos marginalizados é direta.

2. (UEL-PR) Sobre o romance Fogo morto, de José Lins do

Rego, é correto afirmar:

a. Caracteriza-se como uma obra memorialista, pois

a personagem central, mestre José Amaro, narra a

sua história pessoal, enfatizando os problemas que

o mundo capitalista traz para o homem.

b. Embora tenha sido escrito na década de 193ó, quando o movimento modernista já havia operado uma

revolução na literatura, o romance é bastante convencional, sobretudo na caracterização da paisagem

e do homem nordestino, aproximando-se da visão

de mundo romântica.

c. Apresenta uma visão saudosa da realidade política,

econômica e social do Nordeste da primeira metade

do século XX, bem como uma visão pitoresca do espaço enfocado.

d. O uso do discurso indireto livre é um dos procedimentos de construção narrativa mais significativos do romance, na medida em que permite a

diversidade de olhares sobre uma dada realidade

e, ao mesmo tempo, auxilia no processo de aprofundamento do drama psicológico vivenciado pelas personagens.

e. Faz um retrato fotográfico da realidade nordestina,

afastando-se do ficcional, uma vez que parte de fatos que realmente existiram e que podem ser comprovados, como a decadência dos engenhos de açúcar e a Guerra de Canudos.

3. (FUVEST-SP)

O Brasil já está à beira do abismo. Mas ainda vai

ser preciso um grande esforço de todo mundo pra colocarmos ele novamente lá em cima.

Millôr Fernandes.

a. Em seu sentido usual, a expressão destacada significa “às vésperas de uma catástrofe”. Tal significado

se confirma no texto? Justifique sua resposta.

b. Sem alterar o seu sentido, reescreva o texto em um

único período, iniciando com “Embora o Brasil (...)” e

substituindo a forma pra por para que. Faça as demais transformações que são necessárias para adequar o texto à norma escrita padrão.

REGISTRE

NO CADERNO

Por dentro do Enem e do vestibular 174 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

(ENEM)

Confidência do itabirano 

Alguns anos vivi em Itabira. 

Principalmente nasci em Itabira.

Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. 

Noventa por cento de ferro nas calçadas. 

Oitenta por cento de ferro nas almas. 

E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. 

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,

vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,

é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:

esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,

este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;

este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;

este orgulho, esta cabeça baixa... 

Tive ouro, tive gado, tive fazendas. 

Hoje sou funcionário público. 

Itabira é apenas uma fotografia na parede.

Mas como dói! 

ANDRADE, C. D. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.

Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do movimento modernista brasileiro. Com seus poemas, penetrou fundo na alma do Brasil e trabalhou poeticamente as inquietudes e os dilemas humanos. Sua poesia é feita

de uma relação tensa entre o universal e o particular, como se percebe claramente na construção do poema “Confidência do itabirano”. Tendo em vista os procedimentos de construção do texto literário e as concepções artísticas

modernistas, conclui-se que o poema acima

a. representa a fase heroica do modernismo, devido ao tom contestatório e à utilização de expressões e usos linguísticos típicos da oralidade. 

b. apresenta uma característica importante do gênero lírico, que é a apresentação objetiva de fatos e dados históricos. 

c. evidencia uma tensão histórica entre o “eu” e a sua comunidade, por intermédio de imagens que representam a

forma como a sociedade e o mundo colaboram para a constituição do indivíduo. 

d. critica, por meio de um discurso irônico, a posição de inutilidade do poeta e da poesia em comparação com as

prendas resgatadas de Itabira.  

e. apresenta influências românticas, uma vez que trata da individualidade, da saudade da infância e do amor pela

terra natal, por meio de recursos retóricos pomposos.

POR DENTRO DO ENEM E DO VESTIBULAR

ENEM EM CONTEXTO

As questões do Enem exigem algumas habilidades de leitura, como o reconhecimento das concepções estéticas e dos procedimentos de construção do texto literário, tal como ocorre nesta questão:

Diferentemente do que afirma a alternativa a, Carlos Drummond de Andrade pertence à geração de 3é, fase que se afasta do tom contestatório da geração de 22 (ou fase heroica), voltandose para questões sociais, filosóficas, existenciais, espirituais e amorosas. A alternativa b também

• Providenciem cópias das provas selecionadas e coloquem na primeira página de cada uma

o número de inscrição de cada participante, garantindo que cada pessoa inscrita terá a

sua prova.

• Elaborem uma lista de presença (que pode ser por ordem alfabética, por ordem de inscrição,

ou, ainda, por sala), na qual devem constar o nome do participante e o número de inscrição de

cada um e deixem-na com a pessoa que cuidará da parte administrativa.

Organização das salas

• Solicitem à direção da escola o número de salas

necessário para acomodar todos os inscritos.

• Providenciem adesivos com os números de

inscrição e, no dia anterior à realização do simulado,

colem esses números nas carteiras, em ordem, para

que cada participante tenha o seu lugar definido.

• Afixem na porta de cada sala uma folha

com a sequência dos números de inscrição

correspondentes aos participantes que farão

a prova ali, para que possam se localizar mais

facilmente.

• Orientem as pessoas responsáveis pelas salas para

que, após distribuir as provas, passem de carteira

em carteira solicitando aos participantes que

assinem a lista de presença e conferindo o número

de inscrição e a identidade de cada um.

Correção dos textos do simulado

• Reúnam os envelopes com as redações, recolhendoos com a pessoa que ficou responsável pela

aplicação da prova que cada grupo propôs.

• Organizem-se em grupos de três alunos para a

avaliação das redações. Cada trio deve avaliar

no mínimo três redações, de modo que cada um

atribua nota a pelo menos uma redação. Vocês

podem, nesse grupo de três, discutir alguma dúvida

que tenham em relação aos critérios de avaliação

estudados.

• Combinem com o professor uma maneira pela

qual ele coordene os trios no trabalho de correção

das redações. Ele poderá, por exemplo, fazer um

“treinamento” dos trios, tomando por base o critério

das competências do Enem, estudado por vocês

no capítulo 3 desta unidade. Ele poderá, também,

dar apoio aos grupos durante a correção, tirando

dúvidas pontuais sobre alguns textos.

• Depois de corrigidos os textos, publiquem as notas em um mural da escola, divulgando-as por

número de inscrição, sem revelar a identidade dos participantes.

Shutterstock

Fernando Favoretto / Criar Imagem

249

Simulado Enem −

A redação em exame

Como encerramento da unidade, você e seus colegas organizarão um simulado da prova

de redação do Enem, que consistirá na aplicação de provas anteriores do exame, em determinado dia e horário.

Preparação e divulgação do simulado

• Organizem-se em dois grupos, cada um dos quais ficará responsável por selecionar uma prova

de redação do Enem de anos anteriores.

• Convidem professores e funcionários da escola, ou mesmo pais de alunos, para, no dia do

simulado, auxiliarem na parte administrativa: organizar e fazer a distribuição das provas,

controlar o tempo de aplicação, recolher os textos, lacrar os envelopes e encaminhá-los aos

grupos organizadores.

• Façam uma divulgação antecipada do simulado para a comunidade da escola e convidem

outros interessados para participar.

• Elaborem uma ficha de inscrição, simplificada, a ser disponibilizada em certo(s) local(is) por um

período estipulado, para que vocês saibam antecipadamente quantas pessoas participarão do

simulado.

• Com a lista dos inscritos em mãos, dividam o número de pessoas, igualmente, entre os dois

grupos.

Organização da prova

• Cada grupo deverá selecionar uma prova do Enem de anos anteriores, sem permitir que o

outro grupo tome conhecimento de qual foi a prova escolhida.

• Organizem os participantes pela sequência dos números de inscrição, que devem constar

nas provas em vez dos nomes, a fim de que a identidade dos autores das redações não seja

conhecida no momento da correção. Rico

248 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

175

apresenta uma afirmação falsa, pois a “apresentação objetiva de dados e fatos históricos” não é

um traço característico do gênero lírico, como também não é um elemento central do poema em

questão. Nas alternativas d e e, as referências às “influências românticas” e à “inutilidade do poeta”

não podem ser verificadas em “Confidência do itabirano”. Nesse poema, o eu lírico apresenta uma

visão crítica em relação à sua cidade natal e evidencia, por meio de imagens, a influência que Itabira

exerce sobre ele; portanto, a alternativa correta é a c.

QUESTÕES DO ENEM E DO VESTIBULAR

1. (ENEM)

Texto I

Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava. Estranhas coisas entraram então para

o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles

meninos, moleques de todas as cores e de idades as

mais variadas, desde os nove aos dezesseis anos, que

à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da

ponte e dormiam,indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas

vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que

vinham das embarcações...

AMADO, J. Capitães da Areia. São Paulo:

Companhia das Letras, 2008 (fragmento).

Texto II

À margem esquerda do rio Belém, nos fundos do

mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro – ali os

bêbados são felizes. Curitiba os considera animais sagrados, provê as suas necessidades de cachaça e pirão.

No trivial contentavam-se com as sobras do mercado.

TREVISAN, D. 35 noites de paixão: contos escolhidos.

Rio de Janeiro: BestBolso, 2009 (fragmento).

Sob diferentes perspectivas, os fragmentos citados são

exemplos de uma abordagem literária recorrente na literatura brasileira do século XX. Em ambos os textos,

a. a linguagem afetiva aproxima os narradores dos

personagens marginalizados.

b. a ironia marca o distanciamento dos narradores em

relação aos personagens.

c. o detalhamento do cotidiano dos personagens revela a sua origem social.

d. o espaço onde vivem os personagens é uma das

marcas de sua exclusão.

e. a crítica à indiferença da sociedade pelos marginalizados é direta.

2. (UEL-PR) Sobre o romance Fogo morto, de José Lins do

Rego, é correto afirmar:

a. Caracteriza-se como uma obra memorialista, pois

a personagem central, mestre José Amaro, narra a

sua história pessoal, enfatizando os problemas que

o mundo capitalista traz para o homem.

b. Embora tenha sido escrito na década de 193ó, quando o movimento modernista já havia operado uma

revolução na literatura, o romance é bastante convencional, sobretudo na caracterização da paisagem

e do homem nordestino, aproximando-se da visão

de mundo romântica.

c. Apresenta uma visão saudosa da realidade política,

econômica e social do Nordeste da primeira metade

do século XX, bem como uma visão pitoresca do espaço enfocado.

d. O uso do discurso indireto livre é um dos procedimentos de construção narrativa mais significativos do romance, na medida em que permite a

diversidade de olhares sobre uma dada realidade

e, ao mesmo tempo, auxilia no processo de aprofundamento do drama psicológico vivenciado pelas personagens.

e. Faz um retrato fotográfico da realidade nordestina,

afastando-se do ficcional, uma vez que parte de fatos que realmente existiram e que podem ser comprovados, como a decadência dos engenhos de açúcar e a Guerra de Canudos.

3. (FUVEST-SP)

O Brasil já está à beira do abismo. Mas ainda vai

ser preciso um grande esforço de todo mundo pra colocarmos ele novamente lá em cima.

Millôr Fernandes.

a. Em seu sentido usual, a expressão destacada significa “às vésperas de uma catástrofe”. Tal significado

se confirma no texto? Justifique sua resposta.

b. Sem alterar o seu sentido, reescreva o texto em um

único período, iniciando com “Embora o Brasil (...)” e

substituindo a forma pra por para que. Faça as demais transformações que são necessárias para adequar o texto à norma escrita padrão.

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NO CADERNO

Por dentro do Enem e do vestibular 174 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

(ENEM)

Confidência do itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.

Principalmente nasci em Itabira.

Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.

Noventa por cento de ferro nas calçadas.

Oitenta por cento de ferro nas almas.

E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,

vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,

é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:

esta pedra de ferro,futuro aço do Brasil,

este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;

este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;

este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro,tive gado,tive fazendas.

Hoje sou funcionário público.

Itabira é apenas uma fotografia na parede.

Mas como dói!

ANDRADE, C. D. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.

Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do movimento modernista brasileiro. Com seus poemas, penetrou fundo na alma do Brasil e trabalhou poeticamente as inquietudes e os dilemas humanos. Sua poesia é feita

de uma relação tensa entre o universal e o particular, como se percebe claramente na construção do poema “Confidência do itabirano”. Tendo em vista os procedimentos de construção do texto literário e as concepções artísticas

modernistas, conclui-se que o poema acima

a. representa a fase heroica do modernismo, devido ao tom contestatório e à utilização de expressões e usos linguísticos típicos da oralidade.

b. apresenta uma característica importante do gênero lírico, que é a apresentação objetiva de fatos e dados históricos.

c. evidencia uma tensão histórica entre o “eu” e a sua comunidade, por intermédio de imagens que representam a

forma como a sociedade e o mundo colaboram para a constituição do indivíduo.

d. critica, por meio de um discurso irônico, a posição de inutilidade do poeta e da poesia em comparação com as

prendas resgatadas de Itabira.

e. apresenta influências românticas, uma vez que trata da individualidade, da saudade da infância e do amor pela

terra natal, por meio de recursos retóricos pomposos.

POR DENTRO DO ENEM E DO VESTIBULAR

ENEM EM CONTEXTO

As questões do Enemexigemalgumas habilidades de leitura, como o reconhecimento das concepções estéticas e dos procedimentos de construção do texto literário, tal como ocorre nesta questão:

Diferentemente do que afirma a alternativa a, Carlos Drummond de Andrade pertence à geração de 3é, fase que se afasta do tom contestatório da geração de 22 (ou fase heroica), voltandose para questões sociais, filosóficas, existenciais, espirituais e amorosas. A alternativa b também

• Providenciem cópias das provas selecionadas e coloquem na primeira página de cada uma

o número de inscrição de cada participante, garantindo que cada pessoa inscrita terá a

sua prova.

• Elaborem uma lista de presença (que pode ser por ordem alfabética, por ordem de inscrição,

ou, ainda, por sala), na qual devem constar o nome do participante e o número de inscrição de

cada um e deixem-na com a pessoa que cuidará da parte administrativa.

Organização das salas

• Solicitem à direção da escola o número de salas

necessário para acomodar todos os inscritos.

• Providenciem adesivos com os números de

inscrição e, no dia anterior à realização do simulado,

colem esses números nas carteiras, em ordem, para

que cada participante tenha o seu lugar definido.

• Afixem na porta de cada sala uma folha

com a sequência dos números de inscrição

correspondentes aos participantes que farão

a prova ali, para que possam se localizar mais

facilmente.

• Orientem as pessoas responsáveis pelas salas para

que, após distribuir as provas, passem de carteira

em carteira solicitando aos participantes que

assinem a lista de presença e conferindo o número

de inscrição e a identidade de cada um.

Correção dos textos do simulado

• Reúnam os envelopes com as redações, recolhendoos com a pessoa que ficou responsável pela

aplicação da prova que cada grupo propôs.

• Organizem-se em grupos de três alunos para a

avaliação das redações. Cada trio deve avaliar

no mínimo três redações, de modo que cada um

atribua nota a pelo menos uma redação. Vocês

podem, nesse grupo de três, discutir alguma dúvida

que tenham em relação aos critérios de avaliação

estudados.

• Combinem com o professor uma maneira pela

qual ele coordene os trios no trabalho de correção

das redações. Ele poderá, por exemplo, fazer um

“treinamento” dos trios, tomando por base o critério

das competências do Enem, estudado por vocês

no capítulo 3 desta unidade. Ele poderá, também,

dar apoio aos grupos durante a correção, tirando

dúvidas pontuais sobre alguns textos.

• Depois de corrigidos os textos, publiquem as notas em um mural da escola, divulgando-as por

número de inscrição, sem revelar a identidade dos participantes.

Shutterstock

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A redação em exame

Como encerramento da unidade, você e seus colegas organizarão um simulado da prova

de redação do Enem, que consistirá na aplicação de provas anteriores do exame, em determinado dia e horário.

Preparação e divulgação do simulado

• Organizem-se em dois grupos, cada um dos quais ficará responsável por selecionar uma prova

de redação do Enem de anos anteriores.

• Convidem professores e funcionários da escola, ou mesmo pais de alunos, para, no dia do

simulado, auxiliarem na parte administrativa: organizar e fazer a distribuição das provas,

controlar o tempo de aplicação, recolher os textos, lacrar os envelopes e encaminhá-los aos

grupos organizadores.

• Façam uma divulgação antecipada do simulado para a comunidade da escola e convidem

outros interessados para participar.

• Elaborem uma ficha de inscrição, simplificada, a ser disponibilizada em certo(s) local(is) por um

período estipulado, para que vocês saibam antecipadamente quantas pessoas participarão do

simulado.

• Com a lista dos inscritos em mãos, dividam o número de pessoas, igualmente, entre os dois

grupos.

Organização da prova

• Cada grupo deverá selecionar uma prova do Enem de anos anteriores, sem permitir que o

outro grupo tome conhecimento de qual foi a prova escolhida.

• Organizem os participantes pela sequência dos números de inscrição, que devem constar

nas provas em vez dos nomes, a fim de que a identidade dos autores das redações não seja

conhecida no momento da correção.

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8

SUMÁRIO

■ CAPÍTULO 1 – O PRÉ-MODERNISMO –

CONCORDÂNCIA VERBAL – O CONTO

LITERATURA: O PRÉ-MODERNISMO .......................................14

Augusto dos Anjos ....................................................................................15

Foco no texto: “O deus verme” e “Idealismo” ...............................16

Lima Barreto ................................................................................................17

Triste fim de Policarpo Quaresma ........................................................18

Foco no texto: trecho de Triste fim de

Policarpo Quaresma ..................................................................................18

LÍNGUA E LINGUAGEM:

CONCORDÂNCIA VERBAL ............................................................... 23

Foco no texto: “Dois e dois: quatro”,

de Ferreira Gullar ...................................................................................... 23

Reflexões sobre a língua ....................................................................... 25

A concordância ideológica ou silepse ..............................................26

As concordâncias dos verbos

impessoais e do verbo ser ..................................................................... 27

Texto e enunciação ..................................................................................28

PRODUÇÃO DE TEXTO: O CONTO ............................................30

Foco no texto: “Nós choramos pelo

Cão Tinhoso”, de Ondjaki .......................................................................30

Hora de escrever ....................................................................................... 35

■ CAPÍTULO 2 – O MODERNISMO –

CONCORDÂNCIA NOMINAL –

O CONTO MODERNO E CONTEMPORÂNEO

LITERATURA: O MODERNISMO ..................................................38

Foco na imagem: A fonte, de Marcel Duchamp;

O grito, de Edvard Munch; Corrente de

cachorro em movimento, de Giacomo Balla;

As senhoritas de Avignon, de Pablo Picasso;

Persistência da memória, de Salvador Dalí .....................................38

O contexto de produção e recepção do Modernismo ...............40

Meios de circulação .................................................................................40

O Modernismo em contexto ................................................................41

Movimentos e manifestos ....................................................................41

Foco no texto: fragmento do “Prefácio

interessantíssimo”, de Mário de Andrade;

poemas de Oswald de Andrade .........................................................42

Entre saberes .............................................................................................. 45

Conexões: O japonês e A mulher de cabelos verdes,

de Anita Malfatti; “Paranoia ou mistificação?”,

de Monteiro Lobato .................................................................................48

LÍNGUA E LINGUAGEM:

CONCORDÂNCIA NOMINAL ............................................................ 51

Foco no texto: anúncio ........................................................................... 51

Reflexões sobre a língua ....................................................................... 52

Texto e enunciação ..................................................................................57

PRODUÇÃO DE TEXTO:

O CONTO MODERNO E CONTEMPORÂNEO .........................59

Foco no texto: “Uma vela para Dario”,

de Dalton Trevisan ...................................................................................59

Hora de escrever .......................................................................................62

■ CAPÍTULO 3 – A GERAÇÃO DE 22 –

REGÊNCIA VERBAL – O CONTO FANTÁSTICO

LITERATURA: A GERAÇÃO DE 22 ..............................................64

Oswald de Andrade .................................................................................65

Mário de Andrade ....................................................................................65

Macunaíma: o herói sem nenhum caráter .................................... 66

Foco no texto: trecho de Macunaíma ............................................. 66

Manuel Bandeira ...................................................................................... 70

Foco no texto: “Andorinha”, “Momento

num café” e “Nova poética” ................................................................. 70

Entre textos: “O laço de fita”, de Castro Alves;

“Amor”, de Oswald de Andrade ........................................................... 73

LÍNGUA E LINGUAGEM: 

REGÊNCIA VERBAL ..............................................................................75

Foco no texto: cartaz de campanha de

doação de sangue ....................................................................................75

Reflexões sobre a língua ....................................................................... 76

Texto e enunciação ..................................................................................80

PRODUÇÃO DE TEXTO: O CONTO FANTÁSTICO ...............82

Foco no texto: “O retrato oval”, de Edgar Allan Poe ..................82

Hora de escrever ....................................................................................... 87

POR DENTRO DO ENEM E DO VESTIBULAR .......................91

PROJETO: ANTOLOGIA DE CONTOS,

MINICONTOS E CONTOS

FANTÁSTICOS MULTIMODAIS .................................................................96

UNIDADE

1

RUPTURA E CONSTRUÇÃO

FANTÁSTICOS MULTIMODAIS .................................................................96

Nelson Provazi

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9

■ CAPÍTULO 1 – A GERAÇÃO DE 30:

GRACILIANO RAMOS – REGÊNCIA NOMINAL –

O DEBATE DELIBERATIVO

LITERATURA: A GERAÇÃO DE 30:

GRACILIANO RAMOS ......................................................................100

O contexto de produção e recepção da

produção literária da geração de 30 ...............................................101

Meios de circulação ................................................................................101

O Modernismo em contexto .............................................................102

O romance de 30 .....................................................................................102

Rachel de Queiroz ...................................................................................102

Graciliano Ramos ...................................................................................103

Foco no texto: trecho de Vidas secas,

de Graciliano Ramos .............................................................................103

Entre textos: fragmento do poema

“O retrato do sertão”, de Patativa do Assaré,

e canção “Segue o seco”, de Carlinhos Brown ............................ 107

Entre saberes .............................................................................................110

Mundo plural ...........................................................................................113

LÍNGUA E LINGUAGEM: 

REGÊNCIA NOMINAL ........................................................................ 115

Foco no texto: fôlder da Delegacia da Mulher ........................... 115

Reflexões sobre a língua .......................................................................117

Texto e enunciação ...............................................................................120

PRODUÇÃO DE TEXTO:

O DEBATE DELIBERATIVO .............................................................122

Foco no texto: transcrição de trecho de uma reunião

deliberativa na Câmara dos Deputados ........................................122

Hora de escrever .....................................................................................126

■ CAPÍTULO 2 – A GERAÇÃO DE 30: JOSÉ LINS DO REGO,

JORGE AMADO E ÉRICO VERÍSSIMO – CRASE –

RELATÓRIO E CURRÍCULO

LITERATURA: JOSÉ LINS DO REGO,

JORGE AMADO E ÉRICO VERÍSSIMO .....................................130

José Lins do Rego ....................................................................................131

Fogo morto .................................................................................................131

Foco no texto: fragmento de Fogo morto .....................................131

Jorge Amado ............................................................................................134

Capitães da Areia ....................................................................................134

Foco no texto: trecho de Capitães da Areia .................................134

Érico Veríssimo ........................................................................................138

O tempo e o vento ...................................................................................139

Foco no texto: trecho de “Um certo

capitão Rodrigo”......................................................................................139

LÍNGUA E LINGUAGEM: CRASE .................................................143

Foco no texto: cartaz do Conselho Federal

de Psicologia .............................................................................................143

Reflexões sobre a língua .....................................................................144

Texto e enunciação ................................................................................147

PRODUÇÃO DE TEXTO:

RELATÓRIO E CURRÍCULO ...........................................................149

O relatório .................................................................................................149

Foco no texto: “Relatório do 4¼ Encontro

da Comunidade de Desenvolvimento” .........................................149

Hora de escrever ......................................................................................152

O currículo ..................................................................................................153

Hora de escrever ......................................................................................153

■ CAPÍTULO 3 – A GERAÇÃO DE 30 – COLOCAÇÃO

PRONOMINAL – CARTAS ARGUMENTATIVAS

LITERATURA: A GERAÇÃO DE 30:

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE ......................................155

A poesia de 30..........................................................................................156

Carlos Drummond de Andrade ........................................................156

Foco no texto: “Coração numeroso” e

“A noite dissolve os homens” .............................................................157

LÍNGUA E LINGUAGEM:

COLOCAÇÃO PRONOMINAL ..........................................................161

Foco no texto: “Abraçando árvore”,

de Antonio Prata ......................................................................................161

Reflexões sobre a língua .....................................................................163

Texto e enunciação ................................................................................167

PRODUÇÃO DE TEXTO: AS CARTAS

ARGUMENTATIVAS DE SOLICITAÇÃO

E DE RECLAMAÇÃO ...........................................................................168

A carta de solicitação ...........................................................................168

Foco no texto: carta de solicitação .................................................168

A carta de reclamação ..........................................................................169

Foco no texto: carta de reclamação ...............................................169

Hora de escrever ...................................................................................... 171

POR DENTRO DO ENEM E DO VESTIBULAR .....................174

PROJETO: CIDADANIA EM DEBATE .....................................................178

UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

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P:12

HORA E VEZ DA LINGUAGEM

■ CAPÍTULO 1 – A POESIA DE 30: CECÍLIA MEIRELES

E VINÍCIUS DE MORAIS – ANÁLISE LINGUÍSTICA:

PROGRESSÃO REFERENCIAL E OPERADORES

ARGUMENTATIVOS – A DISSERTAÇÃO (I)

LITERATURA: CECÍLIA MEIRELES

E VINÍCIUS DE MORAIS ................................................................ 182

Cecília Meireles ....................................................................................... 182

Foco no texto: “Motivo” e “Canção” ............................................... 183

Vinícius de Morais ..................................................................................184

Foco no texto: “Pátria minha” e

“Soneto de separação” ..........................................................................185

Conexões: “Soneto de fidelidade”, de Vinícius

de Morais; “Eu sei que vou te amar”, música de

Tom Jobim e letra de Vinícius de Morais .....................................189

LÍNGUA E LINGUAGEM: ANÁLISE LINGUÍSTICA:

PROGRESSÃO REFERENCIAL E OPERADORES

ARGUMENTATIVOS ............................................................................191

Foco no texto: redação do Enem ......................................................191

Reflexões sobre a língua .....................................................................192

Texto e enunciação ...............................................................................195

PRODUÇÃO DE TEXTO: A DISSERTAÇÃO ...........................196

Foco no texto: dissertação do Enem de 2012..............................196

Hora de escrever .....................................................................................198

■ CAPÍTULO 2 – A GERAÇÃO DE 45:

JOÃO CABRAL DE MELO NETO – ANÁLISE

LINGUÍSTICA: INFORMATIVIDADE E

SENSO COMUM – A DISSERTAÇÃO (II)

LITERATURA: A GERAÇÃO DE 45:

JOÃO CABRAL DE MELO NETO ................................................... 201

João Cabral de Melo Neto...................................................................202

Foco no texto: fragmentos de Educação

pela pedra e Morte e vida severina .................................................. 203

LÍNGUA E LINGUAGEM: ANÁLISE LINGUÍSTICA:

INFORMATIVIDADE E SENSO COMUM .................................207

Foco no texto: anúncio ........................................................................207

Reflexões sobre a língua ....................................................................209

Texto e enunciação ................................................................................213

PRODUÇÃO DE TEXTO: A DISSERTAÇÃO:

CONSTRUÇÃO DE ARGUMENTOS ............................................ 214

Foco no texto: dissertação do Enem ............................................. 214

Hora de escrever ..................................................................................... 218

■ CAPÍTULO 3 – A GERAÇÃO DE 45:

CLARICE LISPECTOR E GUIMARÃES ROSA –

ANÁLISE LINGUÍSTICA: IMPLÍCITOS E

INTERTEXTUALIDADE - A DISSERTAÇÃO (III)

LITERATURA: CLARICE LISPECTOR

E GUIMARÃES ROSA .........................................................................221

Clarice Lispector .......................................................................................221

Foco no texto: conto “Amor”, da obra

Laços de família .......................................................................................222

Guimarães Rosa ......................................................................................227

Sagarana ....................................................................................................228

Foco no texto: trecho do conto “A hora

e a vez de Augusto Matraga”.............................................................228

LÍNGUA E LINGUAGEM: ANÁLISE LINGUÍSTICA:

IMPLÍCITOS E INTERTEXTUALIDADE ....................................234

Foco no texto: cartum de Rog Bollen .............................................234

Reflexões sobre a língua .....................................................................235

Texto e enunciação ............................................................................... 237

PRODUÇÃO DE TEXTO: A DISSERTAÇÃO:

O CONTEXTO DE AVALIAÇÃO .................................................... 239

Foco no texto: trecho do Guia do participante –

A redação no Enem................................................................................ 239

Hora de escrever .....................................................................................242

POR DENTRO DO ENEM E DO VESTIBULAR ....................243

PROJETO: SIMULADO ENEM – A REDAÇÃO EM EXAME .............. 248

UNIDADE 3

10

PROJETO: SIMULADO ENEM – A REDAÇÃO EM EXAME .............. 248

Nelson Provazi

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CAMINHOS

Apêndice

UNIDADE 4

■ CAPÍTULO 1 – A LITERATURA BRASILEIRA

CONTEMPORÂNEA – ANÁLISE LINGUÍSTICA:

AS DIFERENTES FORMAS DE DIZER –

VERBETE E PROJETO DE PESQUISA

LITERATURA: A LITERATURA BRASILEIRA

CONTEMPORÂNEA ............................................................................252

O Concretismo .........................................................................................253

A literatura de resistência e a poesia marginal .........................253

Ferreira Gullar ..........................................................................................254

Foco no texto: “Não há vagas” e “Não coisa” .............................254

A literatura brasileira do final do século XX

aos nossos dias ........................................................................................ 257

Milton Hatoum ....................................................................................... 257

Foco no texto: fragmentos de

Relato de um certo Oriente..................................................................258

LÍNGUA E LINGUAGEM: ANÁLISE LINGUÍSTICA:

AS DIFERENTES FORMAS DE DIZER .....................................263

Foco no texto: notas de jornal ..........................................................263

Reflexões sobre a língua .....................................................................265

Texto e enunciação .............................................................................. 268

PRODUÇÃO DE TEXTO:

VERBETE E PROJETO DE PESQUISA .................................... 269

Verbete ...................................................................................................... 269

Foco no texto: verbete de enciclopédia ....................................... 269

Hora de escrever ......................................................................................271

Projeto de pesquisa ...............................................................................274

Hora de escrever ..................................................................................... 275

■ CAPÍTULO 2 – PANORAMA DA LITERATURA PORTUGUESA

NO SÉCULO XX – ANÁLISE LINGUÍSTICA: GERÚNDIOS E

GERUNDISMO – CARTA DE APRESENTAÇÃO

LITERATURA: PANORAMA DA LITERATURA

PORTUGUESA NO SÉCULO XX:

FERNANDO PESSOA E JOSÉ SARAMAGO .......................... 277

Fernando Pessoa .....................................................................................278

Foco no texto: “Autopsicografia” e

“O mistério das cousas, onde está ele?” .......................................279

José Saramago .........................................................................................283

Todos os nomes ........................................................................................283

Foco no texto: fragmento de Todos os nomes ........................... 284

LÍNGUA E LINGUAGEM: ANÁLISE LINGUÍSTICA:

GERÚNDIOS E GERUNDISMO.................................................... 288

Foco no texto: tira de Adão Iturrusgarai ..................................... 288

Reflexões sobre a língua ....................................................................290

Texto e enunciação ...............................................................................292

PRODUÇÃO DE TEXTO: CARTA

DE APRESENTAÇÃO ......................................................................... 294

Foco no texto: carta de apresentação .......................................... 294

Hora de escrever .....................................................................................297

■ CAPÍTULO 3 – LITERATURAS AFRICANAS DE

LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA NEGROBRASILEIRA – ANÁLISE LINGUÍSTICA: POLISSEMIA

E AMBIGUIDADE – ENTREVISTA DE EMPREGO

LITERATURA: LITERATURAS AFRICANAS

DE LÍNGUA PORTUGUESA E

LITERATURA NEGRO-BRASILEIRA ........................................299

Literaturas africanas de língua portuguesa...............................299

Foco no texto: “Namoro”, de Viriato da Cruz, e

“Quero ser tambor”, de Craveirinha ................................................ 301

A literatura negro-brasileira ............................................................. 304

Foco no texto: “Para um negro”, de Adão Ventura, e

“Nossa gente”, de Márcio Barbosa ..................................................305

Entre textos: “Velho negro”, de Agostinho Neto, e

“Sou negro”, de Cuti ...............................................................................307

LÍNGUA E LINGUAGEM: ANÁLISE LINGUÍSTICA:

POLISSEMIA E AMBIGUIDADE ................................................. 310

Foco no texto: anúncio do Dia Mundial da

Propaganda ............................................................................................... 310

Reflexões sobre a língua ...................................................................... 311

Texto e enunciação ................................................................................313

PRODUÇÃO DE TEXTO:

ENTREVISTA DE EMPREGO ..........................................................315

Foco no texto: entrevista de emprego ...........................................315

Hora de produzir ..................................................................................... 318

Mundo plural .......................................................................................... 320

POR DENTRO DO ENEM E DO VESTIBULAR ....................322

PROJETO: FEIRA DE PROFISSÕES –

VOCÊ NO MERCADO DE TRABALHO ...................................................328

Análise sintática do período composto ..................................................................................................................................................................................330

Orações coordenadas .....................................................................................................................................................................................................................330

Orações subordinadas .....................................................................................................................................................................................................................331

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................................................................................................................336

ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS ....................................................................................................................................................................................................337

11

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P:14

UNIDADE

1

Ruptura e construção

The Bridgeman Art Library / Keystone Brasil/Galleria Nazionale d'Arte Moderna, Roma, It‡lia

Dinamismo das

formas: luz no

espaço (1912), de

Gino Severini,

expressão do

Futurismo italiano.

Com influências

das técnicas

cubistas de Picasso,

aproximando

ângulos e planos

circulares, a tela

explora o movimento

da luz, dando ideia

de dinamismo, de

velocidade.

12

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aNtoloGia de CoNtoS,

MiNiCoNtoS e CoNtoS

FaNtÁStiCoS MultiModaiS

Participe com toda a classe da organização de uma antologia de contos, minicontos

e contos fantásticos multimodais (com imagens, música, voz, vídeos e movimento), que

serão produzidos no decorrer da unidade.

Instituto de Estudos Brasileiros da USP, São Paulo

Museu de Arte Contemporânea da USP, São Paulo

O modernismo, no Brasil, foi uma ruptura,

foi um abandono de princípios e de técnicas consequentes, foi uma revolta contra o

que era a Inteligência nacional.

(Mário de Andrade. Apud João Luiz Lafetá. Aspectos da literatura

brasileira. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1974. p. 235.)

pronominais

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro

(Oswald de Andrade. Poesias reunidas. 5. ed.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 125.)

Em verdade, será sempre conto aquilo que

seu autor batizou com o nome de conto.

(Mário de Andrade)

O homem amarelo (1916), de Anita Malfatti. A obra, de

inspiração expressionista, integrou uma exposição de

pinturas da autora às quais o escritor e crítico de arte

Monteiro Lobato fez uma crítica veemente. A polêmica

que se iniciou com essa crítica uniu artistas, difundiu

novas ideias e dinamizou o processo de implantação da

arte moderna no Brasil.

A negra (1923), de Tarsila do Amaral. Estudando Cubismo com o

renomado pintor Fernand Léger, em Paris, Tarsila se voltou para

temas nacionais, como o negro brasileiro.

13

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O Pré-Modernismo

LITERATURA

o Pré-Modernismo

Concordância verbal

o conto

CAPÍTULO 1

A literatura brasileira vivia nas duas primeiras décadas do século XX em um momento de transição. Por um lado, perdurava a influência das correntes estéticas do século XIX, como o Realismo, o Naturalismo, o Parnasianismo e o Simbolismo; por outro,

Recanto do morro de

Santo Antônio (1920),

de Eliseu Visconti,

obra ainda marcada

por influências do

Impressionismo,

corrente artística do

final do século XIX. Projeto Eliseu Visconti/Coleção particular

14 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

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literatura

Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos (1884-1914) nasceu no Engenho Pau d'Arco, no município de Sapé, Paraíba. Formou-se em

Direito, mas, em vez de atuar como

advogado, foi professor e deu aulas de

literatura em diferentes instituições de

ensino no Rio de Janeiro.

Morreu de tuberculose, aos 30 anos,

deixando uma única obra, Eu, que ainda

hoje impacta e seduz leitores das novas

gerações.

já se notavam mudanças − como um reflorescimento do nacionalismo e

a busca de uma língua brasileira, mais próxima do povo − que apontavam para uma renovação estética.

À produção situada entre 1900 e 1922, ano em que ocorreu a Semana de

Arte Moderna, considerada o marco inicial do Modernismo brasileiro, costuma-se chamar PrŽ-Modernismo. Essa produção não chegou a constituir

um movimento literário, mas criou condições para a grande ruptura que se

daria logo depois.

O Pré-Modernismo contou com uma rica produção em verso e em prosa. Na poesia, destaca-se o poeta Augusto dos Anjos. Na prosa, Euclides da

Cunha, Monteiro Lobato e Lima Barreto.

Neste capítulo, você vai conhecer a poesia de Augusto dos Anjos e a prosa de Lima Barreto.

Euclides da Cunha e Os sert›es

Euclides da Cunha (1866-1900) foi militar, engenheiro, jornalista e escritor. Quando eclodiu a Guerra

de Canudos, em 1896, no interior da Bahia, foi correspondente de guerra do jornal O Estado de S.

Paulo. Terminada a guerra, escreveu, com base nas observações que fez in loco, sua principal obra:

Os sertões (1901).

A obra é organizada em três partes: “A terra”, “O homem” e “A luta”. Adepto das ideias deterministas e naturalistas, Euclides da Cunha teve a intenção de provar, com a obra, que o homem é fruto

do meio e a guerra é consequência da interação do homem com o meio social e cultural.

Segundo a versão oficial dada pelo Exército na época, a guerra ocorreu por necessidade de combater um foco monarquista, que se opunha à recente República. Do ponto de vista do autor de Os

sertões, porém, o conflito que vitimou 15 mil pessoas foi fruto da miséria, do isolamento político, da

ignorância e do fanatismo religioso.

Augusto dos Anjos

Em 1912, ocorreu a primeira publicação de Eu, de Augusto dos Anjos, que

já teve mais de cem edições e é, provavelmente, a obra de poesia mais lida

em nosso país.

Tal sucesso tem várias explicações, entre elas a originalidade chocante da poesia do autor, que trilhou um caminho único em nossa literatura,

fundindo elementos simbolistas a elementos materialistas e científicos.

Por um lado, o poeta herdou do Simbolismo uma visão cósmica e uma

angústia moral, além de ter adotado, por influência do filósofo Schopenhauer, um pessimismo exacerbado. Por outro, incorporou uma visão

materialista e científica da vida e do mundo, com claras influências do

biólogo naturalista Ernst Haeckel (1834-1919) e do filósofo Herbert Spencer (1788-1860). Paradoxalmente, o eu lírico de seus poemas busca o infinito na matéria, com a perspectiva pessimista de que tudo caminha

para a morte, para o mal e para o nada. Não há nessa poesia lugar para

a esperança, uma vez que tudo é matéria, e a matéria caminha para a

podridão absoluta.

A linguagem empregada pelo autor também é surpreendente, considerando-se a linguagem elevada que até então era utilizada na poesia. Termos

científicos se misturam a um vocabulário rebuscado, dando origem a uma

linguagem eloquente, expressiva e muitas vezes chocante. As formas poéticas, entretanto, ainda são as convencionais empregadas no Simbolismo,

como o soneto e o verso decassílabo ou o alexandrino.

Morena Filmes, Filme de Sergio Rezende/João Raposo/Editoras Caras S.A/Acervo Iconographia

Cena do filme Guerra de

Canudos, de Sérgio Rezende.

15 O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1

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FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, dois textos que integram a obra Eu.

Texto 1

O deus verme

Fator universal do transformismo.

Filho da teleológica matéria,

Na superabundância ou na miséria,

Verme − é o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo

Em sua diária ocupação funérea,

E vive em contubérnio com a bactéria,

Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,

Janta hidrópicos, rói vísceras magras

E dos defuntos novos incha a mão...

Ah! Para ele é que a carne podre fica,

E no inventário da matéria rica

Cabe aos seus filhos a maior porção!

(Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/

DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1772. Acesso em: 3/1/2016.)

Texto 2

Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!

O amor da Humanidade é uma mentira.

É. E é por isso que na minha lira

De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!

Quando, se o amor que a Humanidade inspira

É o amor do sibarita e da hetaira,

De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,

O mundo fique imaterializado

− Alavanca desviada do seu futuro −

E haja só amizade verdadeira

Duma caveira para outra caveira,

Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

(Idem.)

acérrimo: superlativo de acre, ou seja, muito

azedo.

agro: o que tem sabor ácido, azedo.

antropomorfismo: atribuição de características

humanas a algo que não é humano, como por

exemplo, o clima.

contubérnio: familiaridade, intimidade.

drupa: fruta carnosa com semente em forma de

caroço, como a azeitona e a manga.

hetaira: na Grécia antiga, uma prostituta de luxo.

hidrópico: relativo à hidropisia, ou seja,

derramamento de líquido seroso em tecidos ou em

cavidade do corpo.

idealismo: concepção de que a realidade consiste

essencialmente de algo não material; o oposto de

materialismo.

mister: necessário.

Messalina: imperatriz romana, terceira esposa

do imperador Cláudio, conhecida como insaciável

sexualmente; mulher de má reputação.

teleológico: relativo à teleologia, isto é, doutrina

que explica algo com base em sua finalidade.

Sardanapalo: segundo a lenda, o último rei da

Assíria, tido como devasso, efeminado e glutão.

sibarita: aquele que aprecia os prazeres físicos e a

preguiça, como os habitantes de Síbaris, cidade da

Grécia antiga.

Nelson Provazi

16 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

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P:19

LITERATURA

1. A respeito do texto 1, responda:

a. Qual é o tema central do poema?

b. Explique o título do poema, levando em conta o papel do verme no

universo.

2. Indiretamente, o texto 1 faz referência à morte de seres humanos e de

outros seres.

a. Que verso do poema demonstra o desprezo do eu lírico pelas crenças

humanas?

b. Há, no texto, alguma referência a espiritualidade, sentimentos, sonhos?

c. Conclua: Que visão o eu lírico tem da vida e do mundo?

3. Em relação ao texto 2, responda:

a. Qual é o tema central do poema?

b. Qual é o pensamento do eu lírico sobre esse tema? Justifique sua resposta com um verso do poema.

c. Na visão do eu lírico, o que seria necessário para que esse sentimento,

em sua forma mais sublime, viesse a existir? Justifique sua resposta

com um verso do poema.

d. Leia, no glossário, o significado da palavra idealismo e responda: Que

relação há entre o título e as ideias presentes no poema?

4. Compare os dois poemas quanto à linguagem, à forma e ao conteúdo.

a. Tendo em vista que, no passado, a poesia privilegiava um vocabulário

elevado, considerado de bom gosto, responda: Que palavras ou expressões desses textos fogem a essa tradição? De que esfera do conhecimento são essas palavras?

b. O que aproxima os dois poemas quanto à forma?

c. Que efeito resulta da mistura da forma clássica com temas e termos

pouco convencionais?

É a decomposição da matéria,

resultante da ação dos vermes.

O verme é visto como um deus porque sobrevive a todos os seres e os devora quando

morrem, transformando-os em um novo tipo de matéria. Além disso, está em todo

lugar e não faz distinção entre seres ricos e pobres, humanos e não humanos.

“Livre das roupas do antropomorfismo” ou ainda

“Jamais emprega o acérrimo exorcismo”.

Não.

2. c) Ele tem a visão de que tudo na vida e no mundo

se resume à matéria, que é perecível e caminha para

a destruição, para o nada, numa atitude pessimista.

3. b) Ele não acredita no amor e o considera uma ilusão, uma mentira, conforme

revela o verso “O amor da Humanidade é

uma mentira”.

Seria necessário que a matéria deixasse de existir, conforme revelam o verso “O mundo fique imaterializado” e os dois últimos.

O título sugere que o amor é uma invenção do idealismo. Com base em um ponto

de vista oposto, isto é, materialista, o eu lírico nega tudo o que não seja material.

Palavras como teleológica, bactéria, antropomorfismo, hidrópicos, vísceras,

que pertencem à esfera filosófica e científica (biologia, microbiologia).

4. b) Os dois poemas são sonetos e os versos

são decassílabos.

Professor: Comente com os alunos que a abordagem e a linguagem adotadas pelo autor são

uma importante inovação na tradição do soneto em língua portuguesa.

Dessa mistura resulta um estranhamento, já que não é comum o soneto abordar

temas como esses, e utilizar um vocabulário considerado não poético.

Drummond lê

Augusto dos Anjos

Li o “Eu” na adolescência e foi como

se levasse um soco na cara. Jamais eu

vira antes, engastadas em decassílabos, palavras estranhas como simbiose,

mônada, metafisicismo, fenomênica,

quimiotaxia. Zooplasma, intracefálica...

E elas funcionavam bem nos versos! Ao

espanto sucedeu intensa curiosidade.

Quis ler mais esse poeta diferente dos

clássicos, dos românticos, dos parnasianos, dos simbolistas, de todos os

poetas que eu conhecia. A leitura do

“Eu” foi para mim uma aventura milionária. Enriqueceu minha noção de

poesia. Vi como se pode fazer lirismo

com dramaticidade permanente, que

se grava para sempre na memória do

leitor. Augusto dos Anjos continua

sendo o grande caso singular da poesia brasileira.

(Comentário de Drummond

sobre Augusto dos Anjos,

publicado na Revista da Biblioteca

Nacional, ano 3, n¼ 32,

maio de 2008. p. 89.)

Monteiro Lobato

Considerado um dos principais escritores pré-modernistas, Monteiro Lobato (1882-1948) nasceu em Taubaté, São Paulo. Estudou Direito e atuou como advogado, mas foi como editor e

escritor que alcançou projeção nacional.

Foi fundador da Editora Nacional e escreveu contos, romances e ensaios. Em sua produção

se destaca a obra de contos Urupês, na qual retrata o impacto social provocado pelo declínio da

cultura do café na região do Vale do Paraíba, no interior de São Paulo.

Foi também um dos iniciadores da literatura infantil no Brasil e na América Latina. É autor de

Reinações de Narizinho, Caçadas de Pedrinho e O sítio do Picapau Amarelo, entre outras obras

para o público infantil.

É o amor.

Lima Barreto

Ao lado de Aluísio Azevedo, Lima Barreto foi um dos primeiros escritores

a retratar as camadas mais humildes da população. Em seus romances, predominam tipos que, na época, eram comuns nos subúrbios, como funcionários públicos, tenentes, pequenos comerciantes, músicos, etc.

Contrapondo-se aos modelos convencionais de escrita e linguagem, que

tomavam os discursos de Rui Barbosa como modelo, a obra do escritor não foi

Arquivo/CB/D.A Press

17 O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1

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P:20

bem recebida pela crítica da época em razão de sua linguagem, considerada

displicente, e da visão ácida a respeito do Rio de Janeiro e das elites no poder.

O reconhecimento da qualidade do escritor só ocorreu há algumas décadas.

Ao lado de Cruz e Sousa, Lima Barreto também se destaca por ter sido

um dos primeiros escritores brasileiros negros a abordar em suas obras o

preconceito racial.

Triste fim de Policarpo Quaresma

Considerada a obra mais importante de Lima Barreto, Triste fim... narra

a história de Policarpo Quaresma, um funcionário público de classe média

baixa do Rio de Janeiro, no final do século XIX, logo após a proclamação da

República.

A obra é dividida em três partes. A primeira parte retrata a vida cotidiana

de Quaresma, que, nacionalista, ufanista e solteiro, vive com a irmã dona Adelaide e gasta todo o seu tempo livre estudando as riquezas naturais e culturais

do país. Propõe à Assembleia Legislativa a adoção do tupi como língua oficial

e, por isso, passa a ser considerado louco e é internado em um manicômio.

Na segunda parte, por sugestão da afilhada Olga, Quaresma resolve investir nas riquezas naturais do país e cultivar a terra. Compra, então, um sítio e

passa a viver ali com a irmã, dona Adelaide, e dois empregados. Aos poucos, a

personagem se frustra com os resultados do trabalho com a lavoura.

Na terceira parte, ao saber que eclodiu a Revolta da Armada (1893), no

Rio de Janeiro, dirige-se à capital para apoiar as forças federais e lutar contra os revoltosos. Por fazer críticas à maneira como o governo lidava com

os revoltosos feitos prisioneiros, acaba também sendo preso e fuzilado, por

ordem do presidente Floriano Peixoto.

FOCO NO TEXTO

O trecho que você vai ler a seguir pertence ao capítulo II da segunda

parte de Triste fim de Policarpo Quaresma, intitulado “Golias”. No trecho,

Quaresma recebe a visita de Olga, sua afilhada, do marido dela e de Ricardo Coração dos Outros, um violonista com quem Quaresma tinha tomado

aulas de violão, instrumento que considerava tipicamente brasileiro. Olga

voltava de um passeio ao Carico, onde havia uma cachoeira, a duas léguas

do sítio do padrinho.

[...]

O que mais a impressionou no passeio foi a miséria geral, a falta de cultivo, a pobreza das casas, o ar triste, abatido da gente pobre. Educada na cidade, ela tinha dos roceiros

ideia de que eram felizes, saudáveis e alegres. Havendo tanto barro, tanta água, por que as casas não eram de tijolos e

não tinham telhas? Era sempre aquele sapê sinistro e aquele

“sopapo” que deixava ver a trama de varas, como o esqueleto de um doente. Por que, ao redor dessas casas, não havia

culturas, uma horta, um pomar? Não seria tão fácil, trabalho

de horas? E não havia gado, nem grande nem pequeno. Era

raro uma cabra, um carneiro. Por quê? Mesmo nas fazendas,

Lima Barreto

Lima Barreto (1881-1922) nasceu no

Rio de Janeiro. Neto de negros escravos e de portugueses e proveniente de

uma família de classe média suburbana,

sofreu duramente o preconceito racial

em toda a sua vida. Por influência do

Visconde de Ouro Preto, seu padrinho,

iniciou o curso de engenharia na Escola

Politécnica do Rio de Janeiro, mas teve

de abandoná-lo para poder sustentar a

família, uma vez que o pai enlouquecera

e fora internado.

Para sobreviver, trabalhou como escriturário no Ministério da Guerra e

escreveu para diversos jornais.

A publicação do seu romance Recordações do escrivão Isaías Caminha se deu

em 1909, e a de sua principal obra, Triste

fim de Policarpo Quaresma, em 1911.

Alcoólatra e deprimido, Lima Barreto

morreu aos 41 anos internado em um

hospício, como o pai.

Acervo Iconographia

18 UNIDADE 1 RuptuRa e constRução

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P:21

literatura

o espetáculo não era mais animador.

Todas soturnas, baixas, quase sem o

pomar olente e a horta suculenta. A

não ser o café e um milharal, aqui e

ali, ela não pôde ver outra lavoura,

outra indústria agrícola. Não podia

ser preguiça só ou indolência. Para o

seu gasto, para uso próprio, o homem

tem sempre energia para trabalhar

relativamente. Na África, na Índia,

na Cochinchina, em toda a parte, os

casais, as famílias, as tribos, plantam

um pouco algumas cousas para eles.

Seria a terra? Que seria? E todas essas

questões desafiavam a sua curiosidade, o seu desejo de saber, e também a

sua piedade e simpatia por aqueles

párias, maltrapilhos, mal alojados,

talvez com fome, sorumbáticos!...

Pensou em ser homem. Se o fosse

passaria ali e em outras localidades

meses e anos, indagaria, observaria

e com certeza havia de encontrar o

motivo e o remédio. [...]

Como no dia seguinte fosse passear ao roçado do padrinho, aproveitou

a ocasião para interrogar a respeito o tagarela Felizardo. [...]

[...]

— Bons-dias, “sá dona”.

— Então trabalha-se muito, Felizardo?

— O que se pode.

— Estive ontem no Carico, bonito lugar... Onde é que você mora, Felizardo?

— É doutra banda, na estrada da vila.

— É grande o sítio de você?

— Tem alguma terra, sim, senhora, “sá dona”.

— Você por que não planta para você?

— “Quá sá dona!” O que é que a gente come?

— O que plantar ou aquilo que a plantação der em dinheiro.

— “Sá dona tá” pensando uma cousa e a cousa é outra. Enquanto planta cresce, e então? “Quá, sá dona”, não é assim.

Deu uma machadada; o tronco escapou; colocou-o melhor no picador

e, antes de desferir o machado, ainda disse:

— Terra não é nossa... E “frumiga”?... Nós não “tem” ferramenta... isso é

bom para italiano ou “alemão”, que o governo dá tudo... Governo não gosta

de nós...

Desferiu o machado, firme, seguro; e o rugoso tronco se abriu em duas

partes, quase iguais, de um claro amarelado, onde o cerne escuro começava a aparecer.

Ela voltou querendo afastar do espírito aquele desacordo que o camarada indicara, mas não pôde. Era certo. Pela primeira vez notava que

o self-help do Governo era só para os nacionais; para os outros todos os

auxílios e facilidades, não contando com a sua anterior educação e apoio

dos patrícios.

O subúrbio carioca retratado em obras de Lima Barreto.

Augusto Malta/ Coleção Gilberto Ferrez/ Acervo Instituto Moreira Salles

19 O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1

PortuguesContemporaneo3_UN1_CAP1_012a037.indd 19 5/12/16 6:05 PM

P:22

E a terra não era dele? Mas de quem era, então,

tanta terra abandonada que se encontrava por aí? Ela

vira até fazendas fechadas, com as casas em ruínas...

Por que esse acaparamento, esses latifúndios inúteis

e improdutivos?

A fraqueza de atenção não lhe permitiu pensar

mais no problema. Foi vindo para casa, tanto mais que

era hora de jantar e a fome lhe chegava.

Encontrou o marido e o padrinho a conversar.

Aquele perdera um pouco da sua morgue; havia mesmo ocasião em que era até natural. Quando ela chegou,

o padrinho exclamava:

— Adubos! É lá possível que um brasileiro tenha tal

ideia! Pois se temos as terras mais férteis do mundo!

— Mas se esgotam, major, observou o doutor.

Dona Adelaide, calada, seguia com atenção o crochet que estava fazendo;

Ricardo ouvia, com os olhos arregalados; e Olga intrometeu-se na conversa:

— Que zanga é essa, padrinho?

— É teu marido que quer convencer-me que as nossas terras precisam

de adubos... Isto é até uma injúria!

— Pois fique certo, major, se eu fosse o senhor, aduziu o doutor, ensaiava uns fosfatos...

— Decerto, major, obtemperou Ricardo. Eu, quando comecei a tocar violão, não queria aprender música... Qual música! Qual nada! A inspiração

basta!... Hoje vejo que é preciso... É assim, resumia ele.

Todos se entreolharam, exceto Quaresma, que logo disse com toda a

força d’alma:

— Senhor doutor, o Brasil é o país mais fértil do mundo, é o mais bemdotado e as suas terras não precisam “empréstimos” para dar sustento ao

homem. Fique certo!

— Há mais férteis, major, avançou o doutor.

— Onde?

— Na Europa.

— Na Europa!

— Sim, na Europa. As terras negras da Rússia, por exemplo.

O major considerou o rapaz durante algum tempo e exclamou triunfante:

— O senhor não é patriota! Esses moços...

O jantar correu mais calmo. Ricardo fez ainda algumas considerações

sobre o violão. À noite, o menestrel cantou a sua última produção: “Os Lábios da Carola.” [...] Olga tocou no velho piano de Dona Adelaide; e, antes

das onze horas, estavam todos recolhidos.

Quaresma chegou a seu quarto, despiu-se, enfiou a camisa de dormir

e, deitado, pôs-se a ler um velho elogio das riquezas e opulências do Brasil.

A casa estava em silêncio; do lado de fora, não havia a mínima bulha.

Os sapos tinham suspendido um instante a sua orquestra noturna. Quaresma lia; e lembrava-se que Darwin escutava com prazer esse concerto

dos charcos. Tudo na nossa terra é extraordinário! pensou. Da despensa,

que ficava junto a seu aposento, vinha um ruído estranho. Apurou o ouvido e prestou atenção. Os sapos recomeçaram o seu hino. Havia vozes baixas, outras mais altas e estridentes; uma se seguia à outra, num dado instante todas se juntaram num unisono sustentado [...] Quaresma pode ler

umas cinco páginas. Os batráquios pararam; a bulha continuava. O major

Cena da peça

Policarpo Quaresma,

adapção para o teatro

da obra homônima de

Lima Barreto, dirigida

por Antunes Filho em

2010.

Capa do DVD do filme

Policarpo Quaresma, herói

do Brasil, dirigido por Paulo

Thiago, adaptação para o

cinema da obra homônima de

Lima Barreto.

Policarpo Quaresma, Herói do Brasil. Direção: Paulo Thiago. [S.I.]:

Vitória Produções Cinematográficas, 1998.

Filipe Redondo/Folhapress

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LITERATURA

levantou-se, agarrou o castiçal e foi à dependência da casa donde partia o

ruído, assim mesmo como estava, em camisa de dormir.

Abriu a porta; nada viu. Ia procurar nos cantos, quando sentiu uma ferroada no peito do pé. Quase gritou. Abaixou a vela para ver melhor e deu

com uma enorme saúva agarrada com toda a fúria à sua pele magra. Descobriu a origem da bulha. Eram formigas que, por um buraco no assoalho,

lhe tinham invadido a despensa e carregavam as suas reservas de milho e

feijão, cujos recipientes tinham sido deixados abertos por inadvertência.

O chão estava negro, e carregadas com os grãos, elas, em pelotões cerrados,

mergulhavam no solo em busca da sua cidade subterrânea.

Quis afugentá-las. Matou uma, duas, dez, vinte, cem; mas eram milhares e cada vez mais o exército aumentava. Veio uma, mordeu-o, depois outra, e o foram mordendo pelas pernas, pelos pés, subindo pelo seu corpo.

Não pode aguentar, gritou, sapateou e deixou a vela cair.

Estava no escuro. Debatia-se para encontrar a porta; achou e correu daquele ínfimo inimigo que, talvez, nem mesmo à luz radiante do sol, o visse

distintamente...

(8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1970. p. 119-12.)

1. Ao voltar do passeio, Olga se impressiona com o tipo de vida que os roceiros da região

levavam.

a. Como Olga imaginava que eles vivessem?

b. O que pôde constatar pessoalmente?

c. De acordo com o texto, apenas os pequenos agricultores demonstravam falta de

iniciativa para trabalhar a terra e melhorar o nível de vida? Justifique.

2. Na obra, Olga representa a nova mulher que começa a despontar na passagem do

século XIX para o século XX. Que trecho do texto comprova a inquietação dela em

relação ao antigo papel social da mulher?

3. No dia seguinte, Olga conversa com Felizardo, empregado do sítio de seu tio, a respeito do que tinha visto na região. Que razões Felizardo alega para não se interessar pelo

cultivo das terras onde vive?

acaparamento:

monopólio.

bulha: tumulto, confusão

sonora, movimentação

intensa.

menestrel: músico,

trovador.

morgue: necrotério, ar

fúnebre.

olente: cheiroso.

sorumbático: triste,

sombrio.

Imaginava que tivessem uma vida feliz e que fossem saudáveis e alegres.

Pôde constatar a miséria da região, casas de sapê,

ausência de horta e pomar, pessoas sorumbáticas.

Não, nas fazendas a vida era mais ou menos

a mesma, com a diferença de que havia a cultura do milho e do café, apenas.

Pensou em ser homem. Se o fosse passaria ali e em outras localidades meses e anos,

indagaria, observaria e com certeza havia de encontrar o motivo e o remédio.

Alega que a terra não era dos trabalhadores, havia muita formiga e o governo não dava

nenhum tipo de apoio ao trabalhador do campo.

A República Velha e as oligarquias rurais

Com a Proclamação da República, em 1889, teve início na vida política brasileira o período conhecido como República Velha (1889-1930). Depois dos anos iniciais, em que os militares estiveram no poder, começou em 1894 uma

fase na qual o país passou a ser governado por presidentes civis, representantes das oligarquias do Sul e do Sudeste.

Nesse período, presidentes vindos de Minas Gerais e de São Paulo se revezavam, o que deu origem à chamada

“política do café com leite”.

Apesar de o Brasil ter entrado no século XX como uma jovem república, as estruturas sociais, econômicas e políticas do país ainda eram basicamente as mesmas da época da monarquia. Os escravos, por exemplo, não foram absorvidos pelo mercado de trabalho e, nos centros urbanos, a mão de obra era proveniente das imigrações europeias.

Somente com a Revolução de 1930 foi que ocorreram mudanças profundas na estrutura social, econômica

e política do país.

4. Considere este pensamento de Olga:

“E a terra não era dele? Mas de quem era, então, tanta terra abandonada que

se encontrava por aí? [...] Por que esse acaparamento, esses latifúndios inúteis e

improdutivos?”

REGISTRE

NO CADERNO

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Sabendo que a obra Triste fim de Policarpo Quaresma foi escrita durante

a República Velha (1889-1930), em que predominavam os interesses da

oligarquia rural, responda:

a. Que relação há entre esse trecho e o contexto sociopolítico da época?

b. Para que tipo de mudança social e econômica apontam as reflexões

de Olga (e do próprio Lima Barreto) sobre o assunto?

5. Policarpo Quaresma é associado frequentemente a Dom Quixote, personagem idealista e sonhadora de Miguel de Cervantes.

a. Por que, na conversa de Quaresma e o marido de Olga, mais uma vez

se comprova o caráter quixotesco do protagonista?

b. Nessa noite, que fato se contrapõe, ironicamente, à ingenuidade de

Quaresma, comprovando algumas das afirmações de Felizardo?

6. O nome do capítulo é “Golias”. Leia o boxe “Golias” e, depois, estabelecendo um paralelo entre a história do gigante e o episódio das formigas,

responda:

a. Que personagem de Triste fim... equivale a Golias? Por quê?

b. Qual personagem corresponde a Davi? Por quê?

c. Pode-se afirmar que esse episódio revela uma visão irônica e crítica

do próprio Lima Barreto? Justifique sua resposta.

7. O Pré-Modernismo é um momento de transição de nossa literatura, que

mantém alguns traços das correntes artísticas do século XIX e, ao mesmo tempo, apresenta elementos novos, como o interesse por temas nacionais e a busca de uma língua mais coloquial e brasileira.

a. Com quais das estéticas literárias do século XIX a obra Triste fim de

Policarpo Quaresma está mais alinhada? Por quê?

b. As novidades introduzidas pelo Pré-Modernismo podem ser identificadas no texto lido? Justifique sua resposta.

O pensamento de Olga aponta para uma perspectiva de reforma agrária.

Professor: O estudioso Alfredo Bosi reconhece na ideologia de Lima Barreto traços de um “socialismo maximalista”.

5. a) Porque ele idealiza o Brasil como o melhor país do mundo e se nega a admitir a possibilidade de as terras brasileiras não serem

férteis e necessitarem de adubos.

Professor: Comente com os alunos que os

resultados da plantação com que Quaresma

se ocupa depois tornam-se um fracasso e se

mostram economicamente inviáveis.

A invasão da casa pelas formigas; o episódio comprova a afirmação de Felizardo,

de que as formigas acabam com a plantação.

Policarpo Quaresma, que é bem maior do que as formigas, equivale a

Golias, pois, mesmo sendo maior e mais forte, leva a pior.

As formigas, que, mesmo sendo menores, têm uma força coletiva suficiente para vencer Quaresma.

6. c) Sim; Lima Barreto critica e ironiza o nacionalismo ufanista e ingênuo do protagonista.

Professor: Comente com os alunos que o

nacionalismo ufanista era uma das linhas de

pensamento no Brasil das primeiras décadas

do século XX, como fica claro alguns anos depois com o aparecimento de correntes artísticas como os movimentos Verde-Amarelismo e

Anta, na década de 1920.

7. a) Está mais alinhada com o Realismo, em virtude do retrato sociopolítico que faz do Brasil do final do

século XIX, além do tratamento irônico e crítico que dá ao tema.

Sim; a obra se volta para o retrato da realidade brasileira, de seus contrastes sociais, de sua gente simples,

etc. Além disso, a linguagem é despojada e se empenha em retratar as variedades linguísticas nacionais,

como a fala caipira de Felizardo.

4. a) O trecho mostra que, apesar de ter havido

a proclamação da República, a vida no campo

continuava a mesma: as terras continuavam

nas mãos da oligarquia rural, que era dona

de grandes propriedades no campo, e os trabalhadores (brancos e negros recentemente

alforriados) eram miseráveis.

Golias

Segundo relatos bíblicos, Golias era

um soldado filisteu de 2,90 m. Em uma

guerra contra os judeus, Golias desafiou o exército inimigo, propondo que

escolhessem um único soldado para

lutar contra ele. Se o soldado vencesse,

Golias e o exército filisteu se renderiam.

Um jovem judeu, chamado Davi,

se dispôs a lutar. Foi até o rio, pegou

cinco pedras e colocou-as em um pequeno saco.

Com uma funda, um tipo de atiradeira, nas mãos, acertou uma das pedras

na cabeça de Golias e matou-o. Depois,

cortou a cabeça do soldado filisteu,

usando a espada do próprio gigante.

Davi com a cabeça de Golias

(1609-10), de Caravaggio.

Por meio da leitura de textos de autores pré-modernistas feita neste capítulo, você viu que:

• o Pré-Modernismo não é propriamente um movimento literário; é um

período de transição, que reúne obras com traços remanescentes do

Simbolismo, do Realismo e do Naturalismo;

• as obras pré-modernistas apresentam como novidade o interesse por

temas da realidade nacional, como a vida da classe média suburbana

do Rio de Janeiro e a busca de linguagem mais brasileira, próxima da

língua falada pelo povo;

• a poesia de Augusto dos Anjos é um caso singular em nossa literatura, pois reúne elementos aparentemente excludentes, como traços do

Simbolismo e do Naturalismo e formas poéticas da tradição clássica.

Galleria Borghese, Roma, Itália

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lÍNGua e

liNGuaGeM

Concordância verbal

FOCO NO TEXTO

Leia o poema a seguir, de Ferreira Gullar, escrito durante o período do regime militar

no Brasil:

Dois e dois: quatro

Como dois e dois são quatro

sei que a vida vale a pena

embora o pão seja caro

e a liberdade pequena

Como teus olhos são claros

e a tua pele, morena

como é azul o oceano

e a lagoa, serena

como um tempo de alegria

por trás do terror me acena

LÍNGUA E LINGUAGEM

SHNA/Shutterstock

e a noite carrega o dia

no seu colo de açucena

− sei que dois e dois são quatro

sei que a vida vale a pena

mesmo que o pão seja caro

e a liberdade, pequena.

(Toda poesia. 18. ed. Rio de Janeiro:

José Olympio, 2009. p. 171.) 

1. Leia a seguir um depoimento de Ferreira Gullar, dado na Bienal do Rio de Janeiro, em

2009, no qual ele comenta sobre a situação em que esse poema foi escrito:

Muitos amigos estavam presos, muita gente sumiu, então havia um grande desapontamento em todos nós, que tínhamos lutado pela reforma agrária, pela mudança

das condições do país [...] Então esse poema foi escrito um pouco pensando nas pessoas

que estavam presas e em tudo, em todos nós que estávamos perdendo o ânimo [...].

(Transcrito do vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T2iTZJAOz6c. Acesso em: 18/1/2016.)

a. A 1ª estrofe apresenta uma síntese das ideias principais do poema. Considerando

o contexto social e político em que o poema foi produzido, explique o sentido dos

versos “embora o pão seja caro / e a liberdade pequena”.

b. Tendo em vista o momento caracterizado por Gullar, conclua: O que expressam os

dois primeiros versos dessa estrofe?

c. Segundo o depoimento de Gullar, a quem ele se dirigia com seu poema?

2. Embora em seu depoimento Gullar tenha explicitado a quem se dirigia com seu texto, no poema o eu lírico se dirige especificamente a um “tu”, que aparece em meio a

uma comparação.

a. Levante hipóteses: Quem é o tu a que o eu lírico se dirige?

b. Com o que o eu lírico compara os elementos trazidos na 2ª, na 3ª e na 4ª estrofes?

Esses versos remetem à situação desfavorável vivida à época, na qual o custo

de vida era alto e as pessoas não tinham liberdade de expressão nem liberdade

política.

O desejo do eu lírico de levar ânimo às pessoas à sua volta, afirmando sua previsão positiva para o

futuro como uma certeza e garantindo que ela é tão certa quanto um cálculo matemático.

À sociedade em geral, às pessoas que se viam sem esperanças na vida e no futuro.

Possibilidades variadas de resposta: A uma pessoa querida que

se encontrava distante ou que estava muito desanimada com a

situação e a quem ele gostaria de encorajar.

Com a sua certeza de que a vida vale a pena.

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3. No poema em estudo, o eu lírico faz uma queixa em relação à situação vivida naquele

momento.

a. Por essa queixa, é possível considerar que a postura do eu lírico é pessimista?

b. Para o eu lírico, ainda há esperança de melhoria da situação? Justifique sua resposta com um verso do poema.

4. Releia a primeira e a penúltima estrofes.

a. A quem se refere a forma verbal sei?

b. Reescreva esse verso, explicitando o sujeito.

c. Se o eu lírico escrevesse em nome de um coletivo, incluindo-se nessa ideia de coletividade, identifique, entre as construções a seguir, a mais adequada, de acordo

com a norma-padrão. Justifique sua escolha.

I. Nós sabe que a vida vale a pena.

II. Eles sabe que a vida vale a pena.

III. Nós sabemos que a vida vale a pena.

IV. Eles sabem que a vida vale a pena.

5. No 2º verso da 2ª e da 3ª estrofes, há uma elipse do verbo, isto é, ele foi omitido.

a. Reescreva-o, explicitando o verbo em sua forma de acordo com a norma-padrão.

b. Identifique, em cada um desses versos, qual é o sujeito e em que pessoa e número

estão as formas verbais.

6. Releia os seguintes trechos:

I. “Dois e dois são quatro”

II. “Teus olhos são claros”

III. “É azul o oceano”

IV. “A noite carrega o dia”

a. Qual é o único trecho que não segue a ordem padrão do português escrito (sujeito

+ verbo + complemento)?

b. Coloque-o na ordem padrão.

c. Quais formas verbais estão no singular e quais estão no plural? Justifique esse emprego.

d. Reescreva-os segundo a norma-padrão, substituindo:

• Dois e dois por Essa soma

• Teus olhos por Teu olhar

• O oceano por os mares

• A noite por Os luares

e. Compare os versos originais aos versos escritos por você no item anterior e conclua: O que aconteceu com as formas verbais?

7. Releia a 4ª estrofe.

a. Coloque-a na ordem padrão do português escrito e levante hipóteses: Por que o

poeta não escreveu o verso nessa ordem?

b. A que ou a quem se refere a forma verbal acena?

c. Explique por que a ideia dessa estrofe confirma o que foi dito na 1ª estrofe.

8. Compare a 1ª estrofe às duas últimas. Discuta com os colegas e o professor e conclua:

a. Qual efeito de sentido é criado pela repetição da forma verbal sei na penúltima

estrofe?

Sim, o que pode ser comprovado com o verso “Sei que a vida vale a pena”.

Ao eu lírico, à voz do poema.

Eu sei que a vida vale a pena.

A construção III, pois o verbo concorda em nome e número com o pronome “nós”.

e a tua pele é morena; e a

lagoa é serena

Sujeitos: a tua pele e a lagoa; verbos na 3ª pessoa do singular.

O III.

O oceano é azul.

I e II estão no plural e III e IV, no singular, concordando

com seus respectivos sujeitos.

Essa soma é quatro.

Teu olhar é claro.

Os mares são azuis.

Os luares carregam o dia.

Elas mudaram para o plural ou para o singular,

acompanhando o número do sujeito.

como um tempo de alegria me acena por trás do terror / Ela foi escrita em ordem diferente para manter a rima e a métrica do poema.

Ao sujeito simples “um tempo de alegria”.

Porque reforça a ideia de que a vida vale a pena, embora o presente não seja tão favorável, uma vez que um tempo de alegria vai chegar.

A repetição da forma verbal enfatiza que o eu lírico de fato acredita

no que diz, reforçando sua aparente certeza.

Não.

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língua e

linguagem

b. Nesses versos, foram empregadas as conjunções concessivas embora e mesmo que.

Uma concessão é considerada uma atitude aparentemente contrária ao previsto

ou esperado. Qual é a atitude esperada de uma pessoa que vive no contexto sóciohistórico do poema?

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

No estudo do poema de Ferreira Gullar, você viu que as formas verbais se alteram em

conformidade com os sujeitos a que se referem, concordando com eles em número e pessoa. É o que acontece, por exemplo, com o verbo ser, que se apresenta na forma singular é

para concordar com o sujeito o oceano, e se apresenta na forma plural são para concordar

com o sujeito teus olhos. Ou, ainda, a forma sei, que concorda com o pronome eu e a forma

sabemos, que concorda com o pronome nós. De fato, para sentenças formadas por sujeito

simples + verbo + complemento(s), ainda que em ordem variável, a gramática normativa

recomenda a concordância do verbo com o sujeito.

Assim:

Concordância verbal é a conformidade do verbo

com seu sujeito em número e pessoa.

Há, entretanto, diversos casos que fogem a esse princípio geral. Como falante nativo

da língua portuguesa, você certamente sabe concordar, na maioria dos enunciados que

constrói, os verbos com os seus sujeitos, mas é importante saber que essas regras diferem

de uma variedade linguística para outra. Portanto, elencamos a seguir algumas das principais orientações para fazer a concordância segundo a norma-padrão. Não há necessidade

de memorizar essas regras; é, porém, interessante conhecê-las, para fins de consulta e em

caráter de informação complementar.

É esperado que uma pessoa que viva em um contexto no qual a liberdade

é pequena e o pão é caro não acredite que a vida valha a pena.

1. Sujeito composto formado por elementos claramente distintos

• O verbo vai para o plural:

Crise econômica e crise política assolam diversos países atualmente.

2. Sujeito composto cujos elementos se ligam pela conjunção ou

• O verbo fica no singular se essa conjunção indica exclusão:

O filho ou o marido a acompanhará, pois só é permitido levar um convidado.

• O verbo vai para o plural se essa conjunção indica adição:

Meu filho ou meu marido podem vir me buscar.

3. Sujeito composto finalizado por tudo, nada, nenhum, ninguém, cada qual, cada um

• O verbo fica no singular:

Tios, tias, irmãos, cada um se organizou para comparecer à festa.

Os cadernos, os lápis, os estojos coloridos, tudo lembrava os tempos de escola.

4. Sujeito composto posposto ao verbo

• O verbo pode ir para o plural ou concordar com o elemento mais próximo:

Viajaram o pai e os filhos. / Viajou o pai e os filhos.

5. Sujeito formado por nomes que só têm forma plural

• O verbo concorda com o artigo que acompanha o nome ou fica no singular se o nome dispensa a presença de

artigo:

Os Estados Unidos ficaram em 2¼ lugar no quadro de medalhas.

O Amazonas é um rio muito extenso.

Vassouras se localiza a pouco mais de 100 km do Rio de Janeiro.

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A concordância

ideológica ou silepse

Leia o texto:

Os jornalistas somos sempre ávidos pela caça às bruxas.

Onde existe um pouco de fumaça nós projetamos fogo e vamos buscar fatos que possam proporcionar boas manchetes

de primeira página.

(Disponível em: http://www.bang.com.br/mostra_noticia.php?id=68. Acesso em: 28/2/2016.)

Em casos como esse, a concordância da forma verbal somos com o sujeito os jornalistas não se dá pela forma da pessoa verbal, mas sim pelo sentido. Ao utilizar essa estratégia, o enunciador se inclui como parte do grupo

de jornalistas a que se refere, sem necessariamente utilizar a forma pronominal nós. Essa construção caracteriza silepse de pessoa. Também é possível

fazer a concordância pela silepse de gênero (como em “Vossa alteza parece

cansado”) ou de número (como em “A família se arrumou rápido e logo estavam prontos para sair”).

6. Sujeito formado pelo pronome que

• O verbo concorda em pessoa e número com o antecedente:

Fui eu que paguei. / Foram eles que pagaram. / Fomos nós que pagamos.

7. Sujeito formado pelo pronome quem

• O verbo preferencialmente fica na 3ª pessoa do singular, embora seja possível concordá-lo em

pessoa e número com o antecedente:

Quem participa da criação, produz, fotografa e filma a atriz são seus próprios funcionários.

Somos nós quem fica aqui esperando. / Somos nós quem ficamos aqui esperando.

8. Expressões cerca de, perto de, mais de, menos de

• O verbo concorda com o numeral que segue a expressão:

Mais de uma pessoa chegou mais cedo.

Menos de dez pessoas chegaram mais cedo.

9. Expressões alguns, quantos, quais de nós, quais de vós

• O verbo preferencialmente concorda com o pronome pessoal (nós/vós), embora seja possível

concordá-lo com o pronome indefinido (3ª pessoa do plural):

Quantos de nós ficaremos aqui esperando? / Quantos de nós ficarão aqui esperando?

10. Expressões um dos que, uma das que

• O verbo pode ficar no singular ou pode ir para o plural, dependendo da ênfase que se quer

dar à referência do verbo (se a todos ou se a um que se destaque):

O filme brasileiro foi um dos que ganharam o prêmio.

O filme brasileiro foi um dos que chamou a minha atenção.

11. Expressões um e outro, nem um nem outro

• O verbo pode ficar no singular ou pode ir para o plural, indiferentemente:

Um e outro foi embora. / Um e outro foram embora.

Nem um nem outro entendeu direito. / Nem um nem outro entenderam direito.

12. Expressões parte de, a maioria de, metade de, grande parte de

• Se seguidas por uma palavra no singular, o verbo fica no singular; se seguidas por uma

palavra no plural, o verbo pode ficar no singular ou pode ir para o plural:

A maioria da classe preferiu sair mais cedo.

A maioria dos alunos preferiu sair mais cedo. / A maioria dos alunos preferiram

sair mais cedo.

Vende-se ou vendem-se

apartamentos?

Há atualmente uma discussão, que

envolve tanto gramáticos quanto linguistas, sobre a concordância dos

verbos nas orações em voz passiva

sintética. Alguns linguistas consideram que nesses casos o sujeito é indeterminado e o verbo deveria ficar na

3ª pessoa do singular, como acontece

com os verbos intransitivos (a voz passiva é admitida com verbos transitivos,

diretos ou indiretos).

A gramática normativa, no entanto,

determina que, nessas frases, o sujeito

vem posposto à forma verbal, devendo,

portanto, o verbo concordar com ele.

Assim, temos:

Vendem-se apartamentos neste condomínio.

Vende-se um apartamento na

praia.

Karina Castro/Estadão Conteúdo

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P:29

LÍNGUA e

LINGUAGEM

As concordâncias dos

verbos impessoais e do verbo ser

Os verbos impessoais são empregados apenas na 3» pessoa do singular, independentemente do enunciado em que se inserem. São verbos impessoais:

• os que indicam fenômenos da natureza: Choveu todos os dias desse feriado.

• haver com sentido de existir, acontecer: Há três casas nessa rua. / Houve quatro sessões da peça no fim de semana.

• haver, fazer, estar, ir indicando tempo: Visitei esta cidade há três anos. / Faz três anos que

visitei esta cidade. / Está quente aqui. / Já vai para três anos que estive nesta cidade.

No caso do verbo ser, este pode concordar com o sujeito ou com o predicativo do sujeito nas frases em que aparece. Entre os fatores que determinam a concordância, estão os

casos em que o sujeito ou o predicativo são:

• nome de pessoa ou pronome pessoal − o verbo concorda com a pessoa gramatical:

Marcos foi as piadas da família.

• nome de coisa − o verbo concorda preferencialmente com o que estiver no plural:

Os programas de TV são a minha perdição.

APLIQUE O QUE APRENDEU

Leia a história em quadrinhos a seguir.

(Disponível em: http://www.gurianciao.com.br/

website/index.php?option=com_content&view=

article&id=460:como-foi-inventada-a-mae&catid=

14:tiras&Itemid=171. Acesso em: 2/3/2016.)

1. Nos quatro primeiros quadrinhos, é contada uma história pela voz de um narrador.

a. Qual expressão é utilizada para marcar o tempo em que se passa essa história?

b. Qual expressão temporal é utilizada para marcar uma mudança no cenário inicial

da história?

Há milhares e milhares de anos

Um dia

Laerte

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P:30

2. Releia o trecho a seguir.

“Só existia pai, e a filharada comia apenas macarrão e ovo frito.”

Reescreva-o, fazendo as devidas alterações e substituindo:

a. o verbo existir pelo verbo haver

b. a palavra pai por pai e avô

c. o verbo existir pelo verbo haver e a palavra pai por pai e avô

d. a filharada por os filhos

3. Observe a frase “E sempre perdia a perua!”, do 2º quadrinho.

a. A quem se refere a forma verbal perdia? Justifique sua resposta.

b. Sem mudar o contexto da história, reescreva a frase alterando o sujeito do verbo

perder e fazendo as devidas alterações em sua concordância.

4. Justifique o emprego do verbo haver no singular na frase “havia outros milhares de

anos”, no 3º quadrinho.

5. O 5º quadrinho revela o contexto em que a história inicial estava sendo contada. Qual

é esse contexto?

6. Reescreva a frase “Foi assim que surgiu a mãe!”, fazendo as devidas alterações e substituindo a mãe por:

a. as mães;

b. a maioria dos homens;

c. nós, seres humanos.

7. O 5º e o 6º quadrinhos revelam uma reviravolta em toda a história, acrescentando um

novo sentido a tudo que veio antes.

a. O que esse quadrinho sugere sobre a história contada nos quatro primeiros?

b. O que esse quadrinho sugere sobre a Internet, em geral?

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia o texto a seguir e responda às questões de 1 a 3.

Desde que nascemos já estamos seguindo os passos escolhidos para nós. Há

papéis a serem cumpridos. Meninas vestidas de rosa, meninos de azul. Chegamos ao ponto de uma empresa fabricar perucas para bebês. Para meninas, claro.

Durante a infância, os brinquedos seguem o mesmo padrão de cores, e começamos a ver a divisão sexual do trabalho. Enquanto garotas brincam de lavar louça,

eles estão construindo coisas e sendo super-heróis.

Estes papéis de gênero são opressores para todos nós, mas as mulheres somos

levadas a acreditar que não podemos desejar nada além daquilo. Forma-se, então,

uma angústia dentro de nós, como se houvesse algo de errado, mas não conseguimos

identificar o que é. Muitas de nós, que nos identificamos mais com as “brincadeiras

de menino”, passamos a nos considerar menos mulheres. Menos. Incompletas.

(Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/blogs/feminismo-pra-que/

feminismo-e-uma-construcao-274.html. Acesso em: 18/3/2016.)

Só havia pai...

Só existiam pai e avô...

Só havia pai e avô...

... e os filhos comiam apenas macarrão e ovo frito.

Ao pai, pois a forma verbal está no singular.

Entre outras possibilidades: e as crianças sempre perdiam a perua; a filharada sempre perdia a perua.

Nesse contexto, o verbo haver é impessoal; por isso, é sempre empregado na 3ª pessoa do singular.

A história era contada por um site da Internet, numa busca feita por duas crianças.

Foi assim que surgiram as mães.

Foi assim que surgiu/surgiram a maioria dos homens.

Foi assim que surgimos nós, seres humanos.

Que se trata de uma história falsa, inventada.

Que na Internet há muitas histórias falsas, nas quais não se pode confiar.

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

1. Ao longo de todo o 1º parágrafo são utilizados verbos conjugados na 1ª pessoa do plural. Nesse contexto, a quem se referem essas formas verbais? Justifique sua resposta

com base no texto.

2. No 2º parágrafo, permanece o uso das formas na 1ª pessoa do plural, mas há uma

mudança no referente.

a. Qual trecho explicita essa mudança?

b. Como se explica gramaticalmente a concordância feita nesse 2º parágrafo?

c. Quem passa, portanto, a ser o referente?

3. Reescreva as frases a seguir, extraídas do texto, fazendo as substituições solicitadas e

as alterações necessárias.

a. “Há papéis a serem cumpridos” − substituindo o verbo haver pelo verbo existir

b. “os brinquedos seguem o mesmo padrão de cores” − substituindo “os brinquedos”

por “a brincadeira”

c. “os brinquedos seguem o mesmo padrão de cores” − substituindo os brinquedos

por a maior parte dos brinquedos

d. “Enquanto garotas brincam de lavar louça, eles estão construindo coisas e sendo

super-heróis” − substituindo garotas por menina e eles, por menino.

e. “nós, que nos identificamos mais com as ‘brincadeiras de menino’, passamos a nos

considerar menos mulheres”, substituindo nós por eu.

Leia a seguir algumas expressões populares e responda às questões de 4 a 6.

I. É nóis.

II. Tá ligado?

III. Tamo junto.

IV. Tô de boa.

4. Três dessas expressões contêm formas que se originam de um mesmo verbo.

a. Quais são elas e qual é esse verbo?

b. Qual é o verbo utilizado na outra expressão?

5. É comum gírias e expressões populares subverterem as regras impostas pela norma-padrão. Apesar de todas elas serem construídas com regras diferentes das regras da norma-padrão, apenas em uma delas essa diferença é pautada na concordância verbal.

a. Qual é essa forma?

b. Justifique essa afirmação.

c. Como ficaria essa expressão segundo as regras de concordância da norma-padrão?

Ela teria o mesmo efeito? Justifique sua resposta.

6. A diferença entre as demais formas e a norma-padrão não se dá pela concordância.

a. Justifique essa afirmação com base nas terminações das formas verbais.

b. Levante hipóteses: Qual o motivo pelo qual essas formas não correspondem às formas da norma-padrão?

c. Como ficariam essas expressões segundo a norma-padrão? Elas teriam o mesmo

efeito? Justifique sua resposta.

Trata-se de um “nós” que pode ser considerado universal, um “nós, sociedade”, “nós, seres humanos, no geral”, pois contrapõe genericamente os comportamentos de meninos e meninas.

As mulheres somos levadas

Trata-se de uma silepse de gênero ou uma concordância ideológica.

Um “nós” que inclui o enunciador e as mulheres, deixando o restante das pessoas de fora.

Existem papéis a serem cumpridos.

A brincadeira segue o mesmo padrão de cores...

A maior parte dos brinquedos segue/seguem...

Enquanto menina brinca de lavar a louça, menino está construindo coisas e sendo super-herói.

eu, que me identifico mais com as “brincadeiras de menino”, passo a me considerar menos mulher.

II, III e IV; o verbo estar.

O verbo ser.

É nóis

Só nessa forma há discordância entre a pessoa do pronome e a pessoa da forma verbal.

“Somos nós”. Não teria o mesmo efeito, pois se trata de uma forma que exprime uma identidade de grupo e que se descaracteriza ao ser alterada.

As formas verbais das expressões contêm as terminações equivalentes às conjugações tradicionais e concordam com seus sujeitos, tal como previsto pela

gramática.

Porque se aproximam de uma variedade oral, próxima da fala.

“está ligado?”; “estamos juntos”, “estou de boa”. Não, pois as modificações feitas levam a

mudanças de sentido que deixam de lado o efeito de identidade de grupo que deu origem a

essas expressões, descaracterizando-as.

29 O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1

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PRODUÇÃO DE TEXTO

O conto

o CoNtexto de Produção e reCePção doS textoS

Quais textos você produzirá nesta unidade? Com que finalidade? Quem vai

ler seus textos?

Nesta unidade, nosso projeto é a organização, pela classe, de uma antologia

de contos, minicontos e contos fantásticos multimodais, com textos, imagens e

músicas.

Com vistas à produção da antologia, estudaremos no decorrer dos capítulos

diferentes tipos de contos.

FOCO NO TEXTO

Leia o conto que segue, do escritor angolano Ondjaki.

Nós chorámos pelo Cão Tinhoso

Para Isaura. Para Luís B. Hondwana

Foi no tempo da oitava classe, na aula de português. 

Eu já tinha lido esse texto dois anos antes mas daquela vez a estória me parecia

mais bem contada com detalhes que atrapalhavam uma pessoa só de ler ainda em

leitura silenciosa – como a camarada professora de português tinha mandado. Era um

texto muito conhecido em Luanda: “Nós matámos o Cão Tinhoso”.

Eu lembrava-me de tudo: do Ginho, da pressão de ar, da Isaura e das feridas penduradas do Cão Tinhoso. Nunca me esqueci disso: um cão com feridas penduradas.

Os olhos do cão. Os olhos da Isaura. E agora de repente me aparecia tudo ali de novo.

Fiquei atrapalhado.

A camarada professora selecionou uns tantos para a leitura integral do texto. Assim

queria dizer que íamos ler o texto todo de rajada. Para não demorar muito, ela escolheu

os que liam melhor. Nós, os da minha turma da oitava, éramos cinquenta e dois. Eu era

o número cinquenta e um. Embora noutras turmas

tentassem arranjar alcunhas para os colegas, aquela era a minha primeira turma

onde ninguém tinha escapado de ser

alcunhado. E alguns eram nomes de

estiga violenta.

Muitos eram nomes de animais: havia o Serpente, o Cabrito, o Pacaça, a Barata da Sibéria,

a Joana Voa-Voa, a Gazela, e o

Jacó, que era eu. Deve ser porque eu mesmo falava muito

nessa altura. Havia o É-tê, o

Agostinho-Neto, a Scubidu e

alcunha: apelido.

bué: muito.

bondar: matar.

cacimbo: umidade;

inverno.

camarada: colega,

companheiro de armas;

forma de tratamento usada

pelos membros do Partido

Comunista.

calhar: acontecer, ocorrer

por acaso.

cueca: calcinha.

estiga: frase espirituosa

com a qual se debocha de

alguém.

maka: discussão, debate,

briga, confusão.

miúdo: criança.

porreira: bonita,

excelente, prestativa.

slow: dança de ritmo

lento na qual o casal fica

aconchegado.

tinhoso: nojento,

repugnante.

o número cinquenta e um. Embora noutras turmas

tentassem arranjar alcunhas para os colegas, aquela era a minha primeira turma

onde ninguém tinha escapado de ser

alcunhado. E alguns eram nomes de

estiga violenta.

mais: havia o Serpente, o Cabrito, o Pacaça, a Barata da Sibéria,

Agostinho-Neto, a Scubidu e

Nelson Provazi

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mesmo alguns professores também não escapavam da nossa lista. Por acaso a camarada professora de português era bem porreira e nunca chegámos a lhe alcunhar.

Os outros começaram a ler a parte deles. No início, o texto ainda está naquela parte

que na prova perguntam qual é e uma pessoa diz que é só introdução. Os nomes dos

personagens, a situação assim no geral, e a maka do cão. Mas depois o texto ficava duro:

tinham dado ordem num grupo de miúdos para bondar o Cão Tinhoso. Os miúdos tinham ficado contentes com essa ordem assim muito adulta, só uma menina chamada

Isaura afinal queria dar proteção ao cão. O cão se chamava Cão Tinhoso e tinha feridas

penduradas, eu sei que já falei isto, mas eu gosto muito do Cão Tinhoso.

Na sexta classe eu também tinha gostado bué dele e eu sabia que aquele texto era duro

de ler. Mas nunca pensei que umas lágrimas pudessem ficar tão pesadas dentro duma pessoa. Se calhar é porque uma pessoa na oitava classe já cresceu um bocadinho mais, a voz já

está mais grossa, já ficamos toda hora a olhar as cuecas das meninas “entaladas na gaveta”,

queremos beijos na boca mais demorados e na dança de slow ficámos todos agarrados até

os pais e os primos das moças virem perguntar se estamos com frio mesmo assim em

Luanda a fazer tanto calor. Se calhar é isso, eu estava mais crescido na maneira de ler o

texto, porque comecei a pensar que aquele grupo que lhes mandaram matar o Cão Tinhoso

com tiros de pressão de ar, era como o grupo que tinha sido escolhido para ler o texto. 

Não quero dar essa responsabilidade na camarada professora de português, mas foi

isso que eu pensei na minha cabeça cheia de pensamentos tristes: se essa professora

nos manda ler este texto outra vez, a Isaura vai chorar bué, o Cão Tinhoso vai sofrer

mais outra vez e vão rebolar no chão a rir do Ginho que tem medo de disparar por causa

dos olhos do Cão Tinhoso. 

O meu pensamento afinal não estava muito longe do que foi acontecendo na minha sala de aulas, no tempo da oitava classe, turma dois, na escola Mutu Ya Kevela, no

ano de mil novecentos e noventa: quando a Scubidu leu a segunda parte do texto, os

que tinham começado a rir só para estigar os outros, começaram a sentir o peso do texto. As palavras já não eram lidas com rapidez de dizer quem era o mais rápido da turma

a despachar um parágrafo. Não. Uma pessoa afinal e de repente tinha medo do próximo parágrafo, escolhia bem a voz de falar a voz dos personagens, olhava para a porta da

sala como se alguém fosse disparar uma pressão de ar a qualquer momento. Era assim

na oitava classe: ninguém lia o texto do Cão Tinhoso sem ter medo de chegar ao fim.

Ninguém admitia isso, eu sei, ninguém nunca disse, mas bastava estar atento à voz

de quem lia e aos olhos de quem escutava. 

O céu ficou carregado de nuvens escurecidas. Olhei lá para fora à espera de

uma trovoada que trouxesse uma chuva de meia-hora. Mas nada. 

Na terceira parte até a camarada professora começou a engolir cuspe

seco na garganta bonita que ela tinha, os rapazes mexeram os pés com

nervoso miudinho, algumas meninas começaram a ficar de olhos molhados. O Olavo avisou: “quem chorar é maricas então!” e os rapazes

na oitava classe: ninguém lia o texto do Cão Tinhoso sem ter medo de chegar ao fim.

Ninguém admitia isso, eu sei,ninguém nunca disse,mas bastava estar atento à voz

de quem lia e aos olhos de quem escutava.

O céu ficou carregado de nuvens escurecidas. Olhei lá para fora à espera de

uma trovoada que trouxesse uma chuva de meia-hora. Mas nada.

Na terceira parte até a camarada professora começou a engolir cuspe

seco na garganta bonita que ela tinha, os rapazes mexeram os pés com

nervoso miudinho, algumas meninas começaram a ficar de olhos molhados. O Olavo avisou:“quem chorar é maricas então!” e os rapazes

Nelson Provazi

31Produção

de texto

O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1

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todos ficaram com essa responsabilidade de fazer uma cara como se nada

daquilo estivesse a ser lido. 

Um silêncio muito estranho invadiu a sala quando o Cabrito se sentou. A

camarada professora não disse nada. Ficou a olhar para mim. Respirei fundo.

Levantei-me e toda a turma estava também com os olhos pendurados em

mim. Uns tinham-se virado para trás para ver bem a minha cara, outros fungavam do nariz tipo constipação de cacimbo. A Aina e a Rafaela que eram

muito branquinhas estavam com as bochechas todas vermelhas e os olhos

também, o Olavo ameaçou-me devagar com o dedo dele a apontar para mim.

Engoli também um cuspe seco porque eu já tinha aprendido há muito tempo

a ler um parágrafo depressa antes de o ler em voz alta: era aquela parte do

texto em que os miúdos já não têm pena do Cão Tinhoso e querem lhe matar

a qualquer momento. Mas o Ginho não queria. A Isaura não queria. 

A camarada professora levantou-se, veio devagar para perto de mim,

ficou quietinha. Como se quisesse me dizer alguma coisa com o corpo dela

ali tão perto. Aliás, ela já tinha dito, ao me escolher para ser o último a fechar o texto, e eu estava vaidoso dessa escolha, o último normalmente era

o que lia já mesmo bem. Mas naquele dia, com aquele texto, ela não sabia

que em vez de me estar a premiar, estava a me castigar nessa responsabilidade de falar do Cão Tinhoso sem chorar. 

— Camarada professora — interrompi numa dificuldade de falar. —

Não tocou para a saída? 

Ela mandou-me continuar. Voltei ao texto. Um peso me atrapalhava a

voz e eu nem podia só fazer uma pausa de olhar as nuvens porque tinha

que estar atento ao texto e às lágrimas. Só depois o sino tocou. 

Os olhos do Ginho. Os olhos da Isaura. A mira da pressão de ar nos olhos

do Cão Tinhoso com as feridas dele penduradas. Os olhos do Olavo. Os

olhos da camarada professora nos meus olhos. Os meus olhos nos olhos

da Isaura nos olhos do Cão Tinhoso.

Houve um silêncio como se tivessem disparado bué de tiros dentro da

sala de aulas. Fechei o livro.

Olhei as nuvens.

Na oitava classe, era proibido chorar à frente dos outros rapazes.

(In: Rita Chaves, org. Contos africanos de língua portuguesa.

São Paulo: Ática, 2009. p. 98-103.)

1. Logo no início, o texto faz referência a outro conto, “Nós matamos o Cão

Tinhoso”, do escritor moçambicano Luís Bernardo Honwana.

a. Quem é o narrador na história de Ondjaki?

b. Há quanto tempo ele já tinha lido o texto de Honwana?

c. Levante hipóteses: Por que, na primeira vez, a história lhe parecera

“mais bem contada”?

2. A professora de português propôs a leitura integral do conto a alguns

estudantes da classe, de modo que cada um lesse uma parte do texto

em voz alta.

a. Por que essa tarefa era muito difícil para eles?

b. Jacó, ao ser escolhido para ler a parte final do texto, sentiu-se premiado e punido ao mesmo tempo. Explique por quê.

Professor: Comente com os alunos que, no organograma educativo de Moçambique,

implantado no país em 2004, a 8ª classe equivale ao 9º ano, no Brasil.

Um menino da 8ª classe, apelidado Jacó.

Ele tinha lido o conto no 6º ano; logo, fazia dois anos.

Provavelmente por ser o primeiro contato com o texto e também por ainda ser criança e ter

se impressionado muito com o sofrimento do animal e com a angústia de Ginho, o narrador.

Porque a história era muito emocionante e eles sentiam

vontade de chorar, mas não queriam chorar em público.

Premiado porque geralmente quem lia a parte mais importante era o aluno que sabia ler melhor; punido porque teria de

ler a parte mais triste da história − a da morte do cão − sem chorar.

Ondjaki

Ondjaki nasceu em Luanda,

Angola, em 1977. Interessa-se

pela interpretação teatral e

pela pintura (duas exposições

individuais, em Angola e no

Brasil). Participou em antologias internacionais. Escreve

para cinema e correalizou um

documentário sobre a cidade

de Luanda (Oxalá cresçam Pitangas, 2006). É membro da

União dos Escritores Angolanos. É licenciado em Sociologia. Recebeu no ano 2000 uma

menção honrosa no prêmio

António Jacinto (Angola) pelo

livro de poesia Actu Sanguíneu. Em 2005 o seu livro de

contos E se amanhã o medo

obteve os prêmios Sagrada

Esperança (Angola) e António

Paulouro (Portugal).

(Disponível em: http://www.nova

cultura.de/0708literatrip.php. Acesso

em: 24/12/2015.)

Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A. Press

32 UNIDADE 1 RuptuRa e constRução

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3. Para situar as emoções que a leitura do texto de Honwana provocava nos alunos

durante a aula, Jacó menciona algumas partes do conto e, assim, de certa forma

também se torna narrador de outra história. Desse modo, em vários momentos as

duas narrativas se cruzam, criando um paralelo entre os fatos ocorridos no conto de

Honwana e os fatos ocorridos no conto de Ondjaki.

a. Destaque um trecho do conto em que o narrador Jacó explicita esse paralelo entre

as duas histórias.

b. Considerando o paralelo, indique, em seu caderno, a possível relação entre as seguintes personagens do conto de Honwana e personagens do conto de Ondjaki.

• administrador e veterinário

• o cão

• Ginho

• Isaura

• as crianças

4. A seguir, leia um trecho do conto de Honwana, releia um trecho do conto de Ondjaki

− ambos da parte final de cada história − e compare-os.

“O Cão Tinhoso olhava-me com força. Os seus olhos azuis não tinham brilho

nenhum, mas eram enormes e estavam cheios de lágrimas que lhe escorriam pelo

focinho. Metiam medo aqueles olhos, assim tão grandes, a olhar como

uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer dizer. Quando eu olhava agora para dentro deles, sentia um peso muito maior do que quando tinha a corda a tremer de tão esticada, com os ossos a querer fugir

da minha mão e com os latidos que saíam a chiar, afogados na boca

fechada.”

(Disponível em: http://www.prof2000.pt/users/

leiria/cao_tinhoso.htm. Acesso em: 20/1/2016.)

“Os olhos do Ginho. Os olhos de Isaura. A mira da pressão de ar nos

olhos do Cão Tinhoso com as feridas dele penduradas. Os olhos do Olavo. Os olhos da camarada professora nos meus olhos. Os meus olhos

nos olhos da Isaura nos olhos do Cão Tinhoso”.

a. Explique de que modo as duas narrativas se cruzam nesses trechos.

b. Na frase “Os meus olhos nos olhos da Isaura nos olhos do Cão Tinhoso”, além do

cruzamento semântico, há também um cruzamento sintático. Identifique-o e explique como ele ocorre.

3. a) Entre outras possibilidades: “Não quero dar essa responsabilidade na camarada professora de português, mas foi isso que eu pensei na minha cabeça cheia

de pensamentos tristes”, ou seja, comparando a situação dos alunos na sala com a situação vivida pelas personagens no conto de Honwana.

Adm. e veterinário: Seria a professora, que dá a ordem de leitura aos meninos; contudo, o próprio narrador rejeita essa hipótese, por gostar dela.

O cão: Os estudantes da sala de Jacó, que sofrem tentando segurar o choro

e querendo parar a leitura, sem poder fazer isso. Pode ser também o próprio

conto, considerando-se que ele emociona os estudantes, assim como a morte do cão emocionou os meninos. Corresponde a Jacó, pois ambos são narradores das histórias que contam.

Isaura: Não há correspondência direta entre ela e alguma personagem do conto de Ondjaki. O próprio Jacó é

o que se aproxima mais de Isaura, dada sua sensibilidade com relação à história do cão.

As crianças: De certa forma, são os estudantes da sala de Jacó; isso,

porém, em um patamar de consciência mais elevado (como será visto

na questão 5).

4. a) O conto de Ondjaki cita tanto personagens da história contada por

Jacó quanto personagens da história contada por Ginho. Assim, realidade

e ficção se misturam com o objetivo de mostrar que as personagens do

conto de Ondjaki reviviam as emoções vividas pelas personagens do

conto de Honwana.

Ele ocorre na última frase, na qual um termo, com a função de sujeito, foi suprimido. Se esse termo fosse explicitado,

a frase ficaria mais ou menos assim: Os meus olhos nos olhos da Isaura e [os olhos dela] nos olhos do Cão Tinhoso.

Cão Tinhoso: metáfora de uma nação

“Nós matamos o Cão Tinhoso” é o nome de um conto do escritor moçambicano Luís Bernardo Honwana. O conto

foi publicado no livro de mesmo nome, na época em que Moçambique era colônia portuguesa, durante a ditadura

de Salazar, em Portugal.

Quando Honwana escreveu a obra, a única que publicou, encontrava-se na prisão, por causa de seus textos de

contestação ao regime e da participação na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Depois que Moçambique alcançou a independência, Honwana ocupou o cargo de ministro da Cultura do país.

O conto “Nós matamos o Cão Tinhoso” conta a história de um cão já bastante idoso e debilitado que é morto a

tiros de espingarda de pressão por um grupo de crianças, a mando do administrador e do veterinário do povoado.

A única criança que gostava do cão e lhe dava comida e carinho era a menina Isaura. O narrador da história, Ginho,

também gostava do animal, mas, pressionado pelos amigos, também decide matar o cão, porém na última hora se

arrepende, sem conseguir alterar a situação.

Segundo alguns críticos, a história do cão tinhoso é uma metáfora do povo moçambicano antes da revolução, ou seja, o cão representa a condição

do homem moçambicano sem consciência política, impotente, inferiorizado e subserviente.

Andressa Honório

aemo.mmo.co.mz

33Produção de texto

O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1

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5. No início do conto, há a seguinte dedicatória: “Para a Isaura. Para o Luís B. Honwana”.

Como você sabe, Isaura é personagem do conto “Nós matamos o Cão Tinhoso” e Luís

B. Honwana é o autor do conto. Levante hipóteses: Por que uma personagem de ficção e um escritor real são homenageados na dedicatória?

Sugestão de resposta: Isaura, por ser a única personagem mais humanizada e solidária da história, traços que provavelmente Ondjaki aprecia; e

Honwana por ser o criador do texto a partir do qual o de Ondjaki foi criado, como numa espécie de agradecimento e reconhecimento.

A origem do conto

O conto é um gênero que nasceu de tradição oral e há milênios faz parte da cultura de povos

de todo o mundo. Contado nas noites de luar ou em volta das fogueiras, o conto primitivamente

tratava de histórias de bichos ou de antigos mitos.

Os primeiros contos de que se tem registro são os de As mil e uma noites, obra que data do

início do século IX. Neles, o rei Xariar, desiludido com as mulheres em razão de ter sido traído por

sua esposa, decide desposar a cada noite uma virgem e matá-la na manhã seguinte para, assim,

não ser traído novamente. Xerazade, quando escolhida, evita a morte contando ao rei narrativas

fascinantes, cada uma das quais dando em outra. Com isso, o rei, querendo conhecer o fim da

história, sempre espera mais uma noite antes de mandar matá-la. Depois de mil e uma noites,

apaixonado por Sherazade, ele finalmente desiste de seu propósito.

Com o passar dos séculos, o conto foi se afastando da tradição oral e se tornou um gênero

literário requintado, cultivado por grandes escritores no mundo inteiro.

6. Angola e Moçambique são duas ex-colônias portuguesas que se libertaram de Portugal em 1975. Os dois países têm, portanto, muitos pontos em comum quanto à história, à cultura e à língua, que afloram no trabalho intertextual de Ondjaki. Alguns

críticos consideram que o conto “Nós matamos o Cão Tinhoso” é metáfora de um

povo humilhado pelo colonialismo, pelas perseguições políticas, pela censura e pelas

prisões, enquanto a crueldade dos meninos representaria a falta de consciência política do povo.

a. Tomando essas informações como referência, interprete: O que representa, no texto de Ondjaki, a leitura do conto em voz alta feita pelos adolescentes?

b. O que o choro dos adolescentes, que toma conta da classe de Jacó, representa?

7. O texto foi escrito em português angolano. Nele, é possível encontrar palavras que

são usadas exclusivamente em Angola ou em Angola e Portugal. Identifique algumas

dessas palavras, que ilustram a variedade moçambicana ou lusitana de nossa língua.

8. O texto lido é um conto, gênero que pertence à esfera literária. Leia o boxe “O conto e

sua estrutura tradicional” e, depois, responda:

a. Que parágrafos do conto correspondem à introdução?

b. Qual é o conflito do conto?

c. O que ocorre no desenvolvimento da ação?

d. Qual é o clímax da narrativa?

e. Que parágrafos correspondem ao desfecho?

6. a) Considerando que

o texto de Honwana foi

escrito na prisão, durante

a ditadura salazarista, e

que ele reflete o clima de

censura e o sentimento de

opressão vividos na época, a leitura em voz alta

desse texto, anos depois,

em outro país africano,

representa a libertação

dos povos moçambicano e

africano. A leitura em voz

alta significa a liberdade

de poder falar alto, sem

medo da censura ou da

repressão alcançada por

grande parte dos povos

africanos.

b) Professor: Sugerimos

abrir a discussão com a

classe, pois pode haver

mais de uma interpretação.

Sugestão: Os adolescentes do conto de Ondjaki

não são mais as crianças

ingênuas e maldosas do

conto de Honwana. É

como se, depois da revolução, tivesse havido um

crescimento não só físico

das crianças, agora adolescentes, mas também

um crescimento emocional

e intelectual quanto à sensibilidade, à solidariedade

e à consciência política.

bué, bondar, estiga, miúdo, porreira, slow, cacimbo

A parte composta pelo 1º, 2º e 3º parágrafos, que corresponde ao trecho

anterior ao que a professora solicita a

leitura do conto em voz alta.

O desafio de ler o conto em voz alta sem chorar.

A narração e a descrição de como transcorre a

leitura do conto de Honwana e a mistura entre

elementos dos dois contos. Com isso, vai sendo

criada uma tensão dramática, similar à do conto

que os alunos estão lendo.

8. d) O momento em que Jacó, o narrador, fica responsável por ler o trecho em que há o clímax do outro conto, ou seja, a parte em que as crianças matam o cão. Ele se situa no trecho

que vai do parágrafo iniciado por “Ela mandou-me continuar” até a frase “Fechei o livro”.

Os dois últimos parágrafos.

Andressa Honório

The Bridgeman Art Library / Keystone Brasil/

Museu de Arte Thomas Henry, Cherbourg, França

34 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

PortuguesContemporaneo3_UN1_CAP1_012a037.indd 34 5/12/16 6:05 PM

P:37

9. Nos contos, a narração pode ser feita em 1ª pessoa ou em 3ª pessoa, como nos demais

gêneros narrativos ficcionais.

a. Qual é o ponto de vista narrativo adotado no conto “Nós choramos pelo Cão Tinhoso”?

b. O narrador, no momento em que narra, é adolescente ou adulto? Justifique com

elementos do texto.

c. O olhar ou a perspectiva do narrador é de um adolescente ou de um adulto? Justifique sua resposta.

10. No conto, o tempo e o espaço podem ser mais amplos do que na crônica (em que geralmente os fatos ocorrem durante alguns minutos e em espaço restrito). Além disso,

normalmente as personagens do conto costumam ter mais profundidade psicológica

do que na crônica.

a. O tempo e o espaço no conto “Nós choramos pelo Cão Tinhoso” são amplos ou reduzidos? Justifique sua resposta com elementos do texto.

b. Há aprofundamento psicológico das personagens? Se sim, justifique sua resposta.

HORA DE ESCREVER

Como você sabe, no final da unidade será organizada uma antologia de contos, minicontos e contos fantásticos multimodais.

Seguem duas propostas de produção de contos, a serem desenvolvidas conforme a

orientação do professor. O(s) conto(s) que você criará poderá(ão) ser escolhido(s) para integrar a antologia.

1. Recontando. Reconte o conto “Nós matamos o Cão Tinhoso”, de Luís B. Honwana, a

partir de uma destas sugestões:

• Utilizando as informações sobre o conto apresentadas neste capítulo, acrescente

outras personagens e outros fatos aos da história.

• Leia o conto integral, disponível na Internet, e, depois, conte a história. Não copie

partes do texto e conte a história toda, mas de forma resumida, em um texto que

tenha de 30 a 40 linhas.

O ponto de vista adotado é o de 1ª pessoa.

Não há elementos que possam comprovar seguramente, mas provavelmente é adulto, especialmente

por causa da expressão “Foi no tempo”, que remete a um passado distante.

9. c) A perspectiva é de um

adolescente, Jacó. Isso

porque o narrador procura se situar no momento

em que ocorreu o evento

e retratar o modo como

ele e os colegas se sentiram então, anos atrás. Por

exemplo, quando se refere

ao “nervoso miudinho dos

rapazes, os “olhos molhados” das meninas ou o trecho “ninguém lia o texto do

Cão Tinhoso sem ter medo

de chegar ao fim. Ninguém

admitia isso, eu sei, ninguém nunca disse, mas

bastava estar atento à voz

de quem lia e aos olhos de

quem escutava”.

10. a) O tempo e o espaço são reduzidos, pois a ação ocorre no

espaço de uma sala de aula e no tempo de uma aula.

Professor: Reforce que tempo e espaço muito reduzidos não são

a regra.

10. b) Sim; as ações ocorrem mais no plano interior

das personagens do que

no espaço externo. O narrador é a personagem com

maior profundidade psicológica no conto, já que ele

vivia o desafio de ter de

fazer a melhor leitura, ler a

parte mais importante do

texto e, ao mesmo tempo,

se esforçar para não chorar. Comprovam esse fato

suas repetidas tentativas

de fuga do texto, olhando

as nuvens, e a pergunta

que dirige à professora,

sugerindo interrupção da

leitura, ao perguntar se já

não era hora da saída.

Professor: Os alunos poderão desenvolver uma ou duas das propostas ou até as três, dependendo do número de aulas previstas em seu planejamento para o estudo do gênero.

O conto e sua

estrutura tradicional

A estrutura narrativa tradicional do

conto, ainda hoje muito usada, compõe-se das seguintes partes: introdução ou apresentação, em que são

situadas as personagens, no tempo

e no espaço, em uma condição de

equilíbrio inicial; complicação ou desenvolvimento, em que é exposto e

desenvolvido o conflito (o problema

ou o motivo das ações); clímax, o

momento em que o conflito é resolvido ou não; desfecho ou conclusão,

em que é mostrado o que aconteceu

depois do conflito e se volta à situação de equilíbrio inicial.

Editora Callis

Editora Pocket Ouro

Companhia das Letrinhas

35 O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1 Produção de texto

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P:38

2. Explorando pontos de vista. Dependendo da ótica pela qual uma

história é contada, ela pode passar a ser outra. Escolha uma destas

sugestões:

• Conte o conto “Nós matamos o Cão Tinhoso” pela perspectiva do cão.

• Conte o conto “Nós choramos pelo Cão Tinhoso” pela perspectiva da

professora.

3. Passando a bola. O texto a seguir é a introdução de um conto do escritor

moçambicano Mia Couto. Leia-o e dê continuidade à narrativa, apresentando um conflito, desenvolvendo-o, levando as ações ao clímax e criando um desfecho. Crie fatos e personagens.

O dia em que explodiu

Mabata-bata

De repente, o boi explodiu. Rebentou sem um múúú.

No capim em volta choveram pedaços e fatias, grãos e

folhas de boi. A carne eram já borboletas vermelhas. Os

ossos eram moedas espalhadas. Os chifres ficaram num

qualquer ramo, balouçando a imitar a vida, no invisível

do vento.

O espanto não cabia em Azarias, o pequeno pastor. Ainda há um instante ele admirava o grande boi malhado, chamado de Mabata-bata. O bicho pastava mais vagaroso que a

preguiça. Era o maior da manada, régulo da chifraria, e estava

destinado como prenda de lobolo do tio Raul, dono da criação. Azarias trabalhava para ele desde que ficara órfão. Despegava antes da luz para que os bois comessem o cacimbo

das primeiras horas.

Olhou a desgraça: o boi poeirado, eco de silêncio, sombra

de nada.

“Deve ser foi um relâmpago”, pensou.

Mas relâmpago não podia. O céu estava liso, azul sem

mancha. De onde saíra o raio? Ou foi a terra que relampejou?

[...]

— Não apareças sem um boi, Azarias. Só digo: é melhor

nem apareceres.

A ameaça do tio soprava-lhe os ouvidos. Aquela angústia

comia-lhe o ar todo. Que podia fazer? Os pensamentos corriam-lhe como sombra mas não encontravam saída. Havia

uma só solução: era fugir, tentar os caminhos onde não sabia

mais nada.

[...]

(In: Rita Chave, org. Contos africanos dos

países de língua portuguesa, cit., p. 14-5.)

Mia Couto

Mia Couto é um dos mais importantes escritores africanos da atualidade. É

autor de mais de trinta obras, em que se

incluem romances, contos e poesia. Ganhou em 2013 o Prêmio Camões, o mais

importante entre os prêmios literários

conferidos em nossa língua. Seu romance Terra son‰mbula é considerado

um dos dez melhores livros de literatura

africana do século XX.

ULF ANDERSEN/Aurimages/AFP

36 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

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P:39

ANTES DE ESCREVER

Planeje seu conto, seguindo estas orientações:

• Tenha em vista o público para o qual vai escrever: jovens e adultos que se interessam

por literatura, por literatura africana e por contos.

• Dependendo da proposta escolhida, faça a narração em 1ª ou em 3ª pessoa.

• Esboce o enredo e defina as personagens, o tempo e o espaço das ações.

• Procure empregar a estrutura convencional do conto, constituída por apresentação, complicação (em que é apresentado o conflito), clímax e desfecho. No caso

da proposta 3, seu texto deve começar pela complicação.

• Procure dar dimensão psicológica às personagens.

• Utilize uma linguagem de acordo com a norma-padrão, porém com flexibilidade. Se

quiser, empregue termos africanos compatíveis com o perfil das personagens.

ANTES DE PASSAR A LIMPO Thinkstock/Getty Images

Antes de dar seu conto por finalizado, observe:

• se ele corresponde à proposta escolhida e se o ponto de vista adotado está de acordo

com ela;

• se as personagens, as ações, o tempo e o espaço estão bem desenvolvidos e se conseguiu dar às personagens uma dimensão psicológica;

• se há as partes convencionais do gênero conto e se elas desenvolvem a história de forma instigante, prendendo a atenção dos leitores;

• se a linguagem está em uma variedade linguística e com um grau de formalidade ou

informalidade adequados ao perfil das personagens e à ambientação da história.

37Produção de texto

O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1

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P:40

O Modernismo

LITERATURA

O Modernismo

Concordância nominal

O conto moderno e contemporâneo

CAPÍTULO 2

FOCO NA IMAGEM

Observe as imagens que seguem.

O grito (1893), de Edvard Munch.

A fonte (1917), de

Marcel Duchamp.

Corrente de cachorro em

movimento (1912), de

Giacomo Balla.

Nasjonalgalleriet, Oslo, Noruega

© Artists Rights Society (ARS), New York / ADAGP, Paris / Estate of Marcel Duchamp/

Museu de Israel, Jerusalém, Israel

Albright-Knox Art Gallery, Buffalo, Nova Iorque, EUA

38 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

PortuguesContemporaneo3_UN1_CAP2_038a063.indd 38 5/12/16 6:06 PM

P:41

literatura

As senhoritas de Avignon

(1907), de Pablo Picasso.

Persistência da memória

(1931), de Salvador Dalí.

As correntes de vanguarda

europeias

Entre as correntes de vanguarda europeias do início do século XX se destacam:

• Futurismo – Movimento que nasceu

na Itália a partir da publicação do

Manifesto Futurista, de Filippo

Tommasio Marinetti, em 1909.

Louvava a civilização moderna,

as máquinas, o automóvel, a

velocidade, a guerra, o militarismo e

o patriotismo. Defendia o verso livre e

as palavras soltas, em liberdade.

• Cubismo – Nasceu na pintura, com

Picasso, que introduziu a técnica da

fragmentação e da geometrização das

formas, em uma tentativa de captar

uma multiplicidade de perspectivas de

um objeto. Na literatura, propunha o

humor, a simultaneidade, os flashes

cinematográficos, a linguagem nominal

e a exploração visual e gráfica das

palavras.

• Expressionismo – Surgiu na

Alemanha e na França, na pintura, e se

estendeu para a literatura e o cinema.

Defendia a arte como uma expressão

subjetiva dos sentimentos e do mundo

interior do artista. Desvinculando-se

do conceito de belo, na arte, buscava o

sentido trágico da existência, expresso

com frequência em formas e cores

deformadas.

• Dadaísmo – Surgiu em Zurique,

na Suíça, durante a Primeira Guerra

Mundial, período em que o país

recebeu artistas e intelectuais de

vários lugares da Europa pelo fato

de ter ficado neutro no conflito.

Defendia a antiarte, caracterizandose pelo deboche, pelo ilogismo e

pela agressividade. Entre as técnicas

demolidoras que propunha, se incluía

o ready-made, que consiste em extrair

um objeto de seu uso cotidiano e,

com poucas alterações, atribuir-lhe

um valor estético.

• Surrealismo – Teve início, na França,

na literatura, com a publicação do

Manifesto Surrealista, de André Breton,

em 1924, e estendeu-se depois para

as artes e o cinema. Seus adeptos

valorizavam o mundo dos sonhos e

do inconsciente, por entender que aí

reside a verdadeira arte, livre da razão

e da censura. Na literatura, defendiam

a escrita automática, técnica que,

segundo eles, possibilita exprimir

diretamente o inconsciente, sem que os

impulsos criadores passem pela razão.

1. No início do século XX, começaram a surgir na Europa, simultaneamente, várias tendências artísticas conhecidas como “correntes de vanguarda”. Com nomes e propostas diferentes, todas elas contribuíram para

dar origem ao que hoje chamamos de arte moderna ou Modernismo.

Leia o boxe ao lado e depois responda, justificando: Qual das obras mostradas nas imagens traduz os princípios:

a. do Futurismo?

b. do Cubismo?

c. do Expressionismo?

d. do Dadaísmo?

e. do Surrealismo?

2. De modo geral, como essas obras lidam com os princípios clássicos da

verossimilhança e da beleza, ou seja, a capacidade de retratar a realidade com perfeição e, com isso, alcançar o belo na arte? Justifique sua

resposta, considerando os traços mais marcantes de cada obra.

a) A tela Corrente de cachorro em movimento; ela tenta captar o movimento

das personagens, em uma exaltação à velocidade.

A tela As senhoritas de Avignon; ela explora a técnica da geometrização das

personagens, possibilitando enxergar as mulheres por diferentes ângulos.

A tela O grito, de Munch; ela é uma expressão da subjetividade do

artista, que procura captar uma imagem da dor humana.

O ready-made A fonte, de Duchamp; ele eleva um urinol à situação de obra de arte.

A tela A persistência da memória, de Salvador Dalí; ela explora um

ambiente onírico, com referências ao sono, ao tempo e à memória.

2. De modo geral, nenhuma das correntes artísticas a que as obras se filiam tinham interesse em representar objetos de forma verossímil. A tela de Munch deforma o objeto, nas formas e

nas cores; a de Balla, revela empenho em captar o movimento, desprezando outros aspectos da verossimilhança; a de Picasso, pela geometrização, dificulta a visualização do objeto; a de Dalí

explora elementos simbólicos, oníricos, deixando o observador confuso em relação ao objeto retratado; o ready-made de Duchamp põe em xeque o conceito de belo na arte ao apresentar um

urinol, tradicionalmente desvinculado do campo das representações artísticas.

Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, EUA

Museu de Arte Moderna, Nova Iorque, EUA

39 O Modernismo. Concordância nominal. O conto moderno e contemporâneo CAPÍTULO 2

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P:42

Amplie seus conhecimentos sobre o Pré-Modernismo e o Modernismo, pesquisando em:

LIVROS

• Leia as principais obras da primeira fase do

Pré-Modernismo e do Modernismo brasileiro

e também: A semana de Arte Moderna, de

Neide Rezende (Ática); 22 por 22, de Maria

Eugênia Boaventura (Edusp); 1922, a semana

que não terminou, de Marcos Augusto

Gonçalves (Companhia das Letras); Tarsila

por Tarsila, de Tarsila do Amaral (Celebris);

Artes plásticas na Semana de 22, de Aracy

Amaral (Editora 34).

FILMES

• Policarpo Quaresma, herói do Brasil, de

Paulo Thiago; Guerra de Canudos, de Sérgio

Rezende; Meia-noite em Paris, de Woody

Allen; Os amores de Picasso, de James

Ivory; Coco Chanel & Igor Stravinsky, de

Jan Kounen; Macunaíma, de Joaquim Pedro

de Andrade; Pagu, de Norma Bengell; Os

amores de Picasso, de James Ivory; Tempos

modernos, de Charles Chaplin; O discreto

charme da burguesia, de Luis Buñuel.

MÚSICAS

• Ouça a música dos compositores modernos

Claude Debussy e Villa-Lobos. A canção

“Clair de Lune”, de Debussy, foi tema de

novela e de vários filmes. Ouça também a

canção “Escapulário”, de Caetano Veloso,

cuja letra é um poema de Oswald de

Andrade. Ouça ainda “Viola quebrada”,

única canção composta por Mário de

Andrade, disponível na Internet.

SITES

• Baixe as obras dos pré-modernistas Euclides

da Cunha e Lima Barreto e do modernista

português Fernando Pessoa, que pertencem

a domínio público, acessando: http://www.

dominiopublico.gov.br/pesquisa/Pesquisa

ObraForm.do?select_action=&co_autor=45

Acesse também:

http://www.euclidesdacunha.org.br/

http://tarsiladoamaral.com.br/

PINTURAS

• Conheça a obra dos pintores modernistas

brasileiros, como Anita Malfatti, Tarsila

do Amaral, Di Cavalcanti e Portinari, e

europeus, como Picasso, Salvador Dalí, Max

Ernst, De Chirico, Léger, Miró e Magritte.

FIQUE CONECTADO!

O contexto de produção

e recepção do Modernismo

As obras que você viu na seção Foco na imagem, embora sejam

fruto de diferentes tendências artísticas do início do século XX, são

todas representativas da arte moderna.

O Modernismo surgiu no início do século XX, com manifestações artísticas que ocorreram antes, durante e depois da Primeira

Guerra Mundial (1914-1918), e se estendeu por várias décadas do

século XX. Quem produzia literatura e arte modernista no Brasil

nesse período? Quem era o público consumidor?

Meios de circulação

O Modernismo brasileiro teve início em São Paulo, importante centro industrial e cultural no início do século XX. Nas duas

primeiras décadas desse século, a cidade foi marcada por um

expressivo desenvolvimento econômico, em virtude da riqueza

proveniente da cultura do café. O período foi marcado por muitas

mudanças, como a criação de indústrias, a imigração de trabalhadores europeus, o surgimento de movimentos e bairros operários,

a construção do Teatro Municipal e a formação de uma elite culNa seção Conexões, na página 48, você vai

encontrar um roteiro de leitura de duas pinturas de Anita Malfatti e o texto "Paranoia

ou mistificação", de Monteiro Lobato.

Emiliano Di Cavalcanti. Capa do catálogo da exposição da Semana de Arte

Moderna de 1922/Instituto de Estudos Brasileiros, USP

Companhia das Letras

Mediapro/Versátil Cinema/Gravier

Productions/Pontchartrain Productions

Tarsila do Amaral. A Gare, 1925/Col.

Rubens Taufic Schahin, São Paulo, SP

40 UNIDADE 1 RuptuRa e constRução

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P:43

LITERATURA

tural que ia frequentemente à Europa e de lá trazia novidades artísticas relacionadas

com as correntes de vanguarda.

A pintora Anita Malfatti, por exemplo, estudou pintura nos Estados Unidos. Tarsila do

Amaral e Di Cavalcanti fizeram estudos em Paris. O escritor Oswald de Andrade passava

longas temporadas em Paris, onde conheceu de perto a efervescência cultural das correntes de vanguarda e teve como amigos artistas importantes do movimento cubista.

O escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret, depois de ter estudado no Liceu de Artes e

Ofícios de São Paulo, estudou na Europa de 1910 a 1920.

Embora a capital do Brasil fosse nesse momento o Rio de Janeiro – onde tinha vivido a

maior parte dos escritores de prestígio da época anterior, como Machado de Assis e Olavo

Bilac −, o movimento modernista nasceu em São Paulo em decorrência do espírito de modernidade em que a cidade vivia e da formação de um público consumidor de literatura e

arte que ansiava por mudanças.

O Modernismo em contexto

Tradicionalmente, a Semana de Arte Moderna ocorrida em 1922 no Teatro Municipal

de São Paulo é considerada o marco introdutório do movimento modernista no Brasil.

Apesar disso, anos antes já havia manifestações de arte modernista em São Paulo, como

uma exposição de obras da pintora Anita Malfatti, em 1917, criticada de maneira contundente por Monteiro Lobato.

A realização da Semana de Arte Moderna se deu por iniciativa de um grupo de artistas

paulistas, que a idealizaram com o fim de comemorar o centenário da Independência do

Brasil. O evento teve a participação de artistas de diferentes artes, entre eles os escritores

Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho e o

pré-modernista Graça Aranha e os pintores Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Di

Cavalcanti, Zina Aita e Ferrignac. Brecheret apresentou alguns trabalhos em escultura e

Villa-Lobos e Ernâni Braga executaram músicas.

A Semana contou com conferências, declamações, concerto musical e espetáculos de

dança, ocorridos entre vaias, apupos e aplausos. As obras de arte ficaram expostas no

saguão do Teatro Municipal. A imprensa noticiou o fato, mas o principal saldo positivo

do evento foi a aproximação dos artistas e a troca de ideias e técnicas entre os diferentes

tipos de arte.

Movimentos e manifestos

Após a Semana de Arte Moderna, teve início a primeira fase do Modernismo

brasileiro, conhecida como “geração de 22” ou “fase heroica”, pelo fato de ter constituído um período de reconstrução da cultura brasileira, com base em uma revisão

crítica do passado histórico e das tradições culturais e linguísticas do país.

A discussão em torno do “nacional”, entretanto, foi marcada por muita divergência

ideológica entre os escritores, o que deu origem à publicação de vários manifestos e ao

surgimento de dois grupos antagônicos de escritores.

Por um lado, Oswald de Andrade publicou dois manifestos, um em 1924 e outro em

1928, a partir dos quais criou, respectivamente, o movimento Pau-Brasil e o movimento

de Antropofagia.

O movimento Pau-Brasil defendia a criação de uma poesia nacional de exportação,

primitivista, irônica e irreverente, baseada na revisão crítica de nosso passado histórico

e na valorização tanto das tradições da cultura brasileira como da modernidade. “Tudo

digerido”, conforme dizia Oswald no Manifesto da Poesia Pau-Brasil.

Em 1928, influenciado por ideias marxistas e freudianas, Oswald radicalizou as ideias

básicas do Pau-Brasil, dando início ao movimento de Antropofagia. Tomando como reReprodu•‹o

41 O Modernismo. Concordância nominal. O conto moderno e contemporâneo CAPÍTULO 2

PortuguesContemporaneo3_UN1_CAP2_038a063.indd 41 5/12/16 6:06 PM

P:44

ferência os rituais de antropofagia dos índios brasileiros e retomando ou atualizando a

ideia da “digestão cultural”, ele e os adeptos do novo movimento propunham a deglutição

ou adevoração simbólica da cultura estrangeira, extraindo dela contribuições, mas sem

que, com isso, se perdesse a identidade cultural brasileira.

Os antropófagos fundaram a Revista de Antropofagia, da qual participaram, além

dos escritores Oswald de Andrade, Raul Bopp e Alcântara Machado e da pintora Tarsila do Amaral – então casada com Oswald −, Antônio Alcântara Machado, Geraldo

Costa e outros.

Em oposição ao movimento Pau-Brasil, nasceu o movimento Verde-Amarelismo

e, em oposição à Antropofagia, o movimento da Anta, ambos liderados por Plínio

Salgado e identificados com um nacionalismo ufanista e xenófobo, apoiado em

ideias fascistas.

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, um painel de textos modernistas. O texto 1 é um fragmento do

“Prefácio interessantíssimo”, que Mário de Andrade escreveu para sua obra Pauliceia desvairada e que serviu como referência teórica aos modernistas de 1922. Os textos 2, 3 e 4

são poemas de Oswald de Andrade.

Texto 1

Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem

pensar tudo o que meu inconsciente me grita.

Penso depois: não só para corrigir, como para

justificar o que escrevi. Daí a razão deste

Prefácio Interessantíssimo.

[...]

Um pouco de teoria?

Acredito que o lirismo, nascido no

subconsciente, acrisolado num pensamento claro

ou confuso, cria frases que são versos inteiros,

sem prejuízo de medir tantas sílabas, com

acentuação determinada.

[...]

Pronomes? Escrevo brasileiro. Si uso ortografia

portuguesa é porque, não alterando o resultado,

dá-me uma ortografia.

Escrever arte moderna não significa jamais

para mim representar a vida atual no que tem

de exterior: automóveis, cinema, asfalto. Si

estas palavras frequentam-me o livro não é porque pense com

elas escrever moderno, mas

porque sendo meu livro moderno, elas têm nele

sua razão de ser.

(Mário de Andrade. Poesias completas. São Paulo: Círculo do Livro, s. d. p. 19-35.)

42 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

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P:45

LITERATURA

Texto 2

erro de português

Quando o português chegou

Debaixo duma bruta chuva

Vestiu o índio

Que pena!

Fosse uma manhã de sol

O índio tinha despido

O português

(Oswald de Andrade. Poesias reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. p. 177.)

Paisagem com touro (1925), de Tarsila do Amaral. A pintura revela o

interesse dos modernistas em valorizar a paisagem nacional.

Texto 3

O capoeira

— Qué apanhá sordado?

— O quê?

— Qué apanhá?

Pernas e cabeças na calçada

(Idem, p. 94.)

Texto 4

são josé del rei

Bananeiras

O Sol

O cansaço da ilusão

Igrejas

O ouro na serra de pedra

A decadência

(Idem, p. 134.)

1. A respeito do “Prefácio interessantíssimo”, de Mário de Andrade, responda:

a. Como nasce ou deve nascer a poesia, segundo o autor? Em que essa concepção

poé tica difere da dos parnasianos?

b. Qual é a posição do poeta a respeito da língua a ser usada em poesia? Em que essa

posição difere da tradição literária?

c. Ao citar “automóveis, cinema, asfalto”, o poeta indiretamente rejeita o rótulo de

“futurista”, frequentemente atribuído, na época, a todos os que eram modernistas.

Segundo ele, de que deve tratar a arte moderna?

2. Os modernistas da primeira geração tiveram uma posição iconoclasta, de destruição

da cultura do passado, e apresentaram propostas para a implantação da arte moderna no Brasil. Veja algumas das propostas literárias dessa geração:

A poesia deve nascer diretamente do inconsciente, num impulso criativo, sem censura. Os parnasianos, ao contrário, acreditavam que a poesia era fruto do trabalho racional, artesanal.

1. b) O poeta defende o uso de uma língua mais brasileira e coloquial, enquanto a tradição literária sempre procurou usar uma língua “elevada”, diferente

da de uso comum.

Professor: Chame a atenção dos alunos para o fato de Mário de Andrade empregar em seus textos a palavra si, forma abrasileirada da conjunção se.

c) A arte moderna deve tratar da vida atual. Os automóveis e outros elementos da modernidade podem fazer parte da arte moderna porque integram a

vida moderna.

Professor: Comente com os alunos que, em outro trecho do prefácio, Mário

de Andrade afirma: “Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho

pontos de contato com o futurismo”. O escritor não se identificava com a

ideologia futurista, que tinha traços fascistas.

Coleção Roberto Marinho, Rio de Janeiro, RJ

43 O Modernismo. Concordância nominal. O conto moderno e contemporâneo CAPÍTULO 2

PortuguesContemporaneo3_UN1_CAP2_038a063.indd 43 5/12/16 6:06 PM

P:46

• busca da síntese

• verso livre

• fragmentação

• valorização de temas brasileiros e de

elementos da paisagem nacional

• revisão crítica do passado histórico

brasileiro

• nacionalismo (crítico ou ufanista)

• valorização da língua brasileira

• flashes cinematográficos

• humor e ironia

• poesia nominal (feita principalmente

com substantivos)

Quais dessas propostas você reconhece:

a. no texto 2?

b. no texto 3?

c. no texto 4?

3. Compare o poema “O capoeira”, de

Oswald de Andrade, ao “Prefácio

interessantíssimo”, de Mário de Andrade. Em que os dois textos se assemelham?

4. O Manifesto surrealista, de autoria

do escritor francês André Breton,

foi publicado em 1924. Apesar disso, Mário de Andrade, no “Prefácio

interessantíssimo”, de 1922, já fazia

menção a alguns dos princípios surrealistas, entre eles o da “escrita automática”. Explique por quê.

2. a) Revisão crítica do

passado histórico brasileiro, ironia e humor, nacionalismo (crítico), verso

livre, busca de síntese,

valorização de elementos

da paisagem nacional.

b) Valorização de elementos da paisagem nacional,

valorização da língua brasileira, verso livre, busca

de síntese, fragmentação.

c) Valorização de elementos da paisagem nacional,

poesia nominal, verso livre, busca de síntese.

3. O poema “O capoeira”,

ao fazer uso de uma língua oral e popular, identifica-se com a proposta

apresentada no trecho do

prefácio em que Mário de

Andrade defende o uso

de uma língua brasileira

na poesia (“Escrevo brasileiro”).

Ambos defendiam a proposta de fazer uma poesia vinda

diretamente do inconsciente, sem o crivo da razão.

Igreja de Santo Antônio,

em Tiradentes, uma

manifestação do Barroco

mineiro.

Por meio da leitura dos textos de Mário de Andrade e Oswald de Andrade feita neste capítulo, você viu que, no

Modernismo, diversos procedimentos se contrapõem aos valores estéticos do passado, principalmente parnasianos, entre eles:

• a “escrita automática”, ou a poesia vinda diretamente

do inconsciente, sem o crivo da razão;

• o uso do verso livre;

• a valorização da linguagem nominal; o fim da discursividade lógica e a fragmentação ou o uso de flashes

cinematográficos;

• o emprego de uma língua brasileira, próxima da oralidade e das variedades linguísticas populares;

• o humor e a ironia;

• nacionalismo (crítico ou ufanista) e valorização de

elementos da paisagem nacional;

• revisão crítica do passado brasileiro.

5. São José del Rei é um dos nomes

que, no passado, teve a atual cidade

de Tiradentes, em Minas Gerais.

Observe a sequência dos versos do

poema “são josé del rei”.

a. Qual é o tema do poema?

b. Há conectores que ligam os versos? Se não, como é feita a conexão entre eles?

c. Que palavra é uma espécie de síntese de todo o poema? Que relação essa palavra

tem com os ciclos da economia brasileira?

5. a) É a descrição da cidade, com elementos típicos da paisagem nacional, e sua decadência.

Professor: Comente com os alunos que um grupo de modernistas, liderado por Oswald de Andrade, interessado em

“redescobrir o Brasil”, fez uma viagem às cidades históricas mineiras.

b) Não; a conexão é feita pela justaposição de palavras (principalmente substantivos) e

de versos descritivos, que vão se somando e formando uma imagem da cidade.

A palavra decadência. Essa palavra sugere a decadência de cidades mineiras depois que terminou o ciclo de ouro. Marcos Amend/Pulsar Imagens

44 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

PortuguesContemporaneo3_UN1_CAP2_038a063.indd 44 5/12/16 6:06 PM

P:47

literatura

O Modernismo representou

uma ruptura com valores artísticos do passado. Que relação há

entre o Modernismo e os fatos

históricos e sociais que ocorriam dentro e fora do Brasil? O

que a Semana de Arte Moderna

representou para as artes em

geral, além da literatura?

Para refletir sobre essas

questões, leia o painel de textos ao lado.

ENTRE

SABERES

FILOSOFIA • ARTE •

LITERATURA

Principais fatos históricos do contexto

modernista

• 1914-1918 – Primeira Guerra Mundial

• 1917 – Revolução Russa

• 1922 – Revolta do Forte de Copacabana

(movimento tenentista)

• 1922 – Fundação do Partido Comunista Brasileiro

• 1924 – Revolta paulista

• 1925 – Criação da Coluna Prestes

• 1930 – Revolução de 1930

Texto 1

A Semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922 realizada

em São Paulo representa um marco na arte contemporânea do

Brasil, comparável, por sua repercussão, à chegada da Missão

Francesa ao Rio de Janeiro no século passado ou, no século XVIII,

à obra do Aleijadinho. Essa manifestação tem importância dilatada por ser consequência direta do nacionalismo emergente

da Primeira Guerra Mundial e da subsequente e gradativa industrialização do país e de São Paulo em particular. Ao mesmo

tempo em que começavam a se assinalar as potencialidades

do país, uma euforia invadia os jovens intelectuais brasileiros,

contagiados de entusiasmo com as festas do Centenário da Independência em preparo pelo governo Epitácio Pessoa. Diante das comemorações do passado, um grupo inquieto, movido

pela exaltação do Brasil diante do futuro, começa a se formar

depois da exposição de Anita Malfatti em 1917-18, eclodindo em

manifestação em 1922. Seu objetivo: a derrubada de todos os

cânones que até então legitimavam entre nós a criação artística. Esse objetivo destrutivo, claramente enunciado, traria, como

mais tarde Mário de Andrade diria, o direito permanente à pesquisa estética, a atualização da inteligência artística brasileira

e a estabilização de uma consciência criadora nacional.

Assistimos, além dessa derrubada, à atualização da linguagem brasileira com a do mundo contemporâneo, ou seja,

universalismo de expressão. Como consequência imediata

daquele nacionalismo, emerge a consciência criadora nacional: voltar-se para si mesmo e perceber a expressão do povo e

da terra sobre a qual ele se estabeleceu.

A exposição e os três festivais da Semana assumem, de certa forma, o cunho de manifesto. Muito embora seus participantes rejeitem a denominação de futuristas, erroneamente

atribuída, mas que permaneceu, fora dos meios intelectuais

e artísticos, como adjetivação de tudo aquilo que parecesse

uma reação contra as formas tradicionais de arte, o desencadear do movimento modernista tem pontos de contato com o

movimento marinettiano. A importância da Semana cresce à

medida que essa rejeição ao passado não deixa de estar profundamente relacionada com os movimentos político-sociais

que abalariam o país a partir de 1922, contra o paternalismo

da Primeira República, um dos resquícios do Império, seja

nesse mesmo ano com a sublevação do Forte de Copacabana em julho e, dois anos depois, com a revolução de 192 em

São Paulo. As agitações dessa década, nas quais, salvo raras

exceções, todos os modernistas se viram envolvidos, iriam

desembocar, poucos anos depois, na revolução de 30, iniciando-se uma nova era para o país. Assim, no contexto das alterações a ocorrer, a manifestação cultural da Semana constitui

um registro sintomático da pulsação do organismo nacional,

antecipando, por meio do pensamento, a insatisfação que tomaria forma política contra o tradicionalismo-aristocracismo

poucos anos depois.

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[...] até 1917 a pesquisa inexistia nas artes brasileiras – e a partir dessa data, até fins

de 30, uma inquietação fecunda alimentou positivamente a expressão plástica em nosso país. A sequência só adviria, longos anos depois, com a fundação dos museus em São

Paulo e no Rio de Janeiro e com a incostitucionalização do estímulo.

(Aracy Amaral. Artes plásticas na Semana de 22. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 13-5 e 240.)

Texto 2

A gripe espanhola

Em 1928, já no final da Primeira Guerra Mundial, uma catástrofe espalhou-se por

vários países: a gripe espanhola, doença que recebeu esse nome por ter sido divulgada

ao se manifestar na Espanha.

A doença se disseminou rapidamente. No Brasil, em poucas semanas morreram milhares de pessoas. Segundo algumas estimativas, a gripe espanhola causou aproximadamente 20 milhões de mortes no mundo.

(Miguel Castro et alii. Enciclopédia do estudante – História do Brasil –

Das origens ao século XXI. São Paulo: Moderna, 2008. p. 147.)

Texto 3

1922 foi mais que uma simples data, porquanto denota que a situação revolucionária chegara ao auge do amadurecimento, e não foi por certo casual a coincidência

das revoluções estética e política, iniciada também com o levante dos 18 do Forte de

Copacabana, no mesmo ano, o que mostra que a consciência do país antingira um estado agudo de revolta contra a velha ordem, em seus diversos setores. Não se trata de

procurar precendência de um fator sobre os outros, o intelectual e artístico, o político,

o econômico. Mas de reconhecer que era a estrutura da civilização brasileira, era o todo

do organismo nacional, que mobilizava as forças para quebrar as amarras de sujeição

ao colonialismo mental, político e econômico, entrando firme na era da maturidade e

posse de si mesmo.

(Afrânio Coutinho. Introdução à literatura no Brasil. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. p. 265-6.)

Acervo Iconographia

Paramount

São Paulo na década de 1920.

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literatura

Texto 4

As polêmicas políticas

A vitória dos bolchevistas na Revolução Russa de 1917 teve repercussões no Brasil.

As ideias comunistas ganharam espaço, e alguns líderes, antes anarquistas, começaram a organizar centros de discussão influenciados pelo marxismo. Em março de 1922

foi fundado o Partido Comunista, que se considerava mais avançado politicamente do

que as outras organizações operárias existentes no Brasil. Os comunistas criticavam os

anarquistas porque estes se limitavam ao uso da greve, sem procurar conquistar espaços das disputas eleitorais.

A década de 1920 foi marcada por polêmicas entre comunistas e anarquistas. Os

anarquistas eram, por princípio, contra a organização dos operários em partidos. Consideravam as eleições uma farsa, um jogo sujo da burguesia para se manter no poder.

Defendiam uma revolução que acabasse com a hierarquia social e desse fim ao Estado,

tornando todos os homens efetivamente livres. Os comunistas, por seu turno, viam no

partido a vanguarda da ação política. Lutavam pelo fim da desigualdade social, mas

admitiam que a revolução proletária não traria de imediato o fim do Estado. Seria necessário um período de transição para se chegar à sociedade sem classes, em que todos

seriam realmente livres e iguais.

(Antonio P. Rezende e Maria T. Didier. Rumos da História. São Paulo: Atual, 2001. p. 501.)

1. Segundo Aracy Amaral e Afrânio Coutinho, a Semana de Arte Moderna não foi uma

revolta cultural isolada. Explique essa afirmação, situando-a no contexto político da

época.

2. Aracy Amaral atribui o surgimento do nacionalismo no Brasil, na década de 1920, a

duas causas principais. Quais são elas?

3. Tendo em vista que, nos anos 1920, alguns escritores modernistas foram influenciados pelo socialismo e pelo fascismo, que relação há entre o contexto histórico e essas

influências em nossa literatura, ou seja, entre as polêmicas políticas que ocorriam no

contexto europeu e as ideias artísticas em nosso país?

4. Aracy Amaral cita um discurso que Mário de Andrade fez em 1942, por ocasião da

comemoração dos vinte anos da Semana de Arte Moderna. Nesse discurso, intitulado

“O movimento modernista”, Mário afirmava:

“[...] Mas esta destruição não apenas continha todos os germes da atualidade,

como era uma convulsão profundíssima da realidade brasileira. O que caracteriza

esta realidade que o movimento modernista impôs, é, a meu ver, a fusão de três

princípios fundamentais: o direito à pesquisa estética; a atualização da inteligência

artística brasileira; e a estabilização de uma consciência criadora nacional”.

(Aspectos da literatura brasileira. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1974. p. 242.)

Levando em conta o texto de Aracy Amaral, responda:

a. De acordo com o último parágrafo do texto, que fato, ocorrido em 1917, já era demonstração do desejo dos artistas brasileiros de terem “direito à pesquisa estética”

e à “atualização da inteligência artística brasileira”?

b. De acordo com o segundo parágrafo do texto de Aracy Amaral, de que modo os

artistas modernistas conseguiram “estabilizar uma consciência criadora nacional”?

Justifique sua resposta com um trecho do texto.

1. Segundo esses estudiosos, a Semana de Arte

Moderna foi a primeira

manifestação, no âmbito

da cultura, de uma insatisfação dos brasileiros em

geral em relação ao “tradicionalismo aristocrático”.

Os fatos políticos que

ocorreram no mesmo ano

da Semana ou um pouco

depois dela (movimento

tenentista, fundação do

Partido Comunista, revolta

paulista, Coluna Prestes)

demonstram que havia um

processo de contestação e

mudanças, que culminou

na Revolução de 1930.

3. Oswald de Andrade foi

influenciado pelo marxismo e o grupo de Plínio

Salgado, por ideias fascistas (que ganhariam maior

expressão na década de

1930). O texto “As polêmicas políticas” comenta

as polêmicas entre comunistas e anarquistas, mas

não cita o fascismo, que

também teve grande expressão nos anos 1920.

A exposição de Anita Malfatti e a polêmica gerada pela

crítica de Monteiro Lobato à pintura da artista.

Produzindo uma arte voltada para a paisagem e os temas nacionais, conforme o trecho “voltar-se para si mesmo e

perceber a expressão do povo e da terra sobre a qual ele se estabeleceu”.

A Primeira Guerra Mundial e a industrialização do país, especialmente de São Paulo.

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Em 1917, a pintora brasileira Anita Malfatti realizou em São Paulo uma exposição de

arte, que, diferentemente da anterior, de 1914, teve grande repercussão e é considerada o

marco inicial da arte moderna no Brasil e o estopim da Semana de Arte Moderna.

O escritor Monteiro Lobato, que era também crítico no jornal O Estado de S. Paulo, visitou a exposição e publicou o texto “A propósito da exposição de Anita Malfatti” (depois

republicado com o título “Paranoia ou mistificação”). Imediatamente, Mário de Andrade,

Oswald de Andrade e Menotti del Picchia publicaram artigos em defesa de Anita, gerando

uma polêmica que acabou por unir os escritores e artistas modernistas. Cinco anos depois, esse grupo realizou a Semana de Arte Moderna.

A seguir, observe duas pinturas de Anita Malfatti (veja também, na página 13, a

tela O homem amarelo) que fizeram parte da exposição e leia parte da crítica de Monteiro Lobato.

Anita Malfatti

Anita Malfatti (1889-1964) nasceu em São Paulo. Aprendeu a pintar com a

mãe, que, depois da morte do marido, passou a dar aulas de pintura e línguas.

Com a ajuda de um tio e do padrinho, estudou na Europa. Em 1914, voltou ao

Brasil e realizou uma exposição, que não teve grande destaque. Em 1915, foi

para os EUA, onde teve aulas com o expressionista Homer Boss e pintou seus

melhores quadros. Retornou ao Brasil em 1917, pouco antes da exposição que

realizou nesse ano. Depois da crítica de Lobato, a pintora ficou um ano sem

pintar. Participou da Semana de Arte Moderna e alguns anos depois passou a

fazer uma pintura mais tradicional. Alguns especialistas consideram que Anita

nunca superou as críticas de Lobato.

O japonês (1915-6). A mulher de cabelos verdes (1915).

Instituto de Estudos Brasileiros, USP, SP

Coleção Ernesto Wolf, São Paulo, SP

Arquivo/Agência O Globo

Anita Malfatti,

em seu ateliê,

em 1963.

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Paranoia ou mistificação?

Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardando os

eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. Quem trilha por esta

senda, se tem gênio, é Praxíteles na Grécia, é Rafael na Itália, é Rembrandt

na Holanda [...]. A outra espécie é formada pelos que veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão

estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura

excessiva. São produtos de cansaço e do sadismo de todos os períodos de

decadência: são frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas

cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz de escândalo,

e somem-se logo nas trevas do esquecimento.

Embora eles se deem como novos precursores duma arte a ir, nada é mais

velho de que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranoia e com a

mistificação. De há muito já que a estudam os psiquiatras em seus tratados,

documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas

dos manicômios. A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é

sincera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas, zabumbadas pela imprensa e absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma

lógica, sendo mistificação pura. Todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude. As

medidas de proporção e equilíbrio, na forma ou na cor, decorrem do que chamamos sentir. Quando as sensações do mundo externo transformam-se em

impressões cerebrais, nós “sentimos”; para que sintamos de maneira diversa,

cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa

alteração, ou que o nosso cérebro esteja em “pane” por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a percepção sensorial se fizer normalmente no homem,

através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não

poderá “sentir” senão um gato, e é falsa a “interpretação” que do bichano fizer

um “totó”, um escaravelho, um amontoado de cubos transparentes.

Estas considerações são provocadas pela exposição da Sra. Malfatti,

onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética

forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia. Essa artista possui um talento vigoroso, fora do comum. [...] Entretanto, seduzida

pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos domínios dum

impressionismo discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a serviço duma

nova espécie de caricatura.

Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti

não passam de outros tantos ramos da arte caricatural. É a extensão da

caricatura a regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor,

caricatura da forma − caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar

uma ideia cômica, mas sim desnortear, aparvalhar o espectador. [...]

[...]

(Disponível em: http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/

educativo/paranoia.html. Acesso em: 5/1/2016.)

aparvalhar: desnortear;

tornar pouco inteligente.

apologista: o que faz

apologia, isto é, uma

defesa apaixonada de algo

ou alguém.

teratológico: monstruoso,

deformado.

zabumbado: aclamado ao

som da zabumba.

literatura

Baptistão

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1. A crítica de Lobato teve grande repercussão no meio artístico e cultural da época.

Qual é a opinião do escritor a respeito das obras de Anita Malfatti?

2. Para fundamentar seu ponto de vista, Lobato desenvolve um texto argumentativo

bem-estruturado. No 1º parágrafo, opõe duas espécies de artistas.

a. Quais são elas?

b. Qual espécie de artistas ele prefere? Que exemplos ele cita para identificar essa

espécie de artistas?

c. Que argumentos ele apresenta, no 2º parágrafo, para fundamentar sua preferência?

3. No 2º parágrafo, o autor afirma:

“Todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não

dependem do tempo nem da latitude. As medidas de proporção e equilíbrio, na forma ou na cor, decorrem do que chamamos sentir. Quando as sensações do mundo

externo transformam-se em impressões cerebrais, nós ‘sentimos’; para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em ‘pane’ por virtude

de alguma grave lesão.”

a. Observe as pinturas A mulher de cabelos verdes e O japonês. Do seu ponto de vista,

elas aparentam ter “proporção e equilíbrio, na forma ou na cor”?

b. Na sua opinião, o que provavelmente chocou mais Monteiro Lobato?

4. Alguns dos procedimentos mais comuns na arte expressionista são:

• criação sem obstáculos convencionais

• sugestões de luz desvinculadas da tradicional relação claro/escuro

• relação dinâmica entre figura e fundo

• pincelada livre, que valoriza o detalhe da superfície

• tons fortes, não convencionais

• a arte não como imitação, mas como criação subjetiva, livre

a. Quais desses procedimentos podem ser observados nas telas O japonês e A mulher

de cabelos verdes, de Anita Malfatti?

b. Pelas citações das correntes de vanguarda que Lobato fez na crítica, é possível inferir que ele tivesse domínio do assunto?

Ele critica negativamente a exposição, considerando

as pinturas feitas pela artista como expressões de

deformidades.

A dos artistas que veem normalmente as coisas, e a dos artistas que as veem anormalmente, à luz de teorias efêmeras.

Ele prefere a dos que veem normalmente as coisas. Cita como exemplos pintores

da tradição clássica: Praxíteles, Rafael e Rembrandt.

Ele afirma que “todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude”. Logo,

ele considera que os critérios do que seja uma obra de arte são imutáveis, são os mesmos de séculos atrás.

3. a) Quanto às formas, há proporção e equilíbrio só até certo ponto, uma vez que o ombro do japonês é caído, o braço é todo torto,

a cabeça é pequena em relação ao pescoço,

que é mais grosso; o tronco da mulher é mais

robusto que o esperado, proporcionalmente à

cabeça, e há traços no rosto dela muito pontudos. Quanto às cores, observa-se uma aplicação totalmente diferente do que até então

se considerava equilíbrio.

Provavelmente as cores, pois as da pele e do cabelo das personagens diferem muito das cores reais;

além disso, também os traços grosseiros na definição das formas dos rostos e dos corpos.

Todos.

4. b) Não; pelo contrário, ele demonstra ter um conhecimento superficial do assunto, a ponto de não perceber que a arte de Anita Malfatti era expressionista;

para ele, “Picasso e companhia”, “futurismo, cubismo,

impressionismo” e outras tendências novas eram todas arte caricatural.

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lÍNGua e

liNGuaGeM

FOCO NO TEXTO

Leia o anúncio a seguir.

Concordância nominal

LÍNGUA E LINGUAGEM

(Disponível em: http://www.eugeniomohallem.com.br/#526/united-2a. Acesso em: 2/3/2016.)

1. Relacione a frase “We are united”, da parte inferior do anúncio, ao texto principal.

a. Qual é a empresa anunciante? Qual é o país de origem dessa empresa? Justifique

sua resposta com base em elementos verbais e não verbais do texto.

b. Qual o setor de atuação da empresa anunciante? Indique o trecho do anúncio pelo

qual é possível inferir tal informação.

2. É possível considerar que no terceiro conjunto pergunta/resposta há uma quebra no

paralelismo semântico do anúncio, isto é, um novo sentido é explorado em comparação com os anteriores.

a. Qual é a palavra do anúncio que sofre essa mudança de sentido?

b. Qual é a diferença quanto à forma entre as duas primeiras ocorrências dessa palavra e a terceira?

c. Qual é a diferença de sentido entre as duas primeiras ocorrências dessa palavra e a

terceira?

Releia as três frases abaixo e responda às questões 3 e 4.

Temos ótimos voos.

Temos ótimas conexões.

Temos ótimas poltronas.

1. a) United. Uma empresa norte-americana, visto

que o slogan está escrito

em inglês e tem um desenho azul e vermelho, cores da bandeira dos EUA.

Também é possível deduzir

pela referência a Costa

Oeste e Costa Leste, divisão geográfica comum nos

Estados Unidos.

Uma empresa de linhas aéreas, o que se pode inferir pela associação de sentidos dos termos voos, conexões e poltronas.

Costa(s).

Nas duas primeiras ocorrências, está no singular; na terceira, no plural.

Nas duas primeiras ocorrências se refere à região geográfica do país; na terceira, à região dorsal do corpo do leitor. Fallon PMA

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3. Levante hipóteses:

a. Por que a forma verbal tem a mesma conjugação em todas elas?

b. Por que o verbo e o adjetivo aparecem repetidos nas três frases?

c. Como ficariam essas três frases transformadas em uma única, eliminando-se a repetição do verbo e do adjetivo?

4. Com base em suas respostas às questões anteriores:

a. Conclua: Por que há variação entre as formas ótimos e ótimas?

b. Reescreva as três frases, fazendo as alterações que julgar necessárias, substituindo

o núcleo dos objetos diretos − voos, conexões, poltronas − por:

• atendimento;

• equipe;

• pilotos e comissárias de bordo.

5. O texto a seguir situa-se na parte inferior do anúncio. No entanto, os especificadores

(artigos e adjetivos) foram extraídos e substituídos pelas opções entre parênteses.

Voos para (o/os/a/as) EUA (no/nos/na/nas) (novíssimo/novíssimos/novíssima/

novíssimas) Boeings 777. Conexões para a maioria (do/dos/da/das) cidades (americano/americanos/americana/americanas). Mais espaço para (o/os/a/as) pernas

na Economy Plus. Poltronas que se transformam tanto em cama como em escritório na Primeira Classe. Voos para mais de 700 destinos em 120 países, através de

(nosso/nossos/nossa/nossas) parceiros da Star Aliance. Faça (um/uns/uma/umas)

escala no site www.united.com.br, ligue 0800160223 ou consulte (seu/seus/sua/

suas) agente de viagens.

a. Encontre o termo a que cada um desses especificadores se refere e escreva em seu

caderno as formas do texto original do anúncio.

b. Nas respostas ao item a, há um único caso que admite mais de uma opção. Qual é

ele? Justifique essa afirmação com base no gênero do referente e proponha uma

redação em que haja uma única possibilidade.

c. Discuta com os colegas e o professores: Qual princípio vocês utilizaram para deduzir as formas do texto original?

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

No estudo do anúncio da seção anterior, você viu que a alteração do gênero do substantivo núcleo de uma oração implica alteração no gênero das palavras referentes a ele, o

que justifica a variação nas formas do masculino e feminino em casos como ótimos voos

e ótimas conexões. Isso ocorre porque na norma-padrão as palavras determinantes (entre

elas, artigos, numerais, adjetivos e pronomes) concordam em gênero e número com o

nome que acompanham.

Concordância nominal é a conformidade das palavras adjetivas

em gênero e número com o núcleo nominal a que se referem.

Há, entretanto, alguns casos que fogem a esse princípio geral. Como falante nativo

da língua portuguesa, você certamente sabe concordar, na maioria dos enunciados que

constrói, as palavras adjetivas com seus referentes, mas é importante saber que essas

Porque todas têm como sujeito desinencial o pronome nós, em

referência ao próprio anunciante, isto é, a companhia aérea.

Para ressaltar que a companhia tem diversos aspectos positivos.

“Temos ótimos voos, conexões e poltronas” ou “Temos ótimas conexões, voos e poltronas”.

Professor: Não é preciso falar sobre regras de concordância neste item; o importante é que os

alunos levantem hipóteses tendo em vista seus conhecimentos de falantes nativos.

Para que o adjetivo concorde com o seu referente.

Temos (um) ótimo atendimento.

Temos (uma) ótima equipe.

Temos ótimos pilotos e comissárias de bordo.

5. b) O último, que admite as formas sua ou seu.

Isso acontece porque o

substantivo agente tem

a mesma forma no feminino e no masculino. Há

possibilidades variadas de

redação alternativa, desde

que o substantivo escolhido tenha duas formas

para masculino e feminino, como: “Consulte sua

agência de viagens” ou

“Consulte seu corretor de

viagens”.

Foi preciso encontrar o referente de cada um desses termos para, então,

concordá-los em gênero e número.

os, nos, novíssimos, das, americanas, as, nossos, uma, seu/sua

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língua e

linguagem

regras podem mudar de uma variedade linguística para outra. Por essa razão, elencamos

a seguir algumas das principais orientações para fazer a concordância segundo a normapadrão. Não há necessidade de memorizar essas regras; é, porém, interessante conhecêlas, para fins de consulta e em caráter de informação complementar.

• 1. Uma palavra adjetiva que se refere a substantivos antepostos de gêneros diversos

Assume a forma plural ou pode concordar com o elemento mais próximo. Veja estas possibilidades:

Considerava o neto e a neta maravilhosos.

Considerava a filha e a neta maravilhosas.

Poderia perder o apartamento e a casa herdados.

Poderia perder a fazenda e a casa herdadas.

Poderia perder o apartamento e a casa herdada.

• 2. Uma palavra adjetiva que se refere a substantivos pospostos de gêneros diversos

Concorda com o elemento mais próximo ou pode assumir a forma plural. Veja estas possibilidades:

Soube que possuía próspera empresa e negócios.

Considerava maravilhosos o neto e a neta.

Considerava maravilhoso o neto e a neta.

Considerava maravilhosa(s) a filha e a neta.

• 3. Duas ou mais palavras adjetivas que se referem a um único substantivo

O substantivo fica no singular e usa-se artigo antes de cada termo adjetivo ou o substantivo vai para o plural e

não se usa artigo:

A voz grave e a aguda se complementam no coro.

As vozes grave e aguda se complementam no coro.

• 4. É proibido / É necessário / É bom / É claro

Se o sujeito vem precedido de artigo ou outro

determinante, concorda com ele; se o sujeito tem

sentido genérico, mantém-se o masculino singular:

É proibido entrada de visitantes.

É proibida a entrada de visitantes.

• 5. Anexo / obrigado / próprio / mesmo / quite

Concordam com os nomes a que se referem:

As fotos seguem anexas.

O próprio dono garantiu que eram verdadeiros.

Ela mesma garantiu que viria.

Estamos quites com o fornecedor.

Obs.: A expressão em anexo é sempre invariável:

As fotos seguem em anexo.

• 6. Bastante / pouco / muito / barato / caro / meio

Para definir a concordância desses termos, é preciso primeiramente identificar se eles têm valor adverbial (se eles

se referem a verbos ou adjetivos) ou adjetivo (se eles se referem a substantivos) no contexto analisado:

Os dois atletas têm características bastante/muito semelhantes.

Bastantes/muitos atletas compareceram ao evento.

• 7. Só / a sós

A expressão a sós é sempre invariável. Só é invariável se equivale a somente e variável se equivale a sozinho,

concordando, nesse último caso, com seu referente.

Só os mais jovens saíram mais cedo. (somente)

O jovem saiu só. (sozinho)

Os dois jovens saíram sós. (sozinhos)

advérbios adjetivo

advérbios substantivo

Rony Costa/Finephoto

Rony Costa/Finephoto

53 O Modernismo. Concordância nominal. O conto moderno e contemporâneo CAPÍTULO 2

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APLIQUE O QUE APRENDEU

Leia a tirinha a seguir e responda às questões de 1 a 3.

1. Qual o sentido usual da expressão entrar na Internet, utilizada no 1º quadrinho?

Acessar a rede, conectar-se a ela.

(André Dahmer. Malvados. Folha online, 6/2/2016.)

A concordância nominal e as variedades linguísticas

Como já visto, a gramática normativa indica que todos os determinantes devem concordar em gênero e

número com seu referente. Há, no entanto, gramáticas que descrevem diferentes variedades linguísticas

e mostram que, em algumas delas, especialmente nas mais populares, a concordância pode ser diferente.

Observe o quadro a seguir.

PORTUGUÊS BRASILEIRO POPULAR PORTUGUÊS BRASILEIRO CULTO

Simplificação da concordância nominal:

(i) expressa pelo determinante: as pessoa.

(ii) simplificação acentuada quando o substantivo

e o adjetivo vêm no diminutivo (aqueles cabelinho

branquim).

Manutenção da concordância nominal com a

redundância de marcas: as pessoas, aqueles

cabelinhos branquinhos. Em algumas regiões do

país a simplificação alcançou também os

diminutivos.

Manutenção da concordância apenas quando há

saliência fônica entre a forma do singular e a

forma do plural:

(i) Concordância nominal: a colher/as colheres.

(ii) Concordância verbal: as pessoa saíru, elas são bão.

Manutenção da morfologia do substantivo e do

verbo no plural: as colheres, as pessoas saíram. Em

Minas Gerais a redução morfológica se mostra

também na fala culta: cantáru, bebêru, fizéru,

saíru.

Perda progressiva do -s para marcar o plural, que

passa a ser expresso pelo artigo: os homi, as

pessoa.

Manutenção das regras redundantes da marcação

do plural, salvo na fala rápida: os homens, as

pessoas.

Ataliba T. de Castilho. Gramática do português brasileiro, cit., p. 207-208.

Marcar o plural em todos os elementos pode ser considerado redundante e desnecessário, tal como julgam algumas

variedades populares que optam por marcar o plural apenas no primeiro elemento.

Reger-se por um princípio diferente das regras da gramática normativa não torna essas variedades desorganizadas

ou menos complexas. O que ocorre, na verdade, é que elas têm pouco prestígio social, daí serem em geral tratadas de

forma preconceituosa. A concordância, aliás, é um dos assuntos que mais suscitam preconceito linguístico.

É importante saber que não há variedades linguisticamente melhores ou piores do que outras; há regras diferentes para atender a necessidades de determinados grupos de falantes e situações de comunicação específicas.

Em situações sociais mais formais e em exames e avaliações oficiais, deve-se considerar a regra da gramática

normativa, assim como, em cada contexto específico, deve-se procurar avaliar qual será a melhor forma para

adequar a linguagem.

André Dahmer/Folhapress

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UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

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P:57

LÍNGUA e

LINGUAGEM

2. Sobre a fala do 2º quadrinho:

a. Quem é o sujeito da forma verbal ficam, tendo em vista toda a tira?

b. Reescreva a frase com o sujeito indivíduos, fazendo as devidas alterações.

c. Reescreva a frase com o sujeito o internauta, fazendo as devidas alterações.

d. Reescreva a frase com o sujeito homens e mulheres, fazendo as devidas alterações.

3. A fala do 3º quadrinho expõe um novo sentido de uma palavra utilizada anteriormente na tira.

a. A qual objeto a Internet é comparada?

b. Qual é a palavra que ganha novo sentido e qual é o novo sentido nesse quadrinho?

c. Explique por que esse novo sentido contribui para a criação do efeito de humor da tira.

Leia o anúncio a seguir e responda às questões de 4 a 6.

As pessoas.

Os indivíduos ficam raivosos e violentos.

O internauta fica raivoso e violento.

Homens e mulheres ficam raivosos e violentos.

A um carro.

Entrar, com o sentido de mover-se para dentro.

Porque ratifica a comparação entre a Internet e o carro, uma vez

que o verbo entrar é também utilizado na frase “entrar no carro”.

4. Relacione o enunciado principal à parte não verbal do anúncio.

a. A quem é atribuída cada uma das duas frases reproduzidas?

b. Observe a parte não verbal do anúncio e deduza: O que é DHL? Justifique sua resposta com base nas imagens.

c. Reescreva o enunciado central, substituindo o termo Terra por planeta e fazendo

as alterações necessárias. Qual (Quais) outro(s) termo(s) foi (foram) modificado(s)?

Justifique sua resposta com base em argumentos morfológicos.

A Gagarin e DHL.

4. b) Provavelmente, uma

transportadora, porque o

texto verbal diz que a DHL

acha a Terra pequena, e

as imagens dos aviões, da

van, do helicóptero e do

mapa permitem deduzir

que, com esses meios de

transporte, ela leva produtos por todo o globo.

“O planeta é azul. E pequeno”. O termo pequeno foi o único alterado, mudado para o masculino singular, para concordar com

planeta. O termo azul é único para os dois gêneros, por isso não sofre alteração.

DHL/DM9

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O Modernismo. Concordância nominal. O conto moderno e contemporâneo CAPÍTULO 2

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5. Leia a seguir os dois primeiros parágrafos do texto verbal do anúncio.

“Em 1961, o soviético Iuri Gagarin inaugurou a profissão de astronauta com um voo em órbita da Terra.

A DHL não chegou tão alto, mas se você somar as distâncias que

ela já percorreu levando encomendas urgentes a todas as partes do

mundo, é bem provável que tenha ido mais longe.”

a. Quem disse que “A Terra é azul” e em qual situação?

b. Qual relação é estabelecida entre a viagem de Gagarin e as da DHL?

c. Reescreva o 2¼ parágrafo, substituindo distâncias por a quilometragem, encomendas por cada produto, partes por cantos e fazendo as

alterações necessárias.

6. Leia o trecho a seguir, também extraído do anúncio.

“Antes que você fique ansioso, nosso funcionário já apareceu e pegou a encomenda.

Antes que você fique preocupado, a encomenda já chegou.

E, acima de tudo, chegou como saiu: inteira. A DHL não carimba ‘frágil’ em pacotes.

Trata todos como se fossem.”

a. Quem é o “você” a quem o anúncio se dirige?

b. Em qual gênero e número o anúncio trata seu interlocutor? Justifique

sua resposta com elementos do texto e levante hipóteses: Por que foi

feita essa opção?

c. A qual termo anterior do texto o adjetivo inteira se refere? E o pronome todos? Justifique sua resposta com base em argumentos morfológicos.

d. Na frase “Trata todos como se fossem”, além do sujeito DHL, há outros dois termos subentendidos. Quais são eles? Reescreva a frase, explicitando esses termos e fazendo a concordância adequada.

Iuri Gagarin, astronauta soviético, ao voar na órbita da Terra. b) A de que, embora não voe alto pelo espaço,

a DHL, ao transportar encomendas, viaja distâncias ainda mais longas que o astronauta.

A DHL não chegou tão alto, mas, se você somar a quilometragem que ela já percorreu levando cada

produto urgente a todos os cantos do mundo, é bem provável que tenha ido mais longe.

O público leitor do meio de comunicação em que o anúncio foi veiculado.

No masculino singular, como se pode ver pelo uso dos termos ansioso

e preocupado. Esse uso é padrão quando se faz referência a um interlocutor geral, e não a uma pessoa especificamente.

Respectivamente, encomenda e pacotes. É possível retomar o

referente com base no gênero e no número dos especificadores.

Os termos pacotes e frágil. Trata todos os pacotes como se fossem frágeis.

Car@s alunXs e amigues?

Você já deve ter visto, na mídia e nas redes sociais, uma discussão por vezes acalorada em torno

do gênero das palavras que se referem a uma pessoa ou a um grupo de indivíduos. Trata-se de um

debate que extrapola as regras gramaticais e atinge um patamar social e cultural.

Com o intuito de não discriminar sujeitos que não se definem especificamente como homens ou

como mulheres, surgem alternativas de grafia que mantêm indeterminado o sexo das pessoas a

quem se referem, como ocorre com as palavras no título deste boxe.

Nesses casos, vale discutir: Quais as relações e os limites entre o gênero gramatical e os sexos

masculino e feminino?

DHL/DM9

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Para responder às questões de 1 a 5, leia a seguir o trecho final do “Manifesto da Poesia Pau-Brasil”, de Oswald Andrade, publicado no jornal Correio

da Manhã, em 1924, texto que representou um marco do movimento modernista brasileiro, estudado por você neste capítulo.

[...]

O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império da literatura nacional.

Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e

puro em sua época.

O estado de inocência substituindo o estado de graça que

pode ser uma atitude do espírito.

O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a

adesão acadêmica.

A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna.

Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balística. Tudo digerido.

Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem

reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem

pesquisa etimológica. Sem ontologia.

Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A

cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.

(Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1924. Disponível em:

http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf. Acesso em: 12/1/2016.)

1. Discuta com os colegas e o professor e levante hipóteses:

a. Qual é o objetivo de um manifesto, em geral?

b. Qual é o objetivo do “Manifesto Pau-Brasil”, especificamente?

2. Em seu texto, Oswald de Andrade opõe dois tipos de literatura, uma tradicional e uma nova, proposta por ele e seus contemporâneos.

a. Identifique no texto termos e expressões que o poeta utiliza para

descrever a literatura tradicional.

b. Identifique no texto termos e expressões que o poeta utiliza para

descrever a nova literatura proposta pelos modernistas.

c. Com base em suas respostas aos itens anteriores, deduza: Qual era,

em resumo, a proposta do manifesto para os rumos da poesia modernista brasileira? Justifique sua resposta com elementos do texto.

d. Discuta com os colegas e o professor e conclua: Qual a importância

da presença de tantos termos descritivos e adjetivos especificamente

nesse texto?

ciclópico: de enormes dimensões; colossal,

gigantesco.

etimológico: que se refere ao estudo da

origem e da evolução das palavras.

livresca: que provém unicamente dos livros e

não da experiência.

meeting: encontro.

ontologia: parte da filosofia que tem por

objeto o estudo das propriedades mais gerais

do ser, apartada das determinações que os

qualificam particularmente e ocultam sua

natureza plena e integral.

reminiscência: imagem lembrada do

passado; o que se conserva na memória; sinal

ou fragmento que resta de algo extinto.

Levar a público um ponto de vista, manifestar uma opinião e, em alguns casos,

persuadir e convocar os leitores a aderir a uma ideia.

Levar a público a ideia de que era preciso mudar a forma de fazer literatura no Brasil.

“adesão acadêmica”, “indigestões de sabedoria”, “tradição lírica”, “reminiscências livrescas”,

“meeting cultural”, “comparações de apoio”, “pesquisa etimológica”, “ontologia”, etc.

2. b) “trabalho ciclópico”, “regional e puro”,

“estado de inocência”, “originalidade nativa”,

“demonstração moderna”, “Tudo digerido”,

“práticos”, “experimentais”, etc.

2. c) Incorporar à literatura traços regionais, nativos do Brasil, sem no entanto

deixar completamente de lado o conhecimento oficial, do qual se pode aproveitar,

tal como dito no texto, “O necessário de química, de mecânica, de economia e de

balística. Tudo digerido”.

O uso de tais termos contribui para compor uma descrição mais apurada de

como era a literatura antes e de como deve ser a literatura modernista.

Oswald de Andrade/Ilustração de Tarsila do Amaral

57

O Modernismo. Concordância nominal. O conto moderno e contemporâneo CAPÍTULO 2

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P:60

3. Releia o trecho: “O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração

moderna”:

a. Quais elementos são colocados em paralelo nesse trecho?

b. Entre os dois tipos de literatura expostos na questão anterior, a qual esse trecho se

refere e o que ele propõe que seja feito?

c. Reescreva-o, começando cada uma das frases pelo pronome nossa e transformando o termo melhor em determinante dos substantivos tradição e demonstração.

d. Reescreva o trecho do texto e sua resposta do item c, passando os substantivos

tradição e demonstração para o plural e fazendo as alterações necessárias.

e. Discuta com os colegas e o professor: Qual é a diferença entre a função do termo

melhor no trecho do texto e na construção feita por você no item c?

4. Releia os dois últimos parágrafos do texto, discuta com os colegas e o professor e, com

base no restante do texto, conclua:

a. A qual termo citado anteriormente no texto se referem os adjetivos “Práticos. Experimentais. Poetas” e “bárbaros crédulos, pitorescos e meigos”? Justifique sua resposta com argumentos morfológicos, que levem em conta a flexão de gênero e

número das palavras.

b. Levante hipóteses: Por que foi feita essa flexão e não outra?

5. Releia o trecho final:

“Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a

dança. A vegetação. Pau-Brasil.”

a. O que representam essas imagens em relação à proposta do manifesto para a literatura da época?

b. Qual efeito de sentido a repetição do termo Pau-Brasil constrói no texto?

6. Leia as frases a seguir:

I. Vimos os prédios e as casas enfeitadas para o carnaval.

II. As camisas verde e vermelha estão sujas.

III. É livre, voluntária e gratuita a participação e o comparecimento.

As três frases seguem as regras de concordância da gramática normativa. É possível,

entretanto, perceber ruídos ou ambiguidades que podem causar problemas de leitura em todas elas.

a. Identifique quais possíveis problemas de leitura pode haver em cada uma.

b. Sugira novas redações, que eliminem os problemas apontados no item a.

c. Discuta com os colegas e o professor e conclua: Memorizar regras de concordância

é suficiente para produzir bons textos?

A “tradição lírica” e a “demonstração moderna”.

Ao novo modelo, propondo que ele reúna o melhor da tradição e da modernidade.

“Nossa melhor tradição lírica. Nossa melhor demonstração moderna.”

3. d) “O melhor de nossas tradições líricas. O melhor de nossas demonstrações modernas.”

“Nossas melhores tradições líricas. Nossas melhores demonstrações modernas. ”

3. e) No trecho extraído do

texto, melhor está substantivado, antecedido pelo

artigo o, e significa “aquilo

que é superior”, no singular. Na construção do item

c, melhor é adjetivo que

qualifica os substantivos

tradição e demonstração,

atribuindo a eles um grau

máximo de superioridade

e devendo concordar com

eles em gênero e número.

A “brasileiros de nossa época”, termo que, assim como

os adjetivos apontados, está no masculino plural.

Porque o masculino plural é uma forma considerada padrão quando se quer fazer

referência a um conjunto grande de pessoas, que abarque homens e mulheres.

Representam diferentes aspectos da cultura e da identidade nacional que,

segundo o texto, deveriam ser incorporados à literatura.

A repetição reforça o novo sentido que se quer dar ao termo, o de que a literatura original brasileira seria

composta por essa mistura entre o saber nativo, genuíno, e o conhecimento oficial, construído.

6. a) Em I, pode-se entender que foram vistos

prédios quaisquer e que

apenas as casas estavam

enfeitadas; em II, as camisas podem ter duas cores

ou podem ser cada uma de

uma cor e, em III, pode parecer que falta o restante

da frase, em que se falaria

algo sobre o comparecimento.

6. b) Entre outras possibilidades: “Vimos os prédios

e as casas enfeitados para

o carnaval”; “A camisa

verde e a vermelha estão

sujas” e “A participação

e o comparecimento são

livres, voluntários e gratuitos”.

Espera-se que os alunos percebam que não, uma vez que, como visto nos exemplos, há casos que,

mesmo admitidos pelas regras da gramática normativa, podem levar a ruídos na leitura.

58 UNIDADE 1 RuptuRa e constRução

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P:61

Leia este conto, de Dalton Trevisan:

Uma vela para Dario

Dario vem apressado, guarda-chuva no braço esquerdo. Assim que dobra a

esquina, diminui o passo até parar, encosta-se a uma parede. Por ela escorrega,

senta-se na calçada, ainda úmida de chuva. Descansa na pedra o cachimbo.

Dois ou três passantes à sua volta indagam se não está bem. Dario

abre a boca, move os lábios, não se ouve resposta. O senhor gordo, de

branco, diz que deve sofrer de ataque.

Ele reclina-se mais um pouco, estendido na calçada, e o cachimbo

apagou. O rapaz de bigode pede aos outros se afastem e o deixem respirar. Abre-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe tiram os

sapatos, Dario rouqueja feio, bolhas de espuma surgiram no canto da boca.

Cada pessoa que chega ergue-se na ponta dos pés, não o pode ver. Os

moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças de pijama acodem à janela. O senhor gordo repete que Dario sentou-se na calçada,

soprando a fumaça do cachimbo, encostava o guarda-chuva na parede. Mas

não se vê guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado.

A velhinha de cabeça grisalha grita que ele está morrendo. Um grupo o arrasta

para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protesta o motorista: quem

pagará a corrida? Concordam chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e

recostado à parede – não tem os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.

Alguém informa da farmácia na outra rua. Não carregam Dario além da

esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito peso. É largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobrem o rosto, sem

que faça um gesto para espantá-las.

Ocupado o café próximo pelas pessoas que apreciam o incidente e, agora,

comendo e bebendo, gozam as delícias da noite. Dario em sossego e torto no

degrau da peixaria. Enxame de moscas lhe cobrem o rosto, sem que faça um

gesto para espantá-las.

Um terceiro sugere lhe examinem os papéis, retirados – com vários objetos

– de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficam sabendo do nome,

idade, sinal de nascença. O endereço na carteira é de outra cidade.

Registra-se correria de uns duzentos curiosos que, a essa hora, ocupam

toda a rua e as calçadas: é a polícia. O carro negro investe a multidão. Várias

pessoas tropeçam no corpo de Dario, pisoteado dezessete vezes.

O guarda aproxima-se do cadáver, não pode identificá-lo – os bolsos vazios.

Resta na mão esquerda a aliança de ouro, que ele próprio – quando vivo – só

destacava molhando o sabonete. A polícia decide chamar o rabecão.

A última boca repete – Ele morreu, ele morreu. E a gente começa a

se dispersar. Dario levou duas horas para morrer, ninguém acreditava estivesse no fim. Agora, aos que alcançam vê-lo, todo o ar

de um defunto.

O conto moderno e

contemporâneo

FOCO NO TEXTO

PRODUÇÃO DE TEXTO

Nelson Provazi

59 O Modernismo. Concordância nominal. O conto moderno e contemporâneo CAPÍTULO 2 PrODuÇÃO De teXtO

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P:62

Dalton Trevisan

Dalton Trevisan nasceu em Curitiba,

em 1925. Chamado de “Vampiro de

Curitiba”, o escritor vive recluso, adverso a entrevistas.

Sua primeira publicação foi o livro

de contos Novelas nada exemplares

(1959), com o qual ganhou o Prêmio

Jabuti. Depois, entre outras obras, publicou Cemitério de elefantes, Guerra

conjugal, O vampiro de Curitiba, Pico

na veia, todas de contos. Seu único

romance é A polaquinha.

Ganhador de vários prêmios, é considerado o mestre do conto brasileiro

contemporâneo.

Um senhor piedoso dobra o paletó de Dario para lhe apoiar a cabeça. Cruza as

mãos no peito. Não consegue fechar olho nem boca, onde a espuma sumiu. Apenas

um homem morto e a multidão se espalha, as mesas do café ficam vazias. Na janela

alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.

Um menino de cor e descalço vem com uma vela, que acende ao lado do cadáver.

Parece morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.

Fecham-se uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó. E o dedo sem a aliança. O toco de vela apagase às primeiras gotas da chuva, que volta a cair.

(In:Ítalo Moriconi, org. Os cem melhores contos brasileiros do século. São Paulo: Objetiva, 2001. p. 279-80.)

1. Na cena inicial do conto, Dario está caminhando apressado na calçada

de uma rua, mas algo acontece. Observe os três parágrafos iniciais.

a. O que acontece com Dario?

b. Como as pessoas inicialmente reagem diante do ocorrido?

c. A atitude dessas pessoas é esperada na situação?

2. Em torno de Dario, forma-se uma multidão. Uma “velhinha de cabeça grisalha grita que ele está morrendo”. São tomadas duas iniciativas para ajudar Dario: levá-lo até um táxi e, depois, levá-lo a uma farmácia próxima.

a. Por que essas iniciativas não dão certo?

b. A solidariedade que se verifica nas primeiras cenas se mantém, momentos depois? Justifique sua resposta.

3. Observe que, ao longo do conto, poucas informações são dadas sobre

Dario: sabemos apenas qual é o seu nome e quais roupas e objetos ele

usa. No quarto parágrafo do texto, desaparecem dois pertences de Dario: o guarda-chuva e o cachimbo.

a. O que a falta de maiores informações sobre o protagonista pode representar?

b. Faça um levantamento: Que outros pertences de Dario desaparecem ao

longo do conto? Depois, conclua: Que sentido esses desaparecimentos

acrescentam à narrativa, considerando-se a situação de Dario na calçada?

4. Observe a construção sintática destes trechos do texto:

• “Quando lhe tiram os sapatos”

• “Concordam chamar a ambulância.”

• “Alguém informa da farmácia”

• “Não carregam Dario além da esquina”

• “É largado na porta de uma peixaria.”

• “Ficam sabendo do nome, idade, sinal de nascença.”

Ele passa mal e tem uma espécie de ataque, provavelmente um ataque cardíaco.

As pessoas mostram-se solidárias e tentam ajudá-lo, perguntando-lhe se está bem, pedindo que os outros se afastem, abrindo-lhe

o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta e tirando-lhe os sapatos.

Sim, é uma atitude solidária, esperada em situações desse tipo.

2. a) A opção pelo táxi não dá certo porque ninguém queria pagar a corrida, nem o motorista se prontificou a levá-lo gratuitamente. Não o levam à farmácia pelo fato

de Dario ser pesado e a farmácia ficar relativamente distante. b) Não; aos poucos as ações solidárias vão escasseando e as pessoas deixam de ajudar Dario, seja

porque se sentem impossibilitadas, seja por desinteresse, seja porque a gravidade da situação exige um envolvimento mais profundo.

Pode representar o anonimato, isto é, Dario é uma pessoa qualquer,

sobre a qual pouco se sabe, como é comum nas grandes cidades.

3. b) Desaparecem também os sapatos, o alfinete de pérola na gravata, o relógio de pulso,

a aliança, o paletó e alguns objetos do bolso.

Os desaparecimentos dos objetos sugerem

que Dario está sendo aos poucos roubado pelos curiosos, o que acentua o caráter trágico e

desumano da cena.

Nelson Provazi

Arquivo/Estadão Conteúdo

60 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

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P:63

A estrutura ou a falta de

estrutura do conto moderno e

contemporâneo

O conto moderno ou contemporâneo

não segue um modelo estrutural. Há

escritores que começam a narrativa,

por exemplo, pelo desfecho da história, ou pelo clímax, e depois fazem uma

retrospectiva até chegar à situação inicial. Outros preferem não chegar ao clímax, e, nesse caso, a narrativa termina

com o protagonista em plena busca

por uma solução para o seu problema.

Outros, ainda, concluem a narrativa em

pleno clímax, deixando a história em

aberto e delegando ao leitor o papel de

imaginar um final.

a. Quem é o sujeito ou o agente da ação nesses enunciados?

b. Que sentido esse dado atribui ao texto, considerando-se a relação entre Dario e as pessoas que o cercam?

5. Observe estes trechos do conto:

• “Ocupado o café próximo pelas pessoas que apreciam o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozam as delícias da noite.”

• “Várias pessoas tropeçam no corpo de Dario, pisoteado dezessete

vezes.”

• “Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os

cotovelos.”

a. No segundo trecho, em que se transformou o corpo de Dario?

b. Em que se transformou a morte de Dario para os presentes? Que expressões desses trechos comprovam sua resposta?

c. Há, nesses trechos, ironia por parte do narrador? Por quê?

6. É difícil precisar o momento em que ocorre a morte de Dario. Identifique,

no texto, a palavra que, do ponto de vista do narrador, expressa a morte

de Dario. Depois, veja em que momento da história ela é empregada.

7. Os serviços públicos são sutilmente retratados no texto.

a. Como a polícia é vista pela população? Justifique sua resposta.

b. Como é o serviço funerário da prefeitura? Justifique sua resposta.

8. No final do conto, há duas personagens cujas ações são diferentes das

dos demais.

a. Quais são essas personagens? O que suas ações expressam?

b. O que essas personagens e suas ações podem representar, no contexto de uma cidade grande e impessoal?

9. Pode-se dizer que o conto faz uma denúncia e uma crítica aos comportamentos humanos e às relações sociais? Por quê?

10. Interprete o título “Uma vela para Dario”, explicitando a relação dele

com o conto.

11. No conto moderno ou contemporâneo, a estrutura convencional desse

gênero literário costuma ser intencionalmente rompida. Leia o boxe “A

estrutura ou a falta de estrutura do conto moderno”. Depois, examine o

conto de Dalton Trevisan, tentando identificar a estrutura tradicional do

gênero: introdução, complicação ou desenvolvimento (com a apresentação do conflito), clímax e desfecho ou conclusão.

a. Essas partes são claramente delimitadas no texto? Tente identificá-las,

se possível.

b. Como o conto de Trevisan lida com características do conto tradicional, como tamanho curto, espaço e tempo reduzidos, profundidade

psicológica de personagens?

O sujeito é indeterminado ou indefinido (“alguém”). Em “É largado

na porta...”, a oração está na voz passiva, e o agente da ação verbal não é identificado.

O uso reiterado de construções em que o sujeito não é determinado acentua a impessoalidade e a

desumanização da cena. Não há pessoas específicas que estejam praticando ações em relação a

Dario. Os gestos são coletivos, indefinidos, sem origem certa, e o próprio Dario, apesar de ter um

nome, vai perdendo sua identidade ao longo do texto para tornar-se coisa.

O corpo de Dario se transformou em objeto, coisa. Não é mais o corpo de uma pessoa moribunda.

A morte de Dario se transformou em um espetáculo, conforme revela

o emprego de “apreciam” e “almofadas para descansar os cotovelos”.

Sim; os trechos revelam ironia, pois há uma inversão de significados. A morte deixa de ser uma situação de pesar, de

lamento, e se transforma em situação de espetáculo, de entretenimento, de prazer para a plateia.

A palavra é cadáver; ela é empregada logo depois de Dario ser pisoteado.

7. a) A polícia é vista como violenta, conforme

a imagem de agressividade observada na frase “Um carro negro investe a multidão”. Além

disso, é também ineficiente, pois deixa o corpo de Dario no mesmo lugar.

É, como a polícia, ineficiente, pois não remove o corpo de Dario, mesmo três horas depois de ele estar morto.

As personagens são “um senhor piedoso” e “um menino de cor e descalço”, cujas ações

expressam piedade ou compaixão pelo morto, o que não se viu entre os demais presentes.

Elas representam o sentimento de humanidade perdido, a esperança de que nem todos

tenham sido tomados pela indiferença e pelo individualismo.

Sim, porque, ao apresentar a solidariedade do início como formal e artificial, mostra a indiferença crescente do conjunto das

pessoas, denuncia a falsidade e a impessoalidade que prevalece nas relações humanas nos grandes centros urbanos.

Professor: Sugerimos abrir a discussão com a classe, pois pode haver mais de uma possibilidade de resposta.

Sugestão: Na história, as pessoas apenas roubam as coisas de Dario (sapatos, paletó, gravata, etc.). A única coisa

que Dario recebe é uma vela acesa, trazida pelo “menino de cor e descalço”. A vela pode representar uma luz na

escuridão humana, uma esperança em meio ao individualismo e à indiferença. Mesmo assim, a chuva volta a cair

e, ironicamente, apaga a vela.

As partes convencionais do conto não são claramente delimitadas. Por exemplo, não fica claro qual é o

conflito. Seria o ataque sofrido por Dario? O clímax seria o pisoteamento ou a morte de Dario? Ou a vela

trazida pelo menino? Do nosso ponto de vista, esse conto tem outra lógica interna e outra estrutura.

Trata-se de um conto curto, o espaço é reduzido (uma calçada em uma via pública) e o tempo é relativamente

curto (mais ou menos 5 horas). Não há exploração psicológica das personagens, pois o conto focaliza as ações

externas das personagens. Objetiva Atelie

61Produção

de texto

O Modernismo. Concordância nominal. O conto moderno e contemporâneo CAPÍTULO 2

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HORA DE ESCREVER

Seguem quatro propostas de produção de contos e minicontos. Desenvolva ao menos duas delas, conforme a orientação do professor.

1. Recontando a partir de outro ponto de vista. O ponto de vista do narrador é fundamental para que tenhamos determinada percepção dos

fatos de uma história. A alteração do ponto de vista pode gerar uma

história nova e completamente diferente da original.

No conto “Uma vela para Dario”, o narrador, em 3ª pessoa, se apresenta

com alguém que conta o que vê, o que observa, sem participar dos fatos.

Reconte o conto de Dalton Trevisan do ponto de vista de Dario, narrando

os fatos em 1ª pessoa. Faça as adaptações que forem necessárias e, se

quiser, acrescente à história outros fatos e personagens.

2. Dando continuidade a um conto. O texto a seguir é a introdução do conto “Um discurso sobre o método”, de Sérgio Sant’Anna. Leia-o e dê continuidade à narrativa, desenvolvendo as demais partes do conto.

Ele se encontrava sobre a estreita marquise do 18º andar. Tinha

pulado ali a fim de limpar pelo lado externo as vidraças das salas vazias do conjunto 1801/5, a serem ocupadas em breve por uma firma de

engenheira. Ele era um empregado recém-contratado da Panamericana – Serviços Gerais. O fato de haver se sentado à beira da marquise,

com as pernas balançando no espaço, se devera simplesmente a uma

pausa para fumar a metade de cigarro que trouxera no bolso. Ele não

queria dispersar este prazer misturando-o com o trabalho.

Quando viu o ajuntamento de pessoas lá embaixo, apontando

mais ou menos em sua direção, não lhe passou pela cabeça que

pudesse ser ele o centro das atenções. Não estava habituado a ser

esse centro e olhou para baixo e para cima e até para trás, a janela

às suas costas. Talvez pudesse haver um princípio de incêndio ou

algum andaime em perigo ou alguém prestes a pular.

Não havia nada identificável à vista e ele, através de operações bastante lógicas, chegou à conclusão de que o único suicida em potencial

era ele próprio. Não que já houvesse se cristalizado em sua mente, algum dia, tal desejo, embora como todo mundo, de vez em quando... E

digamos que a pouca importância que dava a si próprio não permitia

que aflorasse seriamente em seu campo de decisões a possibilidade de

um gesto tão grandiloquente. E que o instinto cego de sobrevivência

levava uma vantagem de uns quarenta por cento sobre o seu instinto de morte, tanto é

que ele viera levando a vida até aquele preciso momento sob as mais adversas condições.

[...]

(In: Ítalo Moriconi, org. Os cem melhores contos brasileiros do sŽculo. São Paulo: Objetiva, 2001. p. 402.)

3. Inventando um conto contemporâneo. Crie um conto inteiramente original, a partir

de um tema de seu interesse. Invente enredo, personagens, ações, tempo e espaço.

4. Experimentando criar minicontos. O conto contemporâneo não tem uma estrutura

formal rígida. Atualmente, muitas experiências têm sido feitas com o gênero, entre

Professor: Os alunos poderão desenvolver duas das propostas ou até as

quatro, dependendo do número de aulas em seu planejamento previstas

para o estudo do gênero.

Como você sabe, no

final da unidade será

organizada, pela classe,

uma antologia de contos, minicontos e contos fantásticos multimodais. Neste capítulo,

você vai produzir contos

que poderão fazer parte

da antologia.

Andressa Honório

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elas a da síntese máxima. Leia os minicontos que seguem e observe a importância do

título na construção e na compreensão da história.

Crie você também um ou mais minicontos.

ANTES DE ESCREVER

Planeje seu conto, seguindo estas orientações:

• Tenha em vista o público para o qual vai escrever: jovens e adultos que se interessam

por literatura em geral ou por literatura contemporânea.

• Leia ou releia o boxe “A estrutura ou a falta de estrutura do conto moderno” e, depois,

esboce o enredo, decidindo se e como vai romper a estrutura tradicional do gênero;

defina as personagens, o tempo e o espaço das ações.

• Caso não se trate de miniconto, procure dar dimensão psicológica às personagens ou

explorar a dimensão social das personagens.

• Utilize uma linguagem de acordo com a norma-padrão, porém com flexibilidade.

ANTES DE PASSAR A LIMPO

Antes de dar seu texto por terminado, verifique:

• se ele corresponde ao seu objetivo de criar um conto moderno ou contemporâneo destinado a um público formado por jovens e adultos interessados em literatura atual;

• se, mesmo que a estrutura tradicional do conto não tenha sido seguida, é possível depreender a sequência das ações e o encadeamento lógico dos fatos;

• se personagens, ações, tempo e espaço estão suficientemente desenvolvidos e se as

personagens têm uma dimensão psicológica;

• se a linguagem está em uma variedade linguística e com um grau de formalidade ou

informalidade adequados ao perfil das personagens e à ambientação da história.

No embalo da rede

Vou,

mas levo as crianças.

(Carlos Herculano Lopes. In: Marcelino Freire, org. Os cem menores

contos brasileiros do século. São Paulo: Ateliê, 2004. p. 41.)

Se eu soubesse o que procuro

Com esse controle remoto...

(Fernando Bonassi. In: Marcelino Freire, org. Os cem menores contos

brasileiros do século. São Paulo: Ateliê, 2004. p. 73.)

No velório

O morto ficou em segundo plano.

Todo o mundo só pensou no próprio enterro.

(Noé Ribeiro. Cedido pelo autor.)

Andressa Honório

63PRODUÇÃO DE TEXTO

O Modernismo. Concordância nominal. O conto moderno e contemporâneo CAPÍTULO 2

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A geração de 22

LITERATURA

A geração de 22

Regência verbal

O conto fantástico

CAPÍTULO 3

A primeira geração da literatura modernista, também conhecida como “fase heroica”

ou geração de 22, dá continuidade às ideias difundidas pela Semana de Arte Moderna e

se estende até 1930, quando a literatura passa a tomar outra direção.

O período foi marcado pela publicação de várias revistas, manifestos e obras literárias.

Entre as revistas, destacam-se Klaxon (1922), Estética (1924), A Revista (1925) e Revista de

Antropofagia (1928).

Rompendo com o academicismo que marcou a produção literária do passado, essa

geração tinha o compromisso de construir uma nova literatura, comprometida com duas

Antropofagia (1929), de Tarsila do Amaral, pintora que participou ativamente da primeira geração modernista e,

juntamente com Oswald de Andrade, atuou no movimento de Antropofagia.

Coleção particular

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LITERATURA

Oswald de Andrade

Poeta, romancista e dramaturgo,

Oswald de Andrade (1890-1954) foi

um dos líderes da Semana de Arte Moderna, da geração de 22 e um de seus

principais mentores.

Originário de família rica, fez várias

viagens à Europa, onde teve contato

com os principais artistas de vanguarda.

Criador dos movimentos Pau-Brasil

e Antropofagia, Oswald casou-se com

Tarsila do Amaral em 1926 e, em 1930,

com Patrícia Galvão, a Pagu, militante

comunista. Ambos pertenceram ao

Partido Comunista e militaram nos

meios operários.

direções: por um lado, atualizar-se em relação às propostas trazidas pelas

correntes de vanguarda; por outro, mesclar essas novidades com uma pesquisa em torno da nacionalidade, que envolvia questões como passado histórico, língua, folclore, culinária, religião, etc.

Os principais escritores dessa geração foram Mário de Andrade, Oswald

de Andrade, Manuel Bandeira, Alcântara Machado, Raul Bopp, Guilherme de

Almeida, Menotti del Picchia e Plínio Salgado.

Oswald de Andrade

O escritor teve uma participação decisiva na implantação do Modernismo no Brasil. É o autor do Manifesto da Poesia Pau-Brasil e Manifesto Antropófago, cujas ideias introduziram um novo tipo de nacionalismo em nossa

literatura, mais crítico e menos xenófobo.

Em 1924, publicou o romance Memórias sentimentais de João Miramar,

que representa uma inovação profunda no gênero, com estrutura fragmentária, paródias, pastiches (imitações intencionais), etc. Em 1925, publicou o livro de poemas Pau-Brasil, resultado das ideias do Manifesto da

Poesia Pau-Brasil.

Do período em que esteve casado com Patrícia Galvão, a Pagu, quando

juntos militaram no Partido Comunista, nasceu o romance Serafim Ponte

Grande e a peça teatral O rei da vela.

Suas ideias de antropofagia cultural tiveram desdobramentos décadas

depois. Nos anos 1960, por exemplo, o Tropicalismo, movimento liderado por

Caetano Veloso e Gilberto Gil, retomou o conceito de “deglutição cultural”,

aproximando o rock e as guitarras elétricas de ritmos tradicionais da música

brasileira. Na mesma década, sua peça teatral O rei da vela foi encenada sob

a direção de José Celso Martinez Corrêa, atualizando-se no contexto da censura e do regime militar. As ideias da Antropofagia ainda podem ser notadas

hoje na obra de vários artistas brasileiros.

Os poemas que você leu no capítulo anterior, na página 43, pertencem a

Oswald de Andrade. Ao final deste capítulo, na seção Entre textos, você vai

fazer a leitura de mais um texto do escritor.

Mário de Andrade

Mário de Andrade, além de poeta, contista, romancista, crítico literário

e teórico da literatura, foi também um estudioso, tendo se destacado como

músico, musicólogo, folclorista e etnógrafo.

Dedicou toda a sua vida aos estudos da cultura brasileira. Viajou a

diferentes regiões do país colhendo informações e registros de canções

e modinhas populares, documentando ritmos musicais, danças e festas

religiosas.

Nos anos 1920, exerceu um papel de liderança entre os escritores do Modernismo, mas preferiu não fazer parte de grupos e de movimentos lançados nessa época.

Ao analisar o conjunto de sua obra, em prosa e verso, nota-se que ela parte de uma postura iconoclasta e irreverente nos anos iniciais e, com o passar

dos anos, ganha profundidade social e psicológica. É o caso, por exemplo, do

romance Amar, verbo intransitivo, que aborda o tema da sexualidade adolescente, e dos contos “1¼ de Maio” e “Peru de Natal”, do livro Contos novos, que

enfocam questões políticas e psicológicas, respectivamente.

Oswald de Andrade (1922), em retrato

pintado por Tarsila do Amaral.

M‡rio de Andrade

Mário de Andrade (1893-1945), que

no início da carreira publicava com o

pseudônimo de Mário Sobral, nasceu e

viveu em São Paulo.

Foi um dos líderes da vanguarda modernista, durante e depois da Semana

de Arte Moderna, e um dos principais

teóricos da literatura moderna.

Entre suas obras mais importantes

estão Pauliceia desvairada (1922),

Amar, verbo intransitivo (1927), Macunaíma (1928) e Contos novos (1947).Coleção particular The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil

65 A geração de 22. Regência verbal. O conto fantástico CAPÍTULO 3

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Macunaíma: o herói sem nenhum caráter

Macunaíma é a obra mais conhecida de Mário de Andrade. Para escrevê-la, o autor se baseou na obra etnográfica Vom Roraima zum Orinoco, do pesquisador alemão Koch-Grünberg, que, no período de 1911 a

1913, havia recolhido a lenda de Macunaíma entre os índios taulipangues

e arecunás da Amazônia brasileira e venezuelana.

O que chamou a atenção de Mário de Andrade foi o fato de o herói

lendário não ser propriamente um herói no sentido tradicional, mas um

anti-herói, já que Macunaíma, de acordo com a lenda, era preguiçoso,

mentiroso, covarde, manhoso e sensual. Para Mário, Macunaíma podia

ser visto como o próprio retrato do brasileiro ou dos povos americanos

em geral, que, segundo ele, eram povos “sem nenhum caráter”.

À lenda de Macunaíma original, Mário de Andrade acrescentou várias

lendas brasileiras, “causos”, anedotas, provérbios e aspectos contrastantes

da realidade brasileira, como a floresta e a cidade. Por causa da diversidade

de histórias que a obra reúne, o autor preferiu chamá-la de rapsódia, já que

o termo pode significar tanto uma “epopeia” quanto, por analogia com a

música, uma composição formada por várias melodias populares.

Do ponto de vista linguístico, a obra reúne uma profusão de variedades linguísticas, com a presença de regionalismos, de gíria e da linguagem

acadêmica, tratada de modo paródico e irônico.

O enredo

Macunaíma é o filho mais novo de uma família tapanhuma (a mãe e mais

dois irmãos), que vivia na Amazônia. Com a morte da mãe, os filhos resolvem

sair da tribo e se aventurar pelo mundo. Macunaíma encontra Ci, rainha das

índias amazonas, e casa-se com ela, tornando-se o imperador da mata virgem.

Eles têm um filho, que vem a morrer. Ci adoece e, antes de morrer, dá a Macunaína a muiraquitã, pedra verde que lhe serve de amuleto. Numa luta com o

monstro Boiuna Capei, o herói perde o amuleto, que vai parar nas mãos do vilão

da história, Venceslau Pietro Pietra, industrial de São Paulo e comedor de gente.

Macunaíma e seus irmãos partem então em direção à capital paulista,

onde mora o gigante. Depois de muitas aventuras, peripécias e fatos mágicos, o herói recupera a pedra e regressa com os irmãos à floresta amazônica.

Na mata, seus irmãos são devorados pela “sombra leprosa” (entidade mítica), e Macunaíma fica triste e só. Recebe, então, de Vei, a deusa-sol, a proposta de casar-se com uma de suas filhas. Ele aceita, mas acaba se envolvendo

com uma portuguesa, quebrando a promessa feita. Tempos depois, volta a

ter contato com Vei, que tenta se vingar do herói, conforme o episódio que

você vai ler a seguir. Depois desse confronto, Macunaíma, desiludido com a

vida na Terra, transforma-se na constelação da Ursa Maior.

FOCO NO TEXTO

No episódio que você vai ler a seguir, Vei, a Sol, tenta se vingar de Macunaíma, atraindo-o a uma lagoa, onde uma surpresa o aguarda.

Uma feita janeiro chegado Macunaíma acordou tarde

com o pio agourento do tincuã. No entanto era dia feito e a

Cartaz do filme Macunaíma (1969),

de Joaquim Pedro de Andrade, uma

versão cinematográfica tropicalista da

obra de Mário de Andrade.

Bretz Filmes

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literatura

cerração já entrara pro buraco... O herói tremeu e apalpou o feitiço que

trazia no pescoço, um ossinho de piá morto pagão. Procurou o aruaí, desaparecera. Só o galo com a galinha brigando por causa duma aranha derradeira. Fazia um calorão parado tão imenso que se escutava o sininho

de vidro dos gafanhotos. Vei, a Sol, escorregava pelo corpo de Macunaíma,

fazendo cosquinhas, virada em mão de moça. Era malvadeza da vingarenta só por causa do herói não ter se amulherado com uma das filhas de luz.

A mão de moça vinha e escorregava tão de manso no corpo... Que vontade

nos músculos pela primeira vez espetados depois de tanto tempo! Macunaíma se lembrou que fazia muito não brincava. Água fria diz que é bom

pra espantar as vontades... O herói escorregou da rede, tirou a penugem

de teia vestindo todo o corpo dele e descendo até o vale de Lágrimas foi

tomar banho num sacado perto que os repiquetes do tempo-das-águas

tinham virado num lagoão.

Macunaíma depôs com delicadeza os legornes na praia e se chegou pra

água. A lagoa estava toda coberta de ouro e prata e descobriu o rosto deixando ver o que tinha no fundo. E Macunaíma enxergou lá no fundo uma

cunhã lindíssima, alvinha e padeceu de mais vontade. E a cunhã lindíssima era a Uiara.

Vinha chegando assim como quem não quer, com muitas danças, piscava pro herói, parecia que dizia — “Cai fora, seu nhonhô moço!” e fastava

com muitas danças assim como quem não quer. Deu uma vontade no herói tão imensa que alargou o corpo dele e a boca umideceu:

— Mani!...

Macunaíma queria a dona. Botava o dedão n’água e num átimo a lagoa

tornava a cobrir o rosto com as teias de ouro e prata. Macunaíma sentia o

frio da água, retirava o dedão.

Foi assim muitas vezes. Se aproximava o pino do dia e Vei estava

zangadíssima. Torcia pra Macunaíma cair nos braços traiçoeiros da

moça do lagoão e o herói tinha medo do frio. Vei sabia que a moça não

era moça não, era a Uiara. E a Uiara vinha chegando outra vez com muitas danças. Que boniteza que ela era!... Mo rena e coradinha que-nem a

cara do dia e feito o dia que vive cercado de noite, ela enrolava a cara

nos ca belos curtos negros como as asas da graúna. Tinha no perfil duro

um narizinho tão mimoso que nem servia pra respirar. Porém como

ela só se mostrava de frente e festava sem virar Macunaíma não via o

Batizado de

Macunaíma (1956),

de Tarsila do Amaral.

Coleção particular

67 A geração de 22. Regência verbal. O conto fantástico CAPÍTULO 3

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buraco no cangote por onde a pérfida respirava.. E o herói inde ciso, vainão-vai. Sol teve raiva. Pegou num rabo-de-tatu de calorão e guascou o

lombo do herói. A dona ali, diz-que abrindo os braços mostrando a graça fe chando os olhos molenga. Macunaíma sentiu fogo no espinhaço,

estremeceu, fez pontaria, se jogou feito em cima dela, juque! Vei chorou de vitória. As lágrimas caíram na lagoa num chuveiro de ouro e de

ouro. Era o pino do dia.

Quando Macunaíma voltou na praia se percebia que brigara muito

lá no fundo. Ficou de bruços um tem pão com a vida dependurada nos

respiros fatigados. Es tava sangrando com mordidas pelo corpo todo, sem

per na direita, sem os dedões sem os côcos-da-Bahia sem orelhas sem

nariz sem nenhum dos seus tesouros. Afinal pôde se erguer. Quando deu

tento das perdas teve ódio de Vei. A galinha cacarejava deixando um ovo

na praia. Macunaíma pegou nele e chimpou-o no carão feliz da Sol. O ovo

esborrachou bem nas bochechas dela que sujou-se de amarelo pra todo

o sempre. Entardecia.

Macunaíma sentou numa lapa que já fora jaboti nos tempos de dantes

e andou contando os tesouros per didos em baixo d’água. E eram muitos,

era uma perna os dedões, eram os côcos-da-Bahia eram as orelhas os dois

brincos feitos com a máquina pathek e a máquina smith-wesson, o nariz

todos esses tesouros... O herói pulou dando um grito que encurtou o tamanho do dia. As piranhas tinham comido também o beiço dele e a muiraquitã! Ficou feito louco.

Arrancou uma montanha de timbó de assacú de tingui de canambí, todas essas plantas e envenenou pra sempre o lagoão. Todos os peixes morreram e ficaram boiando com a barriga pra cima, barrigas azuis barrigas

amarelas barrigas rosadas, todas as barrigas sarapintando a face da lagoa.

Era de-tardinha.

Então Macunaíma destripou todos esses peixes, todas as piranhas e todos os botos, caqueando a muiraquitã nas barrigas. Foi uma sangueira mãe

escorrendo sobre a terra e tudo ficou tinto de sangue. Era boca-da-noite.

Macunaíma campeava campeava. Achou os dois brincos achou os dedões achou as orelhas os nuquiiris o nariz, todos esses tesouros e prendeu

todos nos lugares deles com sapé e cola de peixe. Porém a perna e a muiraquitã não achou não. Tinham sido engolidos pelo monstro Ururau que

não morre com timbó nem pau. O sangue coalhara negro cobrindo a praia

e o lagoão. Era de-noite.

Macunaíma campeava campeava. Soltava grite de lamentação encurtando com a bulha o tamanho da bicharada. Nada. O herói varava o campo, saltando na perna só. Gritava:

— Lembrança! Lembrança da minha marvada não vejo nem ela nem

você nem nada!

E pulava mais. As lágrimas pingavam dos olhinhos azuis dele sobre as

florzinhas brancas do campo. As florzinhas tingiram de azul e foram os

miosótis. O herói não podia mais, parou. Cruzou os braços num desespero

tão heroico que tudo se alargou no espaço pra conter o silêncio daquele

penar. Só um mosquitinho raquitiquinho infernizava inda mais a disgra

do herói, zumbindo fininho: “Vim di Minas... vim di Minas...”

[...]

(Macunaíma – O herói sem nenhum caráter. Edição crítica de Telê Porto Ancona Lopez. Rio de Janeiro:

Livros Técnicos e Científicos. São Paulo: Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1978. p. 142-4.)

aruaí: filhote de periquito.

bulha: ruído, gritaria.

caquear: tatear, procurar.

chimpar: assentar com

energia.

cunhã: moça, mulher.

disgra: penúria,

quebradeira, miséria.

fastar: o mesmo que

afastar.

guascar: o mesmo que

guasquear; bater, golpear.

lapa: grande pedra ou laje.

miosótis: planta comum

em regiões temperadas e

tropicais montanhosas, de

pequenas flores vistosas,

que mudam de róseas para

azuis.

legorne: raça de galinha

poedeira.

piá: menino indígena.

repiquete: água que

desce das cabeceiras dos

rios.

tincuã: ave encontrada

nas matas do Brasil, da

Argentina e do México.

Ururau: personagem de

lenda brasileira que toma

a forma de um jacaré de

papo amarelo gigante.

68 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

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LITERATURA

A lenda de Uiara

Uiara, Iara, Ipupiara ou Mãe d´água

referem-se à mesma entidade. Os cronistas dos séculos XVI e XVII faziam

referência à lenda de Ipupiara, um homem-peixe que atraía os pescadores e

os levava para o fundo do rio. Depois

disso, a entidade se transformou numa

sereia e passou a ser chamada de Iara

ou Uiara, que por vezes adquire uma

forma humana para atrair pescadores

dos rios ou do mar.

Por que Òher—i sem nenhum car‡terÓ?

O próprio Mário de Andrade, em prefácio que escreveu à obra, explicou:

O que me interessou por Macunaíma foi incontestavelmente a preocupação em que vivo

de trabalhar e descobrir o mais que possa a entidade nacional dos brasileiros. Ora, depois

de pelejar muito verifiquei uma coisa me parece que certa: o brasileiro não tem caráter... E

com a palavra caráter não determino apenas uma realidade moral, não. Em vez entendo a

entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes, na ação exterior,

no sentimento, na língua, na História, na andadura, tanto no bem como no mal.

(Macunaíma – O herói sem nenhum caráter, cit., p. 334.)

1. A primeira fase da literatura modernista caracterizou-se pelo primitivismo, isto é, pela busca de elementos que caracterizam o Brasil primitivo,

pouco conhecido, advindo tanto da floresta quanto de seu passado histórico. Esse primitivismo se manifesta em Macunaíma como resultado

de uma profunda pesquisa do autor sobre a fauna, a flora, o folclore, as

lendas e os mitos da cultura brasileira.

a. Que elementos da fauna e da flora podem ser observados no texto?

Justifique sua resposta com exemplos.

b. Como se manifestam os elementos míticos, sobrenaturais e mágicos

no texto? Justifique sua resposta com exemplos.

2. A pesquisa de Mário de Andrade também se voltou para a busca de uma

língua nacional. Veja este comentário crítico de Haroldo de Campos:

Uma das riquezas de Macuna’ma é justamente essa “fala nova”

(“impura” segundo os padrões castiços de Portugal), feita de um amálgama de todos os regionalismos, mescla dos modos de dizer dos mais

diferentes rincões do país, com incrustações de indigenismos e africanismos, atravessada por ritmos repetitivos de poesia popular [...]

(Macunaíma – O herói sem nenhum caráter, cit., p. 372.)

Identifique exemplos de:

a. palavras indígenas, ao longo do texto;

b. palavras e expressões da língua popular brasileira, ao longo do texto;

c. ritmos e rimas que lembram a poesia popular, nos dois últimos parágrafos do texto.

3. Em um episódio de Macunaíma anterior ao lido, Macunaíma não cumpriu

a promessa feita a Vei, a Sol, de casar-se com uma de suas filhas, preferindo

se envolver sexualmente com uma portuguesa que conhecera na praia.

a. Que característica de Macunaíma se nota nesse episódio e que volta

a acontecer no texto lido?

b. A traição de Macunaíma confirma o subtítulo da obra, “o herói sem

nenhum caráter”? Por quê?

4. No episódio lido, Vei tenta se vingar do herói.

a. De que estratégias ela se vale para alcançar seu objetivo?

b. Por que Macunaíma hesita em entrar na água? Essa postura é compatível com a figura tradicional do herói?

1. a) Da fauna, o texto cita aves brasileiras, como a tincuã e a aruaí, as piranhas, os botos e o mosquitinho de Minas; da flora, cita

plantas típicas da paisagem nacional, como a miosótis e ervas como “timbó de assacu de tingui de cunambi”.

1. b) No texto, os elementos míticos se manifestam por meio de Uiara, do Monstro Ururau e da própria Vei, a Sol, que, na mitologia

indígena, é um ser feminino. Os elementos

mágicos se manifestam em situações como

Macunaíma jogar um ovo nas bochechas da

Sol (daí o sol ser amarelo); e também no fato

de Macunaíma sair mutilado da lagoa, conseguir sobreviver e ainda matar todos os peixes

que ali viviam.

Tincuã, auaí, cunha, Uiara, etc.

b) “que-nem”; “O herói indeciso, vai-não-vai”; “Pegou num rabode-tatu de calorão”; “Era de-tardinha”, “marvada”, “fastar” em

vez de “afastar”; os aumentativos (“lagoão”, “dedão”), etc.

2. c) Professor: Faça a escansão desse trecho

e mostre aos alunos que cada frase poderia

ser um verso, pois apresenta oito sílabas poéticas, com ritmo determinado pelas sílabas

acentuadas na 2ª, na 5ª, e na 8ª sílabas.

Entre outras possibilidades, principalmente o trecho “Lembrança da minha

marvada! Não vejo nem ela nem nada!”.

A sensualidade de Macunaíma, que é incontrolável.

Sim, pois mostra uma fraqueza de caráter da personagem, que

deixa de lado suas promessas para ter um prazer imediato.

Primeiramente, ela fazia cosquinhas no corpo de Macunaíma, enchendo-o de calor e despertando sua sensualidade. Depois, manda

um calorão nas costas do herói, estimulando-o a entrar na água,

onde está Uiara.

Porque a água está fria e ele tem medo de água fria. A postura de Macunaíma é

muito diferente da dos heróis tradicionais, que não têm medo de nada.

Alamy/Fotoarena

Acervo Iconographia

69 A geração de 22. Regência verbal. O conto fantástico CAPÍTULO 3

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5. O sol e a luz normalmente são associados ao mundo tropical e ao próprio Brasil. Caso Macunaíma se casasse com a filha de Vei, a Sol, ele se

tornaria imortal e criaria com ela uma civilização tropical, filha da luz.

a. Que significado tem a preferência de Macunaíma por uma estrangeira (portuguesa, que representa o colonizador)? Essa preferência da

personagem ainda se verifica no comportamento do brasileiro contemporâneo?

b. Sabendo-se que, na floresta amazônica, as águas são quentes, que relação pode haver entre as águas frias da lagoa e a traição de Macunaíma?

c. O que representa a devoração de Macunaíma por Uiara?

Manuel Bandeira

Manuel Bandeira é considerado um dos principais poetas da literatura

brasileira e um dos melhores em nossa língua.

Sua primeira publicação, Cinza das horas (1917), ainda trazia influências

do Parnasianismo e do Simbolismo, mas, aos poucos, o poeta foi aderindo

às propostas modernistas, incorporando-as com plena maturidade em Libertinagem (1930). Não chegou a participar diretamente da Semana de Arte

Moderna, mas enviou ao evento o poema “Os sapos”, que foi lido por Ronald

de Carvalho, provocando apupos da plateia.

Foi mestre do verso livre e de temas prosaicos, extraídos do cotidiano.

Marcado pela tuberculose, sua poesia apresenta reflexões sobre a vida e a

morte, sobre a solidão e a condição humana. A infância e a saudade também fazem parte de seus temas preferidos.

Como poucos, explorou formas, ritmos e sonoridades na poesia, demonstrando ter pleno domínio das técnicas poéticas e um vasto conhecimento da

poesia universal.

FOCO NO TEXTO

Leia os poemas de Manuel Bandeira a seguir.

Texto 1

Andorinha

Andorinha lá fora está dizendo:

—“Passei o dia à toa, à toa!”

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!

Passei a vida à toa, à toa...

(Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. 2. ed.

Rio de Janeiro: José Olympio, 1970. p. 121.)

Macunaíma trai o Brasil e a nossa cultura, dando preferência ao que vem de fora. Essa atitude

ainda é muito comum entre os brasileiros, que costumam supervalorizar o que é importado.

5. b) As “águas frias” remetem a um clima diferente

do da Amazônia, isto é, remetem ao clima europeu ou

português. Logo, na lagoa há tanto a referência ao

mundo europeu (as águas frias) quanto a referência

ao mundo primitivo (Uiara).

Se Uiara é um elemento mítico da cultura brasileira, logo, Macunaíma é devorado

ou destruído pelo próprio Brasil, pelo lado primitivo de nosso país.

Manuel Bandeira

Manuel Bandeira (1886-1968) nasceu em Recife (PE). Foi poeta, professor

de literatura, crítico literário e tradutor.

Em 1904, mudou-se para São Paulo

para fazer o curso de arquitetura na

Escola Politécnica, mas foi acometido pela tuberculose, doença grave na

época. Tratou-se em diferentes lugares

do Brasil e acabou indo para a Suíça,

onde havia um dos melhores centros

de tratamento do mundo. Ali, conheceu

e teve como amigo Paul Éluard, poeta

que anos depois viria a se destacar no

Surrealismo francês.

Bandeira viveu boa parte de sua vida

no Rio Janeiro, onde frequentou as rodas

boêmias da Lapa carioca e teve contato

com escritores e intelectuais importantes, como Vinícius de Morais, Carlos

Drummond de Andrade, Rubem Braga,

Sérgio Buarque de Holanda, entre outros.

Escreveu várias obras, em prosa e

verso. A obra Estrela da vida inteira

(José Olympio) é uma reunião de todos

os seus livros de poesia.

Arquivo/Agência O Globo

Andressa Honório

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LITERATURA

Texto 2

Momento num café

Quando o enterro passou

Os homens que se achavam no café

Tiraram o chapéu maquinalmente

Saudavam o morto distraídos

Estavam todos voltados para a vida

Absortos na vida

Confiantes da vida.

Um no entanto se descobriu num

[gesto largo e demorado

Olhando o esquife longamente

Este sabia que a vida é uma agitação

[feroz e sem finalidade

Que a vida é traição

E saudava a matéria que passava

Liberta para sempre da alma extinta.

(Idem, p. 141.)

Texto 3

Nova poética

Vou lançar a teoria do poeta sórdido.

Poeta sórdido:

Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.

Vai um sujeito,

Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito

[bem engomada, e na primeira esquina

[passa um caminhão, salpica-lhe o paletó

[ou a calça de uma nódoa de lama:

É a vida.

O poema deve ser como a nódoa no brim:

Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.

Sei que a poesia é também orvalho.

Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as vir-

[gens cem por cento e as amadas que

[envelheceram sem maldade.

(Idem, p. 201.)

1. Na primeira estrofe do texto 1, o verso “Passei o dia à toa, à toa!” faz uso de um recurso

sonoro especial. Qual é esse recurso? Que relação ele tem com o conteúdo do poema?

2. A segunda estrofe do poema “Andorinha” está em oposição à primeira.

a. Que palavras ou expressões do poema constituem uma antítese?

b. Que sentido tem a expressão à toa para a andorinha? E para o eu lírico?

c. Que sentido produzem as reticências no último verso?

d. Se considerarmos a hipótese de que esse poema pode expressar sentimentos e vivências

não apenas do eu lírico, mas também do próprio poeta (leia o boxe “Manuel Bandeira” na

página anterior), como se poderia explicar o verso “Passei a vida à toa, à toa...”?

3. “Momento num café” retrata uma cena comum do cotidiano: a passagem de um enterro. Como se portam os fregueses do café quando passa o enterro? O que justifica

esse comportamento?

esquife: féretro,

caixão de defunto.

café: bar.

nódoa: mancha.

sórdido: sujo.

É a onomatopeia. A sonoridade produzida pela repetição da expressão à toa sugere o próprio canto da andorinha.

O dia e a vida.

b) A andorinha está simplesmente cantando, vivendo a vida dela; é o eu lírico quem associa seu

canto à ideia de passar o dia à toa. Para ele, passar a vida à toa tem um significado mais triste,

pois equivale a não ter aproveitado a vida inteira.

As reticências dão a ideia de que viver a vida sem uma finalidade é algo que vem se repetindo indefinidamente na vida do eu lírico.

Seria possível associar a ideia de uma “vida perdida” à doença do poeta, que o impediu

durante longo tempo de viver a vida plenamente.

Os clientes se portam de modo indiferente, pois estão confiantes

em sua própria vida; a morte, para eles, é algo distante.

Andressa Honório

Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito

[passa um caminhão, salpica-lhe o paletó

Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virAndressa Honório

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4. A segunda estrofe do texto 2, porém, destaca uma atitude diferente de

um dos clientes do café, estabelecendo uma oposição em relação à primeira estrofe.

a. Que palavra ou expressão dessa estrofe introduz a ideia de oposição?

b. Que palavra da segunda estrofe está em oposição à palavra maquinalmente, da primeira estrofe?

c. Por que esse cliente tem uma postura diferente?

d. Que visão ele tem da vida?

e. Que visão ele tem da morte?

5. O poema “Nova poética” lança a “teoria do poeta sórdido”. Para explicar

essa teoria, o eu lírico faz uma comparação.

a. Considerando a relação entre a poesia e os leitores, a que ele compara

o poema e sua função?

b. Explique o verso “O poema deve ser como a nódoa no brim”.

6. Na última estrofe do texto 3, o eu lírico afirma que “a poesia é orvalho”.

a. Interprete essa metáfora.

b. Os poemas “Andorinha” e “Momento num café” estão mais para a

“nódoa no brim” ou para o “orvalho”? Por quê?

7. Manuel Bandeira é considerado um mestre do verso livre, tipo de verso

sem uma métrica predeterminada introduzido pelos modernistas. Observe o 5º e o 10º versos. O que justifica, no contexto, o emprego de versos tão longos?

8. Manuel Bandeira é um poeta especial em nossa literatura, pois consegue extrair reflexões profundas sobre a existência humana a partir de

situações banais do cotidiano. Embora muitas vezes pareça falar de si

mesmo, sua poesia geralmente alcança universalidade. Esse traço de sua

poesia se verifica nos poemas lidos? Justifique sua resposta.

no entanto

longamente

Ele tem uma postura reflexiva sobre a morte.

d) Uma visão pessimista: de que a vida transcorre sem

uma finalidade clara e de que ela às vezes nos trai, isto é,

ela nos prega surpresas, frustrando nossos sonhos.

Ele tem uma visão materialista da morte; para ele, com a morte, a alma se extingue ao se libertar da matéria.

Ele compara a uma roupa de linho branco engomada que, repentinamente, é suja por barro salpicado por um caminhão.

5. b) O poema às vezes cumpre uma função que nem sempre é a mais agradável,

ou seja, ele atinge a consciência do leitor,

mostrando-lhe “a marca suja da vida” e fazendo-o “dar o desespero”. Assim, provoca-lhe um choque que pode lhe trazer um

sentido diferente para a vida.

A poesia também pode ser leve e delicada e tratar apenas de assuntos agradáveis.

Estão mais para a nódoa, pois tratam da vida e de seu sentido, da tristeza e da morte.

No 5º verso, ele descreve de uma vez toda a cena da pessoa que tem a roupa de linho branca salpicada

pelo barro; no 10º verso, ele concentra num único verso os destinatários de uma poesia-orvalho.

Sim, pois os textos 1 e 2 propiciam uma reflexão sobre vida e morte e sobre o significado de ambas para o ser humano. O texto 3 propicia uma reflexão sobre a arte e seu papel na vida humana.

Baptist‹o

Com a leitura dos textos neste capítulo, você viu que:

• a geração de 22 consolidou o compromisso de construir uma nova literatura, atualizada em relação às inovações

trazidas pelas correntes de vanguarda e, ao mesmo tempo, fincada nas raízes da cultura brasileira;

• os autores dessa geração voltaram-se para a pesquisa da nacionalidade, tentando captar nas obras aspectos

da paisagem, do homem e da cultura em seus diversos aspectos como língua, folclore, religião, dança, música,

crendices, etc;

• tanto na obra de Oswald de Andrade quanto na de Mário de Andrade há uma tentativa de fundir aspectos primitivos de nossa cultura a aspectos da modernidade;

• em Macunaíma, de Mário de Andrade, busca-se traçar um perfil do que seja a etnia, a cultura e a língua nacionais,

marcadas pela heterogeneidade.

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Você vai ler e comparar, a seguir, dois textos: o primeiro é um poema de Castro Alves,

poeta que pertenceu ao Romantismo, no século XIX; o segundo é um poema de Oswald

de Andrade.

Texto 1

O laço de fita

Não sabes, criança? ’Stou louco de amores...

Prendi meus afetos, formosa Pepita.

Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!

Não rias, prendi-me

Num laço de fita.

Na selva sombria de tuas madeixas,

Nos negros cabelos da moça bonita,

Fingindo a serpente qu’enlaça a folhagem,

Formoso enroscava-se

O laço de fita.

Meu ser, que voava nas luzes da festa,

Qual pássaro bravo, que os ares agita,

Eu vi de repente cativo, submisso

Rolar prisioneiro

Num laço de fita.

E agora enleada na tênue cadeia

Debalde minh’alma se embate, se irrita...

O braço, que rompe cadeias de ferro,

Não quebra teus elos,

Ó laço de fita!

Meu Deus! As falenas têm asas de opala,

Os astros se libram na plaga infinita.

Os anjos repousam nas penas brilhantes...

Mas tu... tens por asas

Um laço de fita.

Há pouco voavas na célere valsa,

Na valsa que anseia, que estua e palpita.

Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...

Beijava-te apenas...

Teu laço de fita.

Mas ai! findo o baile, despindo os adornos

N’alcova onde a vela ciosa... crepita,

alcova: pequeno quarto onde está o leito.

cativo: escravo, prisioneiro.

cioso: zeloso.

debalde: em vão, inutilmente.

enleado: enredado, entrelaçado.

estuar: agitar-se em ondas.

falena: borboleta noturna.

librar: equilibrar-se, basear-se.

madeixa: mecha, feixe de cabelos.

opala: pedra preciosa.

plaga: região.

t•nue: fino, delicado.

ENTRE TEXTOs

Nelson Provazi

73 A geração de 22. Regência verbal. O conto fantástico CAPÍTULO 3

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Talvez da cadeia libertes as tranças

Mas eu... fico preso

No laço de fita.

Pois bem! Quando um dia na sombra do vale

Abrirem-me a cova... formosa Pepita!

Ao menos arranca meus louros da fronte,

E dá-me por c’roa...

Teu laço de fita.

(Castro Alves. In: Célia A. N. Passoni (org.).

Melhores poesias. São Paulo: Núcleo, 1996. p. 30-1.)

Texto 2

Amor

Humor

(Oswald de Andrade. Poesias reunidas.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. p. 160.)

1. No poema “Laço de fita”, o eu lírico expressa suas emoções.

a. Como ele se sente?

b. O que representa o laço de fita, que recebe destaque no poema?

2. O poema “Laço de fita” apresenta um conjunto de imagens formadas por palavras

como prendi, enroscava-se, prisioneiro, cadeias de ferro, elos, entre outras.

a. Como o eu lírico se sente em relação à pessoa amada?

b. Ele deseja essa condição ou quer se livrar dela? Justifique sua resposta.

3. O texto 1 apresenta forte musicalidade.

a. Que recursos são utilizados para criar esse efeito?

b. Que relação pode haver entre a musicalidade do texto e a manifestação dos sentimentos do eu lírico?

4. “Amor”, de Oswald de Andrade, é provavelmente o menor poema da língua portuguesa. Que visão o eu lírico tem do amor?

5. Produzidos em contextos históricos e culturais diferentes, os textos apresentam diferentes modos de expressar o sentimento amoroso.

Associe, em seu caderno, os traços a seguir a cada um dos textos.

• ironia

• idealização amorosa

• contenção emocional

• síntese

• explosão dos sentimentos

• abundância de imagens

• musicalidade envolvente

• dessacralização amorosa

Ele se sente completamente apaixonado por Pepita, moça bonita que vira na festa.

O laço de fita representa a própria mulher por quem o eu lírico se apaixonara. Trata-se de uma metonímia (a parte pelo todo). Explorando a figura do

laço de fita, o poema se enriquece com as sugestões imagéticas de sedução (serpente) e de aprisionamento (elo, cadeias de ferro).

Ele se sente aprisionado, escravo do amor que sente por ela.

Ele parece desejar essa condição, pois se coloca como “submisso” diante desse sentimento e, mesmo

quando morto, ainda deseja ter o laço de fita como coroa.

Os recursos responsáveis pela musicalidade são a métrica, o ritmo, as rimas e as aliterações. Professor: Sugerimos ler mais uma vez enfaticamente o poema, a fim de

que os alunos percebam a musicalidade do texto.

O eu lírico se mostra completamente apaixonado, quase sem controle, e a musicalidade embriagante do

poema acentua a atmosfera sentimental e grandiloquente do texto.

4. Professor: Sugerimos

abrir a discussão com a

classe, pois há mais de

uma possibilidade de leitura do poema. O importante

é que o aluno perceba que

o eu lírico do texto 2 tem

uma visão irônica e crítica

do amor. É como se, depois

de viver essa experiência

muitas vezes e ter colhido

maus resultados, o eu lírico pensasse que o amor

não pode ser levado totalmente a sério, caso contrário o sofrimento amoroso seria insuportável. O

poema também pode ser

lido como uma ruptura com

a visão romântica de amor.

Texto 1: idealização amorosa, explosão dos sentimentos, abundância de

imagens, musicalidade envolvente; texto 2: ironia, contenção emocional,

síntese, dessacralização amorosa.

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

FOCO NO TEXTO

Leia o cartaz a seguir, que divulga uma campanha de doação de sangue:

Regência verbal

LÍNGUA E LINGUAGEM

1. Relacione o enunciado à imagem e aos logotipos da parte inferior do cartaz.

a. Qual técnica artística foi utilizada na produção da imagem?

b. Sabendo que JBC é uma editora, levante hipóteses: A que se refere a expressão

#manganaveia? Por que ela foi escrita com o símbolo #, sem acentuação e sem espaçamento entre as palavras?

c. Deduza: Qual tipo de publicação editada pela Editora JBC ganha destaque no cartaz?

2. Observe as cores empregadas no cartaz e levante hipóteses:

a. Qual sentido ganha a cor vermelha das letras do enunciado principal no contexto?

b. Por que o desenho foi feito em preto e branco?

3. Tendo em vista a situação de produção do cartaz em estudo, responda:

a. A qual público especificamente ele se dirige?

b. Quem são os “heróis” dos leitores a que ele faz referência?

c. Qual estratégia o cartaz utiliza para persuadir seu leitor a doar sangue?

Releia as frases do cartaz e responda às questões 4 e 5.

I. “Seus heróis dão o sangue para salvar a humanidade.”

II. “Chegou a hora de se unir a eles.”

III. “Doe sangue.”

IV. “Mangá na veia.”

Desenho em preto e branco.

Refere-se ao mangá, nome dado aos quadrinhos típicos japoneses ou por eles influenciados. Foi

escrita dessa forma em referência ao uso corrente na Internet de expressões com hashtag (nome dado

ao símbolo #).

Gibis, ou revistas em quadrinhos.

A cor vermelha representa o sangue a ser doado.

Para dar mais destaque ao vermelho, que representa o sangue,

chamando atenção para o objetivo do cartaz.

Aos leitores de gibis.

Os super-heróis personagens dos quadrinhos.

Ele aproxima os leitores dos super-heróis, sugerindo que, ao doar sangue, eles também se tornam heróis, assim como seus ídolos.

(Disponível em: http://www.animefanzines.

com/2015/02/editora-jbc-lanca-campanhamanganaveia.html. Acesso em: 9/6/2017.)

Editora JBC/ Fundação Pró Sangue

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4. É possível considerar que três dessas frases exploram sentidos metafóricos e uma é mais objetiva e direta.

a. Quais expressões são exploradas metaforicamente?

b. Qual é o sentido dessas expressões nas frases?

5. Observe as formas verbais em destaque.

a. Qual é o sujeito de cada uma delas?

b. Qual é o complemento de cada uma delas?

c. Reproduza em seu caderno o quadro a seguir e complete-o com os

verbos em destaque, de acordo com o tipo de complemento de cada

um nas frases do cartaz.

Verbo sem

complemento

Verbo ligado

diretamente ao

complemento, sem

preposição

Verbo ligado ao

complemento com

preposição

6. Compare as frases:

“Seus heróis dão o sangue para salvar a humanidade.”

“Os heróis dão esperança para seus fãs.”

“Os heróis dão o sangue por seus fãs.”

a. Há uma diferença no valor semântico das expressões em destaque

entre a primeira frase e as duas últimas. Qual é essa diferença?

b. Tendo em vista sua resposta ao item a, discuta com os colegas e o professor: Quais os complementos diretamente ligados à forma verbal dão

em cada uma das frases?

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

No estudo do cartaz, você viu que alguns verbos estabelecem ligação direta com seus complementos e que outros necessitam de uma preposição

para esse fim. É o caso, respectivamente, das ocorrências “doe Ø sangue” e

“se unir a eles”. Há ainda situações em que um mesmo verbo pode se comportar de formas variadas dependendo da frase em que ocorre, como em

“Os heróis dão o sangue para salvar a humanidade” ou “Os heróis dão esperança para seus fãs”. A ligação entre os verbos e seus complementos é

chamada de regência verbal.

Regência verbal é o princípio pelo qual os verbos se

ligam a seus complementos.

Há verbos que não precisam de nenhum complemento; já os verbos

que precisam de complemento podem se ligar a eles diretamente ou por

meio de preposições como a, de, em, com, entre outras. Há verbos que admitem mais de uma regência e permanecem com o mesmo sentido; há

outros que têm seu sentido modificado quando alterada a preposição que

o complementa.

dão o sangue, se unir a eles e mangá na veia

Respectivamente, o de que eles se dedicam com afinco, o de que é preciso se

associar aos heróis e o de que o mangá é vital para seus fãs, tanto quanto o próprio

sangue que corre em suas veias.

Respectivamente, seus heróis, a hora, você (desinencial) e você (desinencial).

Respectivamente, o sangue para salvar a humanidade, sem complemento, a eles, sangue.

Chegar

Dar, doe Unir-se

Na primeira ocorrência, a expressão se refere à finalidade da doação de sangue, tendo valor adverbial. Nas demais, tem valor de objeto indireto do verbo,

pois complementam diretamente seu sentido.

Na 1ª, o sangue; na 2ª, esperança para seus fãs; na 3ª, o sangue por seus fãs.

Segundo as regras da gramática normativa, o verbo chegar, assim como todos os verbos que indicam movimento

(como ir e vir), rege a preposição a, isto

é, seu complemento deve se iniciar por

essa preposição, gerando construções

como “Chegamos ao shopping”. Entretanto, na fala corrente do brasileiro, o

complemento desse verbo é, em geral,

iniciado pela preposição em, o que dá

origem a construções como “Chegamos no shopping”.

Reprodução

76 UNIDADE 1 RuptuRa e constRução

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P:79

língua e

linguagem

Como falante nativo da língua portuguesa, você certamente conhece as preposições

que complementam determinados verbos e quais são seus respectivos sentidos. É importante saber, entretanto, que na norma-padrão existem regras que diferem do uso corrente. Por essa razão, elencamos a seguir os principais verbos cuja regência apresenta

diferenças em relação à adotada por algumas variedades linguísticas.

Não há necessidade de memorizar essas regências; é, porém, interessante conhecê-las,

para fins de consulta e em caráter de informação complementar. Caso você pretenda produzir um texto escrito em situações muito formais ou em exames e avaliações, a indicação é que você dê preferência a essas formas.

Aconselhar Ø (dar conselho) – É experiente o bastante

para aconselhar os amigos.

Aconselhar-se com (pedir conselho) – Aconselho-me com

meus amigos sempre que possível.

Antipatizar com – As funcionárias antigas antipatizaram

com a novata.

Aspirar a (desejar) – Aspiramos a uma vida mais calma.

Aspirar Ø (inspirar) – Aspiramos um ar mais puro no interior.

Assistir a (ver, presenciar) – As testemunhas assistiram ao

acidente de muito perto.

Assistir Ø (ajudar) – O médico assistiu as vítimas minutos

após o acidente.

Chegar a – Chegamos a nossa casa muito tarde.

Concordar com – Concordo com você em todos os sentidos.

Consistir em – Os alimentos consistem em uma importante

fonte de nutrientes.

Comparar a/com – Compara o trabalho a/com um

passatempo.

Desculpar de algo (conceder perdão) – Desculpou as

amigas do ocorrido.

Desculpar Ø – Desculpo todos que implicaram comigo. /

Desculpe a pressa.

Desculpar-se com – Desculpou-se com todos os seus

amigos.

Desculpar-se por (pedir perdão) – Desculpou-se pelo que fez.

Discordar de – Discordo de você em todos os sentidos.

Esquecer Ø – Esqueci o guarda-chuva.

Esquecer-se de – Esqueci-me da sua encomenda.

Implicar com (perturbar, antipatizar com) – As funcionárias

antigas implicaram com a novata.

Implicar Ø (resultar) – Sua participação implicará mudança

no horário do encontro.

Lembrar Ø – Lembrei o endereço.

Lembrar-se de – Lembrei-me de você ontem.

Namorar Ø/com – Marcos namora (com) Adriana.

Pagar a alguém – Paguei a meus pais.

Pagar Ø – Paguei o boleto.

Pagar por (padecer) – Ele vai pagar pelo mal que fez.

Preferir a – Prefiro a sobremesa ao prato principal.

Querer Ø (desejar) – A menina queria uma bola.

Querer a (estimar, ter afeto) – O menino queria muito à mãe.

Simpatizar com – As funcionárias antigas simpatizaram

com a novata.

Unir a (misturar) – Uniu a manteiga à farinha.

Unir Ø (tornar próximo) – A festa uniu os colegas.

Unir-se a (tornar-se próximo) – O diretor uniu-se aos alunos.

Visar Ø (dar visto, mirar) – O professor visou a folha. / O

atirador visou o alvo.

Visar Ø/a (pretender, ter por objetivo) – Visamos o/ao

crescimento da empresa.

APLIQUE O QUE APRENDEU

Leia o anúncio a seguir e responda às questões 1 e 2.

(Disponível em: https://www.

behance.net/gallery/4287209/

Hopi-Hari. Acesso em:

20/2/2016)

Reprodução

77 A geração de 22. Regência verbal. O conto fantástico CAPÍTULO 3

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P:80

1. Observe o texto central do anúncio, a imagem de fundo e o logotipo na parte inferior,

à direita do anúncio. Sabendo que o anunciante é o Hopi-Hari, um grande parque de

diversões ao ar livre localizado no interior do Estado de São Paulo, levante hipóteses:

a. A quem se dirige a pergunta feita?

b. O que há abaixo da pergunta? Qual o significado dessa representação no contexto

do anúncio?

c. O que as pessoas que aparecem na imagem de fundo estão fazendo?

d. Há, na pergunta, uma expressão utilizada propositalmente com o sentido ambíguo. Qual é essa expressão e quais são os dois sentidos possíveis?

2. O verbo utilizado na pergunta do anúncio tem uma regência única admitida pela

gramática normativa, mas é muito utilizado com uma variação na fala corrente dos

brasileiros.

a. Qual é esse verbo?

b. Qual resposta o anunciante espera que seu interlocutor dê à pergunta feita por

ele?

c. Reproduza uma possível resposta à pergunta do anúncio segundo a regência admitida pela gramática normativa.

d. Reproduza uma possível resposta à pergunta do anúncio segundo a regência mais

usual na fala corrente brasileira.

e. Discuta com os colegas e o professor: Qual dessas formas vocês mais utilizam em

seu dia a dia? Há diferença no uso dessas duas formas entre a fala e a escrita? Quais

efeitos pode gerar a escolha por uma ou outra forma?

Leia a tira a seguir para responder às questões de 3 a 5.

Aos pais de crianças e adolescentes que entrarão em férias.

Um calendário do mês de férias, que mostra serem muitos os dias em que os filhos ficarão sem aulas, daí ser conveniente

para os pais encontrar atividades para eles fazerem, como ir ao parque, por exemplo.

Saltando em um dos brinquedos do parque, semelhante a um bungee-jump.

A expressão de cabeça para baixo, que, em referência ao filho, significa literalmente virado de ponta-cabeça, nos

brinquedos do parque, ou, em referência à casa, significa revirada, muito bagunçada.

preferir

Que ele prefere ver o filho de cabeça para baixo.

Prefiro ver meu filho de cabeça para baixo a ver minha casa de cabeça para baixo.

Prefiro ver meu filho de cabeça para baixo do que

ver minha casa de cabeça para baixo.

Professor: Abra a discussão com os alunos. Certamente a fala mais corrente é a apresentada no item d. É possível discutir o que os alunos acham da possibilidade indicada pela gramática, se acreditam que pode haver preconceito em determinadas situações pelo uso da forma corrente na fala, etc. Ressalte que,

na escrita formal, a opção deve ser pela norma-padrão.

3. No 1º quadrinho, um dos interlocutores expõe um dado e, no 2º, imediatamente tem

uma resposta.

a. Qual sentimento sugere a primeira parte da resposta dada no 2º quadrinho?

b. Qual sentimento sugere a segunda parte da resposta dada no 2º quadrinho?

4. No 3º quadrinho, a personagem avalia a resposta de seu interlocutor.

a. Considerando a primeira palavra dita, espera-se que ela vá concordar com o que

seu interlocutor disse? Justifique sua resposta.

b. Pelo restante da fala, é possível considerar que ela concorda com seu interlocutor?

Qual novo sentido ganha a primeira palavra dita nesse contexto?

De surpresa pelo alto montante.

De esperança, ou mesmo ingenuidade, por acreditar que, com um gasto tão alto, o problema estaria resolvido.

Sim, pois utiliza uma palavra afirmativa: Sim.

Ela não concorda, dando ao sim um valor irônico.

(André Dahmer. Malvados. Folha online, 28/1/16.)

André Dahmer/Folhapress

78 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

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P:81

LÍNGUA e

LINGUAGEM

5. O humor da tira é construído com base na alteração da regência de um dos verbos

utilizados na tira.

a. Qual é esse verbo?

b. Qual a variação na regência e qual mudança ela acarreta no sentido do verbo?

c. Explique como essa alteração constrói o efeito de humor do texto.

Leia cada dupla de textos a seguir e responda às questões de 6 a 8.

nadar

b) No primeiro caso, não pede nenhum complemento (é intransitivo) e significa

“mover-se na água”; no segundo, pede um complemento ligado a ele por meio

de preposição (transitivo indireto) e significa “ter em abundância”.

No 2o

quadrinho, a fala da personagem faz referência ao suposto fato de o rio ter ficado limpo depois do investimento e próprio para banho; no 3o

quadrinho,

a ironia da personagem, somada à mudança de sentido do verbo, sugere que a verba foi desviada; portanto, o rio continua sujo e as pessoas envolvidas no

desvio da verba estariam muito ricas.

I

Me namora

[...]

Me namora

Pois quando eu saio sei que você chora

E fica em casa só contando as horas

Reclama só do tempo que demora

Abre os braços vem e me namora

Eu quero dar vazão ao sentimento

Mostrar que é lindo o que eu sinto por dentro

Beleza essa que eu te canto agora

Abre os braços, vem e me namora

(Edu Ribeiro. © Coisa & Tal Music e Prod. de Eventos Ltda. EPP, 2015.)

Namora comigo

[...]

Fica comigo

Namora comigo

Casa comigo

Viva comigo até o fim

Eu sou seu abrigo

Não tem mais perigo

Fica comigo

Namora comigo até o fim

(Paulinho Moska. © Casulo Promoções Artísticas Ltda, 2015.)

II

O eu aspira ao prazer e quer evitar o desprazer.

Uma intensificação esperada, prevista, do desprazer

é respondida com o sinal de medo; o motivo dessa

intensificação, quer ele ameace de fora ou de dentro,

chama-se perigo. 

(Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/livrariada

folha/2014/04/1438542-leia-trecho-de-compendioda-psicanalise-de-freud.shtml. Acesso em: 29/6/2017.)

Ela cruzou o salão como um relâmpago até a

base da escada, e saltitou pelos degraus como uma

corça. Desapareceu antes que eu pudesse aspirar o

ar profundamente e soltá-lo.

(Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2015/06/

1646589-o-sono-eterno-de-raymond-chandler-marca-estreiado-detetive-philip-marlowe.shtml. Acesso em: 29/6/2017.)

III

O fotógrafo Edson Lopes Jr. viajou a trabalho para

João Pessoa, capital da Paraíba, mas ficou curioso

para assistir ao pôr do sol na praia do Jacaré ao som

de ‘Bolero’, de Ravel.

(Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/turismo/

2016/02/1740410-fotografo-clica-por-do-sol-ao-somde-bolero-em-joao-pessoa.shtml. Acesso em: 29/6/2017.)

Ele se encantou com Star Wars desde que seu pai

o levou para assistir o primeiro filme em 1977. Marc

tinha quatro anos na época. “Sempre me interessei

por cavaleiros medievais”, ele diz. “Vi os sabres de luz

na tela e fiquei hipnotizado.”

(Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/vice/2015/07/

1656570-a-forca-esta-com-a-comunidade-de-cosplaydos-cavaleiros-jedi.shtml. Acesso em: 29/6/2017.)

6. Identifique, em cada dupla de excertos, um verbo cuja regência varia entre os dois

excertos. Em I, namorar; em II, aspirar; em III, assistir.

Professor: Consideramos que, no contexto da 1ª canção, o pronome átono me tem a função de objeto direto.

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A geração de 22. Regência verbal. O conto fantástico CAPÍTULO 3

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7. Observe o sentido dos verbos apontados por você na questão anterior em cada trecho.

a. Em qual dupla de trechos a alteração na regência implica também uma mudança

de sentido no verbo?

b. Atualmente, a possibilidade de variação na regência das outras duas formas verbais

é considerada por alguns dicionários e gramáticas renomados, embora outros ainda admitam como correta apenas a forma mais tradicional. Identifique, nos dois

casos, qual é a forma padrão tradicional e qual é a forma incorporada à língua posteriormente, pelo uso corrente.

c. Releia os trechos em que a regência varia e o sentido permanece o mesmo, discuta

com os colegas e o professor e conclua: Entre as duas formas, qual é a mais utilizada por vocês?

8. A dupla I é composta pelo refrão de duas canções. Levante hipóteses: Por que cada

compositor optou por utilizar tal regência em sua canção? Justifique sua resposta

com base na estrutura dos textos.

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia o cartão-postal a seguir, enviado em 1924 pela pintora Tarsila do Amaral a seu

amigo pessoal Mário de Andrade, um dos principais nomes do Modernismo brasileiro,

que você estudou na seção Literatura deste capítulo.

Na dupla II, aspirar.

As formas tradicionais são namorar sem preposição e assistir a, com preposição. As formas de uso

corrente são namorar com, com preposição, e assistir, sem preposição.

Professor: Abra a discussão com os alunos. O mais provável é que eles utilizem a forma de uso corrente. Discuta as diferenças

entre fala, escrita informal, escrita formal, ressaltando que, em situações, principalmente, de escrita, mas também de fala mais

formal, a norma-padrão é desejável.

Pela estrutura dos versos, é possível perceber que a opção pelas

regências se deu a fim de compor as rimas e a métrica das canções.

(Correspondência Mário de Andrade & Tarsila do Amaral. Organização, introdução

e notas Aracy Amaral. São Paulo: Edusp, 2001, p. 83.)

1. No texto manuscrito de Tarsila, lê-se:

“Mario, Não se esqueça de mandar-me notícias suas e das brigas literárias d’ahi.

Assim que chegar tratarei do quadro e procurarei a gravura de Segonzac. Tarsila.”

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

Tendo em vista a situação de comunicação em que o cartão-postal circulou, levante hipóteses:

a. Trata-se de uma linguagem formal ou informal para a época? Justifique

sua resposta.

b. E para os dias de hoje? Justifique sua resposta com base em elementos do texto.

2. Releia este trecho:

“Não se esqueça de mandar-me notícias suas e das brigas

literárias d’ahi.”

a. Considerando a regência da forma verbal se esqueça, é possível considerar a existência de uma ambiguidade na estrutura do trecho. Qual é

essa ambiguidade?

b. Sabendo que Tarsila, ao se corresponder com Mário, estava fora do

Brasil, conclua: A ambiguidade na estrutura permanece ao se considerar o texto como um todo? Justifique sua resposta.

3. Observe a grafia da palavra ahi.

a. Qual é a grafia atual oficial para essa palavra?

b. Levante hipóteses: Por que ela foi grafada dessa forma no cartão?

c. Discuta com os colegas e o professor: Considerando o contexto tecnológico que vivemos, com qual outra grafia atual ela se parece?

4. Reescreva o primeiro período da mensagem de Tarsila com o mesmo

conteúdo, sem acrescentar informações, apenas adequando sua linguagem e ortografia aos dias atuais, nos seguintes contextos:

a. cartão-postal enviado para um amigo.

b. legenda de uma foto enviada a um amigo pelo celular.

c. Discuta com os colegas e o professor: Quais alterações foram feitas

por você na regência dos verbos na mensagem original em cada um

dos itens anteriores?

5. Releia os seguintes trechos da mensagem de Tarsila:

“Tratarei do quadro”

“Procurarei a gravura”

As duas formas verbais em destaque admitem outras regências.

a. Reescreva-as, alterando a regência de cada uma delas.

b. Discuta com os colegas e o professor: A mudança na regência altera o

sentido desses verbos?

c. Com que sentido e regência você usaria esses verbos no seu dia a dia?

Informal, uma vez que é um cartão-postal trocado entre amigos.

Nos dias de hoje, soa como formal, principalmente pela regência escolhida para os primeiros verbos — “não se esqueça de mandar-me notícias” —, que são utilizadas hoje, em geral, em situações mais formais.

a) O complemento das brigas literárias d’ahi

pode tanto se referir ao verbo esquecer-se

(“Não se esqueça das brigas...”), quanto se

referir a notícias (“notícias das brigas...”).

Não, pois pelo contexto entende-se claramente que ela pede que ele não se esqueça de mandar notícias

sobre as brigas literárias ocorridas depois da Semana de Arte Moderna.

b) Para não utilizar o acento, mas marcar o

hiato, a tonicidade do i.

Professor: Comente com os alunos que esse

era um uso habitual à época.

Com aih, utilizado hoje em dia em mensagens de celular e de Internet.

Possibilidades variadas de resposta, entre elas: “Não esquece

de mandar notícias de você e das brigas literárias daí”.

Possibilidades variadas de resposta, entre elas: “N esquece d mandar noticias de vc e das brigas literarias daih”.

c) Mesmo com possibilidades de variação,

espera-se que tenha havido alteração nas

regências dos verbos esquecer e mandar. No

primeiro caso, o uso corrente informal atual

mantém a preposição de e elimina o se. No

segundo, elimina o complemento indireto me

(“mandar para mim”), mantendo apenas o direto (“mandar notícias”).

Professor: Reforce que, apesar do uso corrente dessas regências, em situações formais de

comunicação, deve-se levar em conta a norma-padrão.

Tratarei o quadro. / Procurarei pela gravura.

b) No primeiro caso, pode ou não haver mudança de sentido: tratar do quadro e tratar o

quadro podem equivaler a “resolver a questão

sobre o quadro”, “consertar, aprimorar o quadro”, “fazer negócio com o quadro”, etc. No

segundo caso, não há mudança no sentido,

pois equivale a “executar ações necessárias

para encontrar”.

Resposta pessoal, mas é esperado que os alunos discutam quais são os usos mais correntes em sua região, se há ainda outras

possibilidades de regência fora da norma-padrão, se elas despertam preconceito, etc.

Acervo Iconographia

Tarsila do Amaral ao lado de

seu quadro Morro da favela,

em foto de 1925.

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FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, um conto fantástico de Edgar Allan Poe, escritor norte-americano

que viveu no século XIX e é considerado um dos criadores desse gênero.

O retrato oval

O castelo que meu criado resolvera arrombar a fim de evitar que eu, gravemente

ferido como estava, passasse a noite ao relento, era uma dessas construções portentosas, a um só tempo lúgubre e grandiosa, que há séculos assombram a paisagem dos

Apeninos e também povoam a imaginação da senhora Radcliffe. Ao que tudo indicava,

o edifício fora abandonado há pouco e de modo temporário. Acomodamo-nos num dos

aposentos menores, mobiliado com menos suntuosidade que os demais e localizado

num torreão afastado do castelo. A decoração era rica, embora desgastada e antiga. As

paredes, cobertas por tapeçarias, também eram adornadas não só por inúmeros troféus

de armas dos mais variados formatos, bem como por uma quantidade excessiva de pinturas modernas muito vivazes, emolduradas por ricos arabescos dourados. Talvez o delírio que me acometera tivesse sido a verdadeira causa de meu profundo interesse por

essas pinturas, por esses quadros que pendiam não apenas diretamente da superfície

das paredes, como também se revelavam nos incontáveis nichos ali presentes, criados

conforme o estranho estilo arquitetônico do castelo. Assim sendo, como já anoitecera,

ordenei que Pedro fechasse as pesadas venezianas do quarto, acendesse as velas do

grande candelabro junto à cabeceira de minha cama e abrisse completamente o cortinado de veludo negro arrematado por franjas, que circundava todo o leito. Desejei que

tudo isso fosse executado o mais brevemente possível para que, se acaso não conseguisse me entregar ao sono, ao menos pudesse me dedicar à contemplação das pinturas, acompanhando-a da leitura de um pequeno livro, encontrado ao acaso em cima de

meu travesseiro, que continha descrições e apreciação crítica das obras.

Passei um longo espaço de tempo lendo, relendo e contemplando as obras com

muita admiração. No decorrer desses momentos gloriosos as horas se passaram num

instante até soarem as badaladas profundas da meia-noite. Como o candelabro não

estivesse mais numa posição que me favorecesse a leitura e, por não querer perturbar

o descanso de meu criado já adormecido, preferi eu mesmo, embora com alguma dificuldade, estender o braço e ajeitar a luz de modo a iluminar melhor as páginas do livro.

O conto fantástico

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Porém, esse simples gesto meu produziu um resultado totalmente inesperado.

Vindos das inúmeras velas (havia muitas no candelabro), os raios de luz foram bater justamente num dos nichos do quarto que até o momento estivera completamente envolto na sombra projetada por uma das colunas de minha cama. Só assim pude ver à plena luz um quadro que me passara despercebido até então. Era

o retrato de uma moça na flor da juventude, prestes a entrar na plenitude de sua

feminilidade. Olhei o quadro num relance, fechando os olhos logo em seguida. De

imediato, nem eu mesmo pude perceber por que motivo agira assim. Entretanto,

ainda com as pálpebras cerradas, pus-me a pensar sobre a causa desse meu ato. Na

verdade, fora apenas um movimento impulsivo que me permitira ganhar tempo

para refletir − para me certificar de que meus olhos afinal não me haviam enganado −, para me recobrar e dominar a fantasia a fim de poder então lançar-lhe novo

olhar, com mais calma e segurança. Pouco depois fixei outra vez o olhar na pintura,

demoradamente.

Dessa vez não havia a menor dúvida de que não estivesse enxergando direito, pois

aquele primeiro momento em que a luz das velas incidira sobre a tela servira para dissipar uma vez o vago estupor que começara a entorpecer-me os sentidos, despertandome completamente para a realidade a meu redor.

Como já disse, tratava-se do retrato de uma jovem. Utilizando a técnica a que se

costuma denominar vignette, o quadro reproduzia-lhe apenas a cabeça e os ombros e assemelhava-se muito ao estilo das melhores cabeças pintadas por Sully.

Os braços, o colo e até mesmo as pontas dos cabelos esplêndidos misturavam-se

imperceptivelmente à sombra indeterminada e profunda que formava o plano de

fundo. A moldura era oval e dourada, enfeitada por ricas filigranas à moda mourisca. Como obra de arte nada poderia se igualar à pintura em si. Contudo, a emoção tão avassaladora e repentina que se apoderara de mim não poderia ter sido

ocasionada pela maestria do pintor ou pela imortal beleza daquela fisionomia. E

tampouco poderia ter sido fruto da minha imaginação abalada que, desperta de

sua semissonolência, tivesse-me feito confundir a imagem ali representada com

a cabeça de uma mulher de carne e osso. Logo constatei que as peculiaridades do

desenho, a técnica do vinhetista e da moldura deviam ter bastado para eliminar

tal ideia imediatamente, impedindo que eu a tivesse nutrido ainda que por um

breve momento.

Passei talvez uma hora inteira a refletir sobre essas questões, meio debruçado para a frente, com os olhos cravados no retrato. Por fim, satisfeito com o verdadeiro segredo do seu efeito, recostei-me à

cama outra vez. Descobri que a mágica da pintura residia

na absoluta verossimilhança daquela expressão que inicialmente me sobressaltara, para enfim me confundir,

dominar e aterrorizar.

Foi com profundo temor e reverência que recoloquei o candelabro na posição anterior. Uma vez que o

motivo da minha profunda inquietação estava assim

fora do meu campo visual, passei a examinar avidamente o livro que tratava dessas pinturas e de seu histórico. Depois de folheá-lo rapidamente até encontrar

o número referente ao retrato oval, procedi à leitura

do texto curioso e fantástico que transcrevo a seguir:

“Era uma jovem de rara beleza, cheia de encantos e alegria. Infeliz a hora em que encontrou

o pintor, apaixonou-se e com ele se casou. Ele, um

homem passional, estudioso e austero, já tendo a

Nelson Provazi

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Arte por sua amada. Ela, uma jovem de rara beleza, cheia de encantos e

alegria, plena de luz e sorrisos, travessa como uma gazela nova, afetuosa

e cheia de amor à vida; odiando somente a paleta, os pincéis e demais

instrumentos aborrecidos que a privavam da companhia do amado. Foi,

portanto, com profundo pesar que essa jovem ouviu o pintor expressar o desejo de retratá-la a ela, sua bela esposa. Porém, por ser dócil e

meiga, posou para ele por várias semanas, imóvel em meio à penumbra daquele aposento do alto da torre, iluminado apenas por um único

foco de claridade que descia do teto e incidia diretamente sobre a tela,

deixando o resto na escuridão. Já o pintor rejubilava-se com o trabalho,

prosseguindo hora após hora, por dias a fio. Era um homem obcecado,

irreverente e temperamental, sempre a perder-se em desvaneios; tanto

assim que se recusava a perceber que a luz nefasta daquela torre deserta

consumia a saúde e o ânimo de sua esposa a qual definhava aos olhos

de todos, exceto aos seus. E no entanto ela sempre sorria e continuava

a sorrir sem se queixar porque notava que o pintor (artista de grande

renome) desfrutava um prazer ardente e avassalador ao executar a obra

sem jamais esmorecer, trabalhando dia e noite para retratar aquela que

tanto o amava, mas que se tornava cada vez mais fraca e melancólica. Na

verdade, aqueles que puderam ver o retrato comentaram em voz baixa a

total fidelidade entre modelo e obra, atribuindo-a a um prodígio excepcional, prova cabal não só da perícia do pintor como do amor profundo

que dedicava àquela a quem retratava com tanta perfeição. Porém, com

o tempo, à medida que se aproximava a conclusão do trabalho, ninguém

mais obteve permissão para entrar na torre, pois o pintor entregara-se à

loucura de sua obra e raramente desviava os olhos da tela, nem mesmo

para olhar o rosto de sua mulher. E recusava-se a perceber que as cores

que ia espalhando por sobre a tela eram arrancadas das faces daquela

que posava a seu lado. Passados alguns meses, quando quase mais nada

restava a ser feito a não ser uma pincelada sobre a boca e um retoque de

cor sobre os olhos, o espírito da jovem reacendeu-se ainda uma vez, tal

qual chama de uma vela a crepitar por um instante. E então executouse o retoque necessário e deu-se a pincelada final e, por um momento o

pintor caiu em transe, extasiado com a obra que criara. Porém, no momento seguinte, ainda a contemplar o retrato, estremeceu, ficou lívido e,

tomado de espanto, exclamou com um grito: ‘Mas isto é a própria Vida!’

E quando afinal virou-se para olhar a própria amada... estava morta!”

Tradução de Márcia Pedreira

(Vários autores. Histórias fantásticas. São Paulo: Ática, 1996. p. 11-6.)

Apeninos: cordilheira que se estende por

1000 km ao longo da Itália central e costa

leste.

arabesco: ornamento de origem árabe que

se caracteriza pelo entrecruzamento de linhas,

ramagens, flores, etc.

austero: sóbrio, pouco vivaz.

estupor: grande surpresa, espanto,

imobilidade súbita.

filigrana: trabalho de ourivesaria geralmente

com ouro ou prata.

gazela: pequeno antílope africano ou asiático.

incidir: refletir-se, cair, bater.

lúgubre: fúnebre, sinistro, medonho.

maestria: perícia, conhecimento profundo.

nefasto: prejudicial, nocivo, fúnebre.

nicho: reentrância ou vão em parede onde se

colocam estátuas ou imagens.

passional: relativo a paixão.

Radcliffe: referência à romancista inglesa

Anne Ward Radcliffe (1764-1823), autora de

romances góticos.

Sully: referência ao pintor norte-americano

Thomas Sully (1783-1872), autor de retratos

famosos.

suntuosidade: luxo, riqueza, ostentação.

torreão: torre larga.

verossimilhança: qualidade do que é

semelhante à realidade.

vignette: (do francês) vinheta, isto é, pequeno

desenho ornamental que fica no final de

páginas de alguns livros.

Edgar Allan Poe

Edgar Allan Poe (1809-1849) nasceu em Boston, nos Estados Unidos. Fez

parte do Romantismo norte-americano e é apontado como um dos criadores do conto, do conto gótico, do conto policial e da ficção científica.

Influenciou inúmeras gerações de escritores em todo o mundo e é considerado um dos grandes nomes da literatura universal.

Cultivou a poesia e a prosa, e, entre seus trabalhos mais conhecidos,

estão o poema “O corvo” e os contos “O gato preto”, “O assassinato da rua

Morgue”, “O retrato oval” e “O escaravelho de ouro”.

É conhecido no meio acadêmico das Letras também por seu ensaio teórico “Filosofia da composição”.

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1. Desde o primeiro parágrafo, a narração visa criar uma atmosfera de mistério. Com

base nesse parágrafo, responda:

a. Em que momento do dia se passam as ações?

b. Em que lugar as ações ocorrem? Como é esse lugar?

c. Como é o quarto em que o narrador se instalou?

2. A narração é feita em 1ª pessoa, por um narrador-personagem.

a. Pelas pistas textuais, infira: Que posição social e que tipo de conhecimento especial

ele tem?

b. Em que situação ele estava no momento em que se abriga no castelo?

c. Para ele, qual podia ser a possível causa do súbito interesse pelas pinturas do

castelo?

3. No quarto em que o narrador se instala, há sobre o travesseiro um livro com a descrição e a apreciação crítica das pinturas que há ali. O narrador começa a ler o livro e, à

meia-noite, ao reposicionar o candelabro, subitamente avista uma tela que estava na

sombra: o retrato oval de uma jovem.

a. Que reação o narrador tem ao pôr os olhos sobre o quadro pela primeira vez? Como

ele se sente nesse momento?

b. Depois de alguns momentos, o narrador volta a olhar fixamente o quadro. A primeira impressão que ele teve do quadro se mantém?

c. O que intriga o narrador naquele quadro, desde o início? Justifique sua resposta

com elementos do texto.

4. Releia este trecho:

“Descobri que a mágica da pintura residia na absoluta verossimilhança daquela

expressão que inicialmente me sobressaltara, para enfim me confundir, dominar e

aterrorizar.”

a. A seleção vocabular feita pelo narrador auxilia na criação da atmosfera fantástica e

misteriosa da narrativa. Que palavras desse fragmento confirmam essa afirmação?

b. Certos verbos empregados nesse trecho constituem uma figura de linguagem que

traduz o estado emocional do narrador. Identifique essa figura e explique a correspondência entre ela e o processo emocional vivido pelo narrador.

5. Depois de examinar longamente os detalhes do retrato oval, o narrador começa a ler

no livro que estava no quarto “um texto curioso e fantástico” que contava a história

do pintor, do quadro e da mulher que fora o modelo. Assim, no interior da narrativa

tem início outra narrativa, em um claro exercício de metalinguagem.

a. De que ponto de vista a outra história é narrada: em 1ª pessoa ou em 3ª pessoa?

b. Quem poderia ter escrito esse relato?

c. O narrador dessa outra história conta os fatos de modo impessoal ou de modo pessoal? Justifique sua resposta com marcas textuais.

Elas se passam à noite.

Ocorre em um castelo misterioso, lúgubre, de estilo estranho, que parecia abandonado havia pouco tempo.

Um quarto decorado com muitos quadros; em torno da cama, havia um cortinado de veludo negro.

Parece ser um homem de posição social alta, pois tem um criado que

o acompanha, e revela ter conhecimento de literatura e de pintura.

Ele estava “gravemente ferido”. Não há outras informações sobre a causa do ferimento nem sobre a parte do corpo ferida.

O delírio que o acometera, de onde se infere que provavelmente estava

com febre quando chegou ao castelo.

O narrador impulsivamente fecha os olhos. Ele sente um grande assombro,

que lhe entorpece os sentidos.

Sim.

A semelhança entre a cabeça da mulher da pintura e a cabeça “de uma mulher de carne e osso”.

As palavras mágica, confundir e aterrorizar, principalmente.

A figura de linguagem é a gradação. Ela corresponde ao processo emocional vivido pelo protagonista, que,

gradativamente, se sobressalta, se confunde e fica aterrorizado.

É narrada em 3ª pessoa.

Alguém que conhecia profundamente a vida dos donos do castelo.

Conta os fatos de modo pessoal e subjetivo, pois contrapõe a mulher e o

marido e se posiciona a favor da mulher, conforme indicam os trechos “Infeliz a hora em que encontrou o pintor” e “Era um homem obcecado [...]

sempre a perder-se em devaneios”, entre outros.

85Produção de texto

A geração de 22. Regência verbal. O conto fantástico CAPÍTULO 3

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P:88

6. Observe estes trechos do último parágrafo do conto:

• “o pintor [...] desfrutava de um prazer ardente e avassalador”

• “o pintor entregara-se à loucura de sua obra e raramente desviava os

olhos da tela”

• “E recusava-se a perceber que as cores que ia espalhando por sobre a

tela eram arrancadas das faces daquela que posava a seu lado”

• “o pintor caiu em transe, extasiado com a obra que criara”

Do ponto de vista do narrador da história contada nesse parágrafo,

como foi, para o pintor, o processo de criação da tela? Que palavras dos

trechos acima justificam sua resposta?

7. No final da história contada no último parágrafo, lemos:

“Porém, no momento seguinte, ainda a contemplar o retrato, estremeceu, ficou lívido e, tomado de espanto, exclamou um grito: ‘Mas

isto é a própria Vida!’. E quando afinal virou-se para olhar a própria

amada... estava morta!”

a. Levante hipóteses: Por que o pintor estremece, empalidece e se espanta?

b. Qual é o fato insólito e inquietante revelado nesse trecho?

c. Note que, nesse parágrafo, as palavras recusava e Vida estão destacadas, com o uso de itálico. Interprete esse destaque dado pelo próprio

escritor, tendo em vista os estranhos fatos que ocorrem no conto.

8. Veja como o teórico Tzvetan Todorov define o fantástico na literatura:

Somos assim transportados ao âmago do fantástico. Num mundo que é exatamente o nosso, aquele que conhecemos, sem diabos,

sílfides nem vampiros, produz-se um acontecimento que não pode

ser explicado pelas leis deste mundo familiar. Aquele que o percebe

deve optar por uma das duas soluções possíveis; ou se trata de uma

ilusão dos sentidos, de um produto da imaginação e nesse caso as

leis do mundo continuam a ser o que são; ou então o acontecimenFoi um processo intenso, irracional, imerso em

loucura, conforme indica o emprego das expressões prazer ardente e avassalador, loucura, eram

arrancadas, em transe, extasiado.

Porque percebe que a figura que retratara transformara-se na própria mulher viva, tal a sua perfeição.

A mulher passa a estar viva na tela e, como pessoa, morre.

7. c) A palavra recusava pode ser uma pista

da consciência do artista em relação ao que

fazia, ou seja, embora imerso na loucura causada pela obstinação de alcançar a perfeição,

ele pode ter tido a consciência de que algo

misterioso estava ocorrendo – a vida da jovem estava se transferindo para a tela –, mas

se negava a admitir isso, pois queria concluir

a obra a qualquer custo.

O conto maravilhoso e o

conto fant‡stico

Segundo o teórico russo Tzvetan

Todorov, o maravilhoso se distingue

do fantástico na medida em que pressupõe a aceitação do inverossímil e

do inexplicável. É o que ocorre, por

exemplo, nos contos maravilhosos dos

irmãos Grimm e das Mil e uma noites,

em que fatos sobrenaturais ocorrem e

são aceitos naturalmente pelo leitor.

Já nos contos fantásticos, o plano de

realidade e o plano de fantasia coexistem de forma inconciliável.

Nelson Provazi

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil

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to realmente aconteceu, é parte integrante da realidade, mas nesse

caso esta realidade é regida por leis desconhecidas para nós. Ou o

diabo é uma ilusão, um ser imaginário; ou então existe realmente,

exatamente como os outros seres vivos: com a ressalva de que raramente o encontramos.

O fantástico ocorre nesta incerteza;

[...]

(Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1975. p. 30-1.)

Segundo o teórico, o fantástico reside na incerteza de uma personagem

quanto à natureza de acontecimentos inesperados, que a deixam em

dúvida se teriam ou não acontecido de fato.

a. Que elementos do conto “O retrato oval” sustentam a hipótese de

que tudo não tinha passado de imaginação do protagonista?

b. Que elementos do texto – fatos, tempo, espaço, ambientação – sustentam a hipótese de que realmente fatos sobrenaturais aconteceram no castelo?

c. O protagonista do conto vive a situação de hesitação a que Todorov

se refere? Justifique sua resposta.

d. Além do aspecto misterioso e sobrenatural, há no conto uma reflexão

de natureza filosófica a respeito do poder ou da capacidade da própria arte. Qual é essa reflexão?

HORA DE EsCREvER

Seguem três propostas de produção de contos fantásticos multimodais.

Escolha uma delas e desenvolva-a conforme a orientação do professor.

Na criação do conto, considere que, além das palavras, serão utilizados

outros recursos, como voz, música, imagem e movimento.

a) O narrador-protagonista estava ferido e menciona um delírio. Além disso, o ambiente era relativamente escuro, iluminado apenas por um candelabro, e a atmosfera do ambiente era misteriosa. Tudo

isso pode ter levado a personagem a ter uma alucinação.

b) O castelo era uma das construções que

“assombravam a paisagem dos Apeninos”;

era meia-noite quando o protagonista viu o

quadro; ele fica “aterrorizado” com a imagem

da mulher; a narração lida no livro confirma a

relação do quadro com algo sobrenatural – o

que ocorrera durante a criação da tela.

c) Sim; um exemplo de hesitação é o momento em que o protagonista vê o quadro pela primeira vez, fecha os olhos e

torna a abri-los, para se certificar de que

o que via era real. Além dessa situação,

ele tem consciência de que não estava

bem de saúde, de que estava delirando,

etc. e, assim, tem dúvida de sua percepção dos fatos.

Trata-se de uma reflexão sobre os limites da representação artística, ou seja, sobre até que ponto o

artista consegue retratar o objeto com perfeição.

Professor: Lembre aos alunos que Egar Allan Poe morreu em 1849, portanto antes do início do Realismo na Europa.

Professor: Os alunos poderão desenvolver mais de uma proposta; porém, sugerimos que apenas uma delas

seja trabalhada em linguagem multimodal.

Capa de uma importante antologia

de publicações do gênero fantástico,

organizada por Italo Calvino.

Como você já sabe, no final da unidade será organizada, pela classe, uma antologia de contos, minicontos e contos fantásticos multimodais.

Neste capítulo, você vai produzir um conto fantástico multimodal,

que deverá ser incluído na antologia.

1. Recontando a partir de outro ponto de vista. O ponto de vista do narrador é fundamental para que tenhamos certa percepção dos fatos de

uma história. A alteração do ponto de vista pode gerar uma história

nova e completamente diferente da original.

O conto “O retrato oval” é narrado em 1ª pessoa pelo protagonista. Reconte-o, substituindo o narrador-protagonista por outro tipo de narrador. Esse narrador pode ser o criado que acompanha o protagonista na

história original, a jovem mulher do pintor ou, ainda, um narrador em

3ª pessoa.

Companhia das Letras

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A geração de 22. Regência verbal. O conto fantástico CAPÍTULO 3

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P:90

Se quiser, invente outros fatos ou modifique, de acordo com o novo ponto de vista, os

fatos da história original.

2. Dando continuidade a um conto. O texto a seguir é a introdução do conto “Os buracos

da máscara”, de Jean Lorrain, escritor francês do final do século XIX. Leia-o e dê continuidade à narrativa. Imagine como será o baile de carnaval, aonde as personagens

irão vestidas com fantasias e máscaras. Lembre-se de incluir na história um momento

de hesitação ou de incerteza do protagonista em relação aos fatos, de modo que esse

momento seja a base do fantástico no conto.

“Você quer ver”, meu amigo De Jakels me dissera, “está bem,

arranje uma fantasia de dominó e uma máscara, um dominó

bem elegante de cetim preto, calce uns escarpins e, desta vez,

meias de seda preta, e espere-me em casa na terça-feira. Irei pegá-lo por volta das dez e meia.”

Na terça-feira seguinte, envolto nas pregas farfalhantes de uma

longa camalha, com a máscara de veludo e barba de cetim presa

atrás das orelhas, esperei meu amigo De Jakels na minha garçonnière da rua Taitbout, enquanto esquentava nas brasas da lareira

meus pés arrepiados pelo contato irritante da seda; lá de fora,

chegavam-me do bulevar, confusamente, o som das cornetas e

os gritos desesperados de uma noite de Carnaval.

Pensando bem, era um tanto estranha e até inquietante, a

longo prazo, aquela festa solitária de um homem mascarado

afundado numa poltrona, no claro-escuro de um térreo atulhado de bibelôs, ensurdecido por tapeçarias, e com espelhos pendurados nas paredes, refletindo a chama alta de uma lamparina de querosene e o bruxulear de duas velas compridas muito

brancas, esbeltas, como que funerárias; e De Jakels não chegava.

Os gritos dos mascarados espocando ao longe agravavam mais

ainda a hostilidade do silêncio, as duas velas queimavam tão retas que acabei tomado por um nervosismo e, de súbito apavorado com aquelas três luzes, levantei-me para ir soprar uma delas.

Nesse momento um dos cortinados da porta se abriu e De

Jakels entrou.

De Jakels? Eu não tinha ouvido tocar a campainha nem alguém

abrir. Como ele se introduzira no meu apartamento? Desde então

pensei muito nisso; mas finalmente De Jakels ali estava, na minha

frente. De Jakels? Bem, uma longa fantasia de dominó, uma grande

forma escura, velada e mascarada como eu:

“Está pronto?”, interrogou sua voz, que não reconheci. “Meu

carro está aí, vamos embora.”

Eu não tinha ouvido seu carro chegando nem parando defronte

das minhas janelas.

Em que pesadelo, em que sombra e em que mistério eu começara a descer?

“É o capuz que está tapando os seus ouvidos, você não está

acostumado com a máscara”, pensava em voz alta De Jakels, que

havia penetrado no meu silêncio: ou seja, naquela noite ele tinha

o dom da adivinhação. E, levantando meu dominó, verificava a delicadeza de minhas meias de seda e de meus finos sapatos.

Andressa Hon—rio

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P:91

Esse gesto me serenou, era mesmo De Jakels e não outra pessoa que, de

dentro daquele dominó, falava comigo; um outro não estaria sabendo da

recomendação que De Jakels me fizera uma semana antes.

(In: Contos fantásticos do século XIX escolhidos por Italo Calvino.

São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 397-8.)

3. Inventando um conto fantástico. Crie um conto fantástico inteiramente original,

a partir de um tema de seu interesse. Invente enredo, personagens, ações, tempo

e espaço.

ANTEs DE EsCREvER

Planeje seu conto fantástico, seguindo estas orientações:

• Tenha em vista o público para o qual vai escrever: jovens e adultos que se interessam

por literatura fantástica.

• Esboce o enredo e defina as personagens, o tempo e o espaço das ações.

• Ao descrever as personagens e os ambientes, considere que essa descrição deve contribuir para a criação de uma atmosfera fantástica.

• Pense no elemento inquietante ou fantasmagórico que utilizará para gerar uma situação

de hesitação entre o plano de realidade e o plano de fantasia, imaginação ou horror.

• Decida quem vai narrar a história: se um narrador-personagem ou um narradorobser vador.

• Se quiser, empregue a estrutura convencional do conto, constituída por apresentação,

complicação (em que é apresentado o conflito), clímax e desfecho.

• Utilize uma linguagem de acordo com a norma-padrão, porém com flexibilidade, a fim

de adequá-la às situações e ao perfil das personagens.

• Pense nos recursos multimodais que poderá utilizar e nas situações da história em que

eles poderão ser empregados. Sugerimos que o conto seja relativamente curto, a fim de

facilitar o trabalho de edição. Imagine as imagens, os vídeos, as músicas e as narrações

em voz que pretende utilizar. A parte verbal do conto deve ser criada em sintonia com

esses recursos.

ANTEs DE PAssAR A LImPO

Antes de dar seu conto por finalizado, verifique:

• se ele corresponde ao seu objetivo de criar um conto fantástico destinado a um público

constituído por jovens e adultos interessados em literatura atual;

• se o enredo, as personagens, as ações, o tempo e o espaço estão desenvolvidos de forma coerente;

• se há no texto uma atmosfera misteriosa ou sobrenatural e se o protagonista vive uma

situação de hesitação ou incerteza diante de fatos misteriosos ou sobrenaturais, que

podem ter acontecido ou sido apenas fruto da sua imaginação;

• se o texto consegue criar um efeito surpreendente, capaz de despertar a curiosidade do

leitor para que ele acompanhe a história até o final;

• se a linguagem empregada está em uma variedade linguística e com um grau de formalidade ou de informalidade adequados ao perfil das personagens e à ambientação da história;

• se os recursos multimodais que você planejou utilizar são satisfatórios ou se convém

incluir outros ou eliminar algum deles.

dominó: traje

carnavalesco que consiste

em túnica longa com

mangas e capuz.

89PRODUÇÃO DE TEXTO

A geração de 22. Regência verbal. O conto fantástico CAPÍTULO 3

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P:92

PREPARANDO A vERsÃO DIGITAL

Concluída a parte verbal do conto multimodal, é hora de inserir os recursos que você

planejou utilizar. Se possível, peça apoio ao professor ou funcionário responsável pelo

setor de informática na escola.

Para realizar a edição desses recursos, sugerimos utilizar o programa Moovie Maker,

da Microsoft, ou outro programa de edição de filmes, imagens e textos. Com o Moovie

Maker, você poderá montar slides ou vídeos multimodais. No YouTube, há diversos vídeos

tutoriais que explicam como manusear o programa.

Primeiramente, pesquise ou produza todo o material de que vai necessitar: fundos

coloridos, imagens, músicas, vídeos, voz, animação, links da Internet e textos verbais. Dê

preferência a imagens e músicas compatíveis com a atmosfera enigmática e surpreendente dos contos fantásticos.

Com o programa de edição é possível inserir textos verbais, mas você poderá também

trabalhar o texto como imagem, se preferir, bastando para isso dividi-lo em partes e fotografar cada uma delas, como se fossem imagens. Depois, na hora da edição, você deverá

dispor as partes do texto na sequência.

Se quiser, poderá fazer uma narração oral do conto, ou intercalar partes com voz e

partes escritas. Os diálogos das personagens também poderão ser reproduzidos com diferentes vozes.

Cuidado para não exagerar nos recursos. Eles devem ser usados em número reduzido

e na medida em que possam contribuir para ampliar os limites da palavra impressa.

Ao concluir a edição do trabalho, guardem o material para publicar na antologia de

contos da classe que será produzida no final da unidade.

Professor: É importante incentivar os alunos a realizar também esta etapa do trabalho. Os recursos tecnológicos necessários

são relativamente simples. Contudo, se a escola e os alunos estiverem impossibilitados de levar adiante esta proposta por falta

de recursos, proponha que criem o conto fantástico de forma convencional, em papel. Se preferir, poderá propor a formação de

pequenos grupos, de 2 ou 3 alunos, de modo que eles se ajudem na montagem do arquivo digital.

Cultura RF/DUEL/Diomedia

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ENEm Em CONTEXTO

As questões do Enem não exigem um conhecimento amplo das obras literárias, isto é, de detalhes do enredo, das personagens, etc., mas exigem que o estudante seja um bom leitor, capaz de ler

e comparar textos de diferentes épocas e relacioná-los com seu contexto de produção. Veja como

isso acontece nestas questões do Enem e tente resolvê-las:

Textos para as questões 1 e 2:

POR DENTRO DO ENEm E DO vEsTIBULAR

O CANTO DO GUERREIRO

Aqui na floresta

Dos ventos batida,

Façanhas de bravos

Não geram escravos,

Que estimem a vida

Sem guerra e lidar.

— Ouvi-me, Guerreiros,

— Ouvi meu cantar.

Valente na guerra,

Quem há, como eu sou?

Quem vibra o tacape

Com mais valentia?

Quem golpes daria

Fatais, como eu dou?

— Guerreiros, ouvi-me;

— Quem há, como eu sou?

Gonçalves Dias.

MACUNAêMA

(Epílogo)

Acabou-se a história e morreu a vitória.

Não havia mais ninguém lá. Dera tangolomângolo na tribo Tapanhumas e os filhos dela se acabaram de

um em um. Não havia mais ninguém lá. Aqueles lugares, aqueles campos, furos puxadouros arrastadouros

meios-barrancos, aqueles matos misteriosos, tudo era solidão do deserto... Um silêncio imenso dormia à beira

do rio Uraricoera. Nenhum conhecido sobre a terra não sabia nem falar da tribo nem contar aqueles casos tão

pançudos. Quem podia saber do Herói?

Mário de Andrade.

1. A leitura comparativa dos dois textos indica que

a. ambos têm como tema a figura do indígena brasileiro apresentada de forma realista e heroica, como símbolo

máximo do nacionalismo romântico.

b. a abordagem da temática adotada no texto escrito em versos é discriminatória em relação aos povos indígenas do Brasil.

c. as perguntas “— Quem há, como eu sou?” (1º texto) e “Quem podia saber do Herói?” (2º texto) expressam

diferentes visões da realidade indígena brasileira.

d. o texto romântico, assim como o modernista, aborda o extermínio dos povos indígenas como resultado do

processo de colonização no Brasil.

e. os versos em primeira pessoa revelam que os indígenas podiam expressar-se poeticamente, mas foram silenciados pela colonização, como demonstra a presença do narrador, no segundo texto.

X

91 Por dentro do Enem e do vestibular

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Os dois textos apresentados pela questão são indianistas e manifestam diferentes visões acerca do índio. O texto de Gonçalves Dias, produzido dentro de uma perspectiva romântica, apresenta

uma visão idealizada e heroica do índio, tentando transformá-lo em herói nacional. Com a pergunta

“ —Quem há, como eu sou?”, o índio expressa sua altivez e seu orgulho, como o único ser da floresta

que está acima de todas as forças.

Já o texto de Mário de Andrade, produzido dentro de uma perspectiva modernista, retrata a

decadência de Macunaíma e sua família. O trecho pertence ao final da obra Macunaíma, depois que

os irmãos tinham morrido e o protagonista tinha virado a Ursa Maior. Assim, a conclusão da obra,

com a ausência do herói e o fim de sua família, remete ao problema vivido pelos índios brasileiros

tanto no século XX quanto hoje: o desaparecimento de tribos indígenas da Amazônia. Logo, a alternativa c da questão 1 é a mais adequada.

Na questão 2, os itens que envolvem as funções da linguagem são falsos. Já a alternativa c é

verdadeira, já que as palavras tacape, Uraricoera, Tapanhumas e Macunaíma são indígenas.

QUEsTõEs DO ENEm E DO vEsTIBULAR

2. Considerando-se a linguagem desses dois textos, verifica-se que

a. a função da linguagem centrada no receptor está ausente tanto no primeiro quanto no segundo texto.

b. a linguagem utilizada no primeiro texto é coloquial, enquanto, no segundo, predomina a linguagem formal.

c. há, em cada um dos textos, a utilização de pelo menos uma palavra de origem indígena.

d. a função da linguagem, no primeiro texto, centra-se na forma de organização da linguagem e, no segundo,

no relato de informações reais.

e. a função da linguagem centrada na primeira pessoa, predominante no segundo texto, está ausente no primeiro.

X

1. (ENEM)

Namorados

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:

— Antônia, ainda não me acostumei com o seu

corpo, com a sua cara.

A moça olhou de lado e esperou.

— Você não sabe quando a gente é criança e de

repente vê uma lagarta listrada?

A moça se lembrava:

— A gente fica olhando…

A meninice brincou de novo nos olhos dela.

O rapaz prosseguiu com muita doçura:

— Antônia, você parece uma lagarta listrada.

A moça arregalou os olhos, fez exclamações.

O rapaz concluiu:

— Antônia, você é engraçada! Você parece louca.

Manuel Bandeira. Poesia completa & prosa.

Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.

No poema de Bandeira, importante representante da

poesia modernista, destaca-se como característica da

escola literária dessa época

a. a reiteração de palavras como recurso de construção

de rimas ricas.

b. a utilização expressiva da linguagem falada em

situa ções do cotidiano.

c. a criativa simetria de versos para reproduzir o ritmo

do tema abordado.

d. a escolha do tema do amor romântico, caracterizador do estilo literário dessa época.

e. o recurso ao diálogo, gênero discursivo típico do Realismo.

2. (ENEM)

O trovador

Sentimentos em mim do asperamente

dos homens das primeiras eras...

As primaveras do sarcasmo

intermitentemente no meu coração arlequinal...

Intermitentemente...

Outras vezes é um doente, um frio

na minha alma doente como um longo som redondo...

Cantabona! Cantabona!

Dlorom...

Sou um tupi tangendo um alaúde!

ANDRADE, M. In: MANFIO, D. Z. (Org.) Poesias completas de

Mário de Andrade. Belo Horizonte: Itatiaia, 2005.

X

REGISTRE

NO CADERNO

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P:95

Cara ao Modernismo, a questão da identidade nacional

é recorrente na prosa e na poesia de Mário de Andrade.

Em O trovador, esse aspecto é

a. abordado subliminarmente, por meio de expressões

como “coração arlequinal” que, evocando o carnaval,

remete à brasilidade.

b. verificado já no título, que remete aos repentistas

nordestinos, estudados por Mário de Andrade em

suas viagens e pesquisas folclóricas.

c. lamentado pelo eu lírico, tanto no uso de expressões

como “Sentimentos em mim do asperamente” (v. 1),

“frio” (v. 6), “alma doente” (v. 7), como pelo som triste do alaúde “Dlorom” (v. 9).

d. problematizado na oposição tupi (selvagem) x alaúde (civilizado), apontando a síntese nacional que seria proposta no Manifesto Antropófago, de Oswald

de Andrade.

e. exaltado pelo eu lírico, que evoca os “sentimentos

dos homens das primeiras eras” para mostrar o orgulho brasileiro por suas raízes indígenas.

3. (ENEM)

Antonio Rocco. Os emigrantes, 1918.

Um dia, os imigrantes aglomerados na amurada

da proa chegavam à fedentina quente de um porto,

num silêncio de mato e de febre amarela. Santos. — É

aqui! Buenos Aires é aqui! — Tinham trocado o rótulo das bagagens, desciam em fila. Faziam suas necessidades nos trens dos animais onde iam. Jogavamnos num pavilhão comum em São Paulo. — Buenos

Aires é aqui! — Amontoados com trouxas, sanfonas

e baús, num carro de bois, que pretos guiavam através do mato por estradas esburacadas, chegavam

X

uma tarde nas senzalas donde acabava de sair o braço escravo. Formavam militarmente nas madrugadas do terreiro homens e mulheres, ante feitores de

espingarda ao ombro.

Oswald de Andrade. Marco Zero II –

Chão. Rio de Janeiro: Globo, 1991.

Levando-se em consideração o texto de Oswald de Andrade e a pintura de Antonio Rocco reproduzida ao lado,

relativos à imigração europeia para o Brasil, é correto

afirmar que

a. a visão da imigração presente na pintura é trágica e,

no texto, otimista.

b. a pintura confirma a visão do texto quanto à imigração de argentinos para o Brasil.

c. os dois autores retratam dificuldades dos imigrantes na chegada ao Brasil.

d. Antonio Rocco retrata de forma otimista a imigração, destacando o pioneirismo do imigrante.

e. Oswald de Andrade mostra que a condição de vida

do imigrante era melhor que a dos ex-escravos.

4. (ENEM)

Cabeludinho

Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me

apresentou aos amigos: Este é meu neto. Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval:

aquele menino está fantasiado de palhaço. Minha

avó entendia de regências verbais. Ela falava de sério. Mas todo-mundo riu. Porque aquela preposição

deslocada podia fazer de uma informação um chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas

palavras é uma solenidade de amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada

um menino gritou: Disilimina esse, Cabeludinho.

Eu não disiliminei ninguém. Mas aquele verbo

novo trouxe um perfume de poesia à nossa quadra.

Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais

do que trabalhar com elas. Comecei a não gostar de

palavra engavetada. Aquela que não pode mudar

de lugar. Aprendi a gostar mais das palavras pelo

que elas entoam do que pelo que elas informam.

Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena, não me escreve / que eu não sei a

ler. Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir,

ampliava a solidão do vaqueiro.

BARROS, M. Memórias inventadas:

a infância. São Paulo: Planeta, 2003.

X

REGISTRE

NO CADERNO

Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP

93 Por dentro do Enem e do vestibular

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P:96

No texto, o autor desenvolve uma reflexão sobre diferentes possibilidades de uso da língua e sobre os sentidos que esses usos podem produzir, a exemplo das

expressões “voltou de ateu”, “disilimina esse” e “eu não

sei a ler”. Com essa reflexão, o autor destaca

a. os desvios linguísticos cometidos pelos personagens

do texto.

b. a importância de certos fenômenos gramaticais

para o conhecimento da língua portuguesa.

c. a distinção clara entre a norma culta e as outras variedades linguísticas.

d. o relato fiel de episódios vividos por Cabeludinho

durante as suas férias.

e. a valorização da dimensão lúdica e poética presente

nos usos coloquiais da linguagem.

5. (ENEM)

Há certos usos consagrados na fala, e até mesmo na escrita, que, a depender do estrato social e

do nível de escolaridade do falante, são, sem dúvida, previsíveis. Ocorrem até mesmo em falantes

que dominam a variedade padrão, pois, na verdade,

revelam tendências existentes na língua em seu

processo de mudança que não podem ser bloqueadas em nome de um “ideal linguístico” que estaria

representado pelas regras da gramática normativa.

Usos como ter por haver em construções existentes

(tem muitos livros na estante), o do pronome objeto

na posição de sujeito (para mim fazer o trabalho),

a não concordância das passivas com se (aluga-se

casas) são indícios da existência, não de uma norma

única, mas de uma pluralidade de normas, entendida, mais uma vez, norma como conjunto de hábitos

linguísticos, sem implicar juízo de valor. 

CALLOU, D. Gramática, variação e normas. In VIEIRA, S. R.;

BRANDÃO, S. (orgs). Ensino de gramática: descrição e uso.

São Paulo: Contexto, 2007 (fragmento). 

Considerando a reflexão trazida no texto a respeito da

multiplicidade do discurso, verifica-se que:

a. estudantes que não conhecem as diferenças entre

língua escrita e língua falada empregam, indistintamente, usos aceitos na conversa com amigos quando vão elaborar um texto escrito.

b. falantes que dominam a variedade padrão do português do Brasil demonstram usos que confirmam a

diferença entre a norma idealizada e a efetivamente

praticada, mesmo por falantes mais escolarizados.

X

X

c. moradores de diversas regiões do país enfrentam

dificuldades ao se expressar na escrita revelam a

constante modificação das regras de empregos de

pronomes e os casos especiais de concordância.

d. pessoas que se julgam no direito de contrariar a gramática ensinada na escola gostam de apresentar

usos não aceitos socialmente para esconderem seu

desconhecimento da norma padrão.

e. usuários que desvendam os mistérios e sutilezas da

língua portuguesa empregam forma do verbo ter

quando, na verdade, deveriam usar formas do verbo

haver, contrariando as regras gramaticais.

6. (FUVEST-SP) Considerando que “silepse é a concordância que se faz não com com a forma gramatical das palavras, mas com seu sentido, com a ideia que elas representam”, indique o fragmento em que essa figura de

linguagem se manifesta.

a. “olha o mormaço”.

b. “pois devia contar uns trinta anos”.

c. “fomos alojados os do meu grupo”.

d. “com os demais jornalistas do Brasil”.

e. “pala pendente e chapéu descido sobre os olhos”.

7. (FUVEST-SP) Observe este anúncio.

Fonte: Folha de S. Paulo, 26/9/2008. Adaptado.

X

7. a) A imagem de um rosto que se forma a partir das linhas de uma impressão digital faz referência à busca por identificar um sujeito com um perfil

específico, no caso, o morador de São Paulo, sugerindo que saber “quem é e

o que pensa” envolve conhecer a identidade, bem como as impressões dessa

pessoa, como se houvesse minimamente uma unidade de pensamento entre

os moradores de São Paulo.

Folhapress

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P:97

a. Na composição do anúncio, qual é a relação de sentido existente entre a imagem e o trecho “quem é e

o que pensa”, que faz parte da mensagem verbal?

b. Se os sujeitos dos verbos descubra e pensa estivessem no plural, como deveria ser redigida a frase utilizada no anúncio?

8. (FUVEST-SP) Leia a seguinte mensagem publicitária, referente a carros, e responda ao que se pede:

POTÊNCIA, ROBUSTEZ E TRAÇÃO 4WD. PORQUE TEM LUGARES QUE SÓ COM ESPÍRITO DE

AVENTURA VOCÊ NÃO CHEGA.

a. A mensagem está redigida de acordo com a normapadrão da língua escrita? Se você julga que sim, justifique; se acha que não, reescreva o texto, adaptando-o à referida norma.

b. Se a palavra “só” fosse escluída do texto, o sentido

seria alterado? Justifique sua resposta.

Produção de texto

9. (UFPR-RS)

A raposa e as uvas

Certa raposa esfaimada encontrou uma parreira

carregadinha de lindos cachos maduros, coisa de fazer

vir água à boca. Mas tão altos que nem pulando. O matreiro bicho torceu o focinho. – Estão verdes – murmurou. – Uvas verdes, só para cachorro. E foi-se. Nisto deu

o vento e uma folha caiu. A raposa ouvindo o barulhinho voltou depressa e pôs-se a farejar... Moral: Quem

desdenha quer comprar.

(Monteiro Lobato)

O texto acima é uma fábula – uma narrativa de fundo

didático, em que os animais simbolizam um aspecto ou

qualidade do ser humano. Narre uma história da vida

moderna que seja a transposição da fábula acima. O

seu texto deve ter personagens humanos, e a narração

Descubram quem são e o que pensam

os moradores de São Paulo.

Não. “Potência, robustez e tração 4WD. Porque há lugares aos quais/a

que só com espírito de aventura você não chega.”

8. b) Sim, pois no contexto do anúncio a palavra só indica que é preciso ter o

espírito de aventura associado a algo mais – no caso, o carro anunciado – para

chegar a determinados lugares. Sem a palavra só, em contrapartida, o enunciado teria o sentido de que ter espírito de aventura seria um impedimento

para se chegar a tais lugares, independentemente de se ter ou não o carro

anunciado.

poderá ser em primeira ou terceira pessoa (você escolhe). Não ultrapasse o limite de 10 linhas.

10. (UEM-PR) Escreva um texto narrativo ou um texto dissertativo a respeito do seguinte tema:

QUANDO SE JUSTIFICA MENTIR?

Para o texto narrativo, atente para as seguintes instruções: redija a narrativa em 1ª ou 3ª pessoa, de forma que

o conflito seja desencadeado por uma mentira; além do

conflito, o texto deverá ter personagens e desfecho adequados ao tema.

Para o texto dissertativo, você poderá se basear nos excertos a seguir, sem, contudo, poder copiar informações

deles. Eleja uma tese e defenda-a com argumentos convincentes.

Excerto I

[...] Os pais ensinam os filhos desde cedo que

mentir é muito feio. Que gente mentirosa é mal vista pela sociedade. Mas vamos falar a verdade. O que

mais existe no mundo é mentira [...] Mentir é considerado o quinto pecado capital, mas quem já não teve de

lançar mão desse recurso para se sair de uma situação complicada? Muita gente acredita que, se for uma

mentirinha inofensiva que não prejudique ninguém,

não faz mal. Mesmo que isso funcione algumas vezes,

mais vale uma verdade dolorida do que uma mentira

mal contada. [...]

O Diário do Norte do Paraná, 1/4/2005.

Excerto II

[...] A interpretação da mentira depende, portanto, do “código de ética” seguido pelo mentiroso.

Para o utilitarista, por exemplo, a mentira se justifica quando, através dela, se produz maior felicidade.

Esse é o caso do comentário que se faz ao moribundo (“como você está bem ...”) ou do consolo do dentista (“não vai doer nada ...”) ou da formalidade dos

adversários quando se encontram em público (“que

prazer em vê-lo ...”) ou mesmo do final da carta desaforada (“com a minha alta estima e elevada consideração ...”). [...]

José Pastore. Folha de S. Paulo, 20/05/1987. Disponível em

http://www.josepastore.com.br/artigos/cotidiano/057.htm

95 Por dentro do Enem e do vestibular

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P:98

Antologia de contos,

minicontos e contos

fantásticos multimodais

Antologia de contos,

minicontos e contos

fantásticos multimodais

Produzindo a antologia

Participe, com toda a classe, da produção

de uma antologia com os contos que você

produziu nesta unidade.

Seleção de textos

Discutam com o professor os critérios para a escolha dos textos que farão parte da antologia. Vocês poderão, por exemplo, optar por incluir no livro apenas o conto fantástico multimodal de cada estudante; ou o conto fantástico e um conto (tradicional ou contemporâneo)

de cada um; ou um número maior de contos.

Equipe técnica e edição digital

Shutterstock

Thinkstock/Getty Images

RICO/Arquivo da editora

96 UNIDADE 1 RUPTURA E CONSTRUÇÃO

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P:99

Selecionados os textos, elejam alguns colegas para compor uma equipe técnica responsável pela montagem do livro digital. Essa equipe deve receber os arquivos de todos, revisados

e ilustrados, se for o caso. Os arquivos do conto multimodal devem ser entregues finalizados,

com todos os recursos em funcionamento.

A equipe técnica deve dar aos textos a mesma formatação, adotando critérios como tamanho das letras e tipo de fonte, fundo em cor, número de colunas, etc., à exceção dos contos

fantásticos multimodais, nos quais as particularidades visuais que cada aluno decidiu utilizar

devem ser respeitadas.

Pensem em um título para a antologia e elejam um colega para criar a capa. Indiquem outros colegas para compor e escrever a apresentação do livro, explicando como a obra nasceu,

qual é a finalidade dela, que tipo de contos ela apresenta, etc.

Criem um sumário, indicando o título de cada conto, o nome de seu autor e a página em

que cada um começa. Como se trata de uma obra digital, é interessante vocês fazerem links

que direcionem o leitor para o texto selecionado.

Decidam com a equipe técnica onde o livro será hospedado: se em um site, em um blog

da classe ou, simplesmente, em um arquivo digital. Lembrem-se de que, no ambiente da Web,

um número maior de pessoas pode ter acesso ao livro e de que, se foram utilizados links da

Internet para acessar o conto multimodal, o leitor vai precisar estar conectado.

Lançamento da antologia

• Combinem com a equipe técnica e com o professor uma data para o lançamento da antologia.

• Deem um título convidativo ao evento.

• Pensem no público que querem atingir e como farão para convidá-lo: por meio de cartazes,

jornal da escola, avisos nas salas de aula, redes sociais. Podem ser convidados estudantes de

outros anos, professores e funcionários e também amigos e familiares.

• Preparem um ambiente (uma sala de aula ou outro espaço) para a visitação dos convidados.

Disponham algumas mesas com computadores nesse ambiente, todos com o arquivo final do livro,

de modo que o público possa navegar livremente pelos contos e interagir com eles à vontade.

• Se quiserem, preparem junto com a equipe técnica um vídeo que mostre partes do livro digital,

dando destaque para os contos multimodais e seus recursos. No dia do lançamento, projetem

esse vídeo em um telão, de modo que, a certa distância, todas as pessoas presentes do

evento possam ver e compreender o conteúdo do livro digital.

RICO/Arquivo da editora

97

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P:100

98UNIDADE 2 Palavra e persuasão

Coleção particular

O ovo da ema, de Carybé (1911-1997), pintor argentino que, na década de 1950, passou a viver em Salvador, onde, junto com Jorge Amado

e o fotógrafo francês Pierre Verger, desenvolveu intensa atividade artístico-cultural. Essa tela é a expressão de uma das principais

propostas da segunda geração modernista: o retrato da realidade brasileira e das pessoas comuns.

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P:101

99

CIDADANIA EM DEBATE

Participe, com os colegas da

classe, da produção de uma feira

de cidadania, na qual serão promovidos debates deliberativos e

realizadas oficinas de produção

de currículos e de cartas de solicitação e/ou reclamação.

Como decorrência do movimento revolucionário e das suas causas,

mas também do que acontecia mais ou menos no mesmo sentido na Europa e nos Estados Unidos, houve nos anos 30 uma espécie de convívio

íntimo entre a literatura e as ideologias políticas religiosas. Isto, que antes

era excepcional no Brasil, se generalizou naquela altura, a ponto de haver

polarização dos intelectuais nos casos mais definidos e explícitos, a saber,

os que optavam pelo comunismo ou o facismo. Mesmo quando não ocorria esta definição extrema, e mesmo quando os intelectuais não tinham

consciência clara dos matizes ideológicos, houve penetração difusa das

preocupações sociais e religiosas nos textos, como viria a ocorrer de novo

nos nossos dias em termos diversos e maior intensidade.

(Antonio Candido. Educação pela noite e outros ensaios. 2. ed. São Paulo: Ática, 1989. p. 188.)

A crase não foi feita para humilhar ninguém.

(Ferreira Gullar. In: Ferreira Gullar. São Paulo: Global, 2005.

Coleção Melhores Crônicas.)

Detalhe de uma pintura

de Norman Rockwell

em que é destacado

o papel persuasivo da

palavra.

Norman Rockwell. Travelling Companions. Post Cover, March 6, 1948.

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100 UNIDADE 2 PalavRa e PeRsuasão

A geração de 30: Graciliano ramos

regência nominal

o debate deliberativo

A geração de 30: Graciliano Ramos

CAPÍTULO 1

LITERATURA

Mestiço (1934), de

Cândido Portinari.

Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP

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literatura

101 A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

O contexto de produção e

recepção da produção literária

da geração de 30

A segunda geração de escritores e artistas modernistas brasileiros é tradicionalmente situada entre 1930 e 1945. Nesse período de consolidação do

Modernismo no Brasil, quem produzia literatura modernista no país? Quem

era o público consumidor?

Meios de circulação

Na década de 1930, o crescimento da industrialização e da urbanização,

bem como o fortalecimento das camadas médias da sociedade, contribuiu

para o dinamismo da vida cultural no Brasil. Nesse contexto de desenvolvimento socioeconômico, a instrução pública tornou-se obrigatória nos anos

iniciais da escolaridade e a difusão da cultura artística e intelectual, além de

se dar por meio de livros, revistas e jornais, passou a ser veiculada também

pelo rádio, que teve uma grande expansão na época.

Com as reformas educacionais, textos de autores modernistas, como

Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Jorge de Lima, passaram a integrar

as antologias escolares e, assim, começaram a ter ampla circulação entre os

alunos do ensino secundário.

A segunda geração modernista, formada por romancistas, como Graciliano Ramos e José Lins do Rego, e por poetas, como Carlos Drummond de

Andrade, Cecília Meireles e Murilo Mendes, correspondeu a uma fase de maturidade da literatura brasileira, sendo, desde os anos 1930, uma referência

para o crescente público leitor brasileiro.

Ensino público

A Constituição de 1934, promulgada

no governo de Getúlio Vargas, estabeleceu o ensino primário gratuito e obrigatório. No período do governo Vargas,

foi estimulado também o desenvolvimento do ensino secundário, do ensino

técnico e do ensino superior, com a criação de novas escolas e universidades.

Esse estímulo ao ensino tinha como

objetivo preparar as gerações futuras

para assumir os postos de trabalho que

seriam gerados com os pretendidos

avanços econômicos e criar uma elite

intelectualizada que pudesse governar

o país no futuro.

Ilustração de J. Carlos (1884-1950)

feita para a revista Fon-Fon!.

Amplie seus conhecimentos sobre o Modernismo da geração de 1930, pesquisando em:

LIVROS

• Leia algumas das principais obras do

Modernismo de 30, como Vidas secas e São

Bernardo, de Graciliano Ramos; Fogo morto,

de José Lins do Rego; Capitães da Areia,

de Jorge Amado; Um certo capitão Rodrigo,

de Érico Veríssimo; Os ratos, de Dionélio

Machado; Reunião, de Carlos Drummond

de Andrade; Vinicius de Moraes – Todas as

letras (Companhia das Letras); Romanceiro

da Inconfidência, de Cecília Meireles.

FILMES

• O tempo e o vento, de Jayme Monjardim;

São Bernardo, de Leon Hirszman; Vidas

secas, de Nelson Pereira dos Santos;

Capitães da Areia, de Walter Lima Júnior;

Tieta do agreste, de Cacá Diegues; Vinicius

de Moraes, de Miguel Faria Jr.; Orfeu, de

Cacá Diegues.

MÚSICAS

• Ouça músicas relacionadas com o tema

do sertão e da seca, pesquisando na obra

de Elomar, Luís Gonzaga, Dominguinhos e

Luiz Vieira. Ouça também o disco Carlos

Drummond de Andrade – Antologia poética

(Philips, 1979), no qual o próprio poeta

declama seus poemas, ou acesse essas

declamações pela Internet.

SITES

A vida e as obras dos principais escritores do

Modernismo de 30 podem ser conhecidas em:

• www.graciliano.com.br

• www.fundacaojorgeamado.com.br

• www.jorgeamado.com.br

• www.carlosdrummond.com.br

• http://viniciusdemoraes.com.br

PINTURAS

• Conheça a obra do principal pintor brasileiro

que surgiu nos anos 1930: Cândido Portinari.

Veja também a evolução que teve a obra

de pintores como Tarsila do Amaral, Anita

Malfatti, Di Cavalcanti e Lasar Segall.

FIQUE CONECTADO!

Revista Fon-Fon!

José Olympio Editora

1001 Filmes/ Globo Filmes/

Paramount Home Entertainment

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102 UNIDADE 2 Palavra e Persuasão

Rachel de Queiroz

Descendente de José de Alencar pelo

lado materno, Rachel de Queiroz (1910-

2003) nasceu em Fortaleza, Ceará. Em

decorrência da seca que se abateu

sobre esse Estado em 1915, mudou-se

com a família para o Rio de Janeiro em

1917 e, pouco tempo depois, foi para

Belém, onde morou durante dois anos

antes de retornar a Fortaleza.

Rachel de Queiroz tornou-se uma

escritora reconhecida no meio literário

com apenas 20 anos, quando publicou

O quinze (1930). Além de romancista,

dedicou-se ao teatro e, especialmente,

à crônica jornalística.

Em 1931, mudou-se para o Rio de

Janeiro, mas se manteve ligada à sua

fazenda, “Não me deixes”, em Quixadá,

no agreste do sertão cearense. Admiradora das ideias de Trotsky, foi presa em

1937, acusada de ser comunista.

Recebeu vários prêmios literários

e foi a primeira mulher a ingressar na

Academia Brasileira de Letras, em 1977.

O Modernismo em contexto

No âmbito nacional e internacional, o período de 1930 a 1945 foi marcado

por tensões políticas e econômicas, tais como a crise cafeeira, acentuada

pela quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929; a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas à presidência do Brasil e encerrou a chamada República

Velha; a Intentona Comunista (1935); o Estado Novo (1937-1945); o fortalecimento do nazifascismo na Europa; o combate ao socialismo; a eclosão da

Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Como decorrência desse contexto, artistas e intelectuais foram influenciados por ideias comunistas e fascistas, além das religiosas, que fervilhavam na época, e produziram obras voltadas para o âmbito social e para a

crítica política ou marcadas por inquietações existenciais e religiosas.

O romance de 30

Na década de 1930, ocorreu no Brasil a consolidação do Modernismo. A

ideologia e os princípios estéticos modernistas propostos na fase anterior não

encontraram mais resistência e se tornaram presentes nas mais diversas artes. Na literatura, os romancistas da segunda geração modernista aderiram a

certos aspectos cultivados pelo Modernismo, como os temas nacionais e do

cotidiano e o cultivo de uma linguagem brasileira, mais popular e coloquial.

O regionalismo, em especial o nordestino, foi destaque no romance da

década de 1930. O romance regionalista se distinguiu pela consciência social, ao abordar criticamente a miséria e a exploração do trabalhador rural,

as agruras da seca e o abuso dos poderosos. Em razão do estilo ficcional

marcado pela rudeza, pela captação direta dos fatos e pela exploração das

relações entre o homem e o meio natural e social, o romance dessa década

foi chamado de neorrealista e de neonaturalista pelos críticos literários.

A obra A bagaceira (1928), de José Américo de Almeida (1887-1980), é considerada o marco inicial da literatura regionalista do Modernismo, cultivada

também por Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano

Ramos e, no Sul, por Érico Veríssimo.

Além da ficção regionalista, houve a produção de romances de sondagem psicológica, nos quais se destacam Lúcio Cardoso (1912-1968), Cornélio

Pena (1896-1958) e Otávio de Faria (1908-1980), e de romances psicológicos

permeados por traços religiosos e surrealistas, nos quais se inclui a ficção de

Jorge de Lima (1893-1953).

Rachel de Queiroz

Em O quinze (1930), romance de estreia de Rachel de Queiroz, já se verificam os traços marcantes da obra literária da escritora: prosa enxuta, visão crítica das relações sociais e análise psicológica das personagens. Nessa

obra, que tem como tema central a seca que castigou o Nordeste em 1915,

a autora, além de retratar sem sentimentalismos as mazelas da estiagem,

aborda também o coronelismo e a religiosidade do sertanejo.

Em João Miguel (1932), romance que, como O quinze, é ambientado no Ceará,

destaca-se a análise psicológica da personagem João Miguel, um sertanejo que,

depois de uma bebedeira, mata um homem, em um ato impensado, e é preso.

O Nordeste também é cenário dos romances Caminho de pedras (1937) e

As três Marias (1939). Produzido em um momento de ampla circulação das

Edvaldo Rodrigues/DP/D.A Press

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LITERATURA

103 A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

correntes ideológicas comunistas e integralistas (de inspiração fascista) no

Brasil, Caminho de pedras é um romance político que concilia uma história

amorosa e a defesa dos ideais socialistas. Em As três Marias, há uma aprofundamento da análise psicológica, que já tendia a ocupar o primeiro plano

da narrativa em Caminho de pedras.

Depois de Dora, Doralina (1975) e O galo de ouro (1985), Rachel de Queiroz

publicou, em 1992, seu último romance, Memorial de Maria Moura. A obra

fez um grande sucesso e rendeu à escritora o prêmio Jabuti de 1993, além de

ter sido adaptada para um seriado de TV em 1994.

Graciliano Ramos

Graciliano Ramos é o expoente da geração de 1930. O traço marcante de

sua prosa é a linguagem enxuta, baseada em frases curtas e no emprego

moderado de adjetivos. A linguagem do escritor se caracteriza também pela

utilização da sintaxe clássica, em oposição a construções mais próximas da

oralidade, amplamente exploradas pelos modernistas da década de 1920 e

por outros autores da geração de 1930.

Ao retratar em sua obra o universo do sertanejo nordestino, Graciliano

Ramos extrapolou o regional, o local, para atingir o universal, na medida em

que analisa a condição humana em meio à exploração social e ao meio natural hostil.

Em Caetés (1933), a primeira obra publicada pelo escritor, notam-se as

características naturalistas de sua prosa, enquanto nos romances seguintes, São Bernardo (1934) e Angústia (1936), destaca-se o aprofundamento

psicológico.

Em Vidas secas (1938), único romance do autor escrito em 3a

pessoa, um

narrador dá ao leitor acesso ao universo mental pobre e fragmentado de

cinco personagens: Fabiano, sinhá Vitória, o menino mais velho, o menino

mais novo e a cachorra Baleia. Na obra, que você vai conhecer a seguir, o

enredo é construído em torno da vida dessa família de retirantes, que, em

pleno agreste, vive os sofrimentos provocados pela estiagem e a opressão

causada pelos poderosos.

FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, um trecho do primeiro capítulo de Vidas secas.

Mudan•a

Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado

bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia

horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu

longe, através dos galhos pelados da catinga rala.

Arrastaram-se para lá, devagar, sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio,

o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia

iam atrás.

Graciliano Ramos

Filho de um casal de sertanejos de

classe média, Graciliano Ramos (1892-

1953) nasceu em Quebrângulo, Alagoas.

Fez os estudos secundários em Maceió,

mas não cursou nenhuma faculdade.

Além de se dedicar à literatura, o escritor exerceu atividades ligadas ao jornalismo e à política. Em 1936, foi preso,

acusado de subversão. Essa experiência

de prisão foi registrada em Memórias do

cárcere (1953), obra em que denuncia o

autoritarismo do governo de Vargas. Em

1945, ingressou no Partido Comunista

e, após a viagem que fez à Rússia e a

outros países socialistas na década de

1950, escreveu Viagem (1954), obra em

que relata essa nova experiência.

Na época em que publicou Viagem,

Graciliano Ramos já era reconhecido

como o maior romancista brasileiro

depois de Machado de Assis. Além de

romances, escreveu também contos e

crônicas. Suas obras tiveram reconhecimento internacional e foram traduzidas

para muitas línguas, como o inglês, o

alemão, o italiano, o espanhol, o francês, o russo e o polonês.

Arquivo/Estadão Conteúdo

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104 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se

a chorar, sentou-se no chão.

— Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.

Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno

esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu

algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou

os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.

A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que

eram ossadas. O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.

— Anda, excomungado.

O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria

responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário — e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era

culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.

Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a

margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.

Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele

descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto,

examinou os arredores. Sinha Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na

bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados no estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu

e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a

espingarda a sinha Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos

que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinha Vitória aprovou esse

arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.

E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silencio grande.

Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente do grupo. Arqueada, as

costelas à mostra, corria ofegando, a língua fora da boca. E de quando em quando se

detinha, esperando as pessoas, que se retardavam.

aboiar: cantar o aboio,

canto usado por vaqueiros

para guiar o gado.

aió: bolsa de caça.

cambaio: indivíduo que

tem as pernas fracas e

mostra dificuldade para

andar.

cólera: ira, raiva intensa.

escanchado: sentado

sobre algo à maneira de

quem monta.

irresoluto: indeciso,

titubeante.

quarto: quadris.

légua: medida de

distância que corresponde

aproximadamente a 6 600

metros.

moribundo: que está

morrendo, agonizando.

Cena do filme Vidas

secas (1963), dirigido

por Nelson Pereira dos

Santos.

Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na

areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os

retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos

do amigo, e não guardava lembrança disto. Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas

brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal. Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas

logo a recordação chegava. Tinha andado a procurar raízes, à toa: o resto da farinha

Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press

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LITERATURA

105 A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

acabara, não se ouvia um berro de rês perdida na catinga. Sinha Vitória, queimando o

assento no chão, as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas,

tudo numa confusão. Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolvera de

supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que ele era

mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco.

E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e latia arremedando a cachorra.

(Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 9-12.)

1. No primeiro capítulo de Vidas secas, é narrado o deslocamento da família de Fabiano

pelas terras do sertão nordestino.

a. Como é caracterizada a paisagem pela qual a família caminha?

b. Nessa obra, Graciliano Ramos denuncia a situação miserável dos retirantes. Que

fato narrado no texto evidencia essa situação de absoluta miséria?

c. O romance de 30 é também chamado de neorrealista e de neonaturalista pela crítica literária. Considerando o primeiro parágrafo do texto, responda: O narrador de

Vidas secas mantém a imparcialidade típica da prosa realista e naturalista? Justifique sua resposta com elementos desse parágrafo.

2. Os diálogos são raros no romance.

a. No momento em que o menino mais velho começa a chorar e se senta no chão,

exausto, quais são as primeiras reações e qual é o desejo de Fabiano diante daquela

situação? O que essas reações revelam a respeito dessa personagem?

b. E sinhá Vitória, como reage nessa circunstância? Como se comunica com Fabiano?

c. O que os sons emitidos pelo papagaio revelam sobre a comunicação na família?

d. Levante hipóteses: Que efeito de sentido essa escassez de diálogos constrói na narrativa?

3. Ao contrário dos diálogos, a interioridade das personagens é

amplamente explorada ao longo do romance.

a. No texto em estudo, Fabiano e sinhá Vitória revelam ter

consciência crítica a respeito da situação de desterro e de

miséria em que estavam? Justifique sua resposta com elementos do texto.

b. Releia este trecho:

“Baleia [...] enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre

o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal. Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas

logo a recordação chegava.”

Em determinadas circunstâncias, a cachorra Baleia é humanizada, e os retirantes,

ao contrário, são animalizados. Identifique esse traço da obra no trecho acima.

c. Nesse contexto, que sentido a palavra chegava em "a recordação chegava", adquire?

Como uma paisagem ensolarada, muito seca e quase sem

vida, formada pela caatinga, por uma planície de terra vermelha com ossadas pelo chão e por animais moribundos

rodeados por voos de urubus.

O fato de a família comer o próprio bicho de estimação, o papagaio, por não ter mais nada com o que se alimentar.

Não; o narrador não mantém a imparcialidade diante do sofrimento das personagens, conforme atesta a presença do termo infelizes, indicativo de apreciação, no trecho “Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro”.

2. a) Fabiano insulta o menino (“condenado do diabo”), bate nele, pragueja, tem o desejo de matá-lo e, depois, pensa em abandoná-lo

naquele descampado. Tais reações revelam a rudeza e a brutalidade da personagem (“Tinha o coração grosso”).

Ela estira o beiço indicando uma direção e, com sons guturais, afirma que estavam perto do lugar onde pretendiam chegar.

2. c) Revelam que a família

falava pouco, pois o papagaio, em vez de imitar a

fala humana, imitava os latidos da cadela Baleia e o

aboio do vaqueiro Fabiano.

O silêncio das personagens reforça o caráter rude delas e amplia a

sensação de aridez e de hostilidade do ambiente.

3. a) Não. Para Fabiano, a seca e as mazelas dela decorrentes pareciam algo inerente à sua vida (“A seca aparecia-lhe como um fato necessário”), e sinhá Vitória,

naquela circunstância extrema, não consegue articular logicamente os pensamentos (“pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de

casamento, vaquejadas”).

O fato de Baleia estranhar a ausência da ave eleva a cachorra ao nível humano,

ao passo que a insensibilidade de Fabiano o faz descer à condição de animal.

O sentido de “passava“, “ia embora".

Os retirantes (1944), de

Cândido Portinari.

REGISTRE

NO CADERNO

Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, SP

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106 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

4. Releia este trecho:

“Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho

aos bichos do mato. Entregou a espingarda a sinha Vitória, pôs o filho no cangote,

levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como

cambitos.”

a. Os diminutivos são raros em Vidas secas. No contexto da narrativa, que efeito o uso

dos diminutivos, no trecho, produz?

b. O narrador onisciente é aquele que, além de se apresentar em 3» pessoa, conhece

tudo sobre o que é narrado, inclusive o mundo interior das personagens. Com

base no trecho e no restante do texto lido, responda: Com que finalidade Graciliano Ramos adotou a perspectiva do narrador onisciente em Vidas secas?

c. O discurso indireto livre foi amplamente utilizado em Vidas secas. Essa técnica

narrativa consiste na fusão da fala do narrador à fala ou ao pensamento de

uma personagem. Identifique no trecho a frase em que há a presença do discurso indireto livre e levante hipóteses: Que efeito o emprego dessa técnica

produz na narrativa?

5. Além do discurso indireto livre, o romance utiliza outros recursos formais.

a. Um desses recursos é a não linearidade, ou seja, os fatos narrados não seguem

uma ordem cronológica. Que episódio narrado no texto em estudo exemplifica

esse traço formal da obra?

b. Os filhos de Fabiano e de sinhá Vitória não têm nomes. Levante hipóteses: Que

efeito de sentido esse recurso constrói no texto?

6. O romance de 30 retomou a concepção determinista presente na prosa naturalista,

explorando a relação entre o homem e o meio natural. No texto em estudo, como se

dá essa relação? Nesse contexto, que sentido o título da obra adquire?

Os diminutivos quebram a atmosfera pesada da cena, pois expressam o afeto de Fabiano pelo filho;

no caso de bracinhos, além de expressar afeto, há o reforço da ideia de magreza da criança.

4. b) Com a finalidade de

expressar os sentimentos

e os conflitos mais íntimos

das personagens (“Fabiano teve pena”).

“Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato.” Essa técnica relativiza a presença do narrador e dá ao

leitor a impressão de estar em contato com o mundo interior da personagem Fabiano.

O momento de descanso sobre a areia do rio seco, onde a família se alimenta do papagaio de estimação.

Esse episódio ocorre em um tempo anterior ao tempo em que as personagens se encontram.

5. b) Professor: Sugerimos abrir a discussão com a classe, pois há mais de uma possibilidade de resposta.

Sugestão: O nome próprio é uma maneira de conferir identidade e singularidade a algo ou alguém; portanto, a ausência dele ressalta, criticamente, a ideia de

existência insignificante e miserável do retirante, entregue a uma situação de descaso e de abandono.

Fabiano e sua família são vítimas do meio natural inóspito, hostil; por isso, como

um produto do meio, são

brutalizados, animalizados.

O título da obra traduz a vida

miserável dos retirantes,

que, expostos à seca, são

desprovidos dos meios de

sobrevivência física e privados da própria condição de

seres humanos.

Por meio da leitura do texto de Graciliano Ramos feita neste capítulo, você viu que:

• o romance de 30 é marcado pela rudeza, pela captação direta dos fatos e pela exploração das relações entre o homem e o meio natural e social; por isso, é chamado de neorrealista e de neonaturalista;

• Vidas secas faz uma denúncia da vida miserável do nordestino pobre, exposto às agruras da seca, da migração, da ignorância, da opressão dos poderosos;

• em Vidas secas, a narrativa não é linear, os diálogos são raros e há exploração da interioridade das personagens, feita principalmente pelo uso do discurso indireto livre.

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107 A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

Você vai ler, a seguir, dois textos. O primeiro é um fragmento do poema “O retrato

do sertão” (1978), de Patativa do Assaré, e o segundo é a letra da canção “Segue o seco”

(1994), de Carlinhos Brown.

Patativa do Assaré

Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002) nasceu em Serra de Santana,

região próxima da cidade de Assaré, no Ceará.

Ainda criança começou a trabalhar na roça para ajudar no sustento da

família e, logo que iniciou seus estudos, aos 12 anos, passou a escrever

poesia. Um pouco depois, iniciou-se na arte do repente e, devido à beleza

do seu canto poético, foi chamado de Patativa, nome de uma ave de canto

singular.

Foi poeta popular, compositor e cantor, e sua produção poética é amplamente reconhecida.

agoureiro: que prenuncia

acontecimentos ou notícias

sinistras, trágicas.

cachimbeira: parteira.

estio: verão.

mãe-de-lua: um tipo de

ave.

sariema (ou seriema):

ave que vive em campos e

cerrados.

ENTRE TEXTOS

Texto 1

O retrato do sert‹o

Se o poeta marinheiro

Canta as belezas do mar,

Como poeta roceiro

Quero o meu sertão cantar

Com respeito e com carinho.

Meu abrigo, meu cantinho,

Onde viveram meus pais.

O mais puro amor dedico

Ao meu sertão caro e rico

De belezas naturais.

[...]

É diferente da praça

A vida no meu sertão;

Tem graça, tem muita graça

Uma noite de São João.

No clarão de uma fogueira,

Tudo dança a noite inteira

No mais alegre pagode,

E um caboclo bronzeado

Num tamborete sentado

Tocando no pé de bode.

[...]

Aqui, do mundo afastado,

Acostumei-me a viver,

Já nasci predestinado,

Sabendo amar e sofrer.

Neste meu sertão bravio,

Nas belas tardes de estio,

Da chapada ao tabuleiro,

Eu louvo, adoro e bendigo

O ladrar do cão amigo

E o aboiar do vaqueiro.

Se a clara noite aparece,

Temos a mesma beleza.

Tudo é riso, paz e prece,

E a festa da natureza

Seu compasso continua.

A noturna mãe-de-lua

Solta o seu canto agoureiro,

Sua funérea risada,

Vendo a filha imaculada

Brilhando o sertão inteiro.

[...]

Jarbas Oliveira/Estadão Conteúdo

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108 UNIDADE 2 PalavRa e PeRsuasão

Porém, se ele é um portento

De riso, graça e primor,

Tem também seu sofrimento,

Sua mágoa e sua dor.

Esta gleba hospitaleira,

Onde a fada feiticeira

Depositou seu condão,

É também um grande abismo

Do triste analfabetismo,

Por falta de proteção.

[...]

Eu não ignoro nada

Deste sertão sofredor

Que puxa o cabo da enxada

Sem arado e sem trator.

Pobre sertão esquecido

Que já está desiludido

E não acredita mais

Nas promessas e nos tratos

E juras de candidatos

Nas festas eleitorais.

Meu sertão da sariema,

Sertão queimado do sol,

que não conhece cinema,

Teatro, nem futebol,

Sertão de doença e fome

Onde o pobre assina o nome

Com uma pena na mão,

Para, enganado e inocente

Dar um voto inconsciente

Quando é tempo de eleição.

Este sertão que persiste

Soltando os mesmos gemidos

É qual purgatório triste

Das almas dos desvalidos.

Ele não tem providência

De remédio ou de assistência

Pra sua gente roceira,

Dentro do mais pobre quarto

A mulher morre de parto

Nos braços da cachimbeira.

(Patativa do Assaré. Disponível em: http://opovonalutafazhistoria.blogspot.com.br/2011/06/

o-retrato-do-sertao-patativa-do-assare.html?m=1. Acesso em: 12/2/2016.)

Texto 2

Segue o seco

A boiada seca

Na enxurrada seca

A trovoada seca

Na enxada seca

Ivan Cruz/FuturaPress

Segue o seco sem sacar que o caminho é seco

Sem sacar que o espinho é seco

Sem sacar que seco é o Ser Sol

Sem sacar que algum espinho seco secará

E a água que sacar será um tiro seco

E secará o seu destino seca

Ô chuva, vem me dizer

Se posso ir lá em cima prá derramar você

Ô chuva, preste atenção

Se o povo lá de cima vive na solidão

UNIDADE 2 PalavRa e PeRsuasão 108

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109 A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

Carlinhos Brown

Antônio Carlos Santos de Freitas nasceu em Salvador, Bahia, em 1963.

Cantor, compositor, percussionista e

artista plástico, Carlinhos Brown é líder

da banda Timbalada e tem trabalhos

produzidos em parceria com Arnaldo

Antunes e Marisa Monte, cantora que

gravou a música “Segue o seco” (no álbum Verde, anil, amarelo, cor-de-rosa e

carv‹o, de 1994).

Se acabar não acostumando

Se acabar parado calado

Se acabar baixinho chorando

Se acabar meio abandonado

Pode ser lágrimas de São Pedro

Ou talvez um grande amor chorando

Pode ser o desabotoado céu

Pode ser coco derramando

(Carlinhos Brown. Disponível em: http://www.letras.com.br/

#!marisa-monte/segue-o-seco. Acesso em: 12/2/2016.)

Jack Vartoogian/Getty Images

1. Em “O retrato do sertão”, Patativa do Assaré mostra duas faces antagônicas do sertão.

a. Explique quais são essas faces, utilizando trechos do texto para

comprovar sua resposta.

b. Quais são as críticas que o autor faz ao retratar o sertão? A quem ele

dirige essas críticas? Justifique sua resposta com elementos do texto.

2. Em relação ao texto 2, responda:

a. Na primeira estrofe, o eu lírico cria imagens plásticas a partir da repetição da palavra seca. Considerando o contexto, levante hipóteses:

Quais são essas imagens? Justifique sua resposta com expressões do

texto.

b. Na segunda estrofe, o eu lírico explora determinados sentidos do verbo sacar. Identifique esses sentidos.

3. A propósito da sonoridade de “Segue o seco”, observa-se que o texto tem

um ritmo bem-marcado, principalmente, na primeira estrofe.

a. Tendo em vista o título “Segue o seco”, que ideia esse ritmo sugere?

b. Além do ritmo, a aliteração é bastante explorada no texto. Identifique os fonemas que se repetem e explique o efeito resultante dessa

repetição.

4. No texto “Segue o seco”, há uma crítica semelhante à que é feita no texto “O retrato do sertão”. Qual é essa crítica? Justifique sua resposta com

um trecho do texto.

5. O poema “O retrato do sertão”, a letra da canção “Segue o seco” e o

romance Vidas secas, de Graciliano Ramos, foram produzidos em diferentes momentos do século XX, mas fazem referência aos mesmos problemas, presentes na vida do sertanejo nordestino por várias gerações.

Que papel social esses textos cumprem nas diferentes esferas em que

circulam?

1. b) O autor critica a situação de abandono (“sertão esquecido”) em que o sertanejo vive e a situação de ignorância, que leva a um “voto inconsciente”. Suas críticas são dirigidas aos políticos que, quando candidatos,

fazem promessas de mudança, enganando o povo inocente.

1. a) As faces do sertão são “amar e sofrer”,

pois ali há belezas naturais (“belas tardes de

estio”), cultura popular e alegria (“Uma noite

de São João”, “Tudo dança a noite inteira”),

mas há também miséria (“Sem arado e sem

trator”, “doença e fome”, “analfabetismo”) e

ausência de bens culturais (Não conhece cinema / Teatro, nem futebol”).

Boi magro na terra seca (“A boiada seca / Na enxurrada seca”), a enxada que bate na

terra seca, provocando um forte som seco (“A trovoada seca / Na enxada seca)”.

Os sentidos são “perceber”, nos quatro primeiros versos, e

“tirar para fora bruscamente”, no quinto verso.

Sugere a marcha, a caminhada dos retirantes.

Os fonemas /s/ e /k/. A repetição desses fonemas contribui para a construção sonora e rítmica do texto, ressaltando a ideia de marcha.

A crítica à situação de abandono em que vivem os nordestinos que moram na região agreste, conforme

indica o trecho “o povo lá de cima vive na solidão”.

O papel de sensibilizar os leitores/ouvintes para os problemas dos nordestinos pobres,

que vivem em situação de miséria e de abandono social constante.

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110 UNIDADE 2 PalavRa e PeRsuasão

ENTRE

SABERES

110 UNIDADE 2 PalavRa e PeRsuasão

A obra de Villa-Lobos na

perspectiva de Murilo Mendes

[...]

Confesso que sinto mais o Brasil nas serestas, nos choros,

nas cirandas, nos hinos cívicos de Villa do que nos poemas de

Gonçalves Dias ou Castro Alves, nos romances de José de Alencar e Machado de Assis, nos quadros e painéis de Portinari. É,

sem dúvida, uma opinião pessoal: mas sei de muita gente boa

que pensa assim também. Villa poderá ser desagradável, áspero, barroco, tudo o que quiserem; não só poderão dizer que

não é grande músico. Se disserem isso, sai barulho. Quem não

compreendeu Villa-Lobos não compreendeu esta mistura de

tendências e atitudes, esta vasta ópera desordenada que é o

Brasil — o Brasil que escapa a qualquer classificação acadêmica, que faz o desespero dos sociólogos e dos observadores

munidos de fichas e preconceitos. O Brasil da selva amazônica,

do sertão carioca, do carnaval carioca que morreu, mas cuja

tradição persiste apesar de tudo, o Brasil da política informe,

do candomblé baiano, do bumour mineiro, dos impulsos pernambucanos, dos cantos dos pretos de exílio, o Brasil cético e

supersticioso, desconfiado das soluções convencionais, o Brasil

do ao Deus dará, da sensualidade mole, do lirismo nostálgico,

da ternura, da camaradagem, do coração aberto a todos os povos; este Brasil afro-europeu que querem copacabanizar, standardizar, planificar, cretinizar, mas que resiste... e resiste, antes

de tudo, pela música de Villa-Lobos, este grande herói do Brasil

humano e universal.

Não posso disfarçar o prazer com que escrevo sobre Villa-Lobos. Ninguém poderá esperar de mim artigo técnico, que escapa

à competência desta seção e à minha própria competência: tratase de um simples desabafo de poeta diante do homem a quem

devemos, além de admiração pela sua espantosa, comovida gratidão. Porque, sem sombra de patriotismo, digo que Villa-Lobos

reconstituiu-nos a imagem de um Brasil que, com o surto dos

novos costumes, de americanização, do rádio, etc., talvez se perdesse para sempre, se a sua intuição de artista não no-lo tivesse

gravado, e de maneira genial.

[...]

(Murilo Mendes. Formação de discoteca e outros artigos sobre música.

São Paulo: Edusp, 1993. p. 116-8. Texto publicado originalmente no suplemento

“Letras e Artes”, do jornal carioca A manhã, em 21/9/1947.)

Mundo novo

e velha civiliza•‹o

A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso

território, dotado de condições naturais, se não adversas, largaEntre 1930 e 1945, as concepções estéticas e ideológicas do Modernismo se consolidaram no espaço cultural

brasileiro. Para saber mais sobre os acontecimentos políticos e as produções artísticas e

intelectuais dessa época, leia

os textos a seguir.

O Modernismo e o Estado Novo

Alguns modernistas tiveram seu trabalho financiado pelo Estado Novo. O afresco acima, produzido

por encomenda do governo Vargas, integra a série

“Ciclos econômicos”, de Portinari. A obra tinha em

vista enaltecer os trabalhos que contribuíram para

a construção da civilização brasileira.

Carnaúba (1944), afresco de Cândido Portinari

pintado no Palácio Gustavo Capanema, antiga

sede do Ministério da Educação e Cultura no Rio

de Janeiro.

Coleção particular

ARTE • HISTÓRIA •

LITERATURA

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111 a geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. o debate deliberativo CAPÍTULO 1

A perseguição

antissemita no Estado Novo

Apesar de não ser antissemita,

Getúlio Vargas perseguiu judeus

de origem alemã, a fim de agradar ao governo nazista. Uma de

suas vítimas foi Olga Benário

Prestes, esposa do líder comunista Luís Carlos Prestes, deportada

para a Europa e encaminhada

a um campo de concentração.

Olga foi assassinada em uma câmara de gás em 1942.

(Miguel Castro Grego

et al. Op. cit., p. 172.)

mente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade

brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências. Trazendo de

países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas

ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes

desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra.

Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de

aspectos novos e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização

que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de

nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de

outro clima e de outra paisagem.

Assim, antes de perguntar até que ponto poderá alcançar bom êxito a

tentativa, caberia averiguar até onde temos podido representar aquelas

formas de convívio, instituições e ideias de que somos herdeiros.

[...]

(Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995. p. 31.)

O Brasil e a Segunda

Guerra Mundial

Em agosto 1942, pressionado por manifestações populares que defendiam a democracia no país, o governo do Estado Novo abandonou a neutralidade e declarou querra ao Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão.

A atuação militar brasileira, porém, só se efetivou em 1944, quando os pracinhas — soldados brasileiros que integravam a FEB, força militar criada

em 1943 para participar da guerra — desembarcaram na Itália, liderados

pelo general Mascarenhas de Morais.

A preparação militar da Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi feita

pelos norte-americanos no Kansas, centro-oeste dos Estados Unidos, entre

1943 e 1944. A demora dessa preparação e a desconfiança quanto à capacidade militar dos soldados brasileiros levaram o povo a criticar a FEB e a

participação do Brasil na guerra.

Entre 1944 e 1945, o país enviou a combate cerca de 25 mil soldados. Na

opinião de alguns, seu papel no conflito foi estratégico, mesmo com a Itália tendo sido vencida e os exércitos alemães tendo mantido sua posição

no território italiano.

[...]

Com o fim da guerra, em agosto de 1945, os soldados brasileiros voltaram a sua pátria e comemoraram a vitória. Para Vargas, isso teve um

sabor amargo: os próprios soldados passaram a questionar a incoerência

da luta contra a ditadura nazista em nome da democracia num momento em que, dentro do próprio Brasil, as liberdades civis eram limitadas

por um regime ditatorial.

Em seu retorno, os pracinhas foram recebidos como heróis em várias

manifestações populares realizadas em todo o país.

(Miguel Castro Cerezo et al. Enciclopédia do estudante − História do Brasil −

das origens ao século XXI. São Paulo: Moderna, 2008. v. 16, p. 174-5.)

Cartaz do filme brasileiro que conta a

vida de Olga Benário, lançado em 2004.

Olga: Muitas paixões numa só vida. Direção: Jayme Monjardim. [S.I.]: Globo Filmes, 2004

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UNIDADE 2 PalavRa e PeRsuasão 112

Agora, discuta com os colegas:

1. Na década de 1930, muitos intelectuais faziam uma análise crítica da realidade brasileira com base em seus aspectos sociológico, antropológico e político-econômico.

Um dos importantes pensadores desse período foi o historiador Sérgio Buarque de

Holanda (1902-1982), que, na obra Raízes do Brasil (1936), refletiu sobre o processo de

formação da sociedade brasileira. De acordo com o texto “Mundo novo e velha civilização”, de sua autoria, por que o brasileiro é um desterrado em sua própria terra?

2. O maestro e compositor Heitor Villa-Lobos é considerado o expoente da música modernista no Brasil e um dos principais nomes da música clássica do país. Qual era a

importância da música desse compositor, na opinião de Murilo Mendes, e por que ele

considerava a música de Villa-Lobos o retrato do Brasil?

Porque nossas ideias, nossas formas de convívio e nossas instituições não

são propriamente brasileiras, pois seguem modelos culturais europeus que

foram aqui implantados.

A importância da música de Villa-Lobos é ser uma mistura de tendências e tradições, como o Brasil, e, em meio aos novos costumes da época, tais como o rádio e a americanização, permanecer como um retrato cultural legitimamente brasileiro.

3. Na Segunda Guerra Mundial, o Brasil se posicionou ao lado dos Aliados (grupo de

países formado pelo Reino Unido, pela França, pela Polônia e pelos Estados Unidos),

lutando contra os países do Eixo. Essa participação na guerra evidenciou uma contradição do governo de Vargas que contribuiu para o fim do Estado Novo. Em que

consiste tal contradição?

A contradição de combater na guerra o que se praticava internamente, ou seja, o Brasil lutou contra a ditadura nazista, embora

o próprio governo de Vargas fosse um regime ditatorial que cerceava as liberdades civis, além de perseguir judeus alemães.

Bachiana n¼ 2: ÒO trenzinho do caipiraÓ

As Bachianas brasileiras, uma série de nove composições escritas por Heitor

Villa-Lobos (1887-1959) entre 1930 e 1945, estão entre as mais populares do

músico. Nessa obra, o compositor se inspirou na música barroca de Johan Sebastian Bach e na música folclórica brasileira, da qual fez uso de instrumentos

como o chocalho, o reco-reco, o ganzá e o pandeiro, entre outros. “O trenzinho

do caipira”, da Bachiana no

2, é uma peça bastante conhecida e se caracteriza

por imitar o som que uma locomotiva faz assim que começa a funcionar.

Anos depois da composição de “O trenzinho caipira”, o poeta Ferreira Gullar

escreveu uma letra para acompanhar sua melodia: “Lá vai o trem com o menino

/ La vai a vida a rodar / La vai ciranda e destino / Pro dia novo encontrar [...]”.

Ouça na Internet essa composição de Heitor Villa-Lobos e a versão com a

letra de Ferreira Gullar.

Estrada 47

O filme brasileiro Estrada 47, baseado em fatos reais, narra o drama vivido por um grupo de soldados da FEB

durante a Segunda Guerra, depois de

sofrer um ataque de pânico coletivo nas

imediações do Monte Castelo, na Itália.

Cena do filme

Estrada 47, de 2015.

Primo Filmes

AFP

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113 a geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. o debate deliberativo CAPÍTULO 1

MUNDO DIVERSIDADE CULTURAL

Você viu nesta unidade que o Brasil, embora tenha lutado contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial, viveu no próprio território, na mesma época, uma ditadura que

cerceava direitos civis e perseguia judeus alemães.

O texto a seguir comenta a atual situação de busca de refúgio no Brasil por migrantes

de origem não europeia. Leia-o e, depois, discuta com os colegas e o professor as questões

propostas.

Por que integrar Ž preciso?

O desastre em Mariana (MG) foi um triste exemplo do que é perder parte da vida

abruptamente. Pessoas que fogem de seus países por medo da destruição causada por

conflitos ou catástrofes naturais vivenciam traumas. Os mais de 20 milhões de refugiados ao redor do mundo carregam histórias que não cabem em suas bagagens. GarantirRodrigo Gazzanel/FuturaPress

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114 UNIDADE 2 PalavRa e PeRsuasão

lhes dignidade e condições para exercer o direito à vida e seu desenvolvimento deve ser

a premissa que orienta políticas de acolhimento e integração.

Embora mais de 5 mil solicitações de refúgio já tenham sido indeferidas pelo Conare, o Brasil tem mantido uma postura de acolhimento a refugiados – hoje mais de 

mil no país. Facilitar o acolhimento é importante porque uma via legal e segura para

acessar o país é uma das formas de combate à exploração no transporte e contrabando

de pessoas.

Com uma população de mais de 200 milhões, dos quase 1 milhão de estrangeiros

residentes no Brasil a maioria tem origem europeia, segundo dados da Polícia Federal

até outubro de 2015. Enquanto estrangeiros seriam quase 0,5% da população residente

no país, aqueles com status de refúgio somam quase 0,004% – cifra bastante modesta

para justificar afirmações sobre o risco que trazem ao mercado de trabalho.

Enquanto a xenofobia pouco atinge aqueles de origem europeia, casos de crimes

de ódio contra congoleses, haitianos e migrantes de países em desenvolvimento foram

reportados pela mídia em 2015. A infeliz e precipitada associação entre o Islamismo e o

terrorismo é também frequente. O Congresso tem reconhecido o problema e convocado audiências sobre o assunto. O Ministério da Justiça empregou esforços em campanha contra a xenofobia, frustrados após um deslize.

[...]

Promover a integração é também uma oportunidade para promover um desenvolvimento saudável da sociedade civil e da democracia e manter o patrimônio que é a

diversidade brasileira. Para refugiados congoleses atendidos pelo Adus: “O Brasil é um

país solidário, eu senti o amor do povo brasileiro. Aqui pode ter crime e violação, mas

também tem amor. Politicamente sou refugiado, mas culturalmente não. Meus ancestrais africanos também estão aqui, meus irmãos e família, então eu tenho que ter direitos como as pessoas que estão aqui. O Brasil tem uma capacidade grande, tem mais

pra ajudar.” 

Marcelo Haydu é diretor do Adus | Instituto para Reintegração de Refugiados, instituição que desde  atende refugiados, solicitantes de refúgio e pessoas em situação análoga ao refúgio nos programas de reintegração,

orientação de trajeto e advocacy.

(Disponível em: http://www.adus.org.br/2016/01/por-que-integrar-e-preciso/#sthash.yZrfvdvE.dpuf. Acesso em: 12/2/2016.)

1. A perseguição a estrangeiros pode ser considerada atualmente uma prática superada?

2. Você conhece ou convive com algum imigrante? Como é a situação de vida dele no país?

3. Você conhece alguém que saiu do Brasil para viver em outro país? Como é a situação

de vida dessa pessoa em terras estrangeiras?

4. Você considera que tem motivos para sair do Brasil e viver em outro país? Em quais

países viveria? Por quê?

5. Qual é a sua opinião sobre o Brasil receber imigrantes?

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

115 A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

LÍNGUA E LINGUAGEM

Regência nominal

FOCO NO TEXTO

Leia o fôlder a seguir.

(Disponível em: http://www.mppe.mp.br/mppe/cidadao/campanhas/ultimas-noticias-campanhas/

188-acao-bem-me-quer-combate-a-violencia-contra-a-mulher. Acesso em: 10/3/2016.)

1. Observe os créditos na parte central do fôlder e relacione-os ao texto à direita.

a. Qual é a instituição que o produziu?

b. A quem ele se dirige?

c. Qual é a campanha por ele divulgada?

O Ministério Público de Pernambuco.

À sociedade em geral, mas especialmente a pessoas que

conhecem mulheres que sofrem violência doméstica.

Campanha de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

REGISTRE

NO CADERNO

Ação Bem-me-quer - combate à violência contra a mulher

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116 UNIDADE 2 Palavra e Persuasão

2. Releia o enunciado principal:

“Alguém que você quer bem sofre com a violência doméstica?”

Relacione-o às imagens do fôlder:

a. Compare as imagens da flor à direita e ao centro: Qual é a diferença entre elas?

b. Há uma expressão desse enunciado que remete a uma brincadeira relacionada a

flores. Qual é essa expressão e qual é a brincadeira?

c. Levante hipóteses: O que representam as imagens de cada uma das duas flores e

qual é a relação entre elas e o assunto abordado no fôlder?

3. No capítulo anterior, você estudou regência verbal. No enunciado principal do fôlder,

a regência do verbo querer não está de acordo com a norma-padrão.

a. Identifique qual é esse desacordo.

b. Como ficaria a construção na norma-padrão?

c. Com base em sua resposta ao item b, discuta com os colegas e o professor e levante hipóteses: Por que se optou, no fôlder, por utilizar a forma não convencional da

regência?

4. Releia o texto verbal à esquerda do fôlder.

a. Segundo ele, além das campanhas, quais são as outras ações realizadas pela

instituição?

b. Sem voltar ao fôlder, escreva em seu caderno as expressões a seguir, relacionando

as duas colunas de acordo com o sentido geral do texto.

unido dos direitos

combate contra a mulher

violência à violência

redução de estudos

apoio a você

elaboração da violência

implementação à mulher

c. Discuta com os colegas e o professor: Além do sentido do texto, qual outra estratégia você utilizou para conseguir relacionar as colunas no item b?

5. Releia a primeira coluna do item b da questão 4 e levante hipóteses:

a. Quais desses nomes derivam de verbos? Identifique-os, bem como aos verbos dos

quais derivam.

b. As preposições regidas pelos nomes são as mesmas regidas por seus respectivos

verbos? Justifique sua resposta com exemplos.

6. Seguindo o mesmo princípio da questão 5:

a. Indique quais nomes derivam dos seguintes verbos: chegar, disputar, perder, cortar,

embarcar.

b. Discuta com os colegas e o professor e encontre outras duplas de verbo e nome

correspondente.

Uma imagem é maior e está se despetalando; a outra é menor e está inteira.

A expressão quer bem remete à brincadeira bem-mequer, na qual se vão tirando as pétalas das margaridas.

A flor despetalada representa a mulher que sofre violência e a

flor inteira representa a mulher que tem seus direitos respeitados, com apoio do Ministério Público.

Segundo a norma-padrão, querer com sentido de “ter afeto por”

rege a preposição a (é transitivo indireto).

Alguém a quem você quer bem sofre com a violência doméstica?

Professor: Abra a discussão com a classe: para se aproximar mais da população, com uma linguagem mais

próxima da fala, porque na forma com a regência padrão haveria uma repetição excessiva do som “em”, etc.

Elaboração de estudos, pesquisas e projetos e implementação dos direitos da mulher.

unido a você, combate à violência, violência contra

a mulher, apoio à mulher, elaboração de estudos,

redução da violência, implementação dos direitos

As preposições que cada uma dessas palavras exige ou aceita como complemento.

Unido (unir), combate (combater), redução (reduzir), apoio (apoiar),

elaboração (elaborar), implementação (implementar).

Em alguns casos, sim, como unido a você e ele se uniu a você.

Em outros, não, como em combate à violência e ele combateu

a violência, ou implementação de projetos e o órgão implementa projetos.

Chegada, disputa, perda, corte, embarque.

Possibilidades variadas de respostas, entre elas: estudar – estudo, perdoar – perdão, palpitar –

palpite, divulgar – divulgação, acertar – acerto.

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língua e

linguagem

117 A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

No estudo do fôlder, você viu que alguns nomes se ligam a seus complementos por

preposições. É o caso de expressões como combate à violência, apoio à mulher, elaboração

de estudos. Há nomes que admitem preposições variadas dependendo do contexto em

que ocorrem, podendo ou não mudar seu sentido. A ligação entre os nomes e seus complementos é chamada de regência nominal. Assim:

Reg•ncia nominal é o princípio pelo qual os nomes se

ligam a seus complementos.

Como falante nativo da língua portuguesa, você certamente conhece as preposições que complementam nomes e quais são seus respectivos sentidos. É importante saber, entretanto, que as regras podem variar, seja entre uma variedade linguística e outra, seja de acordo com a formalidade da situação. Portanto, elencamos a

seguir os principais nomes e as preposições regidas por cada um deles segundo a

norma-padrão.

Não há necessidade de memorizar essas regências; é, porém, interessante conhecê-las, para fins de consulta e em caráter de informação complementar. Caso você

pretenda produzir um texto escrito em situações formais ou em exames e avaliações,

a indicação é que você dê preferência a essas formas, sempre atento(a) às diferenças

de sentido.

acessível a disposto a oposto a

adequado a dúvida em, sobre orgulhoso com, para, para com, de

admiração a, por erudito em paciência com

agradável a, escasso de paralelo a

alheio a, de fácil de perito em

análogo a fiel a perto de

ansioso de, para, por grato a, por piedade de

apto a, para hábil em possível de

atentado a, contra horror a posterior a

atento a, em impaciência com preferível a

aversão a, por inábil para prejudicial a

avesso a incompatível com pronto para, em

ávido de, por livre de propenso a, para

capacidade de, para longe de querido de, por

capaz de, para maior de, entre sedento de, por

caro a mau com, para, para com sensível a

cego a medo de temeroso de

comum a, de menor de último em, de, a

contemporâneo a, de natural de útil a, para

contrário a, de necessário a visível a

curioso de, para nocivo a vizinho a, de

desatento a obediência a

digno de obrigação de

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118 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

APLIQUE O QUE APRENDEU

Leia o cartum abaixo, de Angeli, e responda às questões de 1 a 3.

A nominaliza•‹o

A nominalização é uma estratégia argumentativa que auxilia na construção

de sentidos. Optar pela utilização de

formas nominais produz alguns efeitos

no texto. Entre eles:

• toma-se como pressuposto que

o fato ao qual se faz referência é

verdadeiro. Por exemplo, quando

se diz a concentração de renda

e a discriminação social, esses

fatos são tratados como verdades

comprovadas, ou seja, a renda se

concentra e a sociedade discrimina;

• o enunciador transforma a ação

nominalizada em um objeto visto

pela perspectiva dele, com o objetivo

de engajar o leitor no seu ponto de

vista a respeito de uma verdade já

conhecida e admitida também por

seus interlocutores.

(Disponível em: http://profirmeza.blogspot.com.

br/2010/04/cartum-exemplos_28.html. Acesso

em: 10/3/2016.)

1. Observe a parte não verbal do cartum e levante hipóteses:

a. Que relação há entre as mulheres que descem a escada e a mulher

que está no centro do cartum? Justifique sua resposta com base no

desenho.

b. A qual tipo de situação social são adequadas as vestimentas do homem e da mulher ao centro do cartum?

c. Essas vestimentas condizem com o evento ao qual eles vão?

d. O comportamento do homem e da mulher condiz com o propósito

desse evento? Justifique sua resposta.

2. Releia o seguinte trecho da fala da mulher:

“uma passeata contra a concentração de renda e a discriminação social”

a. A quais verbos correspondem os nomes passeata e concentração?

b. Quais termos são regidos pelos nomes passeata e concentração?

c. De qual verbo deriva o nome discriminação? Substitua o termo que

acompanha o nome discriminação na fala da mulher por outro equivalente, utilizando uma preposição.

d. Reescreva a fala da mulher, fazendo as alterações necessárias para

tornar a fala coerente com o comportamento dela.

1. a) Elas são empregadas, pessoas que estão

a serviço da mulher ao centro, pois cuidam da

cauda de seu vestido e carregam seus pertences. Além disso, estão todas com o mesmo

uniforme, típico de domésticas.

A um evento supostamente

formal e elegante.

c) Não, pois uma passeata é um evento que

ocorre nas ruas, no qual as pessoas andam

longas distâncias e em geral se vestem informalmente, com jeans ou moletom, tênis,

sapatilhas, sandálias baixas, camisetas.

d) Não, pois a vida abastada deles reproduz

exatamente os problemas contra os quais eles

vão protestar, uma vez que eles provavelmente concentram uma grande renda e discriminam socialmente seus próprios funcionários.

Passear e concentrar.

Respectivamente, contra a concentração de renda e a discriminação social e de renda.

Deriva de discriminar. / discriminação dos pobres

“Participar de uma passeata a favor da concentração de renda e da discriminação social” ou “Participar de uma passeata contra a distribuição de renda e a igualdade social”. Angeli

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

119

A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

Repúblika

3. É possível considerar que o cartum ironiza o comportamento de um segmento social

específico.

a. Qual é esse segmento?

b. Explique como se constrói essa ironia com base nos textos verbal e não verbal do

cartum.

Leia o cartaz a seguir e responda às questões 4 e 5.

Os ricos.

A ironia se constrói com base no fato de que o comportamento da mulher, retratado

pelo texto não verbal, mostra o contrário do que está na sua fala.

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4. Complete a frase a seguir, trocando a locução verbal está aumentando por um nome

e utilizando a preposição adequada para conectá-la ao termo desperdício.

desperdício é preocupante.

5. Releia o texto inferior do cartaz e relacione-o à imagem central.

a. Quais termos complementam o nome desperdício?

b. Qual é a relação entre a imagem central e esses termos?

c. Para evitar a repetição e ganhar síntese – o que é desejável na linguagem publicitária –, o anunciante preferiu deixar a preposição de subentendida. Reescreva o trecho, repetindo a preposição, e discuta com os colegas e o professor: Há diferenças

de sentido entre as duas construções? Qual forma vocês preferem? Por quê?

O aumento do

de água e energia

A imagem central traz um único desenho formado por uma lâmpada e uma gota de água, que remete aos dois complementos.

Evite o desperdício de água e de energia.

5. c) Professor: Abra a discussão: as duas formas são possíveis, a primeira é mais econômica, direta, pode servir melhor a um texto publicitário, ao passo que a

segunda enfatiza cada um dos complementos, evitando qualquer possível problema de leitura.

(Disponível em: blogfurb.

blogspot.com.br/2013/06/

campanha-contra-desperdiciona-furb.html. Acesso em:

29/6/2017.)

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120 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia a letra da música a seguir e responda às questões de 1 a 5.

O Rio Severino

Um tísico à míngua espera a tarde inteira

Pela assistência que não vem

Mas vem de tudo n’água suja, escura e espessa deste

Rio Severino, Morte e Vida vêm

Mas quem não tem ABC não pode entender HIV

Nem cobrir, evitar e ferver

O rio é um rosário cujas contas são cidades

À espera de Deus que dê

Quem possa lhes dizer

Me diz o que é que você tem

O que é que eu posso te dizer?

Me diz o que é que você tem

É muita gente ingrata reclamando de barriga d'água cheia

São maus cidadãos

É essa gente analfabeta interessada em denegrir

A boa imagem da nossa nação

És tu Brasil, ó pátria amada, idolatrada

Por quem tem acesso fácil a todos os teus bens

Enquanto o resto se agarra no rosário, e sofre e reza

À espera de um Deus que não vem

(Herbert Vianna. © Edições Musicais Tapajós.)

1. Os nove primeiros versos da canção expõem uma situação social.

a. Qual é a situação descrita?

b. Tendo em vista que essa canção foi escrita há mais de vinte anos, discuta com os colegas e o professor: Ainda é possível considerar atual o

problema exposto?

2. Releia os seguintes versos:

“Mas quem não tem ABC não pode entender HIV

Nem cobrir, evitar e ferver

O rio é um rosário cujas contas são cidades”

Levante hipóteses:

a. No contexto da canção, qual é o sentido geral das siglas ABC e HIV?

b. A que princípios se referem as ações de “cobrir, evitar e ferver”, citadas na canção?

c. Explique a imagem criada pela metáfora “o rio é um rosário cujas contas

são cidades”?

à míngua: em um estado de extrema pobreza.

rosário: fileira de pequenas contas dispostas

de maneira sucessiva, representando cada

uma delas uma oração.

tísico: indivíduo tuberculoso ou, no sentido

figurado, muito magro.

Uma situação de pobreza, caracterizada pela falta

de assistência, saneamento básico e educação.

Sim, ainda há regiões extremamente pobres que sofrem com os problemas elencados.

Educação e doenças.

Aos princípios de cuidado com a saúde e prevenção de doenças.

A de que o rio é como uma fileira contínua com

inúmeras cidades em sequência na sua margem.

Vida severina

Você estudou na seção Literatura,

na obra Vidas secas, de Graciliano Ramos, o tema da seca no Brasil.

Outros autores também exploraram

assuntos relacionados ao sertão brasileiro, como Rachel de Queiroz, Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto.

Este último é autor da obra Morte e vida

severina, que você vai estudar na próxima unidade, com a qual a canção “O Rio

Severino” trava um diálogo direto.

O texto é um auto de Natal pernambucano e conta a história de Severino,

um retirante nordestino que viaja, seguindo o curso do rio Capibaribe, de sua

terra natal até a cidade de Recife.

Cena do filme Morte e vida

severina (1977).

Juscelino Souza/Agência A Tarde/FuturaPress

Zelito Viana

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

121 A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

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3. Nos oito últimos versos são sobrepostas duas vozes distintas, que podem ser identificadas no contexto da canção.

a. Identifique de quem são essas duas vozes.

b. Essas vozes confrontam dois grupos de indivíduos. Quais são eles?

c. Discuta com os colegas e o professor e conclua: Qual efeito de sentido a contraposição dessas vozes produz na canção?

4. Compare os versos:

“Um tísico à míngua espera a tarde inteira / Pela assistência que não vem”

“À espera de um Deus que não vem”

a. Quais são os complementos do termo em destaque nas duas ocorrências?

b. Levante hipóteses: Tendo em vista o contexto exposto na canção, quais poderiam

ser os possíveis termos regidos pelo nome assistência, com e sem preposição?

c. Levante hipóteses e discuta com os colegas e o professor: Por que a palavra espera

rege preposições diferentes nas duas ocorrências? Justifique sua resposta.

5. Releia estes fragmentos:

“gente analfabeta interessada em denegrir”

“pátria amada, idolatrada por quem tem acesso fácil a todos os teus bens”

“À espera de um Deus”

a. Identifique quais complementos se ligam aos nomes em destaque por meio de

preposições.

b. Releia o boxe “A nominalização”, na página 118, e discuta com os colegas e o professor: Qual sentido a utilização de formas nominais ajuda a construir na segunda

parte da canção?

6. A nominalização é um recurso muito comumente utilizado em textos jornalísticos.

Leia as manchetes a seguir, adaptadas de manchetes reais.

I. Prefeitura pretende criar instituições especializadas em crimes contra o patrimônio público

II. Políticos investigados por entidade de desvio de recursos públicos devem permanecer suspensos

III. Manifestantes sem-teto entram em confronto com policiais em protesto contra

o governo

IV. Homem é condenado por matar filho em crise de depressão

a. Identifique os complementos dos nomes em destaque.

b. Quando utilizada em excesso, a estratégia da nominalização pode dar origem a

textos imprecisos ou ambíguos. Encontre a ambiguidade existente em cada uma

das manchetes lidas.

c. Reescreva-as, escolhendo um sentido e eliminando o problema de ambiguidade.

Professor: Se possível, ouça a canção com os alunos. Nesses últimos versos, há

inclusive uma mudança na melodia e na cadência da música.

A voz do eu lírico da canção e a voz de uma parcela rica da população.

Pessoas analfabetas e pobres, que reclamam de seus problemas, e pessoas que têm acesso a muitas vantagens.

Mostra que as classes mais abastadas veem os mais pobres como uma “gente ingrata reclamando de barriga d’água cheia”, como “maus cidadãos”. Ao confrontar essa outra voz a tudo o

que diz na canção, o eu lírico sugere que essa é uma visão parcial e distorcida da realidade, pois

vem de um grupo de pessoas “que tem acesso fácil” aos bens e, portanto, não teria condições

de julgar os demais.

pela assistência e de um Deus.

Possibilidades variadas, entre elas:

de saúde e do governo.

Na primeira ocorrência, espera é uma forma verbal que rege a preposição por, enquanto, na segunda, é um substantivo, que

rege a preposição de. Como visto, verbos e seus nomes derivados nem sempre regem as mesmas preposições, daí a diferença.

“em denegrir”, “por quem tem acesso fácil a todos os seus bens”, “a todos os seus bens”, “de um Deus”.

5. b) O sentido de descrição de uma realidade

dada, inquestionável. É

como se os grupos de

pessoas descritos tivessem historicamente

essas características e

essa realidade persistisse por muito tempo.

I. “em crimes”, “contra o patrimônio público”; II.

“por entidade”, “de recursos públicos”; III. “com

policiais”, “contra o governo”; IV. “por matar filho”,

“de depressão”.

6. b) Em I, as instituições

podem ser especializadas

em cometer ou em solucionar os crimes; em II, a entidade pode ser a responsável pela investigação ou

pode ter sido organizada

pelos políticos investigados para desviar recursos;

em III, os sem-teto ou os

policiais poderiam estar

fazendo o protesto contra

o governo; em IV, o homem

ou o filho poderia estar em

crise de depressão.

c) Entre outras possibilidades: I. “Prefeitura pretende criar instituições especializadas em solucionar

crimes contra o patrimônio

público”; II. “Políticos investigados por organizar

uma entidade de desvio de

recursos públicos devem

permanecer suspensos”;

III. “Manifestantes semteto que protestavam contra o governo entram em

confronto com policiais”;

IV. “Homem é condenado

por matar filho que passava por uma crise de depressão.”

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122 UNIDADE 2 PalavRa e PeRsuasão

O que Ž o Estatuto da Fam’lia?

O Estatuto da Família é um projeto de

lei em análise na Câmara dos Deputados cujo objetivo é definir o que pode

ser considerado juridicamente uma família no Brasil. A Constituição de 1988

define que família é o resultado da

união entre um homem e uma mulher ou

um dos pais e seus filhos. Em 2011, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF)

decidiu que pessoas do mesmo sexo podem se unir juridicamente, constituindo

família, e, assim, ter os mesmos direitos

que os casais heterossexuais. O projeto

de lei do Estatuto da Família é uma tentativa de reagir à decisão do STF. Os que

o defendem querem reafirmar o conceito de família da Constituição de 1988 e

negar às outras configurações afetivas

o acesso a direitos como pensão, INSS

e licença-maternidade.

PRODUÇÃO DE TEXTO

O debate deliberativo

o CoNtexto de Produção e reCePção doS textoS

Quais textos você produzirá nesta unidade? Com que finalidade? Quem vai ler

seus textos?

Nesta unidade, nosso projeto é a organização, pela classe, de uma feira de cidadania, aberta a toda a comunidade escolar e do bairro. Nela, serão realizadas oficinas

relacionadas a profissões e mercado de trabalho, participação cidadã e deliberações

comunitárias, direitos do consumidor, etc.

Com vistas à realização da feira, estudaremos no decorrer dos capítulos os seguintes gêneros: o debate deliberativo, o relatório, o currículo e as cartas argumentativas de solicitação e de reclamação.

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, a transcrição de um trecho de uma reunião deliberativa realizada

na Câmara dos Deputados na qual foi votado o projeto de lei do Estatuto da Família. Na

reunião, participantes contrários à aprovação do projeto fizeram requerimentos, isto é,

petições por escrito em que manifestavam seu posicionamento, enquanto os participantes favoráveis apresentaram seus argumentos.

Presidente: Senhoras e senhores deputados, senhoras e senhores presentes, [...] declaro aberta a 12» reunião da comissão especial destinada

a proferir parecer ao projeto de lei número .53 de 2013, Estatuto da

Família [...]. Informo que a lista de inscrição para discussão da matéria

estará aberta na nossa assessoria, os senhores e senhoras deputadas

que desejarem se inscrever queiram fazê-lo até o início da discussão,

quando serão encerradas definitivamente as inscrições. [...]

Participante 1: Senhor presidente, para discutir...

Presidente: Sim, nobre deputada Érika Kokay [Participante 1]. Com vossa excelência a palavra, três minutos, ok? Por favor.

Participante 1: Senhor presidente, eu penso que essa sessão de hoje

tem um caráter histórico. Ela tem um caráter histórico para saber

se nós vamos caminhar para as trevas, ou se nós vamos caminhar

para uma sociedade que tenha a clareza solar de assegurar o direito

de todas e todos [...]. Nós estamos aqui discutindo se vamos rasgar a

constituição, que assegura que todas e todos têm direito à família, ou

se nós vamos dizer que apenas alguns seres humanos têm direito à

família. Se nós vamos negar a família enquanto instrumento fundamental para a construção da nossa própria concepção de vida, ou para nossa

própria humanidade. Alguém aqui acredita que a família é algo que não tem

importância? Porque quando se restringe o direito à família a apenas parte da

população brasileira nós estamos dizendo de forma muito nítida e clara que

a família não é importante para o ser humano, que a família não é importante para a sociedade, porque se a família tem a importância que eu acho que

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123Produção de texto

A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

ela tem, a família é fundamental para a construção do ser humano [...], nós

temos que assegurar o direito à família para todas e todos. [...] Em programa

televisivo, o relator chegou a dizer que já se identificaram mais 100, 195 arranjos familiares, ele desconsidera 193, ele desconsidera a maioria desses arranjos

familiares, porque ele diz que família não precisa ter afeto, que família não

precisa ser um universo de felicidade [...] Famílias, ora, famílias, elas mudam,

de acordo com as relações econômicas, sociais e culturais, a família de hoje não

é a mesma família de 30, 40 anos atrás...

Presidente: Para encerrar.

Participante 1: e eu não posso, para encerrar, senhor presidente, reduzir e engessar a concepção de família e, fundamentalmente, eu não posso esterilizar a

família das relações de afeto e de amor. [...]

Participante 2: Presidente, eu gostaria de contraditar.

Presidente: Obrigado, nobre deputada. Eu vou

conceder a palavra, para contraditar, ao deputado

Carimbão [Participante 2] que, impossibilitado inclusive de saúde, teve todo esforço e o empenho

para estar aqui hoje, mesmo não sendo membro

dessa comissão, vossa excelência engrandece essa

comissão, passo a palavra para vossa excelência

para contraditar. Três minutos, por favor.

Participante 2: Muito obrigado, deputado. Estou

com dois dias de licença [...], mas fiz questão de vir

aqui registrar minha posição. [...] Temos uma relação respeitosa com os companheiros e com a companheira Érika Kokay, mas tem que entender que isso é um

parlamento, 513 deputados foram eleitos [...] para representar a população brasileira. Existem maiorias, existem minorias, todos devem ser respeitados, mas

também devem ser respeitadas as decisões do coletivo. Aqui tem capitalista, socialista, liberal, neoliberal, que defendem família como conceito com homem e

mulher, pessoas que defendem como duas mulheres e dois homens [...]. Porém

aqui [...] a comissão foi assim que decidiu [...] aqui os senhores deputados decidiram que a família é homem e mulher [...]. Eu estou aqui em nome de uma parcela

da sociedade. [...] É hipocrisia dizer “eu estou aqui em nome do povo brasileiro”.

Não. [...] Nós representamos parcelas da sociedade. E a maior parcela da sociedade que mandou para o Congresso Nacional diz que o Estatuto da Família deve

ser homem e mulher, ou seja, nós temos legitimidade em nome da sociedade

brasileira. Respeitando, não é confronto, não é questão de querer humilhar, não.

É uma questão obviamente de convicções, de consciência e de compromisso com

as bases. Eu estou aqui em nome disso [...]. Eu estou aqui para dizer abertamente.

Eu fui candidato, registrei, “eu sou a favor da família homem e mulher”, eu não

tenho o direito de fazer isso? E o povo me elegeu deputado por oito mandatos

que eu tenho. [...] Era só isso, senhor presidente.

Presidente: Muito obrigado, nobre deputado. Nós ouvimos um a favor, contrário.

[...] Nós temos requerimento sobre a mesa, assina o deputado Bacelar [Participante 3], a quem eu passo a palavra para defender seu requerimento.

Participante 3: [...] Quem foi que deu ao Estado o poder de decidir o que

é um casamento? Esse não é um poder, esse conceito não é um poder do

Estado. [...] Na sociedade nós temos inúmeras, inúmeros arranjos de união

que são o conceito de família, que levam ao conceito de família. A família,

O Estatuto da

Família provocou

na sociedade uma

enorme discussão

sobre quais grupos

de pessoas podem

ser considerados uma

família.

Rony Costa/Finephoto

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124 UNIDADE 2 Palavra e Persuasão

mesmo que majoritária, ela não é a família nuclear tradicional. O que será

de milhares e milhares de crianças brasileiras, de adolescentes brasileiros

que não terão seus direitos assegurados? Eu fico a me perguntar que defesa

é essa do fortalecimento da família, que princípio cristão é esse que preside essas iniciativas que são iniciativas altamente discriminatórias, que

são iniciativas altamente violentas, o senhor, o senhor relator diz no seu

relatório que o afeto, o afeto não pode ser considerado como elemento construtivo de uma relação que possa ser considerada como casamento, como

constituição de família. O afeto está na base da felicidade humana, senhor

relator, o afeto é elemento fundamental na construção de uma sociedade e

há jurisprudência considerando o afeto como elemento constitutivo da família, na própria decisão do STF [Supremo Tribunal Federal], há sim, senhor

presidente, há sim, decisões que mostram a importância de considerar as

uniões afetivas. Como então considerar só um tipo de família? Por que cabe

ao Estado dizer que tal relação afetiva deve ser considerada e que outra

relação afetiva não deve ser considerada? [...] O relatório é uma violência

contra a dignidade humana, é uma violência contra os direitos humanos, é

altamente inconstitucional, porque discrimina, porque não promove a dignidade humana e a igualdade entre as pessoas.

[...]

Presidente: Muito obrigado, deputado. [...] Os

deputados que são a favor do requerimento

permaneçam como estão, os que são contrários, por favor, se manifestem. [...] Em votação, o projeto [...]. Para falar a favor, o deputado Evandro Gussi [Participante 4].

Participante 4: Senhor presidente, como já

disse em outras oportunidades, aqueles que

participaram efetivamente dessa comissão

puderam comprovar no seu dia a dia [...] o

grande trabalho dessa comissão [...] Ao lado

disso, senhor presidente, há uma confusão

aqui, uma confusão filosófica, entre afeto e

amor. Esses são temas da filosofia. Eu citaria uma existencialista do século XX,

não estou voltando à Idade Média. Hanna Arendt tem uma obra sobre o amor,

é a sua tese de doutorado, na Alemanha, diga-se de passagem. E deixa ali muito

clara a distinção entre o afeto e o amor. Afeto, como o próprio nome diz, vem

de afetação, ou seja, como os meios externos, eles nos atingem. Amor, por outro

lado, é decisão deliberativa de vontade iluminada pela razão. E que pode inclusive sujeitar, sujeitar, a nossa sensibilidade os nossos sentidos. Por isso, a família

é constituída no amor, a família não é constituída no afeto que, de certa maneira inadvertida, foram comparados aqui nessa comissão, mas que são de fato

incomparáveis. Portanto, senhor presidente, para concluir, nós temos aqui um

dado natural que é a família, que é base da sociedade e que precisa, e que precisa

ser garantida. Nós queremos que todas as pessoas que sejam homossexuais tenham os seus direitos garantidos, e contem comigo aqueles que tiverem direitos

usurpados. Mas a constituição diz que a família merece uma especial proteção,

merece especial proteção porque é base da sociedade, é base da sociedade porque é condição sine qua non para a criação e formação dos membros da sociedade, ou seja, das pessoas humanas. Isso está amplamente consolidado no relatório

[...] Meus parabéns! Sim à família, amanhã, hoje e sempre.

Gilmar Felix / Câmara dos Deputados

sine qua non:

indispens‡vel, essencial.

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P:127

125PRODUÇÃO DE TEXTO

A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

Presidente: Obrigado, deputado Gussi, vossa excelência também enaltece

muito essa comissão com sua participação constante aqui conosco. [...] Aqueles que concordam com o parecer do relatório permaneçam como estão, os

contrários, por favor, se manifestem. [...]. Proclamo o resultado, o relatório é

aprovado [...].

(Reunião deliberativa ordinária do Estatuto da Família de 24/9/2015.

Disponível em: www.youtube.com.br. Acesso em: 4/1/2016.)

1. Chama-se debate a uma discussão em torno da qual os participantes argumentam

a favor de seus pontos de vista, a fim de convencer seus interlocutores. Identifique

elementos que comprovam que na reunião transcrita houve um debate.

2. Em um debate, chama-se moderador a quem coordena as inscrições de cada participante, controla o tempo e determina a vez de falar de cada um. No debate transcrito,

quem fazia o papel de moderador? Justifique sua resposta com trechos do texto.

3. Chama-se delibera•‹o à decisão tomada com base em reflexão e discussão do problema a ser resolvido. Identifique elementos que comprovam que na reunião transcrita

houve uma deliberação.

4. Os participantes do debate transcrito manifestaram diferentes pontos de vista em

suas falas.

a. Quais participantes concordavam entre si?

b. Cite alguns dos argumentos utilizados pelos participantes contrários ao Estatuto.

c. Cite alguns dos argumentos utilizados pelos participantes favoráveis ao Estatuto.

d. Pelo resultado final da votação, qual ponto de vista prevaleceu?

e. Levante hipóteses: O que determina a vitória em um debate deliberativo? Basta ter

argumentos bem-fundamentados? Justifique sua resposta.

5. Releia a fala do participante 2. Embora peça a palavra para discordar da colega, ele

demonstra claramente tomar cuidado para não parecer agressivo na maneira de se

expressar.

a. Identifique, na fala, elementos que comprovam esse cuidado.

b. Levante hipóteses: Qual é a importância de assumir essa postura em um debate?

6. Alguns participantes mencionam em suas falas vozes de autoridade.

a. Quais são essas vozes e em quais falas elas aparecem?

b. Qual é a importância dessa estratégia no debate?

7. Observe os pronomes de tratamento utilizados ao longo do debate.

a. Quais são eles?

b. Justifique o uso de tais pronomes nesse contexto.

Os participantes 1, 2, 3 e 4 defendem pontos de vista diferentes e tentam convencer os

interlocutores de que a visão que apresentam é a mais sensata.

O chamado presidente, que era quem presidia a comissão que estava votando o projeto de lei. Era ele quem

coordenava os turnos dos participantes, marcava o tempo e determinava quando cada um devia falar.

Nas duas últimas falas do presidente, ele fez duas votações, pedindo aos presentes que se manifestassem contrária ou

favoravelmente ao tópico discutido anteriormente. O resultado dessas votações daria origem às deliberações.

O participante 1 concordava com o participante 3, e o participante 2, com o participante 4.

4. b) A família é fundamental para qualquer ser humano e constituir família é

um direito já estabelecido

pela Constituição; já se

identificaram mais 100,

195 arranjos familiares

e não se poderia ignorar

isso; as famílias mudam

de acordo com as relações

econômicas, sociais e culturais; o Estado não tem

o poder de decidir o que é

um casamento e o projeto

contraria decisões do Supremo Tribunal Federal.

4. c) Os favoráveis ao Estatuto representam uma parcela majoritária da população brasileira e, portanto,

têm maioria de voto; afeto

e amor são sentimentos

diferentes; a família deve

ter uma proteção especial.

O dos participantes favoráveis ao Estatuto.

Não necessariamente; há também interesses políticos e pessoais envolvidos, o que pode ser comprovado com o argumento de

que os representantes da maioria vencem e que isso deve ser aceito pelos demais, independentemente de sua posição.

“Temos uma relação respeitosa com os companheiros e com a companheira”; “Existem maiorias, existem minorias,

todos devem ser respeitados”; “Respeitando, não é confronto, não é questão de querer humilhar, não”.

Ao se empenhar em não ser agressivo, o debatedor se mostra aparentemente flexível e tolerante e, por isso, tem

o direito de exigir a mesma flexibilidade e tolerância de seus pares.

A Constituição (participante 1), o Supremo Tribunal Federal (participante 2), a acadêmica e intelectual Hanna Arendt (participante 4).

Fazer menção a vozes de autoridade confere maior credibilidade à fala, fundamenta melhor os argumentos, mostra que o debatedor está preparado para a

discussão e conhece o assunto sobre o qual fala, bem como o que especialistas pensam sobre ele.

Vossa Excelência, senhor(a)

Vossa Excelência é o tratamento típico utilizado quando alguém se dirige

a políticos; senhor/senhora é um tratamento respeitoso utilizado em situações formais.

REGISTRE

NO CADERNO

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126 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

8. Para se desenvolver bem, um debate precisa ter regras preestabelecidas, a serem seguidas por todos os participantes. Com base na transcrição lida, deduza algumas das

regras do debate em estudo.

HORA DE ESCREVER

Como você sabe, a classe realizará uma feira de cidadania no final da unidade. Seguem

duas propostas de produção de debates deliberativos relacionados à realização da feira.

1. Com os colegas da classe, definam por meio de um debate deliberativo quais ações

serão necessárias para efetivar a realização da feira e como será a distribuição de tarefas entre os grupos. Na pauta da discussão, incluam:

• local de realização da feira

• data e horário de realização da feira

• tarefa pela qual cada grupo ficará responsável

• público-alvo

• título da feira

• divulgação e convites

• atividades a serem realizadas na feira

• organização do espaço

• controle de entrada dos visitantes

• outros pontos que vocês julgarem importantes, tendo em vista o perfil da feira

Combinem com o professor a melhor forma de

organizar o debate. É importante que vocês argumentem a favor de seus pontos de vista, justificando e fundamentando suas perspectivas com fatos

e argumentos. No debate, discutam, entre outros

pontos: Qual nome dar à feira? É melhor realizar o evento em um fim de semana ou em

um dia de semana? Ao longo de um dia ou em um período específico do dia? Por que

você quer ficar responsável por certa atividade, e não por outra? Qual público convidar?

Após cada aluno inscrito fazer a sua ponderação, deverá ser realizada uma votação a

fim de deliberar sobre a decisão coletiva.

2. Uma campanha da Fundação SOS Mata Atlântica utilizou textos provocativos, assinados por uma entidade fictícia chamada ONG Que se Dane, da qual fariam

parte todas as pessoas indiferentes à causa ambiental. Leia o texto a seguir, que

circulou em um cartaz divulgado no contexto dessa campanha, e observe a ironia

subjacente a ele.

Os participantes deviam fazer suas inscrições ainda no início da reunião; um assessor recebia as inscrições; cada participante tinha um tempo de três minutos para falar, controlado pelo presidente; o

presidente distribuía os turnos no transcorrer da reunião e colocava em votação cada tópico da pauta.

Rob Lewine/Getty Images

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127PRODUÇÃO DE TEXTO

A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1

Estatuto Fundamental da Q.S.D.

Brasileiros e brasileiras,

orgulhem-se.

Juntos, fazemos parte da maior

Organização Não Governamental do

mundo. Somos mais de 250 milhões

de membros efetivos.

Nossa sigla é nosso lema:

Que Se Dane.

Todo cidadão brasileiro é,

automaticamente, filiado à Q.S.D.

é um direito nato e inalienável.

A água do planeta vai acabar?

Que se dane.

O Novo Código vai exterminar

as florestas? Que se dane.

A poluição e os agrotóxicos

aniquilarão a humanidade?

Que se dane.

Nossa causa é a não causa.

Jogar lixo na rua, lavar calçada

com água corrente, andar de carro

sozinho, derrubar árvore que

chateia, fazer barulho acima

do limite. Não há limites.

Faça o que bem entender.

Seus direitos são todos.

E seus deveres, nenhum.

Aos politicamente corretos, aos

ecologistas de plantão, à

sustentabilidade, à cidadania. A

tudo que se coloca à frente do

liberalismo incondicional,

dedicamos o nosso mais alto

repúdio.

E o resto que se dane.

(Disponível em: http://robsonanjos.blogspot.com.br/2013/06/ong-qsdquesedane.html#.VtMQAvkrLIU. Acesso em: 5/1/2016.)

Com base no tema do texto do cartaz, promovam na feira de cidadania a realização de um debate deliberativo com a participação da comunidade. Deliberem nesse

evento: Que medidas cada integrante da comunidade escolar pode tomar a fim de

contribuir com a melhoria do meio ambiente? O que cada um e a escola podem fazer

para minimizar os prejuízos ambientais? A fim de pôr em prática uma vivência mais

cidadã e voltada à preservação do meio ambiente, com que ações os participantes do

debate podem se comprometer? Organizem-se, façam pesquisas, divulguem o debate

e convidem a comunidade para participar.

ANTES DE DEbATER

• Definam quem vai exercer o papel de moderador. Depois, escolham alguém para assessorar o moderador. Essa pessoa deverá anotar o nome de quem quer falar e informar ao

moderador o momento de passar a palavra a outra pessoa.

• Definam as regras do debate: Qual será o tempo total dele? Quanto tempo cada participante terá para falar? Haverá direito de réplica e direito de tréplica?

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128 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

• Preparem uma pauta com os tópicos que necessitam de deliberação e que serão discutidos no debate.

• Em grupo, escolham um ponto de vista e preparem uma argumentação para defendê-lo.

• Decidam como os participantes ficarão dispostos no local do debate: em círculo, em

uma sala de aula ou em cadeiras de um auditório?

• Anotem as falas e as discussões do debate, mencionando os principais argumentos

relativos a cada uma das posições e as decisões tomadas. No capítulo seguinte, essas

anotações serão utilizadas na produção de um relatório sobre o debate.

• Organizem-se para filmar o debate. Vejam quantas câmeras vocês têm disponíveis, se

elas ficarão imóveis ou se uma pessoa ficará responsável pela filmagem.

Konstantinos Kokkinis/Shutterstock

AO DEbATER

• Os debatedores devem ser claros e objetivos e evitar apresentar ideias repetidas; para

isso, fiquem atentos ao que já foi dito e, se for o caso, anotem o que pretendem dizer.

• Estejam atentos ao tempo de fala estipulado, a fim de conseguir concluir o raciocínio.

• Para serem convincentes, apresentem argumentos, isto é, dados, exemplos, comparações, citação da fala de alguém de destaque na sociedade, menção a causas e consequências, etc.

• Ao se reportarem à fala de outro debatedor, empregem expressões como Conforme

disse fulano, Discordo do que disse fulano quanto ao seguinte aspecto, Concordo parcialmente com o que disse fulano, e assim por diante.

• Após a votação de cada tópico, aceitem a decisão da maioria.

• Usem uma linguagem de acordo com a norma-padrão, adequando o grau de formalidade ou informalidade ao perfil dos debatedores. Evitem gírias e expressões de apoio

como né, tipo, tá ligado? e outras.

• Ao filmar, focalizem bem a pessoa que está falando. Se dispuserem de mais de uma câmera, façam tomadas de planos gerais, que mostrem todos os participantes, incluindo

o moderador e os assessores.

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129 A geração de 30: Graciliano Ramos. Regência nominal. O debate deliberativo CAPÍTULO 1 Produção de texto

Getty Images

DEPOIS DO DEbATE

Concluído o debate, avaliem-no, observando:

• se os tópicos incluídos na pauta foram todos discutidos e se as resoluções necessárias

foram tomadas;

• se o moderador coordenou adequadamente a discussão, quanto ao tempo e aos turnos, ou seja, à troca das falas;

• se o resultado das votações se deu em decorrência de apresentação, pelos debatedores,

de argumentos fortes e convincentes ou por outras razões;

• se a discussão transcorreu em um clima de respeito entre os participantes, sem agressões pessoais;

• se o uso da linguagem foi adequado, sem palavrões, sem gírias e com argumentação clara.

Depois da avaliação acima, assistam à filmagem do debate, observando especialmente a postura dos participantes, a linguagem e a construção de argumentos com vistas ao

aprimoramento do desempenho de todos em futuros debates.

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130 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

a geração de 30: José lins do rego,

Jorge amado e Érico Veríssimo

Crase

relatório e currículo

José Lins do Rego, Jorge Amado

e Érico Veríssimo

CAPÍTULO 2

LITERATURA

Cinco moças de

Guaratinguetá (1930), de

Di Cavalcanti (1897-1976).

Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo, SP

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literatura

131 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

JosŽ Lins do Rego

Descendente de senhores de engenho, José Lins do Rego (1901-1957) nasceu

no município de Pilar, na Paraíba.

Cursou Direito no Recife, onde se aproximou de intelectuais modernistas, como

Gilberto Freyre e José Américo de Almeida; poucos anos depois, em Maceió, conviveu com Graciliano Ramos, Jorge de Lima e Rachel de Queiroz.

Em 1935, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde participou ativamente da vida

literária. Além de romances, o autor também produziu crônicas, ensaios e literatura infantil.

Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1955, dois anos antes de

morrer.

José Lins do Rego

Criado no engenho de seu avô materno, José Lins do Rego testemunhou em sua infância

e adolescência os últimos lampejos de uma tradição fundamentada no sistema latifundiário patriarcal e escravocrata. Essa experiência marcou sua obra literária, que, conciliando

ficção e memória, retratou o homem e a paisagem da zona açucareira do Nordeste no momento de decadência do engenho, logo substituído pelo sistema industrial das usinas.

Em uma linguagem fluida e popular, o autor representa a vida nos bangues, nos engenhos e nas usinas em seus diversos aspectos, envolvendo a abordagem psicológica, social,

política, econômica e místico-religiosa. De acordo com o próprio autor, sua obra de ficção

se agrupa em: ciclo da cana-de-açúcar, com Menino de engenho (1932), Doidinho (1933),

Bangue (1934), Usina (1936) e Fogo Morto (1943); ciclo do cangaço, misticismo e seca, com

Pedra bonita (1938) e Cangaceiros (1953); e obras independentes vinculadas aos dois ciclos,

com O moleque Ricardo (1934), Pureza (1937) e Riacho doce (1939), e desvinculadas desses

ciclos, com Água mãe (1941) e Eurídice (1947).

Fogo morto

Romance-síntese da ficção de José Lins do Rego, Fogo morto articula-se em torno do

tema central de suas obras: a decadência dos engenhos nordestinos e suas implicações

sociais. Esse romance, que você vai conhecer neste capítulo, é divido em três partes. A

primeira, “O mestre José Amaro”, centra-se no drama desse homem, que se orgulha de

sua profissão de seleiro e sofre com a loucura da filha e com a luta contra o coronel Lula,

que queria tirá-lo da fazenda. A segunda, “O engenho de seu Lula”, narra a história da

ascensão do engenho Santa Fé, construído pelo capitão Tomás Cabral de Melo, próximo

à cidade de Pilar, na Paraíba, e da decadência desse engenho nas mãos de seu genro Luís

César de Holanda Chacon, o coronel Lula. Na terceira parte, “O capitão Vitorino”, é dado

destaque a essa personagem, um tipo quixotesco que, em suas andanças de engenho em

engenho, defende incansavelmente os injustiçados, sejam eles poderosos ou desvalidos.

A inter-relação entre as personagens confere unidade à obra, que apresenta uma visão

sintética da paisagem e da realidade humana e social da zona açucareira do Nordeste.

FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, um fragmento da segunda parte de Fogo morto.

O engenho de seu Lula

Chegou a abolição e os negros do Santa Fé se foram para os outros engenhos. Ficara somente com seu Lula o boleeiro Macário, que tinha paiArquivo/Estadão Conteúdo

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132 UNIDADE 2 Palavra e Persuasão

xão pelo ofício. Até as negras da cozinha ganharam o mundo. E o Santa

Fé ficou com os partidos no mato, com o negro Deodato sem gosto para o

eito, para a moagem que se aproximava. Só a muito custo apareceram trabalhadores para os serviços do campo. Onde encontrar mestre de açúcar,

caldeireiros, purgador? O Santa Rosa acudiu o Santa Fé nas dificuldades, e

seu Lula pôde tirar a sua safra pequena. O povo cercava os negros libertos

para ouvir histórias de torturas.

Fazia-se romance com os sofrimentos das vítimas de Deodato. Quando

o carro do capitão Lula de Holanda passava, corria gente para ver o monstro, todo bem-vestido, com a família cheia de luxo, que ia para a missa.

Um jornal da Paraíba falara em crimes da escravidão e nomeava o Santa

Fé, o Itapuá, como de senhores algozes. D. Amélia leu o artigo e chorou

com as palavras impiedosas. Não era assim. Tudo aquilo perturbava a vida

do Santa Fé. Ela bem que sentia que o marido vinha mudando de humores. Rara vezes era aquele Lula de outrora, de olhar cismarento, o homem

de tanta ternura para com sua mulher. Agora não parecia que a quisesse

como antigamente. Via-o no pegadio com a filha que voltara do colégio

de Recife, uma moça feita. Neném era a cara do pai. Dela não tinha coisa nenhuma. Achava linda a sua filha. Tinha aqueles cabelos louros, e os

olhos azuis, a pele macia, branca como alfenim. E era uma menina doce,

tão sem gênio que encantava a todo mundo. Viera do primeiro ano do colégio das freiras, cheia de devoção, com modos de moça. O pai cercava-a

de cuidados, de um zelo que ela, como mãe, achava até exagerado. Seria a

sua filha a moça mais bem-educada da várzea. Iam ao Pilar de carruagem,

e reparava como o marido olhava embevecido para a menina, no banco

da frente, vestida como gente grande. Sabia que o povo falava mal de seu

marido. Via os olhares que sacudiam em cima de todos quando entravam

na igreja. No tempo de seu pai tudo era bem diferente. Viam-se cercados

dos conhecidos do Pilar, das filhas do juiz, das irmãs do padre, dos amigos

do capitão Tomás. Agora era sair do carro e entrar na igreja, voltar da igreja para o carro. O que haveria contra Lula para aquela hostilidade? Seria

que fosse inveja? Lula era homem de sua casa, de certo trato, de orgulho

que ela não apoiava. Era o orgulho do marido. Havia nele uma maneira de

sentir as coisas que talvez desgostasse a gente do Pilar. Lula falava de sua

família de Pernambuco com soberba. Não procurava discussão com o marido por motivos assim, sem importância. Deixava que ele ficasse com seu

orgulho de raça. Para que brigar? Família era para Lula coisa sagrada. Fora

infeliz com o pai, sofrera o diabo com

a mãe viúva, perseguida pela política.

Lula tinha razão de falar do seu povo

com aquela arrogância toda. Em casa

ele só via a filha. Dizia sempre que Neném era a cara da sua mãe. Nunca vira

semelhança igual. Tinha tudo da família de Recife, dos velhos Chacon, gente

que sabia entrar e sair, gente de trato,

sem aquela bruteza dos engenhos.

D. Amélia não contrariava o marido

mas sentia-se com aquele falar de desprezo com os seus. Por que Lula falava

assim contra o povo dos engenhos?

Cena do filme

Fogo morto (1976),

baseado no romance

homônimo de José

Lins do Rego.

alfenim: massa muito

branca de açúcar.

boleeiro: cocheiro.

cismarento: pensativo,

meditativo.

Deodato: feitor do

engenho Santa Fé.

eito: plantação.

partido: terreno de grande

extensão com plantação de

cana-de-açúcar.

pegadio: grande afeição,

amizade estreira.

purgador: aquele que

depura o açúcar nos

engenhos.

Marcos Farias / Eglê Malheiros

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LITERATURA

133 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

Não era ele parente do povo de seu pai? Até aquele dia não tivera a

menor rusga com o seu marido. O que ele queria que fizesse, fazia sem

protesto. [...]

[...]

[...] Por mais que temesse não se meteria a contrariar o marido. Lembrava-se da fúria que se apoderara dele quando o procurou para condenar

as ações de Deodato. Sabia que os negros estavam apanhando sem necessidade e procurara Lula para lhe falar daquela miséria. Nunca vira uma

pessoa exasperar-se tanto. Era como se ela tivesse se revoltado. Vira o que

sua mãe sofrera com a malquerença de Lula. Pobre de sua mãe que se dera

como uma escrava aos seus deveres. Fora ingrata com ela. Uma das coisas

que mais lhe doíam era pensar na morte dela, depois daquela noite da discussão com Lula. Tudo por causa de Neném. Aquele amor de seu marido,

aquele cuidado pela filha, não podia ser boa coisa para a criação da moça.

E era todo o pensamento de d. Amélia. Os negros do engenho se foram, até

as negras de sua mãe não quiseram ficar na cozinha. Os do Santa Rosa haviam ficado na senzala. Eram amigos do senhor de engenho. Se o seu pai

estivesse vivo, tudo seria como no Santa Rosa. Via-se d. Amélia cercada de

pensamentos que não desejava que fossem seus. [...]

(José Lins do Rego. Fogo morto. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013. p. 232-5.)

1. O discurso indireto livre é um dos recursos utilizados na narrativa de Fogo morto. Releia os dois primeiros parágrafos do texto e identifique um trecho que exemplifique o

emprego desse recurso na narrativa. Que efeito o emprego desse recurso constrói no

texto em estudo?

2. Fogo morto é uma expressão que se refere a algo que se extinguiu. Na obra de José

Lins do Rego, tal expressão está ligada ao processo de decadência e extinção dos engenhos, uma vez que, durante a produção de açúcar, a fumaça não parava de sair das

chaminés.

a. De acordo com o texto, o que causou a ruína definitiva do sistema produtivo do

engenho Santa Fé?

b. Nessa circunstância de decadência, como o coronel Lula e sua família se apresentavam diante da sociedade? Justifique sua resposta com elementos do texto.

3. No texto em estudo, as reflexões de D. Amélia revelam determinados traços de caráter do coronel Lula de Holanda.

a. Como o coronel Lula reagia quando era contrariado? O que essa

reação revela a respeito do caráter dessa personagem?

b. Segundo D. Amélia, havia uma hostilidade recíproca entre o coronel Lula e o povo da região dos engenhos. Por quê? Justifique

sua resposta com elementos do texto.

4. As reflexões de D. Amélia também revelam traços de caráter dessa

personagem.

a. Por que D. Amélia sofria com a lembrança de sua mãe?

b. A relação de D. Amélia com o marido, no que diz respeito à família e à fazenda, revela qual traço de caráter dessa personagem?

Justifique sua resposta com elementos do texto.

Entre outras possibilidades: “Não era assim. Tudo aquilo perturbava a vida do Santa Fé”. Com esse recurso,

cria-se a impressão de se estar em contato direto com as reflexões de D. Amélia.

A abolição dos escravos e os maus-tratos que o coronel Lula praticava contra os negros, fazendo com que, após a

extinção da escravatura, eles abandonassem o engenho, deixando-o sem mão de obra suficiente para dar continuidade

ao sistema produtivo.

Ostentavam riqueza, procurando manter seu status: quando iam à igreja, com sua carruagem, o coronel Lula

se mostrava “todo bem-vestido, com a família cheia de luxo”.

Ele reagia com fúria, o que revela o caráter autoritário da personagem.

3. b) O coronel Lula era de

uma cidade grande (Recife) e vinha de uma família

que tinha certo refinamento (“gente de trato”). Por

isso, ele desprezava toda

a gente dos engenhos, inclusive a própria família de

Amélia, considerando que

eram todos grosseiros, e

o povo da região, por sua

vez, o hostilizava pelo seu

orgulho, pela sua soberba.

D. Amélia achava que tinha sido ingrata com sua mãe, por não defendê-la

dos ataques hostis que seu marido lhe dirigia.

Revela que é uma mulher submissa, incapaz de contestar o marido em relação às decisões da

administração da fazenda, à educação da filha e ao tratamento que dava à sua mãe.

Cana (1938), de

Cândido Portinari.

REGISTRE

NO CADERNO

Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro, RJ

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134 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

5. Com base nas reflexões realizadas ao longo do estudo, conclua: Por que,

no contexto da narrativa, o coronel Lula é uma figura representativa da

decadência dos engenhos e de sua tradição patriarcal e escravocrata?

Jorge Amado

Os primeiros livros de Jorge Amado se destacaram pela linguagem simples e direta, permeada por um tom poético. Também sobressai seu caráter

político-social, marcado pela denúncia da miséria e da opressão das classes

populares.

Os romances das décadas de 1930 e 1940, tais como Jubiabá (1935), Mar

morto (1936), Capitães da Areia (1937) e Terras do sem fim (1942), além de

apresentarem a preocupação social típica do romance de 30, também manifestaram as tendências políticas do autor, que, nesse período, era filiado

ao Partido Comunista. Com a publicação de obras como Gabriela, cravo e

canela (1958), Dona Flor e seus dois maridos (1967) e Tieta do agreste (1976),

verifica-se uma nova fase de sua produção literária, voltada não mais para

denúncia social, mas, sim, para as crônicas de costumes de ambientação

regional, nas quais afloram o pitoresco e a sensualidade.

Parte da crítica literária questiona o valor da obra de Jorge Amado, seja

pelo caráter militante de determinados romances, seja pela espontaneidade

de sua linguagem, seja pelo tom pitoresco e erótico de suas narrativas mais

populares. Independentemente das críticas, sua obra é amplamente conhecida no Brasil e no exterior, tendo sido traduzida para mais de quarenta línguas e adaptada para novelas, peças teatrais e filmes nacionais.

Capitães da Areia

O romance narra episódios da vida de dezenas de menores entre 8 e 16

anos que, abandonados e marginalizados, cometem delitos para sobreviver.

Em razão de ocupar um trapiche – um velho armazém diante do qual se estendia o areal do cais de Salvador –, são chamados “Capitães da Areia”. Entre

os protagonistas estão o jovem Pedro Bala, o líder do grupo, e João José, o

Professor, único entre eles que sabe ler. Unidos por códigos de lealdade e

fidelidade, contam somente com a ajuda de um padre e uma mãe de santo.

FOCO NO TEXTO

Leia a seguir um trecho de Capitães da Areia.

Manh‹ como um quadro

Pedro Bala, enquanto sobe a ladeira da montanha, vai pensando que não

existe nada melhor no mundo que andar assim, ao azar, nas ruas da Bahia. [...]

[...]

[...] O Professor vai com ele. Sua figura magra se atira para a frente como

se lhe fosse difícil vencer a ladeira. Mas sorri da festa do dia. Pedro Bala vira-se para ele e surpreende seu sorriso. A cidade está alegre, cheia de sol.

“Os dias da Bahia parecem dias de festa”, pensa Pedro Bala, que se sente

invadido também pela alegria. Assovia com força, bate risonhamente no

Jorge Amado

Filho de um proprietário de terras da

região cacaueira, Jorge Amado de Faria

(1912-2001) nasceu em Itabuna, no sul

do Estado da Bahia. Fez seus estudos

secundários em Salvador e, em 1930,

mudou-se para o Rio de Janeiro para

cursar Direito. No ano seguinte, publicou seu primeiro romance, No país do

carnaval, e com Cacau (1933) e Suor

(1934) alcançou a notoriedade.

Militante de esquerda, participou da

Aliança Nacional Libertadora, foi preso

por sua atividade política e, em 1946,

foi eleito deputado pelo Partido Comunista Brasileiro.

Entre 1948 e 1952, viveu exilado na

França e em Praga. Quando retornou ao

Brasil, era mundialmente conhecido. Em

1959, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.

Luiz Prado/Estadão Conteœdo

O coronel Lula representa uma tradição fundamentada na autoridade e no prestígio do patriarca, algo que

não mais se sustenta diante das mudanças sociais: com a Abolição, ele perde a mão de obra e, assim, perde a

autoridade e a produção açucareira vai à ruína, restando-lhe apenas

o status de senhor de engenho.

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LITERATURA

135 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

ombro do Professor. E os dois riem, e logo a risada se transforma em gargalhada. No

entanto, não têm mais que uns poucos níqueis no bolso, vão vestidos de farrapos, não

sabem o que comerão. Mas estão cheios da beleza do dia e da liberdade de andar pelas

ruas da cidade. E vão rindo sem ter do quê, Pedro Bala com o braço passado no ombro

de Professor. De onde estão podem ver o Mercado e o cais dos saveiros e mesmo o velho

trapiche onde dormem. Pedro Bala se recosta no muro da ladeira e diz a Professor:

– Tu devia fazer uma pintura disso... É porreta.

A fisionomia do Professor se fecha:

– Eu sei quem nunca há de ser...

– Quê?

– Tem vez que me topo pensando... – E Professor mira o cais lá embaixo, os saveiros

parecendo brinquedos, os homens miúdos carregando sacos nas costas.

Continua com a voz áspera como se alguém o tivesse batido:

– Eu penso fazer um dia um bocado de pintura daqui...

– Tu tem jeito. Se tu tivesse andado pela escola...

– ...mas nunca pode ser um troço alegre, não... (Professor parece não ter ouvido a

interrupção de Pedro Bala. Agora está com os olhos longe e parece ainda mais fraco.)

– Por quê? – Pedro Bala está espantado.

– Por isso João de Adão já fez um bocado de greve nas docas.

– Tu não vê que tudo é mesmo uma beleza? Tudo alegre...

Pedro Bala apontou os telhados da Cidade Baixa:

– Tem mais cores que o arco-íris...

– É mesmo... Mas tu espia os homem, tá tudo triste. Não tou falando dos ricos. Tu

sabe. Falo dos outros, dos das docas, do mercado. Tu sabe... Tudo com cara de fome, eu

nem sei dizer. É um troço que sinto...

Pedro Bala não estava mais espantado:

– Por isso João de Adão já fez um bocado de greve nas docas.

Ele diz que um dia as coisas vira, tudo vai ser vice-versa...

– Também já li um livro... Um livro de João de Adão. Se eu tivesse tado numa escola

como tu diz, tinha sido bom. Eu um dia ia fazer muito quadro bonito. Um dia bonito,

gente alegre andando, rindo, namorando assim como aquela gente de Nazaré, sabe?

Mas cadê escola? Eu quero fazer um desenho alegre, sai o dia bonito, tudo bonito, mas

os homens sai triste, não sei não... Eu queria fazer uma coisa alegre.

– Quem sabe se não é melhor mesmo fazer uma coisa como tu faz? Pode até dá mais

bonito, mais vistoso.

– Que é que tu sabe? Que é que eu sei? A gente nunca andou em escola... Eu tenho

vontade de fazer a cara dos homens, a figura das ruas, mas nunca tive na escola, tem

um bocado de coisa que eu não sei...

Fez uma pausa, olhou Pedro Bala que o escutava, continuou:

– Tu já deu uma espiada na Escola de Belas-Artes? É um

belezame, rapaz. Um dia andei de penetra, me meti numa

sala. Tava tudo vestido de camisão, nem me viram. E tavam

pintando uma mulher nua... Se um dia eu pudesse...

Pedro Bala ficou pensativo. Olhava Professor como que

pensando. Logo falou com um ar muito sério:

– Tu sabe o preço?

– Que preço?

– De pagar na escola? O professor?

– Que história é essa?

– A gente se reunia, pagava pra tu...

Professor riu:

– Tu nem sabe... Tem tanta complicação... Não pode não,

deixa de tolice.

Cena do filme

Capitães da Areia

(2011), baseado no

romance de Jorge

Amado.

Marcelo Reis/SambaPhoto

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136 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

– João de Adão disse que um dia a gente pode ter escola...

Saíram andando. Professor parecia ter perdido a alegria do dia. Como que ela se

afastara para longe dele. Então Pedro Bala deu-lhe um soco de leve:

– Um dia tu ainda bota um bocado de pintura numa sala da rua Chile, mano. Sem escola sem nada. Nenhum destes bananas da escola faz uma cara como tu... Tu tem é jeito...

[...]

Quase junto do palácio do governo pararam novamente. Professor ficou de giz na

mão esperando que saísse do ponto de bonde um “pato”. Pedro Bala assoviava ao seu

lado. Breve teriam o dinheiro para um bom almoço e ainda para levar um presente para

Clara, a amante do Querido de Deus, que fazia anos naquele dia.

[...]

Professor começou a desenhar a figura magra do homem. A piteira longa, os cabelos

encaracolados que apareciam sob o chapéu. O homem trazia também um livro na mão

e Professor teve um desejo irresistível de fazer o desenho do homem lendo o livro. O

homem ia passando, Pedro Bala chamou sua atenção:

– Olhe seu retrato, senhor.

O homem tirou a longa piteira da boca, perguntou a Bala:

– O quê, meu filho?

Pedro Bala apontou o desenho em que o Professor trabalhava. O homem aparecia

sentado (se bem não houvesse cadeira nem nada, estava sentado no ar), fumando sua

piteira e lendo seu livro. O cabelo encaracolado voava sob o chapéu. O homem examinou o desenho atentamente, foi espiá-lo em diversos ângulos, nada dizia. Quando o

Professor deu o trabalho por concluído, ele perguntou:

– Onde você aprendeu desenho, meu caro?

– Em lugar nenhum...

– Em lugar nenhum? Como?

– É, sim senhor...

– E como desenha?

– Me dá vontade, pego, desenho.

O homem estava um pouco incrédulo, mas sem dúvida recordou outros exemplos

no fundo da sua memória:

– Quer dizer que você nunca estudou desenho?

– Nunca, não senhor.

– Posso garantir – falou Pedro Bala. – Nós mora junto, eu sei.

– Então é uma verdadeira vocação... – murmurou o homem.

Voltou a examinar o desenho. Tirou uma longa fumaçada da sua piteira. Os dois

meninos olhavam para a piteira encantados. O homem perguntou ao Professor:

– Por que você me retratou sentado e lendo o livro?

Professor coçou a cabeça como se fosse uma coisa difícil de responder. Pedro Bala

quis falar, mas nada disse, estava atarantado. Por fim, Professor explicou:

– Pensei que sentava melhor pro senhor... – Coçou de novo a cabeça. – Não sei mesmo...

– É uma verdadeira vocação... – murmurou o homem em voz mais baixa, assim com

o jeito de quem havia feito uma descoberta.

Pedro Bala esperava o níquel, mesmo porque o guarda já os olhava desconfiado da

esquina. Professor espiava a piteira do homem, longa, desenhada a fogo, uma maravilha. Mas o homem continuou:

– Onde você mora?

Pedro Bala não deu tempo a que Professor respondesse. Foi ele quem falou:

– A gente mora na Cidade de Palha...

O homem meteu a mão no bolso e tirou um cartão:

– Você sabe ler?

– A gente sabe, sim senhor – respondeu Professor.

Cidade Baixa: área

litorânea de Salvador,

núcleo das atividades

portuárias e comerciais da

cidade.

Cidade de Palha:

originalmente, era um local

com vários casebres de

palha feitos para abrigar

leprosos; na década de

1930, o bairro recebeu o

nome de Cidade Nova.

doca: construção

portuária destinada

ao armazenamento

de mercadorias

desembarcadas e a

embarcar.

NazarŽ: bairro de classe

média situado próximo ao

centro antigo de Salvador.

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137 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2 literatura

– Aí está meu endereço. Eu quero que você me procure. Talvez possa fazer alguma coisa por você.

Professor tomou o cartão. O guarda se encaminhava para eles. Pedro Bala se despediu:

– Até logo, doutor.

O homem ia puxando a carteira de níqueis, mas

viu o olhar do Professor na sua piteira. Jogou o cigarro

fora, entregou a piteira ao menino.

– Isso é pelo meu retrato. Vá a minha casa...

Mas os dois desabaram pela rua Chile, porque

o guarda já estava quase junto a eles. O homem

olhava meio sem compreender quando ouviu a voz

do guarda:

– Lhe roubaram alguma coisa, senhor?

– Não. Por quê?

– Porque como aqueles malandrins estavam aqui junto ao senhor...

– Eram duas crianças... Por sinal que uma com maravilhosa inclinação para a pintura.

– São ladrões – retrucou o guarda. – São dos Capitães da Areia.

– Capitães da Areia? – fez o homem se recordando. – Já li algo... Não são crianças

abandonadas?

– Ladronas, isso são... Tenha cuidado, senhor, quando eles se aproximarem do senhor. Veja se não lhe falta nada...

O homem fez que não com a cabeça e olhou a rua. Mas não havia nem rastro dos

dois meninos. O homem agradeceu ao guarda, afirmando mais uma vez que não tinha

sido furtado, e desceu a rua, murmurando:

– Assim que se perdem os grandes artistas. Que pintor não seria! O guarda o espiava. Depois comentou para os botões de farda:

– Bem dizem que estes poetas são doidos...

[...]

(Jorge Amado. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 135-42.)

1. No início do texto, há um contraste entre o estado de espírito das personagens Pedro

Bala e Professor e sua condição de vida na cidade.

a. Em que consiste esse contraste?

b. O que, inicialmente, tal situação sugere a respeito do caráter dessas personagens?

2. Ao observar a Cidade Baixa, Pedro Bala sugere que Professor faça uma pintura dessa

paisagem.

a. As personagens têm diferentes perspectivas a respeito do que seria o retrato de tal

paisagem. Explique essa diferença.

b. O que tais perspectivas revelam sobre as duas personagens?

3. Em sua primeira fase, Jorge Amado produziu obras de conteúdo social e manifestou sua ideologia socialista.

a. No texto, quem a personagem João de Adão representa

socialmente? Justifique sua resposta com elementos do

texto.

b. Em Capitães da Areia, o autor denuncia o abandono de

crianças e adolescentes pelo aparato político-institucional. Como isso se apresenta no texto em estudo?

As personagens estão alegres, encantadas com a beleza do dia e contentes com sua

liberdade de andar pela cidade, embora só tenham alguns níqueis no bolso, estejam

vestidos com farrapos e não saibam o que conseguirão para comer.

Sugere que os meninos têm certa pureza e inocência, pois se deixam arrebatar pela beleza do dia, apesar de sua situação miserável.

Para Pedro Bala, o retrato seria alegre, pois o lugar era muito bonito, colorido, ao passo que, para Professor,

ainda que a paisagem saísse bonita e alegre, as figuras humanas seriam tristes, pois os homens que trabalhavam no local eram muito pobres.

Revelam que Professor, ao contrário de Pedro Bala, tem sensibilidade de um artista para captar o contraste entre a beleza da paisagem e o

sofrimento dos homens pobres que por ali viviam e trabalhavam.

3. a) O trabalhador engajado nas lutas sociais (“João de Adão disse que um dia a gente

pode ter escola...”) e trabalhistas, pois “já fez um bocado de greve nas docas”.

Pedro Bala e Professor não têm família nem escola que os amparem. O desenvolvimento da vocação artística se restringe àqueles que podem pagar por ela

(Escola de Belas-Artes), perpetuando sua situação de exclusão social.

Capa do DVD do filme

Capitães da Areia.

REGISTRE

NO CADERNO

Imagem Filmes

Carybé. Festa de Yemanjá no bairro do Rio Vermelho

- Dois de fevereiro, s/ data./Coleção particular

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P:140

138 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

4. Os Capitães da Areia são unidos pela lealdade e pela solidariedade. Que situações do

texto exemplificam tais princípios?

5. Para conseguir algum dinheiro, Professor faz retratos de pessoas que circulam pelas ruas.

a. O que o homem de piteira percebe de especial no desenho de Professor?

b. Por que Pedro Bala não fala a esse homem que eles moram no trapiche?

6. O guarda e o homem que compra o retrato de Professor representam duas figuras

sociais distintas.

a. Tendo em vista as características desse homem, levante hipóteses: Que figura social ele representa?

b. Que discurso cada um deles defende? Justifique sua resposta com elementos do

texto.

7. Observe os trechos em destaque, extraídos do texto:

• “Sua figura magra se atira para a frente como se lhe fosse difícil vencer a ladeira. “

• “A piteira longa, os cabelos encaracolados que apareciam sob o chapéu.”

• “Mas tu espia os homem, tá tudo triste.”

• “... mas nunca pode ser um troço alegre, não...”

• “Um dia tu ainda bota um bocado de pintura numa sala da rua Chile.”

a. De quem é a voz em cada um dos trechos?

b. Quais são as principais características da linguagem em cada uma dessas vozes?

Justifique sua resposta com elementos dos trechos.

c. A linguagem empregada no texto está de acordo com as concepções modernistas

da geração de 22? Por quê?

Pedro Bala propõe a Professor que todos os meninos do grupo se reúnam para lhe pagar a Escola de Belas-Artes e, também, essas personagens

planejam conseguir dinheiro para comprar o presente de aniversário da amante de Querido de Deus.

O retrato de Professor não apresentava somente um bom traçado, ele também

expressava sensibilidade, captando a essência do retratado.

Provavelmente pensava que, ao dizer onde realmente moravam, o homem saberia que eram os Capitães da Areia e, assim,

poderia chamar o guarda ou se recusar a lhes dar algum dinheiro ou qualquer outro tipo de ajuda.

Ele representa os artistas, os poetas, pessoas ligadas ao conhecimento,

pois carrega um livro, entende de arte.

O guarda defende o discurso de que os meninos de rua são malandros, ladrões (“Ladronas, isso são”), ao

passo que o homem defende que são apenas “crianças abandonadas”, sem oportunidade de desenvolver

seus potenciais (“Assim que se perdem os grandes artistas. Que pintor não seria!”).

Nos dois primeiros trechos, a voz é do narrador, nos demais, são as vozes de Pedro Bala e Professor.

b) A voz do narrador utiliza uma linguagem dentro

das regras da norma-padrão escrita (colocação

pronominal em “como

se lhe fosse difícil” ou a

concordância em “os cabelos encaracolados que

apareciam”). As vozes

das personagens, por sua

vez, têm características de

uma oralidade informal e

popular (concordância em

“tu espia os homem”, redução de está por tá, uso

de gírias como troço).

Sim, pois busca representar os modos de falar dos brasileiros.

Érico Veríssimo

Érico Veríssimo (1905-1975) nasceu em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul. Vindo de uma família rica e tradicional que perdeu o poderio econômico, trabalhou no comércio quando jovem e, ao se mudar para Porto

Alegre, em 1930, passou a se dedicar ao jornalismo, mesmo sem cursar faculdade.

Publicou o livro de contos Fantoches em 1932 e, no ano seguinte, Clarissa, romance de estreia que marcou

o início de sua popularidade. Desde então, passou a se dedicar intensamente à atividade literária. Foi diversas vezes aos Estados Unidos, onde lecionou literatura brasileira e dirigiu um dos departamentos culturais da

Organização dos Estados Americanos.

Entre 1948 e 1960, dedicou-se à elaboração de O tempo e o vento. Além de produzir ficção, o autor também

registrou suas memórias em Solo de clarineta (1973).

Érico Veríssimo

A obra do autor pode ser dividida em três fases. A primeira se caracteriza pelo registro

da vida cotidiana na cidade e pela abordagem de crises morais e espirituais do homem na

contemporaneidade. Alguns romances representativos desse período são Clarissa (1933),

Caminhos cruzados (1935), Um lugar ao sol (1936), Olhai os lírios do campo (1938) e O resto

é silêncio (1943).

A segunda fase corresponde à investigação das origens e da formação social, política

e econômica do Rio Grande do Sul; a partir desse trabalho, o autor produziu sua obra-prima, O tempo e o vento (1949-1961), uma trilogia de envergadura épica.

REGISTRE

NO CADERNO

Foto do Acervo UH/Folhapress

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LITERATURA

139 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

A última fase se caracteriza por um afastamento da temática sulina, voltando-se para

aspectos políticos internacionais, como é o caso de O prisioneiro (1967) e O senhor embaixador (1965).

Assim como Jorge Amado, Érico Veríssimo conquistou um grande sucesso junto ao

público. Entretanto, parte da crítica considera sua obra superficial, tanto no trabalho com

a linguagem como na análise psicológica das personagens.

O tempo e o vento

As três partes que compõem O tempo e o vento são “O continente”, “O retrato” e

“O arquipélago”. A saga da formação socioeconômica e política do Rio Grande do Sul

se inicia no final do século XVIII e se estende até o ano de 1946. O desenrolar dos fatos

ocorre em torno da região de Santa Fé, onde duas famílias – Amaral e Terra Cambará

– disputam o poder político. O ponto de partida do desenvolvimento dessa disputa é

a luta histórica de 1893 entre os federalistas, representados pela família Amaral, e os

republicanos, representados pela família Terra Cambará.

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, um trecho do episódio “Um certo capitão Rodrigo”, de “O continente”. Nessa parte da obra, é narrada a morte do Capitão Rodrigo Cambará, guerreiro e

andarilho que se fixou em Santa Fé por amor a Bibiana Terra, dando origem à família Terra

Cambará. A luta do Capitão Rodrigo contra a família Amaral marca o início da oposição à

autoridade dessa família, que, até então, era absoluta em Santa Fé.

Antes de começar o ataque ao casarão, Rodrigo foi à casa do vigário.

– Padre! – gritou, sem apear. Esperou um instante. Depois: – Padre!

A porta da meia-água abriu-se e o vigário apareceu.

– Capitão! – exclamou ele, aproximando-se do amigo e erguendo a mão, que Rodrigo apertou com força.

– Foi só pra saber se vosmecê estava aqui ou lá dentro do casarão. Eu não queria

lastimar o amigo...

– Muito obrigado, Rodrigo, muito obrigado. – O Pe. Lara sacudiu a cabeça, desalentado. – Vosmecê vai perder muita gente, capitão. Os Amarais são cabeçudos e têm muita

munição.

– Eu também sou cabeçudo e tenho muita munição.

– Por que não espera o amanhecer?

Rodrigo deu de ombros.

– Pra não deixar a coisa esfriar.

– Olhe aqui. Vou lhe dar uma ideia. Antes de começar o assalto, porque vosmecê

não me deixa ir ao casarão ver se o Cel. Amaral consente em se render pra evitar uma

carnificina?

– Não, padre. “Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti.” Não

é assim que diz nas Escrituras? Se alguém me convidasse pra eu me render eu ficava

ofendido. Um homem não se entrega.

– Mas não há nenhum desdouro. Isto é uma guerra entre irmãos.

– São as mais brabas, padre, são as mais brabas.

De cima do cavalo Rodrigo ouvia a respiração chiante e irregular do sacerdote. Lembrou-se das muitas conversas que tiveram noutros tempos.

– Vosmecê é um homem impossível... – disse o padre, desolado.

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140 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

– Acho que esta noite vou dormir na cama do velho Ricardo. – Sorriu. – Mas

sem a mulher dele, naturalmente... E amanhã de manhã quero mandar um próprio levar ao Chefe a notícia de que Santa Fé é nossa. A Província toda está nas

nossas mãos. Desta vez os legalistas se borraram! Até logo, padre.

Apertaram-se as mãos.

– Tome cuidado, capitão. Vosmecê se arrisca demais.

– Ainda não fabricaram a bala que há de me matar! – gritou Rodrigo, dando

de rédea.

– A gente nunca sabe – retrucou o padre.

– E é melhor que não saiba, não é?

– Deus guie vosmecê!

– Amém! – replicou Rodrigo, por puro hábito, pois aprendera a responder

assim desde menino.

O padre viu o capitão dirigir-se para o ponto onde um grupo de seus soldados o esperava. A noite estava calma. Galos de quando em quando cantavam nos terreiros. Os galos não sabem de nada – refletiu o padre. Sempre achara triste e agourento

o canto dos galos. Era qualquer coisa que o lembrava da morte. Voltou para casa, fechou

a porta, deitou-se na cama com o breviário na mão, mas não pôde orar. Ficou de ouvido

atento, tomado duma curiosa espécie de medo. Não era medo de ser atingido por uma

bala perdida. Não era medo de morrer. Não era nem medo de sofrer na carne algum

ferimento. Era medo do que estava para vir, medo de ver os outros sofrerem. No fim de

contas – se esmiuçasse bem – o que ele tinha mesmo era medo de viver, não de morrer.

O tiroteio começou. A princípio ralo, depois mais cerrado. O padre olhava para seu

velho relógio: uma da madrugada. Apagou a vela e ficou escutando. Havia momentos

de trégua, depois de novo recomeçavam os tiros.  E assim o combate continuou madrugada a dentro. Finalmente se fez um longo silêncio. As pálpebras do padre caíram

e ele ficou num estado de madorna, que foi mais uma escura agonia do que repouso e

esquecimento.

O dia raiava quando lhe vieram bater à porta. Foi abrir. Era um oficial dos Farrapos

cuja barba negra contrastava com a palidez esverdinhada do rosto. Tinha os olhos no

fundo e foi com a voz cansada que ele disse: 

– Padre, tomamos o casarão. Mas mataram o Cap. Rodrigo – acrescentou, chorando

como uma criança. 

– Mataram?  O vigário sentiu como que um soco em pleno peito e uma súbita vertigem. Ficou olhando para aquele homem que nunca vira e que agora ali estava, à luz

da madrugada, a fitá-lo como se esperasse dele, sacerdote, um milagre que fizesse ressuscitar Rodrigo. 

– Tomamos o casarão de assalto. O capitão foi dos primeiros a pular a janela. – Calou-se, como se lhe faltasse fôlego. – Uma bala no peito... 

O padre mirava-o, estupidificado, pensando em Bibiana.

– E os Amarais?

– O Cel. Ricardo morreu peleando. O filho fugiu.

O padre sacudia devagarinho a cabeçorra, como que recusando aceitar aquela desgraça.

– Eu queria que vosmecê fosse dar a notícia à mulher do capitão – pediu o oficial.

O vigário saiu de casa e começou a andar na direção da praça quase sem saber o que

fazia. O homem caminhava a seu lado e houve um momento em que murmurou:

– Meu nome é Quirino. Quirino dos Reis. Conheci o capitão no Rio Pardo. Brigamos

juntos nas forças de Antônio Vicente da Fontoura...

A praça na luz lívida. A figueira, como uma pessoa, grande, triste e escura. Lá do outro lado, o casarão...

– Perderam muita gente? – perguntou o padre com voz tão fraca que o outro não o

ouviu e ele teve de repetir a pergunta.

breviário: livro de leituras

e orações prescritas pela

Igreja.

caramuru: epíteto

que os farrapos davam

aos membros do

partido conservador

(legalistas, defensores da

centralização do poder).

desdouro: desonra.

meia-água: moradia cujo

telhado tem um só plano.

madorna: sono curto e

leve; cochilo.

pelear: lutar, pelejar

(Santa Catarina e Rio

Grande do Sul).

próprio: mensageiro.

Pôster do filme O

tempo e o vento (2013),

baseado na obra de

Érico Veríssimo.

O Tempo e o Vento. Direção: Jayme Monjardim. [S.I.]: Globo Filmes, 2013

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LITERATURA

141 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

– Perdemos seis homens e temos uns quinze feridos. Dos caramurus... nem contei. Mas fizemos uns trinta prisioneiros desde o primeiro combate até a tomada do casarão...

O Pe. Lara caminhava na direção da casa de Bibiana. Como havia de

lhe transmitir a notícia? Dizer tudo de chôfre? Ou primeiro mentir que

o capitão estava ferido... gravemente, e depois, aos poucos, preparar-lhe o

espírito para o pior? Talvez ela lesse no rosto dele o que havia acontecido.

Talvez já tivesse adivinhado tudo. Essas mulheres às vezes têm uma intuição dos diabos...

[...]

Quando o dia de Finados chegou, Bibiana foi pela manhã ao cemitério com os dois filhos. Estava toda de preto e agora, passado o desespero

dos primeiros tempos, sentia uma grande tranquilidade. Ficou por muito

tempo sentada junto da sepultura do marido, enquanto Bolívar e Leonor

brincavam correndo por entre as cruzes ou então se acocoravam e se punham a esmagar formigas com as pontas dos dedos. Mentalmente Bibiana conversava com Rodrigo, dizia-lhe coisas. Seus olhos estavam secos. Às

vezes parecia que ela toda estava seca por dentro, incapaz de qualquer

sentimento. No entanto a vida continuava, e a guerra também. A Câmara

Municipal de Santa Fé tinha aderido à Revolução. O velho Ricardo Amaral

estava morto. Bento havia emigrado para o Paraguai com a mulher e o

filho. Diziam que os imperiais tinham de novo tomado Porto Alegre. Bibiana não sabia nem queria saber se aquilo era verdade ou não. Não entendia bem aquela guerra. Uns diziam que os farrapos queriam separar a

Província do resto do Brasil. Outros afirmavam que eles estavam brigando

porque amavam a liberdade e porque tinham sido espezinhados pela Corte. Só duma coisa ela tinha certeza: Rodrigo estava morto e rei nenhum,

santo nenhum, deus nenhum podia fazê-lo ressuscitar. Outra verdade poderosa era a de que ela tinha dois filhos e havia de criá-los direito, nem que

tivesse de suar sangue e comer sopa de pedra. O pai convidava-a a voltar

para a casa. Mas ela queria ficar onde estava. Era o seu lar, o lugar onde

tinha sido feliz com o marido.

Bibiana olhou para a sepultura de Ana Terra e achou estranho que Rodrigo estivesse agora “morando” tão pertinho de velha. E não deixava de

ser ainda mais estranho estarem os dois à sombra do jazigo perpétuo da

família Amaral, onde se achavam o restos mortais do Cel. Ricardo. Agora

estavam todos em paz.

Bibiana levantou-se. Era hora de voltar para casa, pois em breve o

cemitério estaria cheio de visitantes, e ela detestava que lhe viessem

falar em Rodrigo com ar fúnebre. Não queria que ninguém a encontrasse ali. Em breve tiraria o luto do corpo: vestira-se de preto porque

era um costume antigo e porque ela não queria dar motivo para falatório. Mas no fundo achava que luto era uma bobagem. Afinal de contas

para ela o marido estava e estaria sempre vivo. Homens como ele não

morriam nunca.

Ergueu Leonor nos braços, segurou a mão de Bolívar, lançou um último

olhar para a sepultura de Rodrigo e achou que afinal de contas tudo estava

bem.

Podiam dizer o que quisessem, mas a verdade era que o Cap. Cambará

tinha voltado para casa.

[...]

(Érico Veríssimo. O Continente. O tempo e o vento. Rio de Janeiro:

Porto Alegre; São Paulo: Globo, 1962. Tomo I, p. 305-9.)

Guerra dos Farrapos

A revolta ocorreu primeiramente no

Rio Grande do Sul e, a seguir, estendeuse até Santa Catarina, no período entre

1835 e 1845. Seus líderes Giuseppe e

Anita Garibaldi, Bento Gonçalves e Bento Manuel ganharam notoriedade no

Brasil e em outros países. Os farrapos,

tal como eram chamados os rebeldes,

eram liberais e reivindicavam maior

autonomia política e econômica para o

Sul. O caráter separatista do movimento

tem sido objeto de controvérsias entre

os estudiosos. A tendência majoritária

dos rebelados era se posicionar a favor

de um governo federativo (sistema que

permite a autonomia dos Estados) e republicano.

O filme Anita e Garibaldi (2013) narra

o encontro do casal e sua atuação na

Farroupilha.

Anita e Garibaldi - antes de heróis. Direção: Alberto Rondalli. [S.I.]: LAZ Filmes, 2013

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142 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

1. Ao narrar o processo de formação do Rio Grande do Sul, o autor abordou

aspectos culturais, linguísticos, geográficos e históricos do Rio Grande

do Sul. Quais desses aspectos se apresentam no texto em estudo? Justifique sua resposta com exemplos do texto.

2. Em “Um certo capitão Rodrigo”, os espaços exercem um papel significativo na narrativa, representando a condição social de seus ocupantes.

a. No contexto da narrativa, o que representa o casarão?

b. Com a Guerra dos Farrapos, que mudança se dá em torno do casarão?

3. A personagem Rodrigo Cambará encarna o código de honra gaúcho; por

isso, com o tempo, tornou-se uma figura representativa do homem dessa região. De acordo com o texto em estudo, como se caracteriza essa

personagem? Justifique sua resposta com elementos do texto.

4. Bibiana Terra Cambará é uma das protagonistas de O tempo e o vento.

a. Qual é a visão que essa personagem tem da guerra?

b. Como Bibiana lida com a morte de Rodrigo Cambará?

c. Com base no texto e em suas respostas anteriores, conclua: Quais

são os traços psicológicos dessa personagem? Justifique sua resposta

com elementos do texto.

5. O tema e a linguagem empregada no texto estão de acordo com as concepções modernistas da geração de 22? Por quê? Justifique sua resposta

com elementos do texto.

O aspecto histórico, com a referência à Guerra da Farroupilha, e o linguístico, com o emprego de palavras de

uso regional, tais como pelear e caramuru, no sentido de “legalista”.

O casarão representa o centro de poder de Santa Fé.

Com a guerra, os farrapos tomam o casarão dos Amarais (conservadores, partidários do Império), o que,

nesse momento, representa a perda do poder local por tal família.

Homem corajoso, valente e impetuoso: para ele, o convite à rendição era uma ofensa (“Um homem não se entrega”),

e, na luta contra a família Amaral, foi um dos primeiros a invadir o casarão, morrendo como um herói.

Ela não entendia o porquê da guerra e não tinha nenhum interesse em compreendê-la.

Para ela, seu marido estaria sempre vivo; por isso, considerava que tudo estava bem.

Mulher forte e determinada que não se deixava abater pelas adversidades (“tinha dois filhos e havia de criá-los direito, nem que tivesse que suar sangue [...]”)

e que, além disso, não era apegada a lamentações nem a convenções sociais (“no fundo achava que o luto era uma bobagem”).

Sim, pois a linguagem é simples, direta e apresenta traços de oralidade (brabas, intuição dos diachos, os legalistas se borraram) e regionalismos,

registrando o modo de falar brasileiro; em relação ao tema, se ocupa do registro da realidade nacional, tal como propôs a geração de 22.

Por meio do estudo dos textos neste capítulo, você viu que:

• os romances regionalistas se caracterizam pelo retrato dos aspectos culturais, linguísticos, geográficos e históricos de cada região;

• os romances de José Lins do Rego têm como tema central a decadência dos engenhos

nordestinos e suas implicações sociais; a interioridade das personagens é explorada,

principalmente, por meio da onisciência do narrador e do discurso indireto livre.

• em Capitães da Areia, Jorge Amado denuncia o abandono de crianças e adolescentes

pelas famílias e pelo aparato político-institucional, manifestando claramente sua ideologia socialista;

• em O tempo e o vento, Érico Veríssimo narra a saga da formação socioeconômica e

política do Rio Grande do Sul no período entre o final do século XVIII e o ano de 1946;

• nos romances de Jorge Amado, José Lins do Rego e Érico Veríssimo, a linguagem é simples, direta e contém traços da oralidade, apresentando uma concepção de língua literária compatível com as ideias defendidas pelos modernistas de 22.

• o romance regionalista dá continuidade à proposta de 22 de pesquisar a realidade nacional, porém agora de uma forma crítica.

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P:145

lÍNGua e

liNGuaGeM

143 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

FOCO NO TEXTO

Leia o texto a seguir.

Crase

LÍNGUA E LINGUAGEM

1. Observe a parte não verbal do cartaz.

a. Em que suporte está escrito o texto central?

b. Que elementos estão em volta desse objeto?

c. Desses elementos, qual foge ao universo escolar?

2. O texto foi produzido para divulgar uma campanha do Conselho Federal de Psicologia. Levante hipóteses:

Em uma lousa.

Lápis coloridos, giz de cera, tintas, pincéis, comprimidos.

Os comprimidos.

(Disponível em: https://dapsiuff.files.wordpress.com/2012/07/

nao-a-medicalizacao.png. Acesso em: 7/3/2016.)

REGISTRE

NO CADERNO

Conselho Federal de Psicologia

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P:146

144 UNIDADE 2 Palavra e Persuasão

a. A quem se dirige o cartaz?

b. A qual situação social ele faz referência?

c. Qual é a relação do Conselho Federal de Psicologia com essa situação?

d. Qual é a proposta da campanha?

3. Levante hipóteses: Por que o termo arteiro está entre aspas? Justifique

sua resposta com base no texto do cartaz.

4. Com base em suas respostas às questões anteriores, conclua: Qual é o

sentido do termo medicalização? Seu uso se restringe ao contexto infantil? Justifique sua resposta com base no texto do cartaz.

5. Releia as seguintes frases:

“Não à medicalização da vida.”

“Não ao uso indiscriminado de remédios nas escolas.”

a. Tendo em vista o contexto do cartaz, é possível considerar que há

uma forma verbal implícita antes do não. Qual é ela e a quem ela se

dirige?

b. Um dos complementos que esse verbo exige nessa ocorrência contém uma preposição. Qual é essa preposição?

c. Levante hipóteses: Por que antes da palavra medicalização foi utilizada a forma à e antes da palavra uso foi utilizada a forma ao?

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

No estudo do cartaz, você viu que, quando um complemento verbal é iniciado pela preposição a seguida de um substantivo feminino que admite ser

antecedido pelo artigo a, há a ocorrência da crase, uma vez que preposição e

vogal se fundem. Ocorrerá crase, portanto, quando o termo regente exige a

preposição a e o termo regido admite o artigo feminino a(s). Assim:

Crase é a fusão de duas vogais idênticas, que ocorre na junção da preposição a com o artigo a ou com o

pronome demonstrativo a.

O sinal indicador de crase, salvo alguns poucos casos especiais, só pode ser

usado antes de palavras femininas, pois só elas podem ser precedidas do artigo a.

Para certificar-se da necessidade do uso da crase, uma estratégia é usar

a regra da substituição:

• Quando o a puder ser substituído por ao, trata-se certamente de um caso

de crase:

Comparecemos à reunião. – Comparecemos ao encontro.

Obras à frente – Obras ao lado

Forno a lenha – Forno a gás (e não ao gás)

A pais que têm filhos crianças.

A situações em que crianças são medicadas por serem muito agitadas.

2. c) Os psicólogos, como profissionais da saúde, também têm responsabilidade sobre a saúde da população e parecem discordar de alguns médicos sobre como lidar com o comportamento infantil.

Não utilizar remédios indiscriminadamente para tratar crianças só porque elas são consideradas “arteiras”.

Porque o Conselho Federal de Psicologia, que promoveu essa campanha, quer demonstrar que não concorda com essa classificação, uma vez que afirma ser esse

comportamento típico da infância pelos dizeres: “Ele está apenas sendo criança!".

O hábito de consumir remédios qualquer que seja o problema. Não se restringe ao

contexto infantil, pois na parte superior do cartaz lê-se “Não à medicalização da vida”.

A forma diga, dirigida aos leitores do cartaz.

A preposição a.

5. c) Porque a primeira é feminina, pedindo o artigo feminino a junto à preposição, e a

segunda, masculina, pedindo o artigo masculino o junto à preposição.

Professor: Chame a atenção dos alunos para o fato de que a junção da preposição a com

o artigo a compõe a crase.

Casos especiais

• O acento indicador de crase é

usado na contração da preposição

a e os pronomes demonstrativos a,

aquele, aquela e aquilo, após verbos

que exijam a preposição a em seu

complemento:

Não me refiro a essa moça,

mas à (a + a pronome, com

sentido de aquela) que saiu.

• Pode haver acento indicador de crase

a fim de se eliminar uma possível

ambiguidade em expressões que têm

o sentido das locuções com a, por

meio da, ao lado da: escrever à/a

máquina ou bordar à/a mão.

• Há acento indicador de crase em

expressões nas quais se subentende

a locução à moda de: poemas à

Camões, cabelo à Pica-Pau, drible à

Neymar.

• Há acento indicador de crase antes

da palavra Terra quando esta se

refere ao planeta; não há crase

quando terra se opõe a bordo.

• Há acento indicador de crase

nas expressões à medida que, à

proporção que, à beira de, à toa.

• Há acento indicador de crase em

construções paralelas que começam

com artigo feminino e subentendem

palavras femininas:

Andei de porta em porta, da

sala 1 à [sala] 35 (ou das salas 1

a 35, sem crase).

A secretaria fica aberta das 14 h

às 16 h [horas] (ou de 14 h a 16 h,

sem crase).

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língua e

linguagem

145 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

• Quando o a puder ser substituído por para a (no caso de verbos de movimento, pode-se

também fazer a substituição com a forma verbal voltar: voltei de, sem crase; voltei da,

com crase):

Dei o pacote a/à Maria. – Dei o pacote para (a) Maria.

Vou à Bahia. – Vou para a Bahia. / Voltei da Bahia.

Vou a São Paulo. – Vou para São Paulo. / Voltei de São Paulo.

APLIQUE O QUE APRENDEU

1. Leia a seguir um texto sobre o músico Benjamin Clementine, publicado na revista

Serafina, do jornal Folha de S. Paulo.

Ex-morador de rua e músico de metrô,

Clementine conquista ♦ Inglaterra

Subúrbio de Londres. Em uma velha igreja vazia há um piano aberto no centro do

altar. O menino negro atravessa com pés descalços o corredor frio e senta-se ♦ frente

do instrumento. Sem hesitar, pressiona ♦ primeiras teclas e da sua boca irrompe um

som profundíssimo. Não demora e uma multidão emocionada vai enchendo os antigos

bancos de madeira.

♦ cena nunca aconteceu, mas não é difícil imaginá-la ao ouvir pela

primeira vez “At Least For Now”, álbum de estreia do inglês Benjamin Clementine, cantor e compositor de 27 anos que, depois de morar na rua em

Paris, arrebatou ♦ Inglaterra em 2015. No final do ano passado, ele venceu

o Mercury Prize, o mais respeitado prêmio de música britânico.

Como o garoto na igreja, Benjamin senta-se ♦ piano sempre descalço

e canta poesias guardadas lá no fundo. “É como toco em casa de manhã”,

diz. [...]

Criado pelos pais ganeses em Edmonton, uma das áreas mais violentas

de Londres, Benjamin contou ♦ Serafina que só se sentiu verdadeiramente

amado e aceito quando saiu de casa. Com problemas com ♦ família religiosa, para a qual deixar o cabelo crescer é uma afronta ♦ cristianismo, e sofrendo bullying

na escola por ser “feminino”, mudou-se em 2010 para Paris.

Sozinho, sem dinheiro, com apenas 19 anos e uma mala cheia de pacotes de macarrão, passou seis meses dormindo nas ruas, morou em albergues espalhados pela cidade

e namorou Daniela, uma estudante franco-brasileira. Por dois anos, impressionou com

suas músicas os passageiros da linha 2 do metrô, até ser abordado por dois produtores.

Do dia para a noite passou ♦ lotar apresentações França afora.

Com dois EPs gravados, Benjamin continuava inseguro sobre sua carreira artística.

Ainda desconhecido do público inglês, foi convidado ♦ participar de um programa televisivo da BBC na mesma noite em que se apresentaria sir Paul McCartney. O ex-Beatle

não apenas elogiou o estreante como o fez prometer que continuaria fazendo música.

Insegurança, aliás, é o tema de “Condolence”, uma das mais emblemáticas canções

de “At Least for Now”, lançado em março de 2015. Nela, Benjamin afirma que já teríamos

ouvido sua voz antes, ironizando ♦ surdez do mundo em relação ♦ quem historicamente clama por atenção desde sempre. “Eu mentiria se dissesse que sei como meus

ancestrais afetam ♦ minha forma de fazer ♦ coisas, mas sei que eles estão em mim”,

O músico Benjamin

Clementine.

Bertrand Guay/AFP

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146

UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

conta. Na melhor parte da música, ele deliberadamente manda suas condolências ♦

insegurança e ♦ medo. É de arrepiar.

[...]

Ainda neste semestre, Benjamin Clementine, enigmático como sua música, pretende publicar um dicionário escrito por ele dando significados pessoais ♦ cerca de mil palavras. A julgar pelas letras de “At Least For Now”, sua maneira de ser pessoal (“diferente

de Adele”, ele brinca) diz muito sobre cada um de nós. E emociona.

(Danilo Rezende. Revista Serafina, 28/2/16. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/serafina/2016/03/

1743743-ex-morador-de-rua-e-musico-de-metro-clementine-conquista-a-inglaterra.shtml. Acesso em: 7/3/2016.)

a. Substitua o símbolo ♦ pela forma adequada entre as possibilidades − à(s), a(s) e ao

− e indique cada uma delas em seu caderno.

b. Reproduza em seu caderno uma tabela como a seguinte e complete-a com as expressões, como no exemplo.

preposição a + artigo

a + nome feminino

preposição a + artigo

o + nome masculino preposição a artigo a(s)

à frente ao piano a lotar a Inglaterra

Leia a tira a seguir e responda às questões 2 e 3.

a / à / as / A / ao / a / à ou a / a / ao / a / a / a / a / a / as / à / ao / a

à Serafina, à insegurança ao piano, ao cristianismo, ao medo a participar, a quem, a cerca as primeiras, a cena, a Inglaterra, a Serafina,

a família, a surdez, a minha, as coisas

2. A tira constrói seu humor com base principalmente no comportamento do homem

de terno.

a. Qual parece ser a intenção dessa personagem nos dois primeiros quadrinhos ao se interessar pela proposta do homem de casaco amarelo?

b. Por que é possível considerar que os dois últimos quadrinhos satirizam o comportamento inicial do homem de terno?

3. Discuta com os colegas e o professor se o uso do acento indicador da

crase no 1º quadrinho é ou não adequado e por quê.

4. Complete, em seu caderno, as placas a seguir com a ou à, tendo em

vista as regras de uso do acento

indicador da crase estudadas.

A intenção de tirar vantagem de uma informação aparentemente sigilosa.

2. b) Porque os dois querem ser espertos e tirar vantagem da situação, mas o homem de

amarelo conseguiu ser ainda mais esperto que o de terno.

3. Não é adequado,

pois nesse caso deve

haver apenas a preposição, visto que a

palavra subsequente

é uma forma verbal

no infinitivo e não um

substantivo feminino;

logo, não há o artigo a.

A propósito, a seguir, a 2 km

Salvo raríssimas exceções (veja o

boxe “Casos especiais”), a crase só

pode ocorrer diante de nomes femininos. Portanto, nenhuma das expressões

do título (ou similares) recebe o acento

grave indicador da crase.

(Disponível em: http://amigosdemaua.net/

fatores/placas_seobres_mar2012.htm.

Acesso em: 7/3/2016.)

à, a

REGISTRE

NO CADERNO

Angeli/Acervo do cartunista

Reprodução/DER/Seobras-RJ

(Folha de S.Paulo. 17/12/2003.)

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lÍNGua e

liNGuaGeM

147 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia a placa a seguir.

(Disponível em: https://twitter.com/medodeportugues/

status/601790617757327360. Acesso em: 7/3/2016.)

(Disponível em: http://amigosdemaua.net/textos/

sobre%20faixas.htm. Acesso em: 7/3/2016.) à

(Disponível em: http://revistadonna.clicrbs.com.

br/coluna/claudia-tajes-lingua-desrespeitada/.

Acesso em: 7/3/2016.) a

(Disponível em: http://www.

naotemcrase.com/2014/10/

contruir-as-margens-de.html.

Acesso em: 8/3/2016.)

a, a

Reprodução Reprodução/Rony Costa/Finephoto

Reprodução/DNIT

Reprodução/DER/Seobras-RJ

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148 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

1. Levante hipóteses: A quem a placa se dirige?

2. A expressão as margens, sem acento, tal como foi escrita na placa:

a. tem qual função nessa frase?

b. tem qual sentido?

3. Suponha que houvesse acento na expressão às margens.

a. Nesse caso, qual seria o sentido dessa expressão e sua função nessa frase?

b. Tendo em vista a situação de comunicação analisada, deduza: Qual das duas formas é mais adequada a esse contexto e por quê?

4. Leia os cartazes a seguir.

Às pessoas que vivem na região da rodovia.

Completar o verbo construir (objeto direto).

O de que aqueles que desejem construir margens para a rodovia devem antes contactar o DNIT.

a) Seria uma locução indicativa de lugar (adjunto adverbial),

com o sentido de que aqueles que desejem construir casas, prédios, etc. nas laterais da rodovia devem antes contactar o DNIT.

b) A forma às margens, porque em geral quem constrói margens para uma rodovia são empresas contratadas, e não qualquer pessoa da comunidade.

Em contrapartida, qualquer pessoa da região que tenha acesso a um terreno ao redor da rodovia pode desejar construir em seu espaço.

(Disponível em: http://placasridiculas.blogspot.com.

br/2014/07/a-tolice.html. Acesso em: 9/3/2016.)

(Disponível em: http://revistadonna.clicrbs.com.br/coluna/claudiatajes-lingua-desrespeitada/. Acesso em: 9/3/2016.)

a. Levante hipóteses: Em que tipo de estabelecimento eles provavelmente foram afixados?

b. A que se referem as expressões vaca à tolada e fígado à cebolado?

c. Essas expressões foram grafadas de forma não convencional nos cartazes. Quais

são as formas convencionais?

d. Tendo em vista as regras de uso do acento indicador da crase estudadas, levante

hipóteses: Qual regra levou os autores dos cartazes a utilizar essa forma na escrita?

5. Leia a seguir um guia que traduz símbolos de etiqueta de roupas.

Em bares ou restaurantes.

A pratos servidos nesses locais.

Vaca atolada e fígado acebolado.

A regra de que expressões que subentendem a forma à moda de recebem acento indicador de crase. Assim, essa escrita se deu

por analogia a formas como bife/filé à parmegiana/à milanesa.

(Disponível em: http://www.derepentetamy.com/

category/dicas-2/cuidados-com-roupas-e-acesso

rios/page/2/. Acesso em: 9/3/2016.)

REGISTRE

NO CADERNO

Rony Costa/Finephoto (adaptado)

Reprodução/Rony Costa/Finephoto

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lÍNGua e

liNGuaGeM

149 A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

Observe as expressões:

• lavar à mão • lavar à máquina • lavados a seco

a. Nas duas primeiras ocorrências, o uso do acento indicador da crase é facultativo.

Seguindo a regra da substituição pelo masculino, haveria esse acento? Justifique

sua resposta pela regra.

b. Reescreva as duas primeiras ocorrências da questão anterior sem o acento indicador da crase, relacione-as aos dois primeiros desenhos do texto e deduza: Por que

se optou, no guia, por utilizar a forma com acento?

c. Levando o contexto de circulação em consideração, conclua: A ausência de acento

indicador da crase poderia acarretar um problema de leitura?

Não, pois na forma masculina lavar a seco permanece apenas o a da preposição, sem o artigo o. Segundo a

regra, haveria crase se a forma masculina fosse composta por ao, lavar ao seco, o que não ocorre.

b) Lavar a mão e Lavar a máquina. Provavelmente porque escritas assim, fora

de contexto, pode parecer que a mão e a máquina são objetos do verbo lavar,

dando a entender que a mão e a máquina é que serão lavadas.

Não, pois nessa situação é possível compreender que se trata de lavar a roupa usando a mão ou a máquina, uma vez que a leitura desse

tipo de etiqueta e a busca pelo significado do desenho em geral se dá justamente pelo interesse em lavar a roupa.

Relatório e currículo

O relatório

FOCO NO TEXTO

Leia o texto a seguir.

Relatório do º Encontro da

Comunidade de Desenvolvimento

Tema: Programa de Construção Sustentável da CBIC Belo Horizonte

Introdu•‹o

No dia 10 de outubro de 2012 foi realizado o 4º encontro da Comunidade de Desenvolvimento do CDSC, com o tema “Programa de Construção Sustentável da CBIC

(PCS)” . Esse relatório tem como objetivo sumarizar o que foi apresentado e discutido

no evento, que contou com 24 participantes, representando empresas associadas ao

CDSC, entidades convidadas e integrantes do Núcleo Petrobras de Sustentabilidade e

o Núcleo Bradesco de Inovação, ambos da FDC.

O CDSC visa a construção de indicadores, ferramentas e abordagens que auxiliam

as organizações a entenderem e aplicarem os pressupostos da sustentabilidade. A esse

respeito, o principal objetivo do encontro foi, com base no PCS, dar início à construção

da agenda mineira de sustentabilidade na construção. Para isso, os participantes foram

convidados a debater as questões prioritárias para diferentes segmentos da cadeia produtiva da construção em Minas Gerais, utilizando também como base pesquisas realizadas pelo CDSC e os resultados dos outros encontros. A seguir, os principais pontos

discutidos serão apresentados.

PRODUÇÃO DE TEXTO

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P:152

150 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

Temas centrais para a sustentabilidade no setor da

construção: oportunidades e ameaça

No início da sessão foi feita uma apresentação do

programa de Construção Sustentável da CBIC (PCS).

Em seguida foi iniciado um debate com os participantes do evento com relação aos temas apontados

no PCS. Para ampliar o escopo do debate, o CDSC apresentou também aos participantes os temas relevantes obtidos em pesquisas e encontros com empresas.

[...]

Por onde começar?

Um dos participantes apontou que tudo deveria

começar com a conscientização, e uma opção colocada foi que a própria FDC poderia oferecer capacitação

para maior domínio por parte dos gestores sobre os

temas relacionados à sustentabilidade na construção. A justificativa para começar pela

conscientização é que o indivíduo consciente sobre a sustentabilidade faz ações relacionadas surgirem. Outra participante ponderou que a sustentabilidade só é realmente levada

adiante em organizações com um interesse institucional no tema. Havendo esse interesse,

é preciso compreender como as diferentes áreas da empresa se relacionam com os aspectos

de sustentabilidade. Para a ampliação da visão de cada área o primeiro passo é a conscientização. Foram ainda apontadas outras formas de se iniciar o diálogo e a implementação

da sustentabilidade nos diferentes segmentos: iniciativas efetivas dos sindicatos, órgãos

públicos e das empresas particulares em dar realmente destino correto aos resíduos.

Outros pontos que deveriam ser trabalhados são listados abaixo:

• Inter-relação entre Estado; órgãos reguladores e cadeia produtiva antes de tomada de decisões por meio de reuniões com facilitadores autênticos e atuantes na

área de sustentabilidade.

• Divulgação de profissionais e empresas que atuam com sustentabilidade para

toda a cadeia produtiva da construção.

• Trabalho na gestão da responsabilidade compartilhada com o apoio político.

• Facilitação do financiamento às empresas que estão trabalhando com os tratamentos dos resíduos.

• Envolver os laboratórios das faculdades no desenvolvimento de destinações produtivas para resíduos e de novos produtos.

• Qualificação de projetistas para que atribuam conceitos de sustentabilidade aos

projetos.

• Promoção de maior comunicação entre empresas (construtoras, transportadoras

e receptoras e recicladoras de resíduos).

Por fim, outra maneira de se trabalhar a sustentabilidade nos segmentos do setor é

a partir dos temas levantados. Os temas prioritários – Energia e Educação para a Sustentabilidade – apontados pelos participantes podem servir de ponto de partida.

Próximos passos

Com os resultados obtidos no encontro é possível perceber a necessidade de se analisar, estudar e propor alternativas diferenciadas para os diversos segmentos do setor

da construção, que apontam temas, barreiras e inciativas específicas. O próximo passo

é utilizar o material obtido no encontro como insumo para pesquisas futuras, levando

em consideração as especificidades dos segmentos do setor da construção.

(Disponível em: http://www.fdc.org.br/professoresepesquisa/nucleos/

Documents/relatorio_4_encontro.pdf. Acesso em: 14/1/2016.)

Monty Rakusen/Getty Images

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P:153

151Produção de texto

A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

1. O texto lido descreve um evento específico.

a. Qual é esse evento?

b. Quem participou do evento?

c. O que foi discutido no evento?

2. Levante hipóteses: Com qual finalidade o texto em estudo foi escrito? Em qual situação de comunicação ele circula?

3. Observe as siglas contidas no texto: CDSC, CBIC, PCS, FDC.

a. Apenas uma entre elas tem seu significado explicitado no texto. Qual é ela? O que

ela significa?

b. Entre as opções de significado oferecidas a seguir para cada sigla, deduza qual é o

correto, tendo em vista o conteúdo do relatório.

• CDSC: Comissão para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina

• CDSC: Centro de Desenvolvimento da Sustentabilidade na Construção

• CBIC: Câmara Brasileira da Indústria da Construção

• CBIC: Centro Baiano de Incentivo à Cultura

• FDC: Fundação dos Direitos da Criança

• FDC: Fundação Dom Cabral

c. Tendo em vista a situação de comunicação em que um relatório circula, levante hipóteses: Por que, no texto em estudo, o significado dessas siglas não foi especificado?

4. Um relatório pode ser composto por partes diversas, mas há alguns itens que devem

estar presentes em todo relatório: objetivo (seja do relatório, seja do evento ou da

atividade relatada); ações realizadas; resultados obtidos; possíveis ações futuras. Segundo o relatório em estudo:

a. Qual é o objetivo do relatório?

b. Quais eram os objetivos do evento relatado?

c. Quais foram as ações realizadas?

d. Quais foram os resultados obtidos? E a possível ação futura?

5. Releia o item “Por onde começar?”.

a. Qual função esse item desempenha no relatório?

b. Discuta com os colegas e o professor e levante hipóteses: Esse item constitui uma

parte obrigatória em um relatório?

c. Essa estrutura se assemelha à estrutura de qual outro gênero, tendo em vista o

detalhamento da descrição apresentada? Justifique sua resposta.

6. Discuta com os colegas e o professor e, depois, anote em seu caderno os itens, entre

os seguintes, que podem constar em um relatório.

• saudações aos leitores

• justificativa

• solicitação de patrocínio

• impactos causados nos sujeitos envolvidos

• prestação financeira de contas

• fotos

• complicação seguida de clímax

• considerações finais

• despedida

Um encontro de um grupo de discussão sobre desenvolvimento sustentável.

24 pessoas, representando empresas e entidades ligadas a núcleos de discussão do tema.

Temas centrais para a sustentabilidade no setor da construção: oportunidades e ameaça; temas relevantes obtidos

em pesquisas e encontros com empresas; importância da conscientização e da capacitação, bem como de iniciativas

efetivas dos sindicatos, órgãos públicos e das empresas particulares em dar realmente destino correto aos resíduos.

Foi escrito com a finalidade de divulgar a um público mais amplo, e não apenas aos que estavam presentes, o que foi

discutido no encontro. Pode ser distribuído a pessoas específicas, pode ser disponibilizado em um ambiente on-line ou

circular por e-mail ou pelo correios.

É PCS, que significa Programa de Construção Sustentável.

X

X

X

Porque, em geral, um relatório é um documento que circula em

um grupo; portanto, certamente se supõe que as pessoas a

quem esse relatório se destina conhecem tais siglas.

Sumarizar o que foi apresentado e discutido no evento.

Construção de indicadores, ferramentas e abordagens que auxiliam as organizações

a entender e aplicar os pressupostos da sustentabilidade; dar início à construção da

agenda mineira de sustentabilidade na construção.

4. c) Os participantes foram convidados a debater

as questões prioritárias

e tomaram conhecimento

de pesquisas e resultados

dos outros encontros; foi

feita uma apresentação

do programa; foi iniciado

um debate com os participantes; foram apresentados aos participantes os

temas relevantes obtidos

em pesquisas e encontros

com empresas.

A percepção da necessidade de analisar, estudar e propor alternativas diferenciadas para os diversos segmentos do setor

da construção. / A utilização do material obtido no encontro como insumo para pesquisas.

A de detalhar os tópicos do debate feito no dia do encontro.

Não, pois é um detalhamento bem específico e facultativo, dependendo dos objetivos e da função do relatório.

À estrutura de uma ata, pois detalha a fala de alguns participantes e elenca pontos discutidos e mencionados na discussão.

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REGISTRE

NO CADERNO

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152 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

HORA DE ESCREVER

Seguem duas propostas de elaboração de produção de relatórios.

1. No capítulo 1, houve a realização de um debate no qual foram

deliberadas ações para a organização da feira de cidadania a ser

realizada no final da unidade. A fim de registrar as decisões tomadas, faça, individualmente, um relatório sobre os pontos discutidos no debate. Para isso, utilize as anotações que você fez

durante a discussão.

2. Prepare-se para produzir um relatório de prestação de contas da

feira. Guarde a documentação que utilizou com vistas à organização dos trabalhos e faça anotações que possam auxiliar na elaboração futura do relatório. Quem ficou responsável por qual tarefa?

Quais atividades foram realizadas? Quantas pessoas participaram?

Como foi a receptividade dos visitantes à feira? Qual oficina foi a

mais concorrida?

ANTES DE ESCREVER

Planeje seu relatório, seguindo estas orientações:

• Reúna todo o material com as informações relativas ao planejamento e/ou à organização da feira de cidadania: documentos, anotações, fotografias, etc.

• Certifique-se de que tem à mão informações para contemplar os itens mínimos de um

relatório: objetivo, tópicos discutidos, principais resultados.

• Defina quais serão as partes do relatório, tendo em vista a principal função dele: é

importante mencionar a razão do evento? É interessante anexar algum documento ou

imagem? É relevante comentar os impactos do evento na comunidade?

• Defina se há necessidade de detalhar as discussões realizadas no evento.

• Aponte os resultados do evento.

• Caso o evento relatado tenha dado origem a decisões relativas a ações futuras, registre-as.

ANTES DE PASSAR A LImPO

Antes de dar seu relatório por finalizado, observe:

• se o material de consulta que você selecionou foi aproveitado ao máximo;

• se os itens mínimos de um relatório foram contemplados;

• se as partes que compõem seu texto apresentam informações relevantes, considerando-se a finalidade que ele tem em vista;

• se o detalhamento das informações está equilibrado, ou seja, não é exagerado nem

insuficiente;

• se os resultados ou os planos relativos a ações futuras foram mencionados.

Dê continuidade à organização da feira de cidadania que a classe realizará

no final da unidade, registrando em um relatório

as decisões acordadas no

debate deliberativo e preparando a produção de um

relatório após a feira, a fim

de prestar contas, à escola

e à comunidade, dos resultados do trabalho realizado

por vocês.

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153PRODUÇÃO DE TEXTO

A geração de 30: José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Crase. Relatório e currículo CAPÍTULO 2

O currículo

Você, que está no 3¼ ano do ensino médio, em breve poderá precisar de um currículo, caso decida ingressar no mercado de trabalho. Trata-se de um documento no

qual são relacionadas as principais atividades que uma pessoa já realizou no âmbito

escolar e/ou profissional. Veja, a seguir, as principais informações que devem constar

em um currículo breve.

Nome completo

Data de nascimento, estado civil

Endereço com CEP

Telefones (residencial e celular)

E-mail

Área de interesse (opcional, caso haja alguma específica)

Formação escolar/acadêmica

Nome da escola/universidade

Curso (ensino médio regular ou técnico)

Início e término previsto

Formação complementar

Cursos de informática, cursos extras cujo conteúdo possa ser relevante para o cargo pretendido (música, esporte, teatro, etc.)

Idiomas

Nome do idioma, nível de conhecimento, nome da escola, período cursado

Experiência profissional

Empregos e estágios anteriores, sempre começando pelo mais recente

Nome da empresa e período de duração

Cargo ocupado e principais atividades realizadas

Atividades complementares

Atividades realizadas extraoficialmente: cargos ocupados na escola (membro do grêmio, representante de classe, etc.), organizações de eventos culturais, atividades voluntárias socialmente relevantes, vivência no exterior, participação em grupos comunitários, de estudo, de pesquisa, etc.

HORA DE ESCREVER

Seguem duas propostas de elaboração de currículos.

1. Seguindo o modelo acima, elabore um currículo com o resumo das principais atividades que você já realizou. Tenha-o à mão, caso haja alguma oportunidade do

seu interesse.

2. Planeje, com os colegas da classe, uma oficina de elaboração de currículos. Durante a

feira de cidadania, vocês poderão elaborar currículos para os visitantes ou dar dicas e

orientações sobre como deve ser um bom currículo.

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154 UNIDADE 2 Palavra e Persuasão

ANTES DE ESCREVER

Planeje a elaboração do seu currículo, seguindo estas orientações:

• Apresente seus dados pessoais de forma completa (números de documentos pessoais são desnecessários).

• Só coloque foto (em formato 3 x 4, com roupa sóbria e

fisionomia que demonstre seriedade) se houver essa solicitação.

• Registre todos os cursos que fez e as atividades profissionais que realizou (de preferência aquelas que você tem

como comprovar) e jamais cite cursos que não frequentou.

• Seja sincero e objetivo ao mencionar o domínio de algum

conhecimento ou a participação em trabalhos ou cursos.

• Não faça autoavaliações elogiosas.

• Utilize uma linguagem em acordo com a norma-padrão.

• Escreva entre uma e duas páginas. Caso você já tenha experiência profissional em que

se incluem numerosas atividades, mencione apenas as que forem mais relevantes com

vistas ao cargo ao qual está se candidatando.

• A não ser que o currículo seja direcionado a uma área artística, prefira um formato

clássico.

ANTES DE PASSAR A LImPO

Antes de dar seu currículo por finalizado, observe:

• se seus dados pessoais estão completos e atualizados, sem excesso de informação;

• caso haja foto, se ela é adequada;

• se todas as atividades relevantes que você já realizou estão mencionadas;

• se as descrições de experiências e atividades foram feitas de forma direta e objetiva,

sem autoelogios;

• se não há desvios em relação à ortografia e à norma-padrão;

• se a versão final tem, no máximo, duas páginas;

• se o documento está em um formato clássico.

Shutterstock

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155 A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3

A geração de 30

Colocação pronominal

Cartas argumentativas

A geração de 30:

Carlos Drummond de Andrade

CAPÍTULO 3

LITERATURA

Coleção Gilberto Chateubriand MAM, Rio de Janeiro, RJ

Porto (1935), de Antônio Gomide, pintor modernista que, na década de 1930, passou a pintar temas nacionais,

em especial figuras humanas de nossa paisagem.

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156 UNIDADE 2 Palavra e Persuasão

Carlos Drummond de Andrade

O poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) nasceu em Itabira, Minas Gerais. Estudou Farmácia em Ouro

Preto, mas não exerceu a profissão. Foi

um dos fundadores de A revista (1925),

publicação mineira que tinha o propósito de difundir o Modernismo no Estado.

Em 1934, o poeta mudou-se para o

Rio de Janeiro, onde teve contato com

os escritores da geração de 1930 que

viviam na então capital do país.

Foi funcionário público e, como cronista, escreveu para jornais mineiros

e cariocas. Produziu poesia, crônicas,

contos e literatura infantil e é considerado por alguns críticos como o maior

poeta brasileiro de todos os tempos.

Arquivo/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

A poesia de 30

Os poetas da geração de 1930, assim como os romancistas, viveram o período de tensão dos anos 1930-40, marcados por fatos como a Revolução de

1930, o início do Estado Novo (1937-45), a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o acirramento ideológico, entre outros. Apesar disso, a poesia buscou

caminhos próprios, diferenciando-se da prosa, que explorou fortemente o

veio regionalista.

O traço preponderante da poesia dessa geração é a reflexão sobre o “estar no mundo”, voltada muitas vezes para questões sociais, mas também

para questões filosóficas, existenciais, espirituais e amorosas.

Do ponto de vista formal, os poetas da geração de 1930 mantiveram as

conquistas da geração de 22 − como o verso livre, as palavras em liberdade,

a busca de uma linguagem brasileira, mais próxima do oral e do coloquial,

etc. −, mas retomaram alguns dos procedimentos formais antes combatidos pelos modernistas, como o verso regular, o soneto e outras formas tradicionais da poesia. Aliás, alguns escritores dessa geração, como Vinícius

de Morais, destacaram-se como grandes sonetistas.

Os principais poetas dessa geração foram Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Vinícius de Morais, Jorge de Lima, Murilo Mendes e Mário Quintana. A poesia de Drummond será estudada neste capítulo; a de

Cecília Meireles e Vinícius de Morais, no capítulo 1 da unidade seguinte.

Carlos Drummond de Andrade

A primeira obra de poesia de Carlos Drummond de Andrade, Alguma poesia, foi publicada em 1930. Ao longo dos mais de cinquenta anos de produção literária do poeta, sua a obra foi se modificando, refletindo os fatos

histórico-sociais, porém nunca deixou de apresentar certos traços que lhe

foram essenciais, como a reflexão existencial e a ironia.

Da vasta produção em prosa e verso do autor, daremos destaque à poesia, que contou com várias fases. Os poemas das duas primeiras obras, Alguma poesia e Brejo das almas (1934), foram criados sob a influência dos

modernistas de 22 e, por isso, ainda são marcados pelo experimentalismo

estético, pelo poema-piada, pela síntese, pela ironia e pelo humor. Apesar

disso, apresentam uma profunda reflexão sobre o “estar no mundo”, em

uma perspectiva mais individualista e pessimista, revelando um claro sentimento de mal-estar, desagregação e inadequação.

A partir de 1940, entretanto, com a publicação de Sentimento do mundo,

nota-se uma clara mudança de perspectiva do poeta. Seus poemas se direcionam, então, para temas sociais e universais, como a guerra, e passam a

expressar um sentimento de esperança e de união entre os homens. Essa

fase se estende nos livros subsequentes, José (1942) e Rosa do povo (1945). A

publicação deste último livro coincide com o fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo, no Brasil.

Nas obras posteriores, o poeta retoma a postura reflexiva e filosófica das

obras iniciais, marcada por acentuados traços de desilusão e pessimismo

em relação à humanidade. São dessa fase as obras Claro enigma (1951), Fazendeiro do ar (1954) e A vida passada a limpo (1959).

Na fase final de sua produção, em obras como Boitempo (1968), Corpo

(1982), Amar se aprende amando (1984), entre outras, Drummond se volta

para temas universais como a memória, o tempo, o amor e o erotismo.

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LITERATURA

157 A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3

LITERATURA

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, dois poemas de Carlos Drummond de Andrade. O primeiro pertence à obra Alguma poesia, e o segundo, à obra Sentimento do mundo.

Texto 1

Coração numeroso

Foi no Rio.

Eu passeava na Avenida quase meia-noite.

Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.

Havia a promessa do mar

e bondes tilintavam,

abafando o calor

que soprava no vento

e o vento vinha de Minas.

Meus paralíticos sonhos desgosto de viver

(a vida para mim é vontade de morrer)

faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente

na Galeria Cruzeiro quente quente

e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,

nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.

Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas

autos abertos correndo caminho do mar

voluptuosidade errante do calor

mil presentes da vida aos homens indiferentes,

que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram

O mar batia em meu peito, já não batia no cais.

A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu

a cidade sou eu

sou eu a cidade

meu amor.

(Reuni‹o. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980. p. 15-6.)

Texto 2

A noite dissolve os homens

A Portinari

A noite desceu. Que noite!

Já não enxergo meus irmãos.

E nem tampouco os rumores

que outrora me perturbavam.

A noite desceu. Nas casas,

nas ruas onde se combate,

nos campos desfalecidos,

a noite espalhou o medo

e a total incompreensão.

realejo: instrumento

musical que se toca por

meio de uma manivela.

Nelson Provazi

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158 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

A noite caiu. Tremenda,

sem esperança... os suspiros

acusam a presença negra

que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho

na noite. A noite é mortal,

completa, sem reticências,

a noite dissolve os homens,

diz que é inútil sofrer,

a noite dissolve as pátrias,

apagou os almirantes

cintilantes! nas suas fardas.

A noite anoiteceu tudo...

O mundo não tem remédio...

Os suicidas tinham razão.

Aurora,

entretanto eu te diviso, ainda tímida,

inexperiente das luzes que vais acender

e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,

adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,

teus dedos frios, que ainda se não modelaram

mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,

minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,

os corpos hirtos adquirem uma fluidez,

uma inocência, um perdão simples e macio...

Havemos de amanhecer. O mundo

se tinge com as tintas da antemanhã

e o sangue que escorre é doce, de tão necessário

para colorir tuas pálidas faces, aurora.

(Idem, p. 57-8.)

1. O poema “Coração numeroso” é organizado em duas partes e mostra impressões

do eu lírico na cidade do Rio de Janeiro. Considerando essa estrutura do poema e as

ideias que ele apresenta, responda:

a. Que versos compõem a primeira e a segunda partes? Justifique sua resposta.

b. Que palavra introduz a segunda parte?

c. Logo, entre as duas partes, que tipo de relação há: de causa e consequência, de

oposição ou de condição?

2. A respeito da relação do eu lírico com a cidade do Rio de Janeiro, responda, justificando com elementos do texto:

a. O eu lírico é dessa cidade? Releia os dois versos da primeira estrofe e infira: Qual é a

origem dele?

b. Como o eu lírico se sente no Rio de Janeiro?

c. O modo como o eu lírico se sente resulta apenas de ele estar na cidade do Rio de

Janeiro ou ele já se sentia assim antes?

Professor: Peça aos alunos que numerem os versos do poema, para facilitar a realização da atividade.

A primeira parte é constituída pelos versos de 1 a 14; a segunda, do verso 15 até o último.

A primeira parte termina em “Acabemos com isso”, que dá a entender que algo de diferente

mas ocorrerá a partir dali.

De oposição.

Não, pois ele não conhecia ninguém ali; provavelmente sua origem é Minas, pois se refere ao “doce vento mineiro”,

como se o vento o remetesse ao passado e a um espaço familiar, de conforto.

Ele se sente deslocado, desgostoso e infeliz, conforme indicam os trechos “desgosto de viver” e “Acabemos com isso”.

Provavelmente já se sentia assim antes, pois afirma “a vida para

mim é vontade de morrer”.

A parte “Guerra” do

painel Guerra e paz

(1956), de Portinari,

hoje na sede da ONU,

em Nova Iorque.

hirto: duro, imóvel.

peremptório: definitivo,

decisivo.

REGISTRE

NO CADERNO

Sede da ONU, Nova Iorque, EUA

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literatura

159 A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3

3. Na segunda parte do poema, algo de novo começa a acontecer,

dando início a uma gradação de emoções e sentimentos.

a. Como o eu lírico começa a ver e sentir a cidade? Justifique sua resposta com palavras ou expressões do texto.

b. Que versos dessa parte exprimem a mudança de sentimentos

do eu lírico em relação à cidade? Justifique sua resposta.

c. Considerando a gradação, levante hipóteses e responda: A que

ou a quem se refere a expressão meu amor, que finaliza o poema? O que essa expressão representa nas transformações que

o eu lírico estava vivendo?

4. O poema “Coração numeroso” se inclui na primeira fase da poesia de Drummond, marcada pelo gauchismo (da palavra francesa

gauche, “lado esquerdo”, ou seja, a sensação de ser estranho, diferente, inadequado), pelo ceticismo, pela ironia e por alguns traços

da geração de 22.

a. Há traços de gauchismo no poema? Se sim, em qual parte dele?

Justifique sua resposta com elementos do texto.

b. Que traços da geração modernista de 22 se observam no poema?

5. O poema “A noite dissolve os homens” também é, como “Coração numeroso”, organizado em duas partes.

a. Identifique essas duas partes.

b. Que palavras do poema constituem uma antítese entre as partes?

6. Observe estes versos do poema:

• “acusam a presença negra”

• “A noite anoiteceu tudo...”

• “inexperiente das luzes que vai acender”

• “adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.”

• “se tinge com as tintas da antemanhã”

• “e o sangue que escorre é doce, de tão necessário / para colorir tuas pálidas faces,

aurora.”

a. Que alterações cromáticas, observadas na sequência dos versos acima, ocorrem ao

longo do poema?

b. Que figura de linguagem se verifica nas transformação das cores?

7. O poema se inicia com o verso “A noite desceu. Que noite!”.

a. Que tipo de efeito a noite tem sobre os homens? Que sentimentos desperta nas

pessoas? Justifique sua resposta com trechos do poema.

b. A ação da noite se restringe a alguns homens ou tem um alcance geral? Justifique

sua resposta com elementos do poema.

c. O poema foi publicado em 1940. Que elementos do contexto são mencionados nele?

d. Levando em conta sua resposta no item anterior, interprete: O que representa a

metáfora a noite?

3. a) Ele começa a ver a cidade de outra maneira e a senti-la de forma vibrante, sedutora e sensual, conforme indica o emprego

de expressões como fascinação, mil presentes, voluptuosidade.

3. b) Toda a última estrofe,

especialmente os versos “O

mar batia em meu peito, já

não batia no cais”, “a cidade

sou eu “ e “eu sou a cidade”,

que revelam uma completa

identificação do eu lírico

com a cidade.

3. c) Professor: Sugerimos

abrir a discussão com a classe, pois pode haver mais de

uma possibilidade de resposta. Do nosso ponto de vista,

a leitura mais provável é a de

que a expressão meu amor

se refira à própria cidade.

Tal sentimento é o auge da

gradação, explicitando a descoberta do amor pela cidade

experimentada pelo eu lírico.

4. a) Sim, o gauchismo está presente nas duas partes. Na primeira, em razão

da fala de identificação do eu lírico com o que vê e sente na cidade: agitação, movimento, barulho, calor; na segunda, em razão da diferença entre ele

e os “homens indiferentes”, que não sentem pela cidade o mesmo que ele.

Verso livre, fragmentação e uso de flashes cinematográficos, reforçados pela falta

de pontuação, como ocorre na segunda estrofe do poema.

Cada parte corresponde a uma estrofe do poema.

As palavras noite e aurora.

A partir da negritude total da noite (“a presença negra”, “a noite anoiteceu tudo”) aos poucos ocorre o clareamento, associado à manhã, primeiro em tons róseos (“vapor róseo”), e depois em vermelho-sangue, trazido pela aurora.

A gradação.

7. a) A noite traz a incompreensão entre os homens, paralisa-os e provoca-lhes o medo, conforme

indicam os versos “a noite

espalhou o medo / e a total

incompreensão”.

7. b) Ela tem um alcance

geral, conforme indicam os

versos “onde se combate”,

“a noite dissolve os homens” e “a noite dissolve

as pátrias”.

7. c) São mencionados elementos relacionados ao contexto da Segunda Guerra Mundial, que ocorria então, referidos nas palavras e expressões “campos desfalecidos”, “guerreiros”, “almirantes cintiliantes! nas suas fardas”,

“fascista”.

Representa o momento sombrio que a humanidade viveu durante a Segunda Guerra Mundial.

A Galeria Cruzeiro funcionava no

térreo do Hotel Avenida, na antiga

avenida Central, hoje avenida Rio

Branco, no Rio de Janeiro. A galeria

tinha bares e restaurantes e uma

estação de bondes. O hotel foi

demolido em 1957.

Arquivo/Estadão Conteúdo

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil

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160 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

8. Na segunda estrofe, o eu lírico avista o nascimento da aurora.

a. No confronto com a noite, como a aurora se mostra inicialmente?

b. O que a aurora traz para os seres humanos? Justifique sua resposta com elementos

do texto.

c. Considerando o contexto, interprete: O que representa a metáfora aurora?

9. Em “Havemos de amanhecer”, a forma verbal havemos é auxiliar de amanhecer.

a. Em que pessoa está essa forma verbal? O eu lírico se inclui entre os que vão amanhecer?

b. A postura do eu lírico no poema “A noite dissolve os homens” representa uma

ruptura ou uma continuidade em relação à fase gauche da poesia de Carlos Drummond de Andrade? Por quê?

Ela se mostra tímida,

inexperiente e fria.

O fim do cansaço (“Minha fadiga encontrará em ti o seu termo”), solidariedade (“as mãos dos sobreviventes

se entrelaçam”), sentimentos humanos (“um perdão simples e macio”).

A aurora representa a esperança de um novo tempo, depois de terminada a guerra:

um tempo de esperança, amor, solidariedade e comunhão entre os homens.

A forma verbal havemos está na 1» pessoa do plural, cujo sujeito desinencial é nós.

O eu lírico se inclui entre os que vão amanhecer.

9. b) Representa uma

ruptura com o gauchismo

da fase inicial da poesia

drummondiana. Nela havia

uma visão mais individualista e pessimista do mundo, enquanto nessa nova

fase o eu lírico se mostra

mais aberto ao mundo

exterior, mais solidário e

mais afável em relação

aos seres humanos.

Professor: Comente com

os alunos que Sentimento

do mundo (1940), obra da

qual o poema faz parte, é o

início de uma nova fase na

obra do poeta (que inclui

as obras José e Rosa do

povo), mais social e comprometida com as questões sociais e políticas do

tempo em que ele viveu.

Um esc‰ndalo no meio do caminho

Um dos mais conhecidos poemas de Drummond é este:

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.

(Reunião. 10. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980.)

Veja o que o autor comentou a respeito do poema:

O meu poema “No meio do caminho”, composto de dez versos, repete de propósito sete vezes as palavras “tinha” e “pedra”, e seis vezes as palavras “meio” e “caminho”. Isso foi julgado escandaloso; hoje

o poema está traduzido em 17 línguas, e me diverti publicando um livro de 194 páginas contendo as

descomposturas mais indignadas contra ele, e também os elogios mais entusiásticos. Achavam-me

idiota ou palhaço; suportei os ataques porque ao mesmo tempo recebia o estímulo de meus companheiros de geração e de pessoas mais velhas, nas quais depositava confiança pela capacidade intelectual e pela honestidade de julgamento que a distinguiam.

(Antologia poética. Rio de Janeiro: Record, 2000. Prefácio.)

• A poesia da geração de 1930 caracteriza-se, predominantemente, pela reflexão em

torno de questões sociais, filosóficas, existenciais, espirituais e amorosas. Do ponto de

vista formal, as conquistas de 22 foram mantidas, mas os poetas voltaram a explorar

versos e formas convencionais, como o decassílabo e o soneto.

• Carlos Drummond de Andrade é o principal poeta da geração de 1930, e sua obra

apresenta várias fases.

• A primeira fase da poesia de Drummond é marcada por certos procedimentos formais

da geração de 22, como o verso livre, a síntese e a ironia, mas também pelo gauchismo,

isto é, por uma perspectiva individualista e pessimista em relação ao mundo.

• A segunda fase da poesia de Drummond se situa no contexto do Estado Novo e

da Segunda Guerra Mundial e se volta para questões sociais em uma perspectiva

de crítica à realidade e, ao mesmo tempo, de solidariedade e esperança em um

mundo melhor.

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161 A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3

Colocação pronominal

FOCO NO TEXTO

Leia o texto a seguir, de Antonio Prata.

Abra•ando ‡rvore

Não era uma felicidade eufórica, dessas de gritar “Urru!”, estava mais pra uma brisa de contentamento, como se eu bebesse vinho branco à beira-mar ou lesse Rubem Braga na varanda

de um sítio.

Eu tinha acordado cedo naquela sexta ‒ e acordar cedo

sempre me predispõe à felicidade. O trabalho havia rendido bem e, antes do fim da manhã, já tinha acabado de

escrever tudo o que me propusera para o dia. À uma, fui

almoçar com o meu editor. Ele estava com alguns capítulos do meu livro novo desde dezembro e eu temia que não

tivesse gostado. Gostou. Fez alguns reparos com que concordei. Comemos um peixe na brasa ‒ peixe e brasa também costumam me predispor à felicidade – e como era sexta-feira, e como

somos amigos, e como comemorávamos essa pequena alegria que

é um trabalho andar bem, uma parceria funcionar, brindamos com

vinho branco ‒ não à beira-mar, mas à beira do Cemitério da Consolação, que pode não ter a grandeza de um Atlântico, mas também tem lá os seus

pacíficos encantos.

Saí andando meio emocionado, meio sem rumo pela tarde ensolarada e quando vi

estava em frente à paineira da Biblioteca Mario de Andrade. É uma árvore gigante, que

provavelmente já estava ali antes do Mario de Andrade nascer, continuou ali depois

de ele morrer e continuará ali depois que todos os 18 milhões de habitantes que hoje

perambulam pela cidade de São Paulo estiverem abaixo de suas raízes. Talvez tenha

sido o assombro com essa longevidade, talvez acordar cedo, talvez os elogios ao livro e

o vinho certamente colaborou: fato é que senti uma súbita vontade de abraçar aquela

árvore.

Acho importante deixar claro, inclemente leitor, que não sou do tipo que abraça

árvore. Na verdade, sou do tipo que faz piada com quem abraça árvore. Se me contassem, até a última sexta, que algum amigo meu foi visto abraçando uma paineira

na rua da Consolação eu diria, sem pestanejar: enlouqueceu. Mas...

Não haveria nada de místico no abraço. Eu não achava que a paineira iria me

emprestar qualquer “energia”, nem que ela sugaria de minh’alma possíveis toxinas metafísicas. Era algo simbólico como atirar uma rosa ao mar dia 31 de dezembro, uma mínima inflexão na correria: aí está você, imóvel e longeva, aqui estou

eu, ágil e breve, duas soluções do acaso para a soma de elementos da tabela periódica ‒ e ela seguiria ali, com sua fotossíntese, eu seguiria adiante, com minhas

caraminholas.

Olhei prum lado. Olhei pro outro. Tomei coragem e foi só sentir o rosto tocar

o tronco para ouvir: “Antonio?!”. Era meu editor. Foram dois segundos de desesLÍNGUA E LINGUAGEM

LÍNGUA e

LINGUAGEM

Nelson Provazi

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162 UNIDADE 2 Palavra e Persuasão

pero durante os quais contemplei o distrato do livro, a infâmia pública, o

alcoolismo e a mendicância, mas só dois segundos, pois meu inconsciente,

consciente do perigo, me lançou a ideia salvadora. “Uma braçada”, disse eu,

girando pra esquerda e envolvendo a árvore novamente, “duas braçadas

e... Três”. Então encarei, seguro, meu possível verdugo: “Três braçadas dá

o que? Uns cinco metros de perímetro? Tava medindo pra descrever, no

livro. Tem uma parte mais no fim em que essa paineira é importante.”

Colou. Nos despedimos. Ele foi embora prum lado, a minha felicidade

pro outro e agora estou aqui, já noite alta desta sexta-feira, tentando enfiar a todo custo um tronco de quase dois metros de diâmetro num livro

em que, até então, não havia nem uma samambaia. 

(Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2016/

01/1730364-abracando-arvore.shtml. Acesso em: 5/3/2016.)

1. O autor conta, em seu texto, sobre um dia específico de sua vida.

a. Qual era o estado de espírito do autor naquele dia?

b. A que acontecimentos ele atribui tal estado de espírito?

c. Qual atitude inusitada ele tomou levado por esse estado de espírito?

2. Ao decidir realizar um ato julgado por ele mesmo como inusitado, o autor foi surpreendido por seu editor.

a. Qual foi a reação do autor nesse momento e o que ele fez para sair da

situação embaraçosa?

b. Qual problema essa atitude trouxe para ele?

3. Esse texto foi publicado em um jornal de grande circulação. Tendo em

vista a história contada, responda:

a. Qual nova função pode assumir esse texto, além de entreter os leitores?

b. Levante hipóteses: O problema mencionado pelo autor no último parágrafo permanecerá após a circulação desse texto?

4. Observe as seguintes construções empregadas no texto:

“sempre me predispõe”

“tudo o que me propusera”

“costumam me predispor”

“Se me contassem”

“iria me emprestar”

“me lançou a ideia”

“Nos despedimos.”

a. O que há de comum entre todas elas no que diz respeito à posição do

pronome oblíquo?

b. Discuta com os colegas e o professor: Em alguma dessas ocorrências,

ao produzir o mesmo enunciado, você colocaria o pronome em lugar

diferente?

5. Embora no português falado atualmente no Brasil (e escrito em situações informais) os pronomes sejam majoritariamente colocados na posição em que estão no texto lido, há outras maneiras de explorar essa

distrato: anulação, rescisão.

inflexão: mudança de rumo, desvio.

verdugo: carrasco, algoz.

Ele estava feliz, animado.

b) Ter acordado cedo, ter terminado suas tarefas mais cedo, ter tido êxito em um

trabalho e um almoço agradável com seu editor, parceiro profissional e amigo.

Decidiu abraçar uma árvore.

Ele se desesperou e inventou uma história

para justificar sua atitude.

A necessidade de fazer uma alteração não planejada no livro que estava escrevendo.

A de justificar a atitude do autor para seu editor, o que ele

não teve coragem de fazer no momento do ocorrido.

Provavelmente não, pois seu editor conhecerá o verdadeiro motivo da atitude e

ele não precisará mais alterar a história original de seu livro.

Ele sempre aparece antes do verbo que acompanha.

Há mais de uma possibilidade de resposta. Provavelmente, os alunos usariam as mesmas construções.

Professor: Proponha a discussão à classe, sugerindo que pensem em outras possibilidades de colocação dos pronomes.

Antonio Prata

Antonio Prata é escritor e roteirista.

Filho dos também escritores Mário Prata e Marta Góes, nasceu em São Paulo

em 1977 e atualmente escreve para o

jornal Folha de S. Paulo, além de ter

alguns livros publicados, entre eles Nu,

de botas (Cia. das Letras) e Meio intelectual, meio de esquerda (Ed. 34).

REGISTRE

NO CADERNO

Paulo Liebert/Estadão Conteúdo

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língua e

linguagem

163 A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3

colocação. Discuta com os colegas e o professor e levante hipóteses:

Quais das opções a seguir são consideradas adequadas à norma-padrão

segundo a gramática normativa?

sempre predispõe-me

tudo o que propuse-me-ra

tudo o que propusera-me

costumam predispor-me

ir-me-ia emprestar

iria emprestar-me

lançou-me a ideia

Despedimo-nos

6. Encontre no texto outros trechos que comprovem a opção do autor de

empregar uma linguagem bastante informal, próxima da fala.

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

Como você viu no estudo do texto de Antonio Prata, é possível empregar

os pronomes oblíquos átonos em relação aos verbos que acompanham de

forma variada. Assim:

Colocação pronominal é a posição do pronome oblíquo

átono em relação ao verbo que ele acompanha.

Atualmente, a colocação pronominal no português brasileiro é majoritariamente feita por meio da próclise, isto é, da colocação antes do verbo. É

possível, entretanto, em determinadas construções, em geral mais formais,

encontrar outras formas de colocação pronominal.

A gramática normativa classifica a colocação pronominal em três tipos:

• próclise: pronome colocado antes da forma verbal. Ex.: “sempre me predispõe”.

• ênclise: pronome colocado depois da forma verbal. Ex.: “lançou-me a ideia”.

• mesóclise: pronome colocado no meio da forma verbal. Ex.: “ir-me-ia emprestar”.

Apresentamos a seguir as regras específicas para o uso da ênclise e da

mesóclise, colocações pouco utilizadas no português do Brasil. Nos demais

casos, continua-se utilizando a próclise, a forma mais comum em nosso

país. Não há necessidade de adotar essas regras em sua fala cotidiana; porém, é interessante conhecê-las e utilizá-las em situações de escrita formal

e de avaliações e exames escritos.

Deve-se dar preferência à ênclise:

• para se iniciar frase, ou se há vírgula antes do verbo: “Sentei-me na primeira fileira”, “Se chegar cedo, sento-me na primeira fileira”;

• em frases imperativas afirmativas: “Amanhã sentem-se todos na primeira fileira”;

• em casos de gerúndio ou infinitivo pessoal: “Chegou sentando-se na primeira fileira”, “Era meu intuito ajudá-lo.”.

Deve-se dar preferência à mesóclise:

• com formas verbais no futuro do presente ou no futuro do pretérito: “Dirse-á que somos loucos.”, “Sentar-se-ia na primeira fileira se tivesse chegado cedo.”.

X

X

X

X

“dessas de gritar “Urru”; “estava mais pra uma brisa”; “também tem lá os seus pacíficos encantos”; “com minhas caraminholas”; “Olhei prum lado. Olhei pro outro”;

“tentando enfiar a todo custo”.

As palavras atrativas

Alguns termos são chamados de palavras atrativas, pois atraem o pronome

para antes do verbo e geram próclise,

mesmo em contextos nos quais se teria

ênclise ou mesóclise. São elas:

• advérbios: “Não se queixe”, “Antes

me encontrei com ela”;

• pronomes relativos e indefinidos:

“tudo o que me propus a fazer...”,

“Ninguém me avisou...”;

• conjunções subordinativas: “Disse

que me deixariam ficar”, “Se me

contassem...”;

• gerúndio e infinitivo pessoal

precedidos de preposição: “Em se

tratando de...”, “Para se sentarem”.

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164 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

APLIQUE O QUE APRENDEU

1. Você vai ler a seguir um trecho de um texto jurídico, escrito no século

XXI, e outro, das memórias do Visconde de Taunay, escrito no final do

século XIX.

A citação inicial far-se-á por mandado, expedindo-se edital

de citação somente quando esgotados todos os meios possíveis para efetivação do chamamento pessoal. [...]

Não há que se falar em nulidade do feito, desde que a tentativa de citação do réu tenha sido implementada de forma

regular e pessoalmente no endereço fornecido durante o inquérito [...]. Alega a defesa que houve afronta à regra do art.

186 do CPP (na verdade, estaria a defesa a se referir ao art. 185

do CPP), pois o interrogatório judicial [...] teria sido realizado

sem a presença do seu defensor então constituído. No entanto, vale ressaltar que tal regra somente se tornou obrigatória

quando do advento da lei 10.792, de 1º de dezembro de 2003. [...]

(Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/busca?q=INTELIG%C3%

8ANCIA+DO+ARTIGO+351+%2C+DO+CPP. Acesso em: 5/3/2016.)

Poderia eu ir contando, com todas as minúcias, o seguimento dessa Campanha da Cordilheira, os episódios da guerra que terminou com a morte do tirano Lopez, no Aquidabanigui, em Cerro Corá. Mas ir-me-ia alongando demasiado a

encher volumes e volumes destas Memórias, quando tanto

ainda tenho que relatar! Falta-me tempo, disposição de corpo

e de espírito, a lutar com bem penosas nevralgias de fundo

diabético. [...]

(O Visconde de Taunay e os fios da mem—ria. São Paulo: Editora Unesp, 2006. p. 159.

Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=AcClYQiKSKUC&pg=PA305&dq

=visconde+de+taunay&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiIyMvs_67LAhUCDJAKHSy

QC0QQ6AEIJjAA#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 5/3/2016.)

a. Observe a forma como é feita a colocação pronominal dos termos em

destaque nos textos, agrupe-os segundo usos similares e justifique

cada uma das ocorrências com base nas regras estudadas.

b. Embora tenham sido escritos com mais de um século de diferença

entre si, os dois textos fazem usos semelhantes da colocação pronominal. Discuta com os colegas e o professor: Quais desses usos são

comuns no dia a dia do brasileiro atualmente? Nos casos em que a

colocação pronominal do texto não é utilizada no dia a dia, indique

formas alternativas.

c. Levante hipóteses: Quais motivos fazem com que cada um desses

textos apresente os pronomes dessa forma?

Você vai ler a seguir um conhecido poema de Carlos Drummond de Andrade, autor estudado na seção Literatura deste capítulo.

a) far-se-á e ir-me-ia: mesóclise com futuro

do presente e futuro do pretérito, respectivamente. Expedindo-se e Falta-me: ênclise após

vírgula e em início de frase, respectivamente.

se falar e se tornou: próclise pelas palavras

atrativas que (conjunção subordinativa) e

somente (advérbio); se referir: próclise com

infinitivo pessoal antecedido de preposição.

b) Se falar, se tornou e se referir ainda são

comuns. Em situações formais de fala ou de

escrita, também se encontram expedindo-se

e falta-me, que, em situações informais, seriam substituídas por se expedindo e me falta.

Já far-se-á e ir-me-ia, provavelmente seriam

substituídas por se fará e iria me (alongando)

ou, ainda, por construções alternativas, como

será feita ou iria alongar minha fala/meu texto.

c) No primeiro caso, por se tratar de um texto

extremamente formal da esfera jurídica, na

qual é comum seguir as regras da norma-padrão formal e, no segundo, por se tratar de um

texto antigo, época em que algumas pessoas

ainda utilizavam essas construções.

A colocação pronominal no

português brasileiro

A colocação brasileira dos pronomes

oblíquos átonos é bem característica,

sendo inclusive muito mencionada

como uma das principais diferenças entre a variedade brasileira e as variedades africanas e europeia do português.

Em matéria da Revista Língua (edição

67), Luiz Costa Pereira Junior analisa

essa forma típica dos pronomes nas

construções brasileiras. Segundo Pereira Junior, Gilberto Freyre observa que

no Brasil colonial construções como

faça-me e dê-me eram usadas pelos senhores de escravos com frieza e secura,

em ordens firmes e implacáveis. Assim,

“O modo português adquiriu na boca

dos senhores certo ranço de ênfase hoje

antipático: faça-me isso; dê-me aquilo”,

cita Gilberto Freyre, na obra Casa-grande e senzala.

Pereira Junior conclui, com base nas

ideias de Freyre, que o brasileiro, nesse

contexto, teria optado “por um ’modo

mais doce’ de pedir: me dê no lugar de

dê-me; me faça, mais brando que façame, doce aversão ao ’imperativo antipático’ prescrito pela gramática tradicional lusa”, com a ênclise e a mesóclise.

O autor destaca ainda que esse fenômeno é denominado “próclise absoluta”

por Rodolfo Ilari e Renato Basso, no livro

O português da gente. “Absoluta” porque esse tipo de colocação pronominal

predomina na variedade brasileira, que

antecipa o pronome átono para o início

da sentença, dando um caráter de súplica a uma fala que poderia soar como

cerimoniosa ou mesmo autoritária.

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

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A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3

A flor e a náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,

vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias espreitam-me.

Devo seguir até o enjoo?

Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas,

alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre

fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.

As coisas. Que tristes são as coisas,

consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam para casa.

Estão menos livres mas levam jornais

e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.

Os ferozes leiteiros do mal.

2. Publicado na obra A rosa do povo (1945) e escrito em um momento histórico conturbado – ditadura Vargas no Brasil e Segunda Guerra Mundial –, o poema “A flor e a

náusea” deixa transparecer o sentimento do eu lírico em relação a esse contexto. Com

base nas três primeiras estrofes, responda:

a. Como se caracteriza o ambiente e o tempo em que vive o eu lírico? Justifique sua

resposta com palavras, expressões e versos do texto.

b. Quais são os desejos do eu lírico nesse contexto? Justifique sua resposta com versos do texto.

a) Triste, escuro, tenebroso,

pessimista. “rua cinzenta”,

“melancolias”, “O tempo é

ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.”,

“O tempo pobre”, “os muros

são surdos”, “Que tristes são

as coisas, consideradas sem

ênfase.”.

Instituir alguma mudança, falar com as pessoas, mudar o rumo do que vê. “Devo seguir até o

enjoo?”, “Posso, sem armas, revoltar-me?”, “Em vão me tento explicar, os muros são surdos.”

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

Porém meu ódio é o melhor de mim.

Com ele me salvo

e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em

pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

(Reunião. 10. ed. Rio de Janeiro:

José Olympio, 1980. p. 78-9.)

Thinkstock/Getty Images

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166 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

3. Nas estrofes de 4 a 7, o eu lírico fala sobre si mesmo.

a. O que se sabe do eu lírico por meio desses versos?

b. Levante hipóteses: Essas características permitem associar o eu lírico a quem?

4. As três últimas estrofes falam sobre o nascimento de uma flor.

a. Levante hipóteses: Por que esse acontecimento é tratado como fora do comum no

contexto do poema?

b. Como o eu lírico descreve a flor que nasceu? O que há de inesperado nessa descrição?

c. Quais sentimentos essa flor desperta no eu lírico? Justifique sua resposta com versos do poema.

d. Discuta com os colegas e o professor e conclua: Qual sentido maior se pode atribuir

ao nascimento dessa flor, levando em consideração todo o contexto de produção

do poema? Indique o verso que resume essa ideia.

5. Há no poema diversos pronomes oblíquos átonos que acompanham verbos.

a. Reproduza a tabela a seguir em seu caderno, identifique essas ocorrências no poema e complete a tabela como no exemplo, de acordo com cada tipo de ocorrência.

Ênclise em início de frase ou depois de uma

pausa

revoltar-me

Próclise motivada por palavra atrativa

Casos que não se encaixam nas regras

b. Entre os casos que não se encaixam nas regras apontados por você no item anterior, sobressai a próclise ou a ênclise? Levante hipóteses: Por que isso ocorre?

c. Discuta com os colegas e o professor e conclua: Com base nas características da

poesia modernista e especialmente da poesia de Drummond, o que justifica a forma como o poeta utiliza próclises e ênclises no poema em estudo?

6. Releia este verso:

“Em vão me tento explicar, os muros são surdos.”

a. Levante hipóteses: Quem são os muros surdos?

b. Levante hipóteses: Por que foi utilizada essa colocação pronominal?

c. Como você falaria essa frase? Justifique sua resposta.

Que tem em torno de 40 anos de idade, que reflete sobre os

crimes que vê, que passa por um momento de perturbação, que

em 1918 era um menino considerado anarquista, que se salva e

dá esperança às pessoas com seu próprio ódio.

Ao próprio poeta Carlos Drummond de Andrade.

Professor: Retome o boxe da biografia de Drummond com os alunos para estabelecer as relações.

Porque o momento e a atmosfera descritos no poema não são favoráveis

ao nascimento de uma flor, especialmente no meio do asfalto.

b) Desbotada, sem cor,

com pétalas fechadas, de

nome desconhecido, feia.

Em geral, especialmente

na poesia, a flor é associada ao colorido, à beleza.

Surpresa, empatia, solidariedade. “Uma flor nasceu na rua!”, “garanto que uma flor nasceu.”, “Sento-me

no chão da capital do país às cinco horas da tarde”, “e lentamente passo a mão nessa forma insegura.”

d) A flor pode ser associada

à esperança em um futuro

melhor, que renasce aos poucos, ainda tímido, em meio às

condições adversas vividas

naquele momento histórico.

Essa ideia é sintetizada no

último verso: “É feia. Mas é

uma flor. Furou o asfalto, o

tédio, o nojo e o ódio.”.

Sento-me

que o perdem, que se percebe, não se abrem

espreitam-me, fundem-se, me tento explicar, perdoá-los,

me salvo, avolumam-se, movem-se b) A ênclise. Há possibilidades diversas de hipóteses: porque essa construção era mais comum

na época do que é hoje

em dia, porque fica mais

sonoro, porque essa era a

preferência do poeta, etc.

Conforme estudado, os poetas da geração de 30 buscam uma linguagem mais próxima da fala, sem preocupação com métrica ou rimas. No entanto, mesmo

não se sentindo presos às regras da norma-padrão, também não se colocam de forma radical em relação a uma necessidade de falar brasileiro, pois se consideram livres para escrever como preferirem.

As pessoas, a sociedade, o governo.

A presença da locução adverbial em vão pode ter

influenciado a opção por deslocar o pronome, funcionando como um elemento atrativo.

Resposta pessoal. Em geral, atualmente no Brasil as pessoas falam tento me explicar,

pois o pronome entre as duas formas verbais é a construção mais comum.

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

167

A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia o anúncio a seguir e responda às questões.

(Disponível em: www.putasacada.

com.br/parque-d-pedro-shoppingfull-jazz. Acesso em: 30/6/2017.)

1. Relacione as partes verbal e não verbal do anúncio, produzido por um shopping center.

O que retratam as imagens da esquerda e da direita? Qual é a relação dessas imagens

com o anúncio?

2. Releia o enunciado principal à esquerda. Nele, o anúncio faz uso de um trocadilho

com uma expressão de uso corrente no mundo da moda.

a. Qual é o trocadilho e qual é o sentido da expressão?

b. Levante hipóteses: O que é um “preço que está na moda”?

3. Há dois termos desse enunciado que são contrapostos para criar um efeito de humor.

a. Identifique-os e explique qual é a diferença de sentido entre eles no contexto do

anúncio.

b. Explique por que a contraposição desses termos é confirmada pela informação trazida no enunciado.

c. Relacione um desses termos ao enunciado da direita do anúncio. Qual novo sentido

ele ganha nesse contexto?

d. Identifique o caso de colocação de pronome oblíquo átono nesse trecho.

4. A colocação pronominal tal como aparece no anúncio não é a indicada pelas regras da

gramática normativa.

a. Justifique essa afirmação.

b. Reescreva o enunciado, colocando o pronome segundo as regras da gramática normativa.

c. Compare a versão escrita por você no item anterior e a versão do anúncio. Discuta

com os colegas e o professor e conclua: O sentido construído pelas duas expressões

é o mesmo? Justifique sua resposta.

d. Conclua: No anúncio em estudo, a opção pela forma não padrão se deu por desconhecimento das regras? Justifique sua resposta com base na finalidade do anúncio.

Uma simulação de uma etiqueta de loja e uma sacola cheia, que fazem referência a objetos novos, com etiqueta, que

ainda estão nas lojas e podem encher a sacola do visitante que aproveitar a promoção anunciada.

O trecho “preço que está na moda não cai” faz um trocadilho com a expressão cair de moda, que significa “desatualizar-se”.

Um preço à altura dos produtos do shopping, que estaria sempre na moda; um preço que agrada aos consumidores porque é baixo.

Cai e se joga. O primeiro remete à expressão cair o preço, que quer dizer que o preço diminuiu e, o

segundo, à expressão se joga, uma gíria que significa “se esbaldar, aproveitar muito”.

Porque ele diz que os preços estão até 70% mais baixos, o que significa

uma redução considerável, de mais da metade.

O termo se joga associado ao enunciado “Eu quero tudo” sugere que não apenas os preços, mas também o consumidor vai “se jogar” na promoção, isto é, vai aproveitar para comprar muito.

se joga

A gramática normativa indica que, após vírgula, deve-se usar ênclise, e não próclise.

Até 70% off. Porque preço que está na moda não cai, joga-se.

Não, pois seguindo a regra a frase perde esse sentido, uma vez que a expressão “se joga” é

uma gíria, utilizada em contextos informais e cristalizada com essa colocação pronominal.

Não, pois a intenção foi utilizar propositalmente a forma não padrão para fazer referência à gíria

e criar o efeito de humor no anúncio.

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168 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

As cartas argumentativas de

solicitação e de reclamação

A carta de solicitação

FOCO NO TEXTO

Leia a carta a seguir.

PRODUÇÃO DE TEXTO

1. Essa carta faz uma solicitação.

a. A quem a solicitação é dirigida e por quem ela é feita?

b. O texto da carta deixa claro o assunto sobre o qual é feita a solicitação. Identifique

o trecho que confirma essa afirmação.

c. Qual é a solicitação feita?

2. A situação de comunicação em que a carta em estudo circulou fica subentendida no

texto. Deduza: Qual fato motivou a escrita da carta?

3. Releia o trecho:

“vosso edital, tão importante para a classe das artes cênicas”

A solicitação é dirigida aos Correios; é feita

pela Cooperativa Brasileira de Circo.

Trata-se do trecho “Referente ao Edital de Seleção de Patrocínios de projetos culturais”, situado antes do vocativo.

A de que, nos editais seguintes, o circo seja incluído entre as opções de projetos culturais.

O fato de os Correios terem lançado um edital de fomento a projetos culturais que não incluía atividades ligadas ao circo.

São Paulo, 18 de julho de 2013.

À Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – Correios

Referente ao Edital de Seleção de Patrocínios e projetos culturais.

Prezados Senhores,

A Cooperativa Brasileira de Circo e as demais entidades que compõem a Aliança Pró Circo vêm através desta solicitar que V. Sa. nas próximas

edições de vosso edital, tão importante para a classe das artes cênicas, incluam

o circo como opção.

Atravessamos um momento profícuo, com imensa atividade e inúmeros espetáculos sendo criados para apresentação em espaços públicos e teatrais.

Fazemos parte da programação habitual do SESC, SESI, Caixa Cultural, Circuito Cultural Paulista, Circuito das Artes, além de inúmeros festivais pelo Brasil

que existem ou estão sendo criados para atender a essa produção – Festival Brasileiro de Circo, Festival Mundial de Circo, Ri Catarina, Palhaçaria, entre outros.

Acreditamos que não tem sentido estarmos alijados do processo no momento em que nossa linguagem está fortalecida e reconhecida internacionalmente.

No aguardo de que a inclusão se faça o mais rapidamente possível e à inteira

disposição para informações,

(Disponível em: https://circoop.files.wordpress.com/2013/09/

carta-correios.jpg. Acesso em: 15/1/2016.)

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Reprodução

Reprodução

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169Produção de texto

A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3

a. Justifique o uso da forma pronominal vosso no contexto da carta.

b. Levante hipóteses: Por que o autor da carta optou por utilizar essa forma de tratamento?

c. Explique por que esse trecho, associado à escolha do pronome de tratamento, pode

também ser considerado estratégia de argumentação no contexto da carta.

4. Para fundamentar a solicitação que faz, o remetente lança mão de argumentos. Quais

são esses argumentos?

5. Leia algumas das definições apresentadas no Dicionário Houaiss para o termo patrocínio:

custeio total ou parcial de um espetáculo artístico ou desportivo, de programa

de rádio ou televisão etc. com objetivos publicitários; chancela; apoio, ger. financeiro, concedido, como estratégia de marketing, por uma organização a determinada

atividade artística, cultural, científica, comunitária, educacional, esportiva ou promocional

a. Com base nesses sentidos do termo patrocínio e na situação de comunicação em que

a carta circulou, levante hipóteses: Qual é a intenção dos Correios com o edital?

b. Ao fazer uma solicitação, é importante levar em conta não apenas os interesses

do remetente, mas também interesses dos interlocutores. Explique de que maneira o autor da carta em estudo considera em seus argumentos os interesses do

destinatário.

6. Discuta com os colegas e o professor e conclua: Os argumentos utilizados na carta em

estudo são relevantes e bem-construídos? Justifique sua resposta.

7. Uma carta de solicitação pode conter uma reclamação implícita e subentendida ou

explícita. Levante hipóteses: Qual reclamação pode ser considerada plausível para a

carta em estudo?

A carta de reclamação

FOCO NO TEXTO

O texto a seguir é uma carta de reclamação publicada em um portal da Internet especializado em automóveis.

São Bernardo do Campo, 9 de junho de 2010.

Pergunto para a empresa F do Brasil, por intermédio deste conceituado portal,

já que não obtive resposta aceitável por meio do único canal de comunicação com a

fábrica, o telefone 0800.

Comprei um veículo FF, em leilão, com 10 mil quilômetros rodados, proveniente

da frota utilizada em Camaçari pela empresa F. Por se tratar de carros utilizados por funcionários de alto escalão da empresa, fui informado de que o carro estaria sem garantia.

Mesmo assim comprei, confiando na qualidade dos produtos da Marca F, pois já adquiri

diversos veículos, e meus familiares, ao longo de 20 anos, têm sido também clientes desTrata-se de um pronome utilizado em situações formais, como demonstração

de respeito e/ou subordinação ao interlocutor.

Para se mostrar respeitoso e valorizar o destinatário.

Porque, além de tratar o destinatário de forma respeitosa, demonstra considerar que o edital promovido

pelo interlocutor é de grande importância, valorizando, assim, as iniciativas dele.

Os de que o circo passa por “um momento profícuo”, desenvolve muitas e diversificadas atividades por todo o país e tem reconhecimento internacional.

a) Associar sua imagem a projetos culturais, a fim de ter sua marca divulgada

positivamente em meios variados, como uma empresa que se preocupa com a

cultura brasileira.

Ao mencionar a importância atual do circo em todo o país e até mesmo internacionalmente, o autor mostra indiretamente

ao destinatário que apoiar essa área lhe proporcionará uma grande projeção.

Sim, pois valorizam o interlocutor e mostram que ele também tem a ganhar, caso atenda à solicitação.

A reclamação de que o edital excluiu o circo das atividades artísticas elencadas na sua regulamentação.

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170 UNIDADE 2 Palavra e Persuasão

sa montadora. Exemplos: FX Super Série,  FSuper,  FC (4 ao longo dos anos), FY Sedan, FY

Hatch (anos 2007 e 2009), FK 2009, FF 2008 e um FW 2010, que ainda não chegou, todos

sempre comprados em concessionárias F (principalmente a FS, com a Sra. T.). 

Por minha conta, mandei o veículo comprado no leilão para a revisão dos 10 mil

e 15 mil km (antecipadamente, para evitar problemas), pagando normalmente por tais

revisões. Porém, na última revisão surgiu um defeito que, segundo a concessionária

FS e a própria empresa F, localizava-se no diferencial do carro, que afeta a tração 4wd,

fazendo com que o veículo trave as rodas traseiras em funcionamento (nunca tinha

ouvido nem lido nada a respeito disso). Após a constatação do defeito, a concessionária entrou em contato com o fabricante, a fábrica autorizou a troca da peça e ainda

me ofereceu garantia estendida, comunicando a mim e também à concessionária a

troca sem custo algum (mesmo não estando em garantia, por se tratar de um defeito

de fabricação e não de mau uso). Após cerca de 3 semanas da autorização do conserto,

a própria F me ligou (consultor R. de O., do 0800 da fábrica), alegando que não fariam

mais o conserto, por se tratar de um carro comprado em leilão. Fiquei muito surpreso,

pois, quando ligaram autorizando, estavam cientes de que era um carro de leilão.

Passados mais de 30 dias, o meu carro está no elevador da concessionária, desmontado,  sem solução, pois, na minha opinião, a fábrica não sabe o defeito do carro! Diferencial com problemas! Como? Nunca vi isso, e para que leiloar um carro com problema

no diferencial? Como vou consertar? Se nem a fábrica tem essa peça, ou seja, isso não se

quebra!!! (O atendente do 0800 me disse que a peça teria de vir do México e achava que

iria demorar cerca de 30 dias.) Péssimo isso, a empresa F está no país há várias décadas,

não é uma marca recente como outras que também sofrem por falta de peças.

Assumi a responsabilidade de comprar um carro em leilão ciente de que não

possui garantia. Mas um defeito no diferencial, isso não aceito. Se após 6 meses de eu

ter comprado um carro em leilão, ele rachar no meio, o fabricante não se responsabiliza

por nada? Isso é bem estranho. E me pergunto: como se quebra um diferencial de um

carro com 14 mil km e automático?

Fico no aguardo por alguma ajuda no caso.

(Disponível em: http://carroseacessorios.com.br/noticias-detalhes.php?id=4926. Acesso em: 13/1/2016. Texto adaptado.)

1. Qual é o motivo da reclamação feita na carta em estudo?

2. Para fazer sua reclamação, o autor lançou mão de determinadas estratégias. Identifique, na carta em estudo, trechos em que ele:

a. se coloca como cliente antigo e fiel à empresa contatada;

b. usa nomes e dados para confirmar a veracidade das informações que expõe na carta;

c. tece elogios à empresa contatada;

d. assume parte da responsabilidade pelo ocorrido;

e. se mostra uma pessoa flexível, disposta a contribuir para a solução do problema.

3. A propósio das estratégias utilizadas na carta, conclua: Elas contribuem para que seu

autor atinja o objetivo? Por quê?

4. Embora a carta tenha um tom predominantemente moderado e objetivo, há um momento específico no qual o autor se manifesta de forma mais emocional.

a. Qual é esse trecho?

b. Indique as marcas formais que permitem inferir essa mudança no tom da carta.

c. Levante hipóteses: Esse tom também pode ser considerado uma estratégia argumentativa em uma carta de reclamação? Justifique sua resposta.

diferencial: conjunto

de engrenagens que, em

um automóvel, transmite

às rodas o movimento do

motor de maneira que, nas

curvas, elas se movam com

velocidades diferentes.

Um problema apresentado por um carro comprado em leilão.

No segundo parágrafo, de “já adquiri diversos veículos e meus familiares ao longo de

20 anos têm sido também clientes dessa montadora”, até “com a Sra. T.)”. 

Todos os nomes mencionados no 2¼ parágrafo, o nome da concessionária e do consultor do 0800.

“confiando na qualidade dos produtos da Marca F”; “a empresa F está no país há várias

décadas, não é uma marca recente como outras que também sofrem por falta de peças.”

“fui informado de que o carro estaria sem garantia. Mesmo assim comprei”;

“Assumi a responsabilidade de comprar um carro em leilão ciente de que não

possui garantia.”

“Por minha conta, mandei o veículo comprado no leilão para a revisão dos 10 mil e 15 mil km (antecipadamente para evitar problemas), pagando normalmente por tais revisões.”;

Sim, pois ao utilizar tais estratégias o reclamante ganha credibilidade, pois mostra que é uma

pessoa razoável, reconhece o valor do interlocutor e se mostra disposto a resolver o problema da

melhor forma possível para ambas as partes.

O trecho constituído pelos dois últimos parágrafos.

b) Uso excessivo de pontos de exclamação, perguntas em tom de indignação e

inconformidade (“Como?”, “Como vou resolver isso?”).

c) Talvez o autor da carta tenha imaginado que sim; mas, geralmente, ocorre o

contrário, pois demonstra descontrole emocional e subjetividade, o que leva o

texto a perder objetividade e, consequentemente, credibilidade.

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171PRODUÇÃO DE TEXTO

A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3

00.

5. Uma carta de reclamação pode conter uma solicitação, implícita e subentendida, ou

explícita. Levante hipóteses: Qual solicitação pode ser considerada à carta em estudo?

HORA DE EsCREvER

Seguem três propostas de produção de cartas argumentativas e de

solicitação e reclamação. Combine com o professor como realizá-las.

1. Escreva, individualmente, uma carta de solicitação à direção da escola para a realização da feira de cidadania. A fim de construir uma

boa argumentação e convencer seus interlocutores da importância da feira para a escola e a comunidade, utilize as anotações do

debate sobre a organização do evento, bem como as informações

do relatório escrito a partir dele. Lembre-se de apresentar todos os

dados do evento (data, horário, público-alvo, objetivos, expectativas, etc.) e mencionar tudo o que a escola deverá fornecer, além

do espaço, para que a feira possa ser realizada (funcionários, pátio,

número de salas, etc.). Após todos escreverem suas cartas, selecionem a que julgarem mais completa e bem-escrita para representar a classe.

2. Leia, a seguir, uma notícia sobre uma carta que faz uma reclamação pouco comum.

A australiana Jade Ruthven respondeu publicando

ainda mais imagens da filha, Addison, de  meses 

Quem é pai ou mãe, especialmente os de primeira viagem, sabe que é quase

impossível resistir ao impulso de clicar seu bebê o tempo todo e compartilhar as

imagens com os amigos pela internet. Cada passo, cada sorriso, cada nova conquista – mesmo aquelas que parecem mínimas para o mundo – ganham uma importância magnífica aos olhos dos progenitores.

A timeline de redes sociais, como Facebook e Instagram, vira mesmo um álbum

infinito e constantemente atualizado dos filhos. Com a australiana Jade Ruthven,

de 33 anos, não foi diferente. Acontece que supostas amigas não se contentaram

em ocultar as atualizações ou desfazer a amizade com a moça, diante do incômodo

que sentiram com a enxurrada de imagens que invadiram seus feeds.

Eles enviaram uma carta de reclamação anônima à proprietária da conta. Elas

escreveram o seguinte:

“Jade,

Me reuni com algumas das garotas e estamos tão CANSADAS de seus comentários recorrentes sobre a sua vida e cada pequena coisinha que Addy faz. Olha, nós

todas temos filhos pelos quais somos loucas – adivinhe – todo pai acha que seu

filho é o melhor do mundo. Mas não fazemos todo mundo engolir isso!!!  Ela veste

uma roupa nova – bem, tire uma foto e mande PRIVADAMENTE para a pessoa que

deu a roupa para ela – não para todos!!!  Ela engatinha para fora do tapete – nós

NÃO ligamos!!! Ela tem 6 meses – GRANDE COISA!!! Pare e pense – se todas as

mães postassem todas as bobagens sobre seus filhos – tenho certeza de que você se

cansaria muito rápido. Mal podemos esperar para você voltar ao trabalho – talvez

você não tenha tanto tempo para passar no Facebook. Addy é linda e nós todas a

amamos, mas nossas crianças são demais também. Acho que você está irritando

muita gente com seus “Addy isso e Addy aquilo” – achamos que isso diminuiria

depois do primeiro mês, mas isso não aconteceu. Nem todo mundo está tão interesEntre elas: que a concessionária resolva o problema do carro, dê outro carro ao reclamante,

devolva o dinheiro, pague uma indenização, etc.

Dê continuidade à organização da feira de cidadania

que a classe realizará no final

da unidade, escrevendo uma

carta de solicitação para o

uso do espaço da escola no

evento, a ser encaminhada à

direção, e também modelos

de cartas de reclamação e/ou

solicitação a serem oferecidos aos visitantes da feira.

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172

UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

sado quanto você sobre o que Addy faz, então dê um tempo. Estamos fazendo isso

para que você saiba o que realmente as pessoas pensam.”

Ao ler a carta que foi deixada sem assinatura na caixa de correspondência em

frente à sua casa, Jade ficou chocada e a enviou para a comediante australiana Em

Rusciano, que postou a foto em sua página no Facebook e escreveu uma coluna

sobre o assunto para o site www.news.com.au.

Em entrevista ao jornal Daily Mail da Austrália, a mãe disse que não respondeu. Junto com alguns de seus amigos – desta vez, de verdade – ela criou a hashtag #Addyspam e passou um longo período postando diversas imagens da filha.

(Revista Crescer, 22/4/2015. Disponível em: https://focusfoto.com.br/mae-recebe-carta-mal-educadade-amigos-que-se-cansaram-das-fotos-de-seu-bebe-nas-redes-sociais/. Acesso em: 11/2/2016.)

A carta de reclamação reproduzida na notícia acabou despertando na destinatária um

comportamento oposto ao que seus autores pretendiam. Discuta com os colegas e o professor a fim de identificar na carta possíveis razões de seu efeito ter sido o oposto do esperado. Depois, reescreva o texto, procurando torná-lo mais eficiente, considerando a finalidade em vista. Na feira, exponham as duas versões, chamando a atenção dos visitantes

para estratégias capazes de tornar uma carta de reclamação eficiente, ou seja, capazes de

levar à solução do problema que constitui o motivo da reclamação feita por seus autores.

Consumidor digital

Há atualmente diversas páginas virtuais que disponibilizam espaço para consumidores fazerem reclamações relativas a

problemas referentes à compra de produtos variados. Esses espaços se tornaram meios eficientes de comunicação direta

entre consumidores e empresas fornecedoras. Muitas vezes, certos problemas são resolvidos apenas por meio desse recurso.

Alguns dos principais sites voltados a reclamações de consumidores são estes:

3. Organize, com os colegas da classe, um serviço de escrita de cartas de reclamação

e/ou solicitação a ser oferecido aos visitantes da feira de cidadania. Em grupo,

escrevam cartas de solicitação e/ou reclamação diversas, para utilizar como modelos no dia da feira. Assim, escrevam:

• carta de reclamação e solicitação de troca de um produto que foi comprado com

defeito;

• carta de reclamação, dirigida ao condomínio, sobre um morador que para o carro

fora de sua vaga, atrapalhando a circulação na garagem, e com a solicitação para

que sejam tomadas medidas cabíveis;

• carta de reclamação referente a veículos que param em fila dupla na porta da escola em horários de entrada e saída;

• carta de reclamação, destinada à direção da escola, sobre um ou mais problemas relacionados ao prédio (escada perigosa, falta de acessibilidade, banheiros inadequados,

etc.) e com a solicitação de que o(s) problema(s) apontado(s) seja(m) solucionado(s);

• carta de reclamação e/ou solicitação relativa a uma situação específica da realidade

vivida por vocês na escola ou na comunidade e considerada relevante pela classe.

http://www.reclameaqui.com.br/

http://www.denuncio.com.br/

http://www.reclamao.com.br/

Fotografias: Reprodução

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173PRODUÇÃO DE TEXTO

A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3

ANTEs DE EsCREvER

Planeje sua carta de reclamação e/ou solicitação, seguindo estas orientações:

• Escolha o alvo da reclamação e/ou solicitação.

• Ao definir o destinatário, considere qual é a pessoa ou instituição que tem, de fato,

poder para solucionar o problema ou autorizar o atendimento à solicitação.

• Defina qual é o objetivo central de sua carta, ou seja, fazer uma reclamação, uma solicitação, ou ambas.

• Se a carta for de reclamação, anote o(s) problema(s) e defina a melhor forma de abordá-lo(s), expondo-o(s) abertamente, mas de forma polida;

• Se a carta envolver uma solicitação, seja objetivo(a) e direto(a) no pedido, porém lembrando-se de valorizar o interlocutor e apontar possíveis vantagens que ele pode vir a

ter caso atenda à solicitação.

• Procure fazer ressalvas, ou seja, mesmo que seu texto tenha como foco uma reclamação, tente encontrar na situação pontos positivos que possam ser ressaltados.

• Evite se colocar excessivamente na situação de vítima, assuma a parte de responsabilidade que lhe cabe.

• Lembre-se de indicar a data e o local de onde escreve, bem como de assinar a carta. Se

julgar relevante, considerando o assunto da carta, mencione também algum(ns) de

seus dados pessoais (idade, ocupação profissional, bairro onde mora, etc.) ou experiências anteriores que possam ajudar na construção da argumentação.

• Fundamente seu ponto de vista com argumentos objetivos e concretos, mencionando

fatos, autoridades, situações do cotidiano que ilustrem e esclareçam seus argumentos.

• Procure esclarecer o destinatário de que seu objetivo não é unicamente reclamar ou

solicitar algo por interesse pessoal, mas também evitar que o problema ocorra com

outras pessoas no futuro.

• Procure adequar o grau de formalidade da linguagem ao assunto da reclamação e/ou

solicitação e ao destinatário da carta.

ANTEs DE PAssAR A LImPO

Antes de dar por finalizada sua carta de solicitação e/ou reclamação, observe:

• se o alvo da sua reclamação e/ou solicitação está claro;

• se o destinatário é, efetivamente, a pessoa ou instituição responsável por solucionar o

problema ou por autorizar o atendimento à solicitação;

• se a solicitação foi feita com objetividade e se houve menção a pontos positivos relacionados à situação, além dos pontos negativos;

• se seu ponto de vista está bem-fundamentado, isto é, apoiado em fatos, argumentos,

exemplos e relatos que convençam o destinatário de que sua reclamação é legítima

e/ou sua solicitação merece ser atendida;

• se você indicou data, local, seu nome completo e os outros dados que julgue relevantes

no contexto da carta;

• se você deixou claro que o alvo da reclamação e/ou solicitação diz respeito não só a

um interesse individual, mas também à preocupação de evitar a ocorrência da mesma

situação com outras pessoas no futuro;

• se a linguagem está adequada ao destinatário.

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174 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

(ENEM)

Confidência do itabirano 

Alguns anos vivi em Itabira. 

Principalmente nasci em Itabira.

Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. 

Noventa por cento de ferro nas calçadas. 

Oitenta por cento de ferro nas almas. 

E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. 

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,

vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,

é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:

esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,

este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;

este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;

este orgulho, esta cabeça baixa... 

Tive ouro, tive gado, tive fazendas. 

Hoje sou funcionário público. 

Itabira é apenas uma fotografia na parede.

Mas como dói! 

ANDRADE, C. D. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.

Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do movimento modernista brasileiro. Com seus poemas, penetrou fundo na alma do Brasil e trabalhou poeticamente as inquietudes e os dilemas humanos. Sua poesia é feita

de uma relação tensa entre o universal e o particular, como se percebe claramente na construção do poema “Confidência do itabirano”. Tendo em vista os procedimentos de construção do texto literário e as concepções artísticas

modernistas, conclui-se que o poema acima

a. representa a fase heroica do modernismo, devido ao tom contestatório e à utilização de expressões e usos linguísticos típicos da oralidade. 

b. apresenta uma característica importante do gênero lírico, que é a apresentação objetiva de fatos e dados históricos. 

c. evidencia uma tensão histórica entre o “eu” e a sua comunidade, por intermédio de imagens que representam a

forma como a sociedade e o mundo colaboram para a constituição do indivíduo. 

d. critica, por meio de um discurso irônico, a posição de inutilidade do poeta e da poesia em comparação com as

prendas resgatadas de Itabira.  

e. apresenta influências românticas, uma vez que trata da individualidade, da saudade da infância e do amor pela

terra natal, por meio de recursos retóricos pomposos.

X

POR DENTRO DO ENEm E DO vEsTIBULAR

ENEm Em CONTEXTO

As questões do Enem exigem algumas habilidades de leitura, como o reconhecimento das concepções estéticas e dos procedimentos de construção do texto literário, tal como ocorre nesta questão:

Diferentemente do que afirma a alternativa a, Carlos Drummond de Andrade pertence à geração de 30, fase que se afasta do tom contestatório da geração de 22 (ou fase heroica), voltandose para questões sociais, filosóficas, existenciais, espirituais e amorosas. A alternativa b também

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apresenta uma afirmação falsa, pois a “apresentação objetiva de dados e fatos históricos” não é

um traço característico do gênero lírico, como também não é um elemento central do poema em

questão. Nas alternativas d e e, as referências às “influências românticas” e à “inutilidade do poeta”

não podem ser verificadas em “Confidência do itabirano”. Nesse poema, o eu lírico apresenta uma

visão crítica em relação à sua cidade natal e evidencia, por meio de imagens, a influência que Itabira

exerce sobre ele; portanto, a alternativa correta é a c.

QUEsTÕEs DO ENEm E DO vEsTIBULAR

1. (ENEM)

Texto I

Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava. Estranhas coisas entraram então para

o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aqueles

meninos, moleques de todas as cores e de idades as

mais variadas, desde os nove aos dezesseis anos, que

à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da

ponte e dormiam, indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas

vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que

vinham das embarcações... 

AMADO, J. Capitães da Areia. São Paulo:

Companhia das Letras, 2008 (fragmento).

Texto II

À margem esquerda do rio Belém, nos fundos do

mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro – ali os

bêbados são felizes. Curitiba os considera animais sagrados, provê as suas necessidades de cachaça e pirão.

No trivial contentavam-se com as sobras do mercado.

TREVISAN, D. 35 noites de paixão: contos escolhidos. 

Rio de Janeiro: BestBolso, 2009 (fragmento).

Sob diferentes perspectivas, os fragmentos citados são

exemplos de uma abordagem literária recorrente na literatura brasileira do século XX. Em ambos os textos,

a. a linguagem afetiva aproxima os narradores dos

personagens marginalizados.

b. a ironia marca o distanciamento dos narradores em

relação aos personagens.

c. o detalhamento do cotidiano dos personagens revela a sua origem social.

d. o espaço onde vivem os personagens é uma das

marcas de sua exclusão.

e. a crítica à indiferença da sociedade pelos marginalizados é direta.

2. (UEL-PR) Sobre o romance Fogo morto, de José Lins do

Rego, é correto afirmar:

X

a. Caracteriza-se como uma obra memorialista, pois

a personagem central, mestre José Amaro, narra a

sua história pessoal, enfatizando os problemas que

o mundo capitalista traz para o homem.

b. Embora tenha sido escrito na década de 1930, quando o movimento modernista já havia operado uma

revolução na literatura, o romance é bastante convencional, sobretudo na caracterização da paisagem

e do homem nordestino, aproximando-se da visão

de mundo romântica.

c. Apresenta uma visão saudosa da realidade política,

econômica e social do Nordeste da primeira metade

do século XX, bem como uma visão pitoresca do espaço enfocado.

d. O uso do discurso indireto livre é um dos procedimentos de construção narrativa mais significativos do romance, na medida em que permite a

diversidade de olhares sobre uma dada realidade

e, ao mesmo tempo, auxilia no processo de aprofundamento do drama psicológico vivenciado pelas personagens.

e. Faz um retrato fotográfico da realidade nordestina,

afastando-se do ficcional, uma vez que parte de fatos que realmente existiram e que podem ser comprovados, como a decadência dos engenhos de açúcar e a Guerra de Canudos.

3. (FUVEST-SP)

O Brasil já está ˆ beira do abismo. Mas ainda vai

ser preciso um grande esforço de todo mundo pra colocarmos ele novamente lá em cima.

Millôr Fernandes.

a. Em seu sentido usual, a expressão destacada significa “às vésperas de uma catástrofe”. Tal significado

se confirma no texto? Justifique sua resposta.

b. Sem alterar o seu sentido, reescreva o texto em um

único período, iniciando com “Embora o Brasil (...)” e

substituindo a forma pra por para que. Faça as demais transformações que são necessárias para adequar o texto à norma escrita padrão.

X

3. a) Não, pois pela continuação do texto – especialmente pelo trecho “colocarmos ele novamente lá em cima” – é possível inferir que o significado,

nesse caso, é o de que ele está à beira não para cair, mas sim pronto para

escalar, subir o abismo e chegar ao topo.

Embora o Brasil ainda precise de um grande esforço de todo mundo

para ser colocado em cima do abismo, já está à beira dele.

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Por dentro do Enem e do vestibular

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176 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

4. (ITA-SP) Os romances de Machado de Assis e os de Graciliano Ramos são exemplos bem acabados da forte presença do realismo na Literatura Brasileira. Entretanto,

há diferenças bem marcantes entre a ficção realista do

século XIX e a ficção de cunho realista da geração de 30.

Algumas delas são:

I. As obras realistas do século XIX (em particular os

romances de Machado de Assis) retratam a burguesia rica, enquanto os romances de Graciliano Ramos

retratam apenas os retirantes vítimas da seca.

II. No século XIX, o realismo tem preferência pela temática do adultério feminino e do triângulo amoroso, tema este que não é central nas obras da geração de 30, que se preocupam mais com a desigualdade social.

III. Os romances machadianos são urbanos; as obras

de Graciliano Ramos retratam, em geral, os ambientes rurais do Nordeste.

IV. No realismo do século XIX, as personagens, em geral, são mesquinhas, vis e medíocres. Já na ficção realista dos anos 30, as personagens são, sobretudo,

produtos de um meio social adverso e injusto.

Está(ão) correta(s)

a. apenas I, II E III.

b. apenas I, II e IV.

c. apenas II, III e IV.

d. apenas III e IV.

e. todas.

5. (FUVEST-SP) Leia o trecho a seguir:

O pequeno sentou-se, acomodou nas pernas a

cabeça da cachorra, pôs-se a contar-lhe baixinho uma

história. Tinha um vocabulário quase tão minguado

como o do papagaio que morrera no tempo da seca.

Valia-se, pois, de exclamações e de gestos, e Baleia respondia com o rabo, com a língua, com movimentos

fáceis de entender.

(Graciliano Ramos, Vidas secas.)

Considere as seguintes afirmações sobre este trecho de

Vidas secas, entendido no contexto da obra, e responda

ao que se pede.

a. No trecho, torna-se claro que a escassez vocabular

do menino contribui de modo decisivo para ampliar

as diferenças que distinguem homens de animais.

Você concorda com essa afirmação? Justifique, com

base no trecho, sua resposta.

b. Nesse trecho, como em outros do mesmo livro, é por

exprimir suas emoções e sentimentos pessoais a

respeito da pobreza sertaneja que o narrador obtém

X

5. a) Não, ao contrário. O vocabulário

restrito do menino mostra a falta de

comunicação oral entre os membros

da família, o que acaba por animalizálas, já que o nível de linguagem deles é

semelhante ao do papagaio.

b) Não, ao contrário. A obra é narrada num estilo direto e seco, sem emoções por parte do

narrador. O retrato cru da realidade é que pode vir, por si só, a emocionar o leitor.

o efeito de contagiar o leitor, fazendo com que ele

também se emocione. Você concorda com a afirmação? Justifique sua resposta.

6. (UNICAMP-SP)

Matte a vontade. Matte Leão.

Este enunciado faz parte de uma propaganda afixada

em lugares nos quais se vende o chá Matte Leão. Observe as construções abaixo, feitas a partir do enunciado

em questão:

Matte à vontade.

Mate a vontade.

Mate à vontade.

a. Complete cada uma das construções acima com palavras ou expressões que explicitem as leituras possíveis relacionadas à propaganda.

b. Retome a propaganda e explique o seu funcionamento, explicitando as relações morfológicas, sintáticas e semânticas envolvidas.

7. (ENEM)

6. a) Possibilidades variadas de resposta, desde que

enquadradas no contexto

da propaganda: (Beba) (chá)

Matte (Leão) à vontade. /

Mate a vontade (de beber

Matte Leão). / (Beba chá)

mate (Leão) à vontade.

Resposta na página seguinte.

VERÍSSIMO, L. F. As cobras em: Se Deus existe que eu seja atingido

por um raio. Porto Alegre: L&PM, 1997. (Foto: Reprodução/Enem)

O humor da tira decorre da reação de uma das cobras

com relação ao uso de pronome pessoal reto, em vez de

pronome oblíquo. De acordo com a norma-padrão da

língua, esse uso é inadequado, pois

a. contraria o uso previsto para o registro oral da língua.

b. contraria a marcação das funções sintáticas de sujeito e objeto. 

c. gera inadequação na concordância com o verbo. 

d. gera ambiguidade na leitura do texto. 

e. apresenta dupla marcação de sujeito.

8. (FUVEST-SP) No trecho “mas minha mãe botou ele por

promessa”, o pronome pessoal foi empregado em registro coloquial. É o que também se verifica em:

a. “‒ E se me desculpe, senhorita, posso convidar a passear?”

b. “‒ E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?”

X

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Luis Fernando Veríssimo

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c. “‒ Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?”

d. “‒ Me desculpe mas até parece doença, doença de

pele.”

e. “‒ (...) pois como senhor vê eu vinguei... pois é...”

Produção de texto

9. (UNICAMP-SP) Você e um grupo de colegas ganharam

um concurso que vai financiar a realização de uma oficina cultural na sua escola.

Após o desenvolvimento do projeto, você, como

membro do grupo, ficou responsável por escrever

um relatório sobre as atividades realizadas na oficina, informando o que foi feito. O relatório será avaliado por uma comissão composta por professores da

escola. A aprovação do relatório permitirá que você

e seu grupo voltem a concorrer ao prêmio no ano

seguinte.

O relatório deverá contemplar a apresentação do projeto (público-alvo, objetivos e justificativa), o relato das

atividades desenvolvidas e comentário(s) sobre os impactos das atividades na comunidade.

Na abertura do concurso, os grupos concorrentes receberam o seguinte texto de orientação geral:

As Oficinas Culturais são espaços que procuram

oferecer aos interessados atividades gratuitas, especialmente as de caráter prático, com o objetivo de

proporcionar oportunidades de aquisição de novos

conhecimentos e novas vivências, de experimentação

e de contato com os mais diversos tipos de linguagens,

técnicas e ideias. As Oficinas Culturais atuam nas áreas de artes plásticas, cinema, circo, cultura geral, dança, design, folclore, fotografia, história em quadrinhos,

literatura, meio ambiente, multimídia, música, ópera,

rádio, teatro e vídeo.

O público a ser atingido depende do objetivo de

cada atividade, podendo variar do iniciante ao profissional. As Oficinas Culturais visam à formação

cultural e não à educação formal do cidadão. Pretendem mostrar caminhos, sugerir ideias, ampliar

o campo de visão.

(Adaptado de Oficina Cultural Regional. Sérgio Buarque de Holanda.

Disponível em http://www.guiasaocarlos.com.br/oficina_cultural/

conceito.asp. Acessado em 07/10/2013.)

X

6. b) No 1º enunciado, o verbo (beber, tomar) está implícito, bem como parte do nome do produto (Leão). A grafia do termo Matte impede que se confunda com o

verbo matar e o sinal de crase indica que a expressão à vontade deve ser lida como uma locução adverbial, assim como no 3º, no qual o termo mate, pela grafia,

indica não o nome próprio da bebida como no 1º, mas o nome comum, com a referência a qualquer mate. Já no 2º, a ausência de sinal de crase indica a presença

apenas do substantivo, uma vez que o verbo matar não rege preposição. Assim, a propaganda trabalha com o jogo de sentidos entre palavras e expressões

homônimas, mas com significados e classificações distintos: Matte (nome próprio), mate (verbo) e mate (nome comum) e à vontade (locução adverbial) e a vontade

(objeto direto.)

10. (UFPR-PR) Em 3 de setembro de 2010, a revista ISTOÉ

publicou uma síntese, assinada por Paulo Lima, do livro

ainda inédito Fé em Deus e pé na tábua – Como e por

que você enlouquece dirigindo no Brasil, do antropólogo

Roberto DaMatta:

Nosso comportamento terrível no trânsito é resultado da nossa incapacidade de sermos uma sociedade

igualitária; de instituirmos a igualdade como um guia

para a nossa conduta. Nosso trânsito reproduz valores

de uma sociedade que se quer republicana e moderna,

mas ainda está atrelada a um passado aristocrático, no

qual alguns podiam mais do que muitos, como ocorre

até hoje. Em casa, nós somos ensinados que somos únicos, especiais. Aprendemos que nossas vontades sempre podem ser atendidas. É o espaço do acolhimento,

do tudo é possível por meio da mamãe. Daí a pessoa

chega na rua e não consegue entender aquele espaço onde todos são juridicamente iguais. Ir para a rua,

no Brasil, ainda é um ato dramático, porque significa

abandonar a teia de laços sociais onde todos se conhecem e ir para um espaço onde ninguém é de ninguém.

E o trânsito é o lado mais negativo desse mundo da rua.

É doentio, desumano e vergonhoso notar que 40 mil

pessoas morrem por ano no trânsito de um país que se

acredita cordial, hospitaleiro e carnavalesco. No Brasil,

você se sente superior ao pedestre porque tem um carro. Ou superior a outro motorista porque tem um carro

mais moderno ou mais caro. O motorista não consegue

entender que ele não é diferente de outro motorista, do

pedestre, do motorista de ônibus. Que ele não tem um

salvo-conduto para transgredir as leis. No Brasil, obedecer à lei é uma babaquice, um sintoma de inferioridade.

Quem obedece é subordinado porque a hierarquia que

permeia nossas relações sociais jamais foi politizada.

Isso é herança de uma sociedade aristocrática e patrimonialista, em que não houve investimento sério no

transporte coletivo e onde ainda impera o “Você sabe

com quem está falando?”

(LIMA, Paulo. “Como estou dirigindo?”, ISTOÉ, ed. 2130.)

Tomando como ponto de partida as opiniões de

DaMatta, escreva uma carta dirigida ao Secretário de

Educação do Estado do Paraná, solicitando a inclusão,

no currículo do Ensino Médio, de conteúdos voltados à

educação para o trânsito. Use as afirmações de DaMatta

como argumentos para fundamentar sua solicitação.

O texto deve ter de 10 a 12 linhas.

REGISTRE

NO CADERNO

Por dentro do Enem e do vestibular

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178 UNIDADE 2 PALAVRA E PERSUASÃO

Cidadania em debate

Como encerramento da unidade, realize com os colegas da classe uma feira de cidadania,

na qual serão promovidos debates deliberativos com a comunidade escolar e do bairro e serão

montadas oficinas de produção de currículo e de cartas argumentativas de solicitação e/ou

reclamação.

1. Organizando, preparando e divulgando o evento

Vocês já definiram, no debate deliberativo realizado no capítulo 1, o perfil do evento que

realizarão: data, horário, estrutura, título, público-alvo, divulgação. Providenciem, agora, os

meios necessários para que as deliberações do debate sejam colocadas em prática:

• Organizem-se em grupos, de acordo com os interesses de cada aluno, e definam qual grupo

ficará responsável por qual atividade da feira.

• Em todos os murais produzidos, confiram se o tamanho das letras está adequado, para que os

convidados os leiam de pé, ao visitar o local.

• Divulguem o evento para a comunidade, com certa antecedência, especificando as atividades

que serão realizadas, a fim de que as pessoas interessadas possam se preparar para participar

delas de modo mais ativo, seja buscando informações sobre o debate, seja providenciando os

documentos que precisarão consultar, caso desejem aproveitar o momento para elaborar um

currículo ou uma carta de reclamação e/ou solicitação.

2. Realizando a feira

O(s) debate(s) deliberativo(s)

• Preparem o espaço para a realização do debate deliberativo sobre possíveis ações de

preservação do meio ambiente planejado por vocês no capítulo 1 da unidade.

• Definam quem serão os moderadores, os assessores e os participantes e como os

participantes e os espectadores ficarão dispostos no local.

• Se julgarem conveniente, organizem mais um debate, em horário diferente, sobre algum tema

relevante para a escola ou para a comunidade.

• Divulguem com antecedência o(s) tema(s) do(s) debate(s), a fim de que as pessoas possam

manifestar seu interesse e vocês consigam se planejar para recebê-las.

• Façam a programação do(s) horário(s) do(s) debate(s) e divulguem-na para todo o público da feira.

RICO/Arquivo da editora

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A geração de 30. Colocação pronominal. Cartas argumentativas CAPÍTULO 3 179

Oficina de currículos: o cidadão que busca inserção no mercado de trabalho

• Organizem um espaço com computadores para receber as pessoas que vocês auxiliarão na

elaboração de currículos.

• Montem no lugar da realização da oficina um mural com modelos de currículos e dicas para a

elaboração de currículos atraentes e eficientes.

Oficina de cartas: cidadão que solicita e reclama seus direitos

• Reúnam em um mural, para servirem de modelo, as cartas

de solicitação e/ou reclamação produzidas por vocês no

capítulo 3.

• Se quiserem, criem um mural com orientações sobre o que

não se deve fazer nessas cartas. Pesquisem exemplos

de cartas que, por algum motivo, não foram eficientes e

apontem estratégias que seriam as mais adequadas em

cada contexto.

• Preparem um espaço no qual vocês possam prestar uma

consultoria para os visitantes que queiram tirar dúvidas

ou escrever cartas de solicitação e/ou reclamação. Para

dar dicas, sugestões e orientações sobre como produzi-las

de forma eficiente, atendendo ao fim para o qual foram

escritas, tomem por base o estudo realizado no capítulo 3.

• Organizem um espaço com computadores conectados

à Internet para apresentar aos visitantes sites de

reclamação a que os consumidores podem recorrer. Vocês

podem oferecer ajuda àqueles que quiserem deixar sua

reclamação registrada ali mesmo.

3. Registrando o evento

• Durante a feira, façam registros, em fotos, vídeos e anotações, de momentos importantes,

como um agradecimento de alguém, uma história contada por um convidado, um depoimento

interessante. Depois, utilizem esse material, junto com o já reunido anteriormente, na escrita

do relatório sobre a realização do evento.

• Encaminhem o relatório à comunidade, à direção da escola e ao professor que orientou a

realização do evento, a fim de que, no futuro, outros grupos possam consultá-lo ao organizar a

produção de eventos semelhantes.

Jaume Gual/AGE Fotostock/AGB Photo Library David Buffington/Getty Images

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Nonononononon

UNIDADE 3

Hora e vez

da linguagem

Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é relatável. Viver não é vivível. Terei que

criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o

grande risco de se ter a realidade. Entender é uma criação, meu único modo.

(Clarice Lispector. A paix‹o segundo G. H. Edição crítica organizada por Benedito Nunes. Madri: Allca XX; São Paulo: Scipione, 1997. p. XXVII.)

Fruteira (1998), de Aldemir Martins, artista cearense que começou a expor na década de 1940. Coleção particular

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Nonono nonon

SiMulaDO eNeM – a

reDaÇÃO eM eXaMe

Participe de um simulado da

prova de redação do Enem, organizado por você e seus colegas;

depois, participe de uma banca de

correção para avaliar a produção

da classe.

Casas (1953), de

Alfredo Volpi.

A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos

vazias. Mas – volto com o indizível. O

indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem.

Só quando falha a construção, é que

obtenho o que ela não conseguiu.

(Idem. p. XXVII.)

Mire veja... o mais importante e

bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda

não foram terminadas – mas que

elas vão sempre mudando.

(Guimarães Rosa. Grande sertão: veredas.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 15.)

uma casa não é nunca

só para ser contemplada;

melhor: somente por dentro

é possível contemplá-la.

(João Cabral de Melo Neto.

“A mulher e a casa”. In: Obra completa.

Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 241-2.)

Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

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Cecília Meireles e Vinícius de Morais

LITERATURA

a poesia de 30: Cecília Meireles

e Vinícius de Morais

análise linguística: progressão referencial e

operadores argumentativos

a dissertação (i)

CAPÍTULO 1

Cec’lia Meireles

Cecília Meireles (1901-1964) nasceu

no Rio de Janeiro. Perdeu os pais muito cedo e foi criada pela avó, que lhe

proporcionou os primeiros contatos com

a literatura. Formada em Magistério,

dedicou-se com grande empenho à carreira de professora.

Publicou seu primeiro livro de poesia,

Espectros, aos 19 anos. Durante muito

tempo, publicou em jornais crônicas e

também artigos relacionados à educação. Em 1934, fundou a primeira biblioteca infantil do país.

A poetisa obteve grande prestígio

em Portugal e é considerada uma das

principais vozes da literatura em língua

portuguesa.

Cecília Meireles

Mais conhecida como poetisa, Cecília Meireles também foi cronista e

contista e deixou uma grande contribuição na área da educação, da literaEternidade (1931), tela de Ismael Nery, pintor que foi líder espiritual e exerceu forte influência

no grupo de poetas católicos do Rio de Janeiro nos anos 1930, particularmente sobre Jorge de

Lima e Murilo Mendes.

Col. Chaim José e Regina Hamer, SP

Foto do Acervo UH/Folhapress

182 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:185

literatura

tura infantil e do folclore. Como intelectual e educadora, defendeu o ensino laico e se

empenhou no combate ao autoritarismo do Estado Novo.

Suas primeiras publicações, como Espectros (1919), Nunca mais... e poema dos poemas (1923) e Baladas para el rei (1925), apresentam certos traços neossimbolistas, como

a musicalidade, a espiritualidade, a melancolia, o sonho e o uso de símbolos, além de

referências recorrentes ao mar, à tristeza e à efemeridade do tempo. A obra da autora,

entretanto, mesmo nas produções posteriores, nunca se enquadrou perfeitamente em

nenhum movimento literário. Cecília é essencialmente uma poetisa moderna, mas vinculada fortemente à tradição ibérica da poesia. Cultivou o verso livre, mas tinha amplo

domínio das formas poéticas convencionais, como a canção, o epigrama, o noturno, o

verso redondilho, ritmos bem-marcados, etc.

Entre os vários livros que publicou, estão também Viagem (1939), Vaga música (1942) e

Romanceiro da Inconfidência (1953). No âmbito da literatura infantil, é autora da conhecida obra Ou isto ou aquilo (1964).

FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, dois poemas de Cecília Meireles, ambos da obra Viagem.

Motivo

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.

(Obra poŽtica. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987. p. 81.)

Can•‹o

Pus o meu sonho num navio

e o navio em cima do mar;

— depois, abri o mar com as mãos,

para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas

do azul das ondas entreabertas,

e a cor que escorre de meus dedos

colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,

a noite se curva de frio;

debaixo da água vai morrendo

meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,

para fazer com que o mar cresça,

e o meu navio chegue ao fundo

e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:

praia lisa, águas ordenadas,

meus olhos secos como pedras

e as minhas duas mãos quebradas.

(Idem, p. 88.)

Andressa Honório

183 A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1

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P:186

1. O poema “Motivo” se inicia com o verso “Eu canto porque o instante existe”.

a. Qual é o canto a que se refere o poema?

b. Para o eu lírico, o que motiva o seu canto?

2. O poema “Motivo” é constituído, em grande parte, de antíteses.

a. Identifique as antíteses do poema.

b. A quem elas se referem?

c. Como o eu lírico vê a si mesmo em sua experiência de poeta?

d. Qual é a importância dessas antíteses no processo de criação poética?

3. Há, no poema “Motivo”, referência à efemeridade do tempo, tema frequente na poesia de tradição clássica.

a. Identifique uma referência a esse tema.

b. Para o eu lírico, se a matéria é efêmera, então o que é eterno? Justifique sua resposta com um verso do poema.

4. No poema “Canção”, o eu lírico faz referência ao seu sonho e, por meio

de um conjunto de imagens, revela o destino que deu a eles.

a. A que meio ou ambiente estão relacionadas as imagens do poema?

Justifique com alguns elementos do texto.

b. Com que objetivo o eu lírico põe seu sonho em um navio? O que representa o naufrágio do navio?

c. Dê uma interpretação à imagem final do poema: “e as minhas duas

mãos quebradas”.

d. Que sentimentos o eu lírico revela ter em relação ao sonho e à vida?

5. Cecília Meireles é considerada uma poetisa de grande habilidade formal. Compare os dois poemas e responda:

a. Que semelhança eles apresentam, do ponto de vista formal, ou seja,

quanto a estrofação, métrica, ritmo e rimas?

b. Entre as figuras de linguagem sonoras, qual delas se verifica nos versos “O vento

vem vindo de longe” e “a noite se curva de frio”, do poema “Canção”? Que efeito de

sentido ela resulta da presença dessa figura?

c. Cecília Meireles é associada frequentemente ao Simbolismo ou ao Neossimbolismo. Que traços desses poemas têm afinidade com a estética simbolista? Justifique

sua resposta com elementos dos textos.

Vinícius de Morais

As primeiras obras de Vinícius de Morais, como O caminho para a distância (1933) e

Forma e exegese (1935), foram marcadas pela preocupação espiritual e pela busca do “sublime” por meio da transcendência mística. Nessa fase, Vinícius fazia parte de um grupo

de escritores e católicos do Rio de Janeiro, e nos poemas desse período são comuns as

antíteses matéria/espírito ou humano/divino e versos longos, quase versos-parágrafos,

além de uma linguagem elevada, com influência clássica.

Aos poucos, porém, sua poesia se transforma e começa a se voltar para temas do cotidiano. Em Ariana, a mulher (1936), por exemplo, a figura feminina ganha espaço, porém

ainda é tratada de forma platônica, idealizada e inacessível, como na tradição clássica ou

na poesia romântica.

É o canto poético, ou seja, a própria poesia.

É o instante que existe, ou seja, é o presente, é a própria vida.

alegre/triste, gozo/tormento, noites/dias, desmorono/edifico, permaneço/desfaço, fico/passo

Todas se referem ao próprio eu lírico.

Ele se vê como um ser imprevisível, indefinível, contraditório, que não se enquadra em nenhum conceito ou pré-conceito.

A contradição ou imprevisibilidade do eu lírico é a base para a criação literária, ou seja,

a poesia precisa de total liberdade para poder nascer.

O verso “E um dia sei que estarei mudo”.

O que é eterno é a poesia, conforme é sugerido no verso

“Tem sangue eterno a asa ritmada”.

4. a) Estão relacionadas ao ambiente marítimo, como comprovam as palavras e expressões navio, mar, naufragar, molhadas, azul das ondas, areias desertas, água, praia lisa.

4. b) Ele põe seu sonho em um navio com

o objetivo de afundá-lo para que, assim,

ele desapareça. O naufrágio representa a

superação dos sonhos frustrados.

4. c) Professor: Sugerimos abrir a

discussão com a classe, pois pode

haver mais de uma interpretação.

Sugestão: O eu lírico pôs o navio no

mar com as mãos. Ao afundá-lo e

destruir seu sonho, é como se tivesse cortado parte de si mesmo.

Sentimentos como pessimismo, desesperança, descrença.

5. a) Os dois poemas

apresentam estrofes de

quatro versos, sendo que,

em “Canção”, todos os

versos são octossílabos

e, em “Motivo”, os três

primeiros são octossílabos

e o último de cada estrofe

é dissílabo. As sílabas tônicas dos versos dos dois

poemas recaem na 4ª e

na 8ª sílabas (nos dissílabos, caem na segunda).

Em “Motivo”, as rimas são

alternadas (ABAB); em

“Canção”, rimam apenas

o 2º e o 4º versos de cada

estrofe.

A figura de linguagem é a aliteração, que

sugere o som do próprio vento.

A musicalidade, as imagens sugestivas e vagas (“Tem sangue eterno a asa ritmada”, “irmão das coisas fugidias”), a

reflexão existencial, a atmosfera onírica.

“Motivo” em canção

O poema “Motivo”, de Cecília Meireles, foi musicado pelo compositor Fagner, assim como um trecho do poema

“Marcha”, da autora, que faz parte da

letra da canção “Canteiros”. A canção

“Motivo” foi incluída no álbum Eu canto, que foi lançado por Fagner em 1978

e fez grande sucesso.

As canções “Motivo” e “Canteiros”

podem ser ouvidas na Internet.

REGISTRE

NO CADERNOCBS

184 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP1_180a200.indd 184 5/12/16 6:24 PM

P:187

literatura

A partir das obras Cinco elegias e Poemas, sonetos e baladas, ambas de

1943, o poeta passou a extrair poesia de temas banais do cotidiano (o mar,

a praia, a pátria, os trabalhadores, os pescadores, etc.) e a fazer uso de uma

linguagem mais simples, coloquial e enxuta. Nos poemas dessas obras, a

mulher começou a ser tematizada de forma concreta e sensual.

A simplicidade dos temas e o coloquialismo da linguagem contribuíram

para a vinculação do poeta à música popular. Em decorrência dessa nova atividade artística, muitos de seus poemas, entre eles “Soneto de fidelidade”

e “Soneto de separação” − provavelmente os dois poemas que os brasileiros

mais sabem de cor − foram musicados e cantados.

A parceria com grandes compositores da música popular brasileira,

como Tom Jobim, Toquinho e Chico Buarque, consagrou definitivamente o

poeta-compositor. A canção “Garota de Ipanema”, por exemplo, de autoria

de Vinícius e Tom Jobim, é conhecida internacionalmente.

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, dois poemas de Vinícius de Morais: “Pátria minha”

e “Soneto de separação”. O primeiro foi incluído na Antologia poética publicada em 1954, e o segundo, na obra Poemas, sonetos e baladas, publicada

em 1946.

Texto 1

Pátria minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima

Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo

É minha pátria. Por isso, no exílio

Assistindo dormir meu filho

Choro de saudades de minha pátria.

[...]

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha

Amada, idolatrada, salve, salve!

Que mais doce esperança acorrentada

O não poder dizer-te: aguarda...

Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para

Rever-te me esqueci de tudo

Fui cego, estropiado, surdo, mudo

Vi minha humilde morte cara a cara

Rasguei poemas, mulheres, horizontes

Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta

Lábaro não; a minha pátria é desolação

De caminhos, a minha pátria é terra sedenta

E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular

Que bebe nuvem, come terra

E urina mar.

Vin’cius de Morais

Vinícius de Morais (1913-1980) nasceu no Rio de Janeiro e foi poeta, cronista, dramaturgo e compositor.

Estudou Direito, Ciências Jurídicas

e Sociais e ingressou em 1946 na carreira diplomática, na qual permaneceu

até 1969, quando foi exonerado do Ministério das Relações Exteriores pelo

governo militar. Nos anos que viveu no

exterior, foi diplomata nos Estados Unidos, na França e no Uruguai.

Publicou sua primeira obra, o livro de

poemas O caminho para a distância,

em 1933, mas só começou a se tornar

famoso em 1956, com a encenação da

peça Orfeu da Conceição.

Na década de 1950, o poeta começou

a se envolver com a carreira musical,

que lhe conferiu grande popularidade.

Teve como parceiros musicais figuras

importantes da MPB, como Tom Jobim,

Baden Powell, Chico Buarque e Toquinho, entre outros.

Folhapress/Folhapress

185 A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1

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P:188

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem

Uma quentura, um querer bem, um bem

Um libertas quae sera tamen

Que um dia traduzi num exame escrito:

“Liberta que serás também”

E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa

Que brinca em teus cabelos e te alisa

Pátria minha, e perfuma o teu chão...

Que vontade de adormecer-me

Entre teus doces montes, pátria minha

Atento à fome em tuas entranhas

E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha

Teu nome é pátria amada, é patriazinha

Não rima com mãe gentil

Vives em mim como uma filha, que és

Uma ilha de ternura: a Ilha

Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia

E pedirei que peça ao rouxinol do dia

Que peça ao sabiá

Para levar-te presto este avigrama:

“Pátria minha, saudades de quem te ama...

Vinicius de Moraes.”

(Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1974. p. 267-9.)

Texto 2

Soneto de separa•‹o

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

(In: Nova antologia poética de Vinicius de Moraes, seleção e organização de Antonio Cícero e

Eucanaã Ferraz. São Paulo: Cia. das Letras, Editora Schwarcz Ltda., 2008. p. 100 © VM.)

Libertas quae sera tamen: expressão,

em latim, de autoria do poeta Virgílio, que

significa “liberdade, ainda que tardia”;

foi utilizada como lema do movimento da

Inconfidência Mineira e hoje aparece na

bandeira de Minas Gerais.

presto: ligeiro, rápido.

Andressa Honório

186 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:189

LITERATURA

1. Na primeira estrofe de “Pátria minha”, o eu lírico compara a pátria a uma

criança dormindo. O que há em comum entre os elementos dessa comparação?

2. O eu lírico do texto 1 se refere à pátria por meio de um conjunto de metáforas, como “fonte de mel”, “bicho triste”, “desolação de caminhos”, “terra sedenta”, “grande rio secular”, “ilha de ternura”. Que visão ele revela

ter sobre a pátria, por meio dessas metáforas?

3. Em alguns trechos, o poema “Pátria minha” estabelece uma relação intertextual com o Hino Nacional.

a. Identifique esses trechos.

b. A apropriação do discurso oficial sobre a pátria, nesse caso, confirma-o

ou nega-o? Justifique sua resposta.

4. Releia a última estrofe do poema “Pátria minha”.

a. Explique a formação e o sentido do neologismo avigrama.

b. Por que o eu lírico chama a cotovia e o rouxinol, se é o sabiá que vai

levar o avigrama?

c. Com que outro poema de exílio “Pátria minha” estabelece uma relação intertextual? Que palavra dessa estrofe explicita essa relação?

d. Geralmente, a voz que fala nos poemas é a do eu lírico, que nem sempre corresponde à voz do próprio poeta. Essa simulação poética também se verifica no poema “Pátria minha”? Justifique com elementos

dessa estrofe.

5. Como o nome sugere, o “Soneto de separação” tem como tema a separação. De que tipo de separação trata o poema?

6. As figuras de linguagem cumprem um importante papel na construção

do poema.

a. Identifique a figura de linguagem que se verifica nestes pares de palavras:

• riso/pranto

• bocas unidas/espuma

• mãos espalmadas/espanto

• calma/vento

b. Como essa figura de linguagem expressa o drama que o eu lírico vive

com a separação?

c. A repetição constante da expressão de repente constitui uma anáfora.

Que efeito de sentido é criado por essa anáfora, considerando-se o

sentido global do texto?

A “íntima doçura”, isto é, o eu lírico tem com a pátria uma intimidade

semelhante à que tem com o próprio filho.

Tem uma visão subjetiva, emocional, carinhosa da pátria. Ao mesmo tempo, ele a vê como um conjunto de contradições,

com maravilhas (“fonte de mel, “ilha de ternura”) e problemas (“desolação de caminhos”).

“Amada, idolatrada, salve, salve!”, “não é florão, nem ostenta /

Lábaro não”, “mais garrida”, “mãe gentil”

O poema nega o discurso oficial. O discurso poético é lírico e emotivo e se refere à pátria de

maneira carinhosa, pessoal e íntima (“patriazinha”); não tem a finalidade de idealizá-la nem de

tratá-la do ponto de vista militar (“ostenta lábaro”). A pátria é filha, é “ilha de ternura”.

Por analogia a telegrama, o neologismo avigrama (ave + -grama)

sugere que a mensagem será enviada por uma ave.

4. b) Porque o sabiá é uma ave brasileira. A cotovia

e o rouxinol, que são típicas do continente europeu,

pegarão a carta e a entregarão ao sabiá, para que

ele a leve à pátria.

c) Com “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, cujos

versos iniciais são “Minha terra tem palmeiras /

Onde canta o sabiá”. Logo, além do tema do exílio,

é a palavra sabiá que estabelece uma relação intertextual com o poema de Gonçalves Dias.

Não; em “Pátria minha” o poeta assume a voz do eu lírico ao assinar

o poema como “Vinicius de Moraes”.

De uma separação amorosa, conforme indica o verso “E das bocas unidas fez-se a espuma”.

Antítese.

Opondo dois momentos: o antes e o depois da separação.

A repetição constante da expressão de repente revela a surpresa do eu lírico com a rapidez

que envolveu a separação e, ao mesmo tempo, com a fragilidade das relações amorosas.

“Pátria minha” e o exílio

Quando escreveu “Pátria minha”, Vinícius de Morais vivia em Los Angeles,

nos Estados Unidos, onde, como diplomata, era vice-cônsul. Por estar fora do

país, ele se sentia como se estivesse

em exílio.

Em 1949, o poeta enviou uma cópia

do poema ”Pátria minha” ao amigo e

também poeta e funcionário do Itamaraty, João Cabral de Melo Neto, que

vivia em Barcelona, na Espanha. Querendo fazer uma surpresa a Vinícius,

Cabral imprimiu em sua prensa pessoal

cinquenta exemplares do poema e os

entregou ao amigo. O poema “Pátria minha” foi publicado em livro cinco anos

depois, em 1954.

REGISTRE

NO CADERNO

VM Cultural

Vinícius de Morais e João Cabral

de Melo Neto.

187 A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1

PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP1_180a200.indd 187 5/12/16 6:24 PM

P:190

7. O hipérbato ou inversão é outra figura de linguagem que ocorre com

frequência no poema.

a. Coloque na ordem direta os seguintes versos do poema, desfazendo

os hipérbatos.

• “De repente do riso fez-se o pranto”

• “De repente da calma fez-se o vento”

• “Que dos olhos desfez a última chama”

b. Levante hipóteses: Que relação há entre as inversões sintáticas nos

versos e o conteúdo do poema?

8. Por meio de imagens, o eu lírico consegue transmitir os sentimentos

decorrentes da separação, ao mesmo tempo que faz uma espécie de balanço da vida. Responda, justificando suas respostas com palavras ou

expressões do texto:

a. Que sentimentos ele revela ter nesse momento?

b. Que perspectiva o eu lírico tem para sua vida?

9. Observe e compare, do ponto de vista formal, os dois poemas de Vinícius

de Morais.

a. Qual deles adota uma forma convencional, com versos regulares?

Qual adota uma forma livre, com versos livres?

b. Qual dos dois poemas tem uma linguagem mais elevada? Em qual deles a linguagem é mais simples e coloquial?

c. O que as respostas dos itens anteriores permitem concluir sobre a

poe sia de Vinícius de Morais, do ponto de vista formal?

De repente o pranto fez-se do riso

De repente o vento fez-se da calma

Que (o qual) desfez a última chama dos olhos

As inversões sintáticas reforçam as oposições que se dão no nível do conteúdo, ou seja, o eu

lírico também está vivendo uma vida “invertida”, ou seja, que é o contrário do que vivera antes.

Sentimentos como surpresa (“espanto”), sofrimento (“pranto”, “drama”),

tristeza (“triste”), solidão (“sozinho”).

O eu lírico não tem perspectiva definida, sua vida é uma “aventura errante”, sem rumo.

O “Soneto de separação” adota uma forma convencional, o soneto, com versos

decassílabos. O poema “Pátria minha” adota forma e versos livres.

9. b) O soneto tem uma linguagem mais elevada, com o emprego de termos como bruma

e aventura errante, enquanto o poema “Pátria

minha” tem uma linguagem mais simples e

coloquial, conforme demonstra o emprego de

termos como bicho triste, patriazinha.

Permitem concluir que o poeta cultivou tanto forma e versos livres, de acordo com as propostas da geração de 22,

quanto forma e versos regulares, de tradição clássica.

• Cecília Meireles e Vinícius de Morais integraram o grupo de poetas católicos do Rio de Janeiro que se destacaram nos anos 1930-40. Além do verso

livre, ambos cultivaram também formas clássicas da poesia.

• A poesia de Cecília Meireles apresenta certos traços associados ao Simbolismo, como a musicalidade, a espiritualidade, a melancolia e o uso de uma

linguagem mais sugestiva do que descritiva.

• A poesia de Vinícius de Morais teve inicialmente inspiração religiosa

e era escrita em uma linguagem elevada, com influência da tradição

clássica. Aos poucos, porém, o poeta se voltou para temas do cotidiano,

como a mulher, o amor, a pátria, o mar, os filhos, fazendo uso de formas

poéticas mais simples e de linguagem mais acessível e coloquial. Da

fase final de sua poesia, nasceram as canções que popularizam definitivamente o poeta-compositor.

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188 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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Você vai ler, a seguir, um soneto de Vinícius de Morais e a letra de uma canção, com música de Tom Jobim e letra de Vinícius de Morais. Na Internet, é possível assistir a parte de um

show na qual os dois juntos apresentam a canção e Vinícius declama o poema. Procure ver.

Soneto de fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

(In: Nova antologia poética de Vinicius de Moraes. São Paulo:

Cia. das Letras, Editora Schwarcz Ltda., 2008. p. 39. © VM.)

Eu sei que vou te amar

Eu sei que vou te amar

Por toda minha vida eu vou te amar

Em cada despedida eu vou te amar

Desesperadamente, eu sei que vou te amar

E cada verso meu será

Pra te dizer que eu sei que vou te amar

Por toda minha vida

Eu sei que vou chorar

A cada ausência tua eu vou chorar

Mas cada volta tua há de apagar

O que esta ausência tua me causou

Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver

A espera de viver ao lado teu

Por toda minha vida

(Vinícius de Morais e Tom Jobim. Disponível em: http://www.jobim.org/jobim/

handle/2010/11054. Acesso em: 23/3/2016.)

atento: cuidadoso, respeitoso.

LITERATURA

Osterreichische Galerie Belvedere, Viena, Áustria

O beijo (1908), de Gustav Klimt.

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A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1

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1. O poema de Vinícius de Morais apresenta recursos formais – como inversões e outras

figuras de linguagem – que o associam à tradição da poesia clássica.

a. Qual é o tipo de composição utilizado?

b. A fim de constatar o uso de inversões no poema, ponha os versos da 1ª estrofe na

ordem direta.

c. Qual é o efeito de sentido decorrente do emprego do polissíndeto em “Antes, e com

tal zelo, e sempre, e tanto”?

d. Identifique no poema exemplos de antítese, pleonasmo e metáfora.

2. O poema tem como título “Soneto de fidelidade”. De acordo com o ponto de vista do

eu lírico:

a. A fidelidade exige renúncia? Justifique sua resposta com elementos do texto.

b. De acordo com a 2ª estrofe, de que outra forma se mostra a fidelidade?

3. O eu lírico imagina a possibilidade de futuramente ocorrerem duas situações adversas: a morte e a solidão.

a. Para ele, o que é a morte?

b. E a solidão?

4. Depois de passar por essas experiências, o eu lírico poderia, então, chegar a uma conclusão a respeito do amor, resumida nos dois últimos versos do poema:

“Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure”.

a. Que figura de linguagem se verifica na expressão infinito enquanto dure? Justifique

sua resposta.

b. Interprete esses versos e explique que conceito de amor tem o eu lírico, levando em

conta o sentido dessa figura de linguagem reconhecida no item a.

5. O soneto e a letra da canção são de Vinícius de Morais. Compare os dois textos.

a. Que semelhanças e diferenças eles apresentam quanto à percepção do eu lírico sobre o amor?

b. Que diferenças eles apresentam em relação à forma e à linguagem?

c. Essas diferenças são compatíveis com o gênero e com o propósito comunicativo de

cada texto? Justifique sua resposta.

O soneto.

Antes de tudo, serei atento ao meu amor, e com tal zelo, e sempre, e tanto, que meu

pensamento se encante dele, mesmo em face do maior encanto.

A repetição da conjunção reitera e destaca a ênfase dada pelo eu lírico à devoção com

que vai cuidar de seu amor pela pessoa amada.

Antítese: riso/pranto, pesar/contentamento; pleonasmo: rir meu riso; metáfora: chama.

Sim, conforme os versos “Que mesmo em face do maior encanto / Dele se encante mais meu pensamento”.

Mostra-se fidelidade também vivendo o amor nas mais variadas situações, nos momentos banais da vida, na tristeza e na alegria.

A morte (a sua própria ou da pessoa amada) é a maior preocupação de quem ama.

É o fim da pessoa que ama, pois a pessoa amada já partiu.

Um paradoxo, pois, se é infinito, supostamente não teria fim, não acabaria nunca.

Seu conceito de amor é de que, enquanto durar, o amor deve ser pleno e total, uma espécie de entrega incondicional. Ou seja,

ele deve ser infinito do ponto de vista da intensidade, e não da durabilidade.

Nos dois textos, o amor deve ser constante e uma espécie de entrega. No poema, entretanto, é prevista a possibilidade de o amor ter um fim (motivado pela morte ou não); já na canção, o amor deve durar toda a vida.

5. b) Enquanto o soneto

apresenta uma linguagem

e uma forma poética clássica (emprego do soneto,

versos decassílabos, vocabulário selecionado,

figuras de linguagem,

etc.), a canção apresenta

uma letra simples, direta

e fluente, com versos livres, vocabulário comum

e versos inteiramente repetidos.

Inteiramente compatíveis. O poema supõe um leitor de poesia, isto

é, um leitor acostumado com a linguagem poética e seus recursos

formais. Já a canção é feita para ser cantada e ouvida; logo, é natural que apresente repetições e uma simplicidade formal maior,

pois disso depende a memorização da letra.

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lÍNGua e

liNGuaGeM

FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, uma redação que teve nota máxima no exame do Enem.

A imigração no Brasil

Durante, principalmente, a década de 1980, o Brasil mostrou-se um país de emigração. ■, inúmeros brasileiros deixaram ■ em busca de melhores condições de vida. No

século XXI, um fenômeno inverso é evidente: a chegada ao Brasil de grandes contingentes imigratórios, com indivíduos de países subdesenvolvidos latino-americanos. No

entanto, as condições precárias de vida ■ são desafios ■ para a plena adaptação de

todos os cidadãos ■.

A ascensão do Brasil ao posto de uma das dez maiores economias do mundo é um

importante fator atrativo ■. ■ o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nacional,

segundo previsões, seja menor em 2012 em relação a anos anteriores, o país mostra

um verdadeiro aquecimento nos setores econômicos, representado, por exemplo, pelo

aumento do poder de consumo da classe C.

■ contribui para a construção de uma imagem positiva e promissora do Brasil no

exterior, o que favorece a imigração. A vida dos imigrantes no país, ■, exibe uma diferente e crítica faceta: a exploração da mão de obra e a miséria.

■, para impedir a continuidade ■, é imprescindível a intervenção governamental,

por meio da fiscalização de empresas que apresentem imigrantes como funcionários,

bem como a realização de denúncias de exploração por brasileiros ou por imigrantes. ■,

é necessário fomentar o respeito e a assistência a eles, ideais que devem ser divulgados

por campanhas e por propagandas do governo ou de ONG’s, além de garantir seu acesso à saúde e à educação, por meio de políticas públicas específicas ■.

(Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/guia_participante/2013/

guia_de_redacao_enem_2013.pdf. Acesso em: 20/2/2016.)

1. Em sua primeira leitura, você certamente percebeu que faltam alguns termos fundamentais para a compreensão do texto.

a. Entre as expressões do quadro a seguir, identifique os que completam adequadamente

o texto e escreva-os em seu caderno, na ordem em que devem ser empregadas.

a esse grupo Embora entretanto Na chamada década perdida

dessas pessoas Portanto aos estrangeiros Ademais Esse aspecto

dessa situação ao governo e à sociedade brasileira à nova realidade o país

b. Reveja no texto os seguintes trechos e expressões e indique qual(is) expressão(ões)

do quadro do item anterior retoma(m) cada um deles.

Na chamada década perdida / o país / dessas pessoas / ao governo e à sociedade brasileira / à nova realidade

/ aos estrangeiros / Embora / Esse aspecto / entretanto / Portanto / dessa situação / Ademais / a esse grupo

Análise linguística: progressão

referencial e operadores

argumentativos

LÍNGUA E LINGUAGEM

191 A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1

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• “a década de 1980”

• “o Brasil”

• “indivíduos de países subdesenvolvidos latino-americanos”

• “a chegada ao Brasil de grandes contingentes imigratórios”

• “o país mostra um verdadeiro aquecimento nos setores econômicos, representado, por exemplo, pelo aumento do poder de consumo da classe C”

• “A vida dos imigrantes no país [...] exibe uma diferente e crítica faceta: a exploração da mão de obra e a miséria”

c. Volte novamente ao texto e, com base nas relações estabelecidas entre as ideias,

associe os conectivos que constam no quadro do item a aos seguintes valores semânticos.

• adição

• adversidade

• concessão

• conclusão

d. Identifique no texto outro conectivo com o mesmo valor semântico de entretanto.

2. O texto lido, conforme aponta o título, discorre sobre a questão da imigração no Brasil.

a. Levante hipóteses: Quais são os possíveis meios de circulação de textos como esse?

Qual é a sua principal função?

b. Sabendo que o texto lido é uma redação do Enem, discuta com os colegas e o professor: Qual é, de fato, a função de textos como esse?

3. Discuta com os colegas e o professor e responda:

a. Qual é a tese defendida por esse texto?

b. Quais argumentos e fatos ele utiliza para fundamentar o ponto de vista adaptado?

c. Qual é a conclusão do texto?

4. Releia estes trechos do texto:

• “Durante, principalmente, a década de 1980, o Brasil mostrou-se um país de emigração”

• “o país mostra um verdadeiro aquecimento nos setores econômicos, representado, por exemplo, pelo aumento do poder de consumo da classe C”

a. Há, nos trechos, termos que podem ser eliminados sem prejuízo para a estrutura e

o sentido global deles. Identifique-os.

b. Discuta com os colegas e o professor e conclua: Qual é a função desses termos nos

trechos? Justifique sua resposta.

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

Na seção anterior, você viu que em um texto há palavras que se referem a elementos

externos a ele e palavras que se referem a outras palavras do texto. O processo que estabelece essas referências é denominado referenciação.

Você viu também que há palavras que estabelecem relações entre partes do texto, indicando o caminho escolhido pelo autor dentro da perspectiva adotada. Essas palavras são

chamadas de operadores argumentativos.

Referenciação é o processo pelo qual se introduzem referentes

no texto. A retomada desses elementos ao longo do texto é denominada progressão referencial.

Na chamada década perdida

o país; ao governo e à sociedade brasileira

dessas pessoas; aos estrangeiros; a esse grupo

à nova realidade

Esse aspecto

dessa situação

ademais

entretanto

embora

portanto

no entanto

Entre eles: jornal, revista, blog. Defender o ponto de vista do autor sobre o assunto e

expor propostas de minimização do problema levantado.

Cumprir as exigências da prova para obter um resultado satisfatório.

A de que o crescimento econômico do Brasil tem atraído um grande número

de imigrantes, que enfrentam no país uma situação precária.

3. b) Referência a datas e

locais específicos (década

de 1980, século XXI, 2012;

países latino-americanos),

referência a fatos, como

“A ascensão do Brasil

ao posto de uma das dez

maiores economias do

mundo”, “a redução do PIB

em 2012” e a realidade de

exploração e miséria enfrentada pelos imigrantes.

c) A de que a intervenção

governamental é necessária, seja para fiscalizar a

exploração ilegal da mão

de obra dos imigrantes,

seja para legalizar a situação dessas pessoas, seja

para, por meio de campanhas e propagandas,

fomentar o respeito e a

assistência a elas.

principalmente, no primeiro; verdadeiro e por exemplo, no segundo

Apontar e reforçar o ponto de vista do autor do texto, uma vez que tais termos relacionam a outros contextos as orações em que

aparecem. Assim, principalmente indica que houve emigração em outros momentos, mas que na década de 1980 foi maior; verdadeiro enfatiza o aquecimento na economia; por exemplo indica que há ainda outros fatos que poderiam ser citados.

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192 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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língua e

linguagem

Operadores argumentativos são termos utilizados para correlacionar partes de um texto, a fim de permitir que a direção argumentativa que se pretende tomar fique subentendida.

A progressão referencial pode se realizar por estratégias variadas, entre elas o uso de:

• formas com valor pronominal, tais como ele, ela, esse, essa, etc.;

• advérbios e expressões adverbiais locativas, tais como aqui, ali, lá;

• sinônimos do termo retomado;

• termos genéricos que abrangem em algum sentido o termo retomado;

• elipses, isto é, omissões do termo retomado.

Os operadores argumentativos têm sentidos variados, relacionados à finalidade com

que são utilizados, como:

• assinalar um argumento mais forte: até, até mesmo, mesmo, inclusive.

• unir argumentos convergentes: e, também, ainda, nem, não só... mas também, tanto...

como, além de, além disso;

• introduzir uma conclusão relacionada ao que foi expresso anteriormente: portanto,

logo, por conseguinte, em decorrência;

• estabelecer uma comparação: mais... (de) que, menos... (do) que, tão... quanto;

• introduzir uma justificativa ou explicação relacionada ao que foi expresso anteriormente: já que, pois, uma vez que;

• contrapor argumentos que apontam para conclusões opostas: mas, porém, contudo,

todavia, no entanto, embora, ainda que, apesar de.

APLIQUE O QUE APRENDEU

1. Os parágrafos a seguir são partes de um texto. Leia-os com atenção e, com base

na progressão referencial e nos operadores argumentativos utilizados, indique

em seu caderno a ordem em que eles estão dispostos no texto original. Justifique

sua escolha.

I. O feminismo também atua nos comportamentos e nos estereótipos, que

tanto geram comentários nocivos. Não é razoável haver estranhamento,

por exemplo, a um grupo de mulheres confraternizando num bar, sem nenhum homem na mesa; ao modo de se vestir — e ao tamanho de saias,

shorts, vestidos ou bermudões; ao jeito de cortar os cabelos; à opção de

maquiar-se ou tatuar-se; e sobretudo às decisões de cada cidadã de tocar a

vida como bem entender, fora dos padrões da “mulher perfeita”, querendo

ter filhos ou não, casar ou não.

II. A rigor, a existência do 8 de março e todo o discurso que se reaviva a cada data

evidenciam o ranço machista da sociedade. Houvesse plena igualdade de gênero, o Dia Internacional da Mulher seria lembrado mais pelo martírio das operárias subjugadas do que pela luta de direitos. Mas é necessário brigar para eliminar as diferenças, e isso se conquista com diálogo. Muito se avançou nas últimas

décadas. É importante seguir em frente cada vez mais.

193 A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1

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III. Ainda é forte a associação da defesa dos direitos das mulheres a situações anacrônicas como a queima de sutiãs em praça pública ou a depreciação generalizada dos homens. O feminismo, tal como muitos movimentos sociais, evoluiu e

hoje carrega várias bandeiras: ter direito a uma vida sem violência, poder decidir sobre a própria sexualidade e não escondê-la, ter voz para denunciar o machismo, a desigualdade de gênero e a discriminação racial.

IV. Na semana do Dia Internacional da Mulher, muito se fala em valorização do

trabalho, em equiparação de salário e em maior participação nas diferentes esferas de poder, tanto na gestão pública quanto nos meios privados, no Brasil e no

mundo. Essas demandas precisam de ação permanente, visto que a sociedade

ainda apresenta incompreensíveis discrepâncias. Mas é interessante, na efeméride que se comemora hoje, propor olhar para outro tema bastante sensível à

causa: o preconceito contra o feminismo.

(Jornal O Dia, Rio de Janeiro, 8/3/2014. Disponível em: http://odia.ig.com.br/noticia/

opiniao/2014-03-08/editorial-feminismo-e-um-direito-humano.html. Acesso em: 20/2/2016.)

Leia a tira a seguir e responda às questões de 2 a 5.

IV (localiza o texto no tempo,

introduz o assunto que será

tratado, apresenta uma tese

e indica uma proposta de

encaminhamento da discussão); I (começa retomando o

termo feminismo do parágrafo IV, que aparece no trecho

“o feminismo também atua”);

III (o termo direitos das mulheres retoma todas as ações

listadas no final do parágrafo I); II (retoma a referência

temporal e a afirmação sobre

machismo e feminismo feitas

no começo do texto, reforça

o ponto de vista defendido

no desenvolvimento e finaliza resumindo suas ideias nos

dois últimos períodos).

2. No 1º quadrinho, Mafalda e Felipe conversam sobre um assunto específico. Qual é

esse assunto?

3. O 1º quadrinho termina com uma pergunta, o que leva o leitor a estabelecer uma

relação entre esse quadrinho e o 2º.

a. O que o pai de Mafalda faz no 2º quadrinho?

b. Com base nas expressões das crianças no 2º e no 3º quadrinhos, conclua: O que elas

pensaram que o pai de Mafalda estava indo fazer?

4. O 4º quadrinho quebra a expectativa das crianças e provoca um comentário de Felipe.

a. Com base na conversa inicial de Mafalda e Felipe, reescreva o comentário do garoto, substituindo assim pela ideia que esse termo retoma.

b. Nesse contexto, qual é o valor semântico do termo tão?

5. Observe a expressão do pai de Mafalda no último quadrinho.

a. Considerando-se que ele não ouviu a conversa inicial das crianças, o que a reação

dele denota?

b. Discuta com os colegas e o professor e conclua: Com que sentido o pai de Mafalda

entendeu o termo tão, utilizado por Felipe? Justifique sua resposta.

A decisão tomada pelo pai da garota de exterminar as formigas das plantas.

Leva consigo um martelo.

Exterminar as formigas com o martelo.

Entre outras possibilidades: “Logo vi que seu pai não

podia ser tão bobo como alguém que vai tentar matar

formigas com um martelo”.

Valor comparativo.

Desapontamento, decepção.

Ele entendeu o termo com o sentido de ênfase; assim, é como se Felipe tivesse

dito que o pai da amiga é “um pouco bobo”, mas não tanto.

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NO CADERNO

Joaquín Salvador Lavado (QUINO)

(Quino. Mafalda no jardim de infância. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 26.)

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UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:197

LÍNGUA e

LINGUAGEM

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia o anúncio a seguir.

1. Para produzir determinado sentido, o anúncio faz uso de recursos semânticos e sintáticos, isto é, explora tanto o sentido das palavras quanto a estrutura das orações.

a. A repetição da mesma estrutura, ou seja, o paralelismo entre as frases do texto,

pode ser considerada uma estratégia de progressão textual. Identifique qual é a

estrutura do paralelismo observado no anúncio.

b. Releia a sequência de frases do anúncio e conclua: Qual é a quebra de expectativa,

no plano semântico, que ocorre na sequência de frases?

2. Reescreva o enunciado central do anúncio, eliminando as repetições e utilizando operadores argumentativos que auxiliem a organização de ideias.

3. Compare o enunciado do anúncio e a redação que você deu a ele na questão anterior.

a. Discuta com os colegas e o professor: Em geral, a repetição é recomendada ou condenada nos manuais de redação de texto?

b. Levante hipóteses: Por que o anúncio optou pela repetição?

c. Conclua: É possível determinar quando a repetição é um bom recurso e quando

deve ser evitada?

Leia a tira a seguir e responda às questões 4 e 5.

O termo você seguido de uma forma verbal no pretérito perfeito.

O fato de a ação de acordar ocorrer depois das ações expressas pelos

verbos das três primeiras frases. Ou seja, o esperado é que acordar

tivesse sido a primeira ação, e não a última.

Entre outras possibilidades: “Você levantou e sentou para tomar o café da manhã. Em seguida, pegou a Gazeta Mercantil e só então acordou”.

Em geral, a repetição é considerada um problema, ou seja,

um procedimento condenado.

Porque a repetição, no contexto, tem um efeito impactante, chamando a atenção para a sequência dos fatos e para a quebra da expectativa.

Em textos cuja estrutura é mais livre, como um anúncio ou um poema, por exemplo, a repetição pode ser

um bom recurso para a construção de sentidos, enquanto em textos de estrutura mais rígida, como uma

dissertação ou um artigo científico, por exemplo, é melhor que ela seja evitada.

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© 2016 King Features Syndicate/Ipress

JWT

(Dik Browne. O melhor de Hagar, o horrível. Porto Alegre: L&PM, 2007.)

(Gazeta Mercantil, 19/12/2005.)

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A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1

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4. Nessa tira, a expressão responsável por uma retomada aparece antes do termo referido. Esse procedimento de referenciação é chamado de catafórico.

a. Qual é o referente, na fala da personagem da tira?

b. Qual é a expressão que retoma esse referente?

5. Levando em conta a construção do humor na tira, responda:

a. Qual é a expectativa criada com a fala da personagem no 1º quadrinho?

b. Por que a explicitação do referente no 2º quadrinho tem efeito humorístico?

“contar pra minha esposa que eu não vou estar em casa

para comemorar nosso aniversário de casamento”

A expressão “essa missão muito perigosa”.

A de que Hagar dará a seus comandados uma missão especial, com risco de morte e enfrentamento de inimigos perigosos.

A “missão muito perigosa” a que Hagar se refere é dar à esposa um recado que irá desagradá-la. Assim, ele compara a fúria da

esposa aos grandes perigos enfrentados pelos guerreiros vikings.

A dissertação

PRODUÇÃO DE TEXTO

FOCO NO TEXTO

A dissertação é um texto que circula na esfera escolar e tem por objetivo avaliar a capacidade de produção de textos dos estudantes. Leia a dissertação a seguir, que recebeu

nota máxima no Enem de 2012.

Olhares que buscam o Brasil

Ao despontar como potência econômica do século XXI, o Brasil tem cada vez mais

atraído os olhares do mundo, chamando a atenção da mídia, de grandes empresas e de

outros países. Contudo, é outro olhar não menos importante que deveria começar a nos

sensibilizar mais: o olhar marginalizado e cheio de esperança daqueles que não têm

dinheiro, dos famintos e desempregados ao redor do globo. São pessoas com esse perfil

que majoritariamente contribuem para o crescente volume de imigrantes no país, e o

que se vê é uma ausência de políticas públicas eficientes para receber e integrar essas

pessoas à sociedade.

Não parece que a solução seja simplesmente deixar que imigrantes pouco qualificados continuem entrando no país de forma irregular e esperar que eles, sozinhos, encontrem um ofício para se sustentar. O governo ainda não percebeu que a regularização

desses imigrantes e a inserção dos mesmos no mercado de trabalho formal poderiam

servir como oportunidades para o país arrecadar mais impostos e possíveis futuros cidadãos, ou seja, novos contribuintes para a deficitária Previdência Social.

Professor: Neste livro, trataremos a dissertação como um gênero da esfera escolar. De acordo com

esse enfoque, ela corresponde à redação escolar típica, produzida para fins de avaliação, em exames,

em vestibulares e em concursos em geral.

O CONteXtO De PrODuÇÃO e reCePÇÃO DOS teXtOS

Quais textos você produzirá nesta unidade? Com que finalidade? Quem vai ler

os seus textos?

Nesta unidade, nosso projeto é a realização de um simulado da prova de redação do Enem. Com vistas a realizá-lo, trataremos no decorrer dos capítulos da

estrutura do texto dissertativo-argumentativo e iremos propor a produção de dissertações, como treinamento para o simulado.

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Visando aproveitar tais benefícios, o governo poderia começar a implantar, nas regiões por onde chegam os imigrantes, mais órgãos e agências que oferecessem serviços

de regularização do visto e da carteira de trabalho, posto que ainda há muita deficiência de controle nesse setor. Além disso, nos destinos finais desses imigrantes poderiam

ser oferecidos cursos de português e cursos qualificantes voltados para os mesmos. Isso

facilitaria muito a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho formal e poderia

inclusive suprir a alta demanda por mão de obra em setores como o da construção civil,

por exemplo.

Nesse sentido, é preciso que atitudes mais energéticas sejam tomadas a fim de que

o país não deixe escapar essa oportunidade: a de transformar o problema da imigração

crescente em uma solução para outros. A questão merece mais atenção do governo,

portanto, pois não deve ser a toa que o Brasil, além de ser conhecido pela hospitalidade,

também o é pelo modo criativo de resolver problemas. Prestemos mais atenção aos

olhares que nos cercam; deles podem vir novas oportunidades.

(Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/guia_participante/2013/

guia_de_redacao_enem_2013.pdf. Acesso em: 12/2/2016.)

1. O texto lido segue a estrutura das dissertações. Identifique, justificando, os parágrafos que correspondem:

a. à introdução;

b. ao desenvolvimento;

c. à conclusão.

2. Seguindo a orientação dada na proposta da prova do Enem, o texto adota um ponto

de vista. Qual é a tese quanto ao problema da imigração no Brasil defendida no texto?

3. Para fundamentar a tese que defende, o autor organiza seus argumentos em dois parágrafos e, conforme solicitado pela prova do Enem, apresenta uma proposta de intervenção.

a. Identifique os argumentos utilizados em cada parágrafo.

b. Qual(is) é(são) a(s) proposta(s) de intervenção sugerida(s)?

4. Na conclusão, o autor, para finalizar o texto, faz uma retomada tanto de

seus argumentos como de uma imagem que apresentou no início.

a. Quais argumentos são retomados?

b. Identifique a imagem apresentada no início do texto e retomada na

conclusão.

c. Explique como essas retomadas contribuem para a estrutura da dissertação.

5. Em exames como o do Enem, há valorização do uso da norma-padrão, mas alguns

poucos desvios são permitidos, desde que não prejudiquem a unidade do texto. Há

no texto em estudo certas inadequações à norma-padrão formal.

a. Identifique as inadequações presentes em cada um destes trechos:

• “poderiam ser oferecidos cursos de português e cursos qualificantes voltados

para os mesmos”

• “é preciso que atitudes mais energéticas sejam tomadas”

• “não deve ser a toa que o Brasil”

b. Reescreva os trechos, fazendo as devidas adequações à norma-padrão.

1º parágrafo; nele o autor introduz a discussão e apresenta seu ponto de vista.

2º e 3º parágrafos; neles o autor desenvolve argumentos para justificar seu ponto de vista.

4º parágrafo; nele o autor retoma a argumentação e finaliza o texto.

A de que o Brasil tem atraído muitos imigrantes, mas não tem políticas públicas para recebê-los.

3. a) Os argumentos do autor giram em torno da ideia

de que auxiliar os imigrantes traria vantagens para

o próprio país: no 2º parágrafo, menciona o recolhimento maior de impostos,

o que, segundo ele, melhoraria a situação da previdência; no 3º, menciona a

regularização dos vistos e

o oferecimento de cursos

para integrar as pessoas à

sociedade, o que minimizaria o problema da falta de

mão de obra.

Regularizar a situação dos imigrantes e qualificar sua mão de obra, a fim de que eles possam se inserir

no mercado de trabalho e contribuir para o crescimento do país.

4. a) O de que o problema da imigração pode ser revertido em benefícios

para o país e o de que a questão merece mais atenção do governo.

A de que todo o mundo está olhando para o Brasil.

As retomadas ajudam a criar uma unidade no texto, pois dão ideia de que os argumentos convergem para um único fim. Essa

estratégia, por reforçar tópicos já conhecidos do leitor, contribui para a fluidez da leitura.

1º trecho: cursos qualificantes voltados para os mesmos; 2º trecho:

atitudes energéticas; 3º trecho: a toa.

5. b) Entre outras possibilidades: “poderiam ser

oferecidos cursos de português e cursos de qualificação a essas pessoas/

eles”; “é preciso que atitudes mais enérgicas sejam

tomadas”; “não deve ser à

toa que o Brasil”.

Professor: Comente com

os alunos o uso do pronome mesmo para retomar

referentes no texto. Tratase de um uso que, apesar

de amplamente difundido,

é contestado por gramáticos mais tradicionais.

A proposta de intervenção

do Enem

De modo geral, a dissertação escolar

não exige que seja apresentada proposta de intervenção. Esse é um critério

específico da prova do Enem, que exige

tanto a apresentação de uma tese como

de uma proposta de intervenção na vida

social, relativamente ao assunto em

discussão.

REGISTRE

NO CADERNO

197Produção de texto

A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1

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6. Com base no estudo sobre progressão referencial e operadores argumentativos realizado na seção Língua e linguagem deste capítulo, identifique no primeiro parágrafo do texto:

a. os termos que retomam, respectivamente, os referentes Brasil (1ª linha) e mundo

(2ª linha);

b. um exemplo de progressão referencial catafórica;

c. um exemplo de operador argumentativo de contraposição

d. um exemplo de operador argumentativo de adição

7. Em geral, as dissertações escolares são construídas em um tom impessoal. No

texto em estudo, entretanto, ocorre a presença da 1ª pessoa, observada no uso do

pronome n—s.

a. Levante hipóteses: Por que o tom impessoal é o mais utilizado nos textos dissertativos?

b. A quem se refere a 1ª pessoa no texto em estudo?

c. Explique por que, nesse contexto, o uso da 1ª pessoa não descaracteriza a impessoalidade da linguagem.

HORA DE ESCREVER

Como você sabe, no final da unidade será realizado um simulado com provas de redação propostas pelo Exame Nacional do Ensino Médio. Como treinamento para a realização do simulado, produza uma dissertação de acordo com a proposta do Enem 2014. Na

produção desse texto, lembre-se de ficar atento especialmente à progressão referencial e

ao uso de operadores argumentativos.

A partir da leitura dos textos motivadores seguintes e com base nos conhecimentos

construídos ao longo de sua formação, redija um texto dissertativo-argumentativo em

norma-padrão da língua portuguesa sobre o tema Publicidade infantil em questão

no Brasil, apresentando proposta de intervenção, que respeite os direitos humanos.

Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para a

defesa de seu ponto de vista.

Texto 1

A aprovação, em abril de 2014, de uma resolução que considera abusiva a publicidade infantil,

emitida pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), deu início

a um verdadeiro cabo de guerra envolvendo ONGs de defesa dos direitos das crianças e setores

interessados na continuidade das propagandas dirigidas a esse público.

Elogiada por pais, ativistas e entidades, a resolução estabelece como abusiva toda propaganda dirigida à criança que tem “a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço e que utilize aspectos como desenhos animados, bonecos, linguagem infantil,

trilhas sonoras com temas infantis, oferta de prêmios, brindes ou artigos colecionáveis que

tenham apelo às crianças”.

Ainda há dúvidas, porém, sobre como será a aplicação prática da resolução. E associações

de anunciantes, emissoras, revistas e de empresas de licenciamento e fabricantes de produtos

infantis criticam a medida e dizem não reconhecer a legitimidade constitucional do Conanda

Brasil: nos; no país; à sociedade; mundo: da mídia, de grandes empresas e de outros países; ao redor do globo

o olhar marginalizado e cheio de esperança daqueles que não

têm dinheiro, dos famintos e desempregados ao redor do globo.

contudo

e

Como recurso de persuasão do leitor, pois cria um efeito de objetividade ao veicular argumentos que, por serem

baseados em dados e informações, dão a impressão de estarem isentos da subjetividade do autor.

Aos brasileiros e ao Brasil como um todo.

Porque se trata de um nós genérico, que representa uma coletividade e não um grupo pequeno de

pessoas, cujos interesses supostamente seriam muito específicos.

Professor: Volte à dissertação estudada na seção Língua e linguagem e

reforce com os alunos a estrutura e as características recorrentes do gênero, algumas das quais podem variar: tese, argumentos, conclusão, tom

impessoal, etc.

REGISTRE

NO CADERNO

198 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:201

para legislar sobre publicidade e para impor a resolução tanto às famílias quanto ao mercado

publicitário. Além disso, defendem que a autorregulamentação pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) já seria uma forma de controlar e evitar abusos.

IDOETA, P. A.; BARBA, M. D. A publicidade infantil deve ser proibida?

Disponível em: www.bbc.co.uk. Acesso em: 23 maio 2014 (adaptado).

Texto 2

Texto 3

Precisamos preparar a criança, desde pequena, para receber as informações do mundo exterior, para compreender o que está por trás da divulgação de produtos. Só assim ela se tornará o

consumidor do futuro, aquele capaz de saber o que, como e por que comprar, ciente de suas reais

necessidades e consciente de suas responsabilidades consigo mesma e com o mundo.

SILVA, A. M. D.; VASCONCELOS, L. R. A criança e o marketing: informações essenciais para proteger as

crianças dos apelos do marketing infantil. São Paulo: Summus, 2012 (adaptado).

INSTRUÇÕES:

• O rascunho da redação deve ser feito no espaço apropriado.

• O texto definitivo deve ser escrito à tinta, na folha própria, em até 30 linhas.

• A redação que apresentar cópia dos textos da Proposta de Redação ou do Caderno de

Questões terá o número de linhas copiadas desconsiderado para efeito de correção.

Receberá nota zero, em qualquer das situações expressas a seguir, a redação que:

• tiver até 7 (sete) linhas escritas, sendo considerada “insuficiente”.

• fugir ao tema ou que não atender ao tipo dissertativo-argumentativo.

• apresentar proposta de intervenção que desrespeite os direitos humanos.

• apresentar parte do texto deliberadamente desconectada com o tema proposto.

Editoria de Arte/Folhapress

199PRODUÇÃO DE TEXTO

A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1

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P:202

ANTES DE ESCREVER

Planeje sua dissertação, seguindo estas orientações:

• Leia com atenção os textos motivadores e as instruções que constam na proposta.

• Releia o enunciado em que é proposto o tema e defina um ponto de vista sobre o assunto para adotar em seu texto.

• Definido o ponto de vista, identifique nos textos motivadores fatos e dados que possam ajudar na construção de argumentos.

• Faça uma proposta de intervenção objetiva e direta, específica para o tema (evite propostas extremamente genéricas, que podem ser aplicadas a problemas variados) e que

respeite os direitos humanos.

• Fique atento(a) à progressão referencial (retome as estratégias apresentadas na seção

Língua e linguagem deste capítulo).

• Empregue operadores argumentativos que contribuem para uma leitura fluente do

texto, evidenciando a orientação argumentativa adotada.

ANTES DE PASSAR A LIMPO

Antes de dar sua dissertação por finalizada, observe:

• se o ponto de vista que você adotou está claro e bem fundamentado;

• se os fatos e dados dos textos motivadores apresentados ajudam na construção dos

argumentos;

• se a proposta de intervenção respeita os direitos humanos, está clara, é apresentada de

maneira objetiva e tem relação específica com a situação abordada no texto;

• se a progressão referencial está desenvolvida de forma adequada no texto;

• se os operadores argumentativos utilizados são adequados, orientando a leitura para a

argumentação adotada.

200 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:203

A geração de 45: João Cabral

de Melo Neto

LITERATURA

A geração de 45: João Cabral de Melo Neto

Análise linguística: informatividade e

senso comum

A dissertação (II)

CAPÍTULO 2

A partir de 1945, a literatura brasileira tomou novos rumos e se voltou essencialmente

para pesquisas estéticas relacionadas com a linguagem e com o processo de criação literária, distanciando­se dos temas abordados pela geração de 1930, que recaíam sobre os

problemas sociais e políticos do país.

O interesse da geração de 1945 por questões formais levou alguns críticos a associá­la

ao Parnasianismo, como se ela representasse um reflorescimento dessa corrente. Outros

críticos, entretanto, entendem que, considerando­se os principais autores desse período,

Personagens na noite

(1950), de Joan Miró.

Coleção particular

201 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2

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P:204

não há ruptura entre essa geração e o Modernismo de 22, uma vez que os primeiros modernistas também se envolveram com a pesquisa estética. Além disso, algumas experiências da geração de 1930, como o regionalismo e a introspecção psicológica no romance,

tiveram continuidade, embora com matizes diferentes.

Entre os principais poetas dessa geração, destacam­se Péricles Eugênio da Silva Ramos, José Paulo Paes, Alphonsus de Guimaraens Filho, Geir Campos, Paulo Bonfim e João

Cabal de Melo Neto, que você vai estudar neste capítulo. Na prosa, destacam­se Clarice

Lispector e Guimarães Rosa, que você vai estudar no capítulo seguinte, e Lygia Fagundes

Telles, Carlos Heitor Cony, Rubem Braga e Dalton Trevisan, entre outros.

A geração de 1945 em contexto

Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, e a vitória das forças democráticas, o governo ditatorial de Getúlio Vargas se

enfraqueceu e, nesse mesmo ano, foi deposto.

Enquanto o mundo ocidental mergulhou na situação da Guerra Fria, resultante de disputas entre os países capitalistas

e os países do bloco socialista, o Brasil passou a viver um período democrático e desenvolvimentista, cujo auge foi o

governo de Juscelino Kubitschek e a construção de Brasília. Esse processo se estendeu até o golpe de 1964, quando os

militares tomaram o poder.

Nesse contexto democrático brasileiro, a literatura da geração de 1945 deixou de se ocupar com questões predominantemente políticas e sociais e começou a se interessar por experiências estéticas.

Amplie seus conhecimentos sobre o Modernismo da geração de 1930, pesquisando em:

LIVROS

• Leia algumas das

principais obras de

autores da geração de

1945, como Campo geral

e Sagarana, de Guimarães

Rosa; Laços de família

e A hora da estrela,

de Clarice Lispector;

Melhores poemas de João Cabral de Melo

Neto (Global).

FILMES

• Morte e vida severina, de Walter Avancini;

A terceira margem do rio, de Nelson Pereira

dos Santos; Mutum, de Sandra Kogut;

Outras estórias, de Pedro Bial; Noites do

sertão, de Carlos Alberto Prates Correia; As

meninas, de Emiliano Ribeiro; Morte e vida

severina, animação do cartunista Miguel

Falcão, disponível na Internet.

DECLAMAÇÕES

• Ouça o disco João Cabral de Melo Neto,

no qual o próprio poeta declama seus

poemas, com fundo musical de Egberto

Gismonti (algumas faixas estão disponíveis

na Internet). Ouça também o disco Clarice

Lispector – Contos, no qual a atriz Aracy

Balabanian declama alguns textos de

Clarice Lispector (algumas das faixas

estão disponíveis na Internet). Ouça, ainda,

Lirinha, vocalista da banda Cordel do Fogo

Encantado, declamando parte de “Os três

mal-amados”, de João Cabral (disponível

na Internet).

PINTURAS

• Conheça a obra dos pintores Volpi e

Aldemir Martins, que começaram a expor

na década de 1940. A obra de Volpi, a

partir da década de 1950, começou a se

destacar pelo abstracionismo geométrico.

FIQUE CONECTADO!

João Cabral de Melo Neto

João Cabral foi o mais importante poeta da geração de 1945. Sua poesia mostra uma

marca pessoal inconfundível e representa um corte em relação a antigas concepções sobre a criação poética.

Na visão dele, a poesia não é fruto de inspiração, nem do sentimento do poeta ou da

beleza dos temas que aborda, mas de um cuidadoso trabalho de organização textual. Assim, contrariamente à tradição romântica, centrada na subjetividade, a poesia de Cabral se

descola da figura do poeta ou do eu lírico e prima pela objetividade, pela razão, pela simetria

e pela relação intrínseca entre conteúdo e forma. Quando seu poema fala de facas ou de

pedras, por exemplo, as palavras são duras e cortantes como se o próprio poema fosse feito

dos objetos de que trata. São exemplos dessa orientação os livros – Pedra do sono, O engenheiro (1945), Psicologia da composição, com a fábula de Anfion e Antiode (1947).

Rocco Digital

Ipê Artes Filmes/Emiliano Ribeiro

202 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:205

literatura

A partir de Cão sem plumas (1950), entretanto, a poesia de Cabral começou a se voltar mais para a realidade, em especial a de seu Estado natal. Dessa experiência, surgiram várias obras importantes relacionadas com a seca,

com o rio Capibaribe, com a miséria nordestina e com a migração. São dessa

fase as obras O rio ou relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente

à cidade do Recife (1954) e, principalmente, Morte e vida severina (1965), a

obra mais conhecida do autor, adaptada para o cinema e a televisão.

Morte e vida severina é um auto de Natal, ou seja, um gênero literário

pertencente à esfera teatral, como os autos de Gil Vicente produzidos na

Idade Média. O texto narra a trajetória de Severino, retirante que sai do sertão pernambucano, castigado pela seca, à procura de trabalho e de um lugar

melhor para viver. Seguindo o curso do rio Capibaribe, o protagonista vê um

terrível quadro de miséria, fome, doenças e morte. Quando chega a Recife,

nota que os retirantes do sertão se transformaram em operários e que continuam vivendo na miséria, porém agora em favelas. Como é um “auto de

Natal” (relacionado ao nascimento de Jesus), no final da obra ocorre o nascimento de uma criança, que representa a esperança.

Entre outras obras, o autor escreveu também A educação pela pedra

(1966), Museu de tudo (1975) e A escola das facas (1980).

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, dois textos de João Cabral: o primeiro pertence à

obra Educação pela pedra; o segundo é o início de Morte e vida severina.

Texto 1

Catar feij‹o

A Alexandre O’Neill

1.

Catar feijão se limita com escrever:

joga-se os grãos na água do alguidar

e as palavras na da folha de papel;

e depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,

água congelada, por chumbo seu verbo:

pois para catar esse feijão, soprar nele,

e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:

o de entre os grãos pesados entre

um grão qualquer, pedra ou indigesto,

um grão imastigável, de quebrar dente.

Certo não, quando ao catar palavras:

a pedra dá à frase seu grão mais vivo:

obstrui a leitura fluviante, flutual,

açula a atenção, isca-a com o risco.

(Poesias completas. 3 ed. Rio de Janeiro:

José Olympio, 1979. p. 21.-2.)

açular: incitar, intensificar.

alguidar: vasilha que tem o diâmetro da boca maior do

que o do fundo, usada em serviços domésticos.

fluviante: neologismo, criado pelo autor, com sentido

relacionado a fluvial (que diz respeito a rio).

João Cabral de Melo Neto

João Cabral de Melo Neto (1920-1999)

nasceu em Recife, Pernambuco, onde fez

seus primeiros estudos. Era primo de

Gilberto Freyre e Manuel Bandeira, com

quem teve grande convivência. Em 1942,

mudou-se para o Rio de Janeiro e, nesse

mesmo ano, publicou Pedra do sono, sua

primeira obra poética.

Em 1945, foi aprovado em concurso

para o Itamaraty e, desde então, passou

a viver no exterior. Morou em cidades

como Barcelona, Londres, Sevilha, Marselha, Genebra e Dacar. Foi embaixador

e teve contato com vários artistas no

exterior, entre eles o pintor Joan Miró,

de quem foi amigo pessoal.

Homero Sérgio/Folhapress Sofia Colombini/Fabio Colombini

203 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2

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P:206

Texto 2

o retirante explica ao

leitor quem é e a que vai

— O meu nome é Severino,

não tenho outro de pia.

Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida:

na mesma cabeça grande

que a custo é que se equilibra,

no mesmo ventre crescido

sobre as mesmas pernas finas,

e iguais também porque o sangue

que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos

iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual,

mesma morte severina:

que é a morte de que se morre

de velhice antes dos trinta,

de emboscada antes dos vinte,

de fome um pouco por dia

(de fraqueza e de doença

é que a morte severina

ataca em qualquer idade,

e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos

iguais em tudo e na sina:

a de abrandar estas pedras

suando-se muito em cima,

a de tentar despertar

terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar

algum roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam

melhor Vossas Senhorias

e melhor possam seguir

a história de minha vida,

passo a ser o Severino

que em vossa presença emigra.

(Idem, p. 203-4.)

o retirante aproxima-se de

um dos cais do Capibaribe

— Nunca esperei muita coisa,

é preciso que eu repita.

Sabia que no rosário

de cidade e de vilas,

e mesmo aqui no Recife

ao acabar minha descida,

não seria diferente

a vida de cada dia:

que sempre pás e enxadas

foices de corte e capina,

Ilustração de Carybé para a obra Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto.

(Ilustração de Carybé. In: João Cabral de Melo Neto. Morte e vida severina. 30. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991. Capa.)

204

UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:207

LITERATURA

ferros de cova, estrovengas

o meu braço esperariam.

Mas que se este não mudasse

seu uso de toda vida,

esperei, devo dizer,

que ao menos aumentaria

na quartinha, a água pouca,

dentro da cuia, a farinha,

o algodãozinho da camisa,

ou meu aluguel com a vida.

E chegando, aprendo que,

nessa viagem que eu fazia,

sem saber desde o Sertão,

meu próprio enterro eu seguia.

Só que devo ter chegado

adiantado de uns dias;

o enterro espera na porta:

o morto ainda está com vida.

(Idem, p. 203-4 e p. 229.)

1. O poema “Catar feijão” apresenta duas partes, cada uma constituída por uma estrofe.

Na primeira parte, é feita uma comparação entre o ato de escrever e o de catar feijão.

a. Em que as duas situações se assemelham?

b. Ao se jogarem os grãos de feijão na água do alguidar, o que costuma afundar? O

que deve ser jogado fora?

c. Ao se jogarem as palavras na água da folha de papel, o que costuma flutuar e deve

ser jogado fora? O que deve ficar?

2. Na segunda parte do poema, a comparação entre os dois procedimentos apresenta

uma diferença.

a. Qual é o risco que pode haver no procedimento de catar feijão? O que isso pode

provocar?

b. No poema, há também o risco de ficar uma “palavra­pedra”? Ela, nesse caso, seria

tão prejudicial como no feijão? Justifique sua resposta, dando uma explicação à expressão “leitura fluviante, flutual”.

c. Pode­se afirmar que no poema “Catar feijão” existem palavras­pedra? Justifique

sua resposta com elementos do texto.

3. Para alguns especialistas, a poesia de João Cabral é uma poesia­objeto, que representa o fim do eu lírico.

a. Em que pessoa estão os verbos e os pronomes do poema “Catar feijão”?

b. Nesse poema, aparece a voz do eu lírico? São revelados seus sentimentos?

4. Observe o texto 2. Assim como os autos medievais, Morte e vida severina é construída

em versos.

a. Que medida têm os versos?

b. Que relação essa medida tem com a tradição da poesia em língua portuguesa?

de pia: da pia batismal, de

batismo.

estrovenga: foice de dois

gumes.

quartinha: pequena vasilha

de barro, bojuda e de gargalho

estreito, usada para manter a

água fresca; moringa.

Nas duas situações, é preciso escolher: no caso da escrita, escolher palavras, ficando com

algumas e eliminando outras; no caso do feijão, separar do feijão aquilo que boia na água.

O que afunda é o feijão em bom estado; o que boia na água é

palha e grão oco, que devem ser descartados.

Na água da folha de papel (no poema), flutua o “leve e o oco, palha eco”, isto é, as palavras que

não têm peso, que não são essenciais ou que criam sonoridades indesejáveis e, por isso, devem ser

eliminadas. Devem ficar as palavras essenciais, indispensáveis.

O risco de ficar entre os grãos de feijão uma pedra ou algo indigesto.

No caso de ficar uma pedra, ela pode quebrar o dente.

Há o risco, mas no poema a palavra-pedra é desejável, pois dá à frase um sentido mais vivo, evitando que o leitor faça uma leitura “fluviante, flutual”, ou seja, fluida, desatenta, despreocupada.

Sim, pois o poema apresenta elementos que chamam a atenção do leitor, como,

por exemplo, a oposição entre “Certo” e “Certo não” e a presença de construções

que desafiam a compreensão, como nos dos últimos versos da primeira estrofe.

Em 3» pessoa.

Não, o eu lírico não aparece; no lugar dele, há uma voz que fala do fazer poético de modo objetivo, sem se colocar pessoalmente.

Todos têm 7 sílabas poéticas e, assim, são redondilhas maiores.

A redondilha tem origem nas cantigas medievais portuguesas, foi utilizada nos autos

medievais e é a medida preferida nas cantigas populares no Brasil.

Professor: Comente com os alunos que a

redondilha também vem sendo largamente

utilizada hoje pelos rappers.

Cena de Morte e vida severina,

representada pela primeira vez no

palco do Tuca, em São Paulo, em

1965. Com músicas de Chico Buarque,

a peça é, ainda hoje, uma das mais

encenadas no país.

REGISTRE

NO CADERNO

Acervo Iconographia

205 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2

PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 205 5/12/16 6:13 PM

P:208

5. Severino, o protagonista em Morte e vida severina, diz:

• “Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida”

• “morremos de morte igual,

mesma morte severina”

De acordo com o poema:

a. Quem são os Severinos a que o poema faz referência? Em que se assemelham?

b. O que significa uma “vida severina”?

c. O que significa uma “morte severina”?

6. Euclides da Cunha, em Os sertões, escreve: “O sertanejo é antes de tudo

um forte”. Essa afirmação se aplica ao protagonista de Morte e vida severina, considerando­se a relação dele com a terra? Por quê?

7. A última estrofe do trecho de Morte e vida severina lido se situa na parte

final do auto, o momento em que Severino chega a Recife.

a. Diante do que encontra, como Severino se sente?

b. Que perspectiva Severino enxerga para a sua vida?

c. Explique a comparação da viagem de Severino com um enterro.

São todas as pessoas vitimadas pela seca e pela miséria no sertão nordestino.

Assemelham-se no porte físico, no tipo de vida que levam e no fim que têm.

Uma vida de pobreza, de fome, de anemia.

Uma morte prematura (“antes dos trinta”),

motivada pela violência ou pela fome.

Sim, pois, apesar de o solo ser seco e cheio de pedras, os sertanejos nordestinos, representados pelo

protagonista Severino, não desistem e tentam cultivar algum roçado, quase sempre sem sucesso.

Sente-se desolado, sem esperança, pois percebe que nem mesmo uma

vida pobre, mas digna, ele será capaz de ter na capital.

Apenas a perspectiva da morte.

Severino vê a viagem que fez pelo sertão como a caminhada de um enterro, porém dele próprio, uma vez que, na perspectiva que passa a ter, ele conclui que chegou a uma situação que resultará na sua morte precoce e iminente.

Por meio da leitura de textos feita neste capítulo, você viu que:

• com as mudanças políticas que ocorreram em 1945, em especial o fim da

Segunda Guerra Mundial e o fim do Estado Novo no Brasil, a literatura

brasileira buscou novos rumos e novas experiências, direcionadas

principalmente para experiências estéticas;

• entre a geração de 45 e os modernistas, não há propriamente uma

ruptura, pois a pesquisa estética já era uma proposta da geração de

1922;

• a poesia de João Cabral de Melo Neto, o principal poeta da geração de

1945, representa uma ruptura com a tradição lírica da poesia, centrada

geralmente nos sentimentos do eu lírico; sua linguagem é racional,

objetiva e enxuta; é uma linguagem-objeto, que tenta sugerir, pela

forma, o objeto de que trata.

REGISTRE

NO CADERNO

206 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP2_201a220.indd 206 5/12/16 6:13 PM

P:209

LÍNGUA e

LINGUAGEM

FOCO NO TEXTO

Leia as manchetes do texto a seguir.

Análise linguística:

informatividade e senso comum

LÍNGUA E LINGUAGEM Salles Chemistri

(O Estado de S. Paulo, 23/5/2009.)

207 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2

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1. Sobre as manchetes lidas, responda:

a. O que há em comum quanto ao conteúdo de todas elas?

b. Levante hipóteses: Qual é o grau de informatividade, isto é, de novidade das informações, das manchetes veiculadas nessa página?

c. Explique por que se pode considerar que elas causam estranhamento, tendo em

vista a função principal das manchetes de jornal.

2. Leia as duas notícias a seguir.

Sol não deve aparecer e capital

terá mais um dia frio e nublado

Em plena primavera, a capital paulista terá mais um dia de muito frio e tempo fechado nesta quinta-feira, 9. A chance de o sol aparecer na cidade é muito pequena e podem ocorrer chuviscos durante a manhã, mas o céu fica nublado à tarde

e à noite a temperatura não deve passar dos 17 °C, segundo previsão do Centro de

Gerenciamento de Emergências (CGE). [...]

(Disponível em: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,sol-nao-deve-aparecer-e-capitaltera-mais-um-dia-frio-e-nublado,256693. Acesso em: 15/3/2016.)

Sol não deve aparecer

nesta noite

A previsão para a noite de sábado e madrugada de domingo é de escuridão. Segundo

meteorologistas, o Sol deverá se esconder atrás

da linha do horizonte, tornando-se invisível a

olho nu. Este é um fenômeno raro que ocorre

apenas uma vez a cada 24 horas.

A noite deverá ser iluminada por luzes artificiais e a escuridão promete durar pelo menos até

as 6 horas da manhã de domingo. Para moradores

de outras partes do mundo, no entanto, o Sol estará visível nesse mesmo período.

(O Estado de S. Paulo, 23/5/2009.)

Ambas as notícias abordam o não aparecimento do sol em situações específicas.

a. Para dar credibilidade a seu conteúdo, as duas fazem menção a vozes de autoridade. Identifique os trechos nos quais essas vozes aparecem em cada um dos textos.

b. Há, na primeira notícia, um dado que permite considerar o não aparecimento do

sol um fato inesperado. Qual é ele?

c. Na segunda notícia, há algum dado que permite considerar o não aparecimento do

sol um fato inesperado? Justifique sua resposta com base no conteúdo do texto.

Todas aparentemente fazem referência a fatos óbvios.

Muito baixo ou nenhum.

Porque, em geral, as manchetes dos jornais buscam chamar a atenção de

seus leitores justamente por divulgarem novidades e informações relevantes,

ainda não conhecidas do grande público.

“segundo previsão do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE)” e “Segundo meteorologistas”.

O fato de a estação ser a primavera, cuja característica típica são dias ensolarados.

Não, uma vez que todos os fatos mencionados são óbvios, conhecidos por todos.

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Salles Chemistri

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língua e

linguagem

3. Agora, leia a notícia a seguir.

Sol brilha à meia-noite e dia nunca

termina no verão da Lapônia

É difícil esquecer o brilho do sol à meia-noite. É tão bonito, tão diferente, tão

grandioso, que o Globo Repórter saiu em busca do melhor lugar para assistir ao espetáculo. A equipe de reportagem foi em direção à região mais ao norte da Suécia,

a Lapônia, um patrimônio da humanidade porque suas montanhas e florestas são

totalmente preservadas e por ser ocupada pelo povo “sami” desde a pré-história. [...]

Na Lapônia, o sol se mostra o tempo todo, durante o dia e à noite. [...]

(Disponível em: http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2014/10/sol-brilha-meianoite-e-dia-nunca-termina-no-verao-da-laponia.html. Acesso em: 15/3/2016.)

Imagine que a segunda manchete da questão anterior tenha sido publicada em um

jornal da Lapônia, no verão.

a. Nesse caso, haveria algum dado que permitiria considerar o não aparecimento do

sol um fato inesperado? Justifique sua resposta.

b. Discuta com os colegas e o professor e levante hipóteses: De quais fatores depende

a relevância das informações de um texto?

4. Volte ao texto em estudo, leia a parte inferior dele, em fundo amarelo, e responda:

a. Ela faz referência às “notícias aí de cima”. Discuta com os colegas e o professor:

Nesse contexto, trata­se realmente de notícias?

b. Considerando a página como um todo, qual é, de fato, o gênero desse texto? E qual

é a finalidade dele?

c. Explique a estratégia utilizada pelo autor do texto para chamar a atenção de seus

leitores.

d. Tendo em vista suas respostas às questões anteriores, conclua: Qual é a verdadeira

relevância informativa das manchetes no texto em estudo?

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

No estudo da seção anterior, você viu que um texto pode apresentar fatos e ideias

novas ou pode expor apenas obviedades. A essa novidade, apresentada ou não pelos textos, chamamos relevância informativa, ou informatividade. A informatividade está diretamente relacionada ao conhecimento dos interlocutores sobre o assunto tratado no texto

e está também intimamente ligada ao contexto no qual o texto circula.

Caso os interlocutores tenham grande conhecimento e domínio sobre o conteúdo veiculado pelo texto, mesmo que haja muitas informações específicas, a informatividade será baixa.

Caso eles não tenham domínio sobre o assunto desenvolvido, a informatividade poderá ser

considerada grande, ainda que o texto não esgote a discussão em torno daquele tema.

Em geral, textos que apresentam pouca informatividade são assim considerados ou

por apresentarem declarações óbvias, como as apresentadas no anúncio estudado, ou por

apresentarem informações consideradas de senso comum.

O senso comum, por sua vez, é compreendido como uma afirmação ou conclusão

a que se chega sem necessariamente se ter refletido sobre o assunto apresentado. São

Sim, pois como no verão da Lapônia o sol fica aparente mesmo no

período noturno, o fato de ele não se mostrar à noite é curioso.

Do contexto no qual o texto circula, das informações que os interlocutores têm sobre o assunto, do conteúdo veiculado pelo texto.

Não.

Um anúncio cuja função é divulgar o desempenho bem-sucedido

em vendas de um modelo de carro específico.

Simular uma página de jornal que divulga apenas fatos óbvios em estrutura

de manchetes e notícias para chamar a atenção dos leitores desse jornal.

Enfatizar que o sucesso do carro é tão evidente e esperado quanto as informações óbvias veiculadas no restante da página.

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209 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2

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ideias generalizantes, compartilhadas e disseminadas pelas pessoas comuns em situações cotidianas, reproduzidas em massa sem uma reflexão crítica prévia. As afirmações

de senso comum são tidas como dadas e, por isso, são proferidas sem uma fundamentação anterior. Declarações como “os jovens são o futuro da nação”, “os pais sempre querem

o bem dos filhos”, “é importante que as autoridades se mobilizem”, “o problema não será

resolvido enquanto a população não se conscientizar”, entre muitas outras, são exemplos

de ideias de senso comum. Em textos argumentativos, elas em geral enfraquecem a argumentação, pois podem ser inseridas em discussões variadas, qualquer que seja o assunto,

uma vez que são extremamente genéricas.

APLIQUE O QUE APRENDEU

1. Leia o parágrafo a seguir, escrito por um aluno do ensino médio a partir de uma proposta de redação cujo tema central era violência.

A violência no Brasil está cada vez maior, não existe mais respeito entre as pessoas deste país.

Existem milhares de pessoas que acham que é com a violência que se consegue

as coisas e não é por esse lado; porque devemos refletir muito antes de tomar qualquer decisão precipitada, pois ela pode ser fatal.

As pessoas acham que a violência só pode ser combatida por outra violência e

ainda chegam a pensar que têm a razão de fazer isso, mas na verdade elas estão

enganadas; é por agirem dessa forma que perdem toda a razão que elas pensam

ter, porque fazendo isso elas acabam cometendo o mesmo erro de quem começou

a violência e isso sem perceber.

Ela tem que ser contida, mas não a combatendo com violência, e sim usando de

outros meios para obter sucesso.

a. Identifique no texto cinco afirmações que tomam por base o senso comum.

b. Discuta com os colegas e o professor: Esse texto tem um alto ou um baixo grau de

informatividade? Justifique sua resposta.

A informatividade de um texto não necessariamente está relacionada a sua qualidade. As placas e avisos de trânsito, por exemplo, não apresentam novidades, uma vez

que fazem parte de um código que precisa ser lido e compreendido da mesma forma por

motoristas e pedestres. Já em outros contextos, placas e avisos podem trazer informações

novas, dando orientações supostamente desconhecidas por seus interlocutores. Leia as

placas e os avisos a seguir e responda às questões de 2 a 4.

“A violência [...] está cada vez maior”, “não existe mais respeito entre as pessoas”, “Existem [...] pessoas que acham que é com violência que se consegue as

coisas”, “devemos refletir muito antes de tomar qualquer decisão precipitada”,

“uma decisão precipitada [...] pode ser fatal”, “As pessoas acham que a violência

só pode ser combatida por outra violência”.

Um baixo grau de informatividade, pois é construído com base em ideias de senso comum. Além disso, faz afirmações genéricas ao utilizar termos e expressões imprecisos,

tais como “coisas”, “não é por esse lado”, “isso”, “outros meios”.

I. II.

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

2. Os textos lidos podem ser divididos em dois grupos, descritos a seguir. Leia o boxe “A redundância” e identifique a qual grupo cada um

deles pertence, justificando suas escolhas.

a. Textos nos quais há informações redundantes.

b. Textos em que há uma inadequação entre conteúdo e função social

do gênero.

3. Apesar de veicularem alguma informação, os textos lidos apresentam

um ponto inusitado em comum quanto a seu grau de informatividade.

a. Explique essa afirmação, com base em sua resposta à questão 2.

b. Levante hipóteses: Qual é a função de cada um desses textos?

c. Imagine um contexto de circulação para cada um desses textos e proponha redações alternativas e modificações, a fim de aperfeiçoar sua

informatividade.

4. Os avisos e placas em estudo foram extraídos de postagens de blogs que

se intitulavam “placas engraçadas”. Explique a relação entre o grau de

informatividade desses textos, sua função social e o suposto humor que

eles constroem.

I e IV, pois gelado é uma característica intrínseca a todo

gelo e um corte de cabelo só pode ser feito ao vivo.

II e III, pois o aviso e a placa falam sobre eles mesmos, não

cumprindo a função principal comum a esses gêneros.

Todos eles apresentam baixo nível de informatividade,

tendo em vista a função social de placas e avisos.

3. b) I. Indicar um ponto de venda de gelo. II. Fazer referência a outro

aviso ou a um quadro de avisos colocado próximo a ele. III. Impedir a

circulação de pedestres ou carros na área. IV. Divulgar a barbearia.

3. c) Entre outras possibilidades: I. Gelo de

água potável / gelo em cubos / gelo em barra

/ gelo triturado / gelo seco. II. A placa poderia

ter menos destaque e uma seta apontando

para o aviso a que se refere. III. Poderia ser

dado maior destaque aos sinais de proibição

e a referência à própria placa, deixada em

segundo plano. IV. Corta-se cabelo masculino

com máquina / a preço baixo.

Como se espera que placas e avisos veiculem informações novas ou úteis a quem circula nas áreas em que eles estão, o fato de a

informatividade dessas placas ser baixa gera uma quebra de expectativa nos leitores, o que provoca o efeito de humor.

III.

IV.

A redundância

A redundância consiste na repetição de uma ideia (ou estrutura) em

uma mesma frase.

Em geral, as gramáticas tradicionais tratam a redundância de ideias

como um uso problemático e vicioso

da linguagem, mas há casos em que

ela é perfeitamente aceitável, ou

mesmo desejável, como quando se

quer dar ênfase a uma ideia ou quando é utilizada como recurso estilístico. É preciso, portanto, analisar cada

texto para definir se a redundância

pode ser mantida ou deve ser eliminada. Veja, a seguir, alguns exemplos

de redundância estilística, isto é, utilizada proposital e adequadamente:

“Esses direitos são inerentes a

toda e qualquer pessoa humana”

“Diferentes recursos foram interpostos por ambas as partes”

“Sonhar mais um sonho impossível

Lutar quando é fácil ceder”

(Chico Buarque)

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211 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2

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Leia o texto a seguir, de Millôr Fernandes, e responda às questões de 5 a 7.

A vaguidão específica

“As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vago-específica.” Richard Gehman

— Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.

— Junto com as outras?

— Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer

fazer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.

— Sim senhora. Olha, o homem está aí.

— Aquele de quando choveu?

— Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.

— Que é que você disse a ele?

— Eu disse pra ele continuar.

— Ele já começou?

— Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.

— É bom?

— Mais ou menos. O outro parece mais capaz.

— Você trouxe tudo pra cima?

— Não senhora, só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera.

— Mas traga, traga. Na ocasião nós descemos tudo de novo. É melhor,

senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite.

— Está bem, vou ver como.

(O Pif-Paf. O Cruzeiro, 1956. Disponível em: http://www2.uol.com.br/

millor/aberto/textos/005/011.htm. Acesso em: 17/3/2016.)

5. O título do texto de Millôr, em uma primeira leitura, pode soar incoerente.

a. Explique essa incoerência com base no significado das palavras do título.

b. Sugira termos que, em princípio, caracterizariam melhor a palavra vaguidão.

c. Sugira termos que, em princípio, combinam melhor com a caracterização específica.

6. As palavras do título se relacionam diretamente ao conceito de informatividade. Levante hipóteses, justificando sua escolha:

a. Em tese, qual delas poderia se referir a um texto com baixa informatividade?

b. E qual delas poderia se referir a um texto com alto grau de informatividade?

7. Ao ler o texto, é possível compreender o jogo de palavras do título.

a. O que há de vaguidão na fala das personagens? Identifique no texto termos que

constroem essa ideia de vaguidade.

b. Explique por que, nesse caso, o uso dessas palavras não prejudica o entendimento

entre essas personagens.

c. Imagine situações em que o uso excessivo de termos como esses pode ser prejudicial para o entendimento entre os interlocutores.

Vaguidão remete à ideia de “imprecisão,

incerteza”, e específica remete à ideia de

“precisa, exata”. São palavras que têm

sentidos contrários e, colocadas juntas,

parecem produzir uma ideia incoerente.

Entre outras possibilidades: imprecisão, obscuridade, inconsistência.

Entre outras possibilidades: afirmação, verdade, certeza, ideia.

Vaguidão, pois a ideia de imprecisão remete a um contexto

no qual não há informações relevantes.

Específica, pois a ideia de especificidade remete a um contexto de aprofundamento, no qual há muitas informações relevantes.

7. a) Não é possível, para

o leitor, entender a quais

fatos, pessoas e objetos

elas se referem ao longo

do texto, dada a utilização de termos genéricos

e indefinidos, como: isso,

qualquer, outras, outro, alguém, coisa, aquele, ele,

ela, tudo.

b) Como elas estão conversando, ao vivo, fazem

gestos, apontam, mostram

e conhecem o contexto,

esses elementos completam os sentidos que não

podem ser captados por

quem não estava presente

na conversa.

Professor: Comente com

os alunos que esse tipo de

conversa é muito comum

em nosso dia a dia, ainda

que não nos demos conta

disso.

7. c) Professor: Comente com os alunos que, por esse motivo, é extremamente importante evitar o uso de termos vagos e genéricos no texto dissertativo-argumentativo.

Em conversas nas quais os interlocutores não viveram juntos as situações a que fazem referência ou, principalmente, em textos

escritos, nos quais autor e leitor estão distantes e não têm contato para construir os sentidos simultaneamente à produção.

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia esta história em quadrinhos.

1. Observe o título da história e levante hipóteses:

a. Por que ele está escrito entre aspas?

b. A qual das duas personagens essa mesma frase poderia ser atribuída, caso fosse

uma fala no contexto da história?

c. Por que essa frase está no título, e não no balão da fala da personagem?

d. Qual relação pode ser estabelecida entre essa frase e o senso comum? Justifique

sua resposta.

2. Ainda a respeito do título:

a. Reescreva-o em seu caderno, substituindo as reticências por uma oração que traduza o sentido geral da tira.

b. Discuta com os colegas e o professor: Qual a função do operador argumentativo

mas nesse contexto?

3. Observe o 1º quadrinho.

a. Qual é a relação entre a fala da personagem e o senso comum?

b. Que sentimentos manifestam as expressões faciais das personagens?

4. Observe o 2º e o 3º quadrinhos.

a. Qual é a relação entre as falas da personagem de vestido rosa e o senso comum?

b. Embora faça apenas perguntas, é possível considerar que as falas da personagem

de vestido rosa têm um alto grau de informatividade. Justifique essa afirmação.

c. Que sentimentos manifestam as expressões faciais da personagem de casaco azul?

5. Observe o último quadrinho.

a. Qual é a postura da personagem de casaco azul diante da conclusão da personagem de vestido rosa?

b. Justifique essa postura com base no modo como o senso comum é construído na

sociedade.

Porque faz referência a uma fala de alguém, um discurso

de outra pessoa que não o cartunista.

Ao homem de casaco azul.

Essa frase cria uma expectativa de que se seguirá uma ideia de senso comum, porque se espera na sequência um dizer

preconceituoso, e os pensamentos preconceituosos em geral provêm do senso comum, desprovidos de reflexão.

Porque pode ser utilizada em diversas

situações, não apenas na retratada por

essa história.

Entre outras possibilidades: “Longe de mim ter preconceito, mas não tenho sensibilidade para compreender as

diferenças entre as dificuldades enfrentadas pelos homossexuais e pelos heterossexuais na sociedade atual.”.

O operador argumentativo mas dá maior ênfase ao que é dito depois dele; assim, o conteúdo da primeira

oração, no qual se diz não ter preconceito, é enfraquecido, e a ressalva prevalece, dando a entender que

quem fala é, sim, preconceituoso.

A fala reproduz uma ideia do senso comum.

Indignação, inconformidade.

Sua fala busca contestar o senso comum, apresentando fatos concretos

que levam a repensar as ideias preestabelecidas.

4. b) São perguntas que colocam em pauta novos tópicos, a fim de rebater o senso

comum e, por trazer esses

novos tópicos, é possível

considerar que têm relevância informativa.

Estranhamento e reflexão.

Ele a contesta de forma exaltada.

Tendo em vista que o senso comum é um ponto de vista em geral assumido sem uma fundamentação, suas ideias

permanecem sendo reproduzidas, independentemente das reflexões despertadas anteriormente.

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Laerte/Acervo do cartunista

(Laerte. Acervo do cartunista.)

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Nas provas do Enem e de alguns vestibulares, é comum ser solicitado ao estudante

que produza um texto dissertativo­argumentativo a partir de um painel de textos motivadores. Esse painel, se bem utilizado, pode ajudar bastante na elaboração do texto.

FOCO NO TEXTO

Leia a dissertação a seguir, que obteve nota máxima em uma prova de redação do

Enem.

O fluxo imigratório para o Brasil vem se acentuando desde a década de

noventa, devido a melhorias nos campos sociais e econômicos, os quais

eram os principais fatores de emigração, ou seja, de saída do país. Apesar

de estimular o respeito à diversidade cultural, além de outros benefícios,

a imigração exige atenção, pois caso negligenciada, poderá ocasionar problemas sociais.

A principal causa para tal movimento é o progresso econômico do Brasil, confirmado pela liderança do bloco financeiro sulamericano, o Mercosul. Além disso, como consequência do crescimento econômico, as condições sociais melhoraram, como a expectativa de vida, as quais também

são resultado das políticas assistenciais do governo, como o bolsa-família.

Com isso, grande parte da população que emigrava, em busca de melhores condições de vida, permanece no país. Paralelamente, as dificuldades

econômico-sociais de outros países, como o Haiti, abalado pelo terremoto

ocorrido em 2010, estimulam a entrada de estrangeiros no Brasil.

Além disso, a globalização, fenômeno de interdependência entre as

nações, facilita a imigração. Como nenhuma produz todos os bens e alimentos dos quais necessita, os fluxos comerciais e de trabalho aumentam.

Um exemplo é a migração de cientistas e engenheiros estrangeiros para

os polos tecnológicos paulistas. Além disso, a globalização também se caracteriza pelos progressos nas telecomunicações e nos transportes, mais

rápidos e acessíveis, facilitando os deslocamentos. Nesse sentido, o Brasil

é favorecido, com a entrada de mais indivíduos na população economicamente ativa, e com a interação de sua sociedade com novas culturas,

respeitando as diferenças.

Contudo, apesar de tais benefícios, o fluxo imigratório pode ser prejudicial.

Um exemplo, verificado principalmente na fronteira com a Bolívia, é o tráfico

de drogas, o qual é facilitado. Além disso, doenças podem ser trazidas, vitimando brasileiros. Outra questão problemática é a adaptação à língua portuguesa, o que pode dificultar a garantia de trabalhos dignos. Com isso, pode

aumentar a informalidade, bem como a criminalidade. Tal situação se agrava

quando a imigração é ilegal, pois dificulta a atuação do Estado brasileiro.

Desse modo, percebe-se que boa parte de tais problemas pode ser solucionada a partir da integração do migrante à sociedade, de forma plena.

A dissertação: construção

de argumentos

PRODUÇÃO DE TEXTO

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No caso da sociedade civil, faz-se importante recepcionar bem os estrangeiros, o que pode ser conseguido com festas ou encontros públicos, que

facilitam a interação e o aprendizado da língua portuguesa. Quanto ao

Estado, é importante garantir a dignidade dos empregos, aplicando as dirigências da Consolidação das leis do trabalho (CLT), além de fiscalizar regiões de fronteiras, combatendo o tráfico de drogas.

(Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/

guia_participante/2013/guia_de_redacao_enem_2013.pdf. Acesso em: 12/3/2016.)

1. No primeiro parágrafo da dissertação, o autor expõe uma situação e constrói uma

tese em torno dela. Identifique qual é a situação exposta e qual é a tese elaborada.

2. Há diferentes maneiras de elaborar uma introdução em textos dissertativos. Em seu

caderno, relacione as colunas a seguir, considerando o recurso predominante utilizado em cada exemplo.

Respectivamente, a situação do aumento do fluxo migratório para o Brasil e a tese de que a imigração,

se não for objeto de atenção, pode resultar em problemas sociais para o País.

Tipo de inTrodução exemplo

I. Citação de voz de

autoridade

A. “As vantagens do mundo virtual em meio a uma sociedade tão dinâmica são

incontestáveis. A internet representa o acesso quase imediato a obras de arte,

textos e músicas das mais diversas épocas e origens. Em um clique, ouve­se a

ópera de Mozart e, no outro, lê­se a mais nova crítica de Arnaldo Jabor à crise

financeira mundial. É o universo do conhecimento rápido, prático, objetivo: o

universo da cultura ‘fast­food’.”

(Texto de aluno do ensino médio.)

II. Exposição inicial

sobre o assunto e

apresentação da

tese

B. “Jacinto é fruto da bela e desenvolvida Paris do século XIX. Membro da elite

parisiense, a personagem central do romance de Eça de Queirós A cidade e as

serras vivia cercada de invenções tecnológicas, sem as quais acreditava ser

impossível a felicidade. Todavia, seu modo de viver começou a angustiá­lo e, por

força das circunstâncias, viaja a Tormes, em meio às serras portuguesas, local

desprovido de qualquer conforto tecnológico. Para sua surpresa, a pacata vida do

interior se revelou agradabilíssima e acarretou momentos de reflexão e felicidade.

Mais de um século se passou desde a publicação do escritor português, o mundo

se transformou, a ciência progrediu, porém, a relação entre o homem e seus

inventos ainda é motivo para indagações principalmente no que se refere aos

benefícios gerados por eles.”

(Idem.)

III. Sequência de perguntas

relacionadas ao tema

C. “‘Ficar plugado a uma tomada pode ser prático, mas não é criador’, disse Carlos

Heitor Cony em artigo publicado na Folha de S. Paulo.”

(Idem.)

IV. Trecho narrativo que

ilustra o tema

D. “Por que a atual crise econômica é tão intensa e demorada? Por que, à medida

que o tempo passa, ela parece se aprofundar, sem que surja de fato alguma luz

no fim do túnel? São perguntas que, a esta altura, podem parecer banais, mas

que, na verdade, não foram até agora satisfatoriamente respondidas. No início

deste ano, ninguém previa que chegaríamos perto do seu fim na situação em que

o País se encontra.”

(Disponível em: http://economia.estadao.com.br/blogs/fernando-dantas/

por-que-os-politicos-nao-reagem-a-crise/. Acesso em: 20/2/2016.)

II. Exposição inicial sobre o assunto e apresentação da tese

IV. Trecho narrativo que ilustra o tema

I. Citação de voz de autoridade

III. Sequência de perguntas relacionadas ao tema

215Produção de texto

A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2

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3. Nos parágrafos de 2 a 4 da dissertação, o autor desenvolve sua tese e a justifica com

argumentos.

a. Cite um argumento utilizado em cada parágrafo.

b. Leia o boxe “Os argumentos para os avaliadores do Enem”. A seguir,

identifique as estratégias utilizadas para fundamentar os argumentos citados por você no item anterior.

4. Leia com atenção a proposta de redação do Enem a partir da qual foi

produzida a dissertação em estudo:

A partir da leitura dos textos motivadores seguintes e com

base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação,

redija texto dissertativo-argumentativo em norma-padrão da língua portuguesa sobre o tema O movimento imigratório para o

Brasil no século XXI, apresentando proposta de intervenção, que

respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de

forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu

ponto de vista.

Ao desembarcar no Brasil, os imigrantes trouxeram muito mais do que

o anseio de refazer suas vidas trabalhando nas lavouras de café e no início

da indústria paulista. Nos séculos XIX e XX, os representantes de mais de 70

nacionalidades e etnias chegaram com o sonho de “fazer a América” e acabaram

por contribuir expressivamente para a história do país e para a cultura brasileira.

Deles, o Brasil herdou sobrenomes, sotaques, costumes, comidas e vestimentas.

A história da migração humana não deve ser encarada como uma questão relacionada exclusivamente ao passado; há a necessidade de tratar sobre deslocamentos mais recentes.

Disponível em: http://www.museudaimigracao.org.br.

Acesso em: 19 jul. 2012 (adaptado).

Acre sofre com invasão

de imigrantes do Haiti

Nos últimos três dias de 2011, uma leva de 500 haitianos

entrou ilegalmente no Brasil pelo Acre, elevando para 1 400 a

quantidade de imigrantes daquele país no município de Brasileia (AC). Segundo o secretário-adjunto de Justiça e Direitos Humanos do Acre, José Henrique Corinto, os haitianos ocuparam a

praça da cidade. A Defesa Civil do estado enviou galões de água

potável e alimentos, mas ainda não providenciou abrigo.

A imigração ocorre porque o Haiti ainda não se recuperou dos

estragos causados pelo terremoto de janeiro de 2010. O primeiro

grande grupo de haitianos chegou a Brasileia no dia 14 de janeiro de

2011. Desde então, a entrada ilegal continua, mas eles não são expulsos: obtêm visto humanitário e conseguem tirar carteira de trabalho

e CPF para morar e trabalhar no Brasil.

Segundo Corinto, ao contrário do que se imagina, não são haitianos miseráveis que buscam o Brasil para viver, mas pessoas da

classe média do Haiti e profissionais qualificados, como engenheiros, professores, advogados, pedreiros, mestres de obras e carpinteiros. Porém, a maioria chega sem dinheiro.

2º parágrafo: o progresso econômico e as condições sociais do Brasil incentivam a imigração;

3º parágrafo: globalização facilita a imigração; 4º parágrafo: o fluxo imigratório pode ser prejudicial.

3. b) Como estratégias, são utilizados exemplos e fatos comprováveis:

a liderança do bloco financeiro sulamericano, o Mercosul e as políticas assistenciais do governo, como

o bolsa-família; nenhum país produz

todos os bens e alimentos dos quais

necessita, os fluxos comerciais e de

trabalho aumentam; o tráfico de drogas é facilitado e doenças podem ser

trazidas.

Os argumentos para os

avaliadores do Enem

Segundo o Guia do participante, preparado pelo Inep (Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas) e direcionado aos

estudantes, argumentos são justificativas “para convencer o leitor a concordar

com a tese defendida”. Além disso, afirma o guia: “Cada argumento deve responder à pergunta ‘Por quê?’ em relação

à tese defendida”.

Para desenvolver os argumentos que

utiliza, o autor de um texto pode, conforme o guia, lançar mão de estratégias

argumentativas como as seguintes:

exemplos; dados estatísticos; pesquisas; fatos comprováveis; citações ou

depoimentos de pessoas especializadas

no assunto; alusões históricas; comparações entre fatos, situações, épocas ou

lugares distintos.

Disponível em: http://mg1.com.br. Acesso em: 19 jul. 2012.

REGISTRE

NO CADERNO

Ministério da Justiça

216 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:219

Os brasileiros sempre criticaram a forma como os países europeus tratavam os

imigrantes. Agora, chegou a nossa vez — afirma Corinto.

Disponível em: http://www.dpf.gov.br. Acesso em: 19 jul. 2012 (adaptado).

Trilha da Costura

Os imigrantes bolivianos, pelo último censo, são mais de 3 milhões, com população de aproximadamente 9,119 milhões de pessoas. A Bolívia, em termos de IDH,

ocupa a posição de 114º de acordo com os parâmetros estabelecidos pela ONU. O

país está no centro da América do Sul e é o mais pobre, sendo 70% da população

considerada miserável. Os principais países para onde os bolivianos imigrantes

dirigem-se são: Argentina, Brasil, Espanha e Estados Unidos.

Assim sendo, este é o quadro social em que se encontra a maioria da população da Bolívia, estes dados já demonstram que as motivações do fluxo de imigração não são políticas, mas econômicas. Como a maioria da população tem baixa

qualificação, os trabalhos artesanais, culturais, de campo e de costura são os de

mais fácil acesso.

OLIVEIRA, R.T. Disponível em: http://www.ipea.gov.br. Acesso em: 19 jul. 2012 (adaptado).

a. Releia a dissertação, na página 214, e identifique os dados que foram retirados dos

textos motivadores apresentados na proposta.

b. Identifique na dissertação dois fatos do repertório do autor, isto é, que não estão

nos textos motivadores, utilizados para fundamentar a argumentação.

c. Discuta com os colegas e o professor: Além de auxiliar na construção da argumentação, quais outras funções os textos motivadores podem ter?

5. Utilizando informações apresentadas nos textos motivadores da prova, elabore ao

menos um argumento baseado em:

a. fatos e dados reais, contemporâneos ou históricos;

b. previsão de contra­argumentação e de refutação antecipada;

c. vozes de autoridade.

6. A conclusão da dissertação em estudo é feita no último parágrafo.

a. Entre os recursos de construção de conclusão listados a seguir, identifique os dois

que foram utilizados pelo autor. Justifique sua resposta com trechos do texto.

• Retomada e fechamento

• Proposta de intervenção

• Pergunta que aponta para uma continuidade da discussão

b. Sem alterar a proposta de intervenção, proponha uma nova introdução para o parágrafo final da dissertação, utilizando o recurso de construção que o autor não

utilizou na conclusão.

7. Na dissertação em estudo, um mesmo operador argumentativo é repetido cinco vezes.

a. Identifique esse operador.

b. Sugira operadores argumentativos alternativos a ele, isto é, que tenham sentido

equivalente e que poderiam substituí­lo.

a) “as dificuldades econômico-sociais de outros países, como o Haiti, abalado

pelo terremoto ocorrido em

2010, estimulam a entrada

de estrangeiros no Brasil”;

“Um exemplo é a migração

de cientistas e engenheiros

estrangeiros para os polos

tecnológicos paulistas”; a

menção à “fronteira com

a Bolívia”

b) “a globalização também

se caracteriza pelos progressos nas telecomunicações e nos transportes,

mais rápidos e acessíveis,

facilitando os deslocamentos”; “Outra questão problemática é a adaptação à

língua portuguesa, o que

pode dificultar a garantia de

trabalhos dignos”

Situar o estudante no contexto relacionado ao tema e contribuir para a elaboração da introdução e/ou da conclusão.

Entre outras possibilidades, algo como: “Os mais de mil haitianos que imigraram para o Brasil em 2011 comprovam que o movimento imigratório para

o país vem aumentando nos últimos anos”.

Entre outras possibilidades, algo como: “Pode-se

pensar que se trata de uma oportunidade para o

país, mas quando essas pessoas têm baixa qualificação, como é o caso dos milhares de bolivianos

que imigram para o Brasil, é grande a probabilidade de que haja uma exploração ilegal e excessiva

dessa mão de obra”.

Entre outras possibilidades, algo como: “O secretário-adjunto de Justiça e Direitos Humanos do

Acre confirmou que os haitianos que chegam ao Brasil são profissionais qualificados”.

X

“boa parte de tais problemas pode ser solucionada a partir da integração do migrante à sociedade”

“faz-se importante recepcionar bem os estrangeiros, o que pode ser conseguido com festas ou encontros públicos, que

facilitam a interação e o aprendizado da língua portuguesa. Quanto ao Estado, é importante garantir a dignidade dos

empregos, aplicando as dirigências da Consolidação das leis do trabalho (CLT), além de fiscalizar regiões de fronteiras,

combatendo o tráfico de drogas.”

X

Entre outras possibilidades: “Como seria possível, então, conciliar a imigração e o

desenvolvimento do país, transformando em solução o que poderia se tornar um problema?”.

além disso / além de

ademais, ainda, também, outrossim, da mesma forma

REGISTRE

NO CADERNO

217PRODUÇÃO DE TEXTO

A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2

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P:220

HORA DE ESCREVER

Produza uma dissertação de acordo com a proposta do Enem 2013,

reproduzida a seguir. Ao escrever sua dissertação, lembre-se de ficar

atento especialmente ao aproveitamento dos textos motivadores para

construir seus argumentos, bem como às diferentes possibilidades de

elaboração de introdução e conclusão.

A partir da leitura dos textos motivadores seguintes e com base

nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija

texto dissertativo-argumentativo na modalidade escrita formal

da língua portuguesa sobre o tema “Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil”,

apresentando proposta de intervenção, que respeite os direitos humanos. Selecione,

organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de

seu ponto de vista.

Qual o objetivo da “Lei Seca ao volante”?

De acordo com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), a

utilização de bebidas alcoólicas é responsável por 30% dos acidentes de trânsito. E metade das mortes, segundo o Ministério da Saúde, está relacionada ao uso

do álcool por motoristas. Diante deste cenário preocupante, a Lei 11.705/2008

surgiu com uma enorme missão: alertar a sociedade para os perigos do álcool

associado à direção.

Para estancar a tendência de crescimento de mortes no trânsito, era necessária

uma ação enérgica. E coube ao Governo Federal o primeiro passo, desde a proposta

da nova legislação à aquisição de milhares de etilômetros. Mas para que todos ganhem, é indispensável a participação de estados, municípios e sociedade em geral.

Porque para atingir o bem comum, o desafio deve ser de todos.

Disponível em: www.dprf.gov.br. Acesso em: 20 jun. 2013.

Como você sabe, no

final da unidade será realizado um simulado da prova

de redação do Enem.

Neste capítulo, como

treinamento para a realização do simulado, você vai

produzir uma dissertação.

Disponível em: www.brasil.gov.br. Acesso em: 20 jun. 2013.

Polícia Rodoviária Federal/Ministério da Justiça/Governo Federal

218 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:221

Repulsão magnética

a beber e dirigir

A lei da física que comprova que dois polos opostos se atraem em um campo magnético é um dos conceitos mais populares desse ramo do conhecimento. Tulipas de chope e bolachas de papelão não servem, em condições normais,

como objetos de experimento para confirmar essa proposta. A ideia de uma

agência de comunicação em Belo Horizonte foi bem simples. Ímãs foram inseridos em bolachas utilizadas para descansar os copos, de forma imperceptível para o consumidor. Em cada lado, há uma opção para o cliente: dirigir ou

chamar um táxi depois de beber. Ao mesmo tempo, tulipas de chope também

receberam pequenos pedaços de metal mascarados com uma pequena rodela

de papel na base do copo. Durante um fim de semana, todas as bebidas servidas passaram a pregar uma peça no cliente. Ao tentar descansar seu copo com

a opção dirigir virada para cima, os ímãs apresentavam a mesma polaridade e,

portanto, causando repulsão, fazendo com que o descanso fugisse do copo; se

estivesse virada mostrando o lado com o desenho de um táxi, ela rapidamente

grudava na base do copo. A ideia surgiu da necessidade de passar a mensagem

de uma forma leve e no exato momento do consumo.

Disponível em: www.operacaoleisecarj.rj.gov.br.

Acesso em: 20 jun. 2013 (adaptado).

Disponível em: www.operacaoleisecarj.rj.gov.br. Acesso em: 20 jun. 2013 (adaptado).

Operação Lei Seca/Governo do Estado do Rio de Janeiro

219PRODUÇÃO DE TEXTO

A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2

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P:222

INSTRUÇÕES:

• O rascunho da redação deve ser feito no espaço apropriado.

• O texto definitivo deve ser escrito à tinta, na folha própria, em até 30 linhas.

• A redação que apresentar cópia dos textos da Proposta de Redação ou do Caderno de

Questões terá o número de linhas copiadas desconsiderado para efeito de correção.

Receberá nota zero, em qualquer das situações expressas a seguir, a redação que:

• tiver até 7 (sete) linhas escritas, sendo considerada “insuficiente”.

• fugir ao tema ou que não atender ao tipo dissertativo-argumentativo.

• apresentar proposta de intervenção que desrespeite os direitos humanos.

• apresentar parte do texto deliberadamente desconectada com o tema proposto.

ANTEs DE EsCREvER

Ao planejar sua dissertação, reveja as orientações dadas na página 200 e siga também estas:

• Leia com atenção a proposta e os textos motivadores.

• Defina a tese, os argumentos e o tipo de conclusão que pretende desenvolver.

• Selecione nos textos motivadores fatos e dados que possam fundamentar sua argumentação.

• Selecione nos textos motivadores fatos e dados que possam auxiliar na elaboração da

introdução e/ou da conclusão.

• Reúna fatos e dados de seu próprio repertório que possam ser associados às informações dos textos motivadores, com o fim de constituir argumentos consistentes.

ANTEs DE PAssAR A LIMPO

Antes de dar sua dissertação por finalizada, observe se seu texto atende aos itens

apresentados na página 200 e também:

• se as informações dos textos motivadores que foram selecionadas estão devidamente

contextualizadas, possibilitando ao leitor compreendê­las sem precisar ter acesso aos

textos originais;

• se os dados selecionados dos textos motivadores e os dados do seu repertório

pessoal contribuem, de fato, para a fundamentação dos argumentos e para que a

introdução e/ou conclusão de seu texto sejam objetivas e consistentes;

• se as partes essenciais da dissertação estão bem desenvolvidas e articuladas.

220 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:223

Clarice Lispector e Guimarães Rosa

LITERATURA

A geração de 45: Clarice Lispector

e Guimarães Rosa

Análise linguística: implícitos e intertextualidade

CAPÍTULO 3 A dissertação (III)

Clarice Lispector

A autora é considerada um dos destaques da geração de 45 e um dos principais nomes

da ficção brasileira. Em seus romances, contos e crônicas, a ação é um aspecto secundário,

prevalecendo as impressões e o fluxo de emoções das personagens. Suas narrativas partem, geralmente, de situações corriqueiras, para, a seguir, voltarem­se para a interioridade das personagens, geralmente femininas, promovendo reflexões acerca da existência,

das relações entre o eu e o outro, das relações familiares e, mesmo, do processo de elaboração do texto literário.

Em sua obra, intimista e psicológica, verifica­se a presença de determinados recursos,

como o tempo não linear e o monólogo interior (técnica narrativa que explora a mente das personagens, exprimindo o fluxo ininterrupto de seus pensamentos, lembranças,

ideias, intuições, etc.), e o trabalho minucioso com a linguagem, criando sonoridades e

imagens construídas por meio de metáforas, personificações, antíteses, paradoxos e elementos simbólicos. Além desses recursos, a obra de Clarice Lispector também apresenta

Metaesquema

(1950), de Hélio

Oiticica.

Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

221 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3

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P:224

momentos de epifania, termo originalmente religioso que tem o sentido de “revelação”.

Durante o momento de epifania, as personagens apreendem o significado de uma situação, um objeto ou uma ação do mundo exterior, ou seja, é um momento de revelação

interior, de tomada de consciência, que pode ser irrompido a partir de um fato corriqueiro,

simples e inesperado, como um banho de mar, um esbarrão em alguém, etc.

Embora a obra de Clarice Lispector revele um interesse especial pelo mundo feminino,

predominando uma série de protagonistas mulheres, os temas de seus contos, crônicas

e romances são universais, pois estão intimamente ligados à condição humana, como a

solidão, o esvaziamento das relações familiares, o amor, a angústia e a velhice. O caráter

introspectivo, filosófico, existencial e social de sua narrativa, associado ao trabalho acurado com a linguagem, promoveu uma renovação na ficção brasileira e, por isso, sua obra é

uma referência permanente para leitores, em geral, e estudiosos de literatura.

Clarice Lispector

De origem judaica, Clarice Lispector (1926-1977) nasceu em Tchetchelnik, na Ucrânia, e ainda bebê veio com os

pais para o Brasil. Passou sua infância no Recife e, aos 15 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro.

Formou-se em Direito, mas nunca advogou; começou a colaborar em jornais quando ainda estava na faculdade e

exerceu o jornalismo até o fim de sua vida.

Com apenas 17 anos, publicou seu primeiro livro, Perto do coração selvagem (1943), romance que foi saudado

pela crítica. A autora também produziu contos e crônicas, reunidos em obras como Laços de família (1960), A legião

estrangeira (1964) e Felicidade clandestina (1971), e literatura infantil, como A mulher que matou os peixes (1969) e

A vida íntima de Laura (1974). Outros romances de Clarice Lispector são A paixão segundo G.H. (1964) e A hora da

estrela, publicado em 1977, ano da morte da escritora.

FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, o conto “Amor”, da obra Laços de família, de Clarice Lispector.

Amor

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana

subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos.

A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte

no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar

a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes

que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua

rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais

e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a

tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que

plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se [...]

No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E

isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença

Ivan Cabral

222 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:225

literatura

de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis,

que viviam como quem trabalha — com persistência, continuidade, alegria. [...]

Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se

apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto — ela o abafava com a mesma habilidade que as

lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar

objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranquila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos

calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se

voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das

raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava

bom assim. Assim ela o quisera e escolhera.

[...]

O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto.

A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé,

suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego.

O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranquila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles.

Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar

— o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente,

como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento,

com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir — como se ele a tivesse insultado,

Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu

no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do

que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.

Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida.

Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas

e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação

e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O

embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o

sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.

Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito.

A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A

rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer

com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor.

O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava,

Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento

estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível... O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. [...]

[...]

223 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3

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P:226

Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse.

Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as

roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite – tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E

um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a

Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca.

Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava, tudo a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas

débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não

conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite.

Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia de

medo, ela procurava inutilmente reconhecer os arredores, enquanto a vida que

descobrira continuava a pulsar e um vento mais morno e mais misterioso rodeava-lhe o rosto. Ficou parada olhando o muro. Enfim pôde localizar-se. Andando

um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico.

Andava pesadamente pela alameda central, entre os coqueiros. Não havia

ninguém no Jardim. Depositou os embrulhos na terra, sentou-se no banco de

um atalho e ali ficou muito tempo.

[...]

As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando

Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à

garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do Jardim era outra.

Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo

faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. As pequenas flores

espalhadas na relva não lhe pareciam amarelas ou rosadas, mas cor de mau ouro e

escarlates. A decomposição era profunda, perfumada... Mas todas as pesadas coisas,

ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos enviados pela vida mais

fina do mundo. A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia

o seu cheiro adocicado... O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.

Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e

ela sentia nojo.

Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. Agarrou o embrulho, avançou pelo atalho

obscuro, atingiu a alameda. Quase corria — e via o Jardim em torno de si, com

sua impersonalidade soberba. Sacudiu os portões fechados, sacudia-os segurando a madeira áspera. O vigia apareceu espantado de não a ter visto.

Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. Correu

com a rede até o elevador, sua alma batia-lhe no peito — o que sucedia? [...] O menino

que se aproximou correndo era um ser de pernas compridas e rosto igual ao seu, que

coma rede atéoelevador,sua almabatia-lhenopeito—oque sucedia? [...]Omenino

que se aproximoucorrendo eraumser de pernas compridas e rosto igual ao seu,que

Nelson Provazi

224 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:227

LITERATURA

à revelia: sem

conhecimento da parte

interessada.

emergir: vir à tona.

lide: trabalho pesado,

labuta.

periclitante: perigoso.

sebe: cerca de plantas.

sumarento: substancial,

fundamental, primordial.

corria e a abraçava. Apertou-o com força, com espanto. Protegia-se trêmula. Porque

a vida era periclitante. Ela amava o mundo, amava o que fora criado — amava com

nojo. Do mesmo modo como sempre fora fascinada pelas ostras, com aquele vago

sentimento de asco que a aproximação da verdade lhe provocava, avisando-a. Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como se soubesse de um mal — o cego ou

o belo Jardim Botânico? — agarrava-se a ele, a quem queria acima de tudo. [...]

Deixou-se cair numa cadeira com os dedos ainda presos na rede. De que tinha

vergonha?

Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta

e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que

tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração

se enchera com a pior vontade de viver.

[...]

Depois o marido veio, vieram os irmãos e suas mulheres, vieram os filhos

dos irmãos.

Jantaram com as janelas todas abertas, no nono andar. Um avião estremecia,

ameaçando no calor do céu. Apesar de ter usado poucos ovos, o jantar estava

bom. Também suas crianças ficaram acordadas, brincando no tapete com as outras. Era verão, seria inútil obrigá-las a dormir. Ana estava um pouco pálida e ria

suavemente com os outros.

[...]

Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era

uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até

envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas

com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que

as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do

Jardim Botânico.

Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! pensou correndo para a cozinha e deparando com o seu marido diante do café derramado.

— O que foi?! gritou vibrando toda.

Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu entendendo:

— Não foi nada, disse, sou um desajeitado. Ele parecia cansado, com olheiras.

Mas diante do estranho rosto de Ana, espiou-a com maior atenção. Depois

atraiu-a a si, em rápido afago.

— Não quero que lhe aconteça nada, nunca! disse ela.

— Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um estouro, respondeu ele

sorrindo.

Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde alguma coisa tranquila se rebentara, e na casa toda havia um

tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde.

Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para

trás, afastando-a do perigo de viver.

Acabara-se a vertigem de bondade.

E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se

agora diante do espelho, por um instante sem nenhum

mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.

(Clarice Lispector. Laços de família. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. p. 17-30.)

Nelson Provazi

225 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3

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A pop art

Como consequência da Segunda

Guerra Mundial, o centro de gravidade

artística em meados do século XX se

deslocou da Europa para os Estados

Unidos. A pop art, arte popular que

extraía signos e símbolos da cultura de

massa e da vida cotidiana, por exemplo,

encontrou nos EUA sua genuína expressão. O artista Andy Warhol é um dos

principais nomes da pop art.

1. Um dos recursos narrativos utilizados no conto em estudo é o flashback,

suspensão do momento presente da ação para apresentar cenas ou situações anteriores ao que está sendo narrado.

a. Identifique no início do texto uma situação típica do flashback.

b. Durante o flashback, há um uso reiterado dos verbos no pretérito imperfeito do indicativo. Que sentidos esse recurso constrói no texto?

Justifique sua resposta com elementos do texto.

2. No flashback, o narrador apresenta uma síntese da vida de Ana.

a. De acordo com as descrições do narrador, a que classe social a protagonista pertence? Justifique sua resposta com elementos do texto.

b. Ana é uma personagem que “viera a cair num destino de mulher”. De

acordo com o texto, em que consiste esse destino?

c. Releia este trecho:

“O homem com que casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior

parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos

poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se

vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha – com persistência, continuidade, alegria.”

O trecho sugere que Ana, depois de casada, teve uma mudança em

sua perspectiva de vida. Qual seria essa mudança? Por que, para

Ana, sua juventude anterior parecia estranha “como uma doença

de vida”? Justifique sua resposta com trechos do fragmento em

destaque.

d. Conclua: Ana era feliz? Justifique sua resposta com elementos do texto.

3. Para Ana, em determinada hora do dia, “as árvores

que plantara riam dela”.

a. Explique essa imagem de acordo com o contexto

em que está inserida.

b. Qual é a reação de Ana nessa hora do dia? Por

que ela reage dessa maneira? Justifique sua resposta com trechos do texto.

4. Nos contos de Clarice Lispector, a epifania – momento de revelação, de tomada de consciência –

pode ser irrompida a partir de um fato corriqueiro.

a. No conto em estudo, que fato desencadeia o momento de epifania por que passa a protagonista?

“Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas.”

1. b) O emprego do pretérito imperfeito indica

não somente a duração contínua das ações

(“Cresciam, tomavam banho [...]”), mas também a dimensão habitual e repetitiva das atividades de Ana em suas tarefas domésticas

(“Saía então para fazer compras”; “Encontrava os móveis de novo empoeirados”).

2. a) Pertence provavelmente à classe média,

pois é uma mulher que não precisa trabalhar

fora de casa, anda de bonde e mora em um

apartamento financiado (“que estavam aos

poucos pagando”) cuja cozinha é “espaçosa”.

Uma vida de dona de casa dedicada exclusivamente às tarefas do lar (limpar a casa, cozinhar, lavar roupas, fazer compras, etc.) e aos

cuidados com o marido e os filhos.

Provavelmente, em sua juventude, Ana vivia feliz, algo que, depois de casada, foi dissipado, vivendo apenas numa rotina monótona; por isso,

sua juventude lhe parecia estranha, “como uma

doença de vida”.

Não, pois, para ela, “também sem a felicidade se vivia”.

3. a) As árvores correspondem a tudo o que

Ana cultivou em sua vida (marido, filhos,

casa); no final da tarde, com a ausência da

família e a casa limpa, ela não se sentia mais

necessária e sua vida parecia vazia, de modo

que tudo ao seu redor (“as árvores”) parecia

desprezá-la (“riam dela”).

b) Ela saía para fazer compras ou levar objetos

para consertar, porque, assim, continuava a

dar sentido à sua vida, cuidando do lar e da

família, e “abafava” sentimentos ou pensamentos perturbadores (“na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu

espanto”).

A visão de um cego, parado no ponto, mascando chiclete.

Marilyn Monroe (1967), por

Andy Warhol (1928-1987).

Para Ana, em determinada hora do dia, “as árvores

Explique essa imagem de acordo com o contexto

Qual é a reação de Ana nessa hora do dia? Por

que ela reage dessa maneira? Justifique sua resNos contos de Clarice Lispector, a epifania – momento de revelação, de tomada de consciência –

pode ser irrompida a partir de um fato corriqueiro.

No conto em estudo, que fato desencadeia o moREGISTRE

NO CADERNO

Nelson Provazi

Coleção Thomas Ammann, Zurique, Suíça

226 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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LITERATURA

b. Nesse momento de epifania, o que representa a imagem dos ovos quebrados e da

rede? Justifique sua resposta com trechos do texto.

c. No conto, o cego pode ser visto como uma figura paradoxal. Por quê?

5. Sob o efeito da visão do cego, Ana entra no Jardim Botânico, que, simbolicamente, remete ao jardim do Éden, ou seja, ao paraíso onde Adão e Eva viveram, de acordo com a B’blia.

a. Nesse local, ela tem diferentes experiências sensoriais. Dos cinco sentidos humanos, qual ou quais a protagonista experimenta diante desse cenário natural? Que

sentimentos tais experiências despertam na protagonista? Justifique sua resposta

com elementos do texto.

b. O que interrompe a fruição do jardim?

6. O momento de epifania se estende até o momento em que Ana chega a sua casa.

a. O que a vivência desse momento revela à protagonista? Justifique sua resposta

com elementos do texto.

b. Esse processo epifânico modifica sua vida? Justifique sua resposta com elementos

do texto.

c. Na sua opinião, Ana será a mesma depois dessa experiência?

7. Qual é a relação que se pode estabelecer entre o título do conto, “Amor”, e o momento

de epifania vivenciado pela personagem?

8. Em suas narrativas, Clarice Lispector explora de modo recorrente imagens, metáforas,

antíteses e paradoxos surpreendentes. Releia este trecho:

“Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os

frutos do Jardim Botânico.”

a. Nesse trecho, que imagem paradoxal é criada?

b. Discuta com os colegas: Que sentido há na imagem do cego entre os frutos do

jardim?

9. Nesse conto, que se centra no universo psicológico e na consciência individual da personagem, há também uma dimensão social? Por quê?

Guimarães Rosa

Considerado um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, Guimarães Rosa

não somente renovou a tradição regionalista como também a própria prosa brasileira.

Diferentemente dos românticos, dos realistas e dos modernistas da geração de 30, o

autor realizou novas experiências estéticas na ficção regionalista, sobretudo em relação à

linguagem. Em suas narrativas, o falar sertanejo mistura­se a arcaísmos, a neologismos

criados com a fusão de diferentes línguas e à exploração sonora, sintática e semântica

do português. O emprego do ritmo, da rima e de aliterações, bem como a utilização de

metáforas, comparações, metonímias, entre outros recursos, confere um traço poético à

sua narrativa, promovendo uma aproximação entre prosa e poesia.

4. b) A desagregação da

interioridade da personagem, como se tudo o que

construíra em sua vida se

despedaçasse e perdesse

o sentido (“Vários anos

ruíam, as gemas amarelas

escorriam”, “O mal estava

feito”). A rede pode ser interpretada como uma prisão que, no conto, corresponde à sua vida de dona

de casa presa à execução

dos papéis impostos pelo

casamento.

Porque é o cego que faz Ana enxergar com profundidade a situação de sua vida.

Visão (“vitórias-régias boiavam monstruosas”); olfato (“decomposição era [...] perfumada”); tato (“brisa se

insinuava entre as flores”). Ela fica fascinada, sente-se atraída pela beleza do local, mas também sente nojo e,

por achá-lo tão belo, chega a ter medo do Inferno.

A lembrança de seus filhos, o que a faz se sentir culpada.

Revela que Ana vivia uma vida insossa, presa ao seu “destino de mulher”, e que, interiormente, tinha uma grande

“vontade de viver”, de experimentar e vivenciar a intensidade da vida fora de sua rotina controlada e monótona.

Provavelmente não. No fim da noite, Ana aparece novamente presa à segurança do lar: ela se entrega à proteção do marido, que segura sua mão,

“afastando-a do perigo de viver”, e, a seguir, penteia os cabelos “sem nenhum mundo no coração” e sopra a “flama do dia” ao se deitar, dando a

entender que o acontecido seria apagado, esquecido, e tudo voltaria a ser como antes.

Resposta pessoal. Sugestão: Não, pois, uma vez que tomara consciência da insatisfação

de sua vida, por mais que Ana tente abafá-la, ela permanecerá gravada dentro de si. 7. Professor: Abrir a discussão com a classe, pois

há a possibilidade de mais

de uma resposta.

Sugestão: Durante o momento de epifania, Ana

sente piedade pelo cego e

amor pelo mundo (“amava

o mundo, amava o que fora

criado”), revelando, num

deslocamento do eu (do

amor próprio e familiar)

para o outro, uma preocupação com o que está fora

de seu universo particular.

O belo e o feio (ou o estranho), o bem e o mal se misturam, paradoxalmente,

pois da beleza da flor sai o mosquito, assim como as belas vitórias-régias

boiam em um lago escuro, soturno.

Professor: Abra discussão com a classe, pois pode haver mais de uma resposta. Sugestão: A imagem do cego

se mistura à visão da paisagem, evocando, de modo insólito, sua perturbação interior.

Sim, pois apresenta uma reflexão a respeito da identidade feminina

e da posição da mulher de classe média por volta da década de 1960.

REGISTRE

NO CADERNO

227 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3

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As diversas personagens que povoam suas narrativas – crianças, fazendeiros, vaqueiros, jagunços, loucos, cantadores – experimentam conflitos e

anseios inerentes à condição humana, como o medo, o amor, o desejo de

vingança, o ódio, o orgulho, a morte, etc. E, sem ignorar a complexidade do

homem e do mundo que o cerca, a obra de Guimarães Rosa apresenta uma

visão global da existência, fundindo, em uma única realidade, a natureza,

o divino e o demoníaco, o bem e o mal, o uno e o múltiplo. Sua obra é, portanto, considerada universal, pois ultrapassa os limites da particularidade

da paisagem sertaneja, bem como da cultura, das crenças e dos valores do

homem do sertão mineiro, para exprimir com sutileza os diversos matizes

das inquietações humanas, que independem do tempo e do espaço.

Sagarana

A obra de estreia de Guimarães Rosa tem como título um neologismo:

saga, radical germânico que remete à narrativa, à lenda ou à epopeia, e rana,

sufixo tupi que significa “à maneira de”. Entre os nove contos que compõem

Sagarana, “A hora e vez de Augusto Matraga”, que você vai conhecer neste

capítulo, é considerado por muitos críticos como o mais importante, sobretudo pelo tratamento que o autor dá à luta entre o bem e o mal e às angústias que tal luta provoca em cada ser humano ao longo de sua existência.

O conto narra a história de Augusto Esteves, que aparece também com

os nomes de Nhô Augusto e de Augusto Matraga. No início, o protagonista,

filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco­da­Embira, aparece como um fazendeiro violento e valentão que, voltado para o mal, se

envolve em brigas e vinganças, tira as mulheres dos outros e não se importa

com a esposa Dionóra e a filha Mimita.

Essa fase de sua vida se finda quando ele perde suas terras, a mulher

o abandona para viver com outro e alguns de seus capangas, a mando de

Major Consilva, seu maior inimigo, surram­no violentamente e o marcam

com ferro em brasa, como se faz a um boi, deixando­o praticamente morto.

Com a ajuda de um casal de negros, a mãe Quitéria e o pai Serapião, o

protagonista recupera sua saúde; e, para não correr o risco de ser morto

pelos seus inimigos, foge com esse casal para a única propriedade que lhe

restara, o Tombador. Nesse lugar pobre, ele inicia uma nova fase, voltada

para o bom comportamento e para a penitência, trabalhando duramente

todos os dias, sempre rezando, pois havia tomado a decisão: “Eu vou pr’a o

céu, eu vou mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de chegar... P’ra

o céu eu vou, nem que seja a porrete!...”.

Certo dia, chega a sua região o bando do temido jagunço Joãozinho BemBem, que é imediatamente recebido por Nhô Augusto com todas as honras

da hospitalidade sertaneja. O chefe dos jagunços reconhece a face valente do

protagonista e o convida para participar do bando, mas ele recusa. Em busca

de sua “hora e vez”, ele parte com um jumento pelas estradas e, sem destino

certo, deixa­se conduzir pelo animal, até que reencontra Joãozinho Bem­Bem

e seus jagunços no centro do arraial do Rala­Coco, onde estavam instalados.

FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, o episódio final do conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, momento em que o protagonista é recebido pelo jagunço Joãozinho

Bem­Bem e seu bando no arraial do Rala­Coco.

Guimar‹es Rosa

João Guimarães Rosa (1908-1967)

nasceu em Cordisburgo (MG). Desde

cedo revelou interesse pela natureza

e pelo estudo de línguas, tornando-se

fluente em francês, alemão, italiano,

espanhol e inglês, e conhecedor da

gramática do húngaro, do árabe, do

hebraico, do sânscrito e do tupi. Depois

de cursar Medicina, clinicou em cidades

do interior de Minas, onde teve contato

com a fauna e a flora do sertão e a cultura do sertanejo, que lhe serviram de

inspiração para sua produção literária.

Depois de ingressar na carreira diplomática, em 1934, viveu em alguns

países da Europa e da América Latina.

Sua primeira produção literária foi

Magma, livro que venceu, em 1936,

o concurso de poesia da Academia

Brasileira de Letras, mas que o autor,

durante sua vida, não quis publicá-lo.

Iniciou propriamente sua vida literária

com o livro de contos Sagarana (1946),

mas foi a partir da publicação de duas

obras-primas, Grande sertão: veredas

e Corpo de baile, em 1956, que se tornou um escritor amplamente reconhecido e aclamado pela crítica. Publicou

também Primeiras estórias (1962) e

Tutameia – Terceiras estórias (1967).

Em 1967, três dias após ser eleito para

a Academia de Letras, faleceu aos

59 anos, no Rio de Janeiro.

Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press

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LITERATURA

[...]

Fitava Nhô Augusto com olhos alegres, e tinha no rosto um ar paternal. Mas,

na testa, havia o resto de uma ruga.

— Está vendo, mano velho? Quem é que não se encontra, neste mundo?...

Fico prazido, por lhe ver. E agora o senhor é quem está em minha casa... Vai se

arranchar comigo. Se abanque, mano velho, se abanque! ... Arranja um café aqui

p’ra o parente, Flosino!

[...]

Nhô Augusto mordia o pão de broa, e espiava, inocente, para ver se já vinha o café.

— Tem chá de congonha, requentado, mano velho...

— Aceito também, amigo. Estou com fome de tropeiro... Mas, qu’é de o Juruminho?

— Ah, o senhor guardou o nome, e, a pois, gostou dele, do menino... Pois foi

logo com o pobre do Juruminho, que era um dos mais melhores que eu tinha...

— Não diga...

O rosto de seu Joãozinho Bem-Bem foi ficando sombrio.

— O matador — foi à traição, — caiu no mundo, campou no pé... Mas a família

vai pagar tudo, direito!

Seu Joãozinho Bem-Bem, sentado em cima da beirada da mesa, brincava com

os três bentinhos do pescoço, e batia, muito ligeiro, os calcanhares, um no outro.

Nhô Augusto, parando de limpar os dentes com o dedo, lastimou:

— Coitado do Juruminho, tão destorcido e de tão bom parecer... Deixa eu rezar

por alma dele...

Seu Joãozinho Bem-Bem desceu da mesa e caminhou pela sala, calado. Nhô

Augusto, cabeça baixa, sempre sentado num selim velho, dava o ar de quem estivesse com a mente muito longe.

— Escuta, mano velho...

Seu Joãozinho Bem-Bem parou em frente de Nhô Augusto, e continuou:

—... eu gostei da sua pessoa, em-desde a primeira hora, quando o senhor caminhou para mim, na rua daquele lugarejo... Já lhe disse, da outra vez, na sua

casa: o senhor não me contou coisa nenhuma de sua vida, mas eu sei que já deve

ter sido brigador de ofício. Olha: eu, até de longe, com os olhos fechados, o senhor

não me engana: juro como não há outro homem p’ra ser mais sem medo e disposto para tudo. É só o senhor mesmo querer...

— Sou um pobre pecador, seu Joãozinho Bem-Bem...

— Que-o-quê! Essa mania de rezar é que está lhe perdendo ... O senhor não é padre nem frade, p’ra isso; é algum? ... Cantoria de igreja,

dando em cabeça fraca, desgoverna qualquer valente... Bobajada! ...

— Bate na boca, seu Joãozinho Bem-Bem meu amigo, que Deus

pode castigar!

— Não se ofenda, mano velho, deixe eu dizer: eu havia de gostar, se

o senhor quisesse vir comigo, para o norte... Já lhe falei e torno a falar: é

convite como nunca fiz a outro, e o senhor não vai se arrepender! Olha:

as armas do Juruminho estão aí, querendo dono novo ...

— Deixa eu ver ...

Nhô Augusto bateu a mão na winchester, do jeito com que um gato

poria a pata num passarinho. Alisou coronha e cano. E os seus dedos

tremiam, porque essa estava sendo a maior das suas tentações.

Fazer parte do bando de seu Joãozinho Bem-Bem! Mas os lábios

se moviam — talvez ele estivesse proferindo entre dentes o creio em

deus padre — e, por fim, negou com a cabeça, muitas vezes:

Cartaz de A hora

e a vez de Augusto

Matraga (2011),

filme de Vinícius

Coimbra baseado no

conto homônimo de

Guimarães Rosa.

A hora e a vez de Augusto Matraga. Direção: Vinícius Coimbra. [S.I.]: Nossa Distribuidora, 2015.

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P:232

— Não posso, meu amigo seu Joãozinho Bem-Bem!... Depois de tantos anos...

Fico muito agradecido, mas não posso, não me fale nisso mais ...

E ria para o chefe dos guerreiros, e também por dentro se ria, e era o riso do

capiau ao passar a perna em alguém, no fazer qualquer negócio.

— Está direito, lhe obrigar não posso... Mas, pena é.. .

Nisso, fizeram um estardalhaço, à entrada.

— Quem é?

— É o tal velho caduco, chefe.

— Deixa ele entrar. Vem cá, velho.

O velhote chorava e tremia, e se desacertou, frente às pessoas. Afinal, conseguiu ajoelhar-se aos pés de seu Joãozinho Bem-Bem.

— Ai, meu senhor que manda em todos... Ai, seu Joãozinho Bem-Bem, tem

pena! ... Tem pena do meu povinho miúdo... Não corta o coração de um pobre pai...

— Levanta, velho...

— O senhor é poderoso, é dono do choro dos outros... Mas a Virgem Santíssima lhe dará o pago por não pisar em formiguinha do chão... Tem piedade de nós

todos, seu Joãozinho Bem-Bem! ...

— Levanta, velho! Quem é que teve piedade do Juruminho, baleado por detrás?

— Ai, seu Joãozinho Bem-Bem, então lhe peço, pelo amor da senhora sua mãe,

que o teve e lhe deu de mamar, eu lhe peço que dê ordem de matarem só este

velho, que não presta para mais nada... Mas que não mande judiar com os pobrezinhos dos meus filhos e minhas filhas, que estão lá em casa sofrendo, adoecendo de medo, e que não têm culpa nenhuma do que fez o irmão... Pelo sangue de

Jesus Cristo e pelas lágrimas da Virgem Maria! ...

E o velho tapou a cara com as mãos, sempre ajoelhado, curvado, soluçando e

arquejando.

Seu Joãozinho Bem-Bem pigarreou, e falou:

— Lhe atender não posso, e com o senhor não quero nada, velho. É a regra... Senão, até quem é mais que havia de querer obedecer a um homem que não vinga

gente sua, morta de traição? ... É a regra. Posso até livrar de sebaça, às vezes, mas

não posso perdoar isto não... Um dos dois rapazinhos seus filhos tem de morrer,

de tiro ou à faca, e o senhor pode é escolher qual deles é que deve de pagar pelo

crime do irmão. E as moças ... Para mim não quero nenhuma, que mulher não me

enfraquece: as mocinhas são para os meus homens ...

— Perdão, para nós todos, seu Joãozinho Bem-Bem...

Pelo corpo de Cristo na Sexta-Feira da Paixão!

— Cala a boca, velho. Vamos logo cumprir a nossa obrigação...

Mas, aí, o velho, sem se levantar, inteiriçou-se, distendeu o busto para cima,

como uma caninana enfuriada, e pareceu que ia chegar com a cara até em frente

à de seu Joãozinho Bem-Bem. Hirto, cordoveias retesas, mastigando os dentes e

cuspindo baba, urrou:

— Pois então, satanás, eu chamo a força de Deus p’ra ajudar a minha fraqueza

no ferro da tua força maldita!...

Houve um silêncio. E, aí:

— Não faz isso, meu amigo seu Joãozinho Bem-Bem, que o desgraçado do

velho está pedindo em nome de Nosso Senhor e da Virgem Maria! E o que vocês

estão querendo fazer em casa dele é coisa que nem Deus não manda e nem o

diabo não faz!

Nhô Augusto tinha falado; e a sua mão esquerda acariciava a lâmina da lapiana, enquanto a direita pousava, despreocupada, no pescoço da carabina. Dera

tom calmo às palavras, mas puxava forte respiração soprosa, que quase o levantava do selim e o punha no assento outra vez. Os olhos cresciam, todo ele crescia,

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P:233

LITERATURA

como um touro que acha os vaqueiros excessivamente abundantes e cisma de

ficar sozinho no meio do curral.

— Você está caçoando com a gente, mano velho?

— Estou não. Estou pedindo como amigo, mas a conversa é no sério, meu amigo, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem.

— Pois pedido nenhum desse atrevimento eu até hoje nunca que ouvi nem

atendi! ...

O velho engatinhou, ligeiro, para se encostar na parede.

No calor da sala, uma mosca esvoaçou.

— Pois então. .. — e Nhô Augusto riu, como quem vai contar uma grande anedota — ... Pois então, meu amigo seu Joãozinho Bem-Bem, é fácil... Mas tem que

passar primeiro por riba de eu defunto ...

Joãozinho Bem-Bem se sentia preso a Nhô Augusto por

uma simpatia poderosa, e ele nesse ponto era bem-assistido,

sabendo prever a viragem dos climas e conhecendo por instinto as grandes coisas. Mas Teófilo Sussuarana era bronco

excessivamente bronco, e caminhou para cima de Nhô Augusto. Na sua voz:

— Epa! Nomopadrofilhospritossantaméin! Avança, cambada de filhos da mãe, que chegou minha vez!...

E a casa matraqueou que nem panela de assar pipocas, escurecida à fumaça dos tiros, com os cabras saltando e miando de maracajás, e Nhô Augusto gritando qual um demônio

preso e pulando como dez demônios soltos.

— Ô gostosura de fim de mundo! ...

E garrou a gritar as palavras feias todas e os nomes imorais que aprendera em sua farta existência, e que havia muitos anos não proferia. E atroava, também, a voz de seu Joãozinho Bem-Bem:

— Sai, Cangussu! Foge, daí, Epifânio! Deixa nós dois brigar

sozinhos!

[...]

— Se entregue, mano velho, que eu não quero lhe matar...

— Joga a faca fora, dá viva a Deus, e corre, seu Joãozinho Bem-Bem...

— Mano velho! Agora é que tu vai dizer: quantos palmos é que tem, do calcanhar ao cotovelo! ...

— Se arrepende dos pecados, que senão vai sem contrição, e vai direitinho

p’ra o inferno, meu parente seu Joãozinho Bem-Bem! ...

— Ui, estou morto ...

A lâmina de Nhô Augusto talhara de baixo para cima, do púbis à boca do estômago, e um mundo de cobras sangrentas saltou para o ar livre, enquanto seu

Joãozinho Bem-Bem caía ajoelhado, recolhendo os seus recheios nas mãos.

Aí, o povo quis amparar Nhô Augusto, que punha sangue por todas as partes, até do nariz e da boca, e quê devia de estar pesando demais, de tanto chumbo e bala. Mas tinha fogo nos olhos de gato-do-mato, e o busto, especado, não

vergava para o chão.

— Espera aí, minha gente, ajudem o meu parente ali, que vai morrer mais

primeiro. .. Depois, então, eu posso me deitar.

— Estou no quase, mano velho... Morro, mas morro na faca do homem mais

maneiro de junta e de mais coragem que eu já conheci! ... Eu sempre lhe disse

que era bom mesmo, mano velho ... É só assim que gente como eu tem licença de

morrer... Quero acabar sendo amigos...

Aldemir Martins. Cangaceiro, s/ data/Coleção particular

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— Feito, meu parente, seu Joãozinho Bem-Bem. Mas, agora, se arrepende

dos pecados, e morre logo como um cristão, que é para a gente poder ir juntos...

[...]

Alguém gritou: — “Eh, seu Joãozinho Bem-Bem já bateu com o rabo na cerca!

Não tem mais!”... — E então Nhô Augusto se bambeou nas pernas, e deixou que

o carregassem.

[...]

E o povo, enquanto isso, dizia: — “Foi Deus quem mandou esse homem no

jumento, por mór de salvar as famílias da gente! ... "E a turba começou a querer

desfeitear o cadáver de seu Joãozinho Bem-Bem [...]

[...]

Nhô Augusto falou, enérgico:

— Para com essa matinada, cambada de gente herege! ... E depois enterrem

bem direitinho o corpo, com muito respeito e em chão sagrado, que esse aí é o

meu parente seu Joãozinho Bem-Bem!

E o velho choroso exclamava:

— Traz meus filhos, para agradecerem a ele, para beijarem os pés dele! ... Não deixem

este santo morrer assim... P’ra que foi que foram inventar arma de fogo, meu Deus?! ...

Mas Nhô Augusto tinha o rosto radiante, e falou:

— Perguntem quem é aí que algum dia já ouviu falar no nome de Nhô Augusto Esteves, das Pindaíbas!

— Virgem Santa! Eu logo vi que só podia ser você, meu primo Nhô Augusto...

Era o João Lomba, conhecido velho e meio parente. Nhô Augusto riu:

— E hein, hein João? !

— P’ra ver...

Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com sorriso intenso nos

lábios lambuzados de sangue, e de seu rosto subia um sagaz contentamento.

Dai, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora sussurrado, sumido:

— Põe a benção na minha filha... seja lá onde for que ela esteja... E, Dionóra...

Fala com a Dionóra que está tudo em ordem!

Depois, morreu.

(João Guimarães Rosa. Sagarana. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1984. p.379- 386.)

1. Ao reencontrar Nhô Augusto, o jagunço Joãozinho Bem­Bem o convida, pela segunda

vez, para integrar o bando e lhe oferece as armas do finado Juruminho.

a. Nesse contexto, que conflito o protagonista vivencia? Justifique sua resposta com

trechos do texto.

b. Tendo em vista as fases de vida de Nhô Augusto, levante hipóteses: Por que ele recusa o convite de Joãozinho Bem­Bem?

2. No universo sertanejo do conto em estudo, não há lugar para as leis e a justiça formais; nesse espaço, os jagunços são regidos por uma moral e por determinados códigos de conduta próprios.

a. Na morte de Juruminho, que código de conduta foi desobedecido pelo homem que

o assassinou? Diante de tal desobediência, qual é a “regra” a ser cumprida?

b. De acordo com Joãozinho Bem­Bem, qual é a importância de se cumprir essa regra?

c. Tendo em vista esse contexto moral e as atitudes de Joãozinho Bem­Bem, responda: Como se caracteriza essa personagem? Justifique sua resposta com elementos

do texto.

abancar-se: sentar-se.

arranchar-se: hospedarse, reunir-se.

atroar: fazer grande

estrondo.

caninana: serpente não

venenosa.

congonha: folhas

geralmente utilizadas em

substituição às do mate.

contrição: prece em que o

cristão pede perdão pelos

pecados.

cordoveias: expressão

popular que significa veias

e tendões do pescoço

quando salientes.

empalhar: expressão

popular que significa

atrapalhar.

hirto: em posição reta,

empertigado.

lapiana: faca de ponta

(regionalismo).

maracajá: jaguatirica

(regionalismo).

sebaça: roubo

(regionalismo).

selim: sela para montar.

winchester: carabina

americana de repetição.

Ele sente “a maior das tentações”, pois fica dividido entre sua índole violenta (“[...] bateu a mão na winchester, do jeito que

um gato poria a pata num passarinho”) e seu lado penitente (“proferindo entre dentes o creio em deus padre”).

Ele recusa o convite para não comprometer seu

plano de salvação de sua alma.

2. a) O código de não atraiçoar o inimigo pelas costas. Como revide, diante

do sumiço do assassino, a

“regra” é se vingar na família, tirando a vida de um

dos irmãos e violentando

as irmãs.

Professor: Comente com

os alunos que, nesse contexto, a morte se paga

com a morte, numa clara

referência à antiga Lei de

Talião (olho por olho, dente

por dente).

O cumprimento da regra de vingança garante a obediência ao chefe do bando.

É um jagunço poderoso (“dono do choro dos outros”) que segue a moral

e o código de conduta dos jagunços, o que o caracteriza como um líder

respeitado por todos, inclusive por Augusto Matraga, mas, também, como

um homem opressor e temido onde quer que passe.

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232 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

PortuguesContemporaneo3_UN3_CAP3_221a249.indd 232 5/12/16 6:16 PM

P:235

LITERATURA

Com o estudo dos textos neste capítulo, você viu que:

• Clarice Lispector e Guimarães Rosa, devido ao trabalho inovador com a linguagem, promoveram uma renovação na prosa ficcional brasileira;

• a obra de Clarice Lispector se caracteriza por ser intimista e psicológica; há um predomínio de protagonistas mulheres, porém a autora extrapola o universo feminino, abordando temas essencialmente universais,

como a solidão, o esvaziamento das relações familiares, o amor, a angústia e a velhice;

• a obra de Guimarães Rosa, além de transpor os limites

do regional e, assim, alcançar uma dimensão universal, também apresenta uma visão global da existência,

fundindo, em uma única realidade, a natureza, o divino

e o demoníaco, o bem e o mal, o uno e o múltiplo.

3. No conto, Nhô Augusto tem admiração e respeito por Joãozinho Bem­Bem.

a. Por que, no conto, o protagonista se volta contra esse chefe dos jagunços?

b. Nhô Augusto tinha sido um homem violento que, depois, se tornou penitente.

Como essas duas faces antagônicas e conflitantes da personagem se manifestam

no texto em estudo?

c. Na luta contra os jagunços, Nhô Augusto exclama: “Ô gostosura de fim de mundo!...”. Com base na trajetória de vida dessa personagem, explique o sentido dessa

afirmação no contexto em que ela está inserida.

4. Em suas obras, Guimarães Rosa insere determinados elementos simbólicos que remetem à mística e à religiosidade. Como esse traço de sua obra se apresenta no texto

em estudo? Justifique sua resposta com elementos do texto.

5. A obra de Guimarães Rosa apresenta uma visão global da existência, fundindo, em uma

única realidade, elementos como o divino e o demoníaco, o bem e o mal. Conclua: Que

elemento presente no texto em estudo evidencia esse traço da obra roseana?

6. Um dos traços inovadores da prosa de Guimarães Rosa foi o tratamento dado à linguagem. Identifique no texto em estudo:

a. traços de oralidade na fala do narrador e das personagens;

b. com que finalidade é feita a junção de várias palavras na expressão “Nomopadrofilhospritossantamêin”;

c. exemplos de estruturação sintática típica da fala do homem sertanejo.

3. a) Porque Joãozinho Bem-Bem fere os princípios de

Nhô Augusto, que, voltado para a religiosidade e para

o bem, não aceita a falta de clemência do chefe dos

jagunços para com a família inocente do velho, que

clamava por piedade “em nome de Nosso Senhor e da

Virgem Maria”.

Nhô Augusto explode em violência contra os jagunços para defender a família inocente do

assassino, unindo, portanto, suas duas faces para fazer o bem.

Nhô Augusto sente muita satisfação ao dar vazão à sua violência – que até então vinha

reprimindo – para defender inocentes e, ao mesmo tempo, salvar sua própria alma.

4. Nhô Augusto chega

de jumento ao arraial do

Rala-Coco e sacrifica sua

vida para salvar pessoas

inocentes; tais elementos

remetem, simbolicamente,

à figura religiosa de Jesus

Cristo (“Foi Deus quem

mandou esse homem no

jumento, por mór de salvar

as famílias da gente [...]”).

5. A violência que, no texto, é um instrumento de

redenção do protagonista.

Professor: Comente com

os alunos que tal fato confirma o lema do protagonista: “P’rá o céu eu vou,

nem que seja a porrete!”.

6. a) Entre várias possibilidades: Na fala do narrador: “E garrou a gritar

as palavras feias todas”,

“mas puxava forte respiração soprosa”; na fala

das personagens: “Estou

no quase, mano velho...

Morro, mas morro na faca

do homem mais maneiro

de junta [...]”, “por mór de

salvar as famílias da gente”, “Mas tem que passar

primeiro por riba de eu defunto...”; “Posso até livrar

de sebaça”.

Para expressar a rapidez com que essa expressão foi falada pelo protagonista,

instantes antes de iniciar o duelo com os jagunços.

“Estou não”; “Lhe atender não posso”; “eu até hoje nunca que ouvi”.

Cangaceiro Ponto Fino

(1973), de Aldemir Martins.

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Coleção particular

233 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3

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P:236

FOCO NO TEXTO

Leia o cartum a seguir.

Análise linguística: implícitos e

intertextualidade

LÍNGUA E LINGUAGEM

1. Observe a parte não verbal do cartum.

a. O que cada um dos três pássaros está fazendo?

b. O que o olhar do crocodilo expressa?

2. Agora leia a fala do pássaro e levante hipóteses:

a. O começo de sua fala é uma resposta dada a qual fala anterior, implícita no contexto do cartum? De quem foi essa fala?

b. O receio desse pássaro é de que aconteça o quê?

c. O olhar do crocodilo é consequência de qual ação anterior que ele praticou?

3. Leia o boxe “O crocodilo e o pássaro­palito” e responda:

a. Qual é o “livro sobre os animais” a que o terceiro pássaro faz referência?

b. Por que ele julga importante que o crocodilo tenha lido esse livro?

O 1º está ciscando no dente do crocodilo e o 2º

está virado para o 3º, que olha para cima com

uma expressão preocupada e fala alguma coisa.

Tédio, cansaço, preguiça.

Entre outras possibilidades, algo como: “Pode vir comer com a gente,

não tem nenhum perigo”, dita por um dos outros passarinhos.

De que o crocodilo os devore.

Provavelmente ele tem esse olhar porque acabou de se alimentar, está com o estômago cheio e prestes a dormir.

Um livro de biologia ou

uma enciclopédia.

Para saber que a relação entre eles é cooperativa, isto é, se o crocodilo não comer o pássaro, nenhum sai prejudicado e ambos se beneficiam.

(Disponível em: http://www.graphiqbrasil.com/tirasclassicas/animalcrackers.html. Acesso em: 18/3/2016.)

O crocodilo e o pássaro-palito

No estudo dos tipos de relações dos seres, a biologia chama a

atenção para a protocooperação existente entre algumas espécies,

na qual há benefícios para todos os seres envolvidos, embora eles não

dependam um do outro para sobreviver. É esse o caso do crocodilo e

do pássaro-palito: o pássaro se alimenta de parasitas e restos de comida que estão na boca do crocodilo e, como consequência, contribui

para a higiene bucal de seu companheiro.

4. O humor do cartum é construído com base em uma quebra de expectativa trazida

pela fala do pássaro.

a. Qual expectativa é quebrada?

b. Uma pessoa que não conhece a relação ecológica existente entre crocodilos e pássaros é capaz de compreender o cartum em sua totalidade? Justifique sua resposta.

A de que as relações entre animais irracionais são predeterminadas, não

envolvendo negociação ou raciocínio científico que dê base a elas.

Não, pois não compreenderá a qual “livro” o pássaro faz referência, nem entenderá o

que os pássaros fazem na boca do crocodilo sem que ele os devore.

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Rog Bollen / Dist. by Tribune Media Services

Juniors Bildarchiv GmbH/Alamy Stock Photo/Fotoarena

234 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:237

LÍNGUA e

LINGUAGEM

REFLEXÕES SOBRE A lÍNGUA

Você viu, no estudo anterior, que um texto pode estabelecer uma relação

direta com outro texto para construir seu sentido. A essa relação dá­se o

nome de intertextualidade.

Intertextualidade são as relações, menos ou mais

explícitas, entre um texto e outros textos produzidos

anteriormente a ele.

Em princípio, a intertextualidade é uma característica de todos os textos,

uma vez que qualquer atividade de linguagem tem como base textos com

os quais seus produtores tiveram contato. Segundo esse ponto de vista, nós

só conseguimos compreender efetivamente um texto em suas diversas nuances se conhecemos e levamos em conta os códigos, as leis e as convenções

do gênero ao qual ele pertence e da situação de comunicação em que ele

circula. E, para tanto, precisaremos levar em conta outros textos já lidos e

produzidos, isto é, a intertextualidade, que pode variar desde uma referência explícita, como ocorre em citações, remissões, paráfrases ou paródias,

ou pode estar implícita, como visto no cartum estudado na seção anterior.

Os implícitos, por sua vez, são ideias que não estão declaradas nos textos, mas que são passíveis de serem apreendidas pelos interlocutores que

conhecem os códigos, as leis e as convenções do gênero ao qual pertence o

texto e da situação de comunicação em que ele circula.

APlIQUE O QUE APrENdEU

1. Leia as piadas a seguir.

I.

A funcionária do banco, irada, diz para o gerente:

– Eu estou me demitindo! O senhor não confia em mim!

O gerente, espantado, diz:

– Mas o que é isso? A senhora trabalha aqui há vinte anos, eu até deixo

as chaves do cofre em cima da minha mesa! 

– Eu sei! – diz a funcionária, chorando. – Mas nenhuma delas funciona!

II.

Um homem com ar de intelectual entra em uma biblioteca e se dirige

à atendente.

Cheio de si, pergunta:

– Desculpe-me! Poderia me dizer onde se encontra o livro Homem, o ser

mais perfeito da Terra?

A atendente olha para o visitante e responde com firmeza:

– Sinto muito, senhor, mas aqui não temos livros de ficção científica!

III.

O funcionário fala sério para seu chefe:

– Seguinte, patrão, me dá um aumento, pois tem três empresas correndo atrás de mim!

– É mesmo? Quais?

– A de água, a de luz e a do telefone.

(Piadas adaptadas do site http://www.piadas.com.br/. Acesso em: 20/3/2016.)

A paródia

A paródia é um modo particular de se

estabelecer uma relação intertextual, uma

vez que paródias se apropriam das ideias

do texto original, em geral para subvertê-lo ou mesmo satirizá-lo. Esse recurso

pode ser utilizado por meio da exploração

do estilo, da estrutura ou do tema do texto

no qual a paródia se baseia.

A literatura está repleta de exemplos

de paródias. Um dos contos da obra Sagarana, de Guimarães Rosa, autor estudado por você na seção Literatura deste capítulo, é considerado por alguns

estudiosos uma paródia. Trata-se do

conto “O marido pródigo”, que, desde

seu título, passando pelo nome da personagem Lalino Salãthiel, entre outras

semelhanças, estabelece relação intertextual com a parábola bíblica “O filho

pródigo”, tomando-a como referência

para subvertê-la com a construção de

novos sentidos.

Editora José Olympio

Andressa Honório

235 A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3

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Para construir humor, as três piadas lidas exploram informações não explicitadas, quebrando as expectativas dos leitores. Identifique o trecho de cada piada

no qual há um implícito e explique qual é a informação implícita que precisa necessariamente ser preenchida pelos interlocutores para que o efeito de humor

se construa.

Leia os anúncios a seguir e responda às questões de 2 a 5.

Em I, o trecho “Mas nenhuma delas funciona!” permite pressupor que a funcionária já tentou abrir o cofre; em II, o trecho “livros de ficção científica”, pois sugere que a ideia de o homem

ser o mais perfeito da Terra está fora da realidade; em III, o trecho “correndo atrás de mim”, que inicialmente precisa ser compreendido como empresas interessadas em contratá-lo.

2. Relacione o texto central dos anúncios a seu logotipo.

a. Quem é o anunciante? Qual é a sua área de atuação?

b. Qual é o slogan da campanha, presente nas três peças?

3. Para construir seu sentido com certo humor, os anúncios exploram relações intertextuais, especialmente entre os seus produtos e as relações sociais e familiares.

a. Quem os legumes e as frutas representam em cada uma das peças? Justifique sua

resposta com base nas imagens.

b. Como estão as expressões faciais de cada uma das seis personagens dos anúncios?

c. Identifique, nas três falas, os termos que criam o efeito de humor e justifique sua

resposta apontando qual estratégia é utilizada em cada peça.

4. O anúncio também explora implícitos sobre as relações familiares. Identifique quais

implícitos sobre as relações familiares permeiam as três peças em estudo.

5. Com base em suas respostas às questões anteriores, conclua:

a. Qual é especificamente o público-alvo do anúncio?

b. Qual imagem do anunciante o slogan, os desenhos e as falas constroem, tendo em

vista os implícitos e as relações intertextuais exploradas?

6. Você viu no capítulo anterior que, para produzir uma boa redação em situações de

avaliação, como é o caso do Enem, é interessante se apropriar de informações dos

textos motivadores e explorá-las em seu próprio texto. Temos, nesse caso, um claro

exemplo de intertextualidade. Leia os trechos a seguir, adaptados de redações reais,

considerando que são introduções de textos dissertativo-argumentativos feitos com

base na proposta de redação do Enem de 2012, também lida por você no capítulo anterior. Se julgar importante, volte à página 216 e releia a proposta.

A rede de supermercados Hortifruti, especializada na

comercialização de frutas, legumes e verduras.

“É de família”.

Pais e filhos. Os primeiros, pelo bigode e os rolinhos no cabelo, que remetem a pessoas

mais velhas, e os filhos, pela mochila nas costas (2º e 3º quadrinhos).

Na primeira, respectivamente: zangado e envergonhado; na segunda, preocupada e aborrecido; na terceira, aflita e solidário.

3. c) Na 1ª e na 3ª, as expressões os dentes e tô frita

são ambíguas. A primeira se

refere tanto ao dente de alho

quanto ao suposto dente do

filho, e a segunda, tanto a

uma maneira de se preparar

a batata na cozinha quanto à

situação de estar em apuros.

Na segunda, o humor é construído pela oposição entre as

palavras casaco e casca.

O de que os pais têm uma função de regular o comportamento dos filhos,

cobrando deles as ações que julgam serem as mais adequadas.

Pais e mães preocupados com a boa

alimentação da família.

A imagem de que a rede de supermercados anunciante sabe bem o que é a família e como são as

relações familiares, passando a ideia de que ela faz parte do dia a dia das famílias.

Fotografias: MP Publicidade/www.mppublicidade.com.br

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(Disponível em: www.hortifruti.com.br/comunicacao/campanhas/e-de-familia/. Acesso em: 29/6/2017.)

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UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:239

LÍNGUA e

LINGUAGEM

I. “O fluxo mundial de pessoas sempre foi considerado importante para se entender a dinâmica econômica e social do globo. As últimas mudanças na economia e o novo espaço que o Brasil tem conquistado no cenário internacional vêm

atraindo trabalhadores e turistas, além de gerarem movimentos migratórios

cada vez mais intensos para o País. Tal situação mostra que chegou a vez de os

brasileiros, que sempre criticaram o tratamento dado pela Europa aos imigrantes, lidarem com a mesma questão.”

II. “O Brasil, no século XXI, tem tido certo destaque no cenário mundial por se mostrar uma nova área de atração populacional. O interesse global pela residência

no país é resultado de conquistas nacionais benéficas para os habitantes que

aqui vivem. Tal como diz o texto motivador da prova ‘Trilha da costura’, já são

mais de 3 milhões só de imigrantes bolivianos no Brasil.”

III. “A imigração vem ocorrendo de forma acentuada no Brasil desde a década de

noventa, devido a melhorias nas áreas sociais e econômicas do País. É fato que

a imigração estimula o respeito à diversidade cultural, mas ela também exige

atenção, pois, se for negligenciada, poderá gerar situações problemáticas. Os 500

haitianos são um claro exemplo desses problemas.”

(Disponível em: http://ensinomediodigital.fgv.br/resources/pdf/guia_participante_redacao_enem_2013.pdf. Acesso: 29/6/2017.)

Os três trechos lidos utilizam informações dos textos motivadores de diferentes formas. Indique, justificando suas escolhas:

a. Qual é o trecho que deixa implícitas informações importantes, tornando-se problemático para quem não conhece o texto motivador ao qual ele faz referência.

b. Qual é o trecho que faz uma referência explícita a um dos textos motivadores da

prova, tornando-se problemático por explicitar na redação a situação de produção

do exame.

c. Qual é o trecho que utiliza de forma adequada um dos textos motivadores, apropriando-se das informações e parafraseando o trecho que lhe interessa.

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia o anúncio a seguir.

a) O trecho III, que faz referência aos “500 haitianos” sem contextualizar a informação,

deixando perdido o leitor que não conhece o texto motivador.

O trecho II, que menciona o título do texto e diz que ele faz parte “da prova”,

explicitando uma informação prejudicial à dissertação.

O trecho I, que utiliza as informações do texto motivador ao qual faz referência

com naturalidade, no desenvolvimento de sua tese.

AlmapBBDO

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(Disponível em: http://flaviogomes.

grandepremio.uol.com.br/2013/01/anothercomment-42. Acesso em: 30/6/2017.)

237

A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3

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P:240

1. O anúncio é construído com base em um implícito que precisa ser compreendido por

seus interlocutores para que ele faça sentido. Observe a parte não verbal do texto e

levante hipóteses:

a. Onde o carro está?

b. Por que a imagem ao fundo está embaçada?

2. Releia o enunciado central.

a. Levante hipóteses: Por que “agora” o fusca anda na faixa da esquerda? Onde ele

andava anteriormente e por quê?

b. Qual informação está implícita nesse trecho?

c. Relacione o enunciado central com a orientação que está na parte inferior do anúncio, à esquerda.

3. Releia o enunciado da parte inferior, à direita, e identifique o efeito de sentido que é

produzido pelo anúncio ao se referir ao fusca como “o carro”.

Leia os cartazes a seguir, que circularam pela Internet e fazem parte de uma campanha da Controladoria Geral da União (CGU).

Em uma rodovia.

Porque ele está andando em alta velocidade.

Porque ele está com um motor melhor, mais potente, o que permite atingir velocidades maiores. Antes

ele andava na faixa da direita, pois seu motor era antigo e todos os outros carros o ultrapassavam.

A de que, nas rodovias, os carros com velocidade mais baixa devem andar na

faixa da direita, a fim de deixar os carros com velocidades mais altas passarem.

Por sugerir no enunciado principal que o fusca permite ao seu dono correr mais nas estradas, o anúncio chama a atenção

para a importância de respeitar os limites de velocidade, para não incentivar em seus leitores a prática de uma direção

irresponsável e perigosa.

Ao utilizar o artigo definido o, o anúncio chama a atenção para o fusca, como se ele fosse o melhor ou o único carro “genuíno” do mercado.

4. Levante hipóteses:

a. Por que o enunciado central dos cartazes está entre aspas?

b. De qual discurso, comum na sociedade, esses enunciados fazem parte?

c. Qual é a função dessas frases no interior desse discurso?

5. Identifique as palavras ou as expressões que retomam essas frases:

a. no enunciado em letras brancas e maiúsculas do cartaz;

b. no enunciado em letras brancas na parte de baixo do cartaz;

c. no logotipo da campanha.

Porque sugere a reprodução de uma fala de alguém.

4. b) Fazem parte do discurso do “jeitinho” brasileiro, de pessoas que sempre querem obter vantagens em situações diversas da vida social.

Elas são utilizadas como argumentos para justificar uma atitude ilícita.

desculpa

justificativas

pequenas corrupções

(Disponíveis em: http://www.semprefamilia.com.br/cgu-faz-campanha-contra-corrupcao-em-atitudes-cotidianas. Acesso em: 22/3/2016.)

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Fotografias: Controladoria Geral da União

Controladoria Geral da União

238 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:241

6. Leia as frases a seguir e, seguindo a mesma ideia analisada na questão anterior, identifique, no seu caderno, duas frases que também fizeram parte dessa campanha.

I. “Não deseje ao próximo o que não

quer para você”

II. “Tem coisa muito pior”

III. “Somos todos seres humanos”

IV. “Ninguém está vendo”

V. “As aparências enganam”

7. Com base em suas respostas às questões anteriores, conclua: Qual é a ideia que costuma permear as ações de alguns cidadãos e que também está implícita na campanha em estudo?

X

X

A ideia de que sempre haverá uma desculpa que pode ser usada quando se tem intenção de tomar

uma atitude ilegal, embora isso não justifique de fato o erro cometido por quem infringe a lei.

A dissertação: o contexto de avaliação

PRODUÇÃO DE TEXTO

Em capítulos anteriores, você viu e analisou redações que receberam nota máxima

no Enem de 2012, além de estratégias e tópicos importantes do estudo da língua a serem

considerados na elaboração de textos dissertativo­argumentativos.

Neste capítulo, vamos examinar trechos do Guia do participante, publicado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), a fim de que você conheça os critérios adotados pelos

corretores que lerão o seu texto da prova do Enem. Muitos desses critérios são universais na

correção de textos dissertativos, isto é, são utilizados pela maioria das instituições que, em

processos seletivos, avaliam candidatos por meio de um texto dissertativo­argumentativo.

FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, um trecho do Guia do participante – A redação no Enem.

A prova de redação exigirá de você a produção de um texto em prosa,

do tipo dissertativo-argumentativo, sobre um tema de ordem social, científica, cultural ou política. Os aspectos a serem avaliados relacionam-se às

“competências” que devem ter sido desenvolvidas durante os anos de escolaridade. Nessa redação, você deverá defender uma tese, uma opinião a

respeito do tema proposto, apoiada em argumentos consistentes estruturados de forma coerente e coesa, de modo a formar uma unidade textual.

Seu texto deverá ser redigido de acordo com a modalidade escrita formal

da Língua Portuguesa. Por fim, você deverá elaborar uma proposta de intervenção social para o problema apresentado no desenvolvimento do

texto que respeite os direitos humanos.

TEMA

TESE

ARGUMENTOS

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Segundo o guia, o desempenho do estudante é avaliado de acordo com os critérios

apresentados no quadro a seguir.

239PRODUÇÃO DE TEXTO

A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3

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P:242

Competências avaliadas na redação do Enem

Competência 1: Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua

Portuguesa.

Competência 2: Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias

áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa.

Competência 3: Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos,

opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.

Competência 4: Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.

Competência 5: Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.

O guia esclarece também algumas das dúvidas mais comuns entre os participantes. Veja:

➣ Quais as razões para se atribuir nota 0 (zero) a uma redação? A redação

receberá nota 0 (zero) se apresentar uma das características a seguir:

• fuga total ao tema;

• não obediência à estrutura dissertativo-argumentativa;

• texto com até 7 (sete) linhas;

• impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação ou parte do

texto deliberadamente desconectada do tema proposto;

• desrespeito aos direitos humanos; e

• folha de redação em branco, mesmo que haja texto escrito na folha de rascunho.

IMPORTANTE! Para efeito de avaliação e de contagem do mínimo de linhas, a cópia parcial dos textos motivadores ou de questões objetivas do caderno de prova

acarretará a desconsideração do número de linhas copiadas, valendo somente as

que foram produzidas pelo autor do texto.

IMPORTANTE! Procure escrever sua redação com letra legível, para evitar dúvidas

no momento da avaliação. Redação com letra ilegível não poderá ser avaliada.

IMPORTANTE! O título é um elemento opcional na produção da sua redação e

será considerado como linha escrita.

1. No contexto da redação dissertativo­argumentativa, tese é uma afirmação sobre determinado tema defendida por meio de argumentos.

a. Entre os trechos de redações reais apresentados a seguir, aponte em seu caderno o

que não constitui uma tese.

I. “o Brasil enfrenta um grande desafio social e econômico ao receber tantos imigrantes na atualidade, e o governo deve interferir para integrar esses novos

cidadãos assegurando emprego, qualificação e cursos de Língua Portuguesa,

bem como garantindo direitos trabalhistas e habitação”

II. “o Brasil vive um excelente momento econômico e o fluxo imigratório decorrente desse fato tende a ser benéfico economicamente, desde que o país saiba

aproveitar a qualificação dos imigrantes em seu mercado de trabalho, transformando o que poderia ser problema em uma solução para outras questões”

240 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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P:243

III. “o Brasil precisa elaborar uma política de recepção desses imigrantes com regularização, integração ao mercado de trabalho, implantação de órgãos de recepção, oferecimento de cursos de Língua Portuguesa e de qualificação profissional. Essa recepção aos imigrantes proporcionaria maior arrecadação de impostos e poderia suprir áreas em que há falta de mão de obra”

IV. “o Brasil vive um excelente momento econômico, destacando-se no panorama

sul-americano, e essa estabilidade econômica atrai muitos imigrantes em busca de melhores condições de vida”

b. O trecho que não constitui tese corresponde a um tema, a um argumento ou a

uma proposta de intervenção?

2. Uma boa maneira de começar a produzir uma redação em contextos de avaliação é

esquematizar as ideias que serão desenvolvidas no texto. Releia a proposta de redação do Enem 2012, na página 216, e, considerando que você vai produzir o texto solicitado, faça um esquema para a sua redação:

a. Identifique o tema da proposta.

b. Elabore uma tese relativa ao tema.

c. Estabeleça argumentos que possam ser utilizados para defender a tese que você elaborou, bem como dados e fatos que possam servir de base para esses argumentos.

d. Elabore uma proposta de intervenção diretamente relacionada à tese e aos argumentos definidos por você.

e. Defina elementos e estratégias que você utilizará na conclusão do seu texto.

3. A fim de compreender bem o que é avaliado pelos corretores do Enem, relacione as

colunas a seguir, em seu caderno. Para isso, releia o quadro de competências do Guia

do participante e leia o detalhamento (à direita) de cada competência.

Competência O que é avaliado

• Competência 1

A. Uso de estratégias como comparação, causa­consequência, exemplificação, detalhamento, voz

de autoridade, citação, entre outras, para a construção dos parágrafos; construção de parágrafos

que tenham mais de um período, relacionados entre si; utilização de pronomes, elipses,

sinônimos, etc, para fazer referência a termos já apresentados e que serão retomados ao longo

do texto; uso adequado de operadores argumentativos.

• Competência 2

B. Elaboração de uma proposta de intervenção na vida social que seja objetiva, exequível e pensada

especificamente para a discussão desenvolvida no texto, com os meios para a sua realização

devidamente descritos, respeitando os direitos humanos. Uma estratégia é procurar responder

às seguintes perguntas: O que se pode apresentar como proposta de intervenção na vida social?

Como viabilizar essa proposta?

• Competência 3

C. Leitura atenta da proposta, especialmente da proposição, que em geral vem em destaque;

utilização de informações dos textos motivadores, mas sem cópia e extrapolando as ideias

trazidas por eles com informações do próprio repertório; construção de uma tese que esteja

diretamente relacionada ao tema, dentro da abordagem proposta na prova, sem perda do foco.

• Competência 4

D. Certificação de que as informações selecionadas de fato fundamentam o ponto de vista

defendido no texto; estabelecimento de relações entre as partes do texto, por meio de retomada

e/ou desenvolvimento, em um parágrafo, de uma ideia iniciada no anterior, sem, no entanto,

repeti­la, acrescentando informações novas; preocupação em selecionar ideias e construir

argumentos que tomam por base a realidade abordada, considerando todos os fatores

relacionados ao tema.

• Competência 5

E. Ausência de marcas de oralidade; utilização de registro formal; respeito às regras vigentes na

norma padrão em relação a: concordâncias e regências nominal e verbal, pontuação, colocação

dos pronomes, ortografia.

X

A uma proposta de intervenção.

Professor: As respostas dos itens dessa questão serão retomadas na seção Hora de escrever e deverão servir de base para uma das propostas de produção de texto do capítulo.

Portanto, excluí da a identificação do tema, as outras respostas são individuais e comporO movimento imigratório para o Brasil no século XXI. tam inúmeras variações.

Resposta individual.

Resposta individual.

Resposta individual.

Resposta individual.

Professor: A proposta de intervenção não precisa constar necessariamente na conclusão. Os alunos podem optar por desenvolvê-la, por exemplo, ao

longo do texto e, no final, fazer um fechamento da discussão por meio de um resumo do que foi discutido.

Competência 4

Competência 5

Competência 3

Competência 2

Competência 1

241Produção de texto

A geração de 45: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Análise linguística: implícitos e intertextualidade. A dissertação (III) CAPÍTULO 3

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P:244

4. O Guia do participante esclarece também os motivos para a atribuição de nota zero a

uma redação. Considere as seguintes situações hipotéticas:

I. Texto inteiramente construído por meio de cópia de trechos de textos motivadores e de trechos das questões da prova

II. Texto com letra difícil de ler

III. Texto narrativo

IV. Texto sem título

V. Texto com paráfrases de trechos dos textos motivadores

VI. Texto com tema diferente do proposto na prova

VII. Texto sem proposta de intervenção

Com base nas razões apontadas no guia para a atribuição de nota zero e nos critérios

gerais de correção da prova:

a. identifique quais dos textos considerados nas situaçõs hipotéticas teriam nota zero;

b. levante hipóteses: Os demais textos seriam prejudicados na avaliação? Justifique

sua resposta.

HORA DE EsCrEVEr

Seguem duas propostas de produção de texto.

1. Produza uma dissertação de acordo com a proposta do Enem 2012,

reproduzida na página 216. Ao escrever, utilize o esquema que você

elaborou na questão 2 da seção Foco no texto.

2. Retome as redações que você produziu nos capítulos 1 e 2 desta

unidade e reescreva­as, procurando torná­las mais adequadas aos

critérios de avaliação do Enem, especialmente às competências estudadas neste capítulo.

ANTEs dE EsCrEVEr

Planeje sua dissertação, seguindo estas orientações:

• Retome as orientações dadas nas páginas 200 e 220;

• Procure empregar adequadamente os tópicos de análise linguística e produção de

texto estudados nos capítulos desta unidade, em especial: progressão referencial; estrutura do texto dissertativo­argumentativo; relevância informativa e senso comum;

aproveitamento dos textos motivadores na construção de argumentos; estratégias de

fundamentação dos argumentos; recursos de elaboração de introdução e conclusão;

implícitos e intertextualidade.

• Faça um planejamento de seu texto, estabelecendo o tema, a tese, os argumentos, as

estratégias argumentativas que pretende utilizar e a proposta de intervenção.

• Procure atender, na construção do texto, aos critérios de avaliação do Enem, entre eles

o das competências.

ANTEs dE PAssAr A lImPO

Antes de dar sua dissertação por finalizada, observe se seu texto atende aos itens

elencados nas páginas 200 e 220 e também:

• se segue as diretrizes definidas no planejamento;

• se está de acordo com as competências consideradas nos critérios de avaliação do Enem.

I, III, VI.

II: a dificuldade na leitura em razão da letra poderia gerar dúvidas ou interpretação equivocada por parte do

avaliador; IV e V: não haveria nenhum prejuízo; VII: o candidato teria nota zero em relação à competência 5 e

as demais seriam consideradas normalmente.

Como você já sabe, no

final da unidade será realizado um simulado com provas de redação do Exame

Nacional do Ensino Médio.

Neste capítulo, como

treinamento para o simulado, você produzirá um

texto dissertativo-argumentativo e reescreverá

redações que produziu anteriormente.

242 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

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VEsTIbUlAr Em CONTEXTO

Ao longo desta unidade, você estudou e produziu dissertações relacionadas ao Enem. Conheça,

agora, uma proposta comentada da Fuvest (SP).

POR DENTRO DO ENEm E DO VEsTIbUlAr

REDAÇÃO

Na verdade, durante a maior parte do século XX, os estádios eram lugares onde os executivos empresariais

sentavam-se lado a lado com os operários, todo mundo entrava nas mesmas filas para comprar sanduíches e

cerveja, e ricos e pobres igualmente se molhavam se chovesse. Nas últimas décadas, contudo, isso está mudando.

O advento de camarotes especiais, em geral, acima do campo, separam os abastados e privilegiados das pessoas

comuns nas arquibancadas mais embaixo. (…) O desaparecimento do convívio entre classes sociais diferentes, outrora vivenciado nos estádios, representa uma perda não só para os que olham de baixo para cima, mas também

para os que olham de cima para baixo.

Os estádios são um caso exemplar, mas não único. Algo semelhante vem acontecendo na sociedade americana como

um todo, assim como em outros países. Numa época de crescente desigualdade, a “camarotização” de tudo significa que

as pessoas abastadas e as de poucos recursos levam vidas cada vez mais separadas. Vivemos, trabalhamos, compramos e

nos distraímos em lugares diferentes. Nossos filhos vão a escolas diferentes. Estamos falando de uma espécie de “camarotização” da vida social. Não é bom para a democracia nem sequer é uma maneira satisfatória de levar a vida.

Democracia não quer dizer igualdade perfeita, mas de fato exige que os cidadãos compartilhem uma vida comum. O importante é que pessoas de contextos e posições sociais diferentes encontrem-se e convivam na vida

cotidiana, pois é assim que aprendemos a negociar e a respeitar as diferenças ao cuidar do bem comum.

Michael J. Sandel. Professor da Universidade Harvard. O que o dinheiro não compra. Adaptado.

Comentário do Prof. Michael J. Sandel referente à afirmação de que, no Brasil, se teria produzido uma sociedade

ainda mais segregada do que a norte-americana.

O maior erro é pensar que serviços públicos são apenas para quem não pode pagar por coisa melhor. Esse é o

início da destruição da ideia do bem comum. Parques, praças e transporte público precisam ser tão bons a ponto

de que todos queiram usá-los, até os mais ricos. Se a escola pública é boa, quem pode pagar uma particular vai

preferir que seu filho fique na pública, e assim teremos uma base política para defender a qualidade da escola

pública. Seria uma tragédia se nossos espaços públicos fossem shopping centers, algo que acontece em vários

países, não só no Brasil. Nossa identidade ali é de consumidor, não de cidadão.

Entrevista. Folha de S. Paulo, 28/04/2014. Adaptado.

[No Brasil, com o aumento da presença de classes populares em centros de compras, aeroportos, lugares turísticos etc., é crescente a tendência dos mais ricos a segregar-se em espaços exclusivos, que marquem sua distinção

e superioridade.] (…) Pode ser que o fenômeno “camarotização”, isto é, a separação física entre classes sociais, prospere para muitos outros setores. De repente, os supermercados poderão ter ala VIP, com entrada independente,

cuja acessibilidade, tacitamente, seja decidida pelo limite do cartão de crédito.

Renato de P. Pereira. www.gazetadigital.com.br, 06/05/2014. [Resumido] e adaptado.

Até os anos de 1960, a escola pública que eu conheci, embora existisse em menor número, tinha boa qualidade

e era um espaço animado de convívio de classes sociais diferentes. Aprendíamos muito, uns com os outros, sobre

nossas diferentes experiências de vida, mas, em geral, nos sentíamos pertencentes a uma só sociedade, a um mesmo país e a uma mesma cultura, que era de todos. Por isso, acreditávamos que teríamos, também, um futuro em

comum. Vejo com tristeza que hoje se estabeleceu o contrário: as escolas passaram a segregar os diferentes estratos

sociais. Acho que a perda cultural foi imensa e as consequências, para a vida social, desastrosas.

Trecho do testemunho de um professor universitário sobre a Escola Fundamental e Média em que estudou.

Os três primeiros textos aqui reproduzidos referem-se à “camarotização” da sociedade – nome dado à tendência a manter segregados os diferentes estratos sociais. Em contraponto, encontra-se também reproduzido um

testemunho, no qual se recupera a experiência de um período em que, no Brasil, a tendência era outra.

243 Por dentro do Enem e do vestibular

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P:246

Tal como explicitado na proposta, a Fuvest solicita a elaboração de um texto dissertativo, uma

estrutura semelhante à do texto do Enem, estudada ao longo desta unidade. A prova também segue um modelo parecido, com textos motivadores que abordam o tema geral e uma proposição

mais específica, que deve guiar o desenvolvimento das redações.

Nessa proposta, a Fuvest traz a proposição “Camarotização” da sociedade brasileira: a segregação das classes sociais e a democracia, além de quatro textos motivadores, com informações que os

participantes podem utilizar para elaborar sua tese e desenvolver seus argumentos.

Os dois primeiros textos fazem uma crítica à denominada “camarotização” das sociedades, incluindo a brasileira, uma vez que esse fenômeno contribuiria para que as distâncias entre as classes de uma

sociedade sejam cada vez mais ampliadas, colocando em risco a ideia de democracia. Os dois textos

mencionam exemplos de espaços públicos, nos quais tempos atrás coexistiam e confraternizavam indivíduos de origens e classes variadas. Além disso, segundo eles, hoje em dia alguns lugares passam pelo

processo de “camarotização”, ao criar espaços diferenciados para membros de classes abastadas, que

podem pagar mais caro para ter acesso a áreas privilegiadas. Nesse sentido, o último texto, que traz o

depoimento de um professor, é um claro exemplo de quem viveu essa mudança da sociedade e não a vê

com bons olhos, dadas as perdas nas áreas cultural e social citadas por ele. O terceiro texto, por sua vez,

em outro sentido, menciona a ascensão das classes populares brasileiras a determinados espaços aos

quais antes não tinham acesso, o que teria contribuído para o surgimento das áreas VIPs.

Levando em conta tais relações entre os textos, o participante poderia utilizá­los para elaborar sua

tese acerca do assunto, assumindo um posicionamento claro em relação ao fenômeno descrito. Vale

lembrar que assumir um posicionamento não necessariamente implica dizer se é “certo” ou “errado”,

“bom” ou “ruim”, mas sim estabelecer um ponto de vista, uma opinião sobre o assunto, que deve ser

sempre relativizada e contraposta a ideias diferentes, a fim de se refutarem, de antemão, possíveis

contra­argumentações às afirmações presentes no texto. Para tanto, poderia ser conveniente utilizar

alguns dos exemplos dos textos motivadores citados, associados a informações, dados e fatos já conhecidos do participante e que também se mostrassem relevantes para a discussão.

QUEsTõEs dO ENEm E dO VEsTIbUlAr REGISTRE

NO CADERNO

1. (ENEM)

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas

antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não

sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.

[...]

Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo início, se

as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da

pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos?

Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é

um ato. Sentir é um fato. Os dois juntos – sou eu que

escrevo o que estou escrevendo. [...] Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas

que andam por aí aos montes.

Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual – há dois anos e meio

venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da

iminência de. De quê? Quem sabe se mais tarde sabeTendo em conta as sugestões desses textos, além de outras informações que julgue relevantes, redija uma

dissertação em prosa, na qual você exponha seu ponto de vista sobre o tema “Camarotização” da sociedade brasileira: a segregação das classes sociais e a democracia.

Instruções:

• A redação deve ser uma dissertação, escrita de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa.

• Escreva, no mínimo, 20 linhas, com letra legível. Não ultrapasse o espaço de 30 linhas da folha

de redação.

• Dê um título a sua redação.

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rei. Como que estou escrevendo na hora mesma em

que sou lido. Só não inicio pelo fim que justificaria o

começo – como a morte parece dizer sobre a vida –

porque preciso registrar os fatos antecedentes.

LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998 (fragmento).

A elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajetória literária de Clarice Lispector, culminada

com a obra A hora da estrela, de 1977, ano da morte da

escritora. Nesse fragmento, nota­se essa peculiaridade

porque o narrador

a. observa os acontecimentos que narra sob uma ótica

distante, sendo indiferente aos fatos e às personagens.

b. relata a história sem ter tido a preocupação de investigar os motivos que levaram aos eventos que a

compõem.

c. revela­se um sujeito que reflete sobre questões

existenciais e sobre a construção do discurso.

d. admite a dificuldade de escrever uma história em razão da complexidade para escolher as palavras exatas.

e. propõe­se a discutir questões de natureza filosófica

e metafísica, incomuns na narrativa de ficção.

2. (ENEM)

Texto I

O meu nome é Severino,

não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,

que é santo de romaria,

deram então de me chamar

Severino de Maria;

como há muitos Severinos

com mães chamadas Maria,

fiquei sendo o da Maria

do finado Zacarias,

mas isso ainda diz pouco:

há muitos na freguesia,

por causa de um coronel

que se chamou Zacarias

e que foi o mais antigo

senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem fala

ora a Vossas Senhorias?

MELO NETO, J. C. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1994 (fragmento).

Texto II

João Cabral, que já emprestara sua voz ao rio,

transfere-a, aqui, ao retirante Severino, que, como o

Capibaribe, também segue no caminho do Recife. A

autoapresentação do personagem, na fala inicial do

X

texto, nos mostra um Severino que, quanto mais se

define, menos se individualiza, pois seus traços biográficos são sempre partilhados por outros homens.

SECCHIN, A. C. João Cabral: a poesia do menos.

Rio de Janeiro: Topbooks, 1999 (fragmento).

Com base no trecho de Morte e vida severina (Texto I)

e na análise crítica (Texto II), observa­se que a relação

entre o texto poético e o contexto social a que ele faz

referência aponta para um problema social expresso

literariamente pela pergunta “Como então dizer quem

fala / ora a Vossas Senhorias?“. A resposta à pergunta

expressa no poema é dada por meio da

a. descrição minuciosa dos traços biográficos do personagem­narrador.

b. construção da figura do retirante nordestino como

um homem resignado com a sua situação.

c. representação, na figura do personagem­narrador,

de outros Severinos que compartilham sua condição.

d. apresentação do personagem­narrador como uma

projeção do próprio poeta, em sua crise existencial.

e. descrição de Severino, que, apesar de humilde, orgulha­se de ser descendente do coronel Zacarias.

3. (ENEM)

Ai, palavras, ai, palavras

que estranha potência a vossa!

Todo o sentido da vida

principia a vossa porta:

o mel do amor cristaliza

seu perfume em vossa rosa;

sois o sonho e sois a audácia,

calúnia, fúria, derrota...

A liberdade das almas,

ai! Com letras se elabora...

E dos venenos humanos

sois a mais fina retorta:

frágil, frágil, como o vidro

e mais que o aço poderosa!

Reis, impérios, povos, tempos,

pelo vosso impulso rodam...

MEIRELES, C. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985 (fragmento).

O fragmento destacado foi transcrito do Romanceiro

da Inconfidência, de Cecília Meireles. Centralizada no

episódio histórico da Inconfidência Mineira, a obra, no

entanto, elabora uma reflexão mais ampla sobre a seguinte relação entre o homem e a linguagem:

a. A força e a resistência humanas superam os danos

provocados pelo poder corrosivo das palavras.

X

REGISTRE

NO CADERNO

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b. As relações humanas, em suas múltiplas esferas, têm

seu equilíbrio vinculado ao significado das palavras.

c. O significado dos nomes não expressa de forma justa

e completa a grandeza da luta do homem pela vida.

d. Renovando o significado das palavras, o tempo permite às gerações perpetuar seus valores e suas crenças.

e. Como produto da criatividade humana, a linguagem

tem seu alcance limitado pelas intenções e gestos.

4. (ENEM)

Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e

lagoas. O senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu

aqui, risonho e habilidoso. Pergunto: — Zé-Zim, por

que é que você não cria galinhas-d'angola, como todo

o mundo faz? — Quero criar nada não... — me deu resposta: — Eu gosto muito de mudar... [...] Belo um dia,

ele tora. Ninguém discrepa. Eu, tantas, mesmo digo.

Eu dou proteção. [...] Essa não faltou também à minha

mãe, quando eu era menino, no sertãozinho de minha

terra. [...] Gente melhor do lugar eram todos dessa família Guedes, Jidião Guedes; quando saíram de lá, nos

trouxeram junto, minha mãe e eu. Ficamos existindo

em território baixio da Sirga, da outra banda, ali onde

o de-Janeiro vai no São Francisco, o senhor sabe.

ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro:

José Olympio (fragmento).

Na passagem citada, Riobaldo expõe uma situação decorrente de uma desigualdade social típica das áreas

rurais brasileiras marcadas pela concentração de terras

e pela relação de dependência entre agregados e fazendeiros. No texto, destaca­se essa relação porque o personagem­narrador

a. relata a seu interlocutor a história de Zé­Zim, demonstrando sua pouca disposição em ajudar seus

agregados, uma vez que superou essa condição graças à sua força de trabalho.

b. descreve o processo de transformação de um meeiro

— espécie de agregado — em proprietário de terra.

c. denuncia a falta de compromisso e a desocupação

dos moradores, que pouco se envolvem no trabalho

da terra.

d. mostra como a condição material da vida do sertanejo é dificultada pela sua dupla condição de homem livre e, ao mesmo tempo, dependente.

e. mantém o distanciamento narrativo condizente

com sua posição social, de proprietário de terras.

5. (ENEM)

Cultivar um estilo de vida saudável é extremamente importante para diminuir o risco de infarto,

X

X

mas também de problemas como morte súbita e derrame. Significa que manter uma alimentação saudável e praticar atividade física regularmente já reduz,

por si só, as chances de desenvolver vários problemas.

Além disso, é importante para o controle da pressão

arterial, dos níveis de colesterol e de glicose no sangue. Também ajuda a diminuir o estresse e a aumentar a capacidade física, fatores que, somados, reduzem

as chances de infarto. Exercitar-se, nesses casos, com

acompanhamento médico e moderação, é altamente

recomendável.

ATALIA, M. Nossa vida. Época. 23 mar. 2009.

As ideias veiculadas no texto se organizam estabelecendo relações que atuam na construção do sentido. A

esse respeito, identifica­se, no fragmento, que

a. a expressão “Além disso” marca uma sequenciação

de ideias.

b. o conectivo “mas também” inicia oração que exprime ideia de contraste.

c. o termo “como”, em “como morte súbita e derrame”,

introduz uma generalização.

d. o termo “Também” exprime uma justificativa.

e. o termo “fatores” retoma coesivamente “níveis de

colesterol e de glicose no sangue”.

6. (ENEM)

O Flamengo começou a partida no ataque, enquanto o Botafogo procurava fazer uma forte marcação no meio campo e tentar lançamentos para Victor Simões, isolado entre os zagueiros rubro-negros.

Mesmo com mais posse de bola, o time dirigido por

Cuca tinha grande dificuldade de chegar à área alvinegra por causa do bloqueio montado pelo Botafogo

na frente da sua área.

No entanto, na primeira chance rubro-negra,

saiu o gol. Ap—s cruzamento da direita de Ibson, a

zaga alvinegra rebateu a bola de cabeça para o meio

da área. Kléberson apareceu na jogada e cabeceou por

cima do goleiro Renan. Ronaldo Angelim apareceu

nas costas da defesa e empurrou para o fundo da rede

quase que em cima da linha: Flamengo 1 a 0.

Disponível em: http://momentodofutebol.blogspot.com (adaptado).

O texto, que narra uma parte do jogo final do Campeonato Carioca de futebol, realizado em 2009, contém

vários conectivos, sendo que

a. após é conectivo de causa, já que apresenta o motivo de a zaga alvinegra ter rebatido a bola de cabeça.

b. enquanto conecta duas opções possíveis para serem aplicadas no jogo.

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REGISTRE

NO CADERNO

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c. no entanto tem significado de tempo, porque ordena os fatos observados no jogo em ordem cronológica de ocorrência.

d. mesmo traz ideia de concessão, já que “com mais

posse de bola”, ter dificuldade não é algo naturalmente esperado.

e. por causa do indica consequência, porque as tentativas de ataque do Flamengo motivaram o Botafogo

a fazer um bloqueio.

7. (ENEM)

Disponível em: www.ccsp.com.br. Acesso em: 26 jul. 2010 (adaptado).

O anúncio publicitário está intimamente ligado ao

ideário de consumo quando sua função é vender um

produto. No texto apresentado, utilizam­se elementos

linguísticos e extralinguísticos para divulgar a atração

“Noites do Terror”, de um parque de diversões. O entendimento da propaganda requer do leitor

a. identificação com o público­alvo a que se destina o

anúncio.

b. a avaliação da imagem como uma sátira às atrações

de terror.

c. a atenção para a imagem da parte do corpo humano

selecionada aleatoriamente.

d. o reconhecimento do intertexto entre a publicidade

e um dito popular.

e. a percepção do sentido literal da expressão “noites do terror”, equivalente à expressão “noites de

terror”.

8. (ENEM)

Diferente do que o senso comum acredita, as lagartas de borboletas não possuem voracidade generalizada. Um estudo mostrou que as borboletas de

asas transparentes da família Ithomiinae, comuns

na Floresta Amazônica e na Mata Atlântica, consomem, sobretudo, plantas da família Solanaceae,

a mesma do tomate. Contudo, os ancestrais dessas

borboletas consumiam espécies vegetais da família Apocinaceae, mas a quantidade dessas plantas

parece não ter sido suficiente para garanir o suprimento alimentar dessas borboletas. Dessa forma,

X

X

as solanáceas tornaram-se uma opção de alimento,

pois são abundantes na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica.

Cores ao vento. Genes e fósseis revelam origem e

diversidade de borboletas sul-americanas.

Revista Pesquisa FAPESP. Nº 170, 2010 (adaptado).

Nesse texto, a ideia do senso comum é confrontada

com os conhecimentos científicos, ao se entender que

as larvas das borboletas Ithomiinae encontradas atualmente na Mata Atlântica e na Floresta Amazônica apresentam

a. facilidade em digerir todas as plantas desses locais.

b. interação com as plantas hospedeiras da família

Apocinaceae.

c. adaptação para se alimentar de todas as plantas

desses locais

d. voracidade indiscriminada por todas as plantas existentes nesses locais.

e. especificidade pelas plantas da família Solanaceae

existentes nesses locais.

9. (FUVEST – SP)

Como sabemos, o efeito de um livro sobre nós,

mesmo no que se refere à simples informação, depende de muita coisa além do valor que ele possa ter.

Depende do momento da vida em que o lemos, do

grau do nosso conhecimento, da finalidade que temos pela frente. Para quem pouco leu e pouco sabe,

um compêndio de ginásio pode ser a fonte reveladora. Para quem sabe muito, um livro importante não

passa de chuva no molhado. Além disso, há as afinidades profundas, que nos fazem afinar com certo

autor (e portanto aproveitá-lo ao máximo) e não com

outro, independente da valia de ambos.

Antonio Candido, “Dez livros para entender o Brasil”.

Teoria e debate. Ed. 45, 01/07/2000.

Constitui recurso estilístico do texto

I. a combinação da variedade culta da língua escrita,

que nele é predominante, com expressões mais comuns na língua oral;

II. a repetição de estruturas sintáticas, associada ao emprego de vocabulário corrente, com feição didática;

III. o emprego dominante do jargão científico, associado à exploração intensiva da intertextualidade.

Está correto apenas o que se indica em

a. I.

b. II.

c. I e II.

d. III.

e. I e III.

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REGISTRE

NO CADERNO

Thinkstock/Getty Images/Rony Costa/Finephoto (adaptado)

247 Por dentro do Enem e do vestibular

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P:250

Simulado Enem −

A redação em exame

Como encerramento da unidade, você e seus colegas organizarão um simulado da prova

de redação do Enem, que consistirá na aplicação de provas anteriores do exame, em determinado dia e horário.

Preparação e divulgação do simulado

• Organizem-se em dois grupos, cada um dos quais ficará responsável por selecionar uma prova

de redação do Enem de anos anteriores.

• Convidem professores e funcionários da escola, ou mesmo pais de alunos, para, no dia do

simulado, auxiliarem na parte administrativa: organizar e fazer a distribuição das provas,

controlar o tempo de aplicação, recolher os textos, lacrar os envelopes e encaminhá-los aos

grupos organizadores.

• Façam uma divulgação antecipada do simulado para a comunidade da escola e convidem

outros interessados para participar.

• Elaborem uma ficha de inscrição, simplificada, a ser disponibilizada em certo(s) local(is) por um

período estipulado, para que vocês saibam antecipadamente quantas pessoas participarão do

simulado.

• Com a lista dos inscritos em mãos, dividam o número de pessoas, igualmente, entre os dois

grupos.

Organização da prova

• Cada grupo deverá selecionar uma prova do Enem de anos anteriores, sem permitir que o

outro grupo tome conhecimento de qual foi a prova escolhida.

• Organizem os participantes pela sequência dos números de inscrição, que devem constar

nas provas em vez dos nomes, a fim de que a identidade dos autores das redações não seja

conhecida no momento da correção. Rico/Arquivo da editora

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P:251

• Providenciem cópias das provas selecionadas e coloquem na primeira página de cada uma

o número de inscrição de cada participante, garantindo que cada pessoa inscrita terá a

sua prova.

• Elaborem uma lista de presença (que pode ser por ordem alfabética, por ordem de inscrição,

ou, ainda, por sala), na qual devem constar o nome do participante e o número de inscrição de

cada um e deixem-na com a pessoa que cuidará da parte administrativa.

Organização das salas

• Solicitem à direção da escola o número de salas

necessário para acomodar todos os inscritos.

• Providenciem adesivos com os números de

inscrição e, no dia anterior à realização do simulado,

colem esses números nas carteiras, em ordem, para

que cada participante tenha o seu lugar definido.

• Afixem na porta de cada sala uma folha

com a sequência dos números de inscrição

correspondentes aos participantes que farão

a prova ali, para que possam se localizar mais

facilmente.

• Orientem as pessoas responsáveis pelas salas para

que, após distribuir as provas, passem de carteira

em carteira solicitando aos participantes que

assinem a lista de presença e conferindo o número

de inscrição e a identidade de cada um.

Correção dos textos do simulado

• Reúnam os envelopes com as redações, recolhendoos com a pessoa que ficou responsável pela

aplicação da prova que cada grupo propôs.

• Organizem-se em grupos de três alunos para a

avaliação das redações. Cada trio deve avaliar

no mínimo três redações, de modo que cada um

atribua nota a pelo menos uma redação. Vocês

podem, nesse grupo de três, discutir alguma dúvida

que tenham em relação aos critérios de avaliação

estudados.

• Combinem com o professor uma maneira pela

qual ele coordene os trios no trabalho de correção

das redações. Ele poderá, por exemplo, fazer um

“treinamento” dos trios, tomando por base o critério

das competências do Enem, estudado por vocês

no capítulo 3 desta unidade. Ele poderá, também,

dar apoio aos grupos durante a correção, tirando

dúvidas pontuais sobre alguns textos.

• Depois de corrigidos os textos, publiquem as notas em um mural da escola, divulgando-as por

número de inscrição, sem revelar a identidade dos participantes.

Professor: O objetivo deste projeto é levar os alunos a realizar um exercício de leitura crítica e de análise dos textos produzidos em sala, a fim de que ampliem

seus referenciais acerca do tema e do gênero. Para realizar o treinamento da correção com os alunos, consulte o Guia do participante, relativo à redação no

Enem, elaborado pelo Inep e disponível no site do instituto. Além das orientações vistas nesta unidade, constam na publicação do Inep as faixas de nota e

a descrição do que se espera em cada uma delas.

Shutterstock

Fernando Favoretto / Criar Imagem

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P:252

UNIDADE 4 Caminhos

Diálogo (1965), de José Roberto Aguilar, pintor, escultor, performer e artista multimídia brasileiro, considerado o pioneiro na utilização do

vídeo como línguagem artística no Brasil.

Só há um caminho para tornar-se efetivamente competente no que se refere aos diversos aspectos envolvidos no domínio da linguagem: trabalhar diariamente. O segredo é ler e escrever todos os dias, além de

organizar-se de forma a eliminar, ou controlar ao máximo, determinadas características de nossa linguagem,

pessoal ou de grupo, que são consideradas pela escola e pela sociedade como problemas a corrigir.

(Sírio Possenti. Quest›es de linguagem Ð Passeio gramatical dirigido. São Paulo: Parábola, 2011. p. 106.)

Coleção do artista, São Paulo, Brasil

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P:253

FEIRA DE PROFISSÕES

Participe, com os colegas, da realização de uma

feira de profissões. Nela, vocês apresentarão os

textos produzidos na unidade − verbetes, projetos

de pesquisa, cartas de apresentação e entrevistas

de emprego −, ouvirão palestras de profissionais

de diferentes áreas a respeito do trabalho que

exercem e poderão se informar sobre as novas

carreiras do atual mercado de trabalho.

Augusto de Campos

A moral da história é que não existem

propriamente textos errados e textos corretos (pelo menos, nem sempre), mas, fundamentalmente, textos mais ou menos

adequados, ou mesmo inadequados a determinadas situações.

(Sírio Possenti. Por que (não) ensinar gramática.

Campinas, SP: Mercado de Letras, Associação

de Leitura do Brasil, 1996. p. 94.)

Uma das peças da série Bichos

(1960-4), de Lygia Clark, uma das

principais representantes da arte

contemporânea brasileira.

(Augusto de Campos. Despoesia.

São Paulo: Perspectiva, 1994. p. 85.)

Coleção Nemirovsky, São Paulo, SP

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P:254

A literatura brasileira contemporânea

Análise linguística: as diferentes

formas de dizer

Verbete e projeto de pesquisa

A literatura brasileira

contemporânea

1

LITERATURA

CAPÍTULO

Definir quando começa a literatura brasileira contemporânea, ou seja, a literatura do nosso tempo, não é tarefa fácil. Evidentemente, nela não se incluem apenas autores vivos, mas

também autores cujas obras ainda são muito lidas e têm grande relação com o nosso tempo.

Segundo alguns especialistas, o início da literatura contemporânea se situa nas

décadas de 1950 e 1960, pois nesse momento ocorreram manifestações artísticas que

produziram desdobramentos importantes na cultura e na literatura nas décadas subsequentes.

Composição (1999), de Luiz Sacilotto, um

dos idealizadores da pintura concreta em

São Paulo, na década de 1950.

Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP

252 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:255

literatura

Os anos 1950-1960 em contexto

Os anos 1950 caracterizam-se por terem sido um período democrático e desenvolvimentista, cujo

auge ocorreu no governo de Juscelino Kubitschek e com a construção de Brasília.

Em 1964, um golpe militar tirou do poder o presidente João Goulart e deu início a uma ditadura

que se estendeu até 1985.

No início do regime militar, o país ainda teve uma intensa vida cultural, com o surgimento da

Bossa Nova, o Cinema Novo, o Teatro de Arena e as vanguardas concretas.

O decreto do AI-5, em 1968, entretanto, deu início a um período de perseguições políticas,

prisões, torturas, censura e exílio de políticos, intelectuais e artistas.

O Concretismo

O primeiro movimento importante do período contemporâneo da nossa literatura é

o Concretismo, que surgiu em São Paulo, com o lançamento da revista Noigandres (1952-

62), publicada pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e por Décio Pignatari. O grupo

tinha como proposta uma poesia concreta, isto é, uma poesia-objeto, sem a presença do

eu lírico, que falasse por si só, radicalizando as experiências com a linguagem-objeto, feitas por João Cabral de Melo Neto. Influenciada pelo Futurismo e pelo Cubismo, a poesia

concreta rompia com o verso linear e explorava recursos tipográficos, como tipos e tamanhos de letras, cores, texturas, sugerindo movimento e convidando o leitor para ler o texto de variadas formas. Também participaram desse grupo os poetas José Lino Grünewald,

Ronaldo Azeredo, Wladimir Dias Pinto, Mário Chamie e José Paulo Paes, entre outros.

O movimento concretista se estendeu até o final da década de 1960 e exerceu forte

influência nas artes, inclusive sobre o Tropicalismo (1967-8), movimento musical formado

por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Rogério Duprat e a banda Os Mutantes, entre

outros artistas ou grupos. Ainda hoje, vários artistas, como o poeta e compositor Arnaldo

Antunes, mantêm laços com as propostas concretistas.

Cena da peça Roda

viva, de Chico Buarque,

encenada em 1968 com

direção de José Celso

Martinez Correa. A

peça virou símbolo da

resistência à ditadura

depois que um grupo de

mais de cem integrantes

do Comando de Caça aos

Comunistas (CCC) invadiu

o teatro Galpão, em São

Paulo, espancou artistas e

depredou o cenário.

A literatura de resistência

e a poesia marginal

Como reação à situação política vivida pelo país desde o golpe militar de 1964, artistas da música, do teatro e da literatura passaram a fazer uma arte de resistência. Entre

outros, foi o caso do escritor e compositor Chico Buarque de Holanda, do diretor teatral

José Celso Martinez Correa, do ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri e dos escritores Thiago de Melo e Ferreira Gullar. Todos eles tiveram problemas com a censura, alguns

chegaram a ser presos e todos viveram no exílio por alguns anos.

Nas décadas de 1970-1980, como

meio de driblar a censura e as poucas

opções editorais, surgiu um grupo

de poetas que resolveu produzir de

forma independente suas publicações, na forma de revistas, jornais,

folhetos mimeografados e pôsteres,

e vendê-las diretamente ao público

em portas de cinemas e teatros e em

happenings e shows musicais. Essa

literatura foi chamada de poesia marginal e contou com escritores como

Waly Salomão, Ulisses Tavares, Cláudio Willer, Roberto Piva, Cacaso, Chacal e Hilda Hilst, entre outros.

Acervo UH/Folhapress Acervo Iconographia

253 A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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P:256

Ferreira Gullar

Depois da morte de Drummond, em 1987, Ferreira Gullar passou a ser

considerado pela crítica como o mais importante poeta brasileiro vivo. Sua

primeira obra, Um pouco acima do chão, data de 1949.

A atuação de Gullar, entretanto, não se limita à poesia. É também um

importante crítico de arte e de literatura e um intelectual atuante.

Em 1956, juntamente com Lygia Clark e Hélio Oiticica, participou da

1» Exposição de Arte Concreta, que reuniu artistas concretistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Alguns anos depois, afastou-se do movimento concreto e passou a fazer uma poesia social.

Gullar tem uma vasta produção literária e cultural. Entre seus livros de

poesia mais importantes, destacam-se Dentro da noite veloz (1975), Poema

sujo (1976), Muitas vozes (1999) e Em parte alguma (2010); no teatro, em parceria com Oduvaldo Vianna Filho, Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

(1966); na literatura infantil, Um gato chamado gatinho (2005).

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, dois poemas de Ferreira Gullar. O primeiro foi produzido em 1963 e integra a obra Dentro da noite veloz; o segundo faz parte da

obra Muitas vozes, publicada em 1999.

Amplie seus conhecimentos sobre as literaturas de língua portuguesa contemporâneas, pesquisando em:

LIVROS

• Leia algumas das principais obras da

literatura contemporânea, como A grande

arte, de Rubem Fonseca; O vampiro de

Curitiba, de Dalton Trevisan; O filho eterno,

de Cristovão Tezza; Dois irmãos, de Milton

Hatoum; Reprodução, de Bernardo Carvalho;

Cidade de Deus, de Paulo Lins; Quarenta

dias, de Maria Valeria Rezende; O menino

que vendia palavras, de Ignácio de Loyola

Brandão; Um rio chamado tempo, uma

casa chamada terra, de Mia Couto; As

intermitências da morte, de José Saramago.

FILMES

• Órfãos do Eldorado, de Guilherme Coelho,

baseado na obra homônima de Milton

Hatoum; Lavoura arcaica, de Luiz Fernando

Carvalho, adaptação do romance homônimo

de Raduan Nassar; Filme do desassossego,

de João Botelho, adaptação de Livro do

desassossego, de Fernando Pessoa;

O vento lá fora, de Marcio Debellian, com

declamações de poemas de Fernando

Pessoa por Maria Bethânia e Cleonice

Berardinelli; Ensaio sobre a cegueira,

de Fernando Meireles, baseado na obra

homônima de José Saramago; Terra

sonâmbula, de Teresa Prata; Um rio, de

João Carlos Oliveira; e O último voo do

flamingo, de José Ribeiro, os três últimos

baseados em obras de Mia Couto.

DECLAMAÇÕES

• Ouça o CD que acompanha a obra

Dois ou mais corpos no mesmo espaço

(Perspectiva), de Arnaldo Antunes, no qual o

autor declama seus próprios poemas.

SITES

• Conheça os sites de Augusto de Campos

(http://www2.uol.com.br/augustodecampos/

poemas.htm) e de Arnaldo Antunes (http://

www.arnaldoantunes.com.br/jae/index.html),

nos quais vai poder navegar e conhecer a

poesia em língua multimídia, e também

o site de poesia concreta http://www.

poesiaconcreta.com.br/poetas.php?poeta=dp.

PINTURAS

• Conheça a obra de pintores e artistas plásticos

que despontaram na década de 1960, como

Lygia Clark, Hélio Oiticica, Adriana Varejão,

Tunga e Vik Muniz, entre outros.

MUSEUS

• Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), o

maior museu de arte contemporânea do Brasil

e o maior museu a céu aberto do mundo.

• Museu de Arte Contemporânea de São

Paulo, Museu de Arte Contemporânea de

Niterói e Museu de Arte Contemporânea do

Paraná, em Curitiba.

FIQUE CONECTADO!

Ferreira Gullar

Ferreira Gullar é o pseudônimo de José

Ribamar Ferreira. Nasceu em São Luís, no

Maranhão, em 1930. É poeta, contista,

dramaturgo, crítico de arte, ensaísta, tradutor, autor de literatura infantil e trabalhou em vários jornais e revistas.

Foi militante no Partido Comunista e,

durante o regime militar, foi exilado e

viveu no Chile, na Argentina e na União

Soviética.

Em 2010, recebeu o Prêmio Camões

e, em 2011, o Jabuti. É membro da Academia Brasileira de Letras e escreve

crônicas no jornal Folha de S. Paulo.

Companhia das Letras

Biscoito Fino

Reprodução/Cortesia Projeto Hélio

Oiticica/Coleção Adolpho Leirmer/

São Paulo, SP

Arquivo/ON/D.A Press

Vermelho cortando o branco (1958),

de Hélio Oiticica.

254 UNIDADE 4 CAMINHOS

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Texto 1

Não há vagas

O preço do feijão

não cabe no poema. O preço

do arroz

não cabe no poema.

Não cabem no poema o gás

a luz o telefone

a sonegação

do leite

da carne

do açúcar

do pão

O funcionário público

não cabe no poema

com seu salário de fome

sua vida fechada

em arquivos.

Como não cabe no poema

o operário

que esmerila seu dia de aço

e carvão

nas oficinas escuras

– porque o poema, senhores,

está fechado:

“não há vagas”

Só cabe no poema

o homem sem estômago

a mulher de nuvens

a fruta sem preço

O poema, senhores,

não fede

nem cheira

(Dentro da noite veloz e Poema sujo. São Paulo: Círculo do Livro, 1963.)

Texto 2

Não coisa

O que o poeta quer dizer

no discurso não cabe

e se o diz é pra saber

o que ainda não sabe.

Uma fruta uma flor

um odor que relume...

Como dizer o sabor,

seu clarão seu perfume?

Como enfim traduzir

na lógica do ouvido

o que na coisa é coisa

e que não tem sentido?

A linguagem dispõe

de conceitos, de nomes

mas o gosto da fruta

só o sabes se a comes

só o sabes no corpo

o sabor que assimilas

e que na boca é festa

de saliva e papilas

invadindo-te inteiro

tal dum mar o marulho

e que a fala submerge

e reduz a um barulho,

um tumulto de vozes

de gozos, de espasmos,

vertiginoso e pleno

como são os orgasmos

No entanto, o poeta

desafia o impossível

e tenta no poema

dizer o indizível:

subverte a sintaxe

implode a fala, ousa

incutir na linguagem

densidade de coisa

sem permitir, porém,

que perca a transparência

já que a coisa é fechada

à humana consciência.

O que o poeta faz

mais do que mencioná-la

é torná-la aparência

pura — e iluminá-la.

Toda coisa tem peso:

uma noite em seu centro.

O poema é uma coisa

que não tem nada dentro,

a não ser o ressoar

de uma imprecisa voz

que não quer se apagar

— essa voz somos nós.

(Muitas vozes. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999. p. 53-4.)

LITERATURA

Andressa Honório Andressa Honório

255 A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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P:258

1. O poema “Não há vagas” é organizado em duas partes.

a. Identifique os versos que pertencem a cada uma das partes.

b. De que trata cada uma dessas partes?

2. Compare algumas das coisas que cabem e que não cabem no poema, de acordo com

o poema “Não há vagas”:

CabeM NÃo CabeM

arroz homem sem estômago

feijão mulher de nuvens

luz fruta sem preço

telefone

operário

a. De que tipo são as coisas que não cabem no poema?

b. De que tipo são as coisas que cabem no poema?

c. A oposição entre o que cabe e o que não cabe no poema revela duas concepções

diferentes sobre o fazer poético. Quais são elas?

d. O eu lírico se mostra favorável a uma delas? Se sim, qual? Justifique sua resposta.

3. O poema “Não coisa” também aborda o tema do fazer poético. Releia estes versos:

A linguagem dispõe

de conceitos, de nomes

mas o gosto da fruta

só o sabes se a comes 

a. Como o eu lírico vê a relação entre linguagem e objeto? Explique, utilizando elementos do poema.

b. Justifique o título do poema.

c. Diante do desafio, o poeta desiste? Justifique sua resposta com elementos do poema.

d. O que o poeta consegue fazer em relação ao objeto? Explique em que consiste sua ação.

4. Releia os últimos versos do poema “Não objeto”:

O poema é uma coisa

que não tem nada dentro,

a não ser o ressoar

de uma imprecisa voz

que não quer se apagar

— essa voz somos nós.

a. O que há no poema?

b. Interprete o último verso do poema: “— essa voz somos nós”.

5. O poema “Não coisa” foi escrito quase 40 anos depois do poema “Não há vagas”, e

ambos abordam o tema da criação poética.

a. Que diferença há na abordagem dos dois textos em relação a esse tema?

b. Que ideia sobre a criação poética está presente nos dois poemas?

A primeira parte vai do primeiro verso até o verso

“não há vagas”; a segunda parte vai de “Só cabe

no poema” até o fim.

A primeira parte trata do que “não cabe no poema”; a segunda parte, do que “cabe”.

São as coisas simples e concretas da realidade:

as necessidades humanas, os trabalhadores.

São as coisas que não existem na vida real ou

são distantes da realidade concreta.

A concepção que parte do princípio de que a poesia deve retratar a realidade

como ela é e a concepção que procura excluir do poema a realidade concreta,

ou o lado feio da realidade.

Sim, ele se mostra favorável à poesia que retrata a realidade concreta, pois o poema faz uma espécie de denúncia dessa poesia alienada,

distante da realidade, que “não fede nem cheira”.

Ele considera que a linguagem é incapaz de possibilitar uma percepção do objeto tal qual a que temos quando nos relacionamos diretamente com ele. Por

exemplo, comer uma fruta é uma experiência que a linguagem não consegue expressar com a mesma completude.

O poema tem esse título porque ele é justamente o “não objeto”;

é um dizer sobre o objeto, mas nunca o objeto.

Não; ele “tenta no poema / dizer o indizível”, subvertendo a linguagem, buscando novas formas de se expressar.

d) O poeta consegue torná-lo “aparência pura” e

iluminá-lo, isto é, por meio

do poema faz com que o

leitor veja ou apreenda o

objeto de forma especial,

com outro olhar, com uma

percepção diferente.

Uma voz imprecisa, que ressoa.

4. b) Professor: Abra a discussão com a classe, pois há mais de uma

possibilidade de resposta.

Sugestão: A voz do poema representa toda a humanidade; ela espelha

todas as reflexões e dúvidas do ser humano em relação ao mundo,

e não apenas as do eu lírico ou do poeta e, por isso, tem um caráter

coletivo, universal.

5. a) Em “Não há vagas”, há destaque para a função social e política da poesia como meio de denúncia e conscientização; em “Não objeto”, essa função não é

tão destacada nem explicitada e, além disso, de acordo com a concepção expressa nesse poema, a linguagem comum não é capaz de substituir a experiência

direta com as coisas.

5. b) Em ambos os textos há a ideia de que a

poesia pode transformar a visão do ser humano

a respeito do mundo: no texto 1, por meio da

denúncia e da crítica da realidade; no texto 2,

por meio de uma certa “desautomatização” do

olhar, possibilitada por um trabalho cuidadoso

e particular com a linguagem.

REGISTRE

NO CADERNO

Andressa Hon—rio

256 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:259

LITERATURA

Milton Hatoum

Milton Hatoum é escritor, tradutor

e professor. Descendente de libaneses, nasceu em 1952, em Manaus, no

Amazonas, onde passou a infância e

parte da juventude. Fez Arquitetura na

Universidade de São Paulo e trabalhou

como jornalista cultural e professor de

história da arquitetura.

Estudou em Barcelona, em Madri e

em Paris, como bolsista, e se especializou em estudos literários. Foi professor

de literatura francesa na Universidade

Federal do Amazonas e vive atualmente

em São Paulo. É colunista do jornal O

Estado de S. Paulo.

Suas obras já foram traduzidas para

dez línguas e publicadas em catorze

países.

A literatura brasileira do final do

século XX aos nossos dias

Com o fim do regime militar e da censura em nosso país, em 1985, os

escritores brasileiros começaram a buscar caminhos diversificados, tanto na

poesia quanto na prosa.

Na poesia do final do século XX até os dias atuais, ainda é visível a influência

da literatura marginal, observada na incorporação de um lirismo mais espontâneo, mas também se notam temas e procedimentos poéticos que remontam à

tradição anterior, de Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.

Os temas dessa produção são variados e vão da vida nos centros urbanos

até a criação literária. Muitos poetas desse período passaram a se interessar

também por outras artes e linguagens, como a música, a fotografia e o vídeo. Esse é o caso, por exemplo, de Paulo Leminsky e Arnaldo Antunes.

O número de poetas contemporâneos é muito amplo, mas vale ressaltar

alguns deles, como Antônio Risério, Fabrício Carpinejar, Carlito Azevedo, Tarso de Melo, Paulo Henriques Brito, Donizete Galvão e Antônio Cícero.

A prosa do final do século XX, em especial no conto e no romance, mantém as inovações da geração de 1945 – que rompeu com a narrativa linear e

realista, explorando a narração desordenada, o fluxo de consciência, o foco

narrativo às vezes indefinido – e se volta basicamente para as questões que

envolvem o homem urbano, como a violência e o desemprego, nos diferentes

espaços das grandes cidades, como a periferia, a favela, o centro financeiro.

O romance se diversifica em diferentes direções, indo da literatura fantástica de A hora dos ruminantes, de José J. Veiga, até o retrato das condições

de vida nas favelas, como o que faz, por exemplo, Paulo Lins, no romance

Cidade de Deus, adaptado para o cinema. O veio regionalista, que focaliza o homem em diferentes regiões do país, se mantém, como nos romances O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho, Os desvalidos, de

Francisco Dantas, e nos romances manauenses de Milton Hatoum, como

Relato de um certo Oriente, que você vai estudar neste capítulo. Há ainda a

ficção intimista de Lygia Fagundes Telles, Fernando Sabino, Aníbal Machado,

Raduan Nassar, Chico Buarque de Holanda, Cristovão Tezza e Bernardo de

Carvalho, entre outros. No romance policial, destaca-se principalmente Rubem Fonseca, autor de A grande arte, e, no romance histórico e biográfico,

Fernando Morais, com Olga, e José Roberto Torero, com O chalaça.

O conto segue os rumos do romance e conta com grandes autores, como

Lygia Fagundes Telles, Dalton Trevisan, Osman Lins, Murilo Rubião, Moacyr

Scliar, Rubem Fonseca, João Antônio, Ignácio de Loyola Brandão, Marina Colasanti e Marcelino Freire, entre outros.

Veiculada diariamente nos jornais e nas revistas semanais, a crônica é

o gênero em prosa com maior popularidade nesse período. Destacam-se

como cronistas importantes escritores, como Luis Fernando Verissimo, Mário Prata, Antonio Prata, Moacyr Scliar, Carlos Heitor Cony, Affonso Romano

de Sant´Anna e Walcyr Carrasco.

Milton Hatoum

Milton Hatoum é considerado pelo crítico Manuel da Costa Pinto como o

mais importante romancista da literatura brasileira atual. É autor também

de contos, crônicas e artigos sobre literatura.

Cartaz do filme Lavoura arcaica, de

Luiz Fernando Carvalho, adaptação

para o cinema do romance de Raduan

Nassar.

LFH Produções/VideoFilmes Henrique Manreza/Folhapress

257 A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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P:260

Os três primeiros romances do escritor, Relato de um certo Oriente (1989), Dois irmãos

(2000) e Cinzas do Norte (2005), ganharam o Prêmio Jabuti na categoria de melhor romance. Depois, foram publicados o romance Órfãos do Eldorado (2008) e o livro de contos

A cidade ilhada (2009).

Nas obras de Hatoum se misturam com frequência lembranças de experiências pessoais, vividas pelo escritor na Amazônia, no contexto de uma família líbano-brasileira, e

aspectos sócio-históricos de nossa realidade.

O autor tem uma prosa lapidada, com pleno domínio das técnicas narrativas: lida com

diferentes planos narrativos, com tempos da memória e o tempo presente, com introspecção psicológica e fluxo de consciência.

Manaus, o espaço físico retratado em suas obras, é mostrada como uma cidade meio

esquecida, à beira da floresta, misto de porto de passagem e local de cruzamento de etnias e culturas.

Relato de um certo Oriente

Uma espécie de “viagem de memória”, Relato de um certo Oriente faz uma reconstituição da vida de uma família de imigrantes libaneses que se instalara em

Manaus.

No primeiro capítulo, a narradora (de nome não identificado) chega de São Paulo, onde ficara internada em uma clínica psiquiátrica durante muitos anos, e se

dirige à casa onde vivera em Manaus com seus pais adotivos – Emilie e o marido

(de nome não identificado), imigrantes libaneses, com os quatro filhos legítimos do

casal e com seu irmão biológico, também adotado.

Naquele espaço onde vivera tantos anos, começa a reconstruir o passado e a

relatar suas memórias em uma carta, a qual pretende enviar a seu irmão biológico,

que mora então em Barcelona. Tudo no ambiente – móveis, objetos e decoração –

tem relação com a cultura árabe-libanesa e constitui o que é para a narradora “um

certo Oriente”, ou seja, o seu Oriente particular, misto de elementos da infância e

de elementos orientais e amazônicos.

Nos capítulos seguintes, entretanto, a voz da narradora dá lugar a outros narradores.

Trata-se de vozes de outras personagens que povoaram aquela casa ou se relacionaram

com a família: o filho mais velho do casal, o fotógrafo Dorner, o marido de Emilie e Hindié

(amiga de Emilie). Só mais tarde a primeira narradora retoma o fio narrativo.

Nessa espécie de coro em que se ressaltam tantas vozes e tantos pontos de vista, os

fatos vão sendo reconstituídos nos desvãos da memória, em meio a culpas, lutos, sombras, lacunas e esquecimento. Essa tarefa quase impossível de reconstrução do passado

tem, para a narradora principal, um significado particular: a possibilidade de reencontrar

a si mesma, ou reencontrar a própria identidade.

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, uma parte do capítulo 4 e outra do capítulo 5 da obra. Nelas, é o

fotógrafo alemão Dorner, amigo da família, quem conta à narradora principal o que ouvira do pai dela a respeito de como chegara ao Brasil.

4

“A viagem terminou num lugar que seria exagero chamar de cidade.

Por convenção ou comodidade, seus habitantes teimavam em situá-lo no

Brasil; ali, nos confins da Amazônia, três ou quatro países ainda insistem

em nomear fronteira um horizonte infinito de árvores; naquele lugar neCompanhia das Letras

258 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:261

LITERATURA

buloso e desconhecido para quase todos os brasileiros, um tio meu, Hanna,

combateu pelo Brasão da República Brasileira; alcançou a patente de coronel das Forças Armadas, embora no Monte Líbano se dedicasse à criação

de carneiros e ao comércio de frutas nas cidades litorâneas do sul; nunca

soubemos o porquê de sua vinda ao Brasil, mas quando líamos suas cartas, que demoravam meses para chegar às nossas mãos, ficávamos estarrecidos e maravilhados. Relatavam epidemias devastadoras, crueldades

executadas com requinte por homens que veneravam a lua, inúmeras

batalhas tingidas com as cores do crepúsculo, homens que degustavam

a carne de seus semelhantes como se saboreassem rabo de carneiro, palácios com jardins esplêndidos, dotados de paredes inclinadas e rasgadas

por janelas ogivais que apontavam para o poente, onde repousa a lua de

ramadã. Relatavam também os perigos que haviam enfrentado: rios de

superfície tão vasta que pareciam um espelho infinito; a pele furta-cor

de um certo réptil que o despertou com o seu brilho intenso quando cerrava as pálpebras na hora sagrada da sesta; e a ação de um veneno que os

nativos não usavam para fins belicosos, mas que ao penetrar na pele de

alguém, fazia-lhe adormecer, originando pesadelos terríveis, que eram a

soma dos momentos mais infelizes da vida de um homem.

Passados onze anos, talvez em 11, Hanna enviou-nos dois retratos

seus, colados na frente e no verso de um papel-cartão retangular; dentro

do envelope havia apenas um bilhete em que se lia: “entre as duas folhas

de cartão há um outro retrato; mas este só deverá ser visto quando o próximo parente desembarcar aqui”. Ao ler o bilhete, meu pai, dirigindo-se

a mim, sentenciou: chegou a tua vez de enfrentar o oceano e alcançar o

desconhecido, no outro lado da terra.

Eu sabia o nome do lugar onde Hanna morava, sabia que ali todos conheciam todos e que os inimigos mais ferrenhos se esbarravam de vez

em quando. A viagem foi longa: mais de três mil milhas navegadas durante várias semanas; em certas noites, eu e os poucos aventureiros que

me acompanhavam parecíamos os únicos sobreviventes de uma catástrofe. Chegamos, enfim, na cidade de Hanna, numa noite de intenso calor. Já não sabia há quanto tempo viajávamos e nada, a não ser a voz do

comandante da embarcação, anunciou que tínhamos atracado à beira de

um porto. Da proa ou de qualquer ponto do barco, nenhuma luz artificial

era visível para alguém que mirasse o horizonte; mas bastava alçar um

pouco a cabeça para que o olhar deparasse com uma festa de astros que se

projetavam na superfície do rio, alongando-se por uma infindável linha

imaginária ao longo do barco; a escuridão nos indicava ser ali a fronteira

entre a terra e a água.

Nelson Provazi

259 A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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P:262

Ansioso, esperei o amanhecer: a natureza, aqui, além de misteriosa é

quase sempre pontual. Às cinco e meia tudo ainda era silencioso naquele

mundo invisível; em poucos minutos a claridade surgiu como uma súbita revelação, mesclada aos diversos matizes do vermelho, tal um tapete

estendido no horizonte, de onde brotavam miríades de asas faiscantes:

lâminas de pérolas e rubis; durante esse breve intervalo de tênue luminosidade, vi uma árvore imensa expandir suas raízes e copa na direção

das nuvens e das águas, e me senti reconfortado ao imaginar ser aquela a

árvore do sétimo céu.

Ao meu redor todos ainda dormiam, de modo que presenciei sozinho

aquele amanhecer, que nunca mais se repetiria com a mesma intensidade. Compreendi, com o passar do tempo, que a visão de uma paisagem

singular pode alterar o destino de um homem e torná-lo menos estranho

à terra em que ele pisa pela primeira vez.

Antes das seis, tudo já era visível: o sol parecia um olho solitário e brilhante perdido na abóbada azulada; e de uma mancha escura alastrada

diante do barco, nasceu a cidade. Não era maior que muitas aldeias encravadas nas montanhas do meu país, mas o fato de estar situada num

terreno plano acentuava a repetição dos casebres de madeira e exagerava

a imponência das construções de pedra: a igreja, o presídio, um ou outro

sobrado distante do rio; é inútil afirmar que não havia palácios; estes, faziam parte das invenções de Hanna, o mais imaginoso entre os irmãos do

meu pai; lá na nossa aldeia, o rabo descomunal de um carneiro servia-lhe

de estímulo para que contasse um mundo de histórias; os mais velhos o

escutavam com atenção e o patriarca de Tarazubna, cego e surdo, intervinha com uma palavra ou um gesto nos momentos de hesitação, quando

algo escapa à fala. [...]”

“Foi assim que teu pai reumiu sua vinda ao Brasil, numa tarde em que o procurei para puxar assunto. Curiosa era a maneira como se dirigia a mim:

sempre olhando para o Livro aberto. Folheava-o

vez ou outra, esfregando os dedos nas folhas de

papel e esse convívio inquieto das mãos com o

texto sagrado parecia animar sua voz.

[...]

[...] O convívio com teu pai me instigou a ler As

mil e uma noites, na tradução de Henning. A leitura

cuidadosa e morosa desse livro tornou nossa amizade mais íntima; por muito tempo acreditei no

que ele me contava, mas aos poucos constatei que

havia uma certa alusão àquele livro, e que os episódios de sua vida eram transcrições adulteradas

de algumas noites, como se a voz da narradora

ecoasse na fala do meu amigo. No início de nossa

amizade ele se mostrara circunspecto e reservado,

mas ao concluir a leitura da milésima noite ele se

tornara um exímio falador. Às vezes, a leitura de um

livro desvela uma pessoa. Mas o curioso é que ele

sempre deixava uma ponta de incerteza ou descrédito no que contava, sem nunca perder a entonação

adusto: abrasado, quente.

desvelar: tirar o véu; revelar.

miríade: número

correspondente a dez mil;

enorme quantidade.

Parisiense: na obra, loja

administrada pelo pai da

narradora principal.

ramadã: mês do calendário

islâmico (o nono), durante o

qual os muçulmanos devem

jejuar do nascimento ao pôr

do sol.

sétimo céu: o mesmo que

paraíso, para os adeptos do

islamismo.

Nelson Provazi

260 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:263

LITERATURA

e o fervor dos que contam com convicção. Os fatos e incidentes ocorridos

na família de Emilie e na vida da cidade também participavam das versões confidenciadas por teu pai aos visitantes solitários da Parisiense. O

que me fez pensar nisso foi a coincidência entre certas passagens da vida

de outras pessoas, que mescladas a textos orientais ele incorporava à sua

própria vida. Era como se inventasse uma verdade duvidosa que pertencia

a ele e a outros. Fiquei surpreso com essas coincidências, mas, afinal, o

tempo acaba borrando as diferenças entre uma vida e um livro.”

(Relato de um certo Oriente. 2. ed. São Paulo:

Companhia das Letras, 1989. p. 71-80.)

1. Observe o início dos capítulos 4 e 5.

a. Quem está contando a história do libanês que vem ao Brasil? A quem esse narrador

conta a história? Justifique sua resposta com elementos do texto.

b. Em frases como “Chegamos, enfim, na cidade de Hanna” e “Ansioso, esperei o amanhecer”, do capítulo 4, a voz que conta esses fatos é a mesma do narrador identificado no item a da questão? Explique como se dá a relação de vozes no texto.

c. Que sinal de pontuação é utilizado para marcar a introdução de um novo narrador

na narração principal da obra?

a) Quem conta a história

é Dorner, o fotógrafo alemão amigo da família. E

conta-a à filha adotiva do

libanês, narradora central

da obra, conforme o trecho

“Foi assim que teu pai resumiu sua vinda ao Brasil,

numa tarde em que o procurei para puxar assunto”.

b) Não, a voz que narra é a

do próprio libanês. Isso se

explica porque o alemão

reproduz textualmente a

narração em 1» pessoa

feita pelo imigrante, em

uma tarde em que conversaram.

As aspas.

Memória e confissão

Em entrevista, Milton Hatoum comentou a respeito de Relato de um certo Oriente:

No Relato há um tom de confissão, é um texto de memória sem ser memorialístico, sem ser autobiográfico; há, como é natural, elementos de minha vida e da vida familiar. Porque minha intenção,

do ponto de vista da escritura, é ligar a história pessoal à história familiar: este é o meu projeto. Num

certo momento de nossa vida, nossa história é também a história de nossa família e a de nosso país

(com todas as limitações e delimitações que essa história suscite).

Memória? Com relação ao Relato, percebi que causou, talvez, para alguns leitores, uma certa estranheza, a estrutura de encaixes em que está vazado: vozes narrativas que se alternam... Mas, se a própria memória também é desse mesmo modo... O tempo narrativo, no livro, é um tempo fragmentário,

que reproduz, de certa forma, a estrutura de funcionamento da memória: essa espécie de vertiginoso

vaivém no tempo e no espaço.

(Entrevista concedida a Aida Hanania. Disponível em:

(http://hottopos.com/collat6/milton1.htm. Acesso em: 20/2/2016.)

2. O libanês veio para o Brasil por determinação de seu pai e por influência de seu tio

Hanna.

a. Que impressões o tio passava aos parentes do Líbano a respeito do lugar onde

vivia?

b. Tudo o que Hanna contava sobre o Brasil era verdadeiro? Justifique sua resposta

com elementos do texto.

3. A linguagem das obras de Milton Hatoum costuma ser bem-trabalhada. Observe os

seguintes trechos descritivos e figurados presentes no texto lido:

• “a claridade surgiu como uma súbita revelação, mesclada aos diversos matizes

do vermelho, tal um tapete estendido no horizonte, de onde brotavam miríades de asas faiscantes: lâminas de pérolas e rubis”

Ele passava a impressão de que era um lugar exótico e cheio de aventuras,

com animais estranhos, rios intermináveis e homens canibais.

Não; Hanna exagerava e fantasiava, como, por exemplo, ao citar a existência de palácios com jardins

esplêndidos e características árabes (“janelas ogivais que apontavam para o poente”).

REGISTRE

NO CADERNO

261 A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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P:264

• “o sol parecia um olho solitário e brilhante perdido na abóbada azulada; e de uma

mancha escura alastrada diante do barco, nasceu a cidade”

a. Que figuras de linguagem são utilizadas para descrever o amanhecer na cidade?

b. Explique o que são, no contexto, as “miríades de asas faiscantes: lâminas de pérolas

e rubis”.

c. Que característica do amanhecer é destacada no segundo trecho?

d. Que importância essas descrições têm na narrativa, considerando-se a situação vivida pela personagem?

Comparação e metáfora.

São os reflexos da luz do sol nas águas do rio,

com tons brancos e vermelhos.

A presença de uma luz estonteante e as nuances coloridas do amanhecer.

Elas expressam as sensações visuais da personagem ao assistir, pela primeira vez, a um amanhecer no

Brasil e na cidade a que chegara (Manaus), delimitada com uma floresta e situada na linha equatorial.

As mil e uma noites

A obra As mil e uma noites é uma coletânea de contos originários das tradições indiana, persa e árabe, convertidos à

escrita árabe a partir do século IX d.C.

Na obra, a narradora das histórias é Xerazade, esposa do

rei Xariar.

O rei, enfurecido por ter sido traído pela primeira esposa,

casa-se a cada noite com uma virgem e manda matá-la no dia

seguinte, a fim de evitar nova traição. Xerazade, após o casamento, evita sua morte com o seguinte ardil: cada noite, ela

conta uma história ao rei e, ao raiar do dia, deixa a narração

suspensa.

Xariar, movido pela curiosidade, vai poupando Xerazade da

morte, a fim de ouvir, na noite seguinte, a continuação da

narrativa. Depois de 1001 noites, ele desiste de seu propósito

inicial.

Um dos traços característicos dessa obra é a multiplicidade

de narradores. Xerazade cede sua voz para que as personagens de suas narrativas contem, em 1ª ou em 3ª pessoa, suas

próprias histórias.

4. O imigrante libanês gostava de contar histórias e apreciava muito As mil e uma noites,

o que despertou no amigo fotógrafo o interesse pela obra.

a. As histórias que ele contava ao fotógrafo eram verdadeiras? Justifique sua resposta

com elementos ou trechos do texto lido.

b. Que aspectos de personalidade aproximavam o libanês e Sherazade, a narradora de

As mil e uma noites?

c. Leia o boxe “As mil e uma noites” e responda: Que relação existe entre Relato de um

certo Oriente e As mil e uma noites?

5. Milton Hatoum é um escritor brasileiro descendente de libaneses. Releia o boxe “Memória e confissão” e, depois, responda:

a. Considerando-se a afirmação “o tempo acaba borrando as diferenças entre uma

vida e um livro”, feita no capítulo 5, pode-se dizer que Milton Hatoum também participa da tradição árabe-libanesa dos contadores de história? Por quê?

b. Como Hatoum lida, em Relato de um certo Oriente, com os elementos da vida real e

da fantasia?

4. a) Nem todas; ao ler As

mil e uma noites, o alemão

percebeu que algumas

histórias contadas pelo

libanês misturavam fatos

verdadeiros de sua vida

com histórias dessa obra,

conforme ele afirma no

trecho: “O que me fez pensar nisso foi a coincidência

entre certas passagens da

vida de outras pessoas,

que mescladas a textos

orientais ele incorporava à

sua própria vida”.

Ambos eram contadores de histórias e gostavam de misturar dados da realidade à fantasia.

Em ambas as obras, há uma multiplicidade de narradores, ou seja, o narrador principal

cede espaço para a voz de outros narradores.

a) Sim, ele se liga a essa

tradição, pois é também

um contador de histórias

que, de certa forma, mistura elementos da vida

pessoal dele e da família

com elementos fantasiosos, como as que contava

o libanês personagem de

Relato de um certo Oriente.

Hatoum afirma que, para compor a obra, usou elementos da memória, porém, ela não é autobiográfica. Logo, a narrativa mistura memórias de vivências, lembranças de personagens e fatos imaginados.

REGISTRE

NO CADERNO

Professor: Se quiser, faça um paralelo entre a narradora principal da obra e o próprio escritor. Ambos têm um passado vivido na cidade

de Manaus e são de família libanesa; além disso, o escritor também saiu de seu lugar de origem para estudar em outros países. A

escrita de Relato de um certo Oriente é, de certa forma, um reencontro do escritor com seu passado.

The Bridgeman Art Library / Keystone Brasil

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P:265

LÍNGUA e

LINGUAGEM

FOCO NO TEXTO

Leia as notas de jornal a seguir.

Análise linguística:

as diferentes formas de dizer

LÍNGUA E LINGUAGEM

Ladra abandona filha de 

anos durante assalto

Flagrada furtando uma loja com três

comparsas, uma mulher saiu correndo e

deixou a filha de 3 anos no local do furto,

em Jundiaí, interior de São Paulo. O caso

aconteceu na terça-feira, mas só anteontem as imagens da ação foram divulgadas pela polícia. Seguranças entregaram

a menina ao Conselho Tutelar. A Justiça

decidirá o destino da criança. Ela pode ficar sob a guarda dos avós.

Duas das suspeitas acabaram detidas. A

mãe da menina abandonada não havia sido

localizada até a manhã de ontem.

Mulher é feita refém em

shopping no Tatuapé

Uma mulher foi mantida refém por um homem com uma faca no pescoço, ontem à

tarde, na praça de alimentação do Shopping

Metrô Tatuapé, na zona leste da capital. Parte do local foi esvaziada pelos policiais, e frequentadores chegaram a pensar que havia

um arrastão. O homem acabou preso pela

PM. A vítima não ficou ferida, mas foi atendida por uma equipe médica.

JUNDIAÍ VIOLÊNCIA

1. Ambas as notas fazem referência a problemas de violência envolvendo mulheres.

a. Em qual delas a mulher é a agente responsável pela violência?

b. Em qual delas a mulher sofre a violência?

c. Quais outros termos, além de mulher, cada uma das notas utiliza na manchete e ao

longo do texto para fazer menção à mulher a que se refere?

2. Releia a 1ª manchete.

a. Reescreva-a, substituindo a palavra ladra pela palavra mulher.

b. Discuta com os colegas e o professor: Quais são as possíveis mudanças de sentido

entre a manchete original e a escrita por você no item anterior?

c. É possível pensar que a 1ª manchete não utiliza a palavra mulher para evitar uma

ambiguidade. Explique qual seria essa ambiguidade.

d. Proponha uma reescrita para a 1ª manchete, utilizando a palavra mulher e eliminando a ambiguidade apontada por você no item anterior.

Na 1ª.

Na 2ª.

Na 1ª: ladra, a mãe da menina abandonada; na 2ª: a vítima.

Mulher abandona filha de três anos

durante assalto.

O termo mulher é mais genérico e isento de julgamento em relação à pessoa a que se refere, se comparado ao termo ladra.

Nessa reescrita da manchete, a mulher poderia ser também

a vítima do assalto.

Entre outras possibilidades: “Mulher abandona filha de 3 anos ao praticar assalto”.

(O Estado de S. Paulo, 12 de junho de 2015.)

263 A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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P:266

3. As manchetes lidas foram redigidas com estruturas diferentes, em vozes

distintas (leia o boxe “Voz ativa e voz passiva analítica”).

a. Reescreva a 1ª manchete utilizando a estrutura da 2ª.

b. Reescreva a 2ª manchete, utilizando a estrutura da 1ª.

c. Discuta com os colegas e o professor: Quais são as possíveis mudanças de sentido entre as manchetes originais e as escritas por você nos

itens anteriores?

Releia os trechos a seguir, extraídos, respectivamente, da 1ª e da 2ª notas,

e responda às questões de 4 a 6.

I. “Flagrada furtando uma loja com três comparsas,

uma mulher saiu correndo”

II. “A v’tima não ficou ferida”

4. Sobre os gêneros das palavras em destaque, responda:

a. Apenas pela leitura isolada dessas frases, é possível saber se comparsas e vítima

são homens ou mulheres? Justifique sua resposta.

b. Deduza, com base no texto das notas como um todo: Comparsas e vítima são homens ou mulheres? Justifique sua resposta com elementos dos textos.

5. Observe que foram utilizados, respectivamente, o numeral três e o artigo a antes das

palavras em destaque.

a. Na primeira frase, se houvesse artigo antes de comparsas, seria possível identificar

de imediato o gênero dessa palavra? Justifique e proponha uma reescrita que comprove sua resposta.

b. Reescreva essa frase, mudando o gênero original que a palavra tem no texto.

c. Discuta com os colegas e o professor: Por que a presença do artigo a na segunda

frase não permite identificar o gênero da pessoa a que ela se refere? Dê um exemplo de frase que ilustre sua afirmação.

6. Entre os dois termos em destaque, um tem um sentido mais pejorativo, isto é, geralmente é utilizado em contextos nos quais se quer exprimir certa reprovação.

a. Identifique qual é esse termo.

b. Proponha uma substituição desse termo por outro que não altere o sentido do

enunciado, mas que não tenha o mesmo tom depreciativo.

c. Embora não tenha um sentido pejorativo tão marcado, o outro termo também

pode ser utilizado com esse tom de reprovação. Imagine uma situação e crie um

enunciado no qual o segundo termo apresente sentido depreciativo.

7. Releia o trecho a seguir, extraído da 2ª nota.

“Uma mulher foi mantida refém por um homem com uma faca no pescoço”

Filha de 3 anos é abandonada por ladra durante assalto

Mulher fica refém em shopping no Tatuapé ou Homem faz mulher refém em shopping no Tatuapé.

O destaque que é dado a um ou outro elemento das manchetes (a ladra, a

filha, a mulher ou o homem) varia conforme a construção.

Não, pois se trata de nomes que têm a mesma forma para

se referir a ambos os gêneros.

São todas mulheres, o que se confirma pelo uso da expressão duas das suspeitas na 1ª nota, e pelo fato de vítima retomar mulher, na 2ª.

Sim, pois o artigo definiria o gênero: “Flagrada [...] com as três comparsas”.

“Flagrada [...] com os três comparsas”.

Porque a palavra vítima é flexionada no feminino, independentemente

da pessoa a quem se refira: “O homem foi uma vítima da situação”.

comparsas

companheiras, parceiras, pares

Ele sempre se faz de vítima.

Voz ativa e voz passiva

analítica

Como você já deve ter estudado em

anos anteriores, a gramática tradicional

chama de voz a relação entre sujeito e

verbo. Entre as relações possíveis, destacamos para esse estudo a voz ativa

(quando o sujeito é agente da ação verbal: mulher rouba carro) e a voz passiva

analítica (quando o sujeito é paciente

da ação verbal: mulher é roubada por

seu vizinho).

REGISTRE

NO CADERNO

© ImageZoo/Corbis/Latinstock

264 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:267

LÍNGUA e

LINGUAGEM

a. Essa frase foi escrita de forma ambígua. Identifique a expressão que a torna ambígua e explique quais são as duas leituras possíveis.

b. Proponha uma reescrita para a frase, eliminando a ambiguidade.

8. Discuta com os colegas e o professor e conclua: As palavras que escolhemos para

fazer menção a pessoas e ações podem afetar a visão de nossos interlocutores em

relação aos fatos a que nos referimos? Dê exemplos do estudo realizado que justifiquem sua resposta.

REFLEXÕES SOBRE A lÍNGUA

Ao produzirmos um texto, oral ou escrito, numa situação de

comunicação formal ou informal, construímos uma realidade. Nossos interlocutores, com base nos textos e discursos

que conhecem, estabelecem relações entre o texto e outros

discursos sobre o assunto e o gênero e, por fim, constroem

sua interpretação a respeito do que dissemos ou escrevemos. Em nossa vida, intercalamos o papel de produtor e

destinatário e, quando nos engajamos na compreensão

de um texto, fazemos o mesmo: relacionamos o texto

lido ou ouvido a outros que conhecemos para construir

nossa leitura.

Por isso, como você viu no estudo da seção anterior, cada

palavra que lemos ou escrevemos e cada estrutura que escolhemos utilizar em nossos textos podem ressaltar ou atenuar

determinado aspecto do assunto tratado. Assim, é muito

importante que essas escolhas sejam feitas de forma

consciente, a fim de que os textos que produzimos cumpram nossos objetivos. Da mesma forma, é importante saber

identificar essas diferentes estratégias na leitura de um texto, para podermos construir

uma compreensão o mais crítica e aprofundada possível.

AplIQUE O QUE ApRENDEU

Leia a seguir um texto que circula em vários sites e blogs da Internet.

A arte de escrever

NO DOUTORADO:

O dissacarídeo de fórmula C12H22011, obtido através da fervura e evaporação de H2O

do líquido resultante da prensagem do caule da gramínea Saccharus Officinarum

Linneu, 15, isento de qualquer outro tipo de processamento suplementar que elimine suas impurezas, quando apresentado sob a forma geométrica de sólidos de

reduzidas dimensões e arestas retilíneas, impressiona favoravelmente as papilas

gustativas e apresenta considerável resistência a modificar suas dimensões.

NO MESTRADO:

A sacarose extraída da cana-de-açúcar, que ainda não tenha passado pelo processo

de purificação e refino, apresentando-se sob a forma de pequenos sólidos troncopiramidais de base regular, impressiona o paladar, porém não altera suas dimensões

lineares ou suas proporções quando submetida a uma tensão axial.

A expressão: com uma faca no pescoço. Do jeito como foi escrita, tanto

o homem quanto a mulher poderiam estar com a faca no pescoço.

Entre outras possibilidades: “Um homem manteve uma mulher refém colocando uma faca no pescoço dela”.

Sim. As estruturas das frases mudam o destaque que se dá a pessoas ou fatos e o uso de determinadas palavras

pode direcionar a leitura com o uso de termos mais depreciativos, isentos ou elogiosos. Por exemplo, uso da voz

passiva ou da voz ativa, uso de palavras como ladra, mulher, comparsa, vítima.

REGISTRE

NO CADERNO

Andressa Hon—rio

Ao produzirmos um texto, oral ou escrito, numa situaçãode

comunicação formal ou informal, construímos uma realidade. Nossos interlocutores, com base nos textos e discursos

que conhecem, estabelecem relações entre o texto e outros

discursos sobre o assunto e o gênero e, por fim, constroem

sua interpretação a respeito do que dissemos ou escrevemos. Em nossa vida, intercalamos o papel de produtor e

Por isso, como você viu no estudoda seção anterior, cada

palavra que lemos ou escrevemos e cada estrutura que escolhemos utilizar em nossos textos podem ressaltar ou atenuar

determinado aspecto do assunto tratado. Assim, é muito

importante que essas escolhas sejam feitas de forma

consciente, a fim de que os textos que produzimos cum265 A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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P:268

NA GRADUAÇÃO:

O açúcar, quando ainda não submetido à refinação e apresentando-se em blocos

sólidos de pequenas dimensões e forma troncopiramidal, tem sabor deleitável, todavia não muda suas proporções quando sujeito à compressão.

NO ENSINO MÉDIO:

Açúcar não refinado, sob a forma de pequenos blocos, tem o sabor agradável do mel,

mas não muda de forma quando pressionado.

NO ENSINO FUNDAMENTAL:

Açúcar mascavo em tijolinhos tem o sabor adocicado, mas não é macio nem flexível.

NA SABEDORIA POPULAR:

Rapadura é doce, mas não é mole não!

(Stella Maris Bortoni-Ricardo. Disponível em:

http://www.stellabortoni.com.br/index.php/artigos/1166-aapaiuaa-i-ioii-mas-oao-i-moli-oao.

Acesso em: 15/3/2016.)

1. Troque ideias com os colegas e o professor para resolver as seguintes questões.

a. Identifique oralmente as expressões que correspondem umas às outras em cada

estágio do texto. Siga o exemplo a seguir.

SABEDORIA POPULAR DOUTORADO

Rapadura De “O dissacarídeo de fórmula C12H22011” até “arestas retilíneas”

é doce “impressiona favoravelmente as papilas gustativas”

mas não é mole “apresenta considerável resistência a modificar suas

dimensões.”

b. Identifique oralmente termos e expressões que seriam característicos dos diferentes níveis de titulação na descrição da rapadura:

Doutorado:

Mestrado:

Graduação:

Ensino médio:

Ensino fundamental:

c. Tendo em vista suas respostas aos itens anteriores, descreva brevemente a lógica

de organização do texto.

2. O título do texto é “A arte de escrever”.

a. Levante hipóteses: Com esse modelo de organização, o que o texto considera que

seja “a arte de escrever”?

b. Segundo essa lógica, de quais habilidades depende “a arte de escrever”?

c. É possível considerar que esse título é irônico? Justifique sua resposta.

3. Com base em suas respostas às questões anteriores, conclua: Qual sentido é construído por esse texto em relação ao conhecimento científico e acadêmico?

Professor: Não há necessidade de reproduzir as tabelas do item a nem fazer

cópias de trechos dos textos no caderno no item b, basta identificar oralmente

com os alunos, conforme aponta o enunciado.

“dissacarídeo de fórmula C12H22011”, “fervura e evaporação de H2

O”, “caule da gramínea Saccharus Officinarum

Linneu, 1758”, “forma geométrica de sólidos de reduzidas dimensões e arestas retilíneas”

“sacarose extraída da cana-de-açúcar”, “processo de purificação e refino”, “pequenos sólidos troncopiramidais de base regular”

“açúcar não submetido à refinação”, “blocos sólidos de pequenas dimensões e forma troncopiramidal”

“açúcar não refinado”, “pequenos blocos”

“açúcar mascavo”, “tijolinhos”

A lógica parte do princípio de que, quanto maior é a formação do autor do

texto, mais específica e detalhada será sua escrita.

Uma forma específica de desenvolver um conteúdo, que depende dos conhecimentos e da posição social do autor e dos meios de circulação dos textos. b) Ter conhecimento menos ou mais aprofundado

sobre o assunto e saber se

adaptar à linguagem (termos, vocabulário, estruturas, gêneros, etc.) mais

valorizada em cada meio.

Nesse caso, sim, pois mostra como um simples ditado popular pode se tornar ininteligível se escrito

em uma linguagem não adequada a esse gênero e aos interlocutores.

O de que há casos em que a linguagem acadêmica utiliza uma linguagem demasiadamente específica

e complicada para dizer algo que poderia ser dito de forma muito mais simples.

Mestrado

De “A sacarose extraída” até “de

base regular”

“impressiona o paladar”

De “porém não altera” até “tensão

axial”.

Graduação

De “O açúcar” até “forma troncopiramidal”

“tem sabor deleitável”

De “todavia” até “compressão”.

Ensino médio

De “Açúcar” até “blocos”

“tem o sabor agradável do mel”

“mas não muda de forma quando

pressionado.”

Ensino fundamental

“Açúcar mascavo em tijolinhos”

“tem o sabor adocicado”

“mas não é macio nem flexível.”

REGISTRE

NO CADERNO

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UNIDADE 4 CAMINHOS

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língua e

linguagem

Leia as manchetes e lides a seguir, que fazem referência a um mesmo fato, para responder às questões 4 e 5.

I. Morador de rua é condenado a 5 anos de prisão por carregar

Pinho Sol e água sanitária

Laudo fala em “ínfima possibilidade” de produtos serem utilizados como

bomba incendiária, mas juiz acatou o pedido do MP e condenou Rafael Vieira

(Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/morador-de-rua-e-condenado-a5-anos-de-prisao-por-carregar-pinho-sol-e-agua-sanitaria-7182.html. Acesso em: 16/3/2016.)

II. Catador é o primeiro condenado após onda de manifestações

(Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/12/1380488-catador-e-o-primeirocondenado-apos-onda-de-manifestacoes.shtml. Acesso em: 16/3/2016.)

III. Catador de latas é o primeiro condenado após onda de protestos

Homem de 26 anos foi preso por portar artefato explosivo durante manifestação que

levou centenas de milhares de pessoas às ruas do centro do Rio, em 20 de junho

(Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,catador-de-latas-e-o-primeirocondenado-apos-onda-de-protestos,1104164. Acesso em: 16/3/2016.)

IV. ÚNICO CONDENADO PELAS MANIFESTAÇÕES É JOVEM, NEGRO E POBRE

Rafael Braga Vieira, de 26 anos, nascido na Vila da Penha, no Rio de Janeiro, que diz

nunca ter participado de uma manifestação, foi condenado a cinco anos de prisão

por posse de explosivos: ele carregava uma garrafa de Pinho Sol e outra de cloro.

Especialistas afirmam ser impossível fazer um coquetel molotov com uma garrafa de

plástico. Mesmo assim Rafael cumpre pena em Bangu 5. Uma condenação anterior

por roubo pode ter influenciado o juiz.

(Disponível em: http://www.brasil247.com/pt/247/favela247/129515/%C3%9Anico-condenado-pelasmanifesta%C3%A7%C3%B5es-%C3%A9-jovem-negro-e-pobre.htm. Acesso em: 16/3/2016.)

V. Homem é condenado a seis anos por levar garrafa em protesto no Rio

Rapaz foi em 20 de junho, dia da maior manifestação ocorrida na cidade, com participação de 300 mil pessoas

(Disponível em: http://www.tribunahoje.com/noticia/86218/brasil/2013/12/04/homeme-condenado-a-seis-anos-por-levar-garrafa-em-protesto-no-rio.html. Acesso em: 16/3/2016.)

4. Como cada uma delas se refere:

a. ao indivíduo que é foco da notícia?

b. ao que se passou com ele?

c. aos objetos que ele carregava?

d. ao local onde ele estava?

5. Comparando os textos, identifique e justifique suas respostas.

a. Qual mais se solidariza com o indivíduo a que se refere?

b. Qual tem um posicionamento desfavorável em relação ao indivíduo a que se

refere?

I. “morador de rua”; II. “catador”; III. “catador de latas”; “primeiro condenado”; IV. “único condenado”; “jovem, negro e pobre”; “Rafael Braga Vieira, de 26 anos, nascido na Vila da Penha, no Rio de

Janeiro, que diz nunca ter participado de uma manifestação”; V. “homem”; “rapaz”

I. “é condenado [...] por carregar”; II. “é o primeiro condenado”; III. “é o primeiro condenado [...] por

portar”; IV. “único condenado pelas manifestações [...] a cinco anos de prisão por posse”; V. “condenado

a seis anos por levar garrafa em protesto”

I. “Pinho Sol e água sanitária”; III. “artefato explosivo”; IV. “uma garrafa de Pinho Sol e outra de cloro”; V. “garrafa”

III. “durante manifestação que levou centenas de milhares de pessoas às ruas do centro do Rio, em 20 de junho”; V. “em

protesto no Rio”; “20 de junho, dia da maior manifestação ocorrida na cidade, com participação de 300 mil pessoas”.

5. a) O texto IV, que dá detalhes sobre quem é o rapaz, reforça que ele foi o único condenado, salienta sua condição desfavorável na sociedade e

acrescenta que, segundo especialistas, o material que ele portava não era explosivo, como se alegou na condenação.

O texto III, que afirma que ele carregava um “artefato explosivo”, fato que por si só já o condena.

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NO CADERNO

267 A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia a história em quadrinhos a seguir.

(Disponível em: http://

www1.folha.uol.com.br/

fsp/images/i2210201102.jpg.

Acesso em: 16/3/2016.)

1. Levante hipóteses e justifique suas respostas com elementos do texto:

a. Quem é o homem de óculos e terno?

b. Quem o interpela, sem aparecer no texto?

2. As interpelações da(s) personagem(ns) que não aparece(m) vão fazendo com que a

personagem de terno modifique uma de suas afirmações anteriores.

a. Identifique, nos três primeiros quadros, quais são os termos correspondentes que

fazem parte dessa modificação.

b. Deduza: Qual seria a versão dessa informação no 3¼ quadrinho? Justifique.

3. Releia os trechos a seguir, extraídos das falas interrompidas da personagem de terno.

I. “Mais um ditador sanguinário”

II. “Durante décadas ele aterrorizou a população”

III. “As forças da liberdade, com forte apoio”

a. Quais termos dessas frases se referem diretamente ao “ditador” mencionado?

b. Quais termos se referem àqueles que combateram o “ditador” mencionado?

c. Tendo em vista os termos e expressões utilizados pelo homem de terno em relação

ao “ditador” mencionado, conclua: Qual é o posicionamento dele? Justifique com

base em suas respostas aos itens anteriores.

4. No último quadrinho, o homem de terno interrompe sua exposição.

a. Por que ele fica irritado?

b. Identifique, nessa fala, a expressão que ele utiliza para se referir às intervenções

da(s) outra(s) personagem(ns).

c. Conclua: Por que ele utiliza essa expressão?

Um professor, porque está diante de um painel e tem um bastão, como se

estivesse regendo uma classe.

Provavelmente, um ou mais alunos, porque é questionada a fala do professor, que, por sua vez, faz referência a aí no fundo.

se vai; morreu; foi morto

Provavelmente, assassinado,

seguindo o ápice da gradação. Além disso, o professor se mostra irritado, como se seu discurso camuflado estivesse sendo desvendado.

sanguinário; ele aterrorizou

forças da liberdade

Contrário ao “ditador”, pois utiliza termos depreciativos para se referir a ele e termos mais favoráveis para falar de quem era contra ele.

Em razão das contínuas interrupções a sua fala e por estar sendo contrariado.

teoria da conspiração

Porque ele julga que as indagações têm o objetivo de atrapalhar e mudar o foco de sua exposição, pois o obrigam

a rever e reelaborar sua fala.

REGISTRE

NO CADERNO

Laerte

268 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:271

Verbete e projeto de pesquisa

PRODUÇÃO DE TEXTO

O CONTEXTO DE

PRODUÇÃO E RECEPÇÃO

DOS TEXTOS

Quais textos você produzirá

nesta unidade? Com que finalidade? Quem irá ler os seus textos?

Nesta unidade, nosso projeto é

a organização de uma feira de profissões, a ser realizada com a ajuda

da comunidade escolar e do bairro.

A finalidade em vista com a realização da feira é que, por meio do

contato com profissionais de áreas

variadas, os alunos da escola conheçam as múltiplas possibilidades

profissionais existentes no mercado de trabalho.

No decorrer da unidade, estudaremos alguns gêneros que auxiliarão na realização da feira: o verbete, o projeto de pesquisa, a carta

de apresentação e a entrevista de

emprego.

Verbete

FOCO NO TEXTO

Leia o texto:

(Disponível em: http://escola.britannica.com.br/article/481705/

America-Latina. Acesso em: 20/2/2016.)

Britannica Escola Online/ Enciclopédia Escolar Britannica

269PRODUÇÃO DE TEXTO

A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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1. O texto lido é um verbete, gênero muito utilizado em contextos relacionados à construção de conhecimento formal e à transmissão de informações. Que tipos de verbete

você conhece? Em quais suportes eles são veiculados?

2. Observe o verbete lido.

a. Descreva sua estrutura formal.

b. Levante hipóteses: O formato do verbete em estudo se repete em todos os textos

desse gênero? Justifique sua resposta com base em exemplos que você conheça.

c. Note que há alguns termos em destaque, grafados em azul e sublinhados. Levante

hipóteses: Por que isso acontece? Justifique sua resposta com base no suporte de

circulação do verbete em estudo.

3. Observe os quadros laterais, na cor laranja.

a. Qual é o conteúdo deles?

b. Discuta com os colegas e o professor: Qual é a importância dessas informações

para a construção de sentidos do verbete?

4. Observe as formas verbais utilizadas em cada seção do verbete em estudo. Em quais

tempos, pessoas e números elas estão conjugadas:

a. na introdução?

b. na seção “População”?

c. na seção “História”?

5. Com base nas respostas à questão 2, levante hipóteses:

a. Por que apenas uma das pessoas verbais é utilizada? Qual é o efeito que esse uso

cria nos textos?

b. Por que o tempo verbal utilizado predominantemente na seção “História” é diferente do tempo empregado nas outras seções?

6. Você viu, no estudo de língua e linguagem deste capítulo, que a escolha das palavras

influencia diretamente os sentidos criados nos textos. Isso ocorre, de forma menos

ou mais explícita, em qualquer gênero, inclusive nos verbetes. Releia os seguintes trechos do verbete em estudo.

I. “Os espanhóis conquistaram grande parte da América Latina no século XVI.”

II. “Muitos índios morreram lutando contra os europeus ou de doenças trazidas por

eles da Europa.”

III. “Milhões de europeus se estabeleceram nessas áreas. Eles trouxeram suas línguas, a religião católica e sua cultura. Os europeus também trouxeram muitos

africanos escravizados para trabalhar na América.”

Seguem algumas propostas de substituição das formas verbais em destaque em

cada um dos trechos:

I. invadiram / chegaram a / tomaram / dominaram / descobriram / civilizaram

II. morreram por resistir aos / foram assassinados pelos / morreram por não aceitar

os / morreram porque afrontaram os / tiveram sua população dizimada pelos /

foram mortos pelos

III. invadiram essas – impuseram − escravizaram / fixaram-se nessas – levaram − levaram / contribuíram para o desenvolvimento dessas – cederam − conduziram

Há um título em letras maiores, seguido de uma introdução, dois subtítulos, seguidos de pequenos

textos que desenvolvem o assunto, e uma barra lateral com vários quadros.

2. b) Não; os verbetes de

dicionário, por exemplo,

têm definições mais diretas e objetivas, não apresentam subdivisões e, em

muitas publicações, não

são acompanhados de nenhuma imagem.

Como se trata de um verbete digital, as palavras em destaque correspondem a links, isto é, são termos que levam a outras entradas da

própria enciclopédia.

Os quadros contêm imagens com legendas, áudios e vídeos.

Elas complementam e expandem o conteúdo do texto verbal,

possibilitando um aprofundamento da leitura do verbete.

presente do indicativo, 3ª pessoa do singular e do plural

presente do indicativo, 3ª pessoa do singular e do plural

pretérito perfeito e pretérito imperfeito do indicativo, presente do

indicativo e do subjuntivo, 3ª pessoa do singular e do plural

É utilizada apenas a 3ª pessoa porque o verbete é um gênero no qual autor e leitor não são identificados, e o

emprego dessa pessoa cria um efeito de impessoalidade e imparcialidade no texto.

Porque a seção “História” trata do passado, diferentemente das demais partes,

que tratam do conceito por meio de uma estrutura baseada em afirmações tidas

como verdadeiras e universais independentemente de tempo.

6. a) Expressam um ponto de vista contrário: I.

invadiram, tomaram, dominaram; II. foram assassinados pelos, tiveram sua

população dizimada pelos,

foram mortos pelos; III.

invadiram essas, impuseram, escravizaram.

Não assumem um ponto

de vista: I. chegaram a,

descobriram; II. morreram

por resistir aos, morreram

por não aceitar; III. fixaram-se nessas, levaram,

levaram.

Revelam um ponto de vista

favorável: I. civilizaram; II.

morreram porque afrontaram os; III. contribuíram

para o desenvolvimento

dessas, cederam, conduziram.

Resposta pessoal. / Em geral, os verbetes circulam em enciclopédias e

dicionários, impressos ou on-line. Há algumas revistas que também contêm verbetes.

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NO CADERNO

270 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:273

a. Em seu caderno, organize em três grupos os termos apresentados como propostas

de substituição. No primeiro grupo, inclua os que expressam um ponto de vista explicitamente contrário à ação a que se referem; no segundo, os que não assumem

um ponto de vista; no terceiro, os que revelam um ponto de vista favorável.

b. Compare os grupos organizados por você no item anterior e, considerando o sentido dos termos utilizados no verbete original, conclua: Qual é o sentido construído

pelo uso das formas verbais escolhidas para figurar no verbete em estudo?

c. Discuta com os colegas e o professor e, depois, levante hipóteses: Esse sentido é

desejável em todo verbete? Justifique sua resposta.

O sentido de imparcialidade, de isenção, em uma tentativa de não assumir muito explicitamente um ponto de vista.

Sim, pois se espera que os verbetes conceituem e descrevam objetivamente um termo, e não que emitam opinião sobre ele.

Dicionário ‘Michaelis’ muda verbete de casamento após pressão on-line

De “união legítima entre homem e mulher” para “ato solene de união entre duas pessoas”.

A petição on-line criada pelo paulista Eduardo Santarelo

surtiu efeito: casado há três anos com o companheiro

Maurício, ele pedia a alteração da definição de “casamento” no tradicional dicionário “Michaelis” em português.

Após mais de 3.000 pessoas endossarem o pedido de

Maurício no site Change.com, Breno Lerner, diretor da

Editora Melhoramentos, responsável pela publicação, se

posicionou: “Agradecemos ao organizador e signatários

por nos alertarem sobre este importante tópico”, disse

Lerner. “Solicitamos a nossos dicionaristas uma nova

redação do verbete.”

A mudança na versão digital do dicionário já aconteceu.

“Para as versões em papel, conforme sejam feitas as

reim pressões e novas edições, o verbete será corrigido”,

informou o diretor da editora.

Na definição anterior, casamento aparecia como “união legítima entre homem e mulher”, e “união legal entre homem e mulher,

para constituir família”.

O novo verbete não traz em nenhum momento as palavras homem ou mulher – agora a definição de casamento se refere a

“pessoas”:

“1 Ato solene de união entre duas pessoas; casório, matrimônio. 2 Cerimônia que celebra vínculo conjugal; matrimônio. 3 União

de um casal, legitimada pela autoridade eclesiástica e/ou civil; matrimônio”, informa o “Michaelis”. [...]

OUTROS DICIONçRIOS

Outros dicionários populares no Brasil já definem casamento como união entre pessoas, sem indicação de gênero.

No “Houaiss”, casamento é o “ato ou efeito de casar(-se)”, “o ritual que confere o status de casado”.

O “Aurélio” diz que casamento é o “contrato de união ou vínculo entre duas pessoas que institui deveres conjugais”. [...]

(Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/bbc/2015/07/1650633-dicionario-michaelismuda-verbete-de-casamento-apos-pressao-on-line.shtml. Acesso em: 22/2/2016.)

HORA DE ESCREVER

Como você sabe, no final desta unidade realizaremos uma feira de profissões. Há, a

seguir, duas propostas de elaboração de verbetes. A primeira deve ser desenvolvida como

exercício, e a outra tem como finalidade a produção de verbetes que deverão ser expostos

na feira.

1. Leia, a seguir, um trecho de uma crônica de Rubem Braga, na qual ele faz comentários

sobre guarda-chuvas. Imagine que você se inclui entre as pessoas que redigem os textos que vão compor uma enciclopédia sobre objetos que perduram através dos anos.

Com base na crônica de Rubem Braga, escreva o verbete guarda-chuva.

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NO CADERNO

Petição on-line foi atendida por editora que publica dicionário;

versão na internet já está atualizada.

casamento

ca.sa.men.to

sm (casar+mento2

) 1 União legítima de homem e mulher. 2 União homem e mulher,

para constituir família. 3 Cerimônia ou festa nupcial

Fotografias: Thinkstock/Getty Images

271Produção de texto

A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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P:274

Coisas antigas

[...]

Depois de cumprir meus afazeres voltei

para casa, pendurei o guarda-chuva a um canto e me pus a contemplá-lo. Senti então uma

certa simpatia por ele; meu velho rancor contra guarda-chuvas cedeu lugar a um estranho

carinho, e eu mesmo fiquei curioso de saber

qual era a origem desse carinho.

Pensando bem, ele talvez derive do fato, creio

que já notado por outras pessoas, de ser o guarda-chuva o objeto do mundo moderno mais infenso a mudanças. Sou apenas um quarentão,

e praticamente nenhum objeto de minha infância existe mais em sua forma primitiva. De

máquinas como telefone, automóvel, etc., nem é

bom falar. Mil pequenos objetos de uso mudaram de forma, de cor, de material; em alguns casos, é verdade, para melhor; mas mudaram.

O guarda-chuva tem resistido. Suas irmãs,

as sombrinhas, já se entregaram aos piores

desregramentos futuristas e tanto abusaram

que até caíram de moda. Ele permaneceu austero, negro, com seu cabo e suas invariáveis

varetas. De junco fino ou pinho vulgar, de algodão ou de seda animal, pobre ou rico, ele se

tem mantido digno.

Reparem que é um dos engenhos mais

curiosos que o homem já inventou; tem ao

mesmo tempo algo de ridículo e algo de fúnebre, essa pequena barraca ambulante.

Já na minha infância era um objeto de

ares antiquados, que parecia vindo de épocas remotas, e uma de suas características era

ser muito usado em enterros. Por outro lado,

esse grande acompanhador de defuntos sempre teve, apesar de seu feitio grave, o costume

leviano de se perder, de sumir, de mudar de

dono. Ele na verdade só é fiel a seus amigos

cem por cento, que com ele saem todo dia, faça

chuva ou faça sol, apesar dos motejos alheios;

a estes, respeita. O freguês vulgar e ocasional,

este o irrita, e ele se aproveita da primeira distração para fugir.

Nada disso, entretanto, lhe tira o ar honrado.

Ali está ele, meio aberto, ainda molhado, choroso; descansa com uma espécie de humildade

ou paciência humana; se tivesse liberdade de

movimentos não duvido que iria para cima do

telhado quentar sol, como fazem os urubus. [...]

(Rubem Braga. São Paulo: Global, 2013. Coleção Melhores Crônicas.

Disponível em: http://contobrasileiro.com.br/

coisas-antigas-cronica-de-rubem-braga/. Acesso em: 19/2/2016.)

Thinkstock/Getty Images

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UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:275

2. Leia, a seguir, o verbete enfermagem, da Enciclopédia escolar britânica.

Inspirem-se no verbete lido para criar verbetes sobre carreiras, profissões e áreas de

atuação existentes no mercado de trabalho. Vocês podem fazer a seleção dos verbetes por meio de diferentes critérios, entre eles:

• interesses da classe

• novas profissões do século XXI

• profissões em alta nos dias de hoje

• profissões muito antigas que persistem até os dias de hoje

Organizem-se em dois ou três grupos, cada um dos quais deverá ficar responsável

por escrever verbetes para serem incluídos em um dos seguintes suportes: mural, dicionário, enciclopédia. Definam um critério para orientar a escolha dos verbetes que

cada grupo escreverá.

(Disponível em: http://escola.britannica.com.br/article/482080/enfermagem. Acesso em: 7/2/2016.)

Britannica Escola Online/ Enciclopédia Escolar Britannica

273PRODUÇÃO DE TEXTO

A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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ANTES DE ESCREVER

Planeje seu verbete, seguindo estas orientações:

• Pesquise reportagens, artigos científicos, documentos, entre outros textos, que tratem

da profissão relacionada ao verbete cuja criação ficou sob sua responsabilidade (certifique-se de que são fontes confiáveis).

• Selecione dos textos pesquisados as informações que você considerar mais importantes para constar no verbete.

• Defina a forma de apresentação do seu verbete: menos ou mais desenvolvido, em um

único bloco ou subdividido em seções temáticas, etc.

• Defina se serão utilizadas imagens e quais serão, tendo em vista o aspecto central do

termo em foco.

• Escreva em um tom impessoal, na 3ª pessoa, sem manifestar seu ponto de vista e sem

se dirigir diretamente aos leitores.

• Não utilize termos que expressem ponto de vista negativo ou elogioso, a fim de que

seu verbete seja o mais possível isento de opinião pessoal.

• Evite utilizar adjetivos qualificadores que denotem uma visão muito particular, procure

ser conciso e evite explicitar sua opinião.

ANTES DE pASSAR A lImpO

Antes de dar seu verbete por finalizado, observe:

• se as informações são suficientes e condizentes com as do material de consulta que

você selecionou;

• se a forma de apresentação que você escolheu para o seu verbete cumpre os objetivos

pretendidos;

• se a(s) imagem(ns) contribui(em) para o sentido construído no verbete, sem apontar

para outro(s) sentido(s);

• se o tom do texto é impessoal, sem o uso de 1ª pessoa ou interpelação ao leitor;

• se foram evitados termos pejorativos ou elogiosos, bem como adjetivos qualificadores

que expressem opiniões pessoais.

Projeto de pesquisa

Ao concluir o ensino médio, caso opte por ingressar em uma universidade, você certamente tomará contato com projetos de pesquisa desenvolvidos por seus professores. O

desenvolvimento de um projeto de pesquisa abrange todo o trabalho a ser realizado por

uma pessoa ou por um grupo de pessoas com o fim de refletir sobre um assunto relacionado a uma determinada área de estudo.

Para que trabalhos como esse possam ser iniciados, é preciso haver um ponto de partida. Esse ponto de partida é a elaboração de um projeto de pesquisa que expresse as

intenções de uma pessoa ou de um grupo de pessoas.

Veja, a seguir, a estrutura básica de um projeto de pesquisa, com as principais informações que ele deve conter, segundo um parâmetro (com alguma possibilidade de variação) estabelecido pelas diversas comunidades de pesquisadores.

título da pesquisa (relacionado ao problema proposto)

Nome do pesquisador/Nome do orientador

introdução

Apresentação do contexto a partir do qual surgiu a ideia da pesquisa.

274 UNIDADE 4 CAMINHOS

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objetivos e perguntas da pesquisa

Enumeração de tópicos que indiquem a finalidade da pesquisa, isto é, o que se pretende com o trabalho, e questões a serem respondidas com a pesquisa. A formação dos

objetivos geralmente se inicia com verbos no infinitivo, tais como comparar, analisar,

reconhecer, interpretar, etc.

relevância e justificativa

Esclarecimento da importância do trabalho e explicação das razões pelas quais sua

realização trará contribuições para a construção do conhecimento na área de estudo

em que ele se insere.

revisão da literatura/referenciais teóricos

Exposição do que se tem falado sobre o assunto da pesquisa na área pesquisada e em

outras áreas, com o fim de situar o leitor e comprovar que o autor do projeto conhece

o campo de estudo e sabe que a abordagem proposta naquele projeto ainda não foi

realizada.

Metodologia e recursos necessários

Esclarecimento dos métodos que serão utilizados para desenvolver a pesquisa: entrevistas, reuniões, questionários, diários de campo, experimentos em laboratório, etc.,

bem como as ferramentas necessárias para desenvolver tais métodos: gravações em

áudio, vídeos, transcrições, registros pessoais escritos, etc.

Cronograma

Detalhamento do tempo a ser gasto em cada etapa do trabalho (em geral, é apresentado em uma tabela que indica o tempo nas colunas e as atividades a serem realizadas, uma em cada linha).

referências bibliográficas

Citação dos livros, revistas, artigos, filmes, etc. mencionados no texto do projeto.

anexos

Inclusão de documentos, fotos ou outros registros importantes para a concepção do

projeto de pesquisa.

HORA DE ESCREVER

Há, a seguir, uma proposta de elaboração de um breve projeto de pesquisa. Trata-se

de uma pesquisa rápida, que você pode desenvolver no decorrer desta unidade, a fim

de tomar contato com essa prática. Depois, na feira de profissões, você apresentará esse

projeto e os resultados a que chegou com a pesquisa. Sugerimos para pesquisa alguns

tópicos da área de linguagem e de literatura que você estudou neste ano. Escolha, para

desenvolver em sua breve pesquisa, um destes tópicos.

• A concordância no português falado na comunidade escolar. Em que aspectos ela difere das regras da norma-padrão? (Faça uma pesquisa investigativa, por meio da gravação de falas de diferentes pessoas que convivem na escola, seguida da transcrição e da

análise dessas falas.)

• A colocação pronominal no português falado pela comunidade escolar. Em que aspectos ela difere das regras da norma-padrão? (Faça uma pesquisa investigativa, por meio

da gravação de falas de diferentes pessoas que convivem na escola, seguida da transcrição e da análise dessas falas.)

• A construção dos fatos pela mídia. (Escolha dois ou mais veículos de comunicação que

noticiaram certo fato de maneiras distintas e discuta os efeitos de sentido das diferentes maneiras de tratar o assunto.)

275PRODUÇÃO DE TEXTO

A literatura brasileira contemporânea. Análise linguística: as diferentes formas de dizer. Verbete e projeto de pesquisa CAPÍTULO 1

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P:278

• Diálogos entre pintura e poesia. (Escolha um(a) pintor(a) e um(a) escritor(a) cujas obras

apresentem elementos em comum, identifique e descreva o diálogo que há entre as

produções desses artistas.)

• Intertextualidade na poesia brasileira dos séculos XX e XXI. (Escolha textos que dialogam entre si, de dois ou mais autores, e mostre a intertextualidade presente neles.)

Após a elaboração do projeto, dê início à pesquisa e, na feira de profissões, apresente,

junto com o projeto, os resultados a que você chegou com o trabalho.

ANTES DE ESCREVER

Ao planejar seu projeto de pesquisa, siga estas orientações:

• Elabore um conjunto de questões, tendo em mente o que você pretende com sua

pesquisa.

• Formule perguntas pontuais e específicas e estabeleça objetivos que possam ser alcançados em um tempo reduzido.

• Faça as adaptações no modelo de estrutura básica de projeto de pesquisa apresentado,

caso considere que uma das partes dele não se encaixa na sua proposta.

• Monte um “esqueleto” inicial, conforme o modelo de estrutura de projeto apresentado

e complete-o com base na orientação que pretende dar à sua pesquisa.

ANTES DE pASSAR A lImpO

Antes de dar seu projeto de pesquisa por finalizado, observe:

• se os objetivos e as questões foram suficientemente especificados e se eles podem ser

contemplados em uma pesquisa breve;

• se os objetivos estão claros e condizentes com as questões apresentadas;

• se todas as partes que você listou como necessárias estão detalhadas;

• se as informações apresentadas em cada parte estão condizentes com a função

delas (na parte Objetivos e perguntas da pesquisa, é esclarecida a finalidade do trabalho?; na parte Relevância e justificativa, é exposta a razão pela qual o trabalho

será realizado?; etc.);

• se o trabalho a ser realizado é compatível com o cronograma proposto.

Professor: O objetivo em vista com a proposta é que os alunos aprendam algumas formas de conceber e realizar uma pesquisa. Portanto, sugerimos que os projetos sejam breves, para que possam ser concluídos entre uma e três semanas, a fim de serem apresentados na feira.

276 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:279

Panorama da literatura portuguesa

no século XX

análise linguística: gerúndios e

gerundismo

Carta de apresentação

Panorama da literatura portuguesa

no século XX: Fernando Pessoa e

José Saramago

2

LITERATURA

CAPÍTULO

O pescador, tapeçaria de

Almada Negreiros (1893-1970),

escritor e artista plástico

que foi um dos fundadores

do Modernismo português.

Coleção Particular

277 Panorama da literatura portuguesa no século XX. Análise linguística: gerúndios e gerundismo. Carta de apresentação CAPÍTULO 2

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A literatura portuguesa trilhou no século XX caminhos parecidos com os

da literatura brasileira em relação a propostas e fases.

A primeira fase do Modernismo português teve início em 1915, com a

publicação da revista Orpheu. Vivia-se em Portugal um momento de mudanças, em virtude do início da República, proclamada no país em 1910, e da

Primeira Guerra Mundial (1914-18).

Tal qual no Brasil, as primeiras manifestações modernistas foram

fortemente influenciadas pelas correntes de vanguarda, mas apresentavam ainda algumas influências do Simbolismo e do decadentismo do

final do século XIX. Participaram dessa geração, entre outros, Mário de

Sá-Carneiro, Almada Negreiros e Fernando Pessoa, que você vai estudar

neste capítulo.

Em 1927, um novo grupo de escritores lançou a revista Presença, que, sem

romper com a geração anterior, tinha a finalidade de renovar a literatura por

meio de uma pesquisa estética que explorasse novas formas de expressão

literária e introduzir questões levantadas pela filosofia de Bergson e pela

psicanálise de Freud. Entre os integrantes desse grupo, destacam-se principalmente José Régio, Miguel Torga, Adolfo Casais Monteiro e Branquinho

da Fonseca.

Os temas sociais e o engajamento político, que marcaram a produção

literária no Brasil no início dos anos 1930, surgiram em Portugal alguns anos

mais tarde, entre as décadas de 1930 e 1940, com o Neorrealismo. Nesse momento, a literatura se voltou para problemas do contexto social, dominado

pela Segunda Guerra Mundial e pela ditadura de Salazar. Surgiram nesse

momento, em Portugal, importantes escritores, entre eles, Ferreira de Castro, Alves Redol e Manuel da Fonseca.

A partir da década de 1960, conviveram na literatura portuguesa várias

tendências, como o Neorrealismo e o Surrealismo. Com a Revolução dos

Cravos (1974), o fim da ditadura salazarista e o início do processo de independência das colônias portuguesas na África, a literatura portuguesa

começou a buscar novos rumos, seja produzindo uma literatura de guerra,

seja produzindo uma literatura marcada pelo experimentalismo estético.

Os principais autores desse período são Antônio Lobo Antunes, Wanda Ramos, Jorge de Sena, Augusto Abelaira e José Saramago, que você vai estudar neste capítulo.

Fernando Pessoa

Ao lado de Camões, Fernando Pessoa é considerado um dos dois maiores

poetas da literatura portuguesa e uma das principais expressões literárias

em nossa língua.

Escreveu poemas, contos e textos de estrutura dramática, mas foi principalmente como poeta que mais se destacou.

O aspecto mais intrigante da poesia de Pessoa é a heteronímia, ou

seja, ele criou não apenas obras, mas também escritores, cada um com

uma biografia, traços físicos, profissão e estilo literário próprios. Alguns

especialistas, que ainda estão estudando a obra não publicada do poeta,

atestam que, além de Fernando Pessoa ele-mesmo, isto é, do ortônimo,

há mais de cem heterônimos, semi-heterônimos e heterônimos pouco

desenvolvidos do autor. Os mais bem-acabados e conhecidos são Alberto

Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, que você vai conhecer neste capítulo. Também se destaca na prosa o semi-heterônimo Bernardo Soares.

A publicação da revista Orpheu nº 1

ocorreu em janeiro de 1915. A do nº 2,

que foi o último, aconteceu em abril

do mesmo ano.

Fernando Pessoa

Fernando Pessoa (1888-1935) nasceu

e morreu em Lisboa. Quando menino,

viveu com a família na África do Sul e foi

educado em uma escola irlandesa. Por

causa de sua familiaridade com a língua

inglesa, as três primeiras obras literárias

que produziu foram escritas e publicadas

em inglês. Além dessas obras, publicou,

em vida, apenas mais uma, Mensagem

(1934), em língua portuguesa.

Começou a estudar Filosofia, em Lisboa, mas abandonou o curso e tornou -

se crítico literário.

Foi estudioso de astrologia e ocultismo.

Orpheu Lda/Capa de José Pacheco Ullstein Bild/Getty Images

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literatura

FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, um painel de textos de Fernando Pessoa.

Texto 1

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama o coração.

(Obra poŽtica. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965. p. 164-5.)

Texto 2

O mistério das cousas, onde está ele?

Onde está ele que não aparece

Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?

Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?

E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?

Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,

Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas

É elas não terem sentido oculto nenhum,

É mais estranho do que todas as estranhezas

E do que os sonhos de todos os poetas

E os pensamentos de todos os filósofos,

Que as cousas sejam realmente o que parecem ser

E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos:

As cousas não têm significação: têm existência.

As cousas são o único sentido oculto das cousas.

(Idem, p. 223.)

calha: trilho; cano de

metal, aberto em cima,

colocado ao longo de

telhados para escoamento

da água das chuvas.

comboio: trem; grande

número de veículos que se

dirigem a um mesmo posto

ou destino.

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Texto 3

As rosas amo dos jardins de Adônis, 

Essas volucres amo, Lídia, rosas, 

Que em o dia em que nascem, 

Em esse dia morrem. 

A luz para elas é eterna, porque 

Nascem nascido já o sol, e acabam 

Antes que Apolo deixe 

O seu curso visível. 

Assim façamos nossa vida um dia, 

Inscientes, Lídia, voluntariamente 

Que há noite antes e após 

O pouco que duramos. 

(Idem, p. 259.)

Texto 4

Poema em linha reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,

Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,

Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,

Adônis: na mitologia grega, deus da vegetação,

representado por um jovem dotado de grande beleza.

Apolo: na mitologia grega, deus da luz, da beleza das

artes, do equilíbrio e da razão, representado por um jovem

nu, no auge do vigor.

insciente: não conhecedor, ignorante.

volucre: que vive pouco, efêmero.

Rafael Neves Bilbioteca Nacional de Portugal, Lisboa, Portugal

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LITERATURA

Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

(Idem, p. 418-9.)

1. Observe os poemas do ponto de vista formal.

a. Quais deles apresentam o verso livre? E o verso regular?

b. Em qual deles a linguagem é clássica, com vocabulário elevado e inversões sintáticas?

c. Em qual os versos são longos e a linguagem tem um tom irreverente?

2. No painel de textos, há um poema de Fernando Pessoa ele-mesmo e

outros três de heterônimos dele. Leia, nos boxes, as características dos

heterônimos e do ortônimo e, com base nelas, conclua:

a. Qual deles é o autor do poema “Autopsicografia”? Justifique sua resposta.

b. E do texto 2? Justifique sua resposta.

c. E do texto 3? Justifique sua resposta.

d. E do “Poema em linha reta”? Justifique sua resposta.

3. “Autopsicografia” é um poema metalinguístico, que põe em discussão a

própria criação literária e sua relação com os leitores.

a. Levando em conta que a palavra fingir vem da forma latina fingire,

que significa “modelar, esculpir, inventar”, explique: Se o poeta

sente uma dor real, vivida, então por que ele finge “a dor que deveras sente”?

b. Se os leitores não sentem as duas dores do poeta nem a que eles têm,

então qual é a dor que eles sentem? Justifique sua resposta com base

na segunda estrofe.

c. Nesse processo, qual é a participação do leitor no processo de criação

literária?

d. Na última estrofe, há uma contraposição entre coração e razão, criada

por meio de uma imagem. Qual é a imagem? Como ela se relaciona

com o processo de criação literária?

e. Como conclusão, explique o título do poema, “Autopsicografia”.

REGISTRE

NO CADERNO

Os textos 2 e 4 apresentam o verso livre; os

textos 1 e 3, o verso regular.

No texto 3.

No texto 4.

É Fernando Pessoa ele-mesmo, em virtude do tema metalinguístico e

do uso do verso regular (redondilha). É Alberto Caeiro, em virtude da temática filosófica, da visão antimetafísica do mundo e

do uso do verso livre.

É Ricardo Reis, em virtude da presença de elementos da mitologia (Adônis, Apolo), do tema

do carpe diem e do uso de versos regulares.

É Álvaro de Campos, em virtude do uso de versos longos e livres, da

irreverência e da crítica aos comportamentos sociais.

O poeta é aquele que cria, que inventa com base em uma experiência real, e aí reside a criação

literária, ou seja, ele parte de uma dor real, vivida, para criar uma segunda dor, fingida.

3. b) Professor: Abra a discussão com a classe, pois pode haver mais de uma interpretação. Sugestão: É a dor que eles imaginam, a

partir da leitura. O leitor participa da situação,

com a sua experiência pessoal e com a sua

imaginação; logo, ele também cria uma dor,

uma quarta dor.

O leitor é um agente, alguém que, de certo modo, também

contribui para a construção dos sentidos do texto.

d) É a imagem de um comboio de corda (o coração), que gira entretendo a razão. A emoção e

a razão são a base da criação literária.

Professor: Comente com os alunos que, em

toda a história da literatura, houve a tensão

entre esses dois elementos, ora prevalecendo

um, ora outro.

Tomando de empréstimo o conceito de psicografia (processo de registro mediúnico de texto cuja autoria é atribuída a um espírito), o título sugere que, na criação literária, ocorre um processo análogo:

o poeta parte de sua experiência pessoal e concreta e, por meio da invenção, como faz o artesão,

transforma-a em objeto artístico, fazendo uso da razão e da emoção.

Álvaro de Campos

Engenheiro formado em Glasgow, é

o heterônimo mais modernista. Na fase

inicial de sua poesia, mostra-se influenciado pelo Futurismo e exalta a velocidade e as máquinas. Posteriormente,

desenvolve uma poesia mais reflexiva,

com crítica às estruturas sociais e certa

melancolia em relação à infância e ao

passado. Sua linguagem é explosiva, rebelde, contestatória e com a utilização

de versos livres e longos.

Alberto Caeiro

É considerado por Pessoa o mestre

dele próprio e dos demais heterônimos.

Poeta e filósofo, Caeiro nega toda forma de conhecimento oficial, extraído

dos livros, e desenvolve suas ideias a

partir da observação direta da natureza.

Para ele, as sensações são o meio de

conhecer a realidade. Sua linguagem

é simples, direta e com a utilização de

versos livres.

Ricardo Reis

É o heterônimo ligado à tradição

clássica da poesia. Estudou em colégio

jesuíta, é monarquista e amante das

culturas grega e latina. Reside no Brasil.

Tem uma linguagem elevada, às vezes com inversões sintáticas, e aborda

temas clássicos da poesia, como o carpe diem e o locus amoenus. Emprega

versos regulares.

Pessimista, sente-se parte de uma civilização decadente, que caminha para

o nada.

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4. O texto 2 é um exemplo do pensamento filosófico de um dos heterônimos de Fernando Pessoa.

a. Na concepção do eu lírico, qual é o mistério das coisas ou a metafísica

(investigação do que está além do mundo material)?

b. O eu lírico considera que as sensações são o meio de conhecer a realidade. Comprove essa afirmação com trechos do poema.

4. a) Na concepção do eu lírico, não existe metafísica nem há sentido oculto nas coisas. Elas simplesmente são o que são, sem mistério.

“Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?”, “Sempre que olho para as cousas...

/ Rio como um regato que soa fresco numa pedra.”

5. No texto 3, o eu lírico se dirige à mulher amada, Lídia, e, comparando a

vida às rosas, faz um convite a ela.

a. Qual é o convite?

b. Que relação esse convite tem com a tradição clássica da poesia?

c. Que outros elementos da tradição clássica podem ser notados nesse

poema?

6. No “Poema em linha reta”, o eu lírico faz uma oposição entre ele e todas

as outras pessoas que conhece.

a. Na opinião dele, como as outras pessoas se mostram socialmente?

b. Como o eu lírico se sente, ou como se avalia? Justifique sua resposta

com palavras e expressões do texto.

c. Que figura de linguagem se verifica em versos como “Todos os meus

conhecidos têm sido campeões em tudo” e “Nunca foi senão príncipe

– todos eles príncipes – na vida...”?

d. O que o poema critica?

O eu lírico convida a mulher amada para viverem a vida de modo intenso e inconsciente, sem pensar no tempo ou no amanhã, da

mesma forma que a rosa vive o dia, ou seja, simplesmente nasce ao amanhecer e morre ao final da tarde, sem pensar em nada.

Esse convite expressa o conceito clássico do carpe diem (viver o dia) na poesia.

A presença de elementos da mitologia (Adônis e Apolo) e o uso de versos regulares.

Todas as outras pessoas se mostram perfeitas:

“campeões em tudo”, “príncipes”, “semideuses”.

Ele se sente apenas humano, cheio de defeitos e limitações, conforme demonstra o emprego de palavras e expressões como parasita, sujo, grotesco, mesquinho, etc.

Ironia.

Critica a falsidade das pessoas em seus comportamentos e em suas relações sociais, como se

todas usassem máscaras sociais, deixando de ser autênticas.

Fernando Pessoa ele-mesmo

A obra ortônima do poeta apresenta -

se como modernista, com algumas influências remanescentes do Simbolismo.

A obra Mensagem é voltada para o

passado histórico português, em especial

para o período heroico das navegações.

O poeta se interessou também pela

poesia musical e pela metalinguagem.

Seus textos são construídos com bastante cuidado formal.

Fernando Pessoa cantado e declamado

Vários poemas de Fernando Pessoa foram transformados em canções. O compositor André Luís Vieira musicou alguns poemas de

Mensagem e convidou grandes vozes da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Gal Costa e outros, para cantá-las. O

músico paulista Arrigo Barnabé fez o mesmo com parte do “Poema

em linha reta”.

Os poemas de Pessoa também vêm sendo declamados por grandes artistas, como Paulo Autran e Maria Bethânia.

Essas canções e declamações podem ser acessadas na Internet.

REGISTRE

NO CADERNO

Os heterônimos de Fernando

Pessoa na ótica de Almada

Negreiros, poeta e pintor

do Modernismo português.

Capa do disco Mensagem,

de André Luís.

Celestino Manuel/Isuzu Imagens

Gradiente/Gravadora Eldorado/Warner Music/

Sérgio Mineiro/Sérgio Campanelle/André Luiz Oliveira

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LITERATURA

JosŽ Saramago

José Saramago (1922-2010) nasceu

em Golegã, uma pequena cidade de

Portugal. Quando jovem, embora fosse

apaixonado por livros, não pôde cursar

a universidade por falta de recursos. Fez

curso técnico e seu primeiro trabalho foi

como serralheiro.

Até tornar-se escritor, exerceu diversas

profissões, como mecânico, desenhista

técnico, funcionário público e jornalista.

Em 1995, ganhou o Prêmio Camões,

o mais importante conferido a escritores de língua portuguesa, e, em 1998,

o Nobel de literatura. Tornou-se o mais

conhecido escritor de língua portuguesa

em todo o mundo.

Nos últimos anos de sua vida, casado

com a tradutora espanhola Pilar del Rio,

morou na ilha espanhola de Lanzarote,

nas Ilhas Canárias.

José Saramago

José Saramago é o mais importante escritor da literatura portuguesa

contemporânea.

Estreou na literatura com o romance Terra do pecado (1947), mas seu

prestígio como escritor aconteceu quando tinha 58 anos, a partir da publicação de Levantado do chão (1980), obra com um estilo muito particular, que

seria sua marca literária. Foi, porém, com Memorial do convento (1982) que o

autor ganhou projeção internacional.

Em seu texto, há uma grande subversão no uso dos sinais de pontuação.

Utiliza apenas a vírgula e o ponto; sem travessões ou aspas e com pouco

uso de verbos dicendi (como perguntou, respondeu, etc.), as vozes das personagens se misturam à voz do narrador. Os parágrafos podem ser longos

ou curtos, seguindo uma lógica interna. O uso constante do fluxo de consciência torna a narrativa ainda mais complexa. Muitos leitores, diante do

estranhamento, desistem de ir adiante, enquanto outros se apaixonam pela

leitura. Trata-se de uma escrita diferente, que exige um leitor atento e mais

experiente.

Assumido até o fim da vida como homem de esquerda e ateu, Saramago produziu obras em geral reflexivas, filosóficas, críticas em relação aos

comportamentos sociais e que, muitas vezes, criam atmosferas surrealistas,

como em Ensaio sobre a cegueira (1994), na qual as pessoas começam a ficar

cegas de um dia para o outro e, diante de uma situação insólita, revelam

facetas de personalidade surpreendentes.

Saramago escreveu obras sobre temas históricos, como Memorial do

convento, Jangada de pedra (1986), História do cerco de Lisboa (1989) e A viagem do elefante (2008), sobre temas religiosos, como O evangelho segundo

Jesus Cristo (1991), sobre temas existenciais, como Todos os nomes (1997) e

Ensaio sobre a lucidez (2004), além de uma obra intrigante sobre um dos heterônimos de Fernando Pessoa, O ano da morte de Ricardo Reis (1984). Entre

os gêneros que cultivou estão o romance, o teatro, o conto e a poesia.

Todos os nomes

O romance Todos os nomes, de José Saramago, conta a história do Sr. José

– única personagem que tem nome em toda a obra –, homem de meia-idade, metódico, que vive sozinho em uma casa ao lado da Conservatória Geral

do Registo Civil, onde trabalha. É um funcionário exemplar e, na função subalterna e burocrática que exerce, de auxiliar de escrita, seu trabalho é registrar o nome de todas as pessoas que nascem e morrem, bem como as datas

de nascimento e morte delas. Em sua vida pacata, o protagonista adquire

um hobby: colecionar recortes com informações sobre as pessoas famosas

que morrem. Às vezes, para completar seu álbum com informações precisas

sobre os mortos, o Sr. José se atribui uma tarefa hercúlea, fazendo buscas

e investigações em arquivos restritos da Conservatória. Certo dia, um fato

muda sua rotina: chega às suas mãos a ficha de uma mulher não famosa, e o

protagonista se interessa em saber de que ela havia morrido. Obcecado pela

informação, empreende uma verdadeira investigação sobre a morta, chegando a usar documentos falsos em nome da Conservatória para entrevistar

parentes dela. Descobre que a mulher se suicidara. O Sr. José vai, então, ao

cemitério Todos os Nomes (o Cemitério Geral) e encontra, na parte reservada

aos suicidas, o túmulo com a indicação do número correspondente ao dela.

Companhia das Letras Carlos Avarez/Gettyimages

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FOCO NO TEXTO

No cemitério, surge um pastor com suas cabras e inicia uma conversa com o Sr. José.

Leia, a seguir, o texto relativo a esse momento da narrativa.

[...] Qual é então a verdade do talhão de suicidas, perguntou o Sr. José, Que

neste lugar nem tudo é o que parece, É um cemitério, é o Cemitério Geral, É um

labirinto, Os labirintos podem ver-se de fora, Nem todos, este pertence aos invisíveis, Não compreendo, Por exemplo, a pessoa que está aqui, disse o pastor tocando com a ponta do cajado no montículo de terra, não é aquela que você julga.

De repente, o chão pôs-se a oscilar debaixo dos pés do Sr. José, a última pedra do

tabuleiro, a sua derradeira certeza, a mulher desconhecida enfim encontrada, tinha acabado de desaparecer, Quer dizer que esse número está enganado, perguntou a tremer, Um número é um número, um número nunca engana, respondeu

o pastor, se levassem de cá este e o colocassem noutro sítio, mesmo que fosse no

fim do mundo, continuaria a ser o número que é, Não percebo, Já vai perceber, Por

favor, a minha cabeça é uma confusão, Nenhum dos corpos que estão aqui enterrados corresponde aos nomes que se leem nas placas de mármore, Não acredito,

Digo-lho eu, E os números, Estão todos trocados, Porquê, Porque alguém os muda

antes de serem trazidas e colocadas as pedras com os nomes, Quem é essa pessoa,

Eu, Mas isso é um crime, protestou indignado o Sr. José, Não há nenhuma lei que

o diga, Vou denunciá-lo agora mesmo à administração do Cemitério, Lembre-se

de que jurou, Retiro o juramento, nesta situação não vale, Pode-se sempre pôr a

palavra boa sobre a má palavra, mas nem uma nem outra poderão ser retiradas,

palavra é palavra, juramento é juramento, A morte é sagrada, A vida é que é sagrada, senhor auxiliar de escrita, pelo menos assim se diz, Mas tem de haver, em

nome da decência, um mínimo de respeito por quem morreu, vêm aqui as pessoas recordar os parentes e amigos, a meditar ou a rezar, a pôr flores ou a chorar

diante de um nome querido, e vai-se a ver, por culpa da malícia de um pastor de

ovelhas, o nome autêntico de quem ali está é outro, os restos mortais venerados

não são de quem se supõe, a morte, assim, é uma farsa, Não creio que haja maior

respeito que chorar por alguém que não se conheceu, Mas a morte, Quê, A morte

deve ser respeitada, Gostaria que me dissesse em que consiste, na sua opinião,

o respeito pela morte, Acima de tudo, não a profanar, A morte, como tal, não é

profanável, Sabe muito bem que é de mortos que estou a falar, não da morte em

si mesma, Diga -me onde encontra aqui o menor indício de profanação, Ter-lhes

trocado os nomes não é uma profanação pequena, Compreendo que um auxiliar

de escrita da Conservatória do Registro Civil tenha dessas ideias acerca dos nomes. O pastor interrompeu-se, fez sinal ao cão para que fosse buscar uma ovelha

que se tresmalhara, depois continuou, Ainda não lhe disse por que razão comecei

a trocar as chapas em que estão escritos os números das sepulturas, Duvido que

Nelson Provazi

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literatura

me interesse sabê-lo, Duvido que não lhe interesse, Diga lá, Se for certo, como é

minha convicção, que as pessoas se suicidam porque não querem ser encontradas, estas aqui, graças ao que chamou a malícia do pastor de ovelhas, ficaram definitivamente livres de importunações, na verdade, nem eu próprio, mesmo que

o quisesse, seria capaz de lembrar-me dos sítios certos, a única coisa que sei é o

que penso quando passo diante de um desses mármores com o nome completo

e as competentes datas de nascimento e morte, Que pensa, Que é possível não

vermos a mentira mesmo quando a temos diante dos olhos. Já havia muito tempo que a neblina tinha desaparecido, podia-se perceber agora como era grande o

rebanho. O pastor fez com o cajado um movimento por cima da cabeça, era uma

ordem ao cão para que fosse reunir o gado. Disse o pastor, É a altura de me ir embora com as ovelhas, não seja que comecem a aparecer os guias, já vejo luzes de

dois carros, mas aqueles não vêm para aqui, Eu ainda fico, disse o Sr. José, Está a

pensar, realmente, em ir denunciar-me, perguntou o pastor, Sou um homem de

palavra, o que jurei, está jurado, Tanto mais que com certeza o aconselhariam a

calar-se, Porquê, Imagine o trabalho que daria desenterrar toda esta gente, identificá-la, muitos deles não são mais do que pó entre pó. As ovelhas já estavam reunidas, alguma, ainda atrasada, salvava agilmente por cima das campas para fugir

ao cão e juntar-se às irmãs. O pastor perguntou, Era amigo ou parente da pessoa

a quem veio visitar, Nem sequer a conhecia, E apesar disso vinha procurá-la, Por

não a conhecer é que a procurava, Vê como eu tinha razão quando lhe disse que

não há maior respeito que chorar por uma pessoa que não se conheceu, Adeus,

Pode ser que ainda venhamos a encontrar-nos alguma vez, Não creio, Nunca se

sabe, Quem é você, Sou o pastor dessas ovelhas, Nada mais, Nada mais. Uma luz

cintilou ao longe, Aquele está a vir para aqui, disse o Sr. José, Assim parece, disse

o pastor. Levando o cão à frente, o rebanho começou a mover-se em direcção à

ponte. Antes de desaparecer atrás das árvores da outra margem, o pastor virouse e fez um gesto de despedida. O Sr. José levantou também o braço. Via-se agora

melhor a luz intermitente do carro dos guias. De vez em quando desaparecia, escondida pelos acidentes do terreno ou pelas construções irregulares do Cemitério,

as torres, os obeliscos, as pirâmides, depois reaparecia mais forte e mais próxima,

e vinha depressa, sinal evidente de que os acompanhantes não eram muitos. A

intenção do Sr. José, quando dissera ao pastor, Eu ainda fico, tinha sido apenas a

de ficar sozinho durante uns minutos antes de meter os pés ao caminho. A única

coisa que queria era pensar um pouco em si mesmo, achar a medida justa da sua

decepção, aceitá-la, pôr o espírito em paz, dizer de uma vez, Acabou-se, mas agora

uma outra ideia lhe aparecera. Aproximou-se duma sepultura e tomou a atitude

de alguém que estivesse a meditar profundamente na irremissível precariedade da existência, na vacuidade de todos os sonhos e de todas as esperanças, na

fragilidade absoluta das glórias mundanas e divinas. Cismava com tanta concentração que nem deu mostras de ter-se apercebido da chegada dos guias e

da meia dúzia de pessoas, ou pouco mais, que acompanhavam o enterro.

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Não se moveu durante todo o tempo que durou a abertura da cova,

a descida do caixão, o reenchimento do buraco, a formação do costumado montículo com a terra que tinha sobejado. Não se moveu

quando um dos guias espetou no lado da cabeceira a chapa metálica

negra com o número da sepultura a branco. Não se moveu quando o

automóvel dos guias e o carro fúnebre se afastaram, não se moveu

durante os escassos dois minutos que os acompanhantes ainda se

conservaram ao pé da campa dizendo palavras inúteis e enxugando alguma lágrima, não se moveu quando os dois automóveis em

que tinham vindo se puseram em marcha e atravessaram a ponte.

Não se moveu enquanto não ficou só. Então foi retirar o número que

correspondia à mulher desconhecida e colocou-o na sepultura nova.

Depois, o número desta foi ocupar o lugar do outro. A troca estava

feita, a verdade tinha-se tornado mentira. Em todo o caso, bem poderá vir a suceder que o pastor, amanhã, encontrando ali uma nova

sepultura, leve, sem saber, o número falso que nela se vê para a sepultura da mulher desconhecida, hipótese irónica em que a mentira,

parecendo estar a repetir-se a si mesma, tornaria a ser verdade. As

obras do acaso são infinitas. O Sr. José foi para casa.

[...]

(Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 239-43.)

1. A primeira dificuldade do leitor que começa a ler as obras de Saramago

é se acostumar com a pontuação do texto.

a. A fim de compreender como se organiza o texto de Saramago, reescreva em seu caderno o trecho que segue, empregando os sinais de

pontuação convencionais.

“Qual é então a verdade do talhão de suicidas, perguntou o Sr. José,

Que neste lugar nem tudo é o que parece, É um cemitério, é o Cemitério Geral, É um labirinto, Os labirintos podem ver-se de fora, Nem

todos, este pertence aos invisíveis, Não compreendo, Por exemplo, a

pessoa que está aqui, disse o pastor tocando com a ponta do cajado no

montículo de terra, não é aquela que você julga.”

b. Confronte sua reescrita com a dos colegas. Elas ficaram iguais?

c. Que efeito a pontuação utilizada por Saramago produz na leitura do

texto?

2. Depois de muitos esforços para recolher informações sobre a mulher

suicida e descobrir onde estava o túmulo dela, o Sr. José tem uma grande surpresa.

a. Qual é a surpresa?

b. Considerando-se a profissão e os hábitos do protagonista, por que ele

acha inadmissível o que ficou sabendo?

irremissível: o que não se pode

evitar ou não se pode perdoar.

talhão: parte do cemitério reservada

para enterrar certas pessoas.

1. a) – Qual é então a verdade do talhão de suicidas? – perguntou o Sr. José.

– Que neste lugar nem tudo é o que parece.

– É um cemitério, é o Cemitério Geral.

– É um labirinto.

– Os labirintos podem ver-se de fora.

– Nem todos, este pertence aos invisíveis.

– Não compreendo.

– Por exemplo, a pessoa que está aqui – disse o

pastor, tocando com a ponta do cajado no montículo de terra – não é aquela que você julga.

Professor: Provavelmente, haverá reescritas com pequenas diferenças. O importante aqui é que os alunos discutam as múltiplas possibilidades de organização do texto e da produção de sentido.

Ela cria sentidos ambíguos, uma vez que não se sabe exatamente quem está falando. Como

consequência, ela exige uma atenção redobrada do leitor, principalmente nos momentos

iniciais da leitura.

Saber que o pastor trocava os números dos túmulos.

Como auxiliar de escrita e alguém que vivia organizando informações precisas quanto a nome, nascimento e morte de

pessoas, a ação do pastor era uma afronta a tudo o que ele acreditava ser correto.

A intimidade de Saramago no

filme JosŽ e Pilar

O documentário JosŽ e Pilar, feito

pelo cineasta português Manoel Gonçalves Mendes, é quase uma invasão

de privacidade. Em vez de haver a voz

de um narrador que conta a história de

alguém, como é comum nos documentários, são as próprias personagens,

Saramago e sua mulher, Pilar, que contam como vivem. Abrindo ao cineasta

as portas da casa onde residiam, na Espanha, Saramago e Pilar nos permitem

acompanhar seu cotidiano, ver cenas do

escritor escrevendo e apreciar a bela

paisagem da ilha de Lanzarote.

REGISTRE

NO CADERNO

Jumpcut/El Deseo/02 Filmes

286 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:289

LITERATURA

3. O pastor, em sua fala, faz declarações sobre a vida, a morte e os mortos. Do ponto de

vista dele:

a. O que é sagrado: a vida ou a morte? O que é improfanável: a vida ou a morte?

b. Ele desrespeita os mortos com sua ação? Por quê?

c. Ele fez uma boa ação para a mulher suicida? Por quê?

4. Depois que o pastor se afasta, o Sr. José fica pensativo. Releia este trecho:

“Aproximou-se duma sepultura e tomou a atitude de alguém que estivesse a

meditar profundamente na irremissível precariedade da existência, na vacuidade

de todos os sonhos e de todas as esperanças”.

a. De que tipo ou de que natureza é o pensamento do protagonista?

b. Avaliando a vida que tivera até ali e a aventura em que se metera para descobrir

informações sobre a mulher suicida, como agora o protagonista se posiciona diante

da vida? Justifique sua resposta.

5. No final do texto, o Sr. José tem uma ação surpreendente.

a. Qual é essa ação? Ela é coerente com o perfil da personagem?

b. Considerando a possibilidade de o pastor fazer mais uma vez uma troca, explique a

relatividade do que é verdade e mentira nessa situação.

c. Considerando o tipo de vida, as ideias e os valores do protagonista, o que essa ação

representa para ele? O Sr. José será a mesma pessoa depois disso?

6. O Sr. José é a única personagem da obra que tem nome; além disso, trata-se de um

nome comum. Nas placas do cemitério aonde José vai, não há nomes; há apenas números que identificam os mortos. O cemitério chama-se Todos os Nomes, que é também o nome da obra de Saramago. Relacione esses elementos e conclua:

a. Que sentido tem a identificação dos mortos por meio de números, em vez de nomes?

b. Considerando-se o título do romance, que sentido tem a falta de nomes próprios

na obra, a não ser o de José?

c. E a atribuição do nome JosŽ ao protagonista?

A vida é sagrada, e a morte,

improfanável.

Não, ao contrário; ele acha que nada é mais respeitoso do que alguém rezar diante do túmulo de um desconhecido.

Sim, porque, segundo ele, os suicidas não querem ser encontrados pelos

vivos, e a troca das placas contribui para a realização desse desejo.

Trata-se de um pensamento filosófico, existencial.

Na reflexão que faz sobre a vida, ele percebe que tudo aquilo

em que acreditava não tinha valor verdadeiro.

5. a) O sr. José troca a

placa de identificação do

túmulo onde uma pessoa

acabara de ser enterrada,

o que é incoerente com a

postura metódica e com os

valores que ele tivera até

então.

b) Talvez o pastor troque a

placa e a deixe exatamente no lugar onde deveria

estar. Isso mostra a relatividade do que é considerado verdade ou mentira,

pois o ponto de vista é

determinante para os julgamentos que fazemos.

c) Representa uma ruptura em relação à rigidez

e burocracia da sua vida

profissional e aos seus valores e crenças. Assim, o

protagonista liberta-se de

si próprio e talvez, a partir

dali, passe a viver de outra

maneira.

6. a) O uso de números

para identificar os mortos,

em vez de nomes, sugere a

massificação ou a coisificação do ser humano, que,

em vez de ser visto como

pessoa, é visto como coisa

ou como quantidade. Além

disso, tem o sentido de

que, como se trata de mortos, pouco importa quem

tenham sido em vida.

b) Da mesma forma que o

emprego de números para

identificar os mortos, a

ausência de nomes no romance remete à falta de

identidade das pessoas,

cada uma considerada um

ser qualquer na multidão.

O nome JosŽ acentua o aspecto de universalidade atribuído ao protagonista, ou seja, José representa a todos nós,

que vivemos em uma sociedade massificada, que pouco valoriza e respeita as pessoas em sua individualidade.

Por meio do estudo realizado neste capítulo, você viu que:

• a literatura portuguesa no século XX guarda semelhanças com o Modernismo brasileiro, que vão da fase de

ruptura com o passado até a fase neorrealista, de denúncia e crítica da realidade, e à fase de experimentalismo

estético; os seus principais autores são Fernando Pessoa e José Saramago;

• além de ser marcada por uma rica produção literária, a obra de Fernando Pessoa se destaca também pela presença de heterônimos, isto é, escritores independentes, com biografia, visão de mundo e estilo próprios, entre eles

Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos;

• José Saramago é um escritor cuja obra tem um estilo pessoal próprio, que subverte a pontuação tradicional e,

com isso, exige um leitor atento e participante: em suas obras, são frequentes a reflexão existencial, situações

surpreendentes, às vezes surrealistas, e a crítica aos problemas sociais.

literatura

287 Panorama da literatura portuguesa no século XX. Análise linguística: gerúndios e gerundismo. Carta de apresentação CAPÍTULO 2

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FOCO NO TEXTO

Leia a tira a seguir.

Adão Iturrusgarai/Acervo do cartunista

Análise linguística:

gerúndios e gerundismo

LÍNGUA E LINGUAGEM

1. No 1º quadrinho, a personagem faz uma afirmação.

a. O que denota a expressão da personagem nesse quadrinho?

b. Observe o nome da personagem e o título pelo qual ela é apresentada e deduza:

Qual é a relação entre eles?

c. Que imagem a tira constrói sobre as pessoas que estudam português? Levante hipóteses: Essa é uma postura comum a todos os estudiosos da língua portuguesa?

2. Observe o 2º quadrinho.

a. Qual é a relação dele com a fala da personagem do 1º quadrinho?

b. Deduza: A que uso da língua corresponde a expressão tiponite aguda? Essa expressão sugere aprovação ou reprovação? Justifique sua resposta com elementos do

texto.

3. Sobre o 3º e o 4º quadrinhos:

a. O que denota a expressão de cada uma das personagens?

b. Que relação há entre o 4º quadrinho e o 3º quadrinho?

c. Deduza: A qual fato corresponde a expressão gerundismo nesse contexto? Trata-se

de uma classificação que sugere aprovação ou reprovação? Justifique sua resposta

com elementos do texto.

d. Você concorda que as falas do 4º quadrinho possam ser classificadas dessa forma?

4. Agora, leia o diálogo a seguir, que contém as mesmas expressões tratadas como

gerundismo na tira em estudo, imaginando que ele aconteceu entre dois colegas de

trabalho, no escritório da empresa.

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NO CADERNO

Serenidade, tranquilidade.

O nome Norma faz referência às normas que regem o uso padrão da língua ou às regras da gramática normativa.

Professor: Espera-se que

os alunos reconheçam

que se trata de um estereótipo e que obviamente

nem todos os estudiosos

da língua assumem essa

postura. Comente que,

na atualidade, esse papel

tem sido desempenhado

mais por jornalistas e pela

sociedade em geral do que

pelos próprios estudiosos

da língua.

A imagem de que os estudiosos de português se ocupam com as normas da gramática, além de julgar e policiar os usos

que os falantes da língua fazem dela.

Ele mostra uma situação de conversa que exemplifica a “tiponite aguda”, mencionada pela personagem no 1º quadrinho.

Ao uso excessivo da expressão tipo. A expressão tiponite aguda remete a uma doença ou a um problema

de saúde. Além disso, quando no 1º quadrinho a personagem fala em “algo pior”, ela afirma indiretamente

que se trata de algo ruim e sugere reprovação em relação ao fato mencionado.

No 3º, de preocupação, angústia; no 4o

, de indiferença ou até mesmo de soberba, presunção.

b) O 4º quadrinho mostra

uma situação de fala que

em tese exemplificaria o

fato mencionado pela personagem no 3º quadrinho.

c) Ao uso de locuções

como vou estar almoçando e vou estar falando.

Sugere reprovação, dada

a expressão de repulsa da

personagem no 3º quadrinho e a retomada de sua

fala no 1º, segundo a qual

esse uso seria ainda “pior”

se comparado a outro, já

considerado ruim.

Resposta pessoal. Professor: Lance a discussão em sala e deixe em aberto, já

que as próximas questões farão uma análise mais específica das construções.

(Folha de S. Paulo, 14/3/2013.)

288 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:291

língua e

linguagem

O aspecto verbal

Você certamente já sabe que os verbos se conjugam em tempos, pessoas e modos variados. Outra categoria

que também influencia no sentido dos verbos é o aspecto relacionado tanto aos sentidos do verbo quanto ao

posicionamento do falante em relação à forma verbal que utiliza.

Para este estudo, é importante destacar que alguns verbos apresentam aspecto menos ou mais contínuo ou

durativo, isto é, representam ações que se prolongam menos ou mais no tempo, por seu próprio sentido, ainda

que dependam do contexto do enunciado em que aparecem. Por exemplo, ações como cair, tropeçar, nascer e

morrer são não durativas por princípio, ao passo que ações como trabalhar, crescer, estudar e morar são, em

princípio, durativas.

— Posso passar na sua sala ao meio-dia hoje?

— Puxa, hoje nesse horário vou estar almoçando.

— E no final da tarde?

— No final da tarde vou estar falando com os funcionários da filial de Recife em uma

videoconferência.

a. Discuta com os colegas e o professor: O uso das expressões vou estar almoçando e

vou estar falando, nesse diálogo, causa algum estranhamento?

b. As formas verbais do gerúndio podem ser utilizadas para diferentes finalidades,

todas relacionadas a situações em que o verbo tem um aspecto durativo, isto é,

indica que a ação realizada tem certa duração no tempo. No diálogo lido, o uso do

gerúndio tem essa finalidade? Justifique sua resposta.

c. Deduza: Essas expressões exemplificam de fato ocorrências de gerundismo, tal

como considera a personagem da tira?

Espera-se que os alunos digam que não, uma vez que esses usos são corriqueiros em situações de fala cotidiana.

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NO CADERNO

Sim, pois indicam ações que vão acontecer durante certo período de tempo: almoçar e falar.

Espera-se que os alunos percebam que não, uma vez que a reprovação expressa

pela personagem da tira indica que gerundismo seria uma construção estranha à

língua, inadequada ou errada.

5. Observe as seguintes possibilidades para indicar futuro:

dormirei – vou dormir chamarei – vou chamar farei – vou fazer

encontrarei – vou encontrar estarei – vou estar

a. Faça uma rápida pesquisa com seus colegas: Entre os pares listados, quais dessas

formas vocês mais usam em seu dia a dia?

b. Levante hipóteses: Qual é a relação entre esse uso do futuro e a construção chamada de gerundismo na tira em estudo?

Resposta pessoal.

Atualmente, no Brasil, as locuções são mais comuns do

que as formas do futuro simples.

A construção chamada de gerundismo na tira é formada pelo futuro do verbo estar seguido

do gerúndio, indicando uma ação que vai ocorrer no futuro e que terá certa duração: estarei

almoçando/falando, vou estar almoçando/falando. Shutterstock / Sergey Nivens

289 Panorama da literatura portuguesa no século XX. Análise linguística: gerúndios e gerundismo. Carta de apresentação CAPÍTULO 2

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6. Agora leia o diálogo a seguir, imaginando que ele também aconteceu entre dois colegas de trabalho, no escritório da empresa.

— Então o e-mail do fornecedor não chegou?

— Não. Mas eu vou estar enviando para você

assim que recebermos.

— Ótimo. Ainda hoje faço o pagamento.

— Ok, já aviso que você vai estar transferindo

o dinheiro para a conta dele.

a. Com base nas informações do boxe “O aspecto verbal”, discuta com os colegas e o

professor: Qual é a diferença, no sentido e no aspecto, das expressões verbais destacadas no diálogo acima em comparação com as expressões verbais destacadas

na questão 4?

b. Observe as construções vou estar enviando, vou enviar, enviarei e levante hipóteses:

Quais são as diferenças de sentido entre elas?

c. Entre as construções do item anterior, qual seria classificada como gerundismo

pela professora da tira em estudo? E, nesse caso, qual poderia ser a repercussão

social do uso excessivo dessa forma?

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

O gerúndio, assim como o infinitivo e o particípio, formas nominais dos verbos em

português, pode se ligar a outros verbos em locuções verbais, a fim de construir um determinado sentido em um enunciado.

No caso do gerúndio, esse traço de sentido em geral está associado ao prolongamento da ação verbal. É o chamado aspecto contínuo ou durativo do verbo, utilizado sem

causar estranhamento em enunciados como “estou estudando o dia todo”. Esse uso,

entretanto, tem gerado polêmica em construções como “amanhã vou estar estudando

o dia todo” ou, ainda, “vou estar enviando a mensagem para vocês”, como visto no estudo da seção anterior.

Esse estranhamento se deve especialmente ao aspecto durativo ou não durativo do

verbo principal das orações nas quais a locução aparece. À parte o aspecto durativo, há

algumas hipóteses sobre o uso dessa construção, entre elas:

• trata-se de uma sobreposição de verbos auxiliares, uma vez que a expressão vou estar

estudando, por exemplo, poderia em tese ser substituída por vou estudar ou estarei

estudando, com apenas um verbo auxiliar acompanhando o verbo principal;

• a construção com o gerúndio deixa o enunciado mais polido;

• a construção com o gerúndio marca menos o compromisso estabelecido pelo enunciado;

• a construção com o gerúndio modifica o aspecto dos verbos não durativos, acrescentando a eles a ideia de que levará um tempo para a ação se concretizar.

Qualquer que seja a intenção dos falantes ao utilizarem tais formas, mais interessante

do que condená-las como erradas ou impuras é analisá-las e discutir em quais situações

elas ocorrem, por que isso acontece e se há alternativas mais eficientes ou se elas cumprem devidamente sua finalidade.

Nas expressões destacadas no diálogo acima, diferentemente do que ocorre no diálogo da questão 4, os verbos têm

sentido não durativo, uma vez que enviar e transferir são ações que, em geral, se iniciam e terminam pontualmente.

REGISTRE

NO CADERNO

6. b) É possível considerar

que há uma gradação na

ênfase e na assertividade

de cada uma das ocorrências: enviarei é a mais enfática e assertiva, seguida

de vou enviar e, por fim,

vou estar enviando, a qual,

por sua vez, pode ainda dar

o sentido de que a pessoa

que a profere ainda vai demorar para de fato enviar.

c) A professora provavelmente recriminaria a construção vou estar enviando,

que, se usada em excesso,

pode acarretar discriminação e preconceito, uma vez

que o dito gerundismo tem

sido repelido socialmente

por se tratar de uma construção que normalmente

subverte o valor semântico e o emprego padrão de

alguns verbos.

Thinkstock/Getty Images

290 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:293

LÍNGUA e

LINGUAGEM

APLIQUE O QUE APRENDEU

Leia o anúncio a seguir.

(Disponível em: http://www.putasacada.com.br/wp-content/uploads/2015/06/

60x40_vw-4-zone-cannes-201531-1024x682.jpg. Acesso em: 3/4/2016.)

1. Relacione as partes verbal e não verbal do anúncio:

a. Quem são as personagens retratadas e qual é a relação entre elas?

b. Qual é a relação entre as cores dos balões das falas de cada personagem e o sentimento que elas deixam transparecer com suas falas?

2. Releia a primeira fala:

“Mãe, eu tô pensando em morar sozinho.”

a. Identifique a ocorrência do verbo estar + gerúndio.

b. Levante hipóteses: Por que ela foi escrita dessa forma? Como seria a forma escrita

padrão?

c. Discuta com os colegas e o professor: Qual sentido o uso dessa locução verbal constrói no texto?

d. Imagine outras situações em que esse mesmo recurso é usado com esse fim e conclua: Em quais contextos essa ocorrência é comum?

3. Sobre o anúncio, como um todo:

a. Quem é o anunciante?

b. Qual é o produto anunciado?

c. Identifique o enunciado do anúncio que marca a relação entre o produto anunciado e o texto central do anúncio e explique essa relação.

Da esquerda para a direita: o filho mais velho, o pai, a mãe e o

filho mais novo. Formam uma família.

As cores reforçam a ideia de “temperatura” das falas. Assim, em

amarelo está a fala mais amena de todas; em laranja, uma fala

um pouco mais tensa; em vermelho, a mais tensa e exaltada; e,

em azul, a mais fria.

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NO CADERNO

“tô pensando (em morar)”

Porque se trata de uma conversa informal, em família. Na escrita padrão, seria: “estou pensando (em morar)”.

Ao utilizar o gerúndio na locução verbal estou pensando, o filho ameniza sua fala, sugere

que se trata de uma ideia apenas, como se ainda não estivesse decidido.

2. d) Professor: Coloque

em discussão na classe. É

provável que os próprios

alunos já tenham utilizado

esse recurso. O importante

é eles concluírem que se

trata de um recurso utilizado quando se vai falar

sobre um assunto adverso

para o interlocutor. Introduzir a conversa dessa

forma ameniza o que será

dito depois: “Pai, estou

pensando em viajar com

meus amigos”; “Professor,

estávamos pensando se

a prova não poderia ser

adiada para a outra semana”; etc.

A montadora Volkswagen.

Um carro com um sistema diferenciado de ar-condicionado.

“Cada um sente as coisas de um jeito”. Assim como cada pessoa da família recebe uma mesma notícia de forma diferente, eles sentem o ar de

forma diferente quando estão juntos no carro. Daí a conveniência de se ter um ar-condicionado com controles diferentes de temperatura.

AlmapBBDO

MÃE, EU TÔ

PENSANDO

EM MORAR

SOZINHO.

ONDE? POR QUÊ?

EU POSSO

FICAR COM O

SEU QUARTO?

291

Panorama da literatura portuguesa no século XX. Análise linguística: gerúndios e gerundismo. Carta de apresentação CAPÍTULO 2

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4. Leia a seguir um parágrafo de um texto dissertativo sobre supostas desvantagens da

Internet, escrito por um aluno do ensino médio.

A rapidez da Internet gera uma acomodação, causando sedentarismo físico e

mental, não despertando o senso crítico e não desenvolvendo a mente para criar

opiniões novas. Um exemplo da falta de incentivo ao pensamento crítico é o famoso “copiar e colar”, não obrigando nem mesmo o aluno a ler o que está na tela,

apenas achando que está certo, causando por fim a falta de interesse em pesquisar

sobre o assunto.

a. Na estrutura do texto dissertativo, o uso excessivo do gerúndio pode gerar imprecisão. Identifique, na ordem em que aparecem no texto, as expressões a que se

referem as formas verbais:

• causando:

• (não) despertando:

• (não) desenvolvendo:

• (não) obrigando:

• achando:

• causando:

b. Identifique o trecho no qual o uso excessivo de gerúndio deixa o texto impreciso,

prejudicando a retomada dos termos.

c. Reescreva o parágrafo, eliminando o excesso de formas no gerúndio e tornando as

referências mais claras.

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia o cartum a seguir.

REGISTRE

NO CADERNO

“a rapidez da Internet”

“a rapidez da Internet”

“a rapidez da Internet”

“o famoso ‘copiar e colar’”

“o aluno”

“a rapidez da Internet”, “falta de incentivo ao pensamento crítico”, “o

famoso ‘copiar e colar’”, “apenas achando que está certo” (neste caso,

não é possível determinar com certeza a referência, nem pelo contexto).

O segundo período, de “Um exemplo da falta de incentivo”

até “pesquisar sobre o assunto”.

Entre outras possibilidades: A rapidez da Internet gera uma acomodação e pode causar sedentarismo físico e mental, impossibilitando o desenvolvimento do senso crítico e da mente para criar opiniões novas. Um exemplo da falta de incentivo ao pensamento

crítico é o famoso “copiar e colar”, que não obriga nem mesmo o aluno a ler o que está na tela. Isso pode deixar a impressão de que

tudo o que se lê está certo, e tamanha facilidade causa, por fim, a falta de interesse em pesquisar sobre o assunto.

(Disponível em: http://themaharani.blogspot.com.br/2006_10_01_archive.html. Acesso em: 25/3/2016.)

1. É comum ouvir que o gerundismo começou com os operadores de telemarketing.

Relacione as partes verbal e não verbal do cartum.

a. Qual é o sentido construído pelo título no contexto do cartum?

b. Qual é o sentido construído pelo uso da expressão proteção pelo telemarketing no

contexto do cartum?

O de que será retratada uma situação que

ilustre a rotina da máfia nos dias atuais.

O de que a própria máfia, que o ameaça, contratou uma empresa de telemarketing

para fazer o serviço de cobrar a proteção oferecida aos comerciantes e empresários.

Fernando Gonsales

292 UNIDADE 4 CAMINHOS

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

2. Observe as seguintes construções:

“vamos estar incendiando”

“vamos estar explodindo”

a. Como a personagem descobriu que estava falando com uma empresa de telemarketing?

b. Discuta com os colegas e o professor: Por que essas construções são

associadas ao telemarketing pela personagem?

c. O aspecto dos verbos principais utilizados nessas construções é durativo? Justifique sua resposta.

d. Levante hipóteses: Por que, no telemarketing, operadores usam com

frequência essa estrutura? Justifique sua resposta.

3. A fala atribuída ao telemarketing, no cartum em estudo, causa efeito de

humor e quebra a expectativa dos leitores ao sobrepor dois discursos

que não combinam.

a. Quais são esses discursos? Por que eles não combinam?

b. Qual efeito de sentido essa combinação de discursos constrói em relação à ameaça feita no cartum?

Leia este anúncio:

Pelo uso das construções chamadas de gerundismo,

com a estrutura ir + estar + gerúndio.

2. b) Porque essa fala é considerada típica dos

operadores de telemarketing, uma vez que

esse tipo de serviço disseminou a construção

ir + estar + -ndo, ainda que ela ocorra também

em outros contextos.

c) Não. Incendiar e explodir, nesse contexto,

são ações pontuais, pois, ainda que possam

durar determinado tempo, são iniciadas momentânea e pontualmente por uma pessoa.

d) Para tentar elaborar uma fala mais polida,

mais gentil, demonstrando cordialidade e falando de forma menos impositiva, já que se

trata de um serviço que, em geral, é utilizado

para resolver situações delicadas, como cobranças, pedidos de doações ou oferecimento

de produtos.

3. a) O discurso de ameaça, que pretende

amedrontar o interlocutor, e o discurso do telemarketing, que tenta demonstrar gentileza

e polidez em relação ao interlocutor. Eles não

combinam porque têm intenções divergentes

e seguem direções opostas.

b) O de que se trata de uma ameaça fraca,

sem ênfase, cujo autor não está de fato comprometido com a ação. Nesse caso, ela provavelmente não vai se cumprir; portanto, não

põe medo nem impõe respeito.

No princípio era o gerúndio

Circula em certos meios de comunicação uma hipótese, defendida por

alguns professores de português, de

que a construção denominada por eles

gerundismo tem origem em uma tradução da estrutura de futuro da língua

inglesa will be -ing, que equivaleria à

nossa forma vai estar -ndo.

Para muitos linguistas, entretanto,

essa hipótese não procede, principalmente pelo fato de que a maioria dos

falantes que usa a forma brasileira não

fala inglês. Além disso, pode-se inferir,

pelos contextos de uso da construção

brasileira, que há por parte dos falantes a intenção de expressar cordialidade e polidez, em vez de dar uma resposta seca e direta com o uso da forma

simples do verbo.

4. O texto central do anúncio utiliza várias formas verbais no gerúndio.

a. Identifique essas formas verbais.

b. Indique o agente de cada uma dessas formas.

5. Releia o trecho a seguir.

“Estamos sugerindo o jeito mais difícil.”

dando, casando-se, sendo, estamos sugerindo

Das três primeiras, o leitor (“você”), e da última, o nós implícito, ou seja, o anunciante, a revista Época Negócios.

(Disponível em: http://www.sotitulos.com.br/wp-content/

uploads/2012/11/13606.jpg. Acesso em: 26/3/2016.)

Mohallem Meirelles

REGISTRE

NO CADERNO

293 Panorama da literatura portuguesa no século XX. Análise linguística: gerúndios e gerundismo. Carta de apresentação CAPÍTULO 2

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P:296

a. Proponha outra redação para essa frase, sem utilizar o gerúndio.

b. Discuta com os colegas e o professor: Qual é a diferença de sentido entre a versão

do anúncio e a redação proposta por você no item anterior?

c. Com base no restante do anúncio, deduza: Qual é “o jeito mais difícil”? Justifique

sua resposta.

6. Tendo em vista o sentido das primeiras formas verbais, é possível considerar que o

texto do anúncio faz uso de um recurso de ironia.

a. Identifique e explique esse recurso, justificando sua resposta com base no texto.

b. Explique como esse recurso contribui para a construção da imagem da revista.

Sugerimos o jeito mais difícil.

A versão do anúncio é

menos enfática, um jeito

mais brando de se dar uma

sugestão. Esse uso deixa o

anúncio mais coloquial e

próximo do leitor.

O jeito mais difícil é “sendo inovador”, pois na frase seguinte a expressão “inspiração

para inovar” sugere que é essa a sugestão que a revista leva a seus leitores.

6. a) As duas primeiras

sugestões – dar um golpe

na bolsa e casar por interesse – são feitas apenas

para ressaltar a terceira:

ser inovador. Na verdade,

o enunciador despreza as

primeiras sugestões, daí

a ironia.

b) Esse recurso contribui para construir uma

imagem de uma revista

competente em sua área

de atuação, que inspira

atitudes louváveis em

seus leitores e os leva a

fazer história; uma revista séria, mas que também

sabe fazer brincadeiras

inteligentes.

Carta de apresentação

As cartas de apresentação podem ter diferentes objetivos: apresentar um livro, um

grupo, uma pessoa ou a si mesmo. Neste capítulo, vamos estudar esse gênero textual,

tendo em vista que, com certa frequência, esse tipo de carta é solicitado, entre outras

situações, em processos seletivos para cursos ou empregos e viagens de intercâmbio.

FOCO NO TEXTO

Leia a carta de apresentação a seguir.

Senhor diretor de Siete Días [revista de Buenos Aires]

Um amigo meu, o desenhista Quino (se chama assim, mas

quando assina cheques põe Joaquín Lavado), me disse que você

teria muito interesse em contratar a mim e a meus amiguinhos,

Susanita, Felipe, Manolito e Miguelito, para juntos trabalharmos

todas as semanas em sua revista.

Aceitamos com muito gosto, mas antes devo dizer a você que

em minha casa a família aumentou, porque em 21 de março nasceu meu irmãozinho, o que alegrou bastante meu pai e minha

mãe; e a mim trouxe curiosidade. Agora estamos todos muito

preocupados em cuidar dele e pensando em um nome de que

ele goste quando for grande. Como me parece que você e os leitores da revista queriam me conhecer um pouco melhor antes

de assinar o contrato, envio-lhe meu curriculum (é assim que

se escreve?), mas não tão completo porque de algumas coisas já

não me lembro mais. [...]

Na vida real eu nasci em 15 de março de 1962. Meu pai é corretor de seguro, e em casa se entretém cuidando de plantas. Minha mãe é dona de casa. Eles se conheceram quando estudavam

juntos na faculdade, mas depois ela abandonou o curso para,

segundo ela, cuidar melhor de mim. O nome que me colocaram

foi em homenagem a uma menina que trabalhava no filme “Dar

REGISTRE

NO CADERNO

PRODUÇÃO DE TEXTO

Joaquín Salvador Lavado (QUINO) Joaquín Salvador Lavado (QUINO)

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P:297

a cara”, feito com base no livro do escritor David Viñas. Em 22

de setembro de 1964, Quino conseguiu uma recomendação para

que eu trabalhasse na revista Primeira Plana, e em março de

1965 me levaram ao jornal diário El Mundo. [...]

Nos últimos dias recebi muitas cartas e telefonemas perguntando sobre meu irmãozinho. Quase todos se preocupam

em saber como meus pais me explicaram o assunto. Foi assim: me chamaram um dia, ficaram muito corados, disseram

que tinham de me dizer algo muito importante. Meu pai me

contou que eles haviam encomendado um irmãozinho para

mim, que antes de ele nascer minha mãe cuidaria dele, porque ele cresce como uma sementinha, e que havia plantado

nela porque sabe muito de plantas. Eu não entendi muito bem, mas

fiquei contente de saber a verdade, porque a maioria das crianças da

escola falam que os nenéns nascem em repolhos ou que a cegonha os

traz de Paris... [...]

[...] gosto de ler, escutar os noticiários, ver TV (menos as séries), brincar

de xadrez, boliche e balanço. Gosto muito de brincar e correr ao ar livre,

onde haja árvores e passarinhos, como em Bariloche. Quando fomos de

férias para lá, passamos dias muito bonitos. Esse ano não saímos de férias,

porque esperávamos a chegada de meu irmãozinho. [...]

Entre as coisas de que não gosto estão: primeiro, sopa; depois, que me

perguntem se gosto mais do papai ou da mamãe; ainda, o calor e a violência. Por isso, quando for grande, vou ser tradutora da ONU. Mas quando os

embaixadores brigarem, vou traduzir tudo ao contrário, para que se entendam melhor e haja paz de uma vez por todas.

Até a semana que vem,

Mafalda

(Sergio Moreno. In: Quino. Toda Mafalda. 22. ed. Buenos Aires:

Ediciones de la Flor, 2010. p. 570-571. Tradução dos autores.)

1. Sobre a carta de apresentação lida, responda às perguntas a seguir e justifique suas

respostas com trechos do texto.

a. Quem se apresenta a quem?

b. Qual é a motivação para a escrita da carta?

c. Qual é a faixa etária da autora da carta?

2. Releia estes trechos:

• “Um amigo meu, o desenhista Quino [...], me disse que você teria muito interesse

em contratar a mim e a meus amiguinhos”

• “Na vida real eu nasci em 15 de março de 1962.”

• “Em 22 de setembro de 1964, Quino conseguiu uma recomendação para que eu

trabalhasse na revista Primeira Plana, e em março de 1965 me levaram ao jornal

diário El Mundo.”

REGISTRE

NO CADERNO

Mafalda se apresenta ao diretor da revista Siete Dias,

conforme indicam o vocativo e a assinatura.

Segundo o texto, Quino, amigo de Mafalda, disse a ela que o diretor da revista Siete

Dias gostaria de contratá-la para trabalhar semanalmente na revista. Aparentemente,

ele gostaria de conhecê-la melhor antes de assinar o contrato.

Ela é criança, pois usa termos típicos do vocabulário infantil, como amiguinhos, irmãozinho. Essa hipótese é reforçada pela história de como os pais lhe contaram sobre a gravidez da mãe e pelo trecho, no final, “quando eu for grande”.

Joaquín Salvador Lavado (QUINO)

295

PRODUÇÃO

DE TEXTO

Panorama da literatura portuguesa no século XX. Análise linguística: gerúndios e gerundismo. Carta de apresentação CAPÍTULO 2

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P:298

Levante hipóteses:

a. Qual é a relação entre Mafalda e Quino?

b. Por que, ao se referir a sua data de nascimento, Mafalda diz “na

vida real”?

c. Qual seria, então, a outra data de “nascimento” de Mafalda?

d. No último trecho, há dados cuja presença é importante em cartas de

apresentação profissional. Identifique quais são eles e comente essa

afirmação.

3. A carta de Mafalda foi publicada na seção da revista Siete Días na qual,

da semana seguinte em diante, circulariam tiras semanais com a personagem. Tendo em vista essa informação, responda:

a. Quem, de fato, escreveu a carta?

b. A quem, de fato, a carta se dirigia?

c. Apesar dessas diferenças, o texto cumpre o papel de carta de apresentação? Justifique sua resposta.

4. Releia o trecho:

“Como me parece que você e os leitores da revista queriam me conhecer um pouco melhor antes de assinar o contrato, envio-lhe meu

curriculum (é assim que se escreve?), mas não tão completo porque de

algumas coisas já não me lembro mais.”

a. O trecho parece adequado para uma carta de apresentação com vistas a um emprego? Justifique sua resposta.

b. No caso da carta lida, ele tem um efeito negativo? Por quê?

c. Quais sentidos esses dizeres de Mafalda permitem que os leitores

construam sobre ela?

5. Na carta que escreve, Mafalda apresenta as informações que julga serem relevantes para seu novo trabalho. Com base nas respostas às questões anteriores, levante hipóteses sobre qual seria a relevância das seguintes informações:

a. “devo dizer a você que em minha casa a família aumentou, porque

em 21 de março nasceu meu irmãozinho, o que alegrou bastante meu

pai e minha mãe; e a mim trouxe curiosidade. Agora estamos todos

muito preocupados em cuidar dele e pensando em um nome de que

ele goste quando for grande.”

b. “Eu não entendi muito bem, mas fiquei contente de saber a verdade,

porque a maioria das crianças da escola falam que os nenéns nascem

em repolhos ou que a cegonha os traz de Paris...”

c. “Entre as coisas de que não gosto estão: primeiro, sopa; depois, que

me perguntem se gosto mais do papai ou da mamãe; ainda, o calor e

a violência.”

REGISTRE

NO CADERNO

Mais que “amigo”, Quino é o criador e o desenhista de Mafalda.

Porque ela se refere à data em que foi criada por Quino, e não ao dia em que ocorreu a primeira publicação

de tira de que ela é personagem.

A data da primeira publicação de tira com ela, ou seja, o dia em que a personagem “nasceu” para o público, 22 de setembro de 1964.

Esses dados se referem à experiência profissional. Mafalda menciona que já trabalhou em outros

grandes veículos de comunicação e, portanto, estaria qualificada para a atividade.

Quino.

Aos leitores da revista.

Sim, pois sua principal função era apresentar a personagem Mafalda e as demais

personagens da tira que circularia na seção da revista a partir da semana seguinte.

Não, pois, aparentemente, demonstra

despreparo do autor.

4. b) Não, pois Mafalda é uma criança, e

isso explica o fato de ela desconhecer as

regras do mundo corporativo, segundo as

quais devem constar no currículo todas as

informações profissionais relevantes para o

emprego pleiteado.

Os de que ela é uma garota espontânea, sincera, franca, não finge

saber o que não sabe para tentar impressionar.

5. a) O fato de o irmão ter nascido há pouco

tempo e de ela e a família estarem ocupados

com ele adianta aos leitores que muitas tiras

terão como tema a chegada dessa nova personagem. 5. b) Mostra que Mafalda é uma criança esperta, que não se conforma com

respostas que não façam sentido para ela.

c) Ter conhecimento do que a personagem não gosta poderá ajudar os leitores

a entender melhor a sátira de algumas tiras.

Dicas para escrever uma

carta de apresentação

ao se candidatar a uma

vaga de emprego

• Se o departamento ou o nome da

pessoa que vai receber a carta for

conhecido, dirija-se diretamente ao

departamento ou à pessoa no início

do texto.

• Mencione no texto o nome da

empresa.

• Faça referência a qualidades e

características que sejam requisitos

relacionados, de fato, ao trabalho

a ser realizado. O anúncio da vaga

pode ajudar a saber quais são elas.

• Não faça referência a defeitos.

• Revise a carta. Erros gramaticais,

ortográficos e até de digitação

podem fazer com que sua carta não

seja lida até o fim.

• Empregue um tom e um vocabulário

formal. Poucas são as situações em

que a informalidade é bem recebida.

• Utilize um papel discreto. A não ser

em situações muito específicas,

em que se trate de trabalhos pouco

convencionais, que demandam

aptidões artísticas e criativas,

papéis chamativos não são

convenientes.

• Seja direto, sucinto e objetivo, de

modo a não ultrapassar uma página.

• Finalize a carta com seu nome e/ou

assinatura.

296 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:299

HORA DE EsCREvER

Na carta de apresentação que você leu, a “pessoa” que se apresenta é,

na verdade, uma conhecida personagem de histórias em quadrinhos. Leia, a

seguir, alguns trechos de uma carta escrita por Leonardo da Vinci, no século

XV, na qual ele se apresentava com o objetivo de trabalhar como escultor,

em Milão.

[...] Já fiz planos de pontes muito leves [...] Sou capaz de desviar

a água dos fossos de um castelo cercado [...] Conheço meios de destruir seja que castelo for [...] Sei construir bombardas fáceis de serem deslocadas [...] galerias e passagens sinuosas que se podem escavar

sem ruído nenhum [...] carros cobertos, estáveis e seguros, armados com

canhões.

Estou, sem dúvida, em condições de competir com qualquer outro

arquiteto, tanto para construir edifícios públicos ou privados como para

conduzir água de um sítio para outro.

E, em trabalhos de pintura ou na lavra do mármore, do metal ou da argila, farei obras que seguramente podem suportar o confronto com qualquer outro, seja ele quem for.

(Apud Maria Teresa Vianna van Acker. Renascimento e humanismo ―

O homem e o mundo europeu do século XIV ao século XVI. São Paulo: Atual, 1992. p. 36-7.)

Note que, assim como faz Mafalda na carta estudada anteriormente, Da Vinci fala de

sua experiência na área do trabalho pleiteado e menciona realizações suas anteriores.

Além disso, menciona as habilidades que tem e se compromete com a realização de um

bom trabalho. Esses dois exemplos possibilitam o estabelecimento de um modelo de carta de apresentação, como o que segue.

Ao Departamento de Recursos Humanos (ou nome da pessoa responsável pelo recrutamento)

Sou estudante do (especificações do curso/nível), já concluí os cursos

de (cursos que fez), nos quais conheci (breve exposição sobre o conteúdo

do curso relacionado à vaga pretendida) e tenho experiência de atuação

como (função/cargo no qual já trabalhou/estagiou) ao longo de (especifique o tempo). Sou (liste duas ou três características suas que possam contribuir para o bom desempenho no trabalho pretendido, como organizado,

flexível, dedicado, interessado, motivado, disposto a aprender).

Tenho responsabilidade e comprometimento em relação às tarefas a

mim conferidas e, em geral, facilidade de relacionamento nos ambientes

sociais e profissionais. Encaminho meu currículo para a vaga (especificar),

conforme anúncio publicado.

Buscando desenvolvimento profissional e uma oportunidade no mercado de trabalho, pretendo ocupar a posição de (cargo pretendido) na empresa (nome da empresa), reconhecida amplamente por sua importante

atuação na área (se quiser, especificar a área).

bombarda: máquina com

cordas e molas usada para

arremessar pedras.

Dê continuidade à

organização da feira de

profiss›es, escrevendo

uma carta de apresentação que, durante a

realização do projeto,

poderá servir como modelo a participantes do

evento.

297PrODuÇÃO De teXtO

Panorama da literatura portuguesa no século XX. Análise linguística: gerúndios e gerundismo. Carta de apresentação CAPÍTULO 2

PortuguesContemporaneo3_UN4_CAP2_277a298.indd 297 5/12/16 6:36 PM

P:300

Ademais, acredito que, com meu empenho e entusiasmo, posso contribuir diretamente para o crescimento da empresa.

Estou à disposição para maiores esclarecimentos.

Cordialmente,

(Nome e/ou assinatura)

Com base na carta de Mafalda, nos trechos da carta de Leonardo da Vinci e no modelo oferecido, escreva você também uma carta de apresentação. Tomando por base seus

planos, em relação ao futuro, e considerando que em breve você poderá precisar produzir

uma carta com essa finalidade, escolha uma das seguintes situações.

1. Você se candidatou a uma vaga de trabalho (defina uma área de sua preferência) e, no

processo seletivo, uma das fases solicita a escrita de uma carta de apresentação.

2. Você pretende fazer um curso no exterior e, para isso, vai passar por um processo de

seleção em um programa de viagem. Uma das etapas consiste em escrever uma carta

de apresentação.

Nas duas situações, é solicitado do candidato que esclareça:

• por que escolheu esse programa de viagem/trabalhar nessa área;

• por que acredita ser um bom candidato para o programa de viagem/trabalho;

• como pretende conciliar a viagem/o trabalho com suas atividades escolares;

• como a experiência do curso/do trabalho se encaixa nos seus planos para o futuro.

ANTEs DE EsCREvER

Ao planejar sua carta de apresentação, siga estas orientações:

• Utilize uma variedade de acordo com a norma-padrão da língua.

• Enumere características pessoais suas que você acredita serem as mais relevantes no

contexto.

• Mencione experiências anteriores bem-sucedidas que julgue importantes no contexto.

• Justifique o seu interesse pelo programa/pelo trabalho;

• Mostre que você merece ser selecionado pelo programa/para a vaga de trabalho, porém sem que a carta fique excessivamente autoelogiosa.

ANTEs DE PAssAR A LImPO

Antes de dar sua carta por finalizada, observe:

• se você utilizou uma variedade de acordo com a norma-padrão da língua;

• se as características pessoais e as experiências anteriores que você mencionou são, de

fato, relevantes no contexto de apresentação da carta;

• se você justificou devidamente o seu interesse pelo programa/trabalho, com base em

fatos e não apenas no seu desejo;

• se você mostrou que é a pessoa certa a ser escolhida, mas sem parecer arrogante.

298 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:301

Literaturas africanas de língua

portuguesa e literatura negro-brasileira

Análise linguística: polissemia e

ambiguidade

Entrevista de emprego

Literaturas africanas de língua

portuguesa e literatura negro-brasileira

Literaturas africanas de língua portuguesa

3

LITERATURA

CAPÍTULO

Professor: Tendo em vista o

grande número de autores africanos de língua portuguesa e

escritores negro-brasileiros, optamos por trabalhar, neste capítulo, apenas com poemas, a fim

de contemplar um número maior

de escritores e explorar textos

integrais. Lembre aos alunos

que, no capítulo 2 da unidade

1, foi trabalhado o conto “Nós

choramos pelo cão tinhoso”, do

escritor angolano Ondjaki.

Fine Art / AGB Photo/Coleção particular

A canção do pico (1947), de Gerard Sekoto.

299 Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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P:302

© Thomas Meyer / Corbis / Fotoarena

Depois de quase 500 anos de dominação política, cultural e linguística de Portugal nas

colônias africanas − Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe −, o aparecimento das literaturas de língua portuguesa naquele continente se deu,

grosso modo, a partir da década de 1940.

Evidentemente, antes disso, houve manifestações literárias populares e orais nas línguas nativas dessas colônias − produção a que alguns especialistas chamam de oratura,

em contraposição à palavra literatura −, mas há poucos registros dessa produção oral.

Ao escreverem literatura em língua portuguesa, os escritores naturalmente se dividiam entre dois mundos: de um lado, usavam a língua oficial, implantada pelos portugueses e historicamente associada aos modelos da literatura da metrópole; de outro lado,

tratavam da realidade local e incluíam em suas obras descrições da vida e dos costumes

das populações das colônias.

Muitos desses escritores fizeram seus estudos na Europa e, ao regressarem à África,

cheios de ideias liberais, atuavam na imprensa como jornalistas e assumiam uma postura

contrária ao colonialismo português.

A Revolução dos Cravos (1974), em Portugal, pôs fim à ditadura salazarista naquele país

e, como decorrência, eclodiram várias guerras nas colônias africanas, as quais levaram ao

fim o colonialismo português. A literatura, nesse momento, tornou-se claramente engajada, já que muitos dos escritores chegaram a participar diretamente da guerra de libertação.

O escritor português Manuel Ferreira, ao estudar a produção literária das colônias durante o período colonial, identifica quatro fases na evolução das literaturas africanas de

língua portuguesa:

• fase em que o escritor manifesta alienação cultural e falta de compromisso com sua terra e sua gente;

• fase em que o escritor revela um sentimento nacional e interesse

pela realidade circundante; também aqui se manifesta o tema da

negritude ou da dor de ser negro;

• fase de resistência, em que o escritor toma consciência de sua condição

de colonizado e empreende um discurso de revolta contra o colonizador;

• fase histórica da independência nacional, momento de afirmação do

escritor africano, no qual se exalta a liberdade e o orgulho africano e

se abordam temas como a África, o povo negro, sua cultura, sua história e suas tradições.

Como se nota na evolução dessas fases, gradativamente se instala uma questão essencial para os escritores africanos: a da identidade nacional. Aos poucos, os escritores

vão deixando de se considerar parte da literatura portuguesa para se assumirem como

escritores africanos ou, especificamente, angolanos, moçambicanos, etc.

Em Angola, os autores de maior destaque são: Castro Soromenho, Antônio Jacinto,

Viriato da Crua, Agostinho Neto, José Luandino Vieira, Ruy Duarte de Carvalho, Manuel

Rui, Pepetela, José Luís Mendonça, José Eduardo Agualusa, Ondjaki e Adriano Mixinge.

Em Moçambique, destacam-se José Craveirinha, Mia Couto, Noémia de Sousa, Rui

Guerra, Rui Knopfli, Luís Bernardo Honwana, Rui Nogar, João Dias, Ungulani Ba Ka Khosa,

João Paulo Borges Coelho e Paulina Chiziane.

Em Cabo Verde, destacam-se Manuel Lopes, Jorge Barbosa, Corsino Fortes, Orlanda

Amarílis, Germano Almeida, Osvaldo Osório, Vera Duarte e Amílcar Cabral.

Em São Tomé e Príncipe, destacam-se Francisco da Costa Alegre, Francisco José Tenreiro, Alda do Espírito Santo e Conceição Lima.

Em Guiné-Bissau, quase não há fontes literárias escritas. O escritor Abdulai Silva, com

seus romances Eterna paixão (1994), A última tragédia (1995) e Mistida (1997), é considerado o fundador da ficção guineense. Também se destaca o romancista Filinto de Barros.

Além das literaturas africanas de língua portuguesa, em nossa língua ainda há produção literária na Ásia, como em Macau (na China), Goa (na Índia) e em Timor Leste (sudeste

asiático), reflexo das navegações e da colonização portuguesa.

Neste grafite de 2014,

fotografado numa

das ruas de Lisboa,

o capitão Fernando

José Salgueiro Maia,

um dos ícones da

Revolução dos Cravos,

em Portugal.

300 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:303

LITERATURA

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, dois textos: o primeiro é um poema de Viriato da Cruz, poeta angolano. O segundo é de José Craveirinha, poeta moçambicano.

Texto 1

Namoro

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado

e com a letra bonita eu disse ela tinha

um sorrir luminoso tão quente e gaiato

como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas

espalhando diamantes na fímbria do mar

e dando calor ao sumo das mangas.

Sua pele macia — era sumaúma...

Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas

tão rijo e tão doce — como o maboque...

Seu seios laranjas-laranjas do Loge

seus dentes... — marfim...

Mandei-lhe uma carta

e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão

que o Maninho tipografou:

“Por ti sofre o meu coração”

Num canto — Sim, noutro canto — Não

E ela o canto do Não dobrou.

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete

pedindo rogando de joelhos no chão

pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigênia,

me desse a ventura do seu namoro...

E ela disse que não.

Levei à avó Chica, quimbanda de fama

a areia da marca que o seu pé deixou

para que fizesse um feitiço forte e seguro

que nela nascesse um amor como o meu...

E o feitiço falhou.

[...]

Andei barbado, sujo e descalço,

como um mona-ngamba

Procuraram por mim

“ — Não viu... (ai, não viu...?) Não viu Benjamim?”

E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair

levaram-me ao baile do sô Januário

mas ela lá estava num canto a rir

contando o meu caso às moças mais lindas do

[Bairro Operário]

Tocaram uma rumba — dancei com ela

e num passo maluco voamos na sala

qual uma estrela riscando o céu!

E a malta gritou: “Aí, Benjamim!”

Olhei-a nos olhos — sorriu para mim

pedi-lhe um beijo — e ela disse que sim.

(Viriato da Cruz. In: Rogério Andrade Barbosa. No ritmo dos tant‹s. Brasília: Thesaurus, 1991. p. 95-6.)

Nelson Provazi

fímbria: beira, franja.

maboque: fruta semelhante à laranja, mas de casca dura.

malta: turma.

mona-ngamba: carregador.

quimbanda: curandeira.

sumaúma: paina; fibra oriunda dos frutos da paineira.

301 Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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P:304

Texto 2

Quero ser tambor

Tambor está velho de gritar

Ó velho Deus dos homens

deixa-me ser tambor

corpo e alma só tambor

só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

Nem flor nascida no mato do desespero

Nem rio correndo para o mar do desespero

Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero

Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra

Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra

Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu

Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala

Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra

Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens

eu quero ser tambor

e nem rio

e nem flor

e nem zagaia por enquanto

e nem mesmo poesia.

Só tambor ecoando como a canção da força e da vida

Só tambor noite e dia

dia e noite só tambor

até à consumação da grande festa do batuque!

Ó velho Deus dos homens

deixa-me ser tambor

só tambor!

(Craveirinha. In: Rogério Andrade Barbosa. No ritmo dos tant‹s.

Brasília: Thesaurus, 1991. p. 131-2.)

Mafalala: bairro da

periferia de Maputo,

capital de Moçambique.

zagaia: lança.

Viriato da Cruz

Viriato Francisco Clemente da Cruz

(1928-1973) nasceu em Angola e morreu em Pequim, na China.

Foi participante do movimento cultural “Vamos descobrir Angola” e um dos

principais incentivadores da poesia angolana entre as décadas de 1940 e 1960.

Na década de 1950, atuou clandestinamente no Partido Comunista contra

a política colonialista. Em 1960, foi um

dos fundadores do Movimento Popular

de Libertação de Angola (MPLA).

Entre outras obras, publicou Poemas (1961).

1. No poema “Namoro”, o eu lírico, identificado no texto como Benjamim,

se apaixona por uma moça e tenta se aproximar dela.

a. Até a quarta estrofe, de que meios ele se vale para tocar o coração da

moça?

b. Desses meios, quais são escritos?

c. De que tipo são os outros meios?

2. Compare o tamanho e o conteúdo das quatro primeiras estrofes do poema

“Namoro”.

a. Qual delas é maior? O que justifica o tamanho dessa estrofe?

b. A mulher amada se sensibiliza com elogios, chantagens ou fervor religioso?

REGISTRE

NO CADERNO

Ele manda uma carta, depois um cartão, depois um recado e

depois faz um feitiço com uma curandeira.

A carta e o cartão.

O recado é oral, e o feitiço é religioso.

A primeira estrofe é maior porque ela reproduz todos os elogios que ele fez a ela. Além

disso, a carta normalmente é um gênero de tamanho maior do que o cartão.

Não.

Nelson Provazi

302 UNIDADE 4 CAMINHOS

PortuguesContemporaneo3_UN4_CAP3_299a329.indd 302 7/6/17 08:44

P:305

LITERATURA

3. Desprezado, Benjamim fica “barbudo, sujo e descalço”, se isola e se marginaliza.

a. O que muda a sorte de Benjamim e lhe permite conquistar o coração

da mulher amada?

b. Qual é o “argumento” que finalmente a convence?

O baile, onde a encontra e dança com ela.

O “argumento” é a proximidade entre eles e sua qualidade de bailarino, pois dança muito bem a rumba.

REGISTRE

NO CADERNO

José Craveirinha

Craveirinha (1922-2003) nasceu na Mafalala, bairro periférico de Maputo, capital de Moçambique.

Mestiço – filho de um português e de uma africana –, teve acesso à educação formal, lusitana.

Falava duas línguas, o português e o ronga (dialeto africano). Foi escritor e jornalista e se engajou

nas lutas pela libertação do colonialismo português, participando da Frelimo (Frente de Libertação de

Moçambique), motivo pelo qual esteve preso entre 1965 e 1969. Também foi um dos escritores que

lutaram pelo resgate da identidade cultural dos moçambicanos.

Considerado por muitos críticos como o maior poeta moçambicano, Craveirinha foi o primeiro escritor africano a ganhar o Prêmio Camões, em 1991. Entre suas obras, estão Xibugo (1964), Karingana

ua Karingana (1974) e Maria (1988).

Tambores

O tambor é um dos mais antigos instrumentos musicais da humanidade e

historicamente está associado a lutas,

combates rituais de iniciação e cerimônias religiosas.

Na cultura africana, tem um papel

expressivo, sendo frequentemente utilizado nas apresentações musicais e nas

cerimônias religiosas.

A Mafalala, a marrabenta

e a identidade cultural

moçambicana

Os escritores José Craveirinha e Noémia de Souza nasceram na Mafalala.

Segundo Mia Couto, um dos principais

nomes da literatura moçambicana atual,

a Mafalala da infância e adolescência

desses autores “os ajudou a entender que

havia uma pátria amordaçada, que pedia

a indignação e a luta emancipadora”.

Craveirinha incentivou músicos de

Maputo a prestigiarem a marrabenta –

gênero de música e de dança até então

desprezado pelo governo português –

como meio de resistir culturalmente à

dominação portuguesa.

4. O poema apresenta uma forte musicalidade, determinada pelas rimas

e, principalmente, pelo ritmo. Que relação tem a musicalidade do poema com o seu conteúdo?

5. O poema “Quero ser tambor”, de Craveirinha, integra a obra Karingana ua

Karingana, publicada em 1974, quando Moçambique ainda era uma colônia portuguesa. No poema, o eu lírico opõe o que quer ser ao que não

quer ser.

a. O que ele quer ser?

b. O que ele não quer ser?

6. Moçambique conquistou sua independência política em 1975. Antes disso, Portugal considerava Moçambique como parte de seu território, e a

língua e a cultura portuguesas eram impostas como meio de dominação política.

Leia o boxe “Tambores” e, considerando a situação de produção do poema, responda:

a. O que representa o tambor para a cultura africana e moçambicana,

em particular?

b. As coisas que o eu lírico não quer ser – flor, rio, zagaia, poesia – são

todas provenientes do desespero. Levante hipóteses: Nesse contexto,

a que se refere a expressão do desespero?

c. O desejo de ser um tambor revela, por parte do eu lírico, uma dimensão pessoal ou coletiva? Justifique com elementos do texto.

7. Releia estes versos do poema:

• “Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala”

• “e nem zagaia por enquanto”

• “Só tambor ecoando como a canção da força e da vida”

• “até a consumação da grande festa do batuque!”

A musicalidade do texto reforça o seu conteúdo, em que a música também tem um papel de destaque.

Quer ser um tambor.

Ele não quer ser flor nascida no mato nem rio correndo para o mar nem zagaia nem poesia.

Representa a identidade moçambicana ou a própria colônia, Moçambique.

6. b) A expressão do desespero refere-se à situação de opressão política e cultural na qual

viviam os moçambicanos.

c) Uma dimensão coletiva, pois se identifica

com toda a colônia, conforme os versos “Só

tambor de pele curtida ao sol da minha terra /

Só tambor cavado nos troncos duros da minha

terra”. O tambor e sua música representam a

voz do povo moçambicano.

Apresentação

de marrabenta

na Mafalala.

Thinkstock/Getty Images

Gonçalo Rosa da Silva

Flora Pereira da Silva / Afreaka

303 Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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a. Como se pode compreender “o silêncio amargo da Mafalala”?

b. Por que o eu lírico afirma “nem zagaia por enquanto”?

c. Levante hipóteses: O que representam a “canção da força e da vida” e a “festa do

batuque”?

8. Considerando o contexto político de produção do poema e o papel do poeta nesse

contexto, conclua: O próprio poema pode ser considerado uma espécie de tambor

“rebentando o silêncio” na colônia moçambicana? Por quê?

A literatura negro-brasileira

Há, na cultura brasileira, um grupo significativo de escritores negros e mestiços que

produzem uma literatura identificada com suas raízes históricas e culturais, normalmente chamada de afro-brasileira ou afrodescendente. Essas raízes evidentemente remetem

à sua origem africana e ao processo histórico de escravização e discriminação que os negros sofreram e sofrem no Brasil.

Essa denominação, entretanto, é questionada por alguns negros por várias razões. Primeiramente porque nem todo país africano é negro. Em segundo lugar, porque, mesmo

nos países africanos de língua portuguesa, há escritores brancos − como é o caso de Mia

Couto, Luandino, Antônio Jacinto, Pepetela, Nadine Gordimer, entre outros − que não têm

como prioridade, em seu projeto literário, a luta contra o preconceito racial.

É por essa razão que alguns militantes da causa negra preferem o uso da expressão

literatura negro-brasileira para identificar a produção que tem na negritude um de seus

pilares centrais. Cuti, escritor brasileiro, por exemplo, explica a diferença:

[...] a palavra “negro” nos remete à reivindicação diante da existência do racismo,

ao passo que a expressão “afro-brasileiro” lança-nos, em sua semântica, ao continente

africano, com suas mais de 54 nações, dentre as quais nem todas são de maioria de

pele escura, nem tampouco estão ligadas à ascendência negro-brasileira. Remete-nos,

porém, ao continente pela via das manifestações culturais. Como literatura é cultura,

então a palavra estaria mais apropriada a servir como selo.

(Cuti. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010. p. 40.)

A literatura negro-brasileira – isto é, a literatura que reflete um posicionamento de

um sujeito etnicamente negro – teve suas primeiras manifestações na obra de Luiz

Gama (1830-1882), Cruz e Sousa (1861-1898) e Lima Barreto (1881-1922), que atuaram de

forma isolada.

No século XX, surgem várias associações negras que se interessam pela produção literária, formando um grupo de produtores e leitores de literatura negro-brasileira. Entre os

escritores que surgiram desses grupos estão Abdias Nascimento, Solano Trindade, Eduardo de Oliveira, Carlos de Assumpção, Oswaldo de Camargo e Oliveira Silveira.

Em 1978, foram fundados os Cadernos negros, que até hoje servem como meio de

agregação e de divulgação da produção literária negro-brasileira. Em 1980, foi fundado

o grupo Quilombhoje, formado pelos escritores Cuti, Oswaldo de Camargo, Paulo Colina

e Abelardo Rodrigues com o objetivo de promover eventos culturais de literatura negrobrasileira. Além do grupo Quilombhoje, que continua muito ativo, tem destaque o grupo

GENS (Grupo de escritores negros de Salvador) e o Negrícia – Poesia e Arte de Crioulo, na

cidade do Rio de Janeiro.

A censura, o medo, a tristeza.

Naquele momento – um ano antes da revolução –, ele ainda não pensava em lutar com armas para conquistar a liberdade do país.

A “canção da força e da vida” representa o tempo novo e a nova vida que hão de vir com a Independência

ou com a revolução. A “festa do batuque” é a própria festa da liberdade.

Sim, pois é um poema que valoriza e estimula a identidade moçambicana, e não portuguesa; logo,

assume um caráter político, colocando-se contra o colonialismo português.

REGISTRE

NO CADERNO

Conheça os escritores

e as ações do grupo

Quilombhoje,

acessando o site

http://www.

quilombhoje.com.br.

Quilombhoje

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literatura

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, dois poemas dos autores negro-brasileiros Adão Ventura e Márcio

Barbosa.

Texto 1

Para um negro

In: Axé: antologia contemporânea

para um negro

a cor da pele

é uma sombra

muitas vezes mais forte

que um soco.

para um negro

a cor da pele

é uma faca

que atinge

muito mais em cheio

o coração.

(Adão Ventura. In: Zilá Bernd (org.). Antologia de poesia afro-brasileira –

150 anos de consciência negra no Brasil. Belo Horizonte: Mazza, 2011. p. 202.)

Texto 2

Nossa gente

nossa gente também veio

pra ser feliz e ter sorte

nossa gente é quente

é bela e forte

mas às vezes essa gente

passa, inconsciente

sofre, mas não se mexe

ri, mas não se gosta

nossa gente inconsciente

sofrendo, fica fraca

nem vê que por dentro ainda

traz a força da mãe áfrica

nem vê que pode vencer

pois tem energia nos braços

e pode ter liberdade

alegria e espaço

Carybé. Figuras, 1986./ Coleção particular

superando a pobreza

socializando a riqueza

inventando unidade

solidariedade, abraços

nosso povo é lindo

nosso povo é afro

e perfeito vai destruindo

ódios e preconceitos

“esse povo negro 

que se diz moreno”

com suas cores, com seu jeito

é um povo pleno

nossa gente é ventania

é ousadia, é mar cheio

nossa gente também veio

pra ser feliz e ter sorte

(Márcio Barbosa. In: Luiz Carlos Santos, Maria Galas, Ulisses Tavares (org. ).

O negro em versos. São Paulo: Moderna, 2005. p. 98-9.)

305 Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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1. No poema “Para um negro”, o eu lírico sugere o que representa a cor da

pele para um negro por meio de duas metáforas.

a. Quais são as metáforas?

b. Interprete as metáforas e responda: O que a cor da pele representa

para um negro?

c. Essas metáforas sugerem o ponto de vista de alguém. Quem é o

agente de ações como desferir o soco ou a facada?

2. O título do poema é ambíguo. Comente os sentidos que ele apresenta.

3. O poema “Nossa gente” descreve os negros brasileiros.

a. O eu lírico se inclui entre o grupo designado pela expressão Nossa

gente? Por quê?

b. Segundo o poema, quais são as qualidades do povo negro do Brasil?

Justifique sua resposta com palavras e expressões do texto.

c. Explique o sentido da palavra inconsciente nestes versos:

“mas às vezes essa gente

passa, inconsciente

sofre, mas não se mexe

ri, mas não se gosta

nossa gente inconsciente

sofrendo, fica fraca”

4. Compare o poema de Adão Ventura e o de Márcio Barbosa. Que semelhanças e diferenças apresentam quanto ao tratamento do tema?

É uma “sombra mais forte que um soco” e “uma

faca que atinge muito mais em cheio o coração”.

1. b) As metáforas representam o modo como o negro sente a discriminação de que é vítima: como um golpe, um soco ou uma facada no coração.

Sente, ainda, o peso da história de maus-tratos no período da escravidão.

Todos os que discriminam em razão da cor da pele negra e o peso de sua história.

O título, “Para um negro”, sugere ao mesmo tempo uma dedicatória (poema dedicado a todos os negros que

sofrem preconceito) e também o ponto de vista de um negro, ou seja, o modo como ele sente o preconceito.

Sim, pois o emprego do pronome possessivo

“nossa”, em 1» pessoa, inclui o enunciador.

É um povo belo e forte (“é bela e forte”), lindo, afro, valente e ousado (“nossa gente é ventania / é ousadia”).

Os versos dão a entender que o

próprio povo negro às vezes não

tem consciência de sua negritude, não se gosta, não se valoriza

e, assim, enfraquece.

REGISTRE

NO CADERNO

4. Ambos os poemas abordam

o tema “ser negro” no Brasil. O

texto 1, porém, enfoca a perspectiva histórica, psicológica e

emocional do negro que sofre

preconceito; já o texto 2, ao

mesmo tempo que valoriza a

negritude brasileira, destacando a beleza e o caráter dos negros, lamenta que alguns não

tenham consciência de seus

valores e de seus direitos, e por

isso se anulam e sofrem, acomodando-se ao preconceito.

Adão Ventura

Adão Ventura (1946-2004 ) nasceu em

Santo Antônio do Itambé, Minas Gerais.

Formou-se em Direito, foi professor

de literatura contemporânea na Universidade do Novo México, nos EUA,

diretor da Fundação Palmares durante

muitos anos.

Publicou vários livros de poesia, entre eles Abrir-se um abutre ou mesmo

depois de deduzir dele o azul (1970), As

musculaturas do Arco do Triunfo (1976)

e A cor da pele (1980).

Márcio Barbosa

Márcio Barbosa nasceu em São Paulo em 1959. Formado em Filosofia pela

USP, atua no movimento negro desde

1976 e atualmente é um dos diretores

do Quilombhoje e um dos responsáveis

pelos Cadernos negros. Profissionalmente, atua no meio editorial.

• As literaturas africanas de língua portuguesa, em sua maioria, começam a ter registros escritos a partir da década de 1940 e estiveram,

durante muito tempo, atreladas aos modelos da literatura portuguesa.

• Aos poucos, essa produção deixa a postura indiferente em relação à

condição do negro colonizado e passa a incorporar elementos da paisagem e da vida africana. Revela, então, a consciência de ser colonizado e

empreende um discurso de contestação e revolta contra o colonizador.

• A Revolução dos Cravos (1974), em Portugal, acelera o processo de independência das colônias. Durante as guerras de libertação, surge uma

literatura engajada e social. Após a independência, os textos se voltam

para a exaltação da liberdade, do povo e da cultura africana.

• No Brasil, surge no século XIX uma produção literária de escritores negros que se estende até os nossos dias. Nessa produção, há os que

defendem uma identidade negro-brasileira, isto é, voltada para a valorização da negritude e para o combate ao preconceito.

Autoria desconhecida Acervo pessoal

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Mesmo estando a uma distância de milhares de quilômetros, escritores do Brasil e da

África muitas vezes estabelecem um diálogo entre si, já que vivem ou viveram experiências semelhantes.

A seguir, você vai ler dois poemas: o primeiro é do poeta angolano Agostinho Neto

(1922-1979). O segundo é de Cuti, pseudônimo de Luís Silva (1951), poeta da atualidade e

militante da causa negra.

Agostinho Neto

António Agostinho Neto (1922-1979)

foi um médico angolano, formado nas

Universidades de Coimbra e de Lisboa.

Foi presidente do Movimento de

Libertação de Angola e, em 1975, tornou-se o primeiro presidente do país.

Em 1975-1976, recebeu o Prêmio Lenine

da Paz.

Entre suas obras de poesia e de política estão Poemas (1961), Sagrada

esperança (1974) e A renúncia impossível (1982).

ENTRE TEXTOS

Mohamed Amin & Duncan Willetts/A24/Camerapix/

Africa Twenty-Four Media/AFP

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil/Bibliotheque Nationale, Paris, França

Texto 1

Velho negro

Vendido

e transportado nas galeras

vergastado pelos homens

linchado nas grandes cidades

esbulhado até ao último tostão

humilhado até ao pó

sempre sempre vencido

É forçado a obedecer

a Deus e aos homens

perdeu-se

Perdeu a pátria

e a noção de ser

Reduzido a farrapo

macaquearam seus gestos e a sua alma

diferente

Velho farrapo

Negro

perdido no tempo

e dividido no espaço!

Ao passar de tanga

com o espírito bem escondido

no silencio das frases côncavas

murmuram eles:

pobre negro!

E os poetas dizem que são seus irmãos.

(Agostinho Neto. Sagrada esperança. São Paulo: Ática, 1985.

Disponível em: http://www.escritas.org/pt/t/13234/velho-negro.

Acesso em: 20/3/2016.)

esbulhado: privado de alguma coisa

a que tinha direito; roubado.

galera: antiga embarcação longa e de

baixo bordo, movida a vela ou a remos.

vergastado: açoitado.

307

Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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Texto 2

Sou negro

In: Poemas da carapinha, 1978.

Sou negro

Negro sou sem mas ou reticências

Negro e pronto!

Negro pronto contra o preconceito branco

O relacionamento manco

Negro no ódio com que retranco

Negro no meu riso branco

Negro no meu pranto

Negro e pronto!

Beiço

Pixaim

Abas largas meu nariz

Tudo isso sim

— Negro e pronto! —

Batuca em mim

Meu rosto

Belo novo contra o velho belo imposto

E não me prego em ser preto

Negro pronto

Contra tudo o que costuma me pintar de sujo

Ou que tenta me pintar de branco

Sim

Negro dentro e fora

Ritmo-sangue sem regra feita

Grito-negro-força

Contra grades contra forcas

Negro pronto

Negro e pronto

Negro sou!

(Cuti. In: Zila Bernd (org.). Antologia de poesia afro-brasileira Ð 150 anos de consciência

negra no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011. p. 145.)

Cuti

Luiz Silva (1951), mais conhecido poeticamente como Cuti, nasceu em Ourinhos

e estudou Letras na Universidade de São

Paulo. Fez mestrado e doutorado em Letras na Unicamp-SP.

É dramaturgo, ensaísta, ficcionista,

poeta e tem uma forte atuação junto à

comunidade afro-brasileira.

Foi um dos fundadores do grupo Quilombhoje Literatura e um dos organizadores da série Cadernos Negros.

1. No texto 1, o eu lírico se refere à figura de um “velho negro”.

a. Qual é a diferença de sentido entre a expressão negro velho e velho negro?

b. Quem é o “velho negro” do poema? A expressão se refere a um único homem ou a

mais de um? Justifique sua resposta.

c. De que época e lugar é o “velho negro”?

d. Como o “velho negro” é tratado em todos os lugares onde vive ou viveu?

e. Qual é a identidade cultural desse “velho negro”? Justifique sua resposta com elementos do texto.

REGISTRE

NO CADERNO

a) Negro velho refere-se a um homem negro com idade avançada;

já a expressão velho negro, além desse sentido, pode ter também

o sentido de ser o “antigo negro”, o negro histórico, que continua

sendo tratado da mesma forma há tantos anos.

O velho negro se refere a todos os negros que hoje estão fora da África.

Ele é tanto o negro do passado quanto o do presente, sem um lugar definido, conforme os versos “perdido no tempo / e dividido no espaço”.

Historicamente, o “velho negro” vem sendo torturado, explorado, zombado.

Ele perdeu sua identidade: já não tem sua pátria nem sua religião, perdeu a “noção de ser”.

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P:311

2. Dê uma interpretação ao último verso do texto 1.

3. O texto 2 é introduzido pelos versos:

“Sou negro

Negro sou sem mas ou reticências

Negro e pronto!”

a. Levante hipóteses e explique: O que seria um “negro com mas ou reticências”?

b. A expressão “Negro e pronto!” é empregada três vezes no poema. Que sentido ela

assume no poema, levando em conta o ponto de exclamação e a repetição?

c. No poema, que diferença de sentido há entre “Negro e pronto!” e “Negro pronto”?

4. O poema apresenta forte musicalidade, determinada pelo ritmo, por rimas (internas

e externas) e pelas aliterações.

a. Faça um levantamento das aliterações do poema.

b. Identifique rimas internas e externas no texto.

c. Que relação há entre os recursos sonoros do poema (aliterações, ritmo) e seu sentido mais geral?

5. Releia estes versos:

“Meu rosto

Belo novo contra o velho belo imposto

[...]

Negro pronto

Contra tudo o que costuma me pintar de sujo

Ou que tenta me pintar de branco”

a. Que novo conceito de belo o texto apresenta? Justifique sua resposta com elementos do texto.

b. Interprete os dois últimos versos desse trecho.

6. Compare os dois textos e aponte aspectos comuns entre eles quanto à abordagem do

tema.

Professor: Sugerimos abrir a discussão com a

classe. Do nosso ponto de vista, trata-se de uma

ironia do eu lírico, que não vê os poetas de seu

tempo lutarem pela causa do negro.

REGISTRE

NO CADERNO

Seria uma forma de se referir ao negro de forma preconceituosa,

como se fosse necessário fazer algum tipo de ressalva.

3. b) A frase reitera o assumir a identidade negra, ou

seja, o eu lírico enfatiza que é negro exatamente como

é, sem necessidade de acrescentar ou explicar nada.

“Negro e pronto!” expressa o sentido indicado no item anterior; já “Negro pronto” é

aquele que, com maturidade, está preparado para lutar por seus direitos.

Há a aliteração dos encontros consonantais gr, pr, br, tr como

nas palavras negro, pronto, preconceito, branco, retranco.

Rimas internas: pronto/contra, prego/preto. Rimas externas: entre outras,

branco/manco/retranco/pranto; sim/mim; rosto/imposto; força/forcas.

A sonoridade do poema reitera a expressividade e a força das palavras.

A voz do eu lírico soa como um grito de protesto.

O novo conceito de belo é o da beleza negra, ou seja, uma beleza que contém beiço, cabelo pixaim, nariz de abas largas,

elementos normalmente desprezados segundo o padrão de beleza preconceituoso dos brancos.

Os dois últimos versos se referem a um discurso social preconceituoso, segundo o

qual o negro é sujo ou o negro é bom quando, na visão do branco, anula suas próprias referências étnico-culturais e assume características do branco.

Ambos os textos abordam o tema do negro historicamente discriminado, a ponto de perder sua própria identidade. No texto

de Agostinho Neto, entretanto, não se vislumbra uma saída. Já no texto de Cuti, o eu lírico é um sujeito que dá um basta a

essa situação e assume sua identidade negra, irrestritamente.

The Bridgeman Art Library / Keystone Brasil

309 Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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FOCO NO TEXTO

Leia o anúncio a seguir.

Análise linguística:

polissemia e ambiguidade

LÍNGUA E LINGUAGEM

1. Explique com outras palavras que sentido a primeira frase do anúncio constrói quando lida isoladamente. Se o anúncio fosse composto apenas por essa frase, qual seria

a ideia veiculada por ele? O anúncio constrói o sentido de que, mesmo sem investir em boa propaganda, o interlocutor poderia

conquistar parcerias em negócios importantes, veiculando uma ideia de que não seria preciso investir em boa propaganda para se ter sucesso nos negócios.

REGISTRE

NO CADERNO

(Zero Hora, Porto Alegre, 4/12/2013. Disponível em: https://www.pinterest.com/pin/510525307737757894/

?from_navigate=true. Acesso em: 8/4/2016.)

Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap)/ Associação Latino-americana das Agências de Publicidade (Alap)/ Associação Riograndense de Propaganda (ARP)/

Federação Nacional das Agências de Propaganda (Fenapro)/ Sindicato das Agências de Propaganda no Estado do Rio Grande do Sul (Sinapro-RS)

310 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:313

língua e

linguagem

2. Em relação à segunda frase:

a. Qual termo é retomado pelo pronome seu?

b. A quem se refere esse pronome?

3. Há uma expressão do anúncio que tem sentidos diferentes nas duas leituras, isto é,

uma expressão polissêmica.

a. Qual é essa expressão?

b. Explique quais são os dois sentidos dessa expressão no contexto do anúncio.

4. Observe a parte inferior do anúncio em estudo.

a. Quem é o anunciante?

b. Qual fato motivou a publicação do anúncio?

5. O anúncio em estudo explora a ambiguidade, isto é, as múltiplas possibilidades de

leitura de um enunciado, por meio da polissemia de uma expressão.

a. Levante hipóteses: Por que o anúncio em estudo utiliza essa estratégia?

b. Quais efeitos de sentido são criados com o uso dessa estratégia?

REFLEXÕES SOBRE A LÍNGUA

Você viu, no estudo do anúncio publicitário, que uma mesma expressão pode ter sentidos variados, isto é, pode ser polissêmica, e dar origem a leituras diversas, dependendo

do contexto no qual é inserida. De fato, uma das características das palavras e expressões

de uma língua é a polissemia: uma palavra ou expressão só pode ser de fato compreendida quando circula em um enunciado específico, dito por um enunciador, que se dirige a

um ou mais interlocutores, com um determinado objetivo.

A polissemia é uma das possibilidades de se construir ambiguidade. Esta, por sua vez,

é um recurso importante da língua, utilizado para produzir efeitos variados nos textos,

principalmente o humor. Se utilizada de forma consciente e como uma estratégia, a ambiguidade pode ser muito produtiva. Se construída acidentalmente, por falta de familiaridade no trabalho com a linguagem, a ambiguidade pode gerar ruídos no processo de

construção da leitura.

APLIQUE O QUE APRENDEU

Leia a tira a seguir e responda às questões 1 e 2.

negócio

Ao próprio interlocutor, tratado por voc• no anúncio.

REGISTRE fechar um grande negócio NO CADERNO

Os sentidos de confirmar uma grande parceria de trabalho ou o sentido de encerrar as atividades de uma grande empresa.

Um conjunto de organizações ligadas à área da publicidade e propaganda: Associação Brasileira de Agências de

Publicidade; Associação Latino-americana de Publicidade; Associação Rio-grandense de Propaganda; Federação

Nacional das Agências de Propaganda; Sindicato das Agências de Propaganda do RS.

O dia mundial da propaganda, 4 de dezembro.

5. a) A fim de chamar a atenção de empresários sobre a importância da propaganda

para a sobrevivência do negócio que eles

administram.

Um efeito tragicômico, uma vez que a quebra de expectativa do leitor cria humor a partir de uma hipótese trágica.

(Disponível em: http://www.jacarebanguela.com.br/wp-content/uploads/2010/04/N%C3%ADquel.jpg. Acesso em: 9/4/2016.)

Fernando Gonsales

311 Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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P:314

1. A ambiguidade da tira é pautada na polissemia de uma palavra.

a. Qual é essa palavra?

b. Quais são as duas possibilidades de sentido trabalhadas na tira? Justifique sua resposta com trechos do texto.

c. Discuta com os colegas e o professor: Em uma conversa entre duas pessoas na

praia, essa ambiguidade existiria? Justifique sua resposta.

2. Além do termo polissêmico, dois elementos da tira possibilitam a construção da ambiguidade.

a. Entre as opções a seguir, indique em seu caderno quais são eles, justificando sua

resposta.

• as cores das bananas

• a legenda do 1º quadrinho

• a fala do 1º quadrinho

• a fala do 2º quadrinho

• os desenhos

b. Conclua: Quais outros fatores podem ser importantes na construção de uma ambiguidade?

3. Leia os trechos a seguir, adaptados de notícias de jornal.

I. A testemunha confirmou que assistiu ao incêndio do seu apartamento

II. O corpo foi abandonado ao lado do banco

III. O homem segurou a mulher com as duas mãos amarradas

IV. A mãe cortou a manga para a filha

V. Recortei essa tira do jornal para fazermos o trabalho

VI. A moça guardou o estojo da caneta que ganhou em seu aniversário

VII. Mãe obriga filha a ficar em casa por passeio de um fim de semana

VIII. Ele prestará depoimento pela terceira vez nesta semana

a. Discuta oralmente com os colegas e o professor: Qual é a ambiguidade presente

em cada uma delas?

b. Nas questões anteriores, você viu que a ambiguidade foi utilizada propositalmente

como uma estratégia. No caso desses trechos, é possível considerar que a ambiguidade tem essa mesma função? Justifique sua resposta.

c. Escolha três desses trechos e proponha uma reescrita para cada um, eliminando a

ambiguidade.

4. Leia os textos I e II.

descascar

Os sentidos de “trocar de pele” pela exposição

excessiva ao sol e de “tirar a casca”.

Não, pois só a opção de trocar a pele devido à

exposição ao sol seria considerada.

REGISTRE

NO CADERNO

X X

Os fatores contextuais que explicitam a situação de comunicação em que o enunciado é dito. Nesse caso, as

imagens são importantes quando se trata de um texto que mistura as linguagens verbal e não verbal.

O incêndio foi no apartamento ou a testemunha estava no apartamento?

Banco: assento ou agência bancária?

O homem ou a mulher estava com as mãos amarradas?

Manga fruta ou manga da camisa?

Tira: história em quadrinhos ou pedaço?

Ganhou o estojo ou ganhou a caneta?

O passeio será uma recompensa por ficar em casa ou foi o motivo pelo qual ela ficou em casa?

Pela terceira vez só nesta semana ou esta semana será a terceira vez?

Respostas em cada trecho.

b) Provavelmente não, pois

se trata de trechos que

narram fatos que em tese

aconteceram; portanto,

não é desejável que se

abra a possibilidade de

mais de uma leitura, já que

cada um faz referência a

uma situação específica.

c) Possibilidades variadas

de resposta, com base nas

possibilidades mencionadas no item a. Por exemplo,

“A testemunha confirmou

que assistiu ao incêndio

quando estava em seu

apartamento”, ou “A testemunha confirmou que viu

seu apartamento se incendiar/ser incendiado.”

(Disponível em: https://alegriaeboadisposicao.

wordpress.com/2012/11/01/algumas-pessoasprecisam-de-terapia/. Acesso em: 10/4/2016.)

I.

Rony Costa/Finephoto

312 UNIDADE 4 CAMINHOS

PortuguesContemporaneo3_UN4_CAP3_299a329.indd 312 5/12/16 6:37 PM

P:315

LÍNGUA e

LINGUAGEM

A construção do humor nos dois textos se centra na utilização do recurso da ambiguidade, pautado em duas estratégias: a polissemia e a ambiguidade por segmentação.

a. Deduza: Qual dos textos constrói a ambiguidade por segmentação? Justifique sua

resposta, indicando qual é o trecho responsável pela ambiguidade.

b. E qual constrói a ambiguidade por polissemia? Nesse caso, qual é o termo polissêmico?

c. Em um dos textos em estudo, a ambiguidade só pode ser compreendida se for considerada, além da parte verbal, a imagem. Identifique qual é ele e justifique sua

resposta.

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

1. Leia a piada a seguir.

A mulher chega afobada na delegacia:

— Seu delegado, meu marido saiu de casa ontem à noite para comprar arroz e

até agora não voltou. O que eu faço?

— Sei lá, dona, faz macarrão!

A construção do humor da piada lida se pauta na ambiguidade de uma frase, entendida de formas distintas pelas duas personagens que participam do diálogo.

a. Identifique qual é essa fala e quais são as duas interpretações possíveis.

b. Em uma piada como essa, o humor só se constrói se a expectativa inicial do leitor é

quebrada com uma resposta inesperada. Discuta com seus colegas e professores e

conclua: Por que a resposta dada pelo delegado é inesperada?

2. A frase a seguir é ambígua porque o termo não pode fazer referência a partes distintas dela. Observe:

O candidato não foi eleito porque teve votos de sua cidade, apenas.

a. Identifique as duas partes a que o não pode corresponder e explique a ambiguidade mencionada.

a) O texto I, pois explora

a dupla possibilidade de

segmentação da expressão ter a pia, que, quando

pronunciada rapidamente,

se confunde com a palavra

terapia.

O texto II, pois explora dois sentidos da palavra engarrafamento: ação de colocar em garrafa e congestionamento.

No texto II, pois é o desenho das formigas entrando em uma garrafa que abre a possibilidade da

compreensão da palavra engarrafamento como “ação de colocar em garrafa”.

REGISTRE

NO CADERNO

a) A pergunta “O que eu

faço?”. Pela resposta do

delegado, ele entendeu

que a mulher estaria perguntando para ele “O que

eu faço de comida?” quando, na verdade, ela perguntava “O que eu faço para

encontrar meu marido?”.

b) Porque o cenário construído anteriormente, associado a uma série de conhecimentos comuns (como, por

exemplo, o que se pretende

ao se procurar uma delegacia), conduz o leitor a pensar que a intenção da mulher, ao ir até a delegacia, é

buscar ajuda para encontrar

o marido.

O não pode se referir apenas à expressão foi eleito, indicando que o candidato não foi eleito e que a explicação para esse fato seria o restante

da frase, porque ele foi votado apenas pelos eleitores de sua cidade. A outra possibilidade de leitura é entender que o não pode se referir a todo

o restante da oração, com o sentido de que ele foi eleito e não foi só porque ele teve votos de sua cidade, mas também de outras localidades.

II.

(Disponível em: http://jeremiah-mb.blogspot.com.br/2006_04_01_archive.html. Acesso em: 10/4/2016.)

© 2016 King Features Syndicate/Ipress

313 Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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P:316

b. Agora leia o mesmo enunciado, em dois contextos distintos:

A opção da equipe foi por uma campanha localizada e o município de origem do

candidato tem um número muito pequeno de eleitores. O candidato não foi eleito

porque teve votos de sua cidade, apenas.

A equipe foi extremamente competente e a campanha foi muito bem conduzida em todo o País, trazendo votos de todas as localidades. Por isso, é preciso reafirmar que o candidato não foi eleito porque teve votos de sua cidade, apenas.

Nesses casos, a ambiguidade da frase permanece?

c. Conclua: Além da construção do texto, qual outro fator é preponderante na produção ou na resolução de uma ambiguidade? Justifique sua resposta com base na

discussão dos itens anteriores.

Leia o anúncio a seguir.

Não. REGISTRE

NO CADERNO

O contexto no qual a frase se insere é um fator preponderante para resolver uma ambiguidade. O que

foi dito antes da frase nos exemplos do item b construiu parte do contexto e permitiu que a ambiguidade inicial fosse desfeita.

(Disponível em: http://www.blogdocrespo.

com.br/post/2015/10/04/E-preciso-tocar

-no-assunto-Previna-se.aspx. Acesso em:

10/4/2016.)

3. Sobre o anúncio, em geral:

a. Quem é o anunciante?

b. Qual é o seu público-alvo?

c. Levante hipóteses: A quem se refere o termo a gente no anúncio? Qual efeito de

sentido o uso desse termo constrói nesse contexto? Justifique sua resposta.

Unimed, uma empresa de planos de saúde.

O público em geral, mas principalmente as mulheres.

3. c) Ao anunciante e seus interlocutores em conjunto. O uso desse termo, além de colocar anunciante

e público em um mesmo grupo, cria um efeito de proximidade, uma vez que se trata de uma expressão

pronominal utilizada em situações menos formais, gerando certa intimidade entre os interlocutores.

DeBrito

314 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:317

4. Há no anúncio em estudo um termo polissêmico que cria um efeito de ambiguidade.

a. Identifique o termo e as duas possibilidades de leitura.

b. Levante hipóteses: Esse uso foi proposital ou acidental? Justifique sua resposta.

c. Entre os efeitos de sentido listados a seguir, identifique em seu caderno qual esse

uso constrói no anúncio.

• humor • suspense X • ênfase • ironia

d. Discuta com os colegas e o professor: Essa ambiguidade pode ser desfeita pelo contexto no anúncio em estudo? Justifique sua resposta.

5. Conclua: Qual é a importância da utilização do recurso da ambiguidade na construção desse texto?

REGISTRE

NO CADERNO

O termo tocar, que pode ter o sentido de “falar

sobre” ou o de “pôr a mão”, “apalpar”.

Proposital, pois tem a função de chamar a atenção dos leitores para o anúncio.

d) Não, pois embora a

expressão nesse assunto

leve à interpretação do

termo tocar como “falar

sobre”, a intenção, nesse

caso, é justamente que

as duas possibilidades de

leitura se mantenham sobrepostas.

A sobreposição das duas possibilidades de leitura, ao mesmo tempo que chama a atenção para o anúncio e enfatiza o termo

tocar, mantém forte a referência à importância do exame de toque para se detectar o câncer de mama, mesmo sem falar

diretamente nele.

Entrevista de emprego

PRODUÇÃO DE TEXTO

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, a transcrição de trechos de uma entrevista de emprego, fruto de

adaptação de entrevistas reais e simulações de entrevistas.

Entrevistador: − Boa tarde, Pedro, tudo bem?

Candidato: − Tudo bem.

Entrevistador: − Você trouxe seu currículo?

Candidato: − Trouxe... (colocando a mão no bolso) É... (retirando um papel dobrado

do bolso) Eu acredito que cê possa ficar um pouco chateado, mas eu acredito que somos homens, né? Um currículo todo bonitinho, perfumado, num ia pegar bem, né?...

Entrevistador: − Certo. E você acha que as suas características se encaixam na

nossa vaga?

Candidato: − Ah, mais ou menos... É que eu tô desempregado, aí queria arrumar um

emprego e eu achei que... ah, achei que, de repente, dava pra entrar nessa vaga. E

pra mim agora num importa, qualquer emprego serve, porque eu preciso ajudar a

minha família.

Entrevistador: − Ok... E me fala um pouco sobre o seu último emprego.

Candidato: − Foi como auxiliar técnico em inspeção veicular, numa empresa que

não era muito grande. Até que o trabalho era bom, mas a empresa na época começou a num me pagar direito e tal, e a empresa acabou falindo.

[...]

Entrevistador: − E nas suas horas vagas, o que você mais gosta de fazer?

Candidato: − Ficar no facebook.

Entrevistador: − Ah, tá... É... E você tem projetos de voltar a estudar, continuar a sua

formação escolar, acadêmica?

315PRODUÇÃO DE TEXTO

Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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P:318

Candidato: − Ah, assim... Eu num tenho muita

vontade não, porque eu acho que eu já estudei

bastante na minha vida até terminar o ensino

médio, mas se for preciso eu até faço, assim, um

curso, se não for demorar muito tempo...

[...]

Entrevistador: − Como você se vê daqui a dez

anos?

Candidato: − Espero que casado... Porque, aliás,

eu vou tá com 30, espero que esperando meu segundo filho. Quero tê filho novo, quero jogar bola

com ele.

Entrevistador: − Certo... Eu vou encaminhar o

seu currículo aqui pro pessoal da empresa responsável e eles vão entrar em contato com você... O seu endereço de e-mail é esse aqui? [email protected]?

Candidato: − É, esse aí mesmo. Mas olha, nessa próxima semana eu vou pro interior de férias com meus pais, então nem adianta me escrever que eu não vou

conseguir ver e-mail. Então deixa pra outra, que é quando eu vou poder começar

no trabalho, tudo bem?

Entrevistador: − Ah, tá... ok, tudo bem. Obrigado.

Candidato: − Obrigado.

(Texto dos autores baseado em entrevistas reais disponíveis na Internet.)

1. O texto lido mostra que, na entrevista de trabalho, Pedro se comportou de maneira

inadequada em determinados aspectos. Discuta com os colegas e o professor e identifique em quais dos pontos indicados a seguir pode-se perceber que Pedro não se

saiu bem.

I. Trajes

II. Detalhes sobre emprego anterior

III. Planos para o futuro

IV. Justificativa para a escolha da vaga

V. Uso do celular

VI. Excesso de cumprimentos ao entrevistador

VII. Endereço de e-mail

VIII. Pouco conhecimento sobre a empresa

IX. Relação mantida com os estudos

X. Apresentação do currículo

XI. Ocupação do tempo livre

XII. Ressalvas no final da entrevista

XIII. Desinformação quanto a acontecimentos nacionais e internacionais

2. Com base no texto lido, justifique a inadequação a cada ponto indicado por você na

questão anterior.

REGISTRE

NO CADERNO

X

X

X

X

X

X

X

X

2. Professor: Sugerimos discutir oralmente com os alunos essa questão. II: falou mal da empresa antiga, dizendo que não pagavam direito; III: falou apenas

da vida pessoal (casar e ter filhos); IV: não mostrou interesse pelo trabalho

especificamente nem pela empresa, e justificou a tentativa de emprego por

interesses pessoais (estar desempregado, precisar ajudar a família); VII: o

e-mail faz referência a atributos extremamente pessoais e indicados por meio

de gírias (gato, sarado); IX: demonstrou desinteresse (“já estudei bastante”;

“se não for demorar muito”); X: além de levar o currículo dobrado e dentro do

bolso, sugeriu que um homem não pode ter um currículo bem-apresentado;

XI: menção a uma única atividade e, ainda, extremamente banal (navegar nas

redes sociais); XII: fez objeções a possível procedimento da empresa, antes

mesmo de ser contratado, ao avisar que não iria ler e-mails durante uma viagem de passeio.

Shutterstock

316

UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:319

3. Discuta com os colegas e o professor e aponte alternativas de comportamento ou de

respostas do candidato que seriam mais adequados ao objetivo de ser escolhido para

a vaga de trabalho.

4. Tendo em vista as modificações de comportamento ou de respostas apontadas na

questão anterior, que respostas você daria às seguintes perguntas em uma entrevista

de emprego?

a. Você acha que as suas características se encaixam na nossa vaga?

b. Fale um pouco sobre o seu último emprego.

c. Nas suas horas vagas, o que você mais gosta de fazer?

d. Você tem projetos de voltar a estudar e continuar a sua formação escolar?

e. Como você se vê daqui a dez anos?

Professor: Sugerimos que, antes da discussão proposta, leia com os

alunos o boxe “Perguntas mais frequentes em entrevistas de emprePossibilidades variadas de resposta. go e orientações de resposta”.

REGISTRE

NO CADERNO Possibilidades variadas de resposta.

Dicas sobre como se preparar para uma entrevista de emprego e como se portar durante

sua realização

•Levar sempre uma cópia do currículo.

• Vestir-se de acordo com o ambiente da empresa.

• Ter conhecimento acerca da atuação da empresa na qual vai fazer a entrevista.

• Estar informado sobre acontecimentos nacionais e internacionais importantes da atualidade.

• Desligar o celular e, caso tenha se esquecido, não atender, se tocar.

• Não falar mal de empresas em que já trabalhou nem de pessoas com quem conviveu em ambiente de trabalho.

Perguntas mais frequentes em entrevistas de emprego e orientações de resposta

— Fale um pouco sobre você.

•Fale por cerca de um minuto. De maneira breve, conte onde nasceu, como é sua família, onde estudou, quais

cursos fez, quais estágios e trabalhos anteriores realizou. (Se ainda não trabalhou, cite projetos de que participou,

trabalhos voluntários que fez).

— Por que você quer trabalhar aqui?

• Dê uma resposta que demonstre conhecer a história da empresa, tentando encaixar o seu perfil profissional

no perfil solicitado para a vaga oferecida. Por isso, é importante pesquisar antes sobre a empresa e mostrar na

entrevista que o seu perfil tem afinidades com o que é esperado na função.

— Quais são as suas principais qualidades/pontos fortes?

• Responda sinceramente; não invente e procure citar características desejáveis para o cargo pretendido e, se for

possível, dar exemplos de situações anteriores de trabalho em que a qualidade citada foi um destaque.

— Quais são os seus principais defeitos/fraquezas?

• Responda sinceramente; não tente mencionar como defeito o que em tese é tido como qualidade, como,

“detalhista”, “perfeccionista”, “sincero”. Cite uma característica que não seja essencial para assumir a função

pretendida (como ser muito tímido, pouco organizado, apressado, etc.).

— O que costuma fazer nas horas vagas?

•Mencione atividades que, de alguma forma, indiquem valores relacionados à empresa e à vaga pretendida: viajar,

praticar esportes, reunir-se com amigos, etc.

— Quais são seus planos para o futuro? Como você se imagina daqui a x anos?

• Tente relacionar seus planos futuros com o trabalho pretendido. Mostre o que tem feito para conseguir cumprir

seu planejamento e atingir seus objetivos.

— Por que escolher você e não alguém entre os outros candidatos?

•Mostre que tem vontade de trabalhar na empresa e na vaga pretendida, especificamente. Mencione o que você

acredita que pode aprender com o trabalho e também como você pretende contribuir para a empresa com a

experiência que tem.

317Produção de texto

Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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P:320

5. Escolha, juntamente com o professor e os colegas, duplas para representar, em duas versões, a entrevista lida: com o comportamento e as respostas adequados e com o comportamento e as respostas inadequados.

Depois, responda:

a. Você percebeu todas as inadequações das respostas de Pedro logo na

primeira leitura do texto? Compare sua resposta com a dos colegas.

b. Caso você já tenha passado por uma entrevista de emprego, ouviu alguma dessas perguntas e/ou deu alguma dessas respostas? Comente

com os colegas como foi.

6. Observe a linguagem utilizada pelo participante da entrevista nestes

trechos:

• “Eu acredito que cê possa ficar um pouco chateado, mas eu acredito que somos homens, né? Um currículo todo bonitinho, perfumado, num ia pegar bem, né?...”

• “Ah, mais ou menos... É que eu tô desempregado, aí queria arrumar um emprego e eu achei que... ah, achei que, de repente, dava

pra entrar nessa vaga. E pra mim agora num importa, qualquer

emprego serve, porque eu preciso ajudar a minha família.”

a. Qual forma de tratamento o entrevistado utiliza para se dirigir ao entrevistador? Em entrevista de emprego, essa forma pode ser adequada ou inadequada. Explique essa afirmação e dê exemplos de situação em que ela é adequada.

b. Supondo que a entrevista de emprego lida tenha ocorrido em uma

situação muito formal, explique por que os trechos a seguir se mostram inadequados.

• “num ia pegar bem”

• “É que eu tô desempregado, aí queria arrumar um emprego”

• “ah, mais ou menos... [...] eu achei que... ah, achei que, de repente,

dava”

• “entrar nessa vaga”

• “qualquer emprego serve”

c. Discuta oralmente com os colegas e o professor e imagine como as

falas transcritas nessa questão poderiam ser modificadas para se

adequar a um contexto mais formal.

HORA DE PRODUZIR

Seguem duas propostas de produção de entrevistas de emprego simuladas. Por meio dessas simulações você e seus colegas poderão se preparar

para a participação em entrevistas de emprego reais.

Combine com o professor como a classe pode se organizar em grupos, a

fim de desenvolver as propostas da melhor forma possível.

Resposta pessoal.

Resposta pessoal.

REGISTRE

NO CADERNO

a) A forma é cê. Em entrevista de emprego, ela

é adequada, por exemplo, em regiões do país

nas quais esse uso é corrente e não demonstra desrespeito ou excesso de informalidade e

também em situação na qual entrevistador e

entrevistado tivessem idades muito próximas,

ou se já se conhecessem antes da entrevista,

ou a entrevista ocorresse em um ambiente

muito informal. Em situação muito formal, ou

sendo o entrevistador uma pessoa mais velha,

ou sendo o ambiente muito sóbrio, a forma

mais adequada é senhor.

Gírias como pegar bem são mais adequadas em contextos informais.

O uso de aí remete a uma fala muito informal, assim como

a expressão arrumar um emprego.

O uso excessivo de ah pode demonstrar hesitação, falta de assertividade. A expressão de repente, por sua

vez, remete à ideia de decisão acidental, sem reflexão.

A expressão entrar na vaga é típica de contextos informais.

O uso dos termos qualquer e serve desvaloriza o trabalho almejado.

Possibilidades variadas de resposta, entre elas: a troca de cê por você ou senhor; de num ia pegar bem por não seria

necessário; de ah, mais ou menos e achei que de repente dava por penso/acredito que sim; de entrar nessa vaga por

essa vaga pode ser adequada para mim; de qualquer emprego serve por seja este ou outro emprego.

Dê continuidade à

organização da feira de

profiss›es, gravando vídeos com simulações de

entrevistas que serão

exibidos na feira a fim de

orientar os visitantes.

Outras perguntas frequentes

em entrevistas de emprego

Em uma entrevista de emprego, você

pode se deparar também com perguntas

como as que seguem. Quais respostas

você daria a elas?

•— Por que veio fazer esta

entrevista?

•— O que motiva você a fazer um

bom trabalho?

•— Você trabalha bem em equipe?

•— Até hoje, quais foram as

experiências que lhe deram maior

satisfação?

•— O que você procura em um

emprego?

•— Quais são os seus objetivos a

curto prazo? E a longo prazo?

318 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:321

1. Tomando como roteiro a entrevista de emprego lida neste capítulo, gravem em vídeo

duas versões da cena: uma com comportamentos e respostas inadequados do candidato, como no texto original, e outra com comportamentos e respostas adequados.

Na feira, ao apresentar os vídeos, deixem claro aos visitantes qual é o comportamento

recomendado e qual é o não recomendado.

2. Tomando por base as dicas dadas nos boxes deste capítulo, imaginem outras possíveis situações de entrevistas de emprego. Encenem e gravem as situações em vídeos

e os apresentem depois aos visitantes da feira.

A postura corporal na entrevista de trabalho

Considerando que a expressão corporal influencia muito a imagem que transmitimos de nós, vale a pena, em uma

entrevista de emprego, levar em conta estas recomendações:

• Evite cruzar os braços ou colocar os cotovelos em cima da mesa.

• Procure manter a cabeça erguida e evite ficar olhando para baixo o tempo todo.

• Fale olhando diretamente para o entrevistador, porém, sem encará-lo, a fim de não parecer agressivo.

• Incline levemente o corpo para a frente, mas não avance muito na direção do entrevistador, pois isso pode parecer

invasivo.

• Evite gestos repetitivos (sacudir os pés ou as pernas, levar a mão à boca, coçar a cabeça, mexer no cabelo).

• Procure se sentar em uma postura neutra, nem muito rígida nem muito relaxada.

• Não fique muito parado nem gesticule demais.

• Evite ficar olhando a todo o momento para o relógio.

ANTES DE ENCENAR

Ao escrever um diálogo que comporá a entrevista, incluam:

• algumas das perguntas mais frequentes na

situação;

• as respostas mais adequadas para cada uma

das perguntas formuladas.

AO ENCENAR

Na encenação da entrevista:

• observem a adequação da postura corporal e

dos trajes dos participantes;

• tenham em mente o diálogo escrito, mas não falem de forma decorada, pois soaria

falso, e procurem, de fato, se imaginar na situação representada.

DEPOIS DE ENCENAR

Após a encenação e a gravação da entrevista, assistam ao vídeo e observem:

• se os participantes atuaram com naturalidade, como se, de fato, estivessem vivendo a

situação encenada;

• se estão contemplados no vídeo o comportamento e as respostas considerados adequados em entrevista de emprego;

• se, nos vídeos em que há exemplos de comportamentos e respostas inadequados, há

clareza de que se trata de atitudes que não devem ser seguidas.

Thinkstock/Getty Images

319PRODUÇÃO DE TEXTO

Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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P:322

MUNDO JUVENTUDE E TRABALHO

Você viu, nesta unidade, dois gêneros diretamente relacionados à esfera do trabalho:

a carta de apresentação e a entrevista de emprego. Leia o texto a seguir e, depois, discuta

com os colegas e o professor as questões propostas, justificando seus pontos de vista.

Mercado é cruel com o jovem 

Quem antes só estudava agora procura emprego para ajudar a complementar a renda da família

QUEILA ARIADNE

Não está fácil para ninguém. Mas, para os jovens, arrumar um emprego está ainda

mais difícil. [...]

Elisa Rodrigues/Futura Press

320 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:323

A coordenadora da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, Adriana Beringuy, explica que a desocupação cresceu entre todas as faixas etárias, mas o ritmo

está mais intenso entre os jovens de 18 a 24 anos. "O crescimento se deve tanto pelos

que perderam o emprego, quanto por aqueles jovens que antes não estavam nem

trabalhando, nem procurando, mas agora saem da inatividade e pressionam a taxa

de desemprego", explica.

No quarto período do curso de psicologia, Gabriela Magalhães Silva, 21, está procurando emprego há quatro meses e teme ter que trancar o curso. "Eu sou bolsista,

mas tenho muitos outros gastos, como passagens e lanche. Eu nunca tinha ficado tanto

tempo sem emprego. Agora, já fiz várias entrevistas e não fui chamada. O problema é

que tem muita gente procurando ao mesmo tempo", diz Gabriela.

Segundo a coordenadora do departamento de carreiras do Ibmec, Fernanda Schroder,

é exatamente isso que está acontecendo. "O número de pessoas procurando recolocação

aumentou muito. E, por outro lado, vemos que a oferta das vagas está menor do que a

procura, o que faz o desemprego ficar ainda maior. Nesse cenário, as empresas têm que

cortar custos e ficam mais seletivas. Portanto, preferem empregar uma pessoa que já tem

experiência do que dar uma oportunidade de primeiro emprego ao jovem", avalia.

"Como tem muita gente procurando, as empresas acabam oferecendo salários menores. Sem falar na inflação, que já faz a renda familiar cair. Então, os jovens estão buscando emprego para contribuir em casa", analisa Fernanda.

A poucos meses de completar 16 anos, Karolaine Anastácia fez questão de fazer sua

carteira de trabalho. Acompanhada pela mãe, Iracema Maria Rosa, 42, ela conta que

quer encontrar um emprego para ter condições de pagar cursos de qualificação. "Minha

mãe já paga inglês, porém quero fazer informática também", destaca. "Mas está difícil."

O especialista em inteligência de negócios do site Vagas.com, Rafael Urbano, afirma

que a conjuntura econômica obrigou o jovem a mudar de comportamento. "Se antes ele

dedicava mais tempo aos estudos, agora precisa complementar a renda da família." [...]

Idosos também estão em busca de oportunidades de trabalho

A procura de emprego também cresceu entre os idosos. No primeiro semestre deste

ano, o volume de pessoas com mais de 65 anos que enviaram currículos ao cadastro do

site Vagas.com aumentou 25% em relação ao mesmo período do ano passado. "Sabemos que a procura por trabalho é um movimento global, mas me chamou atenção a

quantidade de pessoas mais velhas buscando uma oportunidade ou um segundo emprego, para aumentar a renda", afirma especialista em recrutamento Rafael Urbano.

Apesar do aumento da busca de vagas pelos mais velhos, o desemprego da população

com 50 anos ou mais (2,6%) é quase quatro vezes menor do que entre os jovens. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a desocupação atinge 11,9% de

quem tem entre 18 e 24 anos.

(Queila Ariadne, 9/8/2015. Disponível em: http://www.otempo.com.br/capa/economia/

mercado-%C3%A9-cruel-com-o-jovem-1.1082291. Acesso em: 9/4/2016.)

1. Você trabalha ou já trabalhou? Você julga importante um jovem trabalhar antes de

completar o ensino médio?

2. Você já passou por algum processo de seleção para conseguir uma vaga de emprego?

Em caso afirmativo, conte brevemente como foi esse processo.

3. Você vivenciou ou conhece alguém que tenha vivenciado dificuldades específicas na

busca por um trabalho, seja pela idade, seja pela falta ou pelo excesso de experiência?

4. Quais são seus planos para o próximo ano, após concluir o ensino médio?

321PRODUÇÃO DE TEXTO

Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

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P:324

POR DENTRO DO ENEM E DO VESTIBULAR

ENEM EM CONTEXTO

Se o objetivo principal das questões do Enem é avaliar a competência leitora dos estudantes, isso pode ser feito com textos atuais, de autores que atuam no cenário cultural

brasileiro de hoje. Por isso, boa parte das questões de literatura faz uso de textos de autores contemporâneos, que você estudou nesta unidade. Veja como isso acontece nesta

questão do Enem 2015:

da sua memória

mil

e

mui

tos

out

ros

ros

tos

sol

tos

pou

coa

pou

coa

pag

amo

meu

ANTUNES, A. 2 ou + corpos no mesmo espaço.

São Paulo: Perspectiva, 1998.

Trabalhando com recursos formais inspirados no Concretismo, o poema atinge uma expressividade que se caracteriza pela

a. interrupção da fluência verbal, para testar os limites da lógica racional.

b. reestruturação formal da palavra, para provocar o estranhamento no leitor.

c. dispersão das unidades verbais, para questionar o sentido das lembranças.

d. fragmentação da palavra, para representar o estreitamento das lembranças.

e. renovação das formas tradicionais, para propor uma nova vanguarda poética.

REGISTRE

NO CADERNO

X

O poema do poeta e compositor Arnaldo Antunes, ex-Titãs, alinha-se aos pressupostos do movimento concretista, que objetiva romper com a linearidade do verso tradicional, explorando a visualidade do poema e a multiplicidade de sentidos advindos da ruptura das palavras e disposição

verbal. Veja que, com exceção de um, todos os versos apresentam apenas três letras.

O poema é constituído de uma única frase – “Mil e muitos outros rostos soltos pouco a pouco

apagam o meu” –, que remete à memória do interlocutor do eu lírico, identificado pelo pronome de

3ª pessoa sua, que aos poucos vai se esquecendo do eu lírico.

Na questão, todas as afirmações feitas na 1ª parte de cada item são verdadeiras, ou seja, os versos

exploram a interrupção da fluência verbal, reestruturam formalmente a palavra, exploram a fragmentação e a dispersão aleatória de letras e renovam as formas tradicionais da poesia. Contudo, o

problema dos itens está na segunda parte, que indica uma finalidade para o uso desses recursos.

322 UNIDADE 4 CAMINHOS

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P:325

REGISTRE

NO CADERNO

QUESTÕES DO ENEM E DO VESTIBULAR

1. (ENEM)

O açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café

nesta manhã de Ipanema

não foi produzido por mim

nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro

e afável ao paladar

como beijo de moça, água

na pele, flor

que se dissolve na boca. Mas este açúcar

não foi feito por mim.

Este açúcar veio

da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,

[dono da mercearia.

Este açúcar veio

de uma usina de açúcar em Pernambuco

ou no Estado do Rio

e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana

e veio dos canaviais extensos

que não nascem por acaso

no regaço do vale.

(...)

Em usinas escuras,

homens de vida amarga

e dura

produziram este açúcar

branco e puro

com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

Ferreira Gullar. Toda Poesia. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1980. p. 227-8.

A antítese que configura uma imagem da divisão social

do trabalho na sociedade brasileira é expressa poeticamente na oposição entre a doçura do branco açúcar e

a. o trabalho do dono da mercearia de onde veio o açúcar.

b. o beijo de moça, a água na pele e a flor que se dissolve na boca.

c. o trabalho do dono do engenho em Pernambuco,

onde se produz o açúcar.

d. a beleza dos extensos canaviais que nascem no regaço do vale.

e. o trabalho dos homens de vida amarga em usinas

escuras.

2. (ENEM)

À garrafa

Contigo adquiro a astúcia

de conter e de conter-me.

Teu estreito gargalo

é uma lição de angústia.

Por translúcida pões

o dentro fora e o fora dentro

para que a forma se cumpra

e o espaço ressoe.

Até que, farta da constante

prisão da forma, saltes

da mão para o chão

e te estilhaces, suicida,

numa explosão

de diamantes.

PAES, J. P. Prosas seguidas de odes mínimas.

São Paulo: Cia. das Letras, 1992.

A reflexão acerca do fazer poético é um dos mais marcantes atributos da produção literária contemporânea,

que, no poema de José Paulo Paes, se expressa por

um(a)

a. reconhecimento, pelo eu lírico, de suas limitações

no processo criativo, manifesto na expressão “Por

translúcidas pões”.

b. subserviência aos princípios do rigor formal e dos

cuidados com a precisão metafórica, como se em

“prisão da forma”.

c. visão progressivamente pessimista, em face da impossibilidade da criação poética, conforme expressa

o verso “e te estilhaces, suicida”.

d. processo de contenção, amadurecimento e transformação da palavra, representado pelos versos “numa

explosão / de diamantes”.

X

X

A mais coerente é expressa no item d, que relaciona forma e conteúdo, ou seja, o estreitamento

formal do poema associa-se à ideia de que as lembranças que o interlocutor tem do eu lírico vão,

pouco a pouco, desaparecendo.

Como se nota, nesse tipo de questão não é preciso ter amplo conhecimento teórico acerca do

Concretismo ou do autor. Basta ser um leitor perspicaz e ser capaz de estabelecer relações entre

forma e conteúdo de um texto.

REGISTRE

NO CADERNO

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e. necessidade premente de libertação da prisão representada pela poesia, simbolicamente comparada à

“garrafa” a ser “estilhaçada”.

3. (ENEM)

Aquarela

O corpo no cavalete

é um pássaro que agoniza

exausto do próprio grito.

As vísceras vasculhadas

principiam a contagem

regressiva.

No assoalho o sangue

se decompõe em matizes

que a brisa beija e balança:

o verde – de nossas matas

o amarelo – de nosso ouro

o azul – de nosso céu

o branco o negro o negro

CACASO. In: HOLLANDA, H. B. (Org.). 26 poetas hoje.

Rio de Janeiro: Aeroplano, 2007.

Situado na vigência do Regime Militar que governou

o Brasil, na década de 1970, o poema de Cacaso edifica

uma forma de resistência e protesto a esse período, metaforizando

a. as artes plásticas, deturpadas pela repressão e censura.

b. a natureza brasileira, agonizante como um pássaro

enjaulado.

c. o nacionalismo romântico, silenciado pela perplexidade com a Ditadura.

d. o emblema nacional, transfigurado pelas marcas do

medo e da violência.

e. as riquezas da terra, espoliadas durante o aparelhamento do poder armado.

4. (ENEM)

Tudo era harmonioso, sólido, verdadeiro. No

princípio. As mulheres, principalmente as mortas do

álbum, eram maravilhosas. Os homens, mais maravilhosos ainda, ah, difícil encontrar família mais perfeita. A nossa família, dizia a bela voz de contralto da minha avó. Na nossa família, frisava, lançando em redor

olhares complacentes, lamentando os que não faziam

parte do nosso clã. [...]

Quando Margarida resolveu contar os podres todos que sabia naquela noite negra da rebelião, fiquei

furiosa. [...]

REGISTRE

NO CADERNO

X

É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos.

Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se

casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro,

não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Consuelo? Ora, tia Consuelo chorava porque

sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus,

ou o convento ou o sanatório. O dote era tão bom que o

convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem

mais coisas ainda, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com

violência: uma agregada, uma cria e, ainda por cima,

mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis?

TELLES, L. F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Representante da ficção contemporânea, a prosa de

Lygia Fagundes Telles configura e desconstrói modelos

sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a)

a. convivência frágil ligando pessoas financeiramente

dependentes.

b. tensa hierarquia familiar equilibrada graças à presença da matriarca.

c. pacto de atitudes e valores mantidos à custa de

ocultações e hipocrisias.

d. tradicional conflito de gerações protagonizado pela

narradora e seus tios.

e. velada discriminação racial refletida na procura de

casamentos com europeus.

5. (ENEM)

Texto I

Voluntário

Rosa tecia redes, e os produtos de sua pequena

indústria gozavam de boa fama nos arredores. A reputação da tapuia crescera com a feitura de uma maqueira de tucum ornamentada com a coroa brasileira,

obra de ingênuo gosto, que lhe valera a admiração de

toda a comarca e provocara a inveja da célebre Ana

Raimunda, de Óbidos, a qual chegara a formar uma

fortunazinha com aquela especialidade, quando a

indústria norte-americana reduzira à inatividade os

teares rotineiros do Amazonas.

SOUSA, I. Contos amazônicos. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Texto II

Relato de um certo oriente

Emilie, ao contrário de meu pai, de Dorner e dos

nossos vizinhos, não tinha vivido no interior do Amazonas. Ela, como eu, jamais atravessara o rio. Manaus

era o seu mundo visível. O outro latejava na sua memória. Imantada por uma voz melodiosa, quase encantaX

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da, Emilie maravilha-se com a descrição da trepadeira

que espanta a inveja, das folhas malhadas de um tajá

que reproduz a fortuna de um homem, das receitas

de curandeiros que veem em certas ervas da floresta

o enigma das doenças mais temíveis, com as infusões

de coloração sanguínea aconselhadas para aliviar trinta e seis dores do corpo humano. “E existem ervas que

não curam nada”, revelava a lavadeira, “mas assanham

a mente da gente. Basta tomar um gole do líquido fervendo para que o cristão sonhe uma única noite muitas

vidas diferentes”. Esse relato poderia ser de duvidosa veracidade para outras pessoas, mas não para Emilie.

HATOUM, M. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.

As representações da Amazônia na literatura brasileira mantêm relação com o papel atribuído à região na

construção do imaginário nacional. Pertencentes a contextos históricos distintos, os fragmentos diferenciamse ao propor uma representação da realidade amazônica em que se evidenciam

a. aspectos da produção econômica e da cura na tradição popular.

b. manifestações culturais autênticas e da resignação

familiar.

c. valores sociais autóctones e influência dos estrangeiros.

d. formas de resistência locais e do cultivo das superstições.

e. costumes domésticos e levantamento das tradições

indígenas.

6. (ENEM)

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e

adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

[...]

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos

os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,

sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,

assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual

e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com

absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar

e comunitária.

[...] BRASIL. Lei n. 8 069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da criança

e do adolescente. Disponível em: www.planalto.gov.br (fragmento)

X

REGISTRE

NO CADERNO

Para cumprir sua função social, o Estatuto da criança e

do adolescente apresenta características próprias desse

gênero quanto ao uso da língua e quanto à composição

textual. Entre essas características, destaca-se o emprego de

a. repetição vocabular para facilitar o entendimento.

b. palavras e construções que evitem ambiguidade.

c. expressões informais para apresentar os direitos.

d. frases na ordem direta para apresentar as informações mais relevantes.

e. exemplificações que auxiliem a compreensão dos

conceitos formulados.

7. (ENEM)

Palavras jogadas fora

Quando criança, convivia no interior de São

Paulo com o curioso verbo pinchar e ainda o ouço

por lá esporadicamente. O sentido da palavra é o de

“jogar fora” (pincha fora essa porcaria) ou “mandar

embora” (pincha esse fulano daqui). Teria sido uma

das muitas palavras que ouvi menos na capital do

estado e, por conseguinte, deixei de usar. Quando

indago às pessoas se conhecem esse verbo, comumente escuto respostas como “minha avó fala isso”.

Aparentemente, para muitos falantes, esse verbo é

algo do passado, que deixará de existir tão logo essa

geração antiga morrer.

As palavras são, em sua grande maioria, resultados de uma tradição: elas já estavam lá antes de

nascermos. “Tradição”, etimologicamente, é o ato de

entregar, de passar adiante, de transmitir (sobretudo valores culturais). O rompimento da tradição de

uma palavra equivale à sua extinção. A gramática

normativa muitas vezes colabora criando preconceitos, mas o fator mais forte que motiva os falantes a extinguirem uma palavra é associar a palavra,

influenciados direta ou indiretamente pela visão

normativa, a um grupo que julga não ser o seu. O

pinchar, associado ao ambiente rural, onde há pouca escolaridade e refinamento citadino, está fadado

à extinção?

É louvável que nos preocupemos com a extinção

de ararinhas-azuis ou dos micos-leão-dourados, mas

a extinção de uma palavra não promove nenhuma

comoção, como não nos comovemos com a extinção

de insetos, a não ser dos extraordinariamente belos.

Pelo contrário, muitas vezes a extinção das palavras

é incentivada.

VIARO, M. E. Língua Portuguesa, n. 77, mar. 2012 (adaptado).

A discussão empreendida sobre o (des)uso do verbo

“pinchar” nos traz uma reflexão sobre a linguagem e

seus usos, a partir da qual compreende-se que

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a. as palavras esquecidas pelos falantes devem ser descartadas dos dicionários, conforme sugere o título.

b. o cuidado com espécies animais em extinção é mais

urgente do que a preservação de palavras.

c. o abandono de determinados vocábulos está associado a preconceitos socioculturais.

d. as gerações têm a tradição de perpetuar o inventário de uma língua.

e. o mundo contemporâneo exige a inovação do vocabulário das línguas.

8. (FUVEST-SP) Sobre o emprego do gerúndio em frases

como “Nós vamos estar analisando os seus dados e

vamos estar dando um retorno assim que possível”,

um jornalista escreveu uma crônica intitulada “Em

2004, gerundismo zero!”, da qual extraímos o seguinte trecho:

Quando a teleatendente diz: “O senhor pode estar

aguardando na linha, que eu vou estar transferindo

a sua ligação”, ela pensa que está falando bonito. Por

sinal, ela não entende por que “eu vou estar transferindo” é errado e “ela está falando bonito” é certo.

a. Você concorda com a afirmação do jornalista sobre

o que é certo e o que é errado no emprego do gerúndio? Justifique sucintamente sua resposta.

b. Identifique qual de seus vários sentidos assume o

sufixo empregado na formação da palavra “gerundismo”. Cite outra palavra em que se utiliza o mesmo sufixo com esse mesmo sentido.

9. (FUVEST-SP) Leia o texto.

Ditadura / Democracia

A diferença entre uma democracia e um país totalitário é que numa democracia todo mundo reclama,

ninguém vive satisfeito. Mas se você perguntar a qualquer cidadão de uma ditadura o que acha do seu país,

ele responde sem hesitação: “Não posso me queixar”.

Millôr Fernandes, Millôr definitivo: a bíblia do caos.

a. Para produzir o efeito de humor que o caracteriza,

esse texto emprega o recurso da ambiguidade? Justifique sua resposta.

b. Reescreva a segunda parte do texto (de “Mas” até

“queixar”), pondo no plural a palavra “cidadão” e fazendo as modificações necessárias.

X

REGISTRE

NO CADERNO

8. a) Pode-se concordar com a afirmação do jornalista ao se considerar que ela se pauta no aspecto durativo do verbo “falar” e no aspecto não durativo do verbo

“transferir”, o que explica por que um admitiria a construção com o gerúndio e o outro, não. Além disso, ao dizer que “ela pensa que está falando bonito”, o

jornalista toca em outro ponto relevante desse uso do gerúndio, que seria a subjacente intenção de ser cordial e polido.

b) O sufixo “-ismo”, nesse

contexto, dá a ideia de tendência viciosa, mau uso,

como se vê em palavras como

modismo, ou consumismo.

9. a) Sim, pois em “Não posso me queixar” há duas possibilidades de leitura: “não tenho nada do que me queixar, estou satisfeito”, ou “não tenho permissão

para me queixar, pois se o fizer serei punido”.

b) Mas se você perguntar a quaisquer cidadãos de uma ditadura o que acham do seu país, eles respondem sem hesitação: “Não podemos nos queixar”.

10. (UNICAMP-SP)

Nessa propaganda do dicionário Aurélio, a expressão

“bom pra burro” é polissêmica, e remete a uma representação de dicionário.

a. Qual é essa representação? Ela é adequada ou inadequada? Justifique.

b. Explique como o uso da expressão “bom pra burro”

produz humor nessa propaganda.

Produção de texto

11. (UNICAMP-SP) Imagine-se na posição de um leigo em

informática que, ao ler a matéria Cabeça nas nuvens,

reproduzida abaixo, decide buscar informações sobre o

que chamam de computação em nuvem. Após conversar com usuários de computador e ler vários textos sobre o assunto (alguns dos quais reproduzidos a seguir

em I, II e III), você conclui que o conceito é pouco conhecido e resolve elaborar um verbete para explicá-lo.

Nesse verbete, que será publicado em uma enciclopédia

on-line destinada a pessoas que não são especializadas

em informática, você deverá:

• definir computação em nuvem, fornecendo dois exemplos para mostrar que ela já está presente em atividades realizadas cotidianamente pela maioria dos usuários de computador;

• apresentar uma vantagem e uma desvantagem que a

aplicação da computação em nuvem poderá ter em um

futuro próximo.

Cabeça nas nuvens

Quando foi convidado para participar da feira

de educação da Microsoft, Diogo Machado já sabia

que projeto desenvolver. O estagiário de informática da Escola Estadual Professor Francisco Coelho

Ávila Júnior, em Cachoeiro de Itapemirim (ES), estava cansado de ouvir reclamações de alunos que

perdiam arquivos no computador. Decidiu criar um

Retirada de www.eitapiula.net/2009/09/aurelio.jpg

Editora Positivo

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10. a) A representação aludida é a de que o dicionário é o “pai dos burros”, associando o uso do dicionário à ignorância. Dito de outra forma, o dicionário serviria a quem não conhece a língua ou, mais do que isso, a quem a conhece mal.

É inadequado associar ignorância ao uso do dicionário: a representação pressupõe que as pessoas possam conhecer todas as palavras de uma língua e

seus significados ou, ainda, que o dicionário possa conter todas as palavras e

significados de uma língua. Diferentemente, o dicionário é um objeto histórico

e só imaginariamente poderia conter todas as palavras e os significados de

uma língua, que também é histórica. O dicionário, assim como qualquer outro

instrumento linguístico, é resultado de interpretações sobre a língua e não

um retrato da realidade dessa língua, além de ser um importante instrumento

de consulta.

10. b) Pra burro é frequentemente associado à intensidade, quantidade, ao

advérbio muito. Assim, a expressão bom pra burro significa "muito bom". Ao

vir junto à imagem de um dicionário, permite a associação à expressão pai dos

burros (representação estabilizada de dicionário). O humor é provocado, portanto, pela convivência das duas associações no uso da expressão, colocando

lado a lado a qualidade de ser muito bom e a imagem estereotipada de ser

destinado a pessoas burras.

sistema para salvar trabalhos na própria internet,

como ele já fazia com seus códigos de programação.

Dessa forma, se o computador desse pau, o conteúdo ficaria seguro e poderia ser acessado de qualquer

máquina. A ideia do recém-formado técnico em informática se baseava em clouding computing (ou

computação em nuvem), tecnologia que é a aposta

de gigantes como Apple e Google para o armazenamento de dados no futuro.

Em três meses, Diogo desenvolveu o Escola na

nuvem (escolananuvem.com.br), um portal em que

estudantes e professores se cadastram e podem armazenar e trocar conteúdos, como o trabalho de matemática ou os tópicos da aula anterior. As informações

ficam em um disco virtual, sempre disponíveis para

consulta via web.

(Extraído de Galileu, n¼ 241, ago. 2011,

São Paulo: Editora Globo, p. 79.)

I

“Você quer ter uma máquina de lavar

ou quer ter a roupa lavada?”

Essa pergunta resume de forma brilhante o conceito de computação em nuvem, que foi abordado em

um documentário veiculado recentemente na TV.

(Adaptado de: http://toprenda.net/2010/04/

computacao-em-nuvem-voce-ja-usa-e-nem-sabia.)

II

Vamos dizer que você é o executivo de uma

grande empresa. Suas responsabilidades incluem

assegurar que todos os seus empregados tenham o

software e o hardware de que precisam para fazer o

seu trabalho. Comprar computadores para todos não

é suficiente – você também tem de comprar software

ou licenças de software para dar aos empregados as

ferramentas que eles exigem.

Em breve, deve haver uma alternativa para executivos como você. Em vez de instalar uma suíte de

aplicativos em cada computador, você só teria de

carregar uma aplicação. Essa aplicação permitiria

aos trabalhadores logar-se em um serviço baseado

na web que hospeda todos os programas de que o

usuário precisa para o seu trabalho. Máquinas remotas de outra empresa rodariam tudo – de e-mail

a processador de textos e a complexos programas

de análise de dados. Isso é chamado computação

em nuvem e poderia mudar toda a indústria de

computadores.

Se você tem uma conta de e-mail com um serviço baseado na web, como Hotmail, Yahoo! ou Gmail,

então você já teve experiência com computação em

nuvem. Em vez de rodar um programa de e-mail no

seu computador, você se loga numa conta de e-mail

remotamente pela web.

(Adaptado de Jonathan Strickland, Como funciona a

computação em nuvem. Disponível em:

http://informatica.hsw.uol.com.br/computacao-em-nuvem.htm.)

III

A simples ideia de determinadas informações

ficarem armazenadas em computadores de terceiros

(no caso, os fornecedores de serviço), mesmo com documentos garantindo a privacidade e o sigilo, preocupa pessoas, órgãos do governo e, principalmente,

empresas. Além disso, há outras questões, como o

problema da dependência de acesso à internet: o que

fazer quando a conexão cair? Algumas companhias

já trabalham em formas de sincronizar aplicações

off-line com on-line, mas tecnologias para isso ainda

precisam evoluir bastante.

(Adaptado de O que é Cloud Computing? Disponível em:

http://www.infowester.com/cloudcomputing.php.)

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Feira de profissões − Você

no mercado de trabalho

Como encerramento da unidade, você e seus colegas realizarão uma feira de profissões,

na qual serão divulgados e expostos verbetes sobre profissões, projetos de pesquisa, cartas

de apresentação e vídeos com entrevistas de emprego simuladas.

1. Organizando, preparando e divulgando o evento

• Definam data, horário, estrutura, público-alvo e meios de divulgação da feira. Procurem

convidar toda a comunidade escolar e também familiares e vizinhos da escola, especialmente

aqueles que têm empresas ou negócios próprios.

• Ao divulgar a feira entre donos de empresas estabelecidas na região da escola, convidem-nos

para falar sobre ela e, quem sabe, iniciar na feira um processo de recrutamento de novos

funcionários.

• Na divulgação do evento para a comunidade escolar, familiares e vizinhos da escola

especifiquem as atividades que serão realizadas.

2. Realizando a feira

Os verbetes

• Definam uma maneira de divulgar os verbetes produzidos por vocês no capítulo 1: em livros

impressos, na forma de enciclopédia ou dicionário, em fôlderes avulsos, em murais.

• Organizem uma escala entre os autores dos verbetes para que sempre haja alguém disponível

para orientar os visitantes, na consulta aos textos.

Projetos de pesquisa

• Procurem, em um centro universitário próximo à escola, ou por meio de um dos professores

da classe, fazer contato com pesquisadores que estejam desenvolvendo algum projeto de

pesquisa. Falem com alguns desses pesquisadores e façam a eles o convite para participar Blend RF/KidStock/Diomedia

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da feira, dando uma breve palestra em que expliquem

o projeto de pesquisa no qual trabalham e como o

desenvolvem.

• Convidem, se possível, um pesquisador que possa

falar sobre a elaboração de um projeto de pesquisa.

Sugiram que ele conte como surgiu a ideia do projeto,

como foi sua escrita e o processo de avaliação do

texto por uma comissão.

• Preparem um local para a apresentação tanto dos

projetos que escreveram no capítulo 1 quanto dos

resultados das breves pesquisas que desenvolveram a

partir dele.

As cartas de apresentação

• Decidam como reunir as cartas de apresentação produzidas por vocês no capítulo 2, a fim

de que elas sirvam como modelos aos visitantes. Elas podem ser expostas em um mural ou

agrupadas em uma antologia de cartas de apresentação.

• Em um local com computadores, ofereçam aos visitantes consultoria sobre a escrita de cartas

de apresentação. Com base no estudo que realizaram, deem dicas, sugestões e orientações

sobre como produzir cartas de apresentação que, de fato, sejam eficientes e atendam

ao fim para o qual foram escritas. Tirem dúvidas que os visitantes tenham e, aos que se

interessarem, ajudem a escrever suas cartas.

As entrevistas de emprego

• Preparem um local para exibir aos visitantes os vídeos com as simulações das entrevistas

de emprego produzidas por vocês no capítulo 3. Elaborem uma programação para que todos

possam se organizar e assistir aos vídeos.

• Reservem um local em que vocês possam prestar consultoria aos visitantes que desejem

tirar dúvidas sobre como se portar em entrevistas de emprego. Para dar dicas, sugestões e

orientações, tomem por base o estudo realizado no capítulo.

• Se julgarem interessante, preparem um mural e exponham nele essas dicas, sugestões e

orientações.

• Caso a feira tenha a participação de donos de empresas, disponibilizem aos que se

interessarem um espaço para recrutamento de possíveis funcionários.

Michel Baret/Gamma-Rapho via Getty Images

Phil Boorman/Cultura RF/ Getty Images

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P:332

Apêndice

Análise sintática do período composto

A análise da função que as orações podem exercer nos períodos, também conhecida

como análise sintática do período composto, já teve, no passado, bastante relevância nos

estudos de gramática na escola.

Nos dias de hoje, quando os estudos da língua se voltam mais para as funções sociais

do texto e a adaptação da linguagem a situações de comunicação diversas – isto é, o uso

da língua para produzir e ler textos dos mais variados gêneros de forma adequada e coerente – a análise das orações perdeu prestígio. Alguns de seus conceitos básicos, entretanto, podem auxiliar no estudo de certos tópicos importantes da gramática prescritiva e da

norma-padrão, como a pontuação.

Apresentamos, em caráter complementar e para fins de consulta, as orações coordenadas e subordinadas de nossa língua, segundo a descrição da gramática normativa. Consulte-a sempre que houver necessidade.

Orações coordenadas

São aquelas que possuem independência sintática, ou seja, cada uma delas apresenta

sujeito, predicado e outros termos da oração, sem precisar se ligar a outra oração para

se completar. Podem ser assindéticas, quando se ligam umas às outras sem conjunção, e

sindéticas, quando se ligam por meio de conjunção.

As orações coordenadas sindéticas classificam-se em:

• Aditivas: Estabelecem com a oração anterior uma relação de adição ou acréscimo. As

principais conjunções são: e, nem, que e as locuções não só... mas (também), tanto...

como, etc.

Fui ao banco e paguei todas as contas.

• Adversativas: Estabelecem com a oração anterior uma relação de oposição, contraste,

ressalva. As conjunções mais comuns são: mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no

entanto.

Fui ao banco, mas não consegui pagar as contas.

• Alternativas: Expressam alternância ou ideias que se excluem. As conjunções mais

usadas são: ou, ou... ou, ora... ora, quer... quer, já... já, etc.

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Vá de carro ou tome o metrô.

A criança ora saía de casa, ora entrava.

• Conclusivas: Exprimem uma ideia de conclusão em relação à afirmação feita na oração

anterior. As conjunções mais comuns são: portanto, logo, assim, por isso, de modo que,

pois (depois do verbo).

Os donos da casa estão cansados, logo é hora de partir.

• Explicativas: Explicam a declaração feita na oração anterior. São introduzidas pelas

conjunções pois (anteposto ao verbo), que, porque, etc.

É melhor se apressar, pois já é tarde.

Orações subordinadas

São aquelas que mantêm uma dependência sintática em relação à oração principal,

ou seja, desempenham uma função sintática em relação a outra.

As orações subordinadas classificam-se em três grupos, de acordo com o valor que

podem desempenhar, ou seja, um valor de substantivo, de adjetivo ou de advérbio.

Orações substantivas

São aquelas que têm valor de substantivo e exercem em relação à oração principal

uma das funções próprias do substantivo, que pode ser de sujeito, de objeto direto, de

objeto indireto, de complemento nominal, de predicativo do sujeito e de aposto. São introduzidas pelas conjunções integrantes que e se.

• Subjetiva: É a que exerce a função de sujeito da oração principal. Geralmente, na oração principal, há expressões como convém, é bom, é importante, é necessário, etc.

É bom que você chegue mais cedo amanhã.

or. principal or. subord. subst. subjetiva

331 ApÊNDICE

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P:334

• Objetiva direta: É a que exerce função de objeto direto em relação ao verbo da oração

principal.

Eu sempre disse que você tinha jeito de artista.

or. principal or. subord. subst. objetiva direta

• Objetiva indireta: É a que exerce a função de objeto indireto em relação ao verbo da

oração principal.

Lembrou-se de que já era final de mês.

or. principal or. subord. subst. objetiva indireta

• Completiva nominal: É a oração que exerce a função de complemento nominal em

relação a um nome (substantivo, adjetivo ou advérbio) da oração principal.

Você é contrário a que façamos um pedido formal ao juiz?

or. principal or. subord. subst. completiva nominal

• Predicativa: É aquela que exerce a função de predicativo em relação ao sujeito da oração principal.

A verdade é que algumas pessoas precisam ser mais educadas.

or. principal or. subord. subst. predicativa

• Apositiva: É aquela que exerce a função de aposto em relação a um elemento da oração principal.

Preciso lhe dizer um segredo: (que) estou namorando.

or. principal or. subord. subst. apositiva

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Orações adjetivas

São aquelas que desempenham o papel de adjetivo em relação a um nome (substantivo ou pronome) da oração principal. Podem ser de dois tipos, de acordo com o sentido.

São introduzidas por pronomes relativos: que, quem, o qual, cujo, etc.

• Restritiva: É a que delimita, restringe ou particulariza o sentido de um nome da oração

principal. Na escrita, liga-se ao antecedente sem vírgulas.

Eu não vi a pessoa que entrou na loja.

or. principal or. subord. adj. restritiva

• Explicativa: É a que acrescenta ao antecedente uma informação que já é do conhecimento do interlocutor; ela pode também generalizar ou universalizar o sentido do

antecedente. Na escrita, aparece entre vírgulas.

As crianças, que já estavam com muito sono, foram para a cama.

or. principal or. subord. adj. explicativa or. principal

Se o mesmo enunciado estivesse sem vírgulas – As crianças que já estavam com muito sono foram para a cama –, a oração passaria a restritiva e, nesse caso, considera-se que

havia crianças com sono e crianças sem sono; foram para a cama apenas as que estavam

com sono. Já na oração adjetiva explicativa, entre vírgulas, o que se diz é que todas as

crianças estavam com sono e por isso todas foram para a cama.

Orações adverbiais

São as que desempenham a função de advérbio em relação ao verbo da oração principal.

Da mesma forma que o advérbio, elas também expressam valores semânticos de tempo,

lugar, causa, condição, etc. Classificam-se em:

• Temporal: É a que indica o tempo ou o momento em que se deu a ação verbal na oração

principal. Pode ser introduzida por conjunções como quando, enquanto, assim que, mal,

logo que, etc.

Quando vier à Bahia, venha me visitar.

or. subord. adv. temporal or. principal

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• Proporcional: É a que indica uma proporção em relação ao fato expresso na oração

principal. Pode ser introduzida pelas conjunções à medida que, à proporção que, ao passo que, etc.

Fui compreendendo melhor à medida que ia lendo sobre o assunto.

or. principal or. subord. adv. proporcional

• Final: É a que indica uma finalidade da ação praticada na oração principal. Pode ser

introduzida por conjunções como a fim de que, para que, etc.

Empreste o celular para que eu fotografe vocês dois.

or. principal or. subord. adv. final

• Causal: É a que indica a causa do efeito expresso na oração principal. Pode ser introduzida por conjunções como uma vez que, porque, posto que, já que, etc.

Preferi não falar nada na reunião, uma vez que sou novo na empresa.

or. principal or. subord. adv. causal

• Comparativa: É a que estabelece uma comparação em relação a um elemento da oração principal. Pode ser introduzida por conjunções como como, que, do que, assim como,

(tanto) quanto, etc.

Você trabalha muito, assim como eu (trabalho).

or. principal or. subord. adv. comparativa

• Consecutiva: É a que expressa uma consequência, um efeito do fato mencionado na

oração principal. Pode ser introduzida por conjunções como que (precedida de tal, tão,

tanto), de modo que, de sorte que, etc.

Choveu tanto que inundou minha casa.

or. principal or. subord. adv. consecutiva

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• Condicional: É a que expressa uma condição ou uma hipótese para que ocorra o fato

expresso na oração principal. Pode ser introduzida por conjunções como se, desde que,

contanto que, salvo se, a menos que, etc.

Obteremos sucesso desde que todos se empenhem ao máximo.

or. principal or. subord. adv. condicional

• Conformativa: É a que expressa uma ideia de conformidade ou de concordância entre um fato e outro expresso na oração principal. Pode ser introduzida por conjunções

como conforme, consoante, segundo, etc.

Montamos o aparelho de som conforme as instruções do manual.

or. principal or. subord. adv. conformativa

• Concessiva: É a que indica uma concessão, um fato contrário ao expresso na oração

principal, porém insuficiente para anulá-lo. Pode ser introduzida por conjunções como

embora, ainda que, mesmo que, se bem que, por mais que, etc.

Vou lhe emprestar algum dinheiro, embora eu não possa.

or. principal or. subord. adv. concessiva

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P:338

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ORIENTAÇÕES

DIDÁTICAS

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 341

A ESTRUTURA E A METODOLOGIA DA OBRA....................................................342

• AS UNIDADES ............................................................................................................342

Aberturas de unidade ..................................................................................................342

• OS CAPÍTULOS ...........................................................................................................343

LITERATURA ..............................................................................................................343

Seções ....................................................................................................................... 347

Sugestões de estratégias para o trabalho com a literatura ................................................. 351

LÍNGUA E LINGUAGEM ................................................................................................ 352

A gramática na escola .................................................................................................. 352

Um pouco de história .................................................................................................. 353

Um caminho possível para o ensino da gramática ............................................................ 355

Seções ...................................................................................................................... 361

Sugestões de estratégias para o trabalho com a gramática no texto .................................. 364

Avaliação da gramática ................................................................................................365

PRODUÇÃO DE TEXTO ............................................................................................... 366

Os projetos de produção textual .................................................................................... 367

Os gêneros do discurso ............................................................................................... 368

Metodologia de ensino e a realização de projetos............................................................. 373

Seções ....................................................................................................................... 376

Temas e interdisciplinaridade ........................................................................................ 378

Oralidade e gêneros orais ............................................................................................. 379

Sugestões de estratégias para produção de texto ............................................................. 379

Avaliação dos textos ................................................................................................... 380

OUTRAS SEÇÕES ........................................................................................................ 381

Boxes ........................................................................................................................ 381

Mundo plural ............................................................................................................. 382

Por dentro do Enem e do vestibular ................................................................................383

Apêndice .................................................................................................................. 384

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P:343

INTRODUÇÃO

Prezado professor:

Esta coleção foi escrita para você, que sempre desejou trabalhar com uma obra

de língua portuguesa que integrasse os conteúdos de literatura, de gramática e

de produção textual. Uma obra que não tratasse os estilos de época da literatura

de forma cristalizada e estanque, mas estabelecesse relações dialógicas entre a literatura de um autor e de uma época com obras e autores de outras épocas. Uma

obra que apresentasse não apenas os conteúdos essenciais de gramática, mas

também uma forma diferente de abordá-los, além de incluir capítulos inteiros

dedicados à análise linguística. Uma obra que trabalhasse os gêneros de discurso com uma perspectiva dos estudos de letramento, com diferentes práticas de

leitura e escrita, e que incluísse gêneros da esfera digital e gêneros multimodais,

como o roteiro de documentário e o conto multissemiótico.

Esta coleção tem por finalidade dar uma abordagem contemporânea aos conteúdos da disciplina, atualizada em relação aos estudos literários, à teoria de gêneros e às novas concepções de língua e linguagem.

O trabalho de literatura privilegia o desenvolvimento da competência leitora

de textos literários, ao mesmo tempo que estabelece nexos com seu contexto

de produção, com textos de outras áreas do conhecimento, bem como com outras linguagens e artes. Além disso, a literatura está presente ao longo de todo o

livro, seja nas frentes de gramática, seja na de produção de textos. As literaturas

africanas de língua portuguesa têm um espaço privilegiado na obra, da mesma

forma que a literatura negro-brasileira, até então nunca tratada em outros manuais didáticos.

O estudo da gramática privilegia os conteúdos indispensáveis para a proficiência linguística do estudante, sempre trabalhados de forma contextualizada e

por uma perspectiva textual e enunciativa. Textos estudados na parte de literatura frequentemente são retomados para serem vistos também sob a perspectiva linguística e gramatical, em cujos exercícios são propostos outros textos

do autor estudado na parte de literatura. Ainda, em momentos oportunos, os

exercícios são associados a estratégias de produção de textos, em um trabalho

conjunto entre as frentes de gramática e produção.

A produção textual, por sua vez, organiza-se em torno de projetos e de diferentes práticas sociais de linguagem, envolvendo gêneros escritos, orais, digitais

e multimodais. Sempre que possível, os gêneros explorados nessa parte “dialogam” com os gêneros ou com o contexto histórico trabalhados em literatura, bem

como com os conteúdos explorados na gramática.

Enfim, esta é uma obra sintonizada com o nosso tempo, com as atuais necessidades do aluno e com o seu desejo, professor, de ministrar um curso rico e

instigante de língua portuguesa.

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A ESTRUTURA E A METODOLOGIA DA OBRA

As unidades

Cada volume que compõe a coleção organiza-se em quatro unidades. O nome

de cada unidade contempla o sentido geral dos conteúdos trabalhados em literatura, gramática e produção de texto. Como exemplo, no volume 1, tem-se: unidade 1: Rumores da língua e da literatura; unidade 2: Engenho e arte; unidade 3:

Palavras em movimento; unidade 4: Palavra e razão.

Cada uma das unidades tem três capítulos e em cada capítulo há o trabalho

com as três frentes: Literatura, Língua e linguagem e Produção de texto. Para as

escolas que optam pelo sistema bimestral, sugere-se que cada unidade seja trabalhada em um bimestre.

Aberturas de unidade

Na abertura da unidade, há sempre uma imagem representativa do período

que será estudado em literatura, com uma legenda ampliada que comenta a

obra. Além dessa imagem, em destaque, há também textos e imagens relacionados aos conteúdos de gramática e de literatura que serão trabalhados, bem como

o anúncio do projeto de produção textual que será realizado pelos estudantes ao

longo da unidade. O papel da abertura é despertar a curiosidade dos estudantes

e estimulá-los para os estudos que serão desenvolvidos na unidade.

Díptico de Wilton (1395) UNIDADE

1

EU E O MUNDO

O navio negreiro (1840), de Joseph M. William Turner. A tela tem como tema um fato histórico: o navio negreiro Zong, superlotado,

transportava mais de 400 escravos da África para a Jamaica. Doenças começaram a se disseminar e a provocar grande número de

mortes. O capitão do navio decidiu, então, lançar ao mar parte dos escravos e cobrar depois uma indenização pelos mortos. Mais

de uma centena de escravos morreu nessa viagem.

The Museum of Fine Arts, Boston, Estados Unidos

12

MOSTRA DE CINEMA –

MEMÓRIAS EM DOCUMENTÁRIO

Participe, com toda a classe, da realização de uma mostra sobre cinema. Nela,

você e seus colegas apresentarão documentários que produziram na unidade e

farão a exposição dos relatos e roteiros que

deram origem a eles.

Relatos

Quando eu tinha 5 anos, minha mãe sempre

me dizia que a felicidade é a chave para a vida.

Quando eu fui para a escola, me perguntaram

o que eu queria ser quando crescesse. Eu escrevi: “Feliz”. Eles disseram que eu não tinha

entendido a pergunta, e eu lhes disse que eles

não entendiam a vida.

(John Lennon)

Os nomes dos bichos não são os bichos.

Os bichos são:

Macaco gato peixe cavalo vaca elefante baleia galinha.

Os nomes das cores não são as cores.

As cores são:

Preto azul amarelo verde vermelho marrom.

Os nomes dos sons não são os sons.

Os sons são.

[...]

(Arnaldo Antunes. "Nome não". © Rosa Celeste/Universal Music.)

[...] Destruamos as teorias, as poéticas e os sistemas.

Derrubemos este velho gesso que mascara a fachada da arte! Não há regras

nem modelos; ou antes, não há outras regras senão as leis gerais da natureza

que plainam sobre toda a arte, e as leis especiais que, para cada composição,

resultam das condições de existência próprias para cada assunto. [...]

O poeta, insistamos neste ponto, não deve, pois, pedir conselho senão à

natureza, à verdade, e à inspiração,

que é também uma verdade e uma natureza.

(Victor Hugo. “Do grotesco e do sublime”. In: Cromwell. São Paulo: Perspectiva, s. d. p. 57.)

© Bettmann/Corbis/Latinstock

13

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Os capítulos

Os três capítulos que constituem cada uma das unidades integram, conjuntamente, o estudo de Literatura, de Língua e linguagem e de Produção de texto. Esse

trabalho integrado permite um constante diálogo entre as três frentes de Língua

Portuguesa, de modo que os textos dos diferentes autores da literatura, os gêneros

mais cultivados no período em estudo, bem como a temática dos movimentos literários servem como referência para o desenvolvimento de tópicos gramaticais e de

produção de textos. Como exemplo, no primeiro capítulo da unidade 2 do volume 1,

o estudo das figuras de linguagem, na frente de Língua e linguagem, é feito a partir

de poemas líricos de Camões e o estudo do gênero resumo, em Produção de texto,

é realizado a partir de resumos que tratam da obra Os lusíadas e dos avanços científicos conquistados no contexto sócio-histórico desse épico português.

Literatura

Esta obra didática tem como princípio a ideia de Antonio Candido (2011) de que

as produções literárias enriquecem a nossa percepção e a nossa visão de mundo,

e sua fruição é um direito das pessoas de qualquer sociedade. Tendo como base

tal perspectiva, o ensino de literatura, nesta obra didática, prioriza o desenvolvimento da capacidade leitora do aluno por meio de atividades que propiciam

uma vivência efetiva com o texto literário em suas dimensões estética, cultural

e histórica, ampliando sua visão de mundo e estimulando sua fruição literária.

Diferentemente do ensino pautado em memorização mecânica de autores,

de obras e de características de determinado movimento literário, as atividades

aqui propostas têm como foco a compreensão e a interpretação do texto literário; a análise dos efeitos de sentido produzidos por recursos fonológicos, sintáticos e semânticos; a reflexão a respeito das relações entre o texto e seu contexto

de produção e recepção, observando a visão de mundo e os valores cultivados na

época; a observação da adesão e da ruptura dos autores a propósito dos paradigmas do movimento literário ao qual pertencem, bem como a verificação dos

temas e os procedimentos formais que caracterizam a obra do autor em estudo.

A respeito da leitura do texto literário, os Parâmetros curriculares nacionais +

ensino médio afirmam:

A leitura do texto literário – e a consequente percepção dos recursos expressivos de que se vale o autor para

constituir seu estilo – mobiliza uma série de relações: entre texto e contexto sociocultural de produção e recepção;

entre escolhas do autor, temáticas abordadas, estruturas

composicionais e estilo, apenas para citar algumas. [...] A

leitura da obra literária poderá assim fazer muito mais

sentido para os estudantes, pois passa a ser entendida não

como mero exercício de erudição e estilo, mas como caminho para se alcançar, por meio da fruição, a representação

simbólica das experiências humanas.

(Par‰metros curriculares nacionais + ensino mŽdio: orientações

educacionais complementares aos PCN. Brasília: MEC/SEMTEC, 2002. p. 55.)

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Tendo como referência tal concepção, a abordagem da literatura nesta obra

leva o estudante a observar, por exemplo, que, no Arcadismo, os valores burgueses da família e do trabalho, cultivados no contexto do Iluminismo, são tematizados na produção poética de Tomás Antônio Gonzaga e que, no Romantismo, com

A obra depende estritamente do artista e das condições sociais que determinam a sua posição. Por motivo de

clareza, todavia, preferi relacionar ao artista os aspectos

estruturais propriamente ditos; quanto à obra, focalizemos o influxo exercido pelos valores sociais, ideologias e

sistemas de comunicação, que nela se transmudam em

conteúdo e forma, discerníveis apenas logicamente, pois

na realidade decorrem do impulso criador como unidade

inseparável. Aceita, porém, a divisão, lembremos que os

valores e as ideologias contribuem principalmente para

o conteúdo, enquanto as modalidades de comunicação influem mais na forma.

(Antonio Candido. Literatura e sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000. p. 27.)

Como sugere o documento oficial, os textos adquirem um sentido mais completo quando são relacionados à ambientação sociocultural de suas respectivas

composições. Com base nessa concepção e na ideia de que os movimentos literários expressam valores e visões de mundo que são marcados pelos mais variados

tipos de fenômeno – do conhecimento filosófico aos movimentos sociopolíticos

e econômicos –, esta obra também propõe, em uma perspectiva interdisciplinar,

atividades baseadas em textos de diferentes áreas do saber – como Filosofia,

História, Matemática, Sociologia e Arte –, promovendo, ao mesmo tempo, o conhecimento do contexto sociocultural dos textos literários e das concepções de

mundo e de valores vigentes na época estudada.

Há, também, ao longo da obra, um permanente diálogo entre os textos literários do período em estudo e textos recentes de diferentes gêneros, tais como

o romance, o poema, o cordel, a letra de canção, a crônica, entre outros, a fim de

que o estudante perceba a literatura não apenas como uma criação cultural historicamente situada, mas, também, como organismo vivo e em diálogo com produções culturais contemporâneas, locais e universais. Da mesma maneira, esta

obra explora o diálogo entre textos verbais, multimodais (textos que combinam

palavras com imagens, cores, sons, formas, como filmes, tiras, histórias em quadrinhos, canções, etc.) e não verbais (como a pintura, a escultura, a fotografia e

o desenho), criando cruzamentos entre diversas linguagens que ampliam o universo cultural do estudante e auxiliam na aprendizagem dos temas e dos procedimentos formais que orientam as produções literárias nos diferentes períodos

da história.

As atividades didáticas aqui propostas têm, fundamentalmente, como base

teórica as concepções de Antonio Candido sobre as relações entre literatura e sociedade e de Mikhail Bakhtin a propósito do dialogismo, bem como as ideias de

Marisa Lajolo e Regina Zilberman a respeito dos contextos de produção e recepção das obras literárias no Brasil.

De acordo com Antonio Candido,

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Conforme o fragmento em destaque, não há objeto que não seja permeado

pelo discurso, e todo discurso dialoga com outros discursos. A partir desse princípio dialógico, o texto é concebido como um tecido de vozes que respondem umas

às outras, se completam ou se polemizam e, por isso, como assinala Fiorin, “o

dialogismo é tanto convergência, quanto divergência; é tanto acordo, quanto desacordo; é tanto adesão, quanto recusa; é tanto complemento, quanto embate”

(2008, p. 170).

Tendo em vista essa concepção dialógica da linguagem, esta obra didática

propõe atividades que estabelecem relações tanto entre textos literários e textos

filosóficos ou históricos, como entre produções literárias de diferentes épocas e

lugares. Como exemplo, citam-se os diálogos estabelecidos entre o episódio do

Gigante Adamastor de Os lusíadas, de Camões (cerca de 1524-1580), e o poema

“Mar portuguez”, de Fernando Pessoa (1888-1935); entre o poema em prosa “Em-

[...] todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o qual está voltado, sempre, por assim dizer, desacreditado,

contestado, avaliado, envolvido por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos discursos de outrem que já falaram sobre

ele. O objeto está amarrado e penetrado por ideias gerais, por pontos de vista, por apreciações de outros e por entonações. Orientado

para o seu objeto, o discurso penetra neste meio dialogicamente

perturbado e tenso de discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles em interações complexas, fundindo-se com uns, isolando-se de outros, cruzando com terceiros;

e tudo isso pode formar substancialmente o discurso, penetrar em

todos os seus estratos semânticos, tornar complexa a sua expressão, influenciar todo o seu aspecto estilístico.

(Mikhail Bakhtin. Questões de literatura e de estética:

a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, 2002. p. 86).

o desenvolvimento da imprensa e a invenção do folhetim, a forma do romance se

modificou, tanto no estilo quanto na técnica narrativa. Portanto, o estudo de literatura aqui proposto leva em conta os elementos do contexto sócio-histórico não

apenas exteriormente, como uma referência que permite identificar, na matéria

do texto, a expressão de uma determinada época ou sociedade, mas também

como fator da própria construção artística, observando, em conformidade com as

ideias de Antonio Candido (2000), o externo que se torna interno.

Com a finalidade de aprofundar o conhecimento do estudante sobre o contexto de produção e de recepção das obras literárias, o estudo da literatura contempla, além dos autores, o público leitor e os meios de circulação da produção

literária (por escrito em livros, revistas e jornais, oralmente em salões literários,

academias, nas cortes, igrejas, feiras, etc.). A abordagem do contexto de produção

e recepção das obras permite ao estudante observar o processo de formação do

escritor e do leitor brasileiro e as relações que vão sendo estabelecidas entre o

autor, a obra e o público ao longo da história do Brasil.

Como já foi mencionado anteriormente, esta obra didática também é orientada pela concepção dialógica da linguagem teorizada por Bakhtin. De acordo com

esse autor:

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paredado”, de Cruz e Sousa (1861-1898), e o poema “A cor da pele”, de Adão Ventura (1946-2004); ou ainda entre o romance Vidas secas, de Graciliano Ramos (1892-

1953), e o poema “O retrato do sertão”, de Patativa do Assaré (1909-2002). Os

diálogos podem, ainda, estabelecer uma relação intertextual – relação na qual a

referência a outro texto pode aparecer explícita ou implicitamente –, como ocorre nos diálogos entre o cordel A batalha de Oliveiros com Ferrabrás, de Leandro

Gomes de Barros (1865-1918), e a novela de cavalaria História do imperador Carlos

Magno e dos doze pares de França (século XV), bem como entre o romance Era

no tempo do rei, de Ruy Castro (1948), e Memórias de um sargento de milícias, de

Manuel Antônio de Almeida (1831-1861).

Além dos textos verbais, há, da mesma maneira, propostas de diálogos entre

textos multimodais e não verbais, como o estudo comparado entre a escultura e

a crônica ou a tirinha, entre a pintura e a crítica de arte ou a carta aberta, como,

também, o estudo dos diálogos entre a história em quadrinhos ou a canção e os

temas e estilos cultivados pelos diversos movimentos artísticos e literários. Esse

trabalho de leitura com as diferentes linguagens ao longo do processo de formação do estudante no ensino médio, além de contribuir de modo significativo para

seu desenvolvimento como leitor literário, amplia sua visão de mundo, enriquece

seu repertório cultural e propicia sua apreciação estética dos bens culturais nacionais e estrangeiros.

Na coleção, além do trabalho sistematizado de leitura, há também sugestões

de músicas populares e clássicas, filmes nacionais e internacionais e sites de pesquisa que enriquecem o estudo de literatura e propiciam a interação da linguagem literária com outras linguagens.

A proposta de ensino de literatura que aqui se apresenta contempla os múltiplos diálogos entre as diferentes linguagens, entre os textos e seus contextos,

entre as diferentes áreas do saber, entre o passado e o presente, para que o estudante, para além do “mero exercício de erudição e estilo”, como registram os

Parâmetros curriculares nacionais + ensino médio, exercite a reflexão e a criticidade, experimente a fruição estética e literária, adquira o conhecimento do outro e

conquiste o conhecimento de si.

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MEC/SEMTEC, 1999.

________. Secretaria de Educação Média e Tecnologia. Parâmetros curriculares

nacionais + ensino médio: orientações educacionais complementares aos PCN.

Brasília: MEC/SEMTEC, 2002.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000.

346 MANUAL DO PROFESSOR

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P:349

________. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011.

FIORIN, José Luiz. Interdiscursividade e intertextualidade. In: BRAIT, Beth (org.).

Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2008. p. 161-193.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática,

1996.

RONCARI, Luiz. Literatura brasileira:dos primeiros cronistas aos últimos românticos.

São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014.

Seções

Como em cada unidade é estudado um movimento literário ou parte dele, a frente de literatura desenvolve os

capítulos, essencialmente, de duas maneiras: a) trabalha

a leitura, apresentando os procedimentos mais comuns

aos movimentos literários estudados ao longo do ensino médio; b) trabalha a leitura focalizando os temas e o

estilo das obras e dos autores estudados e suas relações

com o mundo.

Capítulo 1: Os movimentos literários

Os primeiros capítulos de cada unidade são, em geral,

iniciados com o Foco na imagem, seção em que o estudante toma contato com a estética literária do movimento em estudo por meio da leitura e interpretação de uma

pintura ou desenho representativo do período literário

a ser estudado, ampliando sua capacidade de leitura de

texto não verbal. Na sequência, a seção Fique conectado!

apresenta sugestões de objetos culturais relacionados

com o período em estudo, tais como filmes, livros, músicas, sites de Internet, museus, igrejas, etc. Algumas dessas sugestões aparecem ao longo da unidade, seja por

meio de boxes explicativos, seja por meio de estudos nas

seções Foco no texto, Entre textos ou Conexões. Além de

participar desse trabalho sistematizado proposto nesta

obra, é importante que os estudantes entrem em contato com outros objetos culturais sugeridos no Fique conectado!, a fim de aprofundar seu conhecimento sobre o

período estudado, de despertar sua sensibilidade estética e de promover o conhecimento de outras linguagens.

O tópico O contexto de produção e recepção antecipa o

estudo do texto literário com a finalidade de apresentar

aos estudantes o contexto específico de elaboração e circulação das obras em estudo. Esse tópico se divide em Os

meios de circulação, que focaliza quem produz literatura,

quem é o público leitor e por que meios os textos literários circularam na época (por escrito, em livros, revistas e

jornais; oralmente, em salões literários, academias, nas

O contexto de produção

e recepção do Trovadorismo

A obra arquitetônica e as pinturas que você examinou em Foco na imagem foram produzidas durante a Idade Média, momento em que, na literatura, surgiu o Trovadorismo.

Ao conjunto de produções literárias da Baixa Idade Média, em Portugal,

chamamos Trovadorismo. Em uma época na qual a escrita se restringia a

poucos, quem produzia a poesia trovadoresca em Portugal, durante os séculos de XII a XIV? Como ela era difundida? Quem era o público consumidor?

Os meios de circulação

O florescimento das cantigas trovadorescas em Portugal se deu em parte na corte, por influência das cantigas provenientes da França, e em parte

na cultura popular ibérica. Apesar disso, era essencialmente na corte que

elas eram cantadas e executadas. Os trovadores (geralmente nobres) eram

os criadores das cantigas, mas quem as cantava e tocava, com o acompanhamento de outros músicos, era o jogral. Assim, de castelo em castelo, de

feudo em feudo, essas composições eram transmitidas oralmente.

As cantigas representam um momento decisivo na cultura da Baixa Idade Média, uma vez que são a primeira importante manifestação cultural

leiga, rompendo com os temas religiosos que marcaram o mundo medieval.

Amplie seus conhecimentos sobre a arte na

Idade Média, pesquisando em:

LIVROS

• O nome da rosa, de Umberto Eco (Nova

Fronteira); O cavaleiro inexistente, de Ítalo

Calvino (Companhia das Letras); A dama e

o unicórnio, de Tracy Chevalier (Bertrand

do Brasil); Contos e lendas da Távola

Redonda, de Jaqueline Miranda (Companhia

das Letras); A demanda do Santo Graal

(Companhia das Letras).

FILMES

• O nome da rosa, de Jean-Jacques Annaud;

Excalibur, de John Boorman; O feitiço de

Áquila, de Richard Donner; Rei Arthur, de

Antoine Fuqua; Cruzada, de Ridley Scott;

Joana d´Arc, de Luc Besson.

MÚSICAS

• Conheça as músicas que Carlos Núñez e José

Miguel Wisnik criaram a partir das cantigas

de Martim Codax para o espetáculo de dança

Sem mim. Ouça também as músicas do disco

Musikantiga 1 e as adaptações que o Grupo

de Música Antiga Mundinho, da Galícia, fez do

cancioneiro medieval ibérico.

SITES

• http://cantigas.fcsh.unl.pt/sobreascantigas.asp

• http://educaterra.terra.com.br/voltaire/

cultura/2005/07/14/001.htm

• http://www.musee-moyenage.fr/

IGREJAS

• O Brasil não tem igrejas do estilo gótico, mas

tem várias inspiradas nesse estilo: Catedral

de Petrópolis (RJ), Santuário do Caraça (MG),

Catedral da Sé (SP, foto), Catedral de Santos

(SP), Catedral Metropolitana de Vitória (ES)

e Catedral Metropolitana de Fortaleza (CE),

entre outras.

FIQUE CONECTADO!

A dama e o unicórnio, tapeçaria medieval

francesa que pode ser vista no Museu

Nacional da Idade Média, em Paris.

Delfim Martins/Pulsar Imagens

Diomedia / Mary Evans / Ronald Grant

Museu de Cluny, Paris, França Editora Bertrand Brasil

Poesia para ser cantada

[Na Idade Média, em Portugal] duas

eram as espécies de poesia trovadoresca: a lírico-amorosa, expressa em duas

formas, a cantiga de amor e a cantiga

de amigo; e a satírica, expressa na cantiga de escárnio e de maldizer. O poema

recebia o nome de “cantiga” (ou ainda

de “canção” e “cantar”) pelo fato de

o lirismo medieval associar-se intimamente com a música: a poesia era cantada, ou entoada, e instrumentada. Daí

se compreender que o texto sozinho,

como o temos hoje, apenas oferece uma

incompleta e pálida imagem do que seriam as cantigas quando cantadas ao

som do instrumento, ou seja, apoiadas

na pauta musical. Todavia, dadas as

circunstâncias sociais e culturais em

que essa poesia circulava, perderamse numerosas cantigas, e a maioria

das pautas musicais. Destas, somente

restaram sete, pertencentes a Martim

Codax, trovador da época de Afonso III

(fins do século XIII). O acompanhamento

musical fazia-se com instrumentos de

corda, sopro e percussão (viola, alaúde,

flauta, adufe, pandeiro, etc.).

(Massaud Moisés. A literatura portuguesa através

dos textos. 17. ed. São Paulo: Cultrix. p. 15.)

40 UNIDADE 1 RUMORES DA LÍNGUA E DA LITERATURA

O Romantismo

LITERATURA

Romantismo

O substantivo

O relato de experi•ncias vividas

CAPÍTULO 1

FOCO NA IMAGEM

Observe a tela a seguir, do pintor romântico alemão Caspar Friedrich.

As fases da vida (1835).

Museum der Bildenden Kunste, Leipzig, Alemanha

14 UNIDADE 1 EU E O MUNDO

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cortes, igrejas, rádio, etc.), e O movimento literário em contexto (O Classicismo em

contexto, O Arcadismo em contexto, etc.), que apresenta as principais relações

entre os paradigmas do movimento literário em

estudo e seu contexto sociocultural, econômico

e político. Assim, tem-se a oportunidade de abordar as relações entre autor, obra e público, as relações do movimento literário com seu momento

histórico e, como decorrência, a visão de mundo

e os valores cultivados na época. Essa seção também apresenta imagens que ilustram temas e

perspectivas estéticas que orientam o movimento literário.

A seção Foco no texto pode apresentar um ou

mais textos de autores brasileiros, portugueses

ou africanos. Como exemplo, no capítulo 1 da

unidade 1 do volume 2 da coleção, o estudo das

características do Romantismo é feito a partir do

poema épico “I-Juca-Pirama”, de Gonçalves Dias,

e de um poema lírico de Álvares de Azevedo; por

meio dessas leituras, o estudante apreende os

temas, os procedimentos formais, os valores e

as ideologias que engendraram o movimento romântico. Como fechamento da seção Foco no texto, há, em todos os capítulos, a seção Arquivo, um

quadro-resumo com as principais informações

sobre literatura veiculadas no capítulo.

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, dois trechos do poema épico “I-Juca-Pirama” (em tupi, “O que há

de ser morto”), de Gonçalves Dias.

No poema, o último descendente da tribo tupi é feito prisioneiro pelos timbiras e é

dado início ao ritual antropofágico. O guerreiro, antes de receber o golpe fatal, inicia seu

canto de morte, no qual narra toda a sua bravura e revela que tem um pai cego e doente

e pede para ser libertado a fim de cuidar dele. O cacique timbira lhe concede a liberdade,

e o guerreiro promete voltar logo após a morte do pai. Quando parte e encontra o pai,

o ancião percebe, pelo cheiro das tintas, que o filho fora preso para o sacrifício e decide

levá-lo até os timbiras para que o ritual antropofágico fosse cumprido.

VIII

“Tu choraste em presença da morte?

Na presença de estranhos choraste?

Não descende o cobarde do forte;

Pois choraste, meu filho não és!

Possas tu, descendente maldito

De uma tribo de nobres guerreiros,

Implorando cruéis forasteiros,

Seres presa de vis Aimorés.

“Possas tu, isolado na terra,

Sem arrimo e sem pátria vagando,

Rejeitado da morte na guerra,

Rejeitado dos homens na paz.

Ser das gentes o espectro execrado;

Não encontres amor nas mulheres,

Teus amigos, se amigos tiveres,

Tenham alma inconstante e falaz!

[...]

“Um amigo não tenhas piedoso

Que o teu corpo na terra embalsame,

Pondo em vaso d’argila cuidoso

Arco e frecha e tacape a teus pés!

Sê maldito, e sozinho na terra;

Pois que a tanta vileza chegaste,

Que em presença da morte choraste,

Tu, cobarde, meu filho não és.”

IX

Isto dizendo, o miserando velho

A quem Tupã tamanha dor, tal fado

Já nos confins da vida reservara,

Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias

Da sua noite escura as densas trevas

Palpando. — Alarma! alarma! — O velho para

O grito que escutou é a voz do filho,

Voz de guerra que ouviu já tantas vezes

Noutra quadra melhor. — Alarma! alarma!

— Esse momento só vale apagar-lhe

Os tão compridos transes, as angústias,

Que o frio coração lhe atormentaram

De guerreiro e de pai: — vale, e de sobra.

Ele que em tanta dor se contivera,

Tomado pelo súbito contraste,

Desfaz-se agora em pranto copioso,

Que o exaurido coração remoça.

A taba se alborota, os golpes descem,

Gritos, imprecações profundas soam,

Emaranhada a multidão braveja,

Revolve-se, enovela-se confusa,

E mais revolta em mor furor se acende.

E os sons dos golpes que incessantes fervem.

Vozes, gemidos, estertor de morte

Vão longe pelas ermas serranias

Da humana tempestade propagando

Quantas vagas de povo enfurecido

Contra um rochedo vivo se quebravam.

Rita Barreto

18 UNIDADE 1 EU E O MUNDO

4. A poesia de Gonçalves Dias expressa um novo ponto de vista a respeito do indígena.

Diferentemente de toda a literatura anterior, em que prevalecia a visão que o branco

tinha a respeito dos povos nativos, o poeta romântico buscou dar voz ao índio, mostrando-o pela perspectiva dos seus próprios valores e da sua própria cultura. De acordo com o poema em estudo, que valores o indígena associa ao ritual antropofágico?

5. Um dos traços importantes do Romantismo é o nacionalismo e a busca das raízes nacionais. Enquanto na Europa essas raízes foram buscadas na Idade Média, no Brasil,

uma nação recém-independente, os primeiros poetas românticos elegeram o índio, a

fauna e a flora como elementos fundadores de nossa nacionalidade.

a. No poema de Gonçalves Dias, o herói indígena, como representante de nossas raízes, destaca-se por quais valores e sentimentos?

b. A valorização da figura do índio pelos escritores românticos europeus, por influência de Rousseau, está presente também no Romantismo brasileiro. Leia o boxe

“Rousseau e a crítica à sociedade” e identifique no herói do poema “I-Juca-Pirama”

elementos relacionados ao mito do bom selvagem.

Agora, leia o seguinte poema de Álvares de Azevedo.

A T...

No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus.

Propércio

Amoroso palor meu rosto inunda,

Mórbida languidez me banha os olhos,

Ardem sem sono as pálpebras doridas,

Convulsivo tremor meu corpo vibra:

Quanto sofro por ti! Nas longas noites

Adoeço de amor e de desejos

E nos meus sonhos desmaiando passa.

A imagem voluptuosa da ventura...

Eu sinto-a de paixão encher a brisa,

Embalsamar a noite e o céu sem nuvens,

E ela mesma suave descorando

Os alvacentos véus soltar do colo,

Cheirosas flores desparzir sorrindo

Da mágica cintura.

Sinto na fronte pétalas de flores,

Sinto-as nos lábios e de amor suspiro.

Mas flores e perfumes embriagam,

E no fogo da febre, e em meu delírio

Embebem na minh’alma enamorada

Delicioso veneno.

[...]

Ah! vem, pálida virgem, se tens pena

De quem morre por ti, e morre amando,

Dá vida em teu alento à minha vida,

Une nos lábios meus minh’alma à tua!

Eu quero ao pé de ti sentir o mundo

4. De acordo com o poema,

o ritual antropofágico

envolve valores como a

coragem e a dignidade

diante da vida e da morte.

REGISTRE

NO CADERNO

Pela coragem, bravura, dignidade, fidelidade

às suas tradições e amor filial.

O herói é fiel ao pai e à nação à qual pertence, mostrando, assim, honradez e

firmeza de caráter, já que sacrifica a própria vida por tais valores.

Ofélia (1863-1864), de Arthur Hughes.

Ashmolean Museum, University of Oxford, Inglaterra

20 UNIDADE 1 EU E O MUNDO

10. A atração pela morte, expressa em descrições mórbidas de figuras humanas, em cenários lúgubres, em ambientes noturnos e no desejo de morrer, é um dos temas românticos. No texto em estudo, como a atração pela morte se apresenta? Justifique

sua resposta com elementos do texto.

10. A atração pela morte se

apresenta por meio de

elementos descritivos referentes ao eu lírico (“Amoroso palor meu rosto inunda”, “Mórbida languidez

me banha os olhos”) e à

sua amada (“pálida”, “desmaiando”), assim como na

sugestão de sua própria

morte (“E no teu seio ser

feliz morrendo”).

Abadia no carvalhal

(1809-1810), de Caspar

David Friedrich.

Por meio da leitura de textos de Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo, você viu que, no Romantismo:

• predominam o sentimento e a subjetividade do poeta

e, como consequência desse voltar-se para si, o subjetivismo, o sentimentalismo e o egocentrismo, assim

como a fantasia, os sonhos e os devaneios;

• há a valorização da nacionalidade e, portanto, das

raízes históricas nacionais; o índio, a fauna e a flora,

elementos também valorizados pelo Romantismo europeu, foram eleitos como os representantes da nacionalidade brasileira;

• a mulher é retratada de diferentes maneiras: associada a figuras incorpóreas e assexuadas (virgem,

criança, anjo, etc.) ou a elementos da natureza (brisa,

flores, etc.), com os quais pode chegar a ser confundida; e como uma figura capaz de colocar o eu lírico em

contato com o divino ou a suprema felicidade;

• o amor é idealizado apresentando um caráter sublime

e transcendental;

• há a presença da religiosidade e de elementos da tradição cristã;

• há a atração pela morte, expressa por meio de descrições mórbidas e pela manifestação do desejo de

morrer;

• os elementos formais, como a métrica, o ritmo e as rimas, e os estilísticos têm relação com o estado emocional do poeta, o que pode resultar em poemas desprovidos de regularidade quanto a rimas, ritmo e métrica.

11. No Classicismo e no Neoclassicismo, são comuns referências a deuses da mitologia

greco-latina. Observe estes versos do poema de Álvares de Azevedo:

“Na tu’alma infantil; na tua fronte

Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros

Sentir as virações do paraíso;”

Esses versos se referem a deuses da mitologia greco-latina ou à divindade do cristianismo? Referem-se à divindade do cristianismo.

REGISTRE

NO CADERNO

Staalice Schlosser und Garten, Schloss Charlottenburg, Berlim, Alemanha

22 UNIDADE 1 EU E O MUNDO

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Geralmente no final da frente de literatura do primeiro capítulo de cada

unidade, a seção Entre saberes apresenta um conjunto de textos interdisciplinares que situam a estética literária do ponto de vista histórico, filosófico,

econômico, político e de outras manifestações artísticas do período. Como esses textos pertencem a diferentes áreas do conhecimento, é importante que,

nessa seção, eles sejam lidos na classe e suas questões sejam discutidas e

resolvidas oralmente, a fim de estimular o interesse dos estudantes. Determinadas reflexões realizadas no Entre saberes podem ser retomadas nos capítulos seguintes.

As sociedades europeias

dos séculos XVII e XVIII

[...] A igreja barroca, com sua decoração exuberante, com suas

cerimônias marcadas pelo caráter de espetáculo, revela a tendência típica das sociedades europeias dos séculos XVII e XVIII. Depois do impacto da Reforma, a Igreja Católica toma severas medidas para reconquistar seus fiéis. Um meio eficiente para atingir

esse objetivo é transformar o culto num momento sublime, em

que a beleza esteja presente sob todas as formas, incentivando

a devoção [...] Por outro lado, os soberanos dos grandes Estados

nacionais lançam mão dos mesmos recursos para a afirmação de

seu poder absoluto [...]

[...] os reis mantêm seu prestígio incentivando o respeito de

seus súditos através do luxo e da pompa, o que lhes confere uma

imagem majestosa e sempre digna de homenagens. E a classe

aristocrática, desde os nobres da corte aos senhores de terras,

acompanha essa ostentação, orientando, por sua vez, o comportamento da burguesia que, amparada no acúmulo de dinheiro,

procura adotar hábitos aristocráticos.

(Arte nos sŽculos. São Paulo: Abril, 1970. p. 1055-6.)

Que valores as sociedades

europeias cultivavam no período do Barroco? Como se desenvolveram a ciência e a filosofia

na Europa do século XVII? Como

era, então, a sociedade colonial

brasileira?

Para refletir sobre essas questões, leia os textos a seguir.

ENTRE

SABERES

ARTE • FILOSOFIA

HISTÓRIA • LITERATURA

Francis Bacon e a ci•ncia moderna

O filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) defendia que o método para

conhecer e dominar a natureza é o da experimentação (empiria), ou seja, a

experiência dos sentidos, baseada em observar, tocar, sentir o cheiro, etc.

Portanto, na concepção dele, além do raciocínio lógico, o conhecimento

exige a experiência sensorial. Essa ideia de Bacon foi um dos alicerces da

ciência moderna.

Francis Bacon (1618), obra

de artista desconhecido. Photononstop/ AFP

National Portrait Gallery, Londres, Inglaterra

Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes, França. Esse palácio é um ícone

da arquitetura barroca francesa e um exemplo da opulência da monarquia

absolutista. A Galeria dos Espelhos, cujo teto é decorado com afrescos de Charles

Le Brun (1619-1690), é uma das dependências mais suntuosas do palácio.

183 Barroco. Letras e sons. Os gêneros digitais CAPÍTULO 1

Filosofia e ciência na Idade Moderna

No plano intelectual, o pensamento de Galileu, Descartes e Newton

completou o processo iniciado no Renascimento. O estudo físico e matemático da natureza, chamado filosofia natural, deu passos gigantescos a

partir do método indutivo que havia sido definido por Bacon no Novum

organum. Pela observação e experimentação constatava-se a regularidade dos fenômenos. Havia ordem no universo. Esta ordem natural, estruturada como sistema, tinha leis, que poderiam ser descobertas através de

procedimentos metodológicos adequados. [...]

No entanto, a Península Ibérica continuou refratária às novas correntes

filosóficas [...]:

Os trabalhos de Galileu e Harvey [...] de Bacon, Descartes, Grotius e

Hobbes [...] todos concluídos na primeira metade do seiscentismo, não

conseguiram modificar a rotina da Companhia [de Jesus]. Continuou a

ensinar o latim decorado e a desprezar o grego e as línguas vivas, inclusive a portuguesa, as histórias universal e pátria, nos estudos menores; e

a repelir [...] a matemática, a física experimental e a anatomia, nos superiores. (Carlos Rizzini, Hipólito da Costa e o Correio Brasiliense)

(Arno Wehling e Maria José C. M. Wehling. Formação do Brasil colonial.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 103-4.)

A sociedade rural no Brasil do século XVII

[...] A obra literária está muito ligada ao tipo de vida social a que pertencem os que a produzem, assim como os que a consomem. Não basta haver

escritores, é preciso também haver os que leem e reconhecem na literatura

alguma função ou importância em suas vidas. [...] no Brasil do século XVII,

a vida social era por demais acanhada para suportar uma literatura rica ou

criar condições concretas para o desenvolvimento das atividades literárias.

Nessa época, a base social da vida brasileira estava nos engenhos ou nas grandes propriedades rurais e fazendas, onde se plantava a cana-de-açúcar, o tabaco ou o algodão. A vida

predominante era a rural [...]

O grande proprietário rural, na figura do pai e senhor, estendia seu domínio e autoridade

sobre o conjunto de seus familiares e homens livres, que precisavam, de alguma forma, submeter-se a ele, muitas vezes decidindo sobre os seus destinos; sobre os escravos, então, o seu

mando era absoluto [...] Com esse tipo de relações e a vida rústica, sobrava pouco espaço para

a literatura e menos ainda para alguém se dedicar a ela. Alcântara Machado, que procurou

reconstituir a vida social na capitania de São Vicente, nos séculos XVI e XVII, através dos testamentos que deixaram os homens da época, observou neles uma série de fatos importantes

para pensarmos a vida cultural de então. O pouco de educação que se podia alcançar nos colégios jesuítas, ou através de professores contratados e mal pagos, era restrito aos meninos, a

quem se ensinava a ler, escrever e contar. O latim ficava apenas para aqueles que se fossem

dedicar à vida eclesiástica. Às meninas, ensinava-se a coser, lavar, fazer renda [...] Eram raras

as mulheres que sabiam ler e escrever, sendo a maior parte dos testamentos delas assinados

por “outrem a pedimento da outorgante: por ser mulher e não saber ler”. Os poucos livros de

particulares deixados aos herdeiros eram, na maioria, devocionários e de literatura religiosa

[...] Eram raros os livros de literatura profana, didáticos ou jurídicos, sendo mencionados apenas alguns, e o autor fez questão de notar: “Nenhum exemplar dos Lusíadas”.

(Luiz Roncari. Literatura brasileira — Dos primeiros cronistas aos últimos românticos. São Paulo: Edusp, 2014. p. 102-6.)

refratário: indiferente, desinteressado.

Luís XIV

O monarca absolutista francês Luís

XIV, o Rei Sol, construiu o suntuoso

Palácio de Versalhes e foi protetor das

letras, das artes e das ciências. Seu

reinado foi marcado por um excepcional desenvolvimento de obras literárias, entre as quais se destacam as de

Molière e Racine, escritas para teatro.

E ainda, como resultado das relações

comerciais da França com o Levante,

a primeira tradução, do árabe, do livro

das Mil e uma noites, feita por Antoine

Galland (1646-1715) e publicada entre

1704 e 1717.

Luís XIV, por Hyacinthe Rigaud

(1659-1743), em Versalhes.

Museu do Louvre, Paris, França

184 UNIDADE 3 PALAVRAS EM MOVIMENTO

Capítulos 2 e 3: Autores e obras

Em geral, o segundo e terceiro capítulos de cada unidade se centram na leitura das obras dos autores mais significativos da literatura brasileira, portuguesa e africana. Eles apresentam informações biográficas, bem como os principais

traços das obras, os gêneros cultivados, a temática e os traços estilísticos do(s)

autor(es) em estudo.

Nesses capítulos, destacam-se também as literaturas negro-brasileira e africana: além de serem focalizadas suas produções literárias contemporâneas na

seção Foco no texto, também se estabelece, na seção Entre textos, o diálogo entre

os textos literários de autores negros brasileiros de épocas diferentes e entre os

textos literários de autores negros brasileiros e de autores negros africanos.

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LITERATURA

FOCO NO TEXTO

Você vai ler, a seguir, dois poemas dos autores negro-brasileiros Adão Ventura e Márcio

Barbosa.

Texto 1

Para um negro

In: Axé: antologia contemporânea

para um negro

a cor da pele

é uma sombra

muitas vezes mais forte

que um soco.

para um negro

a cor da pele

é uma faca

que atinge

muito mais em cheio

o coração.

(Adão Ventura. In: Zilá Bernd (org.). Antologia de poesia afro-brasileira –

150 anos de consciência negra no Brasil. Belo Horizonte: Mazza, 2011. p. 202.)

Texto 2

Nossa gente

nossa gente também veio

pra ser feliz e ter sorte

nossa gente é quente

é bela e forte

mas às vezes essa gente

passa, inconsciente

sofre, mas não se mexe

ri, mas não se gosta

nossa gente inconsciente

sofrendo, fica fraca

nem vê que por dentro ainda

traz a força da mãe áfrica

nem vê que pode vencer

pois tem energia nos braços

e pode ter liberdade

alegria e espaço

Carybé. Figuras, 1986./ Coleção particular

superando a pobreza

socializando a riqueza

inventando unidade

solidariedade, abraços

nosso povo é lindo

nosso povo é afro

e perfeito vai destruindo

ódios e preconceitos

“esse povo negroê

que se diz moreno”

com suas cores, com seu jeito

é um povo pleno

nossa gente é ventania

é ousadia, é mar cheio

nossa gente também veio

pra ser feliz e ter sorte

(Márcio Barbosa. In: Luiz Carlos Santos, Maria Galas, Ulisses Tavares (org. ).

O negro em versos. São Paulo: Moderna, ç005. p. 98-9.)

305 Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

Mesmo estando a uma distância de milhares de quilômetros, escritores do Brasil e da

África muitas vezes estabelecem um diálogo entre si, já que vivem ou viveram experiências semelhantes.

A seguir, você vai ler dois poemas: o primeiro é do poeta angolano Agostinho Neto

(1922-1979). O segundo é de Cuti, pseudônimo de Luís Silva (1951), poeta da atualidade e

militante da causa negra.

Agostinho Neto

António Agostinho Neto (1922-1979)

foi um médico angolano, formado nas

Universidades de Coimbra e de Lisboa.

Foi presidente do Movimento de

Libertação de Angola e, em 1975, tornou-se o primeiro presidente do país.

Em 1975-1976, recebeu o Prêmio Lenine

da Paz.

Entre suas obras de poesia e de política estão Poemas (1961), Sagrada

esperança (1974) e A renúncia impossível (1982).

ENTRE TEXTOS

Mohamed Amin & Duncan Willetts/A24/Camerapix/

Africa Twenty-Four Media/AFP

The Bridgeman Art Library/Keystone Brasil/Bibliotheque Nationale, Paris, França

Texto 1

Velho negro

Vendido

e transportado nas galeras

vergastado pelos homens

linchado nas grandes cidades

esbulhado até ao último tostão

humilhado até ao pó

sempre sempre vencido

É forçado a obedecer

a Deus e aos homens

perdeu-se

Perdeu a pátria

e a noção de ser

Reduzido a farrapo

macaquearam seus gestos e a sua alma

diferente

Velho farrapo

Negro

perdido no tempo

e dividido no espaço!

Ao passar de tanga

com o espírito bem escondido

no silencio das frases côncavas

murmuram eles:

pobre negro!

E os poetas dizem que são seus irmãos.

(Agostinho Neto. Disponível: http://www.escritas.org/pt/

t/13234/velho-negro. Acesso em: 20/3/2016.)

esbulhado: privado de alguma coisa

a que tinha direito; roubado.

galera: antiga embarcação longa e de

baixo bordo, movida a vela ou a remos.

vergastado: açoitado.

307 Literaturas africanas de língua portuguesa e literatura negro-brasileira. Análise linguística: polissemia e ambiguidade. Entrevista de emprego CAPÍTULO 3

Texto 2

Sou negro

In: Poemas da carapinha, 1978.

Sou negro

Negro sou sem mas ou reticências

Negro e pronto!

Negro pronto contra o preconceito branco

O relacionamento manco

Negro no ódio com que retranco

Negro no meu riso branco

Negro no meu pranto

Negro e pronto!

Beiço

Pixaim

Abas largas meu nariz

Tudo isso sim

— Negro e pronto! —

Batuca em mim

Meu rosto

Belo novo contra o velho belo imposto

E não me prego em ser preto

Negro pronto

Contra tudo o que costuma me pintar de sujo

Ou que tenta me pintar de branco

Sim

Negro dentro e fora

Ritmo-sangue sem regra feita

Grito-negro-força

Contra grades contra forcas

Negro pronto

Negro e pronto

Negro sou!

(Cuti. In: Zila Bernd (org.). Antologia de poesia afro-brasileira Ð 150 anos de consciência

negra no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, ç011. p. 1ê5.)

Cuti

Luiz Silva (1951), mais conhecido poeticamente como Cuti, nasceu em Ourinhos

e estudou Letras na Universidade de São

Paulo. Fez mestrado e doutorado em Letras na Unicamp-SP.

É dramaturgo, ensaísta, ficcionista,

poeta e tem uma forte atuação junto à

comunidade afro-brasileira.

Foi um dos fundadores do grupo Quilombhoje Literatura e um dos organizadores da série Cadernos Negros.

1. No texto 1, o eu lírico se refere à figura de um “velho negro”.

a. Qual é a diferença de sentido entre a expressão negro velho e velho negro?

b. Quem é o “velho negro” do poema? A expressão se refere a um único homem ou a

mais de um? Justifique sua resposta.

c. De que época e lugar é o “velho negro”?

d. Como o “velho negro” é tratado em todos os lugares onde vive ou viveu?

e. Qual é a identidade cultural desse “velho negro”? Justifique sua resposta com elementos do texto.

REGISTRE

NO CADERNO

a) Negro velho refere-se a um homem negro com idade avançada;

já a expressão velho negro, além desse sentido, pode ter também

o sentido de ser o “antigo negro”, o negro histórico, que continua

sendo tratado da mesma forma há tantos anos.

O velho negro se refere a todos os negros que hoje estão fora da África.

Ele é tanto o negro do passado quanto o do presente, sem um lugar definido, conforme os versos “perdido no tempo / e dividido no espaço”.

Historicamente, o “velho negro” vem sendo torturado, explorado, zombado.

Ele perdeu sua identidade: já não tem sua pátria nem sua religião, perdeu a “noção de ser”.

308 UNIDADE 4 CAMINHOS

Nos capítulos 2 e 3, a seção Foco no texto pode

aparecer mais de uma vez, dependendo do número de autores abordados. Nesses capítulos, as seções Entre textos e Conexões aparecem de modo

eventual.

A seção Entre textos promove um estudo

comparado entre textos de períodos diferentes

que podem pertencer à literatura brasileira, portuguesa ou africana e que dialogam a propósito

do tema ou apresentam uma relação intertextual. Como exemplo, citam-se a leitura comparada

dos poemas “Velho negro”, do angolano Agostinho Neto (1922-1979), e “Sou negro”, do brasileiro Cuti (1951); do soneto “Aos principais da Bahia

chamados os caramurus”, de Gregório de Matos

(1636-1696), e do poema “relicário” de Oswald de

Andrade (1890-1954); e do romance A audácia

dessa mulher, de Ana Maria Machado (1941), que

apresenta uma relação intertextual com Dom

Casmurro, de Machado de Assis (1839-1908). A

finalidade dessa seção é mostrar aos estudantes

que textos escritos em diferentes épocas, mais

recuadas no tempo ou mais recentes, guardam

relações próximas com temas e estruturas ainda recorrentes nos dias de hoje, e

que, portanto, a literatura é uma manifestação cultural universal.

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A seção Conexões propõe o estudo de textos de diferentes linguagens, como a

história em quadrinhos, a canção, a pintura, a escultura e a tirinha. O estudo pode

envolver o diálogo entre textos não verbais e multimodais, como a escultura O

pensador, de Rodin, e uma tirinha da Mafalda, do cartunista argentino Quino; de

textos não verbais e verbais, como Os profetas, do escultor Aleijadinho, e a crônica “Colóquio das estátuas”, de Carlos Drummond de Andrade, como também os

diálogos que textos multimodais estabelecem com temas e procedimentos formais de diferentes movimentos literários, como o diálogo que as canções de Lulu

Santos e de Gilson e Joran estabelecem com os temas cultivados no Arcadismo.

Marcos Amend/Pulsar Imagens

Rubens Chaves/Pulsar Imagens

Marcos Amend/Pulsar Imagens

Rogério Reis/Pulsar Imagens

Marcos Amend/Pulsar Imagens

Quando o Barroco entrou em decadência na Europa, em Minas Gerais o ciclo do

ouro ocasionou o surgimento do chamado

barroco mineiro, no qual se destacou o escultor e arquiteto Antônio Francisco Lisboa,

o Aleijadinho. No adro (pátio) do Santuário

de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, Minas Gerais, se encontra uma das mais importantes obras do

artista: o conjunto de esculturas chamado

Profetas (1800-1805), constituído por esculturas em pedra-sabão em tamanho quase

natural.

Observe com atenção as fotos a seguir.

Agora discuta com os colegas o roteiro proposto.

1. As esculturas representam doze profetas, todos segurando rolos de textos chamados

filactérios, nos quais estão registradas as principais profecias ou eventos marcantes da

vida das figuras representadas. Observe as imagens dos quatro profetas em destaque.

a. Além dos filactérios que os profetas seguram em uma das mãos, que outros elementos as esculturas apresentam em comum?

b. Os gestos e a expressão facial, assim como determinados objetos e animais, diferenciam as esculturas e se relacionam com os dizeres do filactério que cada figura

segura. Com base nessas informações, associe os dizeres a seguir a Baruc, Daniel,

Abdias ou Jonas. Justifique as associações.

I. “Engolido por uma baleia, permaneço três dias e três noites no seu ventre; depois

venho a Nínive.”

II. “Eu vos arguo (repreendo), ó Idumeus e gentios. Anuncio-vos e vos prevejo pranto

e destruição.”

III. “Encerrado na cova dos leões por ordem do rei, sou libertado, incólume (ileso), com

o auxílio de Deus.”

IV. “Eu predigo a vinda do Cristo na carne e os últimos tempos do mundo, e previno os

piedosos.”

Professor: Você poderá desenvolver a

atividade oralmente ou por escrito.

Adornos de cabeça (barrete ou turbante), túnicas

(curtas ou longas) e mantos sobre os ombros.

Jonas: presença de uma baleia junto ao pé da escultura.

Abdias: o dedo em riste tem relação com o clímax das proféticas palavras de destruição.

Daniel: presença de um leão junto à perna esquerda da escultura.

Baruc: a expressão do rosto e a postura frontal, sem tensão ou

torção no corpo, sugerindo o modo circunspecto como o profeta

anuncia a vinda do Cristo e os últimos tempos do mundo.

Baruc. Daniel. Abdias. Jonas.

Os Profetas: Amós (1),

Abdias (2), Jonas (3),

Baruc (4), Isaías (5),

Daniel (6), Oseias (7),

Jeremias (8), Ezequiel (9),

Joel (10), Habacuc (11) e

Naum (12). As esculturas

estão dispostas de

modo que as figuras

parecem se relacionar

e, ao mesmo tempo,

convidar o fiel a subir as

escadarias da igreja.

REGISTRE

NO CADERNO

LITERATURA

1

2

3

4

6

5 8

7

9

10

11

12

229 O Barroco no Brasil (II). Ortografia. O artigo de opinião CAPÍTULO 3

2. O escritor Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) registrou em uma crônica suas

impressões sobre os Profetas. Leia, a seguir, um trecho dessa crônica.

Colóquio das estátuas

Sobre o vale profundo, onde flui o Rio Maranhão, sobre os campos de congonha, sobre

a fita da estrada de ferro, na paz das minas exauridas, conversam entre si os profetas.

Aí onde os pôs a mão genial de Antônio Francisco, em perfeita comunhão com

o adro, o santuário, a paisagem toda – magníficos, terríveis, graves

e eternos –, eles falam de coisas do mundo que, na linguagem das

Escrituras, se vão transformando em símbolo.

As barbas barrocas de uns, panejadas pelo vento que corre as

gerais, lembram serpentes vingativas, a se enovelarem; [...] os doze

consideram o estado dos negócios do homem, a turbação crescente

das almas, e reprovam, e advertem.

[...]

Na sua intemporalidade, são sempre atuais os profetas. Em qualquer tempo, em qualquer situação da história, há que recolher-lhes a

lição:

[...] Oseias dá uma lição de doçura, mandando que se receba a mulher adúltera, e dela se hajam novos filhos. Mas Nahum, o pessimista, não crê na reconversão de valores caducos:

— Toda a Assíria deve ser destruída – digo eu.

Contudo, há esperança, mesmo para os que forem atirados à jaula

dos leões – conta-nos Daniel (e em numerosas partes do mundo eles

continuam a ser atirados; apenas os leões se disfarçam); esperança

mesmo para os que, por três noites, habitarem o ventre de uma baleia – é a experiência de Jonas, a caminho de Nínive.

(In: Passeios na ilha ‒ Divagações sobre a vida literária e outras matérias.

Rio de Janeiro: José Olympio, 1975. p. 31-3.)

a. Segundo Drummond, os Profetas, além de “magníficos”, são “terríveis, graves”. Na

sua opinião, que elementos das esculturas sugerem tais características?

b. De acordo com Drummond, os profetas são sempre atuais. Por quê? Justifique sua

resposta com exemplos apresentados no texto.

caduco: ultrapassado,

superado.

turbação: desassossego,

perturbação.

2. b) Os profetas são atuais porque representam comportamentos humanos; portanto, são intemporais. Oseias é um exemplo de tolerância, pois não condena a

mulher adúltera. Naum, ao contrário, mostra-se intolerante (ou pessimista, segundo Drummond) diante dos assírios. Daniel e Jonas são exemplos de superação

diante das dificuldades da vida.

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho

Nascido em Ouro Preto, Minas Gerais, por volta de 1730, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, era mestiço, filho

de uma escrava e de um arquiteto português. Além de seguir o ofício do pai, dedicou-se também à arte do entalhe e

à escultura. Considerado o maior artista brasileiro do século XVIII, Aleijadinho associou a estética barroca ao uso de

materiais brasileiros, como a pedra-sabão, e conferiu um estilo marcante à sua rica e extensa obra. Produziu projetos de

igrejas, altares, púlpitos, talhas e frontispícios e também esculturas em diversas cidades mineiras, como Congonhas do

Campo, Ouro Preto, Sabará, São João del Rei, Tiradentes e Mariana.

Por volta dos 50 anos, começou a sofrer de uma doença que provocou deformações em seus pés e mãos, o que lhe

valeu o apelido de Aleijadinho. Ainda assim, continuou a atuar com talento e genialidade, como demonstram seus doze

Profetas, esculpidos entre 1800 e 1805. Faleceu em Ouro Preto, em 1814.

Diomedia/Photononstop/Tibor Bognar

O profeta Naum e

o filactério com os

dizeres: “Exponho

que castigo espera

Nínive pecador.

Declaro que a Assíria

será completamente

destruída”.

Detalhe do Cristo

carregando a cruz. Os

olhos amendoados

são um dos traços

característicos

da escultura de

Aleijadinho.

2. a) Professor: Abra a discussão com a classe. Espera-se que os alunos percebam a relação entre os filactérios, os gestos e as expressões faciais das esculturas.

Sugestão: Os dizeres dos filactérios, com advertências, reprovações e até mensagens de perdão e esperança, associados aos gestos, às expressões faciais e aos detalhes

das vestimentas das esculturas, sugerem a caracterização de “magníficos” e ao mesmo tempo “terríveis” e “graves”, atribuída por Drummond aos profetas de Aleijadinho.

Rogério Reis/Pulsar Imagens

230 UNIDADE 3 PALAVRAS EM MOVIMENTO

O propósito dessa seção é ampliar o repertório cultural do estudante e reforçar

a ideia de que temas, perspectivas e formas presentes nas diferentes manifestações culturais do passado, entre as quais a literatura, ainda estão presentes

na contemporaneidade. Em relação à estratégia de ensino, o professor poderá

desenvolver essa atividade com os estudantes, oralmente ou por escrito. Como

essa seção pode envolver música e imagens, se houver a possibilidade de os estudantes ouvirem as canções ou observarem as imagens em um projetor, na sala de

aula, a atividade oral torna-se ainda mais interessante.

Sugestões de estratégias

para o trabalho com a literatura

Na frente de Literatura, é importante diversificar o trabalho de leitura dos textos das seções Foco no texto e Entre textos. Essa leitura pode ser feita de maneira

silenciosa ou em voz alta, dependendo do tamanho do texto e do seu grau de

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dificuldade. Para a leitura de poemas, recomenda-se, principalmente no 1º ano

do ensino médio, a leitura oral feita com entonação e ênfase, a fim de que os

estudantes percebam mais facilmente os recursos estilísticos do texto, como a

sonoridade, as imagens, as inversões, etc. Uma vez que estejam mais familiarizados com a leitura desse gênero, é importante que eles também se habituem à

leitura silenciosa. Para os gêneros em prosa, sugere-se alternar as leituras oral e

silenciosa, conforme julgar conveniente.

Em relação às questões propostas nessas seções, sugere-se a resolução oral e

coletiva, individual ou em grupo na sala de aula ou em casa, dependendo do texto

em análise.

Em todos os casos, é importante que o professor promova a discussão na classe no momento da correção, confrontando respostas e avaliando o grau de compreensão dos estudantes.

Na seção Entre saberes, como já se mencionou, é importante que os textos

sejam lidos na classe e suas questões sejam discutidas e resolvidas oralmente.

Na seção Conexões, o professor pode optar pela leitura e resolução oral ou por

escrito, conforme julgar conveniente.

Em relação à avaliação, sugere-se seguir a metodologia adotada nesta obra,

propondo aos estudantes questões que explorem os recursos fonológicos, sintáticos e semânticos dos textos literários; suas relações com o contexto sócio-histórico, bem como as relações que eles estabelecem com textos literários de épocas

e lugares diferentes.

Língua e linguagem

A gramática na escola

O trabalho com a gramática nas aulas de língua portuguesa vem sendo

há muitos anos alvo de discussão e de críticas, sem que, no entanto, se estabeleçam critérios práticos e objetivos para a implementação de um novo

modelo de trabalho com os conteúdos gramaticais nas escolas. Tais críticas

surgem, em parte, porque o ensino médio atualmente não é mais, como

ocorria décadas atrás, uma preparação para o estudo acadêmico, restrita a

um pequeno número de estudantes que tinham como objetivo ingressar em

um curso superior. Faz parte do ensino médio, hoje em dia, uma enorme

parcela da população jovem que, se ainda não trabalha, pretende ingressar

o quanto antes no mercado de trabalho. Nesse contexto, convém (re)pensar

a função do estudo da língua materna, priorizando seu papel de desenvolver

as habilidades dos estudantes para que estes se constituam em cidadãos

autônomos e críticos, que circulem com desenvoltura por práticas variadas

de leitura e escrita, em situações sociais diversas, seja nas instituições superiores de ensino, seja no trabalho.

Isso significa, especialmente nas aulas de gramática, explorar os textos em

uma perspectiva enunciativa, no sentido bakhtiniano do termo. Voloshinov, do

Círculo de Bakhtin, cuja abordagem dialógica já foi mencionada anteriormente,

considera que

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Esse ponto de vista, associado ao trabalho com a gramática na escola, implica

estudar os textos de forma não desvinculada de suas situações de origem, mas, ao

contrário, examinando os sentidos da língua que só podem ser construídos nesses

contextos de produção e de circulação, ao se levar em conta quem produz, para

quem, com quais finalidades e por meio de quais estratégias. E, para se considerar

esse último fator – o das estratégias utilizadas na construção de sentidos de um

texto –, pode ser muito conveniente que se trabalhem conceitos gramaticais; não

com a abordagem de uma gramática essencialmente tradicional e normativa, mas

de uma gramática que tem por objetivo analisar os fatos linguísticos tal como eles

ocorrem no mundo, para além do conhecimento metalinguístico por muito tempo

priorizado na instituição escolar. Lançando mão de alguns conceitos da gramática,

é possível comparar, avaliar, refletir, colocar em discussão e concluir em que pontos

essa descrição gramatical ainda pode ser relevante e em quais contextos ela já não

se mostra importante, ou pode mesmo ser considerada desnecessária.

Um pouco de história

A perspectiva de trabalho com a gramática aqui proposta não é tão recente.

Já em 1990, Maria Helena de Moura Neves, em seu livro Gramática na escola,

afirmava que professores de Língua Portuguesa muitas vezes se viam entre a

cobrança que a sociedade em geral e a família dos estudantes fazem da escola

e as concepções acerca do ensino de gramática trazidas pelos Estudos Linguísticos que comprovam a ineficácia do aprendizado de regras da gramática normativa para que os estudantes se tornem bons leitores e produtores de textos

eficientes. Segundo Neves,

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema

abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada,

nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social

da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações.

A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.

(Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2002. p. 123.)

[...] é como se o professor, com aulas regulares de gramática, provesse para si um álibi para o caso de uma falta de progresso do aluno

na apropriação que este deva fazer, gradativamente, dos recursos de

sua língua. [...] Assim, embora saiba que a gramática que ele ensina

não ajudará o aluno a escrever melhor (em nenhum dos pontos de

vista), ele cumpre o ritual do ensino sistemático da gramática como

meio de eximir-se de culpa maior (NEVES, 1990, p. 48).

Se tomamos por base uma análise histórica, vemos que, até meados do século XIX, o estudo das línguas era considerado um mero treino intelectual na formação do indivíduo, “conveniente para desenvolver, para exercitar, disciplinar o

espírito” (CHERVELL, 1990, p. 3, 4). Contrariamente ao que se poderia acreditar,

a “teoria” gramatical ensinada na escola não é expressão das ciências ditas ou

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[...] a atitude que a sociedade espera dos profissionais

da linguagem, excetuando talvez os grandes escritores.

Não adotá-la tem para muitos profissionais da linguagem

(inclusive muitos professores jovens e bem informados)

um sentido de traição (ILARI; BASSO, 2009, p. 211).

presumidas “de referência”, mas sim uma disciplina que foi historicamente criada

pela própria escola, na escola e para a escola (CHERVELL, 1990, p. 6, 7).

No contexto brasileiro, ao longo de muitos anos, o estudo dessa gramática foi

valorizado, tendo sido tal tradição interrompida pela reformulação do ensino à época do regime militar, na década de 1960, quando se passou a considerar a língua

instrumento primordial para o desenvolvimento do país e reformulou-se o ensino

com base em objetivos essencialmente utilitaristas, mudando-se inclusive o nome

da disciplina escolar, que recebeu os nomes de Comunicação e expressão e Comunicação em língua portuguesa, e não mais Português. É nessa circunstância que

surge a questão, reproduzida ainda nos dias de hoje e responsável pela polêmica

em torno das aulas de Língua Portuguesa, sobre a necessidade de ensinar ou não

gramática na escola. Os Parâmetros curriculares nacionais do ensino médio (2000)

ressaltam que, em princípio, não haveria problema em trabalhar com a gramática.

O problema é como esse trabalho será realizado, a fim de que não se transforme

em uma camisa de força, tanto para os professores, quanto para os estudantes.

Na mesma época da instituição dos PCN, começaram a ser incorporadas ao

ensino as propostas de trabalho com os gêneros do discurso e a perspectiva

enunciativa na análise de textos na escola, a fim de focalizar uma formação do

estudante que preconize a construção da cidadania, com perspectivas culturais

que garantam o acesso não apenas ao conhecimento historicamente acumulado,

mas também à construção coletiva de novos conhecimentos, ponto de vista reiterado por documentos oficiais mais recentes, tais como PCN + ensino médio (2007)

e Diretrizes nacionais curriculares para a educação básica (2013). De acordo com

essa proposta, é possível considerar, no ensino de gramática, que determinadas

regras da norma-padrão estabelecida são parte do conhecimento histórico acumulado e é importante que os estudantes tomem contato com elas e desejável

que as dominem, mas é primordial que esse aprendizado se dê de forma contrastiva e reflexiva, visando à contrução de novos conhecimentos, e não à imposição

de regras inflexíveis e, muitas vezes, defasadas.

A defasagem de formas e normas torna-se evidente especialmente no mundo atual, permeado por novas tecnologias e pela necessidade de múltiplos letramentos, que modificam constantemente as relações entre professores e estudantes em sala de aula. As transformações e mudanças são muito rápidas e

estar formado para uma atuação cidadã implica necessariamente muito mais

do que reproduzir dados, decorar classificações ou reconhecer símbolos. É nesse

sentido que Sírio Possenti, renomado linguista brasileiro, afirma em seu livro Por

que (não) ensinar gramática na escola que “uma coisa é o estudo da gramática e

outra é o domínio ativo da língua”.

Embora a discussão seja antiga, a materialização de tais ideias em propostas

concretas de ensino, por motivos diversos, não é tão comum. Ilari e Basso, em seu

livro O português da gente (2009), mesmo assumindo uma postura contrária ao

ensino da gramática normativa, reconhecem que a atitude normativa é

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[...] a situação que o professor enfrenta hoje: a Linguística tem demonstrado que a Gramática Normativa tem

inúmeros problemas, como definições erradas, ou exemplificações inadequadas. Apesar disso, por força da tradição e falta de alternativas viáveis, na maioria dos cursos de

Pedagogia e Letras essa é praticamente a única gramática

ensinada (KLEIMAN; SEPULVEDA, 2012, p. 36).

Como conciliar, então, como sugere Sírio Possenti, “uma perspectiva de ensino

de gramática destinado especificamente a quem tem como utopia alunos que

escrevam e leiam”? O risco, ao se tentar responder a uma questão como essa, é

associar diretamente o estudo da gramática a uma forma supostamente correta

de falar e escrever, o que leva a uma falácia, um mito de que, para saber ler e escrever bem, é necessário dominar regras gramaticais. Contrariando essa concepção

estão grandes escritores brasileiros, entre eles Luis Fernando Verissimo, Fernando

Sabino e Ziraldo, para citar apenas alguns, que bradam aos quatro ventos quanto

não sabem gramática e quanto ela é problemática para eles. É nesse sentido que

Kleiman e Sepulveda apontam que

Kleiman e Sepulveda também salientam ser essa

O que não é defendido por nenhum linguista é a concepção

prescritiva, ou normativa, predominante na escola, que justifica

o ensino da gramática para aprender a falar e escrever “corretamente” e que pressupõe uma relação entre o conhecimento de

regras e o uso “correto” da língua. A noção de “uso correto” da

Gramática Normativa tem como ideal uma norma que não existe mais, nem na língua escrita nem na língua falada, e que se resume aos textos de autores consagrados. Essa concepção ignora

as mudanças pelas quais a língua passa e a enorme variação dialetal (devido a diferenças regionais, sociais, etárias), na situação

comunicativa de uso (formal, informal, escrito, falado) que caracterizam toda língua viva (KLEIMAN; SEPULVEDA, 2012, p. 42).

Acreditamos ser essencial considerar a língua viva, em uso, e trabalhar com

os estudantes em um nível de reflexão sobre a linguagem que possibilite a eles

um distanciamento para operar cada vez mais conscientemente sobre suas escolhas linguísticas.

Um caminho possível para

o ensino da gramática

Pesquisadores das áreas da Linguística e da Linguística aplicada vêm problematizando a abordagem da gramática nas aulas de Língua Portuguesa, contestando conceitos da gramática normativa já sedimentados pelo ensino tradicional

e sugerindo que os professores se adaptem a novas propostas. Na grande maioria

dos casos, a contraposição se pauta na ideia de que o ato de ensinar gram‡tica estaria relacionado a um exercício puramente escolar de apreensão e aplicação de

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regras não necessariamente ligadas aos usos da língua nas interações sociais, ao

passo que o estudo e a análise da língua considerariam tais usos, configurando-se

em um trabalho de reflexão recorrente e organizada, voltada para a produção de

sentidos e/ou para a compreensão mais ampla dos usos e recursos linguísticos,

com o fim de contribuir para a formação de leitores-escritores de gêneros diversos, aptos a participarem de eventos de letramento com autonomia e eficiência,

como aponta Márcia Mendonça (MENDONÇA, 2006, p. 208).

É nessa última linha que se encaixa a proposta deste livro: em vez de explorar

uma gramática que seja considerada como norma para uma língua-padrão imposta aos estudantes, nossa proposta é analisar essa mesma norma, que deve,

sim, sob a nossa perspectiva, ser conhecida e dominada por eles, mas em constraste com as diversas variedades do português brasileiro encontradas em todas

as regiões do país e especialmente nas comunidades de cada escola que venha

a utilizar o livro. Este projeto busca um caminho intermediário entre o ensino da

gramática normativa fora de contexto, que impõe regras descompassadas com o

tempo atual dos estudantes, e o abandono total de seus conceitos e regras.

Em geral, o que vemos acontecer no ensino da gramática é que, tanto os currículos quanto os materiais didáticos, ao estabelecerem quais conteúdos devem ser

trabalhados em cada ano escolar, bem como sua sequência, pautam-se, nas palavras

de Ilari e Basso (2009), em “um mesmo ‘roteiro padrão’, que inclui, basicamente, as

classes de palavras, a morfologia flexional e derivacional, a concordância, a sintaxe

da oração e a sintaxe do período” (ILARI; BASSO, 2009, p. 212). E, tal como afirma Bagno em seu livro Português ou brasileiro? (2004), a norma-padrão clássica da língua

portuguesa descrita pela gramática normativa data do século XVI e “representa uma

seleção arbitrária de regras, feita num determinado lugar, numa determinada época, para uso de um grupo restrito de falantes/escreventes” e que, com a finalidade

de colonização e dominação, “passou a ser identificada como a língua portuguesa,

quando, de fato, é só uma pequena parte dela” (BAGNO, 2004, p. 49).

Consideramos, nesta coleção, que esse roteiro de conteúdos pode ser trabalhado em favor de um ensino pautado em uma reflexão crítica, funcionando

como um guia de localização e organização dos conteúdos curriculares ao longo

dos três anos do ensino médio. Os conteúdos se encontram, portanto, dispostos

em uma sequência que pode ser tomada como clássica, mas o tratamento dado a

esses conteúdos tende a uma proposta que visa trabalhá-los com foco na análise

de textos e discursos, e não em seus conceitos, apenas. Tal como aponta Bagno,

[...] se a gente pega uma frase [...] e se limita a dissecá-la, a cortá-la em pedacinhos e a dar nomes a esses pedacinhos, vamos aprender muito sobre ela, mas também

deixaremos de aprender outras tantas coisas, talvez mais

numerosas e interessantes (BAGNO, 2004, p. 33).

Por esse motivo, neste livro, optamos por redimensionar o status de determinados conteúdos que historicamente, na escola, são relegados à ação da simples

memorização, sem a exigência de uma atitude crítica e reflexiva por parte dos

estudantes. É o caso, por exemplo, das conjugações verbais, por si sós, ou da análise sintática pura, que se encontram, entre outros conteúdos, reunidos de forma

sistematizada e sucinta em um apêndice ao final de cada volume.

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FOCO NO TEXTO

Observe as imagens abaixo.

O que é semântica?

LÍNGUA E LINGUAGEM

1. Discuta com os colegas e o professor: O que as imagens retratam?

2. O texto a seguir circulou em adesivos de uma escola de natação. Leia-o.

1. Professor: É esperado que, nas respostas, haja divergências entre o que os alunos veem: na I, uma jovem com um casaco e com uma pena na cabeça ou uma

senhora cabisbaixa, de perfil; na II, um cálice ou dois perfis; na III, um homem

tocando um saxofone ou um rosto. Aproveite a ocorrência de diferentes respostas

a fim de chamar a atenção dos alunos para o fato de que o ponto de vista do leitor é

um dos fatores essenciais para a construção de leituras/interpretações de textos.

I II III

"Enigmas Visuais". Rio de Janeiro: Frente Editora, 2004. p. 50

"Enigmas Visuais". Rio de Janeiro: Frente Editora, 2004. p. 53.

Enigmas Visuais". Rio de Janeiro: Frente Editora, 2004. p. 58.

a. É possível considerar que, nesse contexto, há ao menos dois significados para o termo nada. Quais são eles?

b. Esse duplo sentido, chamado ambiguidade, é prejudicial para a compreensão do

enunciado?

c. Levante hipóteses: Qual é a função da ambiguidade nesse texto?

3. Imagine a seguinte situação: mãe e filha estão conversando e concordando sobre a

importância de manterem hábitos saudáveis; a mãe, sabendo do sedentarismo da

filha, diz: “Eu nado. E você, nada?”. Nesse contexto, como essa fala poderia ser compreendida?

Uma forma do verbo nadar (“Você também nada?”) e o pronome indefinido nada (“Você não faz nada?”).

Não.

A ambiguidade não é um deslize; pelo contrário, foi criada propositalmente, como um recurso para chamar a atenção dos interlocutores.

Poderia ser compreendida como uma imposição, algo como: “Deixe de ser sedentária e vá fazer alguma atividade física!”.

Eu nado.

E você, nada?

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134 UNIDADE 2 ENGENHO E ARTE

LÍNGUA e

LINGUAGEM

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

Vimos que determinados textos, verbais ou não verbais, frases, ou mesmo uma única

palavra podem assumir sentidos diversos, ou mesmo sobrepostos, dependendo do contexto de circulação e do ponto de vista dos interlocutores. O ramo da linguística que estuda o significado, isto é, os sentidos da língua, é chamado de semântica.

Em geral, construímos os sentidos dos textos tanto pelo que conhecemos das

estruturas linguísticas e suas construções, como pelos fatores contextuais envolvidos no uso dessas construções: quem fala, para quem, com quais intenções, em que

lugar, etc.

Assim, seja para compreender, seja para produzir textos, realizamos, como interlocutores, muitas vezes inconscientemente, operações linguísticas diretamente ligadas a

questões semânticas, ou seja, relacionadas aos processos de construção de sentidos da

língua. Você vai conhecer, neste e no capítulo seguinte, alguns dos temas relacionados ao

estudo da semântica.

Ambiguidade e polissemia

Ambiguidade é a duplicidade de sentidos apresentada por alguns textos. O texto “Eu

nado. E você, nada?”, visto anteriormente, é um exemplo de emprego de ambiguidade.

É comum, em alguns textos, a ambiguidade ser utilizada como recurso para chamar a

atenção dos interlocutores ou para criar um efeito de humor.

Leia a tira:

(Disponível em: http://devir.com.br/hqs/gatos.php. Acesso em: 15/8/15.)

Pela expressão facial do gato no 1º quadrinho, é possível perceber que ele está

incomodado e que, quando diz “Você tá roncando demais!!”, a intenção dele é fazer

uma reclamação, queixar-se de que a gata está roncando “demasiadamente”, “mais

do que deveria”. Pela resposta da gata no 㺠quadrinho, entretanto, vemos que ela

entende — ou finge entender — o termo demais como uma gíria. A fala do gato,

nesse caso, tem para ela o sentido de “Você está roncando muito bem!”, “Você está

roncando maneiro!”. Outra possibilidade de entender a resposta da gata é que ela

não se importa com o incômodo do gato e até faz a ele uma provocação, voltando a

dormir e a roncar.

A ambiguidade pode se dar também no nível sonoro, pela segmentação de palavras.

Leia as piadas:

Laerte

135 O Classicismo em Portugal. Semântica (I). Textos instrucionais CAPÍTULO 2

Essa decisão tem essencialmente o objetivo de priorizar, nos estudos desenvolvidos ao longo dos volumes, uma abordagem crítica e reflexiva, que parte de

textos que circulam socialmente, com os quais os estudantes em geral têm contato em sua vida fora da escola, objetivando aprofundar as possibilidades de leitura e construção de sentidos a partir desses textos.

Tal perspectiva preza por trabalhar os conteúdos, levando em consideração

sua importância na construção dos gêneros e dos sentidos dos textos especificamente nas situações de comunicação em que normalmente circulam fora da

sala de aula e da escola. Isso porque já se sabe que abordagens estritamente conteudistas, como as adotadas no ensino de gramática mais tradicional, não têm

contribuído para melhorar os índices de leitura e produção escrita dos estudantes

brasileiros, como mostra o desempenho do país em avaliações externas, sejam

elas estaduais ou nacionais, sejam internacionais.

A iniciativa de levar determinados conteúdos para o apêndice tem como objetivo,

portanto, abrir espaço nos livros da coleção para a discussão de conteúdos mais relevantes e significativos para os estudantes, como ocorre, por exemplo, em dois capítulos destinados à semântica no livro do 1º ano; ou em um capítulo que discute a relatividade das classificações verbais ao tratar da categoria de aspecto verbal, no livro do

2º ano; ou, ainda, em seis capítulos destinados à análise linguística no livro do 3º ano,

sem que um conteúdo gramatical clássico específico precise necessariamente ser exposto. Nos casos mencionados, o trabalho gramatical é unicamente proposto a fim de

que os estudantes aprimorem seu conhecimento sobre a língua e principalmente sua

proficiência leitora e sua capacidade de escrita de diferentes gêneros. Ademais, em todos os capítulos, o estudo da gramática visa à construção de uma postura mais crítica

de leitura, uma vez que mesmo os conteúdos clássicos são discutidos sempre levando

em consideração as possibilidades a que dão margem na construção de sentidos.

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

FOCO NO TEXTO

Leia as manchetes do texto a seguir.

Análise linguística:

informatividade e senso comum

LÍNGUA E LINGUAGEM Salles Chemistri

207 A geração de 45: João Cabral de Melo Neto. Análise linguística: informatividade e senso comum. A dissertação (II) CAPÍTULO 2

FOCO NO TEXTO

Leia o cartum a seguir.

Análise linguística: implícitos e

intertextualidade

LÍNGUA E LINGUAGEM

1. Observe a parte não verbal do cartum.

a. O que cada um dos três pássaros está fazendo?

b. O que o olhar do crocodilo expressa?

2. Agora leia a fala do pássaro e levante hipóteses:

a. O começo de sua fala é uma resposta dada a qual fala anterior, implícita no contexto do cartum? De quem foi essa fala?

b. O receio desse pássaro é de que aconteça o quê?

c. O olhar do crocodilo é consequência de qual ação anterior que ele praticou?

3. Leia o boxe “O crocodilo e o pássaro-palito” e responda:

a. Qual é o “livro sobre os animais” a que o terceiro pássaro faz referência?

b. Por que ele julga importante que o crocodilo tenha lido esse livro?

O 1º está ciscando no dente do crocodilo e o 2º

está virado para o 3º, que olha para cima com

uma expressão preocupada e fala alguma coisa.

Tédio, cansaço, preguiça.

Entre outras possibilidades, algo como: “Pode vir comer com a gente,

não tem nenhum perigo”, dita por um dos outros passarinhos.

De que o crocodilo os devore.

Provavelmente ele tem esse olhar porque acabou de se alimentar, está com o estômago cheio e prestes a dormir.

Um livro de biologia ou

uma enciclopédia.

Para saber que a relação entre eles é cooperativa, isto é, se o crocodilo não comer o pássaro, nenhum sai prejudicado e ambos se beneficiam.

(Disponível em: http://www.graphiqbrasil.com/tirasclassicas/animalcrackers.html. Acesso em: 18/3/2016.)

O crocodilo e o pássaro-palito

No estudo dos tipos de relações dos seres, a biologia chama a

atenção para a protocooperação existente entre algumas espécies,

na qual há benefícios para todos os seres envolvidos, embora eles não

dependam um do outro para sobreviver. É esse o caso do crocodilo e

do pássaro-palito: o pássaro se alimenta de parasitas e restos de comida que estão na boca do crocodilo e, como consequência, contribui

para a higiene bucal de seu companheiro.

4. O humor do cartum é construído com base em uma quebra de expectativa trazida

pela fala do pássaro.

a. Qual expectativa é quebrada?

b. Uma pessoa que não conhece a relação ecológica existente entre crocodilos e pássaros é capaz de compreender o cartum em sua totalidade? Justifique sua resposta.

A de que as relações entre animais irracionais são predeterminadas, não

envolvendo negociação ou raciocínio científico que dê base a elas.

Não, pois não compreenderá a qual “livro” o pássaro faz referência, nem entenderá o

que os pássaros fazem na boca do crocodilo sem que ele os devore.

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234 UNIDADE 3 HORA E VEZ DA LINGUAGEM

LÍNGUA e

LINGUAGEM

2. As expressões sair da cabeça e sair do papel são utilizadas no anúncio com sentido

figurado. Explique, no contexto, qual é o sentido de:

a. “cada ideia que não sai da cabeça do consumidor”?

b. “centenas de outras que não saíram do papel”?

3. Leia as informações da parte inferior do anúncio. Sabendo que Sistema Verdes Mares

é uma grande rede de televisão do Estado do Ceará:

a. Deduza: O que é “GP Verdes Mares”?

b. Por que há um período de inscrições e um regulamento?

c. A quem o anúncio se dirige?

4. Observe a parte não verbal do anúncio. Levante hipóteses:

a. Quem está segurando a caneta?

b. O que representam a caneta e o papel?

c. O que representam as gotas no papel?

5. Junto ao logotipo GP Verdes Mares, lê-se: “1% inspiração.”

a. Conclua: O que representam os 99% restantes?

b. Explique por que, no contexto do anúncio, o confronto entre as formas do singular

e do plural e do presente e do passado do verbo empregado são fundamentais para

a construção dos sentidos do texto.

REFLEXÕES SOBRE A LêNGUA

Relatividade das classificações verbais

Nem sempre é possível conseguir identificar exatamente a qual tempo ou modo uma

ou outra forma verbal se refere, pois há questões contextuais da situação de comunicação dos textos que são fundamentais para a compreensão. Como falante nativo da língua

portuguesa, você é capaz de perceber isso facilmente.

Leia o pequeno depoimento a seguir, escrito com os verbos em sua maioria no passado. Perceba que as formas verbais em destaque, embora morfologicamente sejam construídas no pretérito perfeito do modo indicativo, não têm valor de passado.

Dormi o dia todo e acordei cansada! Sempre tive muito sono. Só quando

vivi no interior, consegui levantar cedo todos os dias. Por isso, vamos combinar depois do almoço, que até essa hora com certeza já acordei.

Na primeira ocorrência, a forma dormi, acrescida da expressão o dia todo, ganha uma ideia

de duração prolongada, podendo ser substituída por Fiquei dormindo. A forma tive, por sua

vez, tem um valor de presente, pois se refere a algo que sempre aconteceu e ainda acontece,

reforçada pelo termo sempre, que poderia ser suprimido, sendo a forma verbal substituída por

tenho. Em consegui, a expressão todos os dias dá um caráter de ação rotineira no passado, papel cumprido pelo pretérito imperfeito do indicativo: conseguia. Por fim, a forma acordei tem

Cada ideia aprovada para uma propaganda que não sai da cabeça

do consumidor adquire o sentido de que a ideia fica impregnada,

afixada na mente do consumidor.

Centenas de outras ideias que o publicitário teve para a campanha e que não

foram aprovadas adquire o sentido de que ficaram só no planejamento inicial, não

foram realizadas.

Grande Prêmio Verdes Mares

Porque se trata da divulgação de uma premiação e,

para concorrer, os interessados precisam ter acesso

a essas informações.

A publicitários e agências que produzem campanhas e anúncios.

Um publicitário, criador, redator de anúncios.

O trabalho de passar para o papel as ideias que lhe ocorrem.

O suor, dando a entender que se trata de um trabalho árduo.

O trabalho e o esforço do criador dos anúncios.

A forma sai, no singular e no presente, comprova que apenas uma das ideias foi

aproveitada e reforça que ela está atual e ininterruptamente na cabeça do consumidor, ao passo que, na forma saíram, o uso passado destaca todo o trabalho feito

para que se chegasse à boa ideia, e o plural reforça o processo de que muitas ideias

anteriores foram necessárias até se chegar à escolhida.

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225 O Realismo e o Naturalismo no Brasil. O verbo (II). A entrevista CAPÍTULO 2

LÍNGUA e

LINGUAGEM

FOCO NO TEXTO

Leia, a seguir, uma redação que teve nota máxima no exame do Enem.

A imigração no Brasil

Durante, principalmente, a década de 1980, o Brasil mostrou-se um país de emigração. ■, inúmeros brasileiros deixaram ■ em busca de melhores condições de vida. No

século XXI, um fenômeno inverso é evidente: a chegada ao Brasil de grandes contingentes imigratórios, com indivíduos de países subdesenvolvidos latino-americanos. No

entanto, as condições precárias de vida ■ são desafios ■ para a plena adaptação de

todos os cidadãos ■.

A ascensão do Brasil ao posto de uma das dez maiores economias do mundo é um

importante fator atrativo ■. ■ o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nacional,

segundo previsões, seja menor em ã01ã em relação a anos anteriores, o país mostra

um verdadeiro aquecimento nos setores econômicos, representado, por exemplo, pelo

aumento do poder de consumo da classe C.

■ contribui para a construção de uma imagem positiva e promissora do Brasil no

exterior, o que favorece a imigração. A vida dos imigrantes no país, ■, exibe uma diferente e crítica faceta: a exploração da mão de obra e a miséria.

■, para impedir a continuidade ■, é imprescindível a intervenção governamental,

por meio da fiscalização de empresas que apresentem imigrantes como funcionários,

bem como a realização de denúncias de exploração por brasileiros ou por imigrantes. ■,

é necessário fomentar o respeito e a assistência a eles, ideais que devem ser divulgados

por campanhas e por propagandas do governo ou de ONG’s, além de garantir seu acesso à saúde e à educação, por meio de políticas públicas específicas ■.

(Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/guia_participante/2013/

guia_de_redacao_enem_2013.pdf. Acesso em: 20/2/2016.)

1. Em sua primeira leitura, você certamente percebeu que faltam alguns termos fundamentais para a compreensão do texto.

a. Entre as expressões do quadro a seguir, identifique os que completam adequadamente

o texto e escreva-os em seu caderno, na ordem em que devem ser empregadas.

a esse grupo Embora entretanto Na chamada década perdida

dessas pessoas Portanto aos estrangeiros Ademais Esse aspecto

dessa situação ao governo e à sociedade brasileira à nova realidade o país

b. Reveja no texto os seguintes trechos e expressões e indique qual(is) expressão(ões)

do quadro do item anterior retoma(m) cada um deles.

Na chamada década perdida / o país / dessas pessoas / ao governo e à sociedade brasileira / à nova realidade

/ aos estrangeiros / Embora / Esse aspecto / entretanto / Portanto / dessa situação / Ademais / a esse grupo

Análise linguística: progressão

referencial e operadores

argumentativos

LÍNGUA E LINGUAGEM

191 A poesia de 30: Cecília Meireles e Vinícius de Morais. Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos. A dissertação (I) CAPÍTULO 1

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O caso dos capítulos cuja parte de gramática se intitula “Análise linguística”,

no volume 3 da coleção, merece um comentário à parte. A expressão análise linguística foi citada pela primeira vez no contexto do ensino de gramática por Wanderley Geraldi, em seu livro O texto na sala de aula, em 1987. Mais recentemente,

foi retomado e aprofundado por Márcia Mendonça em seu artigo “Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro objeto”, de 2006, no qual a autora

ressalta o fato de que, em relação a alguns conteúdos da gramática normativa,

“muitos professores não encontram outra razão para ensinar o que ensinam nas

aulas de gramática, a não ser a força da tradição” (p. 202). A pesquisadora prossegue, assumindo a posição de que

A AL [Análise Linguística] não elimina a gramática das

salas de aula, como muitos pensam, mesmo porque é impossível usar a língua ou refletir sobre ela sem gramática.

[...] A AL engloba, entre outros aspectos, os estudos gramaticais, mas num paradigma diferente, na medida em que

os objetivos a serem alcançados são outros (MENDONÇA,

2006, p. 206).

O quadro a seguir, proposto por Mendonça (2006, p. 207), ilustra algumas das

diferenças básicas entre o ensino de gramática e a análise linguística.

ENSINO DE GRAMÁTICA PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

• Concepção de língua como sistema, estrutura inflexível

e inviável.

• Concepção de língua como ação interlocutiva situada,

sujeita às interferências dos falantes.

• Fragmentação entre os eixos de ensino: as aulas de

gramática não se relacionam necessariamente com as

de leitura e de produção textual.

• Integração entre os eixos de ensino: a AL é ferramenta

para a leitura e a produção de textos.

• Metodologia transmissiva, baseada na exposição

dedutiva (do geral para o particular, isto é, das regras

para o exemplo) + treinamento.

• Metodologia reflexiva, baseada na indução (observação

dos casos particulares para a conclusão das

regularidades/regras).

• Privilégio das habilidades metalinguísticas. • Trabalho paralelo com habilidades metalinguísticas e

epilinguísticas.

• Ênfase nos conteúdos gramaticais como objetos de

ensino, abordados isoladamente e em sequência mais

ou menos fixa.

• Ênfase nos usos como objetos de ensino (habilidades de

leitura e escrita), que remetem a vários outros objetos

de ensino (estruturais, textuais, discursivos,

normativos), apresentados e retomados sempre que

necessário.

• Centralidade da norma-padrão. • Centralidade dos efeitos de sentido.

• Ausência de relação com as especificidades dos gêneros,

uma vez que a análise é mais de cunho estrutural e,

quando normativa, desconsidera o funcionamento

desses gêneros nos contextos de interação verbal.

• Fusão com o trabalho com os gêneros, na medida em

que contempla justamente a intersecção das condições

de produção dos textos e das escolhas linguísticas.

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ENSINO DE GRAMÁTICA PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

• Unidades privilegiadas: a palavra, a frase e o período. • Unidade privilegiada: o texto

• Preferência pelos exercícios estruturais, de identificação

e classificação de unidades/funções morfossintáticas e

correção.

• Preferência por questões abertas e atividades de

pesquisa, que exigem comparação e reflexão sobre

adequação e efeitos de sentido.

Assumindo a perspectiva da Análise linguística, pretendemos, com esses

capítulos, proporcionar a professores e estudantes uma reflexão “sobre elementos e fenômenos linguísticos e sobre estratégias discursivas, com o foco

nos usos da linguagem” (MENDONÇA, 2006, p. 206). Para tanto, as propostas

de análise linguística são tratadas como ferramenta para o trabalho de leitura

e de produção de textos, com ênfase nos usos e na construção de sentidos.

Isso ocorre sempre tendo em vista a realidade dos estudantes do ensino médio e as situações de comunicação de que participam, seja como leitores, seja

como produtores de texto.

São estes os assuntos desenvolvidos na obra nos capítulos mencionados.

VOLUME 3

Unidade 3

Capítulo 1 Análise linguística: progressão referencial e operadores argumentativos

Capítulo 2 Análise linguística: informatividade e senso comum

Capítulo 3 Análise linguística: implícitos e intertexto

Unidade 4

Capítulo 1 Análise linguística: as diferentes formas de dizer

Capítulo 2 Análise linguística: gerúndios e gerundismo

Capítulo 3 Análise linguística: polissemia e ambiguidade

Assim, consideramos que conhecer algumas regras da gramática normativa pode permitir aos estudantes aprender sobre a língua e seu funcionamento. Além disso, conhecer os preceitos da gramática tradicional possibilita fazer

reflexões para, inclusive, poder criticar e entender as críticas feitas a alguns

de seus conceitos e, ainda, conhecer as regras impostas por essa gramática

pode auxiliar na realização de leituras mais aprofundadas dos textos com os

quais convivemos em nosso dia a dia, dentro e fora da escola. Como expõe

Mendonça, focalizar “os recursos linguísticos usados para construir sentido”

em um texto, qualquer que seja ele, pode “ampliar os potenciais de leitura” e

levar a reflexões sobre os usos da língua, suas possibilidades e consequências,

contribuindo para “ajudar os alunos a desenvolverem habilidades importantes para a formação de leitores proficientes, autônomos e críticos” (MENDONÇA, 2006, p. 212-214).

Não se trata de, conforme fazem gramáticas específicas publicadas recentemente por linguistas pesquisadores da área, propor discussões técnicas, de nível

superior, para estudantes da educação básica. Trata-se, na verdade, de discutir os

conceitos da gramática normativa vinculados aos usos da língua, os quais estão

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diretamente relacionados ao público com que se trabalha, são situados e variam

conforme variarem os interesses de cada escola, cada classe e, em última instância, cada estudante. Uma abordagem que explora conteúdos gramaticais, mas

que, ao mesmo tempo, assume uma postura crítica e está constantemente refletindo acerca das propostas da Linguística e da Linguística aplicada para o ensino,

sem perder de vista as necessidades da escola.

Ratificamos nosso ponto de vista de que sistematizar um conteúdo da gramática normativa em uma aula de Língua Portuguesa não é necessariamente um

problema e pode contribuir, sim, para a formação dos estudantes, considerando

os usos que eles já fazem da língua e a importância de levá-los a refletir sobre

esses usos, a fim de explorá-los com eficiência, segundo suas intenções e as necessidades das situações de comunicação das quais venham participar.

n Bibliografia

BAGNO, M. Português ou brasileiro?: um convite à pesquisa. 4. ed. São Paulo:

Parábola Editorial, 2004.

BRASIL. MEC. Parâmetros curriculares nacionais do ensino médio – Língua

Portuguesa. Brasília, DF: SEF/MEC, 2000.

____. PCN+ ensino médio: orientações educacionais complementares aos parâmetros

curriculares nacionais – Língua Portuguesa. Brasília, DF: SEF/MEC, 2007.

____. Diretrizes curriculares nacionais gerais da educação básica. Brasília, DF: SEB/

MEC, 2013.

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de

pesquisa. In: Teoria e Educação, n¼ 2: 177-229. Porto Alegre, 1990.

GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Ática, 1999.

ILARI, R.; BASSO, R. O português da gente: a língua que estudamos, a língua que

falamos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2009.

KLEIMAN A.; SEPULVEDA, C. Oficina de gramática: metalinguagem para

principiantes. Campinas: Pontes, 2012.

MENDONÇA, M. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro

objeto. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. Português no ensino médio e formação do

professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 199-226.

NEVES, M. H. de M. Gramática na escola. São Paulo: Contexto, 1990.

POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras,

1996.

VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2002.

Seções

A frente de Língua e linguagem se inicia com a seção Foco no texto, na qual o

estudante responde a um conjunto de perguntas que o levam a analisar como o

conceito gramatical a ser estudado no capítulo contribui para a construção de

sentidos no texto, levando em conta toda a situação de comunicação na qual o

texto foi produzido e circulou.

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LÍNGUA e

LINGUAGEM

Uma variedade é melhor que outra?

Podemos dizer que o português são muitos e que todas as suas variedades servem às

finalidades para as quais existem. Determinar a norma-padrão de uma língua não significa definir uma variedade como a mais correta, mais completa, mais bonita ou mais

dotada de certa qualidade específica. Trata-se, na verdade, de adotar uma convenção a

fim de instituir e fixar um modo mais estável de se produzirem textos que possam perdurar por um período mais longo. O estabelecimento dessa convenção, sem dúvida, envolve

relações de prestígio, poder, classe social. Em outras palavras, toda variedade linguística

poderia, em princípio, ser definida como a norma-padrão, o que teria como consequência

a produção de materiais e gramáticas para descrevê-la e legitimá-la.

Tipos de variação

Como vimos, a maneira de usar a língua varia segundo diversos elementos, constituindo, assim, diversos tipos de variação.

Variação diacrônica

Releia dois trechos das cantigas reproduzidas neste capítulo, na seção Literatura:

Passa seu amigo,

que lhi ben queria;

o cervo do monte

a augua volvia,

leda dos amores,

dos amores leda.

(Pero Meogo)

Quantos an gran coita d’amor 

eno mundo, qual og’ eu ei, 

querrian morrer, eu o sei, 

o averrian én sabor. 

Mais mentr’ eu vos vir’, mia senhor, 

sempre m’eu querria viver, 

e atender e atender!

(João Garcia de Guilhade)

Nesses trechos, conseguimos reconhecer algumas palavras que utilizamos hoje em

dia, como “lhi”, “ben”, “augua”, “gran”, “og”, “ei”, “querrian”, “averrian”, “mia”, que correspondem, respectivamente, a lhe, bem, água, grande, hoje, hei, queriam, haveriam e minha.

Essa variação na língua, que ocorre através do tempo, é chamada de diacrônica. É possível, assim, considerar que o português arcaico, ou galego-português, é uma variedade

antiga do português atual.

Não é preciso voltar séculos no tempo para perceber esse tipo de variação. Na canção

“Vozes da seca” há os termos vosmicê e mercê, equivalentes, hoje, a você, ocê, cê. Diferenças no uso da língua entre gerações que convivem em uma mesma época também constituem a variação diacrônica, da qual são exemplos expressões e gírias usadas apenas por

nossos pais ou avós.

Variação diatópica

Você já se observou tentando adivinhar a região do Brasil da qual uma pessoa é, apenas por ouvi-la pronunciar algumas palavras? Isso se deve à percepção de que o modo de

pronunciar as palavras depende do lugar de origem do falante. Na canção “Vozes da seca”,

por exemplo, a ocorrência “pudê”, em vez de poder, indica uma pronúncia típica da região

Nordeste do Brasil.

Essa variação relacionada a lugar de origem do falante, chamada diatópica, inclui não

apenas a pronúncia, mas também o uso de determinadas palavras, expressões e construções, independentemente de outros fatores, como idade ou escolarização, por exemplo.

Professor: Não se espera que a classificação a seguir seja memorizada

pelos alunos. A finalidade principal de a apresentarmos aqui é que, por

meio dos exemplos, eles compreendam melhor o processo de variação

linguística.

51 Literatura na Baixa Idade Média: o Trovadorismo. Variedades linguísticas. O poema CAPÍTULO 2

Fernando Favoretto/Criar Imagem

Luis Matuto

Variação diastrática

Há uma variação diretamente relacionada à escolarização dos falantes, chamada diastrática. Ocorrências como “seu doutô”, “pidimo”, “inté”, entre outras, encontradas na canção “Vozes da seca”, são típicas da fala de quem permaneceu por pouco tempo na escola

e, assim, não teve acesso ao aprendizado da norma-padrão.

Vale lembrar que, em nosso país, o número de anos que uma pessoa frequenta a escola tem, em geral, relação com classe social. Quase sempre, pessoas de classe social mais

elevada têm maior escolaridade.

Variação diamésica

Outra das variações, chamada diamésica, diz respeito ao meio ou veículo em que o texto

circula. Fala e escrita, por exemplo, constituem meios ou veículos diferentes; assim, ocorrências como “rédias”, “ismola”, “distino” são observadas inclusive na fala de pessoas escolarizadas que, na escrita, empregam naturalmente as formas rédeas, esmola, destino.

Essa variação tem relação também com o grau de formalidade dos textos. Em uma

palestra, por exemplo, a fala é geralmente mais estruturada do que em uma conversa

informal. Por outro lado, um bilhete deixado na porta da geladeira possibilita muito mais

flexibilidade nos usos da língua escrita do que o texto de um trabalho escolar.

A ortografia, uma convenção

Algumas das ocorrências do galego-português vistas em textos literários ou em documentos dos séculos XII a XVI são registros muito próximos

da língua oral. Isso porque o galego-português constituía uma derivação

do latim vulgar, que não tinha registros escritos, exclusivos do latim clássico. Quando as línguas derivadas do latim vulgar, entre elas o galego-português, começaram a ganhar importância e viu-se a necessidade de produzir

textos escritos, tais línguas precisaram passar por um novo processo de

organização e sistematização.

Esse processo de organização e sistematização inclui a ortografia, convenção social que, ao instituir formas de registro menos mutáveis, possibilita que documentos escritos em uma língua sejam lidos ao longo do tempo.

Iniciada a partir de uma língua falada, a língua escrita certamente recebe influências

da fala e das inúmeras variações que esta sofre, decorrentes de quem fala, quando fala,

onde fala, entre outros fatores. É comum, assim, que, no começo do processo de organização da escrita de uma língua, haja oscilações entre as construções possíveis.

APLIQUE O QUE APRENDEU

Leia os textos e, com base em quando, por quem e onde foram provavelmente produzidos, relacione, em seu caderno, cada um dos itens a seguir.

Texto 1

Poeta, cantô da rua,

Que na cidade nasceu,

Cante a cidade que é sua,

Que eu canto o sertão que é meu.

Se aí você teve estudo,

Aqui, Deus me ensinou tudo,

Sem de livro precisá

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí,

Cante lá, que eu canto cá.

[...]

(Patativa do Assaré. Cante lá que eu canto cá. Filosofia de um

trovador nordestino. 16 ed. Petrópolis: Vozes, 1978.)

UNIDADE 1 RUMORES DA LÍNGUA E DA LITERATURA 52

LÍNGUA e

Estrutura de palavras

LINGUAGEM

LÍNGUA E LINGUAGEM

FOCO NO TEXTO

Leia estes dois cartuns, de Caulos:

1. No primeiro cartum, há um desmembramento da palavra insano.

a. Considerando que o radical latino sanus significa “são, que tem estabilidade física e

emocional”, responda: Que relação há entre a divisão da palavra e o comportamento

das personagens?

b. Conforme sugere a resposta do item anterior, qual é o sentido da partícula in- em

insano?

c. Conclua: Qual é o sentido da palavra insano?

2. No segundo cartum, cada personagem, como no primeiro cartum, também representa uma letra e, juntas, formam a palavra infiel.

a. Com o afundamento das duas personagens que estão à frente do grupo, que palavra se forma?

b. Levando-se em conta o sentido das palavras fiel e infiel, que relação há entre as

duas letras iniciais de infiel e o afundamento desses personagens?

c. Compare estas palavras:

infiel

infeliz

incômodo

ineficaz

Conclua: Qual é o sentido da partícula in- nessas palavras?

Na situação, as personagens que representam as letras i e n mostram-se impassíveis, sem medo, sugerindo que são

imprudentes; já a parte sano, que se refere à sanidade mental ou ao bom-senso, foge do perigo.

negação, privação

louco, demente

fiel

2. b) Com o afundamento das

duas personagens que representam as letras i e n e, portanto, formam a partícula in-,

sobram as letras que formam

fiel. Desse modo, o naufrágio

das duas letras iniciais sugere

visualmente que as personagens que abandonaram a

fidelidade sofrem as consequências da infidelidade.

A partícula in- tem o sentido de negação.

REGISTRE

NO CADERNO

Caulos

Caulos

(Só dói quando eu

respiro. Porto Alegre:

L&PM, 2001. p. 55.)

293 O Arcadismo no Brasil (I). Estrutura de palavras. O texto de divulgação científica (I) CAPÍTULO 2

LÍNGUA e

LINGUAGEM

Concordância verbal

FOCO NO TEXTO

Leia o poema a seguir, de Ferreira Gullar, escrito durante o período do regime militar

no Brasil:

Dois e dois: quatro

Como dois e dois são quatro

sei que a vida vale a pena

embora o pão seja caro

e a liberdade pequena

Como teus olhos são claros

e a tua pele, morena

como é azul o oceano

e a lagoa, serena

como um tempo de alegria

por trás do terror me acena

LÍNGUA E LINGUAGEM

SHNA/Shutterstock

e a noite carrega o dia

no seu colo de açucena

− sei que dois e dois são quatro

sei que a vida vale a pena

mesmo que o pão seja caro

e a liberdade, pequena.

(Toda poesia. 18. ed. Rio de Janeiro:

José Olympio, 2009. p. 171.) 

1. Leia a seguir um depoimento de Ferreira Gullar, dado na Bienal do Rio de Janeiro, em

2009, no qual ele comenta sobre a situação em que esse poema foi escrito:

Muitos amigos estavam presos, muita gente sumiu, então havia um grande desapontamento em todos nós, que tínhamos lutado pela reforma agrária, pela mudança

das condições do país [...] Então esse poema foi escrito um pouco pensando nas pessoas

que estavam presas e em tudo, em todos nós que estávamos perdendo o ânimo [...].

(Transcrito do vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T2iTZJAOz6c. Acesso em: 18/1/2016.)

a. A 1ª estrofe apresenta uma síntese das ideias principais do poema. Considerando

o contexto social e político em que o poema foi produzido, explique o sentido dos

versos “embora o pão seja caro / e a liberdade pequena”.

b. Tendo em vista o momento caracterizado por Gullar, conclua: O que expressam os

dois primeiros versos dessa estrofe?

c. Segundo o depoimento de Gullar, a quem ele se dirigia com seu poema?

2. Embora em seu depoimento Gullar tenha explicitado a quem se dirigia com seu texto, no poema o eu lírico se dirige especificamente a um “tu”, que aparece em meio a

uma comparação.

a. Levante hipóteses: Quem é o tu a que o eu lírico se dirige?

b. Com o que o eu lírico compara os elementos trazidos na 2ª, na 3ª e na 4ª estrofes?

Esses versos remetem à situação desfavorável vivida à época, na qual o custo

de vida era alto e as pessoas não tinham liberdade de expressão nem liberdade

política.

O desejo do eu lírico de levar ânimo às pessoas à sua volta, afirmando sua previsão positiva para o

futuro como uma certeza e garantindo que ela é tão certa quanto um cálculo matemático.

À sociedade em geral, às pessoas que se viam sem esperanças na vida e no futuro.

Possibilidades variadas de resposta: A uma pessoa querida que

se encontrava distante ou que estava muito desanimada com a

situação e a quem ele gostaria de encorajar.

Com a sua certeza de que a vida vale a pena.

23 O Pré-Modernismo. Concordância verbal. O conto CAPÍTULO 1

A fim de que os conteúdos gramaticais abordados não se encerrem em si mesmos, sempre que possível a frente de gramática retoma em seu estudo os textos

trabalhados na frente de literatura ou adianta alguma reflexão sobre o gênero

que será trabalhado na produção de texto.

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P:365

LÍNGUA e

LINGUAGEM

LÍNGUA

Pronomes pessoais e

pronomes possessivos

Leia um trecho de um diálogo entre Paulo e Lúcia, personagens de Lucíola, obra estudada na seção de literatura deste capítulo.

— Pelo que vejo, Lúcia, nunca amarás em tua vida!

— Eu?... Que ideia! Para que amar? O que há de real e de melhor na vida é

o prazer, e esse dispensa o coração. O prazer que se dá e recebe é calmo e doce,

sem inquietação e sem receios. Não conhece o ciúme que desenterra o passado,

como dizem que os abutres desenterram os corpos para roerem as entranhas.

Quando eu lhe ofereço um beijo meu, que importa ao senhor que mil outros

tenham tocado o lábio que o provoca? A água lavou a boca, como o copo que

serviu ao festim; e o vinho não é menos bom, nem menos generoso, no cálice

usado, do que no cálice novo. O amor!... O amor para uma mulher como eu seria

a mais terrível punição que Deus poderia infligir-lhe! Mas o verdadeiro amor

d’alma; e não a paixão sensual de Margarida, que nem sequer teve o mérito

da fidelidade. Se alguma vez essa mulher se prostituiu mais do que nunca, e se

mostrou cortesã depravada, sem brio e sem pudor, foi quando se animou profanar o amor com as torpes carícias que tantos haviam comprado.

(Op. cit., p. 132.)

Para se referir a Lúcia, Paulo utiliza o pronome pessoal de 2ª pessoa tu,

muito usado no Brasil na época em que se passa a narrativa e ainda hoje em

algumas regiões. Por isso, emprega o verbo na 2ª pessoa do singular (amarás)

e o pronome possessivo também de 2ª pessoa, (tua), para se referir à vida de

sua interlocutora (“tua vida”). Já Lúcia, para se referir a Paulo, utiliza o pronome

de tratamento senhor (“que importa ao senhor”). Paulo, como interlocutor de

Lúcia, é considerado 2ª pessoa, mas o pronome de tratamento senhor, como

os outros, é considerado de 3ª pessoa. Por isso, Lúcia usa o pronome pessoal

lhe, de 3ª pessoa, para se referir a Paulo (“quando eu lhe ofereço”). Ao se referir

a seu próprio beijo, ela utiliza o pronome de ᪠pessoa meu (“um beijo meu”).

Assim, definimos:

Pronomes possessivos são aqueles que dão ideia de posse.

Os pronomes possessivos utilizados atualmente no português do Brasil

são apresentados no seguinte quadro.

PESSOA PORTUGUÊS BRASILEIRO FORMAL PORTUGUÊS BRASILEIRO INFORMAL

SINGULAR

᪠meu(s), minha(s) meu(s), minha(s)

2ª teu(s), tua(s) teu(s), tua(s), seu(s), sua(s)

3ª seu(s), sua(s) dele(s), dela(s)

PLURAL

᪠nosso(s), nossa(s) nosso(s), nossa(s)

2ª vosso(s), vossa(s) seu(s), sua(s), de vocês

3ª seu(s), sua(s) dele(s), dela(s)

Tu ou voc•

O pronome pessoal tu ainda é amplamente utilizado em Portugal. No Brasil,

o uso mais corriqueiro para se dirigir à

pessoa com quem se fala (2a. pessoa do

discurso), atualmente, é a forma você,

embora em regiões específicas, como o

Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul,

entre outras, ainda seja comum o emprego de tu.

Além da substituição da forma tu pela

forma você, há no Brasil ainda variação

na conjugação do verbo nas regiões

que utilizam tu. Em algumas, o verbo

é mantido na 2a. pessoa gramatical (tu

vais, tu vieste) e, em outras, é usado na

3

a. pessoa gramatical, igual a quando se

emprega você (tu vai, tu veio).

Andressa Honório

137 A prosa romântica no Brasil (II). O pronome (I). A crônica (II) CAPÍTULO 2

LÍNGUA e

LINGUAGEM

4. Em seu caderno, identifique, na descrição a seguir, quais dos termos em

destaque constroem cada um dos sentidos enumerados.

“Ozzy não se divertiu muito. Talvez porque tenha sentido saudades de sua casa. Certamente, fará outro passeio

como esse apenas se for obrigado por seus pais.”

I. intensidade II. exclusão III. negação IV. afirmação V. dúvida

5. Em seu caderno, escreva a única palavra que completa cada frase a seguir, substituindo a expressão entre parênteses.

a. Ao entrar no mar, Ozzy gritou ▀ (com desespero).

b. Para fugir da borboleta, Ozzy correu ▀ (com rapidez).

c. (no fim) ▀, Ozzy pôde descansar ▀ (com tranquilidade) em seu

quarto.

6. Em relação à questão anterior:

a. Quais dos termos escritos por você modificam verbos?

b. E qual termo modifica toda uma oração?

c. Qual das circunstâncias a seguir esses termos acrescentam às frases?

• intensidade

• dúvida

• modo

• interrogação

REFLEXÕES SOBRE A LÍNGUA

No estudo da tira, você viu que há palavras e expressões que, no discurso, constroem sentidos circunstanciais de lugar, tempo, intensidade, modo,

entre outros. Elas podem se referir a verbos, a outros termos, ou mesmo a

orações inteiras. São elas: na praia, no campo, agora, já, muito, etc. Essas

palavras e expressões são denominadas advérbios e locuções adverbiais.

Do ponto de vista semântico, os advérbios podem ser conceituados desta forma:

Advérbio é a palavra que acrescenta atributos, qualificações,

particularidades a outros termos (em especial verbos, adjetivos,

substantivos e outros advérbios) ou a orações inteiras.

Do ponto de vista morfológico, os advérbios são palavras que não sofrem

nenhuma variação e, por isso, independem do tempo, do número e das pessoas envolvidas no enunciado.

No trecho do poema “Via Láctea”, de Olavo Bilac, estudado por você na

seção Literatura deste capítulo, foram utilizados diversos advérbios. Releia a

seguir as duas primeiras estrofes.

(III) (I) (V)

(IV)

desesperadamente

rapidamente

finalmente tranquilamente

Desesperadamente, rapidamente, tranquilamente.

finalmente

X

(II)

Longe de ti, se escuto, porventura,

Teu nome, que uma boca indiferente

Entre outros nomes de mulher murmura,

Sobe-me o pranto aos olhos, de repente...

Tal aquele, que, mísero, a tortura

Sofre de amargo exílio, e tristemente

A linguagem natal, maviosa e pura,

Ouve falada por estranha gente...

REGISTRE

NO CADERNO

© Angeli - Ozzy Tirex e mais uma cambada de bichos de estimação - Cia. das Letras - São Paulo.

241 Parnasianismo. O advérbio. A reportagem CAPÍTULO 3

J. l. Bulcão/Pulsar Imagens

6. Releia as orações:

“os nordestino têm muita gratidão”

“pidimo proteção a vosmicê”

“nunca mais nóis pensa em seca”

a. Reescreva as orações segundo as regras da norma-padrão escrita.

b. Discuta com os colegas e o professor: Quais são as diferenças entre a forma original

e a forma das orações conforme a norma-padrão?

c. Observe a concordância entre o sujeito e o verbo em cada oração. Há uma regra

comum para as três? Explique como ela é feita em cada uma.

7. Observe os seguintes pares de ocorrências: por / pur, qui / lhe, esmola / ismola,

sem gastar / vai dá.

a. Em cada um dos pares de ocorrências, uma é grafada segundo a norma-padrão.

Indique as ocorrências que seguem a norma e reescreva corretamente as que não

seguem.

b. Levante hipóteses: O que levou à escrita dessas palavras de uma maneira diferente

da prescrita pela norma ortográfica?

8. Por ser letra de canção, o texto em estudo circula principalmente por via oral, isto é,

ele é mais cantado e ouvido do que escrito e lido. Com base nesse fato e nas respostas

às questões anteriores, levante hipóteses:

a. As grafias e as construções que, no texto, estão em desacordo com a norma-padrão

devem ser vistas como um problema? Justifique sua resposta.

b. Por que há oscilações entre ocorrências semelhantes, como por e “pur”, “qui” e lhe,

esmola e “ismola”, gastar e “dá”?

REFLEXÕES SOBRE A LÍNGUA

No estudo do texto literário deste capítulo, você leu cantigas escritas em galego-português, na Idade Média, pelos antigos trovadores. O galego-português é uma língua de origem latina da qual deriva

o português brasileiro, tal como conhecemos hoje. É um equívoco,

entretanto, acreditarmos que o português brasileiro é uma língua falada homogeneamente em todo o país, uma vez que há elementos

diversos que contribuem para que ela sofra variações.

Essas variações são de natureza geográfica, histórica, social, entre

outras, e a elas se devem as diferenças observadas entre os falares

dos brasileiros.

Alterações lexicais, semânticas e sintáticas, isto é, quanto a vocabulário, significados e construções, são comuns e naturais, fazendo parte

da evolução de qualquer idioma. Assim:

Varia•‹o lingu’stica são os diferentes modos de falar uma língua – as

variedades linguísticas – relacionados à idade do falante, à sua classe

social, ao espaço em que ele se encontra e, ainda, aos objetivos e aos

usos específicos que ele faz da língua.

Os nordestinos têm muita gratidão / pedimos proteção a vossa mercê / nunca mais nós pensamos em seca.

Na 1ª, o plural em nordestinos; na 2ª, a ortografia e o acréscimo do s em pidimo e a ortografia em vosmicê; na 3a

, a ortografia em nós e a concordância verbal em pensamos.

por, lhe, esmola, sem gastar / por, que, esmola, vai dar

A influência da pronúncia das palavras, pois ao falarmos é muito comum o e ser

pronunciado como i e o o como u e o r final dos infinitivos não ser pronunciado.

8. a) Não, pois a normapadrão é um modelo,

uma referência que

orienta os usuários

da língua quando

precisam usar o português de modo mais

formal, o que não é o

caso da canção.

Porque, tratando-se de uma variedade oral e de pouco prestígio social, não há registros escritos suficientes para que se

instituam regras para essa variedade, diferentemente do que ocorre com a norma-padrão.

6. c) Não. Na primeira, o

verbo está no plural,

concordando com o

sujeito. Na segunda,

o verbo concorda

com o sujeito, mas

tem uma grafia influenciada pela fala,

diferente da padrão.

Na terceira, o verbo

está no singular e o

sujeito, no plural.

REGISTRE

NO CADERNO

50 UNIDADE 1 RUMORES DA LÍNGUA E DA LITERATURA

Os pronomes pessoais, por sua vez, podem ser definidos assim:

Pronomes pessoais são aqueles que se referem

aos participantes da situação discursiva.

Os pronomes pessoais utilizados atualmente no português brasileiro são apresentados no seguinte quadro.

PESSOA PORTUGUÊS BRASILEIRO FORMAL PORTUGUÊS BRASILEIRO INFORMAL

Sujeito Complemento Sujeito Complemento

SINGULAR

1ª eu me, mim, comigo eu, a gente eu, me, mim, prep. + eu, mim

tu, você, o

senhor, a

senhora

te, ti, contigo, prep. + o

senhor, com a senhora você/ocê/tu você/ocê/cê, te, ti, prep. +

você/ocê (= docê, cocê)

3ª ele, ela o/a, lhe, se, si, consigo ele/ei, ela ele, ela, lhe, prep. + ele, ela

PLURAL

1ª nós nos, conosco a gente a gente, prep. + a gente

vós, os

senhores, as

senhoras

vos, convosco, prep. + os

senhores, as senhoras vocês/ocês/cês vocês/ocês/cês, prep. +

vocês/ocês

3ª eles, elas os/as, lhes, se, si, consigo eles/eis, elas eles/eis, elas, prep. + eles/eis,

elas

(In: Ataliba Castilho. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2ç1ç, p. 477.)

Também são pronomes pessoais os pronomes de tratamento, utilizados quando o falante se dirige a interlocutores específicos. Em tempos antigos, não era usual alguém se

dirigir diretamente a seu interlocutor em uma interação, daí esses pronomes serem classificados como de 3ª pessoa.

Hoje em dia se utilizam no Brasil basicamente as formas de tratamento você, quando

se tem uma relação de maior intimidade, e senhor, quando se quer indicar distanciamento entre os interlocutores (por motivos variados, como diferenças hierárquicas, demonstração de respeito, diferenças de idade).

Voc• e sua evolu•‹o

A origem de você é a forma de tratamento Vossa Mercê, utilizada na língua falada pelos portugueses que chegaram ao

Brasil nos séculos XVI e XVII. Segundo alguns estudiosos, a evolução da palavra pode ter apresentado as seguintes formas,

algumas coexistentes ainda hoje.

Vossa Mercê – Vossemecê – vosmecê – vosmincê

– vassuncê – vancê – mecê – você – ocê – cê

Os usos atuais dos pronomes de tratamento são apresentados na tabela a seguir.

PRONOME E SUA ABREVIATURA EMPREGO

Você (v.) Em tratamento informal cotidiano

Senhor, senhora (Sr., Sra.) Em tratamento formal, cerimonioso, respeitoso para homens e mulheres

casadas

Senhorita (Srta.) Em tratamento formal, cerimonioso, respeitoso para mulheres solteiras

138 UNIDADE 2 O TEMPO DE CADA UM

Encerrado o estudo por meio do qual o estudante

tem o primeiro contato com o conteúdo, materializado

em um texto específico, a seção Reflexões sobre a língua

retoma o estudo anterior com foco nos tópicos relacionados ao conteúdo gramatical a ser desenvolvido no

capítulo. Nessa seção é construída uma reflexão sobre

o conceito em estudo e, caso haja nomenclaturas e subclassificações, estas são apresentadas de forma direta e

objetiva, em boxes complementares.

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Na sequência, o estudante tem duas seções com exercícios que exploram o conteúdo gramatical do capítulo: Aplique o que aprendeu e Texto e enunciação. Ambas

as seções exploram a gramática por meio de textos com o objetivo de contribuir

para o desenvolvimento de uma postura crítica de leitura no estudante. A diferença

entre elas é que, na primeira, há exercícios mais simples e diretos, com textos variados. A segunda, por sua vez, centra-se em um ou no máximo dois textos, que são

explorados a fundo, levando-se necessariamente em consideração os elementos

enunciativos que os constituem e que influem diretamente nos seus sentidos.

Classificação dos advérbios

Tradicionalmente, as gramáticas normativas classificam os advérbios por um critério semântico, tendo em vista a circunstância que expressam. Essas classificações podem variar de acordo com a fonte. A seguir, estão algumas delas.

• Lugar/espaço: aqui, antes, dentro, ali, adiante, fora, acolá, atrás, além, lá, detrás, cá, acima, onde, perto, aí,

abaixo, aonde, longe, debaixo, afora, embaixo, em cima, etc.

• Tempo: hoje, logo, ontem, outrora, amanhã, cedo, depois, antigamente, antes, doravante, nunca, então, jamais,

agora, sempre, já, enfim, afinal, amiúde, breve, às vezes, etc.

• Modo: bem, mal, assim, melhor, pior, depressa, devagar, às pressas, às claras, às cegas, à toa, à vontade, às

escondidas, aos poucos, desse jeito, desse modo, dessa maneira, em geral, de cor, em vão e grande parte dos que

terminam em -mente: calmamente, tristemente, pacientemente, amorosamente, escandalosamente, etc.

• Afirmação: sim, certamente, realmente, efetivamente, decerto, etc.

• Negação: não, nem, nunca, jamais, tampouco, de jeito nenhum, etc.

• Dúvida: acaso, porventura, possivelmente, provavelmente, quiçá, talvez, casualmente, etc.

• Intensidade: muito, demais, pouco, tão, bastante, mais, menos, quanto, quão, tanto, tudo, nada, todo, quase,

extremamente, intensamente, grandemente, etc.

• Interrogação: onde, por que, quando, como.

As palavras denotativas

Há, na língua, palavras que têm função semelhante à dos advérbios,

porém tradicionalmente não são classificadas como advérbios pelas

gramáticas normativas, que preferem denominá-las palavras denotativas. Essas palavras se dividem de acordo com seu valor semântico,

sendo algumas delas:

• palavras denotativas de inclusão: ainda, até, mesmo, inclusive,

também;

• palavras denotativas de exclusão: apenas, exclusivamente, salvo,

senão, somente, simplesmente, só, unicamente;

• palavras denotativas de retificação: aliás, isto é, melhor, ou antes.

Nesse trecho do poema, as palavras e expressões longe, porventura, de repente e tristemente são advérbios.

Longe acrescenta um sentido espacial, de lugar, à forma

verbal escuto (“escuto longe de ti”); porventura reforça

em toda a oração anterior (“se escuto longe de ti”) a ideia

de que se trata de uma hipótese; de repente acrescenta à

oração “Sobe-me aos olhos o pranto” o modo como isso

ocorre, isto é, de forma repentina; o mesmo ocorre com

tristemente, que reforça o modo como se “ouve a linguagem natal falada por estranha gente”.

1. Em sua fala no 1º quadrinho, a atendente utilizou um advérbio e uma expressão adverbial.

a. Qual desses termos se refere a lugar/espaço?

b. Qual desses termos se refere a tempo?

2. No 2º quadrinho, o paciente questiona a data de sua consulta.

a. Na avaliação dele, qual seria o problema dessa data?

b. Identifique os advérbios na fala do paciente. Qual é o valor semântico desses advérbios?

aqui

daqui a três meses

Ela está muito longe.

até lá e já, que se referem a tempo.

(Disponível em: http://solinguagem.blogspot.com.br/2012_04_01_archive.html. Acesso em: 18/1/2016.)

REGISTRE

NO CADERNO

APLIQUE O QUE APRENDEU

Leia a tira a seguir e responda às questões de 1 a 3.

Laerte

242 UNIDADE 3 EM BUSCA DA VERDADE

7. Você viu que o advérbio é considerado pela gramática normativa como uma classe de

palavras que não se flexiona. É comum, entretanto, encontrarmos construções do tipo:

– Vamos falar baixinho.

– O restaurante é longinho.

– Cheguei agorinha.

a. Discuta com os colegas e o professor: Qual sentido constrói o acréscimo do sufixo

–inho aos advérbios nesses casos?

b. Cite outros exemplos em que essa mesma construção é possível.

TEXTO E ENUNCIAÇÃO

Leia o cartum a seguir para responder às questões de É a 5.

O sufixo dá mais ênfase ao sentido do advérbio, como se fosse dito:

bem baixo, bem longe, bem agora.

Rapidinho, juntinho, pertinho, cedinho, entre outras possibilidades.

REGISTRE

NO CADERNO

1. O cartunista faz uma sátira com uma expressão muito utilizada atualmente na fala

de algumas pessoas. Relacione as falas ao desenho das personagens:

a. Qual palavra e qual expressão são alvo da sátira?

b. Como as personagens do cartum foram desenhadas?

c. Qual relação há entre a palavra meio e o desenho? Qual o sentido da palavra meio

nesse caso?

Meio e meio que.

Elas foram desenhadas pela metade, apenas

da barriga para baixo, sem tronco e cabeça.

Nesse caso, meio significa “metade”.

Caco Galhardo

244 UNIDADE 3 EM BUSCA DA VERDADE

Sugestões de estratégias

para o trabalho com a gramática no texto

O trabalho com a gramática inicia-se sempre com a seção Foco no texto, que

exige a leitura de um texto no qual o conteúdo a ser estudado é utilizado de forma particular, contribuindo efetivamente para a construção de sentidos do texto

em estudo.

Dependendo do assunto do capítulo, o professor poderá adotar estratégias diferentes: discutir inicialmente com a classe (o que é o texto a ser lido, qual é a sua

função, em quais situações é utilizado) é uma estratégia que pode dar pistas para

que posteriormente os estudantes respondam às questões do estudo. É também

possível conversar com os estudantes sobre o assunto que será estudado, perguntar se já o estudaram, se lembram a que se refere tal conteúdo e pedir que levantem

hipóteses sobre a relação entre ele e o texto a ser lido.

Feita a leitura do texto, o encaminhamento do estudo também poderá contar

com variadas estratégias, uma vez que as questões podem ser respondidas em

conjunto, em grupos, ou individualmente, a critério do professor. Do nosso ponto

de vista, a alternância de estratégias é conveniente para que as aulas tenham

sempre uma dinâmica e uma motivação diferentes.

364 MANUAL DO PROFESSOR

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A seção Reflexões sobre a língua pode dar base para o desenvolvimento da

aula, conduzido pelo professor. Esse texto não necessariamente precisa ser lido

integralmente e em voz alta para toda a classe, mas pode ser utilizado como

um momento de sistematização da explicação do professor, no qual os estudantes leiam em grupos menores, em duplas ou individualmente, em casa ou

em classe, a fim de esclarecer possíveis dúvidas que tenham permanecido após

a explicação. Ele também pode servir como base para a resolução dos exercícios

da seção Aplique o que aprendeu, a qual, por sua vez, pode ser utilizada pelo professor como uma avaliação prévia para sondar a compreensão da classe como

um todo sobre o assunto em estudo. Assim, dependendo dos objetivos do professor, esses exercícios podem também ser realizados em grupos menores, em

duplas ou mesmo individualmente.

Recomendamos, ainda, que os textos trabalhados na seção Texto e enunciação

sejam lidos conjuntamente entre professor e estudantes e discutidos com indagações iniciais por meio das quais a classe levante hipóteses e faça inferências, antes

de começar a responder às questões efetivamente: qual é o gênero do texto em

estudo?, qual é a sua função na sociedade?, em quais situações de comunicação

é utilizado?, qual é a sua relação com o conteúdo que está sendo estudado?, etc.

Avaliação da gramática

Além do uso das próprias seções da obra para sondar a compreensão dos estudantes em relação ao conteúdo estudado, que permite um acompanhamento processual do andamento da classe, o professor também poderá lançar mão de outras

estratégias, como, por exemplo, pedir aos estudantes que, com base nos textos do

livro, pesquisem outros textos em que o fenômeno ou processo em estudo ocorra.

Essas pesquisas podem dar origem a um portfólio individual, no qual cada estudante

aprofunde os estudos realizados no capítulo.

Quanto às avaliações elaboradas pelo professor, é importante que estas levem

em conta a metodologia de trabalho da obra, com a qual os estudantes estão

familiarizados. Dessa forma, é interessante abordar enunciativamente os textos escolhidos para compor possíveis provas e atividades extras, e não centrar os

exercícios em atividades de mero reconhecimento de classificações gramaticais.

Para tanto, vale a pena o professor estar atento aos textos que circulam socialmente e, ao se deparar com um texto que por algum motivo chame sua atenção,

colocar-se questões como:

• Por que esse texto é interessante/engraçado?

• Onde ele circula?

• Qual a situação de comunicação em que ele se insere (quem diz, o quê, para

quem, com quais objetivos, etc.)?

• Qual é o trabalho feito com a linguagem?

• Qual conteúdo pode ser abordado em um estudo sobre esse texto?

Ao responder a essas perguntas para si mesmo e ao socializá-las com os estudantes, construindo conjuntamente em aula todo esse contexto, torna-se mais

fácil para a classe perceber de que maneira o saber gramatical permite compreender melhor o funcionamento da língua.

365 MANUAL DO PROFESSOR

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P:368

Projetos, utopias e valores constituem ingredientes fundamentais da educação. A palavra projeto tem duas dimensões, futuro, ou

antecipação, e abertura, ou não determinação. O projeto sempre implica realização dos atores; ou seja, um projeto está ligado à vontade

de fazer algo, à ação; Projetar é lançar para a frente, é antever sua

realização no futuro. A capacidade de elaborar projetos é própria do

homem, pois somente ele é capaz não só de projetar como também

de viver sua própria vida como um projeto. Já as utopias podem ser

vistas como formas radicalizadas de projetos que visam à humanidade em seu conjunto (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 39-40).

Com base na ideia do planejamento de ações dos atores sociais, os estudantes, no

desenvolvimento de um projeto de produção textual, são envolvidos em diferentes

práticas, individuais e coletivas, que vão desde o contato, o estudo e a produção de

textos de diferentes gêneros até práticas secundárias, mas não menos importantes,

como tomada de notas, distribuição de tarefas, organização de eventos, produção em

diferentes suportes, interação com pessoas de dentro ou de fora da escola, etc.

Realizar um sarau literomusical, por exemplo − como é a proposta do projeto

da unidade 1 do volume 1 −, implica vivenciar, dominar e produzir gêneros como

o poema e o texto dramático e, além disso, participar de múltiplas atividades,

como memorizar um texto para declamação ou para representação, participar

da encenação de uma esquete teatral juntamente com outros estudantes, dividir

tarefas como montar cenários, cuidar da sonoplastia e da indumentária, produzir

convites para o evento, enviá-los por meio das redes sociais, etc.

Muitos desses projetos envolvem o trabalho com diferentes linguagens, mídias e tecnologias, como a realização de um documentário (capítulo 3 da unidade 2 do volume 2), que propõe diferentes atividades, como produzir um

roteiro escrito, filmar, editar, inserir áudio. Ou, ainda, a organização de uma anPor fim, recomendamos que o professor busque, no trabalho com produção

de texto, retomar os conteúdos gramaticais já trabalhados em classe, sempre

que isso for possível.

Produção de texto

O trabalho de produção textual desta coleção se articula em torno de uma

perspectiva dos estudos de letramento e de uma concepção social de leitura e

escrita, que envolve não apenas o desenvolvimento de uma competência ou habilidade relacionada a um conteúdo – por exemplo, ser capaz de produzir uma

notícia –, mas também o desenvolvimento de uma prática social e discursiva, que

é inseparável de seu contexto de produção e recepção.

Nessa perspectiva, o trabalho com projetos de produção textual, sustentados

pelos gêneros do discurso, ganha fundamental importância, uma vez que são eles

a ferramenta por meio da qual as práticas sociais de linguagem são realizadas e

um conjunto de gêneros, selecionados para esse fim, são estudados e produzidos.

Refletindo sobre a importância dos projetos para o desenvolvimento da leitura

e da escrita, Ângela Kleiman e Sílvia Moraes afirmam:

366 MANUAL DO PROFESSOR

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P:369

Julgamos que esse caminho é bastante pertinente e produtivo quando se tem

claro o objetivo do projeto, um corpo coeso de profissionais e domínio dos meios para

sua realização. Levar esses pressupostos às últimas consequências, entretanto, torna-se inviável em uma obra didática, uma vez que ela deve apresentar uma proposta

metodológica e um elenco de conteúdos, ou seja, de gêneros a serem trabalhados.

Portanto, sem abrir mão da perspectiva de letramento e das práticas sociais de

produção textual, esta coleção procura uma terceira via, que tem nos projetos seu

ponto de partida e, ao mesmo tempo, apresenta uma proposta de trabalho sistematizada. A fim de torná-la mais flexível e contar com a participação ativa dos

estudantes, muitas das decisões sobre os projetos são tomadas por eles, em conjunto com o professor responsável. Por exemplo, se pretendem fazer uma revista

impressa ou digital, se um jornal mural ou jornal impresso, se produzir um livro de

contos do grupo ou da classe, quem serão os convidados, de que meios se valerão

para fazer os convites, etc. Tal como afirma Kleiman (2007),

O projeto pedagógico (DEWEY, 1997; HERNANDEZ e VENTURA,

1998), que pode abranger desde o grande projeto interdisciplinar da

escola que atende a interesses de diversas turmas até o trabalho em

pequenos grupos de uma turma, pode proporcionar a alunos heterogêneos quanto ao domínio da escrita, com trajetórias de leitura e

de produção textual diferentes, pelas diferentes experiências com

que chegam à escola.

[...] um projeto de letramento de reciclagem de latinhas de alumínio se distingue de uma campanha de reciclagem de latinhas feita

pela associação de moradores do bairro. No primeiro, o número de

latas recolhidas pode ser motivador para o aluno, mas para o professor a motivação para realizar as atividades reside nas oportunidades

que o projeto cria para fazer cálculos, computar, representar dados,

fazer campanhas publicitárias, preparar anúncios para o rádio, enfim, para motivar os alunos a participarem de práticas letradas diversas e usarem a língua escrita.

tologia de contos fantásticos multimodais (capítulo 3 da unidade 1 do volume 3),

que explora, além da palavra escrita, diferentes recursos, como voz, música, imagem e movimento.

Os projetos de produção textual

Algumas escolas que adotam o letramento como perspectiva de trabalho rejeitam a estruturação prévia de um currículo de produção textual, uma vez que

preferem submeter aos estudantes todas as decisões a serem tomadas: o tema

a ser explorado num projeto multidisciplinar, as práticas sociais implicadas, os

gêneros do discurso que decorrem dessas práticas sociais e outras ações necessárias para a realização do projeto. Ao mesmo tempo que motiva os estudantes, o

projeto abre oportunidades para o professor explorar de forma mais significativa

conteúdos curriculares, conforme aponta Kleiman (2007):

367 MANUAL DO PROFESSOR

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P:370

O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de

cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por

seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicas e gramaticais –, mas também,

e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos

(conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se

indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados

pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis

de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso

(BAKHTIN, 1997, p. 279).

Assim, em cada volume da coleção, são desenvolvidos quatro projetos. O tema

de cada um está normalmente atrelado aos conteúdos trabalhados em literatura e,

na medida do possível, também aos de gramática. Os gêneros explorados em cada

unidade decorrem das necessidades concretas exigidas para a realização do projeto.

Como exemplo, na unidade 1 do volume 1, conforme já mencionado, é proposto o

projeto de realização de um sarau literomusical, no qual serão apresentadas declamação de poesia e representação teatral. Logo, para realizar o projeto, os estudantes precisam conhecer e produzir o poema e o texto dramático. Esses conteúdos de

produção textual estão diretamente relacionados com os conteúdos de literatura,

que vão tratar do aparecimento da poesia e do teatro na Idade Média em Portugal.

Já na unidade 4 do volume 1, momento em que na parte de literatura se estuda a produção literária árcade, feita à época do Iluminismo e da Enciclopédia, o

objetivo do projeto é promover, no final do ano, uma Feira do conhecimento sobre

o mundo material na sociedade contemporânea. Para isso, é necessário que os

estudantes conheçam e sejam capazes de produzir gêneros relacionados à esfera

escolar e acadêmica, como o seminário e o texto de divulgação científica.

Para que professor e estudantes não deixem nunca de lado a dimensão da

prática social, tendo sempre em mente a finalidade de suas produções, nesta coleção, o projeto é primeiramente anunciado na abertura de cada unidade e posteriormente detalhado no primeiro capítulo de produção textual. Além disso, é

retomado em cada um dos demais capítulos para, finalmente, ser concluído no

Projeto, ao término de cada unidade.

Os gêneros do discurso

A referência teórica que utilizamos nesta coleção é o conceito de gênero do

discurso apresentado por Mikhail Bakhtin no texto “Os gêneros do discurso”:

Assim, para Bakhtin, os gêneros são enunciados, orais e escritos, mais ou

menos estáveis e que circulam em esferas específicas. Não se deve considerar

o gênero apenas como uma reunião dos três elementos centrais – tema, construção composicional e estilo – que formam os enunciados, mas também observar outros elementos da situação de produção, de recepção e de circulação

desses gêneros, como o papel dos interlocutores, a finalidade do uso do gênero,

as relações dialógicas entre gêneros da mesma esfera ou com outras esferas, etc.

368 MANUAL DO PROFESSOR

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P:371

Daí a importância de reiterar, no conceito bakhtiniano, a estabilidade relativa dos

gêneros: muito mais do que uma lista de características fixas que, se atendidas,

darão origem a textos de determinados gêneros, estes podem variar, dentro de algumas limitações da própria prática social, conforme variarem as especificidades

dos projetos desenvolvidos em cada escola.

Dada a importância que os gêneros têm para os fundamentos e os objetivos

desta coleção, os conceitos de discurso, gênero do discurso e esfera de circulação

são trabalhados com os estudantes já no primeiro capítulo do volume 1 desta obra.

Paralelamente à fundamentação teórica dos gêneros do discurso e dos estudos de

letramento, também tomamos como referência as publicações do conhecido grupo

de Genebra, composto de estudiosos liderados por Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz

e Jean-Paul Bronckart, que há duas décadas vem trabalhando na Universidade de Genebra com o ensino de língua a partir dos gêneros do discurso. E, ainda, um conjunto

de publicações de autores brasileiros que atuam nessa área, como Luís Antônio Marcuschi, Roxane Rojo, Ângela Dionísio, Ângela Kleiman, além de pesquisadores que

vêm estudando as relações entre gêneros e as TICs (Tecnologias da informação e da

comunicação) na esfera escolar, como Maria Teresa Freitas, Marcelo Buzato, José Manuel Moran e Carla Viana Coscarelli. (Ver sugestão bibliográfica ao final desta seção.)

Tendo em vista o grande número de gêneros que circulam socialmente e a

necessidade de focar naqueles que sejam compatíveis com os interesses do estudante do ensino médio e com suas necessidades para ter uma atuação discursiva

autônoma e cidadã na vida social, selecionamos 38 gêneros a partir de vários

critérios, como a relação entre a produção textual e as partes de literatura e gramática; os projetos que nascem dessa relação; e as competências envolvidas em

cada gênero ou grupo de gêneros.

Eis a tipologia textual apresentada pelos autores de Genebra:

Domínios sociais de comunicação

ASPECTOS TIPOLÓGICOS

Capacidades de linguagem dominantes

Exemplos de gêneros orais e escritos

Cultura literária ficcional

NARRAR

Mimeses da ação através da criação da

intriga no domínio do verossímil

Conto maravilhoso

Conto de fadas

Fábula

Lenda

Narrativa de aventura

Narrativa de ficção científica

Narrativa de enigma

Narrativa mítica

Sketch ou história engraçada

Biografia romanceada

Romance

Romance histórico

Novela fantástica

Conto

Crônica literária

Adivinha

Piada

...

Documentação e memorização das ações

humanas

RELATAR

Representação pelo discurso de

experiências vividas, situadas no tempo

Relato de experiência vivida

Relato de viagem

Diário íntimo

Testemunho

Anedota ou caso

Autobiografia

Curriculum vitae

...

Notícia

Reportagem

Crônica social

Crônica esportiva

...

Histórico

Relato histórico

Ensaio ou perfil biográfico

Biografia

...

369 MANUAL DO PROFESSOR

PortuguesContemporaneo3_MP_337a384.indd 369 16/05/16 09:13

P:372

Domínios sociais de comunicação

ASPECTOS TIPOLÓGICOS

Capacidades de linguagem dominantes

Exemplos de gêneros orais e escritos

Discussão de problemas sociais controversos

ARGUMENTAR

Sustentação, refutação e negociação de

tomadas de posição

Textos de opinião

Diálogo argumentativo

Carta de leitor

Carta de reclamação

Carta de solicitação

Deliberação informal

Debate regrado

Assembleia

Discurso de defesa (advocacia)

Discurso de acusação (advocacia)

Resenha crítica

Artigos de opinião ou assinados

Editorial

Ensaio

Transmissão e construção de saberes

EXPOR

Apresentação textual de diferentes formas

dos saberes

Texto expositivo

(em livro didático)

 Artigo enciclopédico

Exposição oral Texto explicativo

Seminário Tomada de notas

Conferência Resumos de textos expositivos e

explicativos

Comunicação oral Resenha

Palestra Relatório científico

Entrevista de especialista Relato oral de experiência

Verbete ...

Instruções e prescrições

DESCREVER AÇÕES

Regulação mútua de comportamentos

Instruções de montagem

Receita

Regulamento

Regras de jogo

Instruções de uso

Comandos diversos

Textos prescritivos

...

(Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz. Gêneros orais e escritos na escola.

Campinas: Mercado de Letras, 2004. p. 60-1.)

Para os autores dessa proposta, o trabalho com os gêneros deve levar em

conta o exercício permanente das cinco “capacidades de linguagem dominantes” – narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações. Assim, desde os

primeiros anos, o estudante trabalha com gêneros relacionados com as diferentes capacidades, de modo que, ao longo de sua vida escolar, por várias

vezes ele argumente, narre, exponha, instrua e relate. Em outras palavras, o

trabalho com gêneros variados permite que as capacidades sejam retomadas,

como em uma espiral, com diferentes gêneros e graus de dificuldade e complexidade cada vez maiores.

A tipologia apresentada pelo grupo de Genebra e as capacidades de linguagem dominantes foram observadas e atendidas sempre que possível, uma vez

que um dos pilares desta coleção também é a conexão entre literatura, produção

de texto e gramática.

Eis a sequência de projetos e gêneros proposta por esta obra:

370 MANUAL DO PROFESSOR

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P:373

VOLUME 1

UNIDADE 1 UNIDADE 2 UNIDADE 3 UNIDADE 4

Projeto

Sarau literomusical −

Cantigas, poemas e

teatro

Feira cultural –

Renascimento, engenho

e arte

Mundo cidadão

Feira do conhecimento –

O mundo material na

sociedade

contemporânea

Capítulo 1 • O que é gênero do

discurso • O resumo

• Blog

• Comentário de

Internet

• E-mail

• O seminário

Capítulo 2 • O poema • Dicas e tutoriais • O debate regrado • O texto de divulgação

científica (I)

Capítulo 3 • O texto teatral • A carta pessoal • O artigo de opinião • O texto de divulgação

científica (II)

VOLUME 2

UNIDADE 1 UNIDADE 2 UNIDADE 3 UNIDADE 4

Projeto

Mostra de cinema –

Memórias em

documentário

Noite literária – Do

cotidiano à utopia Fatos em revista Jornal opinião

Capítulo 1 • O relato de

experiências vividas • A crônica (I) • A notícia • O editorial

Capítulo 2

• Cartaz

• Anúncio publicitário

• A crônica (II) • A entrevista • A resenha crítica

Capítulo 3 • O documentário • Edital, estatuto e ata • A reportagem

• Carta aberta

• Carta de leitor

VOLUME 3

UNIDADE 1 UNIDADE 2 UNIDADE 3 UNIDADE 4

Projeto

Antologia de contos,

minicontos e contos

fantásticos multimodais

Cidadania em debate Simulado Enem: a

redação em exame

Feira de profissões –

Você no mercado de

trabalho

Capítulo 1 • O conto • O debate deliberativo • A dissertação (I) • Verbete e projeto de

pesquisa

Capítulo 2 • O conto moderno e

contemporâneo • Relatório e currículo • A dissertação (II) • A carta de

apresentação

Capítulo 3 • O conto fantástico

• As cartas

argumentativas de

solicitação e de

reclamação

• A dissertação (III) • Entrevista de emprego

371 MANUAL DO PROFESSOR

PortuguesContemporaneo3_MP_337a384.indd 371 16/05/16 09:13

P:374

Tomando como exemplo o volume 1 da coleção e cotejando-o com a proposta do grupo de Genebra, é possível notar que gêneros como o poema e o

texto teatral pertencem ao grupo dos gêneros literários; o debate regrado e

o artigo de opinião pertencem ao grupo dos gêneros argumentativos; a carta

pessoal e o blog pertencem ao grupo dos gêneros do relato; o resumo, o seminário e o texto de divulgação científica pertencem ao grupo dos gêneros

comprometidos com a “transmissão e construção de saberes”; comentário de

Internet, debate regrado e artigo de opinião pertencem ao grupo dos gêneros

argumentativos; e, por fim, dicas e tutoriais pertencem ao grupo das “instruções e prescrições”.

Dessa forma, nesse volume, as cinco capacidades apontadas pelos pesquisadores de Genebra – narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações

– são contempladas por meio de gêneros condizentes com a faixa etária e

com o grau de interesse do estudante e o nível de complexidade dos próprios gêneros.

Os gêneros e suas esferas de circulação

Outro critério importante na seleção dos gêneros e na proposição dos projetos

para esta coleção são as esferas de circulação dos gêneros nas quais o estudante

já atua ou ainda vai atuar, seja em sua vida pessoal, seja na vida profissional, seja

na acadêmica, seja em sua atuação político-cidadã.

Gêneros como blog, comentário de Internet, dicas e tutoriais estão diretamente relacionados com suas práticas discursivas na esfera digital, que seguramente já ocorrem hoje em sua fase de vida adolescente e continuarão a ocorrer

na fase adulta.

O resumo, o seminário, o verbete, o projeto de pesquisa, o relatório, o texto

de divulgação científica e a dissertação estão relacionados com a esfera escolar

e acadêmica e, portanto, lhe são úteis hoje, no ensino médio, e, em sua maioria,

também o serão futuramente ao dar continuidade aos estudos.

O debate regrado, o debate deliberativo, o artigo de opinião, as cartas argumentativas de reclamação e de solicitação e a carta de leitor são gêneros relacionados com a esfera política e cidadã, já que permitem ao estudante, como

cidadão, interferir na realidade e transformá-la. Da mesma forma, gêneros

como edital, estatuto e ata estão relacionados à esfera jurídica e são importantes para a plena atuação cidadã do estudante. Da mesma forma, gêneros

da esfera jornalística, como a notícia, a reportagem e a entrevista, entre outros,

são essenciais para sua análise crítica dos fatos da realidade e para sua atuação

político-cidadã.

Por fim, gêneros como relatório, currículo, carta de apresentação e entrevista

de emprego estão relacionados principalmente com a esfera profissional e serão essenciais ao estudante que, ao concluir o ensino médio, deseja ingressar no

mercado de trabalho, fazer intercâmbio e concorrer a uma bolsa de estudos ou,

futuramente, a uma vaga de mestrado ou doutorado.

372 MANUAL DO PROFESSOR

PortuguesContemporaneo3_MP_337a384.indd 372 16/05/16 09:13

P:375

FEIRA DO

CONHECIMENTO

Participe, com toda a classe, da

produção de uma feira sobre o mundo material na sociedade contemporânea, na qual você e seus colegas

vão apresentar seminários e expor e

distribuir artigos de divulgação científica que produzirão nesta unidade.

04 01 332 F PORTINOV1 Entra poema concreto

“pluvial / fl uvial”, de Augusto de Campos. Segue

referência. Favor, indicar a fonte.

Se o erro e a ignorância forjaram as

cadeias dos povos e os preconceitos

as consolidaram, a ciência, a razão e

a verdade poderão um dia rompêlas. Oprimido, durante uma longa

série de séculos, pela superstição e

a credulidade, o espírito humano

finalmente despertou. [...] Até mesmo os príncipes, cansados de seus

delírios, buscam agora na razão um

remédio contra os males que eles

mesmos procuraram.

(Barão de Holbach. Apud Giovanni Reale e Dario Antiseri.

História da filosofia. São Paulo:

Paulinas, 1990. v. 2, p. 728-9.)

Augusto de Campos

Thinkstock/Getty Images

255

O seminário

PRODUÇÃO DE TEXTO

O seminário é um gênero oral, de elaboração individual ou coletiva, cujo produto final

é um texto falado. Os autores do texto de um seminário produzem, portanto, uma fala. Na

escola, a realização de seminários tem em vista, principalmente, que os conteúdos estudados possam ser expostos de maneira diferente da que ocorre nas aulas, quando o professor

é geralmente o centro da atenção dos alunos. Em um seminário, os alunos assumem um

papel mais ativo e passam a ser eles mesmos o centro mediador do conhecimento.

O espectador de um seminário também pode e deve ter um papel ativo: ao ouvir o

conteúdo exposto, convém que faça anotações e as relacione com seu próprio conhecimento sobre o assunto, a fim de que, no final da apresentação, possa tirar dúvidas sobre

o assunto e contribuir com informações complementares.

Os seminários não existem apenas no contexto do ensino básico. Também são muito

comuns em universidades e eventos científicos e culturais em que pesquisadores, estudantes, professores, profissionais e especialistas em certas áreas se reúnem para discutir

determinados assuntos.

FOCO NO TEXTO

Leia o texto a seguir.

No seminário Humor, Indivíduo e Sociedade, [...] promovido pela

Globo Universidade em parceria com o Departamento de Psicologia da

PUC-Rio, participaram nomes representativos do humor carioca, tanto

entre os seus “militantes” quanto entre os que teorizam a respeito [...]

[como os] humoristas Maurício Sherman (diretor), Claudio Manoel (ator

e autor/Casseta) [...]. Representando os teóricos, [o professor] Bernardo

Jablonski (moderador) e os psicanalistas Daniel Kupermann e Joel Birman. A seguir, transcrevemos, a título de ilustração, alguns dos depoimentos que julgamos mais significativos com relação ao que foi proferido durante o seminário por parte de alguns de seus participantes.

Bernardo Jablonski: Para abrir o presente evento, escolhemos uma frase de Charles Chaplin: “O humor nos permite ver o irracional através do

O contexto de produção e recepção dos textos

Quais textos você produzirá nesta unidade? Com que finalidade? Quem os lerá?

Nesta unidade, desenvolveremos o projeto Feira do conhecimento. Para isso,

vamos estudar dois gêneros que podem auxiliar na realização dessa feira: o seminário e o texto de divulgação científica. O primeiro será a base do evento, uma vez que,

nele, você e seus colegas vão apresentar suas reflexões nesse formato, e o segundo

será o meio pelo qual vocês irão divulgá-las para um público mais abrangente.

O objetivo principal da feira será a discussão do tema O mundo material na

sociedade contempor‰nea. No decorrer da unidade, você e os colegas vão, além

de ler textos sobre assuntos relacionados ao tema, decidir como se organizar, qual

subtítulo utilizar no nome da feira e qual forma de participação cada um terá no

preparo e na realização do evento.

275PRODUÇÃO DE TEXTO

Arcadismo. Coerência e coesão. O seminário CAPÍTULO 1

Metodologia de ensino e a realização de projetos

Como já foi dito anteriormente, o ponto de partida do trabalho de produção textual

são os projetos, que vão organizar todas as produções de texto realizadas na unidade.

Já na abertura das unidades, o projeto é anunciado pela primeira vez.

Depois, no capítulo 1, o boxe “O contexto de produção e recepção dos textos” apresenta o projeto de

forma mais desenvolvida. Por meio dele, o estudante conhecerá os objetivos do projeto, terá em vista

os elementos da situação de produção e recepção

dos textos e conhecerá as etapas de trabalho. Na

sequência, dá início à sua primeira produção.

FEIRA DO

CONHECIMENTO

Participe, com toda a classe, da

produção de uma feira sobre o mundo material na sociedade contemporânea, na qual você e seus colegas

vão apresentar seminários e expor e

distribuir artigos de divulgação científica que produzirão nesta unidade.

O contexto de produção e recepção dos textos

Quais textos você produzirá nesta unidade? Com que finalidade? Quem os lerá?

Nesta unidade, desenvolveremos o projeto Feira do conhecimento. Para isso,

vamos estudar dois gêneros que podem auxiliar na realização dessa feira: o seminário e o texto de divulgação científica. O primeiro será a base do evento, uma vez que,

nele, você e seus colegas vão apresentar suas reflexões nesse formato, e o segundo

será o meio pelo qual vocês irão divulgá-las para um público mais abrangente.

O objetivo principal da feira será a discussão do tema O mundo material na

sociedade contempor‰nea. No decorrer da unidade, você e os colegas vão, além

de ler textos sobre assuntos relacionados ao tema, decidir como se organizar, qual

subtítulo utilizar no nome da feira e qual forma de participação cada um terá no

preparo e na realização do evento.

373 MANUAL DO PROFESSOR

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P:376

Nos capítulos 2 e 3, no momento em que é convidado a produzir, o estudante é

lembrado de que os textos que ele vai criar fazem parte de um projeto maior, em

construção desde o início da unidade.

Ao final da unidade, na seção Projeto,

ocorre a culminância ou a etapa final do

projeto que vinha sendo realizado, que

pode ser a organização de um sarau, de

uma feira de profissões, de uma mostra, de

um debate ou a publicação de um livro de

contos ou de uma revista digital, ou uma

representação teatral, e assim por diante.

6. Observe estes desenhos:

Os três apresentam um ou dois círculos com bordas pretas, indicados

por um fio e uma seta. Considerando todo o infográfico, deduza: Qual

efeito é criado com essa composição?

HORA DE ESCREVER

Uma das características marcantes do mundo contemporâneo é a cultura consumista. Há quem acredite que o desejo de consumo mudou os valores sociais e que, hoje, para muitas pessoas, ter mais, isto é, consumir mais,

significa ser melhor do que quem tem menos, isto é, consome menos.

A visão consumista tem como consequência não apenas a aquisição

compulsiva de mercadorias e bens muitas vezes supérfluos, mas também a

adoção de um modo de alimentação cada vez menos saudável, com o consumo de um grande número de produtos industrializados. Nesse contexto,

é muito comum o desperdício e, consequentemente, uma grande produção

de diversos tipos de lixo.

Em meio a tal situação, têm surgido iniciativas voltadas à diminuição

da produção de lixo. Essas iniciativas envolvem pesquisas e estudos que, na

contramão da mentalidade consumista, procuram resgatar valores de outras épocas ou buscar maneiras de amenizar as consequências do despejo

de lixo no meio ambiente.

Os círculos se associam ao formato de uma

lupa, gerando um efeito de zoom, com detalhes de parte do desenho principal.

Dê continuidade aos

preparativos para a Feira

do conhecimento que

você e os colegas começaram a desenvolver no

capítulo 1 desta unidade,

produzindo um texto de

divulgação científica que

contenha também um infográfico e que explore

o tema do consumo no

mundo contemporâneo.

Robin Jareaux/Getty Images

Scientific American Brasil/5w Infographics

REGISTRE

NO CADERNO

319 O Arcadismo no Brasil (II). Formação de palavras. O texto de divulgação científica (II) CAPÍTULO 3 PRODUÇÃO DE TEXTO

Esse texto será depois reunido aos dos colegas e comporá uma revista

que a classe distribuirá aos visitantes da Feira do conhecimento.

ANTES DE ESCREVER

Planeje seu texto, lembrando-se de:

• utilizar uma publicação confiável como fonte de informação sobre o estudo ou pesquisa que será o tema do seu texto;

• deixar claro quais são os objetivos do estudo ou da pesquisa, bem como

os sujeitos ou instituições nela envolvidos, tanto como participantes

quanto como responsáveis;

• apresentar vozes dos pesquisadores, citando suas instituições de origem

e a relação que mantêm com a(s) instituição(ões) que realiza(m) o estudo

ou pesquisa;

• se possível, entrevistar outros especialistas e expor os pontos de vista deles sobre o estudo ou pesquisa;

• pesquisar uma imagem interessante (uma foto, um gráfico, um esquema,

um desenho) relacionada ao tema do estudo ou pesquisa e criar uma legenda informativa e objetiva para acompanhá-la;

• descrever resumidamente e em linguagem acessível ao público em geral

os passos e os procedimentos empregados no estudo ou pesquisa;

• traduzir para o leitor, em linguagem comum, termo(s) técnico(s) cujo emprego seja indispensável no seu texto;

• mencionar pontos positivos e pontos negativos do estudo ou pesquisa;

• apresentar ressalvas, deixando claro que não há responsabilidade do

autor do texto pelo estudo ou pesquisa e seus resultados;

• selecionar um trecho do texto para deixar em destaque, a fim de que o

leitor fique motivado para ler o texto todo.

ANTES DE PASSAR A LIMPO

Antes de dar seu texto por terminado, verifique:

• se as informações apresentadas possibilitam ao leitor conhecer os passos, os responsáveis e os objetivos do estudo ou pesquisa;

• se há vozes dos pesquisadores e de especialistas no assunto;

• se a imagem escolhida para ilustração é interessante e relacionada ao assunto do estudo ou pesquisa;

• se a legenda faz referência direta à imagem da ilustração;

• se a linguagem utilizada, embora contenha termos técnicos, é acessível

ao público em geral;

• se, caso tenha havido emprego de termo(s) técnico(s), você o(s) traduziu

com palavras mais comuns, de fácil compreensão para leitores não especializados no assunto;

• se você apontou pontos positivos e negativos do estudo ou pesquisa, fazendo ponderações quanto aos objetivos pretendidos;

• se a responsabilidade pelo desenvolvimento do estudo ou pesquisa foi

mencionada com clareza;

• se o trecho que você selecionou para ficar em destaque é, de fato, chamativo e faz referência à parte mais importante do estudo ou pesquisa.

Dê continuidade aos

preparativos para a realização do projeto Feira do conhecimento

que você e os colegas

começaram a desenvolver no capítulo anterior, produzindo um

texto de divulgação

científica relacionado

ao tema explorado no

seminário que seu grupo preparou.

304 UNIDADE 4 PALAVRA E RAZÃO

Dê continuidade aos

preparativos para a realização do projeto Feira do conhecimento

que você e os colegas

começaram a desenvolver no capítulo anterior, produzindo um

texto de divulgação

científica relacionado

ao tema explorado no

seminário que seu grupo preparou.

Dê continuidade aos

preparativos para a Feira

do conhecimento que

você e os colegas começaram a desenvolver no

capítulo 1 desta unidade,

produzindo um texto de

divulgação científica que

contenha também um infográfico e que explore

o tema do consumo no

mundo contemporâneo.

374 MANUAL DO PROFESSOR

PortuguesContemporaneo3_MP_337a384.indd 374 16/05/16 09:13

P:377

Feira do conhecimento —

O mundo material na

sociedade contemporânea

Como encerramento desta unidade, realizaremos uma Feira do conhecimento, na qual serão

apresentados os seminários preparados por você e seus colegas e serão expostos e distribuídos os

textos de divulgação científica que vocês produziram.

1. ORGANIZANDO E DIVULGANDO O EVENTO

• Escolham uma data e um horário, de preferência ao longo de todo um dia, ou de mais de um dia.

• Deem ao evento o título O mundo material na sociedade contemporânea, seguido de um

subtítulo atraente.

• Pensem no público que querem atingir e como farão para convidá-lo: por meio de cartazes, jornal da

escola, avisos nas salas, redes sociais.

• Escolham e organizem os espaços: os locais onde serão apresentados os seminários, onde será

distribuída a publicação com artigos de divulgação científica, onde ficarão os murais com os textos

de divulgação científica, além daqueles em que ocorrerão outras atividades que vocês queiram

realizar.

• Confiram se o tamanho das letras dos textos verbais e a qualidade das imagens estão adequados à

exposição em murais, considerando que os convidados farão a leitura de pé, ao visitar a feira.

RICO UNIDADE 4 PALAVRA E RAZÃO 328

2. REALIZANDO A FEIRA

Apresentação de seminários

• Programem a apresentação dos seminários. Fiquem atentos ao

tempo de que cada grupo poderá dispor e ao número de salas

necessárias para que todos os grupos possam se apresentar com

conforto e tranquilidade.

• Divulguem a programação não apenas para quem vai participar

das apresentações, mas também para os convidados. Essa

programação pode, por exemplo, ser disponibilizada no blog

produzido por vocês na unidade anterior.

Ciência em revista

• Reúnam em uma revista os artigos de divulgação científica

produzidos no capítulo 2. Façam cópias da revista e as

distribuiam aos convidados no dia da feira.

• Escolham um lugar estratégico para deixar a publicação de vocês,

isto é, um lugar em que os convidados passem ao circular pela

feira e, assim, se interessem em lê-la. Vocês podem também

fazer um cartaz, chamando atenção para a revista.

Ciência em murais

• Exponham em murais os textos de divulgação científica produzidos no capítulo 3. Vocês

podem organizar os textos por afinidade de assunto e em quantos murais forem necessários.

Criem para cada mural um título convidativo à leitura.

• Além do tamanho das letras e da qualidade das imagens dos textos, verifiquem se o número

deles em cada mural está adequado às condições de leitura.

Andreas Stamm/Getty Images

Wavebreakmedia/Deposit Photos/Glow Images

329

n Bibliografia

Para os professores que desejam se aprofundar na teoria de gêneros do discurso, sugerimos:

ANTUNES, Irandé. Avaliação da produção textual no ensino médio. In: BUNZEN, C.;

MENDONÇA, M. (orgs.). Português no ensino médio e formação do professor. São

Paulo: Parábola, 2006. p. 163-180.

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo:

Martins Fontes, 1997.

BRAIT, Beth (org.). Bakhtin – Conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.

_____; PISTORI, Maria Helena Cruz. A produtividade do conceito de gênero em

Bakhtin e o círculo. Revista Alfa, nº 56. (Disponível na Internet.)

KLEIMAN, Angela B. Letramento e suas implicações para o ensino de língua

materna. Signo (Santa Cruz do Sul), v. 32, nº 53, dez. 2007.

_____; MORAES, Silvia E. Leitura e interdisciplinaridade. Campinas: Mercado de

Letras, 1999.

MACHADO, Irene. Gêneros discursivos. In: Beth Brait (org.). Bakhtin − Conceitoschave. São Paulo: Contexto, 2005.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São

Paulo: Parábola, 2008.

Aos professores que querem se aprofundar nos estudos que envolvem multiletramento e as relações entre gêneros e as tecnologias da informação e da comunicação (TICs), sugerimos:

375 MANUAL DO PROFESSOR

PortuguesContemporaneo3_MP_337a384.indd 375 16/05/16 09:13

P:378

ARAÚJO, Júlio César (org.). Internet e ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de

Janeiro: Lucerna, 2007.

BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia. Múltiplas linguagens para o ensino médio.

São Paulo: Parábola, 2013.

COSCARELLI, Ana Elisa Ribeiro (org.). Letramento digital: aspectos sociais e

possibilidades pedagógicas. 3. ed. Belo Horizonte: Ceale/Autêntica, 2011.

ROJO, Roxane (org.). Escol@ conectada: os multiletramentos e as TICs. São Paulo:

Parábola, 2013.

_____. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.

_____; MOURA, Eduardo (orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012.

MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos. Hipertexto e gêneros digitais:

novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

Seções

A parte de produção textual inicia-se normalmente com um breve comentário

a respeito do gênero a ser estudado na seção Foco no texto. Por meio do estudo

de um ou mais textos do referido gênero, o estudante responde a um conjunto

de perguntas que o levam a observar os elementos constitutivos daquele gênero,

tais como a situação de interlocução (quem é o enunciador e o destinatário), o

suporte e o veículo em que o gênero circula, a finalidade central do texto, o tipo

de conteúdo que normalmente há nesse gênero (o tema), sua estrutura (o modo

composicional) e o uso da língua e seus graus de formalidade ou de informalidade do discurso (estilo).

PRODUÇÃO DE TEXTO

O artigo de opinião

Neste capítulo, você leu um sermão do Pe. Antônio Vieira. O sermão pertence ao grupo

dos gêneros argumentativos, uma vez que tem a finalidade de convencer os interlocutores.

Nos dias atuais, um dos mais importantes gêneros argumentativos é o artigo de

opinião, encontrado geralmente em revistas, jornais impressos e sites da Internet. A finalidade do gênero é expressar o ponto de vista do seu autor a respeito de um assunto

controverso e geralmente do interesse da sociedade.

FOCO NO TEXTO

Leia o artigo de opinião a seguir, de autoria da psicóloga Rosely Sayão.

No lugar do outro

Estamos vivendo uma crise intensa: a das relações humanas. Todos os

dias testemunhamos ou protagonizamos, tanto na vida presencial quanto

na virtual, comportamentos e atitudes que vão do ódio declarado ou sutil ao

desdém em relação ao outro. As relações humanas, sempre tão complexas,

exigem, no entanto, delicadeza, atenção e compromisso social. Tem sido difícil manter a saúde mental e a qualidade de vida no contexto atual.

Crianças e adolescentes já dão sinais claros de que têm aprendido muito com nossa dificuldade em conviver com as diferenças e de respeitá-las;

de tentar colocar-se no lugar do outro para compreender suas posições e

atitudes; de ter compaixão; de conflitar em vez de confrontar; de agir com

doçura, por exemplo. Conseguir fazer isso é ter empatia com o outro.

Pais e professores têm reclamado de comportamentos provocativos,

desrespeitosos, desafiadores e desobedientes dos mais novos. Entretanto, se pudéssemos nos dedicar por alguns momentos à auto-observação,

constataríamos essas características também em nós, adultos.

Thinkstock/Getty Images

240 UNIDADE 3 PALAVRAS EM MOVIMENTO

Mas são os mais novos que levam a pior nessa história: crianças

e adolescentes que desobedecem, desafiam e têm comportamentos

considerados agressivos, como os nossos, podem receber diagnósticos

e orientação para tratamento. Conheço famílias com filhos diagnosticados com “Transtorno Desafiador Opositivo”, porque têm comportamentos típicos da idade.

Há uma grande preocupação global com a nossa atual falta de empatia. Um sinal disso foi a inauguração, em Londres, do primeiro Museu da

Empatia.

Nele, os visitantes são convocados a experimentar/enxergar o mundo

pelo olhar de um outro ‒ não próximo ou conhecido, mas um outro com

quem eles não têm qualquer relação. A expressão que deu sentido ao museu é a expressão inglesa “in your shoes” (em seus sapatos), que em língua

portuguesa significa “em seu lugar”.

Os visitantes se deparam, na entrada, com uma caixa com diferentes

pares de sapatos usados. Escolhem um de seu número para calçar e recebem um áudio que conta uma parte da história da pessoa que foi dona

daquele par.

Desenvolver a empatia é uma condição absolutamente necessária

para ensiná-la aos mais novos. Aliás, eles podem tê-la mais facilmente do

que nós. Um pai me contou, comovido, que conversava com um amigo a

respeito da situação de muitos refugiados de países em guerra e que comentou que não adiantava a busca por outro local, já que a crise de empregos era mundial. Seu filho, de sete anos, que estava por perto, perguntou

de imediato: “Pai, se tivesse guerra aqui, você preferiria que eu morresse?”.

Ele mudou de ideia.

Estacionar o carro em vaga de idosos, grávidas e portadores de deficiência é mais do que contravenção: é falta de

empatia. Reclamar da lentidão dos velhos é mais do que desrespeito: é falta de empatia. Agredir ostensivamente o outro

por suas posições é mais do que dificuldade em lidar com as

diferenças: é falta de empatia. Do mesmo modo, reclamar do

comportamento dos mais novos é falta de empatia.

A empatia pode provocar uma grande mudança social,

diz Roman Krznari, estudioso do tema. Vamos desenvolvê-la

para ensiná-la?

(Folha de S. Paulo, 22/9/2015.)

1. Os textos de opinião costumam apresentar o tema e o ponto de vista do autor nos

primeiros parágrafos.

a. Qual é a afirmação feita no início, em torno da qual a autora desenvolve o texto?

b. O fenômeno apontado no 1º parágrafo diz respeito a um termo do âmbito da psicologia apresentado pela autora no 2º parágrafo. Qual é esse termo? A que ele corresponde?

c. Em que consiste o fenômeno apontado pela autora? Como ele se manifesta? Dê

exemplos extraídos do texto.

2. De acordo com o texto, a falta de empatia é um problema específico das crianças e

dos jovens? Justifique sua resposta com elementos do texto.

desdém: desprezo,

indiferença.

sutil: delicado, fino, leve.

A afirmação de que estamos vivendo uma crise das relações humanas.

Empatia, que é a capacidade de se identificar com outra pessoa, de se colocar no lugar dela e sentir o que

ela sente.

Consiste na falta de empatia, que se manifesta, por exemplo, na dificuldade de conviver com pessoas diferentes, de compreender o comportamento e

a opinião dos outros, em reclamar da lentidão dos velhos, em estacionar o carro em vagas reservadas a idosos, grávidas e portadores de deficiência.

Não, a falta de empatia é um fenômeno que se observa entre crianças, jovens e adultos, conforme o trecho “Entretanto, se pudéssemos nos dedicar por

alguns momentos à auto-observação, constataríamos essas características também em nós, adultos”.

REGISTRE

NO CADERNO

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241PRODUÇÃO DE TEXTO

O Barroco no Brasil (II). Ortografia. O artigo de opinião CAPÍTULO 3

376 MANUAL DO PROFESSOR

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P:379

Concluído o estudo do gênero e de seus aspectos constitutivos, o estudante chega à seção Hora de escrever, na qual são apresentadas as propostas

de produção textual do gênero em estudo. No livro do professor, há, quando

necessário, comentários e sugestões sobre o número mínimo de produções

recomendado naquele capítulo. Quando há três propostas, por exemplo, sugerimos e indicamos aquelas que, do nosso ponto de vista, são indispensáveis

para a apropriação do gênero. Também nesse momento fazemos sugestões ao

professor sobre a melhor forma de desenvolver a atividade: se individualmente, se em grupos ou se coletivamente.

Depois de esclarecidas as propostas e os meios de realizá-las, o estudante chega à subseção Antes de escrever ou Antes de debater, por exemplo, quando se trata

de gêneros orais, na qual encontra orientações que deve levar em conta durante

o processo de produção de texto. São elementos relacionados com a situação de

produção, com a abordagem do tema, com a estrutura do texto, com o uso adequado da linguagem, etc.

HORA DE ESCREVER

O trabalho infantil é proibido no Brasil, conforme determina o Estatuto da Criança

e do Adolescente (ECA). E quando o trabalho consiste em participar de uma novela de

televisão, de uma peça de teatro ou de uma propaganda de TV? A lei deve valer também

para esses casos?

Leia, a seguir, parte de uma reportagem sobre o assunto.

Crianças sem esperança

Ex-atores mirins compartilham em seminário as dores e delícias da experiência;

Judiciário cobra regulamentação do trabalho infantil artístico

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER

DE SÃO PAULO

Para Felipe Paulino, 22, foi

um tiro no pé. Fernando Meirelles selecionou o aluno de

teatro no morro do Vidigal,

no Rio, para “Cidade de Deus”

(2002). No filme, Zé Pequeno o

forçava a escolher: queria bala

na mão ou no pé? Levou no último. Tinha oito anos.

Hoje Felipe diz que, se tivesse filho, acharia “absurdo”

deixá-lo atuar na “cena mais

violenta da história do cinema” ‒ impressão dele e do site

americano Pop Crunch, que pôs

o “take” brasileiro à frente, por

exemplo, do estupro de “Laranja Mecânica” e elogiou a “performance convincente” do ator

mirim.

Só que, segundo Felipe, o

“medo era bem real”, induzido

pela preparadora de elenco Fátima Toledo.

Para Bruna Marquezine, ô9,

dia de set era melhor que recreio. “Yes, hoje tem gravação!”,

recorda a experiência de acordar e ir trabalhar na TV desde,

bom, sempre. Estreou como

a Salete da novela “Mulheres

Apaixonadas” (2003), na Globo.

Tinha sete anos.

Lembra de chorar ao se ver

no “Fantástico”: “Me senti tão

importante”. Questionada se

“hábitos narcisistas” teriam

sido nutridos na infância, nega:

“Todo ator é narcisista”. Sempre

tirou notas boas e, se os pais a

tivessem proibido de se manifestar artisticamente, diz que

teria enlouquecido.

Na semana passada, Felipe

e Bruna contaram suas histórias para um público de advogados, promotores e juízes, em

seminário no TRT (Tribunal

Regional do Trabalho) da 2» Região (São Paulo).

Todos concordam que falta

regulamentar a legislação sobre o tema. O problema é como.

Não há consenso sobre em que

casos a carreira infantojuvenil

é danosa.

A jornada pode diminuir o

tempo para brincar, se estender até tarde da noite, prejudicar os estudos e render contratos abusivos para a garotada

‒ que, na prática, “não pode

ter dor de barriga” ou apenas

“não estar a fim de trabalhar

no dia”, diz a advogada Sandra

Cavalcante, autora de “Trabalho Infantil Artístico ‒ do Deslumbramento à Ilegalidade”

(LTr Editora).

O ofício às vezes requer aparato psicológico que nem veterano tem. [...]

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER

DE SÃO PAULO

RICO

243PRODUÇÃO DE TEXTO

O Barroco no Brasil (II). Ortografia. O artigo de opinião CAPÍTULO 3

6. Observe estes desenhos:

Os três apresentam um ou dois círculos com bordas pretas, indicados

por um fio e uma seta. Considerando todo o infográfico, deduza: Qual

efeito é criado com essa composição?

HORA DE ESCREVER

Uma das características marcantes do mundo contemporâneo é a cultura consumista. Há quem acredite que o desejo de consumo mudou os valores sociais e que, hoje, para muitas pessoas, ter mais, isto é, consumir mais,

significa ser melhor do que quem tem menos, isto é, consome menos.

A visão consumista tem como consequência não apenas a aquisição

compulsiva de mercadorias e bens muitas vezes supérfluos, mas também a

adoção de um modo de alimentação cada vez menos saudável, com o consumo de um grande número de produtos industrializados. Nesse contexto,

é muito comum o desperdício e, consequentemente, uma grande produção

de diversos tipos de lixo.

Em meio a tal situação, têm surgido iniciativas voltadas à diminuição

da produção de lixo. Essas iniciativas envolvem pesquisas e estudos que, na

contramão da mentalidade consumista, procuram resgatar valores de outras épocas ou buscar maneiras de amenizar as consequências do despejo

de lixo no meio ambiente.

Os círculos se associam ao formato de uma

lupa, gerando um efeito de zoom, com detalhes de parte do desenho principal.

Dê continuidade aos

preparativos para a Feira

do conhecimento que

você e os colegas começaram a desenvolver no

capítulo 1 desta unidade,

produzindo um texto de

divulgação científica que

contenha também um infográfico e que explore

o tema do consumo no

mundo contemporâneo.

Robin Jareaux/Getty Images

Scientific American Brasil/5w Infographics

REGISTRE

NO CADERNO

319 O Arcadismo no Brasil (II). Formação de palavras. O texto de divulgação científica (II) CAPÍTULO 3 PRODUÇÃO DE TEXTO

377 MANUAL DO PROFESSOR

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P:380

Por fim, depois de produzir seu texto, o estudante encontrará, na subseção Antes de passar a limpo, instruções sobre como fazer uma avaliação do próprio texto

ou do texto de um colega, caso o professor proponha uma atividade desse tipo.

São aqui lembrados, de forma mais sucinta, os aspectos essenciais do gênero,

apontados na seção Antes de escrever.

Temas e interdisciplinaridade

Na seleção de textos explorados na parte de produção textual, procuramos selecionar aqueles cujos temas estão diretamente relacionados com a esfera pessoal, com o

mundo em que vivemos e com as preocupações e necessidades do jovem atual.

Entre outros, são explorados temas como a adolescência, o amor, a infância,

as redes sociais, o trabalho infantil em atividades artísticas, a velhice, meio ambiente, violência contra a mulher, estupros de adolescentes, consumismo, a reciclagem do lixo, o conflito de gerações, o preconceito, cidadania, direitos do cidadão e do consumidor, publicidade infantil, a imigração no Brasil, o adolescente no

mercado de trabalho, além das múltiplas possibilidades temáticas que surgem

no trabalho com gêneros literários, como o poema, o conto e a crônica, e os temas

do cotidiano presentes em gêneros jornalísticos, como a notícia, a reportagem, a

entrevista, o editorial, a resenha crítica, etc.

Muitos dos temas abordados em produção textual – como a cidadania, a

produção de lixo nas grandes cidades, o preconceito, a discriminação de gênero,

entre outros – são transversais e interdisciplinares e permitem uma abordagem

ANTES DE ESCREVER

Planeje sua crônica, lembrando-se de:

• ter em vista o público para o qual vai escrever: jovens e adultos que se interessam por

leitura e pelo tema;

• decidir o tipo de crônica que quer escrever: reflexiva, sem desenvolver propriamente

uma história; narrativa, com o relato de episódios de sua experiência pessoal, acrescidos de reflexão; ficcional, contando uma história inventada; ou de humor;

• relatar as ações de forma breve e situadas em um tempo e um espaço limitados, caso a

crônica envolva episódios biográficos ou uma história ficcional;

• empregar verbos e pronomes em 1» pessoa, caso você se coloque diretamente no texto

ao expressar suas ideias e reflexões sobre o tema ou ao relatar episódios de sua vida;

• empregar uma linguagem de acordo com a norma-padrão, menos ou mais formal, conforme o perfil dos leitores que pretende atingir.

ANTES DE PASSAR A LIMPO

Antes de dar sua crônica por terminada, verifique:

• se ela corresponde ao tipo de crônica que decidiu escrever;

• se ela aborda o tema de forma original, curiosa e instigante, apresentando uma visão

rica sobre os jovens e adolescentes de hoje e sobre o uso da tecnologia;

• se ela emociona ou faz rir e se sua leitura pode possibilitar uma nova visão sobre o tema;

• caso haja personagens, ações, tempo e espaço, se são limitados;

• se o grau de formalidade ou informalidade da linguagem é adequado ao perfil dos

interlocutores;

• se o foco narrativo é adequado ao propósito da narração (refletir, criticar ou divertir).

378 MANUAL DO PROFESSOR

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P:381

sob diferentes pontos de vista. Assim, os projetos de produção textual podem se

tornar também projetos interdisciplinares, contando com a colaboração de professores de outras disciplinas.

Convém que, no planejamento anual e bimestral, esteja prevista a realização

de projetos e que o convite aos professores de outras áreas e disciplinas seja feito

com antecedência, a fim de que eles também possam se organizar e incluir essas

atividades em seu planejamento.

Oralidade e gêneros orais

Os projetos permitem diferentes formas de expressão e interação oral no

âmbito da sala de aula, como debater no grupo estratégias para desenvolver

o projeto, discutir maneiras de divulgação das produções, decidir sobre o suporte dos materiais, etc. Além disso, vários dos projetos implicam o uso da

oralidade em situações de fala pública, como declamar poemas em um sarau

literário, apresentar os trabalhos produzidos pela classe em uma feira ou em

uma mostra de produção textual, instruir oralmente os visitantes sobre como

fazer uma carta de apresentação ou sobre como participar de uma entrevista

de emprego, etc.

Além dessas situações, a obra também se propõe a trabalhar os gêneros orais

públicos, como a representação teatral, o debate regrado, o debate deliberativo, o

seminário, a entrevista falada, os gêneros orais de um jornal falado e a entrevista

de trabalho.

Tanto no trabalho com esses gêneros e situações orais quanto no trabalho

com os gêneros escritos, há o exame da variedade linguística e dos graus de formalidade do discurso mais adequados a cada gênero e a cada situação.

Sugestões de estratégias

para produção de texto

A parte de produção textual inicia-se sempre com a seção Foco no texto, que

exige a leitura de um texto representativo do gênero a ser estudado.

Dependendo do gênero, o professor poderá adotar estratégias diferentes. Se

for um texto longo, poderá pedir aos estudantes que leiam o texto individualmente e em silêncio para, a partir daí, iniciar os trabalhos. Se for um texto de

leitura breve, entretanto, a leitura poderá ser feita em voz alta pelo próprio professor ou por um estudante.

Feita a leitura do texto que servirá como objeto de análise, o encaminhamento

do estudo também poderá contar com variadas estratégias. O professor poderá

promover uma discussão com toda a classe, em torno de cada questão e do texto,

e poderá também dividir os estudantes em pequenos grupos, a fim de que resolvam juntos as questões propostas. Eventualmente, também poderá optar pela

resolução individual das questões.

Do nosso ponto de vista, a alternância de estratégias é conveniente para que

as aulas tenham sempre uma estratégia e uma motivação diferentes.

379 MANUAL DO PROFESSOR

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P:382

Na seção Hora de escrever, são apresentadas as propostas de produção textual. É importante que o professor coordene esse momento da atividade, a fim

de tornar claras não só as propostas, mas também as dinâmicas envolvidas. Por

exemplo, dependendo do gênero, algumas produções poderão ser feitas individualmente e outras, em grupo.

Nesse momento, também é normal que, dependendo do projeto a ser desenvolvido, os estudantes precisem se reunir em grupo para tomar algumas decisões, mesmo que, posteriormente, a produção de cada um seja individual.

Quando o estudante iniciar a produção do texto propriamente dita, não há

necessidade de o professor ler com a classe as orientações da subseção Antes de

escrever. Basta que recomende a sua leitura, caso haja dúvidas.

Concluída a escrita do texto, o professor deve recomendar à classe que avalie

o texto seguindo os critérios apresentados na seção Antes de passar a limpo. Essa

subseção deve ser um roteiro de avaliação do próprio texto, com critérios objetivos, a fim de que o estudante o reescreva, se necessário.

Avaliação dos textos

Além da autoavaliação, já mencionada, o professor também poderá lançar

mão de outras estratégias, como promover uma troca de textos entre duplas

ou pequenos grupos de três ou quatro estudantes, a fim de que um leia o

texto do outro e o avalie, segundo os critérios apresentados na seção Antes de

passar a limpo.

Eventualmente, o professor também poderá sugerir a alguns estudantes que

leiam o próprio texto, em voz alta, e pedir à classe uma avaliação baseada nos

mesmos critérios, evidenciando os aspectos positivos do texto e os aspectos que

ainda possam ser revistos.

Considerando que o projeto é o elemento catalisador de todas as atividades de

produção textual, entendemos que a versão e o suporte finais dos textos produzidos são a própria concretização do projeto, seja no formato de um jornal, seja no

de uma revista, de um documentário, de um sarau, etc.

Assim, sugerimos aos professores que avaliem não apenas o texto, do

ponto de vista dos elementos básicos que constituem o gênero, mas também avaliem o processo como um todo, já que o texto, em si, é apenas uma

etapa desse processo.

Quanto à avaliação do professor, lembramos, primeiramente, que avaliação

não é exatamente igual a correção. O conceito de correção está tradicionalmente

associado à ideia de uma correção gramatical e formal do texto (paragrafação,

por exemplo).

A avaliação ocorre em todos os momentos do processo e de diferentes formas.

A principal delas se dá quando o texto está em seu suporte final e no processo

concreto de interação com seus destinatários.

Caso o professor opte por fazer uma avaliação detalhada do texto, sugerimos

que leve em conta os critérios indicados na seção Antes de passar a limpo, que contemplam diferentes aspectos, relacionados à estrutura, à linguagem, à interlocução, ao uso da língua, etc.

380 MANUAL DO PROFESSOR

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P:383

Outras seções

Boxes

Os boxes aparecem nas três frentes – Literatura, Língua e linguagem e Produção de texto

– e cumprem diferentes funções. Eles apresentam biografias de autores, artistas e personalidades, curiosidades de uma época e sugestões

de livros, filmes, músicas e sites; trabalham conceitos de literatura e de outras áreas do saber;

ampliam determinados aspectos tratados no

texto-base e relacionam aspectos culturais

e comportamentais do passado e de hoje; e

trazem informações complementares a respeito da gramática. Os boxes enriquecem os

conteúdos trabalhados, uma vez que acrescentam novas informações, aprofundam reflexões e ampliam as referências culturais

dos estudantes.

5. Gonçalves Dias utilizou como epígrafe de seu poema alguns versos

do poeta romântico espanhol José Zorrilla. A epígrafe é uma frase

ou uma pequena citação que pode servir como apoio temático a um

texto. De que modo o poema “Consolação nas lágrimas” se relaciona

à epigrafe?

A segunda geração romântica

Após o amadurecimento da tradição literária nacionalista ocorrida na

década de 1840, o Romantismo brasileiro passou a apresentar nos anos seguintes maior subjetividade, cultivada pelos poetas ultrarromânticos. Os

poetas dessa segunda geração romântica, influenciados por autores europeus, como o inglês Lorde Byron e o francês Alfred de Musset, voltaram-se

para seu mundo interior e tematizaram principalmente o amor, o devaneio,

o tédio e a morte. Tais poetas, na maioria adolescentes que não chegaram

a atingir a plena juventude, distinguiram-se por um profundo pessimismo,

típico do “mal do século”, e pelo desinteresse por questões político-sociais.

Álvares de Azevedo foi o expoente da segunda geração romântica. Além

dele, destacam-se os poetas Casimiro de Abreu, com a obra Primaveras

(1859), Fagundes Varela, com Cantos e fantasias (1865), e Junqueira Freire,

com Inspirações do claustro (1855).

Álvares de Azevedo

A poesia de Álvares de Azevedo tem um significado importante para a

literatura brasileira. Isso porque, além de ter cultivado uma poesia sublime,

elevada, o jovem poeta foi quem inseriu na nossa poesia elementos da realidade cotidiana, considerados, na época, baixos e prosaicos. Essa dualidade

aparece na principal obra poética do autor, a Lira dos vinte anos (1853).

A primeira e a terceira partes dessa obra apresentam o lado idealizado

da vida, regido, segundo Álvares de Azevedo, pela figura do mítico Ariel (espírito leve e diáfano que, em uma peça de Shakespeare, habita o sonho e

o ar). No capítulo anterior, você conheceu a poesia do autor representativa

desse lado sublime, em que há elementos como o ambiente onírico (sonho)

e o devaneio; o amor sublime, platônico, isto é, idealizado; a virgem pálida,

angelical e assexuada que o eu lírico, como um voyeur solitário, apenas observa; a morte como saída para as angústias ou como um meio de alcançar

a plenitude do amor espiritual e eterno.

A segunda parte da Lira dos vinte anos – que você irá conhecer neste capítulo – pertence aos domínios de Caliban (monstro que, na peça de

Shakespeare, simboliza o erótico e o desmazelo). Essa outra face da obra,

representada, sobretudo, pelo poema “Ideias íntimas” e pela série “Spleen

e charutos”, desmitifica os elementos sublimes contidos na primeira parte.

Álvares de Azevedo afirma, no prefácio dessa parte da obra, que o poeta,

“antes e depois de ser um idealista, é um ente que tem corpo” e, por isso,

nos domínios de Caliban, irá retratar também elementos prosaicos, comuns,

da realidade cotidiana. De forma irônica, o autor zomba da figura do poeta

e de sua condição no mundo burguês; questiona seus próprios heróis; troca

a disciplina e o estudo pela indolência e pelo vício; compara a musa inspiradora à fumaça de um charuto; substitui o ambiente etéreo por uma lua

“amarelada”, “vagabunda” e acompanhada por nuvens “cor de cinza”.

Como para o eu lírico o pranto não é amargo e, ao contrário disso, inspira prazer, o

poema dialoga diretamente com a epígrafe, pois, de acordo com os versos do poeta

espanhol, “As lágrimas [...] divertem / Em vez de doer”.

O “mal do século”

A expressão acima começou a ser

empregada entre os autores românticos

europeus, após 1830, para designar a

inadequação do eu à ordem do mundo.

Esse mal-estar existencial se traduziu

em uma produção literária marcada por

um pessimismo profundo, melancolia,

tédio, tristeza e sofrimento.

Os poetas viram nesse momento,

como saída para o desencanto do mundo e como fuga da vida cotidiana, uma

poesia voltada para a imaginação, a

fantasia, o devaneio, o sonho, a nostalgia da infância, o mistério, a noite, a

loucura, o vício e a morte.

A literatura de evasão pelos sonhos

cultivada pelos poetas românticos valoriza um estado mental que, no final do

século XIX, foi bastante explorado por

Freud e depois, a partir da década de

1920, pelos surrealistas.

Álvares de Azevedo

Manuel Antônio Álvares de Azevedo

nasceu em 1831, na cidade de São Paulo. Mudou-se com a família para o Rio

de Janeiro, onde passou a infância e

realizou os estudos básicos. Originário

de uma família abastada, deu continuidade aos estudos em São Paulo, onde

ingressou na faculdade de Direito em

1848. Em sua vida estudantil, além de

se destacar como aluno brilhante, revelou-se um talento literário precoce.

Toda a obra do autor, constituída por

poemas, contos, ensaios, cartas e uma

peça de teatro, foi produzida enquanto

ele cursava Direito. Nesse período, integrou grupos boêmios e participou da

Sociedade Epicureia, associação dos

estudantes de Direito que tinha como

principal fonte de inspiração os textos

literários e o modo de vida do poeta

inglês Lorde Byron.

Em 1852, em decorrência da queda

de um cavalo, morreu aos 21 anos, sem

ter visto sua obra reunida e publicada

em livros.

Biblioteca Nacional

UNIDADE 1 EU E O MUNDO 50

APLIQUE O QUE APRENDEU

Leia as tiras abaixo, de Caco Galhardo, e responda às questões de 1 a 4.

(Folha de S. Paulo, 18/4/2011.)

Aspectos formais e

semânticos do comparativo e

do superlativo

Os graus comparativo e o superlativo

podem apresentar variações sintáticas

e semânticas.

O comparativo pode expressar:

• igualdade: Ela é tão simpática

quanto a amiga.

• superioridade: Ela é mais simpática

do que a amiga.

• inferioridade: Ela é menos simpática

do que a amiga.

O superlativo pode se dar de forma:

• analítica (com o emprego de palavras

como muito, bastante + adjetivo): Ela

é muito simpática.

• sintética (com o emprego de adjetivo

+ sufixo): simpaticíssima.

O superlativo é relativo quando uma

qualidade de um ser é destacada em

relação a outros. Nesse caso, há o emprego de artigo e das expressões mais

... de, menos ... de: Ela é a garota mais

simpática da empresa.

(Folha de S. Paulo, 28/7/2011.)

1. A personagem Lili, da primeira tira, está separada do marido, mas mantém amizade com ele. Levante hipóteses: Por que ela estava entrevistando outras mulheres?

2. Segundo o ex-marido, entre as duzentas mulheres entrevistadas, havia

“loiras lindíssimas, ruivas estonteantes, morenas esculturais”.

a. Quais são os adjetivos empregados na caracterização dessas mulheres?

b. Entre esses adjetivos, apenas um está no grau superlativo. Qual é ele?

c. Do ponto de vista semântico, o emprego do superlativo, no contexto,

confere ao adjetivo que está nesse grau um sentido mais destacado

do que o dos demais adjetivos? Justifique sua resposta.

3. No último quadrinho da tira, Lili responde “Li-xo!”, o que corresponde a:

“Elas são li-xo!”.

a. Por que Lili não gostou de nenhuma das mulheres que entrevistou?

b. Levante hipóteses: Por que a palavra lixo está dividida silabicamente?

c. A palavra lixo é, normalmente, substantivo. No contexto, ela tem esse

valor? Justifique sua resposta.

4. Na segunda tira, a personagem diz que precisam escolher a goleira do

time e “ela tem que ser a mais alta”.

a. Em que grau está o adjetivo alta?

b. A que substantivo se refere a palavra alta: a goleira ou a outro substantivo, não explícito? Justifique sua resposta.

Para escolher uma delas para se tornar namorada ou

mulher do ex-marido.

lindíssimas, estonteantes, esculturais

lindíssimas

2. c) Não, pois os adjetivos estonteantes e esculturais têm um valor semântico tão destacado quanto

lindíssimas, o que ocorre por causa da carga semântica dessas palavras.

3. a) Porque está com ciúme e, por isso, acha que todas são inadequadas.

Para destacar a palavra, sugerindo total desprezo de Lili pelas mulheres.

Não; no contexto, ela tem valor de adjetivo, porque é utilizada para caracterizar as mulheres entrevistadas. Equivale

a dizer que as mulheres são “horríveis” ou “inadequadas”.

Está no superlativo relativo.

Essa informação não está explícita no texto. Pode se referir à goleira mais alta entre as candidatas a goleira

ou pode se referir à jogadora mais alta entre as que foram escaladas para jogar.

Caco Galhardo Caco Galhardo UNIDADE 1 EU E O MUNDO 58

9. Entre os itens a seguir, indique em seu caderno qual não corresponde

a um compromisso que os documentaristas devem assumir com os

participantes do documentário.

a. Manter uma relação ética, em que haja respeito e lealdade entre

quem vai dar o depoimento e quem vai divulgá-lo.

b. Esclarecer que o ponto de vista do filme independe da posição dos

entrevistados.

c. Deixar em aberto a possibilidade de, em um mesmo documentário,

expor opiniões contraditórias ou ideias em conflito.

d. Concordar com tudo o que é dito pelos entrevistados.

10. A seguir estão relacionadas as ações que normalmente se incluem nas

diversas etapas de produção de um documentário.

• definição do tema a ser abordado

• determinação do público-alvo

• pesquisa sobre o tema escolhido

• elaboração de um pré-roteiro, com especificação de cenas, depoimentos e relatos que se deseja captar

• elaboração do contrato ou da declaração a ser assinado(a) pelos participantes do filme

• agendamento das gravações com os participantes do documentário

• gravação de conversas, entrevistas e depoimentos

• conferência dos conteúdos gravados e comparação entre o que se

esperava e o que foi obtido

• captação de cenas e depoimentos faltantes

• elaboração de um roteiro de montagem do documentário, com a descrição detalhada das imagens, das falas e dos créditos a serem colocados no filme

• seleção das imagens mencionadas no roteiro de montagem

• edição em computador das imagens, na sequência e nos formatos

especificados no roteiro de montagem

• conferência e finalização da edição

• exibição do filme ou disponibilização dele na Internet

Indique as ações que fazem parte das etapas:

a. planejamento do filme;

b. preparação e filmagem das cenas;

c. edição do filme;

d. divulgação do filme.

11. Tendo em vista as respostas dos itens da questão anterior, conclua:

Na produção de um documentário, em quais etapas se concentra a

maior parte do trabalho?

X

10. a) definição do tema a ser abordado; determinação do público-alvo; pesquisa

sobre o tema escolhido; elaboração de

um pré-roteiro, com especificação de

cenas, depoimentos e relatos que se

deseja captar; elaboração do contrato

ou da declaração a ser assinado(a) pelos participantes do filme; agendamento

das gravações com os participantes do

documentário

10. b) gravação de conversas, entrevistas e

depoimentos; conferência dos conteúdos gravados e comparação entre o que

se esperava e o que foi obtido; captação

de cenas e depoimentos faltantes

10. c) elaboração de um roteiro de montagem

do documentário, com a descrição detalhada das imagens, das falas e dos créditos a serem colocados no filme; seleção

das imagens mencionadas no roteiro de

montagem; edição em computador das

imagens, na sequência e nos formatos

especificados no roteiro de montagem;

conferência e finalização da edição

REGISTRE

NO CADERNO

exibição do filme ou disponibilização dele na Internet

Nas etapas do planejamento e da edição.

Pesquisar e pesquisar

Normalmente, a pesquisa é

o primeiro grande passo de um

documentário. Mesmo quando o realizador conhece fatos e

personagens, e supõe os aspectos da história que vai contar, é

durante a pesquisa que muito

do que vai ser perseguido nas

gravações vai se delinear. Mas

diferente dos filmes de ficção,

que trabalham com roteiros

bem definidos, o documentário muitas vezes é um na hora

da pesquisa e outro na hora

das gravações. Muitas vezes é

outro na hora da montagem.

[...] O que é importante é que

haja compromissos claros entre os sujeitos e a realidade

retratada, entre o público que

vai assistir e as intenções de

seu autor. É do equilíbrio e do

respeito entre essas forças que

nasce uma obra.

(Eduardo Ramos. Disponível em:

http://nucleodevideosp.cmais.com.br/uma-conversasobre-documentario-3. Acesso em: 20/11/2015.)

Shutterstock

89PRODUÇÃO DE TEXTO

O Romantismo no Brasil (II). O artigo. O documentário CAPÍTULO 3

381 MANUAL DO PROFESSOR

PortuguesContemporaneo3_MP_337a384.indd 381 16/05/16 09:13

P:384

MUNDO

Empreendedorismo e Internet

Muitos jovens utilizam a Internet hoje em dia não apenas como meio de comunicação

com amigos pelas redes sociais, mas também como meio de trabalho. Alguns deles se tornam referência para milhares de outros jovens, ao disseminar comportamentos e lançar

tendências, fazendo do mundo digital um empreendimento pessoal. Uma pesquisa feita

com 1 êê0 jovens de todas as classes sociais e regiões do Brasil, publicada em 201ê pela

Fundação Telefônica/Vivo, em parceria com o Ibope, o Instituto Paulo Montenegro e a Escola do Futuro da USP, revelou que grande parte deles utiliza a Internet para desenvolver

projetos, realizar inovações, abrir negócios, entre outras possibilidades. Veja, a seguir, na

forma de gráficos, alguns dos resultados obtidos pelo estudo.

TECNOLOGIA

Fundação Telefônica Vivo

1

2

3

7

6

5

4

246 UNIDADE 3 PALAVRAS EM MOVIMENTO

Com base na leitura dos gráficos, troque ideias com os colegas:

1. O perfil dos alunos da classe coincide com o da maioria apontado pela pesquisa?

2. Vocês conhecem algum empreendedor digital? Em qual ramo de atividade ele está envolvido?

3. Alguém da classe já trabalha ou pretende trabalhar com Internet? Como?

(Gráficos disponíveis em: http://fun

dacaotelefonica.org.br/wp-content/

uploads/pdfs/juventude_conectada

online.pdf. Acesso em: 22/9/2015.) Fundação Telefônica Vivo Fundação Telefônica Vivo

247 O Barroco no Brasil (II). Ortografia. O artigo de opinião CAPÍTULO 3

Mundo plural

Esta seção é facultativa nos capítulos e aparece duas vezes em cada volume,

podendo ocorrer na parte de literatura, na de gramática ou na de produção de

textos, indiferentemente.

O objeto desta seção é estabelecer vínculos entre o conteúdo trabalhado no

capítulo e a realidade em que vivemos hoje. Assim, por exemplo, se o texto literário explorado envolve uma questão de ética, apresentamos um texto que discute a ética na política ou na imprensa; se, em produção de texto, o estudante

está trabalhando com gêneros digitais, apresentam os um texto sobre empreendedorismo e Internet; se um texto trabalhado na parte de produção textual

aborda a discriminação da mulher ou do negro na sociedade, apresentamos um

texto sobre o preconceito; ao ser trabalhado o tema do meio ambiente, apresentamos um texto que analisa as relações entre consumo e meio ambiente; e

assim por diante.

Além do texto, sugerimos também um conjunto de questões que servem de

roteiro para uma discussão em torno do texto.

382 MANUAL DO PROFESSOR

PortuguesContemporaneo3_MP_337a384.indd 382 16/05/16 09:13

P:385

Por dentro do Enem e do vestibular

Esta seção aparece ao final de cada uma das quatro unidades dos três volumes

da coleção e contempla as três frentes – Literatura, Língua e linguagem e Produção de texto. Ela sempre se inicia com uma questão comentada do Enem, a fim

de que o estudante conheça as exigências desse sistema de avaliação e, também,

algumas estratégias para a leitura e a resolução das questões propostas. Além do

Enem, a seção também reúne provas de redação e questões objetivas e dissertativas de diferentes vestibulares do país. Como as propostas de redação e as questões se relacionam com os conteúdos trabalhados na unidade, o professor pode

solicitar aos estudantes que as resolvam à medida que os conteúdos vão sendo

desenvolvidos ou que resolvam esse conjunto de questões quando terminar a

unidade. A resolução também pode ser feita individualmente ou em grupos, na

própria sala de aula ou em casa.

ENEM EM CONTEXTO

Há questões do Enem, nas provas de Língua Portuguesa, nas quais são explorados textos que

estabelecem diálogos com diferentes períodos históricos. Veja como isso ocorre na questão a seguir

e tente resolvê-la.

(ENEM)

Casa dos Contos

& em cada conto te cont

o & em cada enquanto me enca

nto & em cada arco te a

barco & em cada porta m

e perco & em cada lanço t

e alcanço & em cada escad

a me escapo & em cada pe

dra te prendo & em cada g

rade me escravo & em ca

da sótão te sonho & em cada

esconso me affonso & em

cada claúdio te canto & e

m cada fosso me enforco &

ÁVILA, A. Discurso da difamação do poeta. São Paulo: Summus, 1978.

O contexto histórico e literário do período barroco-árcade fundamenta o poema Casa

dos Contos, de 1975. A restauração de elementos daquele contexto por uma poética contemporânea revela que:

a. a disposição visual do poema reflete sua dimensão plástica, que prevalece sobre a observação da realidade social.

b. a reflexão do eu lírico privilegia a memória e resgata, em fragmentos, fatos e personalidades da Inconfidência Mineira.

c. a palavra “esconso” (escondido) demonstra o desencanto do poeta com a utopia e sua

opção por uma linguagem erudita.

d. o eu lírico pretende revitalizar os contrastes barrocos, gerando uma continuidade de

procedimentos estéticos e literários.

e. o eu lírico recria, em seu momento histórico, numa linguagem de ruptura, o ambiente

de opressão vivido pelos inconfidentes.

X

Para a resolução da questão, é importante conhecer a história dos poetas árcades e o envolvimento que tiveram com a Inconfidência Mineira. E também ter conhecimentos a respeito da poesia

concreta, que subverte a forma e realiza experiências com a linguagem.

As afirmações feitas nas alternativas de a a d contêm elementos que não podem ser inferidos

com base nos dados da questão, tais como observação da realidade social, resgate de fatos e personalidades pela memória, desencanto com a utopia e revitalização dos contrastes barrocos.

A afirmação da alternativa correta, a e, por sua vez, é a que tem relação com a solicitação feita

na questão, por mencionar o ambiente opressor vivido pelos inconfidentes, referido no poema em

trechos como “em cada escada me escapo”, “em cada pedra te prendo”, “grade”, “escravo”, “sótão”,

“fosso” e na alusão à figura histórica de Cláudio Manuel da Costa, poeta inconfidente que morreu

enforcado na prisão.

POR DENTRO DO ENEM E DO VESTIBULAR

UNIDADE 4 PALAVRA E RAZÌO 324

QUESTÕES DO ENEM E DO VESTIBULAR

(ENEM) Texto para as questões 1 e 2:

1 Torno a ver-vos, ó montes; o destino

Aqui me torna a pôr nestes outeiros, 

Onde um tempo os gabões deixei grosseiros

4 Pelo traje da Corte, rico e fino.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino,

Os meus fiéis, meus doces companheiros,

7 Vendo correr os míseros vaqueiros

Atrás de seu cansado desatino.

Se o bem desta choupana pode tanto,

10 Que chega a ter mais preço, e mais valia

Que, da Cidade, o lisonjeiro encanto,

Aqui descanse a louca fantasia,

13 E o que até agora se tornava em pranto

Se converta em afetos de alegria.

Cláudio Manoel da Costa. In: Domício Proença Filho.

A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2çç2, p. 78-9.

1. Considerando o soneto de Cláudio Manoel da Costa e

os elementos constitutivos do Arcadismo brasileiro, assinale a opção correta acerca da relação entre o poema

e o momento histórico de sua produção.

a. Os “montes” e “outeiros”, mencionados na primeira

estrofe, são imagens relacionadas à Metrópole, ou

seja, ao lugar onde o poeta se vestiu com traje “rico

e fino”.

b. A oposição entre a Colônia e a Metrópole, como núcleo do poema, revela uma contradição vivenciada

pelo poeta, dividido entre a civilidade do mundo urbano da Metrópole e a rusticidade da terra da Colônia.

c. O bucolismo presente nas imagens do poema é elemento estético do Arcadismo que evidencia a preocupação do poeta árcade em realizar uma representação literária realista da vida nacional.

d. A relação de vantagem da “choupana” sobre a “Cidade”, na terceira estrofe, é formulação literária que

reproduz a condição histórica paradoxalmente vantajosa da Colônia sobre a Metrópole.

e. A realidade de atraso social, político e econômico do

Brasil Colônia está representada esteticamente no

poema pela referência, na última estrofe, à transformação do pranto em alegria.

2. Assinale a opção que apresenta um verso do soneto de

Cláudio Manoel da Costa em que o poeta se dirige ao

seu interlocutor.

X

a. “Torno a ver-vos, ó montes; o destino” (v. 1)

b. “Aqui estou entre Almendro, entre Corino,” (v. 5)

c. “Os meus fiéis, meus doces companheiros,” (v. 6)

d. “Vendo correr os míseros vaqueiros” (v. 7)

e. “Que, da Cidade, o lisonjeiro encanto,” (v. 11)

3. (ENEM)

Manuel Bandeira

Filho de engenheiro, Manuel Bandeira foi obrigado a abandonar os estudos de arquitetura por causa

da tuberculose. Mas a iminência da morte não marcou de forma lúgubre sua obra, embora em seu humor

lírico haja sempre um toque de funda melancolia, e

na sua poesia haja sempre um certo toque de morbidez, até no erotismo. Tradutor de autores como Marcel

Proust e William Shakespeare, esse nosso Manuel traduziu mesmo foi a nostalgia do paraíso cotidiano mal

idealizado por nós, brasileiros, órfãos de um país imaginário, nossa Cocanha perdida, Pasárgada. Descrever

seu retrato em palavras é uma tarefa impossível, depois que ele mesmo já o fez tão bem em versos.

Revista Língua Portuguesa, no

4ç, fev. 2ç.

A coesão do texto é construída principalmente a partir

do(a):

a. repetição de palavras e expressões que entrelaçam

as informações apresentadas no texto.

b. substituição de palavras por sinônimos como “lúgubre” e “morbidez”, “melancolia” e “nostalgia”.

c. emprego de pronomes pessoais, possessivos e demonstrativos: “sua”, “seu”, “esse”, “nosso”, “ele”.

d. emprego de diversas conjunções subordinativas que

articulam as orações e períodos que compõem o texto.

e. emprego de expressões que indicam sequência, progressividade, como “iminência”, “sempre”, “depois”.

4. (FUVEST-SP) Leia os versos abaixo, pertencentes a uma

cantiga de amigo, do Trovadorismo português.

Ai, flores, ai flores do verde ramo

se sabedes novas do meu amado?

Ai, Deus, e u é?

(sabedes = sabeis; u = onde)

Encontre no trecho um exemplo de derivação imprópria.

X

X

amado

REGISTRE

NO CADERNO

325 Por dentro do Enem e do vestibular

383 MANUAL DO PROFESSOR

PortuguesContemporaneo3_MP_337a384.indd 383 16/05/16 09:13

P:386

APÊNDICE

Homônimos e parônimos

acender: pôr fogo ascender: elevar-se, subir

acento: inflexão de voz, tom de voz assento: base, lugar de sentar-se

acessório: o que pertence a um instrumento ou máquina;

o que não é principal

assessório: relativo a assessor, isto é, a assistente

caçado: apanhado na caça cassado: anulado

cegar: tornar ou ficar cego segar: ceifar

cela: aposento de religiosos; pequeno quarto sela: arreio de cavalgadura

censo: recenseamento senso: juízo

cessão: ato de ceder sessão: tempo de duração de um espetáculo ou uma reunião

secção ou seção: corte, divisão

chá: bebida preparada com folhas xá: título do soberano da Pérsia

cheque: ordem de pagamento xeque: perigo; lance de jogo de xadrez; chefe de tribo árabe

cível: relativo ao Direito Civil civil: polido; referente às relações entre cidadãos

cocho: recipiente feito geralmente com tronco de árvore coxo: que manca

comprimento: extensão cumprimento: ato de cumprimentar; saudação

concerto: sessão musical; harmonia conserto: remendo, reparo

coser: costurar cozer: cozinhar

deferir: atender, conceder diferir: distinguir-se; adiar

desconcertado: embaraçado, perturbado desconsertado: desarrumado, estragado

descrição: ato de descrever discrição: qualidade de ser discreto

descriminar: inocentar discriminar: distinguir, diferenciar

despensa: compartimento da casa em que se guardam

mantimentos

dispensa: ato de dispensar

despercebido: não notado desapercebido: desprevenido; desprovido

emergir: sair de onde estava mergulhado; vir à tona imergir: mergulhar

emigração: ato de emigrar (sair do país) imigração: ato de imigrar (entrar em um

país para nele morar)

eminente: superior, excelente iminente: que está prestes a acontecer

empossar: dar posse empoçar: formar poça

espectador: aquele que assiste a algo expectador: aquele que tem expectativa

espiar: espreitar expiar: sofrer pena ou castigo

esterno: osso da região do tórax externo: que está fora

estirpe: raiz; linhagem extirpe: forma do verbo extirpar (arrancar, extinguir)

estrato: camada; sequência de um tipo de nuvens extrato: produto resultante de extração

flagrante: evidente, manifesto fragrante: perfumado; aromático

fluir: mover-se de forma contínua fruir: desfrutar

fuzil: arma de fogo fusível: dispositivo utilizado em instalações elétricas

incidente: que incide; episódio acidente: acontecimento imprevisto; formação irregular

relativa ao relevo geográfico

infligir: aplicar ou impor castigo ou pena infringir: transgredir

incipiente: que está no começo; iniciante insipiente: que não tem sabedoria

intenção: propósito  intensão: intensidade, força

intercessão: ato de interceder interseção: ato de cortar

laço: nó que se desata facilmente lasso: fatigado, cansado

mandado: ordem judicial mandato: período de permanência em um cargo

330 APÊNDICE

APæNDICE

Formação dos tempos verbais simples

segundo a gramática normativa

Presente do indicativo, presente do subjuntivo

e imperativo

1. Do presente do indicativo deriva o presente do subjuntivo.

• 1ª conjugação: troca-se a vogal final do presente do indicativo por -e.

• 2ª e 3ª conjugações: troca-se a vogal final da 1ª pessoa do presente do indicativo por -a.

1

a. CONJUGAÇÃO 2

a. CONJUGAÇÃO 3

a. CONJUGAÇÃO

PRESENTE DO

INDICATIVO

PRESENTE DO

SUBJUNTIVO

PRESENTE DO

INDICATIVO

PRESENTE DO

SUBJUNTIVO

PRESENTE DO

INDICATIVO

PRESENTE DO

SUBJUNTIVO

conto

contas

conta

contamos

contais

contam

conte

contes

conte

contemos

conteis

contem

vivo

vives

vive

vivemos

viveis

vivem

viva

vivas

viva

vivamos

vivais

vivam

ajo

ages

age

agimos

agis

agem

aja

ajas

aja

ajamos

ajais

ajam

2. Do presente do indicativo e do presente do subjuntivo originam-se o imperativo afirmativo e o imperativo negativo.

PRESENTE DO

INDICATIVO

IMPERATIVO

AFIRMATIVO

PRESENTE DO

SUBJUNTIVO

IMPERATIVO

NEGATIVO

falo

falas/

fala

falamos

falais/

falam

__________

fala tu

fale você

falemos nós

falai vós

falem vocês

fale

fales

fale

falemos

faleis

falem

__________

não fales tu

não fale você

não falemos nós

não faleis vós

não falem vocês

340 APÊNDICE

APæNDICE

Análise sintática do período composto

A análise da função que as orações podem exercer nos períodos, também conhecida

como análise sintática do período composto, já teve, no passado, bastante relevância nos

estudos de gramática na escola.

Nos dias de hoje, quando os estudos da língua se voltam mais para as funções sociais

do texto e a adaptação da linguagem a situações de comunicação diversas – isto é, o uso

da língua para produzir e ler textos dos mais variados gêneros de forma adequada e coerente – a análise das orações perdeu prestígio. Alguns de seus conceitos básicos, entretanto, podem auxiliar no estudo de certos tópicos importantes da gramática prescritiva e da

norma-padrão, como a pontuação.

Apresentamos, em caráter complementar e para fins de consulta, as orações coordenadas e subordinadas de nossa língua, segundo a descrição da gramática normativa. Consulte-a sempre que houver necessidade.

Orações coordenadas

São aquelas que possuem independência sintática, ou seja, cada uma delas apresenta

sujeito, predicado e outros termos da oração, sem precisar se ligar a outra oração para

se completar. Podem ser assindéticas, quando se ligam umas às outras sem conjunção, e

sindéticas, quando se ligam por meio de conjunção.

As orações coordenadas sindéticas classificam-se em:

• Aditivas: Estabelecem com a oração anterior uma relação de adição ou acréscimo. As

principais conjunções são: e, nem, que e as locuções não só... mas (também), tanto...

como, etc.

Fui ao banco e paguei todas as contas.

• Adversativas: Estabelecem com a oração anterior uma relação de oposição, contraste,

ressalva. As conjunções mais comuns são: mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no

entanto.

Fui ao banco, mas não consegui pagar as contas.

• Alternativas: Expressam alternância ou ideias que se excluem. As conjunções mais

usadas são: ou, ou... ou, ora... ora, quer... quer, já... já, etc.

330 APÊNDICE

Apêndice

O apêndice é uma seção que se encontra ao

final de cada volume, na qual são expostos de

forma direta e objetiva conteúdos específicos da

gramática normativa, tais como listas de palavras

homônimas e parônimas, conjugações verbais,

classificações sintáticas. O apêndice tem por objetivo servir como material de referência, disponível para que os estudantes o consultem quando

julgarem necessário.

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